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de René Magritte, 1936.


"A chave dos campos" (La clef des champs), óleoque sugere a liberação de
"La clef des champs" é uma expressão francesa
todo constrangimento físico ou mental.

Dados de Catalogação na Publicação (cIP) Internacional


(Cámara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Aranha, Maria Lucia de Arruda.


A681f
a
Filosofando : introduçao filosofia / Maria Lucia|
de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins. -- Sao
Paulo Moderna, 1986.
Bibliografia.
- e ensino 2. Filosofia (29
1. Filosofia Estudo Helena
grau)
I.
Martins, Maria Pires. Titulo. II.

onrar um pensador não é elogiá-lo, nem mesmo interpre-


CDD-107 tá-lo, mas discutir sua obra, mantendo-o, dessa forma, vivo, e
86-11565
demonstrando, em ato, que ele desafia o tempo e mantém sua
Indices para catálogo sistemático: relevância. (Cornelius Castoriadis)
107
1. Filosofia : Estudo e ensino
Ofilósofo é o homem que desperta e fala. (Merleau-Ponty)

A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo. (Mer-


Todos os direitos reservados leau-Ponty)
EDITORA MODERNA LTDA.
431
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Tel.: S31-5099 Brasil
CEP 04511 São Paulo SP
1988

Impresso no Brasil
mou: "O romance experimental é uma consequência da evolução científica Capítulo 16
a
do século; cabe-lhe continuar e completar fisiologia..
.; ele substitui o
estudo do homem abstrato, do homem metafísico, pelo estudo do homem
natural, submetido às leis físico-químicas e determinado pelas influências
O nascimento das ciências
do meio".
No Brasil, enquadram-se nessa linha os romances de Alufsio Azevedo:
humanas
O mulato, 0 cortiço e Casa de pensão.
A propósito de uma visão crítica do positivismo, consulte o Capítulo 17. "Com Copérnico, o homem deixou de estar no centro do universo.
Com Darwin, o homem deixou de ser o centro do reino animal. Com
Marx, o homem deixou de sero centro da história (que aliás, não possui
Questionário um centro). Com Freud, o homem deixou de ser o centro de si mesmo."
(Eduardo Prado Coelho)
1. O.que é cientificismo?
O que são os três estados para Comte? Quais são as caracteristicas principais de
1. Introdução
2.
cada estado?
3. O que significa positivo para Comte?
As ciências humanas começam a surgir a partir do final do século XIX,
4. O que é determinismo?
mas ainda hoje se acham dila eradas na tentativa de estabelecer o método
S. Que papei o nositivismo reserva à filosofia?
adequado à compreensão dos fenômenos do comportamento humano. Sim-
6. Qual é a classificação das ciências proposta por Comte? Qual é o critério usado?
plificando as diversas tendências, podemos dizer que há uma corrente natu-
7. Qual 6 a importância da ordem e do progresso para Comte?
ralista, derivada da tentativa de adequar o método das ciências da natureza
8. O que é a religião da humanidade?
às ciências humanas, e uma corrente humanista, preocupada com a especifi-
9. Quais são os três fatores que explicam a vida humana social segundo a sociologia
cidade dos fenômenos humanos e que busca um método diferente daqueles
de Taine?
usados até então.
10. Qual a influência do positivismo na atura?
As ciências humanas encontram-se também diante de um novo con-
ceito de homem, ferido em seu narcisismo. A epígrafe do capítulo refere-se
ao tema clássico das "feridas narcísicas" levantado pela primeira vez por
Freud e objeto de reflexão do filósofo francês Michel Foucault. Se lem-
brarmos que o Iluminismo exalta a razão humana como capaz de entender
e dominar a natureza, compreende-se o profundo mal-estar expresso na afir-
mação inicial.
O que se discute não é apenas o método das ciências humanas, mas é o
próprio conceito de ciência, que será questionado no nosso século. Vejamos
os antecedentes desses problemas, desde o século XVII.

Quando estudamos Descartes no capítulo anterior, vimos que o seu


pensamento desemboca num dualismo psicofisico. Se você se lembra bem,
para Descartes, o homem é constituído por duas substâncias: uma de natu-
reza espiritual (a res cogitans)e outra de natureza material (a res extensa).
Esta última pode ser objeto das ciências da natureza, que mecanicamente
explicam o funcionamento da "máquina" do corpo. Mas a res cogitans, lugar
da liberdade, só pode ser objeto da reflexão filosófica.
Vimos também que a corrente empirista, derivada do pensamento de
Descartes mas se opondo ao seu racionalismo, preocupa-se com os processos
mentais e corporais. Especulando a respeito da natureza dos mecanismos e ou provocar a superpopulação num condomínio a fim de observar a variação
processos fisiológicos que constituem a base de fenômenos como a percepção do índice de violência.
e a recordação, os empiristas estabelecem os antecedentes das pesquisas que Além disso, é preciso saber o que deverá ser observado: se o compor-
serão feitas pela medicina do século XIX sobre o fundamento biológico dos tamento externo do indivíduo ou grupo, ou apenas o relato do que sentiram.
fenômenos mentais. Esta técnica, chamada introspecção (olhar para dentro), pode ser falseada
pelo indivíduo voluntariamente, quando mente, ou involuntariamente, por
Paralelamente, dá-se o desenvolvimento das ciências da natureza (física,
química, biologia), na medida em que usam o método experimental.
motivos que precisariam ser detectados. De qualquer forma, h algumas
tendências que consideram discutíveis certas formas de experimentação.
Estabelecido o ideal de cientificidade, ou seja, aceitos os princípios da
Outra questão refere-se à matematização. Se a passagem da física aristo-
experimentação e da matematização como inerentes ao conceito de ciência, télica para a física clássica de Galileu se deu pela transformaçāão das quali-
como ficam as aspirações das ciências humanas de se constituírem como tal? dades em quantidades, conclui-se que uma ciência seria mais rigorosa quanto
mais matematizável fosse. Ora, esse ideal é inaplicável às ciências humanas,
2. Ciências humanas: objeto e dificuldades de se cujos fenômenos sāo essencialmente qualitativos. No entanto, sabemos que
técnicas estatísticas são utilizadas, mas os resultados são aproximados e su-
constituírem em ciências
jeitos a interpretação.
De fato, enquanto todas as outras ciências têm como objeto algo que se Outra dificuldade reside na subjetividade. As ciências da natureza aspi-
encontra fora do sujeito cognoscente, as ciências humanas têm como objeto ram à objetividade, que consiste na descentração do eu no processo de
o próprio ser que conhece. E fácil imaginar as dificuldades da economia, da conhecer: na capacidade de lançar hipóteses verificáveis por todos, fornc-
sociologia, da psicologia, da geografia humana, da história, para estudar com cendo instrumentos de controle; e na descentração das emoçõcs c da própria
objetividade aquilo que diz respeito ao próprio homem tão diretamente. subjetividade do cientista. Mas, se o sujeito que conhece é da mesma natu-
reza do objeto conhecido, parece ser grande o risco de essa descentração
Vejamos quais são as dificuldades enfrentadas pelas ciências humanas.
não ocorrer. Imagine como analisar o medo, sendo o próprio analista uma
Há uma complexidade inerente aos fenômenos humanos, sejam psíqui- pessoa sujeita ao medo; ou interpretar a história, estando situado numa dada
cos, sociais ou econômicos, com inúmeros aspectos que não podem ser sim- perspectiva histórica; ou analisar a família, fazendo parte de uma; ou ser
plificados. Em física, por exemplo, ao estudar as condições de pressão, volu-
me e temperatura, é possível simplificar o fenômeno tornando constante um
e
economista, vivendo num sistema econômico de um sistema econömico. .

desses fatores. O comportamento humano, entretanto, como somatória de


Por fim, se a ciência supõe o determinismo, como fica a questão da
liberdade humana? Por haver regularidades na natureza, é possível estabe
influências como hereditariedade, meio, impulsos, desejos, memória etc. é lecer leis e por meio delas prever a incidência de um determinado fenômeno.
um fenômeno extremamente complexo. Já pensou como seria avaliar o com-
Mas como isso seria possível, se admitíssemos a liberdade do homem? E se
portamento dos eleitores numa eleição presidencial? Ou procurar explicar o ele estivesse submetido a determinismos, seria da mesma torma e intensidade
fenômeno do linchamento ou da vaia?
que para os seres inertes? (sobre a questão da liberdade, ver Cap. 29).
Outra dificuldade encontra-se na experimentação. Isso não significa que Essas colocações foram feitas não com a intenção de mostrar que as
ela seja impossível, mas é difícil identificar e controlar os diversos aspectos
ciências humanas são inviáveis, pois elas aí estão, procurando o seu espaço.
que influenciam os atos humanos.
Quisemos apenas discutir a diferença da sua natureza e as dificuldades que
Além disso, a natureza artificial dos experimentos controlados em labo- têm encontrado até o momento. Veremos que a maneira de enfrentar esses
ratório podem falsear os resultados. A motivação dos sujeitos também é problemas tem determinado o tipo de metodologia que as caracteriza.
variável, e as instruções do experimentador podem ser interpretadas de ma-
neiras diferentes. Da mesma forma, a repetição do fenômeno pode alterar os
efeitos, pois nunca uma repetição se fará sem modificações, já que, para o 3. Influência positivista
homem, a situação sempre será vivida de maneiras diferentes.
E ainda: certos experimentos sofrem restrições de caráter moral, pois O positivismo estabeleceu critérios ríigidos para a ciência, exigindo que
não se pode submeter o ser humano, indiscriminadamente, a experiências ela se fundasse na observação dos fatos. A mesma exigência é estabclecida
que arrisquem sua integridade física, psíquica ou moral. Por exemplo: obser- para a sociologia e. evidentemente, para qualquer outra ciência hun:ana.
var as reações de pânico num grupo de pessoas presas numa sala em chamas; Durkheim, ao deser volver o método sociológico, recomendava <que os latos
suciais fossem observados como coisas. Essa preocupação em tornar o sujeito levaram à explicação da aprendizagem pelo reflexo condicionado. Observe
das ciências humanas um objeto semelhante ao das ciências da natureza o esquema:
marcou com cores fortes a primeira tendência metodológica.
ESTIMULo RESPOSTA
A psicologia experimental alimento reflexo simples- nāo condicionado saliva
Para melhor compreender essa tendência positivista, escolhemos a psi condicionado
cologia como exemplo. Comte sempre fez restrições a ela pois, segundo suas reflexo
palavras, "não podemos estar à janela e ver-nos passar pela rua. No teatro,
"aprumar" as
não podemos ser, ao mesmo tempo, ator no palco e espectador na sala". Isso
significa um veto positivista à psicologia, recusando a introspecção, em som reflexo simples- não condicionado orelhas etc.
todas as suas formas, como contemplação ilusória do espírito por si mesmo.
Esse veto pesou sobre a psicologia desde a metade do século XIX, o Temos af dois tipos de estímulos não condicionados, que produzem um
que nos faz perguntar como, apesar dele, a psicologia conseguiu se constituir reflexo simples, imediato, não aprendido: diante do alimento, o animal (ou
em ciência. o homem) produz salivação automaticamente; da mesma forma, ao ouvir
uma campainha, o cachorro fica "com as orelhas em pế". Se associarmos
Ora, o que ocorreu foi que os primeiros psicólogos, seguindo a tendên-
os dois eventos, isto é, a apresentação do alimento e o som da campainha,
cia naturalista, aplicaram o método das ciências da natureza às ciências
haverá um momento em que esse som provocará salivação sem a presença
humanas e, abandonando as preocupações de caráter filosófico, como a
do alimento. Isso significa que o som, que era um estímulo neutro para a
indagação a respeito da origem, destino ou natureza da alma ou do conhe-
salivação, passa a ser um estímulo eficaz: criou-se um reflexo condicionado,
cimento, se voltaram para os aspectos do comportamento que podem ser
houve uma aprendizagem. No caso, o estímulo alimento é chamado reforça-
verificados experimentalmente.
dor positivo, pois é ele que torna a reação mais freqüente, garantindo a
manutenção da resposta. Se o reforçador não é mais apresentado, a tendência
A psicofisica na Alemanha é a extinção da resposta, isto é, desfaz-se o reflexo condicionado, e o cão
A psicologia como ciência apareceu na Alemanha, no século XIX, rela- não mais começa a salivar ao som da campainha.
cionada com os problemas de psicofisica. Da mesma forma, é possível usar um reforço negativo. Por exemplo,
Os principais representantes dessa tendência são Weber, Fechner, ao ensinar um urso a dançar, estabelece-se a seguinte associação: coloca-se
Helmholtz e Wundt, todos inicialmente médicos que se voltam para o exame o animal sobre uma chapa quente, e o reflexo simples é ele saltar seguida-
de questões relativas à percepção, estabelecendo critérios para generalizar e mente a fim de evitar o desconforto; associa-se ao evento o som de uma
quantificar a relação entre as mudanças do estímulo e os efeitos sensoriais música; retirada a chapa, só o som da música é suficiente para fazê-lo
correspondentes. dançar.
Wilhelm Wundt (1832-1920) funda em 1879, em Leipzig, o primeiro As experiências de Pavlov foram importantes para o desenvolvimento
laboratório de psicologia, desenvolvendo os processos de controle experi- do behaviorismo americano, como veremos a seguir.
mental. No seu livro Elementos de psicologia fisiológica, desenvolve o con-
ceito de método, segundo o qual a psicologia imita claramente a fisiologia.
A psicologia americana: o behaviorismo
Por isso nunca se aventurou a estudar os processos mais elevados do pensa-
mento, por considerá-los inacessíveis ao controle experimental. Voltou-se Na mesma linha experimental da psicologia alemā, desenvolve-se a psi-
para o estudo da percepção sensorial, principalmente a visão, procurando cologia americana, cujos principais representantes são William James, Wood-
estabelecer as relações entre os fenômenos psíquicos e o seu substrato orgâ- worth, Thorndike, Dewey, Cattell, Titchener.
nico, sobretudo cerebral. Oque nos interessa aqui é a principal corrente de psicologia, cuja in-
fluência se faz sentir ainda hoje: o behaviorismo. Esta palavra significa
A escola russa: Pavlov
psicologia do comportamento (behaviour "conduta"). Seu primeiro represen
O médico Pavlov (1849-1936) preocupou-se inicialmente com o funcio- tante foi Watson (1878-1958). Influenciado pelas pesquisas de Pavlov a
namento dos fenômenos da digestão e salivação. Suas experiências com cães respeito do reflexo condicionado, Watson utilizou-as amplamente em expe-

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riências com animais, já que o animal, por ter vida mais curta, permite estu- animal age visando evitar uma punição, como, por exemplo, saltar antes de
dar o mesmo processo em gerações sucessivas. Além disso, é possível lesar um choque elétrico.
órgãos a fim de conhecer suas funções. É claro que, depois, as conclusões As descobertas de Skinner são amplamente utilizadas nos Estados Uni-
são extrapoladas para a psicologia humana. dos em diversos campos da atividade humana. São usadas, por exemplo, nas
Com isso o behaviorismo pretende atingir aquele ideal positivista pelo escolas, através do desenvolvimento de um processo chamado instrução pro-
qual a psicologia, para se tornar ciência, precisaria seguir o exemplo das gramada, pela qual o texto apresentado ao aluno tem uma série de espaços
ciências naturais, tornando-se materialista, mecanicista, determinista e obje- em branco para serem preenchidos em nível crescente de dificuldade. Par-
tiva. tindo do princípio de que o reforço deve ser dado a cada passo do processo
São abandonadas todas as discussões a respeito da consciência, conceito e imediatamente após o ato, a cada momento o aluno pode conferir o erro
filosófico impróprio para uso científico. O próprio Wundt é criticado por ter ou acerto da sua resposta. Esse processo foi sofisticado na "máquina de
sucumbido a essas tendências filosóficas. ensinar", que tem a pretensão de substituir o professor em várias etapas da
A introspecção é rejeitada, e o único objeto digno de estudo é o com- aprendizagem.
portamento, em toda a sua exterioridade. Os behavioristas costumam se As técnicas skinnerianas são usadas também na educação familiar, a fim
referir à consciência como sendo uma "caixa negra", já que inacessível ao de criar bons hábitos, como a aprendizagem do controle da micção, ou para
conhecimento científico. Segundo o Dicionário do professor Piéron, a "cons- corrigir comportamentos, como reeducar a críança bagunceira ou manhosa.
ciência não é suscetível de ser definida, uma vez que designa o aspecto Também aparecem nas empresas, a fim de estimular maior produção
subjetivo e incomunicável da atividade psíquica, de que não se pode conhe por meio de pontos acumulados que serão transformados em benefícios para
cer, fora do indivíduo, senão as manifestações do comportamento". O que os melhores.
importa é estabelecer as relações causais entre estímulo e resposta (E-R). No tratamento psicológico de certos "vícios", surge a reflexologia, que
O behaviorismo nega a existência dos instintos, da inteligência inata pretende descondicionar os maus hábitos. Por exemplo, usando reforços ne-
dos dons inatos de qualquer espécie, considerados todos decorrentes da gativos, procura fazer com que um alcoólatra tenha horror à bebida. E in-
aprendizagem e da influência do meio ambiente. Daí a importância da teressante lembrar o filme Laranja mecânica, onde Stanley Kubrick faz erf-
educação infantil, momento em que se desenvolvem os reflexos condicio tica ao behaviorismo, mostrando o descondicionamento de um indivíduo
nados. violento.
"Dêem-me doze crianças sadias, de boa constituição, e a liberdade de
poder criá-las à minha maneira. Tenho a certeza de que, se escolher uma
delas ao acaso, e puder educá-la, convenientemente, poderei transformá-la
4. A critica ao positivismo: a fenomenologia
em qualquer tipo de especialista que eu queira- médico, advogado, artista,
grande comerciante, e até mesmo em mendigo e ladrão, independente de A fenomenologia é uma filosofia e um método que têm como precursor
sus talentos, propensões, tendências, aptidões, vocações e da raça de seus
Franz Brentano (final do séc. X1x). Mas foi Edmund Husserl (1859-1938)
ascendentes." 1 quem formulou as principais linhas dessa nova abordagem do real, abrindo
caminho de reflexão para filósofos como Heidegger, Jaspers, Sartre, Merleau-
Após Watson, o behaviorismo teve novo impulso com Skinner (1904). Ponty (ver Cap. 30).
Este, a partir de experiências com ratos e pombos, estabelece as leis de um
O esforço filosófico de Husserl está orientado para a discussão desta
condicionamento mais complexo do que o clássico ou pavloviano. Trata-se
situação gerada pelo positivismo: a crise da filosofia, a crise das ciências e
do condicionamento instrumental (operante ou skinneriano).
a crise das ciências humanas. Tornava-se urgente repensar os fundamentos e
Esse tipo de aprendizagem é feito nas famosas "caixas de Skinner",
a racionalidade dessas disciplinas e mostrar que tanto a filosofia quanto as
onde se coloca um animal faminto: depois de, casualmente, esbarrar diversas ciências humanas são viáveis. A proposta é um recomeço radical na ordem
vezes na alavanca, ele "percebe" que recebe alimento sempre que a aperta. do saber.
O apertar a alavanca é a resposta, dada antes do estímulo, que é o alimento.
Vamos retomar a clássica questão da relação sujeito-objeto, colocada
Skinner criou inúmeras variantes dessas caixas, inclusive aquelas em que o desde a teoria do conhecimento cartesiana. O racionalismo enfatiza o papel
atuante do sujeito que conhece, e o empirismo privilegia a determinação do
1. Watson, apud Edna Heidbreder, Psicologias do século XX, p. 218. objeto conhecido. O resultado dessa dicotomia, em ambos os casos, é a
permanência do dualismo psicofísico, da separação corpo-espírito e homem tal. O mundo percebido pela criança, por exemplo, seria uma grande confu-
mundo. são de sensações, cujos fragmentos seriam trabalhosamente ligados pelo
A fenomenologia propõe a superação dessa dicotomia, afirmando que processo de associaçāão, pela qual se faria a organização do mundo em per-
toda consciência é intencional. Isso significa que não há pura consciência, cepções e depois em idéias.
separada do mundo, mas toda consciência tende para o mundo. Da mesma Ora, os gestaltistas afirmam que não há excitação sensorial isolada, mas
forma, não há objeto em si, independente de uma consciência que o perceba. complexos em que o parcial é função do conjunto. Isso significa que o objeto
Portanto, o objeto é um fenômeno, ou seja, etimologicamente, "algo que apa não é percebido em suas partes, para depois ser organizado mentalmente,
rece" para uma consciência. mas se apresenta primeiro na sua totalidade (na sua forma, na sua configu-
Segundo Husserl, "a palavra intencionalidade não significa outra coisa ração), e só depois o indivíduo atentará para os detalhes.
senão esta particularidade fundamental da consciência de ser a consciência O conjunto é mais que a soma das partes, e cada elemento depende da
de alguma coisa". estrutura a que pertence. Quando ouvimos uma melodia, não percebemos
Portanto, a primeira oposição que a fenomenologia faz ao positivismo inicialmente as notas de que ela se compõe; por isso podemos ouvi-la com
todas as notas diferentes quando transposta para outro tom e reconhecê-la
éque não há fatos com a objetividade pretendida, pois não percebemos o
assim mesmo. No entanto, se uma nota é alterada, altera-se o todo. Na
mundo como um dado bruto, desprovido de significados; o mundo que
percebo é um mundo para mim. Daí a importância dada ao sentido, à rede transposição para outro tom, a estrutura da melodia permaneceu a mesma,
de significações que envolvem os objetos percebidos: a consciência "vive" e no último caso houve alteração estrutural.
imediatamente como doadora de sentido. No dia-a-dia encontramos inúmeros exemplos dessa tendência à confi-
Exemplificando: segundo a terapia reflexológica behaviorista, a reedu- guração: sempre vemos formas nas nuvens (um rosto, um cachorro, um
cação de uma criança manhosa consiste em descondicionar a resposta manha
e substituí-la por outro comportamento socialmente adequado. Ao contrário,
dragão..
.); as constelações representam a cruz, o escorpião; reconhecemos
um rosto familiar, mas longe dele muitas vezes nāão nos lembramos bem dos
na análise fenomenológica, a manha nāo é, ela significa, e é pela emoção detalhes. Já pensaram como é difícil descrever alguém para um retrato fa-
que a criança se exprime na totalidade do seu ser. Ela diz coisas com o lado? Isso porque percebemos o rosto no seu conjunto, e não nos detalhes.
choro, e esse choro precisa ser interpretado. Da mesma forma, a resposta Essa tendência que o sujeito tem para organizar aquilo que é percebido
que a criança dá a certos estímulos externos supõe também que os próprios significa a impossibilidade de existir um fato bruto, pois o objeto nunca
estímulos nunca sāo idênticos para todas as pessoas, mas influenciam na aparece na percepçāo tal como existe em si. Ele é elaborado: o sujeito estru-
medida em que são percebidos de maneira singular pela consciência que tura organicamente coisas apenas justapostas ou leva à perfeição formas
os atinge. apenas esboçadas.
A relação mecânica E- R, estabelecida pelo behaviorismo, a fenomeno- Tudo o que dissemos para a percepção vale para explicar o comporta-
logia contrapõe a oposição existente entre o sinal e o símbolo. Enquanto o mento dos animais e das pessoas: há que partir da admissāo de um campo
sinal faz parte do mundo físico do ser, o símbolo é parte do mundo humano total onde o organismo e o meio entram como dois pólos correlativos que
do sentido. constituem o verdadeiro ambiente da ação. Um espaço se estrutura de forma
diferente se o percorro como faminto, como fugitivo, como artista...
Para ampliar as informações sobre a fenomenologia, leia os textos com-
plementares de Merleau-Ponty sobre o corpoe a sexualidade. Köhler fez diversas experiências com chimpanzés (já nos referimos a
elas no Cap. 1). Numa jaula, o chimpanzé devia alcançar uma banana ina-
A Gestalt: um exemplo da aplicação da fenomenologia na psicologia cessível. 0 problema era resolvido quando o animal conseguia arrastar um
caixote e nele subia para pegar a fruta, ou usava um bambu para derrubá-la.
A Gestalt (ou psicologia da forma) teve como precursor Ehrenfels, que Köhler explica que, para resolver o problema, o chimpanzé deve perceber
já em 1890 falava sobre as qualidades da forma. Mas essa teoria foi desen- como um todo o campo onde se situa, ou seja, ele só tem o insight (intuição,
volvida de fato no começo do século XX por Köhler e Koffka, que sofreram iluminação súbita) quando estabelece a relação fruta-caixote ou fruta-bambu.
influência da fenomenologia e, nesse sentido, opõem-se às psicologias de Dá-se então o fechamento, ou seja, a predominância de uma determinada
tendência positivista. forma sobre outras.
A psicologia derivada da tendência empirista tentava reduzir a per-
cepção uma análise rigorosa, até encontrar o "átomo" psíquico fundamen-
Usando de uma metáfora, poderíamos dizer que a vida consciente é
apenas a ponta de um iceberg, e a montanha submersa simboliza o incons-
ciente. Todos os nossos atos têm uma realidade exterior representada na
nossa conduta e significados ocultos que podem ser interpretados.
A energia que preside esses atos é de natureza pulsionale Freud põe
em relevo a energia de natureza sexual, chamada libido. Mas a sexualidade
não deve ser identificada à genitalidade (ou aos atos que se referem explici-
Nas figuras ambiguas, dependendo da fun-
ção que damos a uma linha, alteramos a tamente à atividade sexual propriamente dita), pois tem um significado
relação figura e fundo. No desenho vemos muito mais amplo, como toda forma de gratificação ou busca do prazer. O
ore uma taça, ora dois perfis. reservatório dessas forças pulsionais chama-se id.
No entanto, para viver em comunidade, o homem precisa controlar e
regular os seus desejos, adiando a satisfação de alguns e excluindo definiti-
vamente outros... Com isso se forma a consciência moral ou superego.
Cabe ao ego maduro estabelecer o equilíbrio entre essas forças antagô-
Observe como é impossivel não perceber
os pontinhos senão a partir dos elementos nicas, uma regida pelo "princípio do prazer" e outra pelo "princípio do
já aglutinados. dever", adequando-as ao "princípio da realidade". Quando o conflito
muito grande e o ego não suporta a consciência do desejo, este é rejeitado,
o que determina o processo chamado repressão.
A psicanálise
O que foi reprimido não permanece no inconsciente, pois, sendo ener
O termo psicanálise possui três sentidos: é um método interpretativo gia, precisa ser expandido. Reaparece, então, sob a forma de sintomas, ou
(hermenêutica), uma forma de tratamento psicológico (psicoterapia) e é uma representantes do reprimido. São substituições para a gratificação instintiva
teoria, ou seja, um conhecimento que o método produz. não atingida. Esses sintomas devem ser decifrados na sua linguagem simbó-
A psicanálise surgiu com Sigmund lica. O simbolismo é um modo de representação indireta e figurada de uma
Freud (1856-1939), médico austríaco, idéia, conflito ou desejo inconscientes.
e sua principal novidade encontra-se Há várias formas para a sondagem do inconsciente, mas o caminho pri-
na descoberta do inconsciente e na vilegiado é o fornecido pelos sonhos. Quando nos recordamos do enredo de
compreensão da natureza sexual da um sonho, estamos diante do seu conteúdo manifesto, que às vezes nos
conduta. Apesar de também ter sofri- parece incoerente e absurdo. Mas o sonho tem um conteúdo latente, que
do influência das idéias positivistas e pode ser descoberto pela decifração do seu simbolismo. Para isso, Freud
mecanicistas do século XIX, a teoria propõe a técnica da associação livre, pela qual o próprio indivíduo, seguindo
de Freud é duramente criticada pelas o fluxo espontâneo das idéias, sai em busca do sentido oculto.
psicologias de linha naturalista, pois Opsicanalista, ao auxiliar um indivíduo na busca do que foi silenciado,
não usa a experiência no sentido tradi- exerce um papel catalisador, qual seja o de instrumento facilitador de um
cional do método científico, além de processo desencadeado pelo próprio sujeito. Nesse ponto, ocorre o fenômeno
que trabalha com uma realidade hipo- da transferência, isto é, o processo pelo qual o paciente dirige ao psicana-
tética, considerada inverificável nos lista afetos antigos de amor e hostilidade e não percebidos como tais, o que
moldes tradicionais: o inconsciente. permite a vivência de novas experiências, fecundas para a elucidação do
No entanto, a hipótese do incons- que foi ocultado.
ciente tornou-se fecunda, já que per- Este rápido esboço foi feito com a intenção de abordar o aspecto da
mitiu compreender uma série de acon- proposta psicanalítica que permite fazer o enfoque fenomenológico. Estamos
Sigmund Freud. tecimentos da vida psíquica. E, embora distantes da técnica behaviorista, que supõe a observação objetiva e impes-
o próprio Freud não estivesse vin- soal do comportamento do sujeito, tornado objeto de investigação. A psica-
culado à fenomenologia, é possível estabelecer uma aproximação entre esta nálise, ao contrário, não só restabelece a relação vivencial entre o psicana-
e a psicanálise. lista e o paciente, como considera o passado não uma "coisa" objetiva, mas
uma realidade que adquire novas nuances neste "novo olhar" do presente Questionário
sobre o passado.
Segundo Merleau-Ponty, "o tratamento psicanalítico não cura provocan- 1. Em que o objeto das ciências humanas se distingue do objeto das outras ciências?
do uma tomada de consciência do passado, mas primeiramente unindo o 2. Que dificuldades decorrem dessa distinção? Faça um esquema.
sujeito a seu médico por novas relações de existência. Não se trata de dar à 3. Quais são as duas tendências opostas quanto à abordagem metodológica das ciên-
interpretação psicanalítica uma aprovação científica e descobrir um sentido cias humanas?
nocional do passado; trata-se de revivê-lo, significando isto ou aquilo, e o 4. O que significa o veto positivista à psicologia? E por que, apesar do veto positi-
doente só o consegue vendo seu passado na perspectiva de sua coexistência vista, a psicologia se constituiu em ciência?
com o médico"2. 5. Quais são as principais pesquisas desenvolvidas pela psicologia alem? Em que
elas reflctem uma preocupação positivista?
6. Quem foi Pavlov e qual sua importância?
Quais são os principais representantes do behaviorismo? Quais são as principais
5. Quadro comparativo: tendência naturalista e tendência 7.
características desta corrente?
humanista 8. Em que medida a fenomenologia se propõe a superar a divergência entre raciona-
listas e empiristas? Explique o que quer dizer intencionalidade c fenômeno.
Tendência naturalista Tendência humanista 9. Estabeleça comparação entre a proposta behavioristae a da fenomenologia quanto
à relação estímulo-resposta.
Quanto à maneira de perceber o fato psíquico:
uma coisa (realidade objetiva) uma consciência (doadora de sentido) 10. O que significa a palavra Gestalt? Quais são os principais representantes desta
corrente?
fatos descritos em sua aparência sen- valorização do vivido, dos conteúdos
sório-motora anímicos e espirituais 11. O que ésintoma para a psicanálise?
ênfase na natureza orgânica dos fenô- o homem é um ser-no-mundo
menos psíquicos
Exercicios
Quanto à natureza da percepção:
associacionismo noção de estrutura (percepção do Os textos dos exercícios 1 a 3 são de Comte. Leia-ose responda às questões.
atomismo (sensação, percepção, idéia) todo)
1. "Não podemos estar à janela e ver-nos passar pela rua. No teatro, não podemos ser,
totalidade (não é a soma dos elemen- ao mesmo tempo, ator no palco e espectador na sala."
tos)
Explique a afirmação.
Quanto à explicação do comportamento: 2. "Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de
mecanicismo (o comportamento se todo comportamento existe num con- obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo,
explica pela relação causa-efeito) texto que deve ser interpretado conhecer as causas íntimas dos fenômnenos, para preocupar-se unicamente em desco-
brir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas,
Quanto ao modo de inteligibilidade: a saber, suas relações invariáveis de sucessăo e de similitude."
explicação legal (por 1leis) e quantita- "compreensäo" por tipo qualitativo a) Como se chama a corrente filosófica a que pertence Comte?
tiva (matematizável) ou modelos ideais
b) O que significa estado positivo?
aceitação só do que pode ser verifi- aceitação de pressupostos não verifi
queo autor critica quando diz "renuncia a procurar
cado experimentalmente cáveis experimentalmente (por exem-
c)
O *?

imitação do método das ciências da plo, a hipótese do inconsciente) d) O que ele propõe para substituir essa renúncia?
natureza procura de um método próprio das 3. "0 espírito humano pode observar diretamente todos os fenômenos, exceto os seus
ciências do homem próprios. Pois quem faria a observação?
(...)
Ainda que cada um tivesse a ocasião
de fazer sobre si tais observações, estas, evidentemente, nunca poderiam ter grande
Quanto à terapia:
importância científica. Constitui o melhor meio de conhecer as paixőes sempre
o sintoma um "símbolo" (é preciso
técnicas reflexológicas que alteram os
sintomas
é
procurar o que ele significa)
observá-las de fora. Porquanto todo estado de paixão muito pronunciado, a saber,
precisamente aquele que será mais essencial examinar, necessariamente é incompa-
tível com o estado de observaçāo."
a) A que ciência Comte se refere?
2. Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção, p. 451. b) Por que não concede a ela o estatuto de ciência?
4.
Do ponto de vista histórico, se retomarmos o quadro das diferentes correntes inter
nacionais psicologia contemporânea, observaremos que a psicologia alemā, com
um efcito semelhante. Da mesma forma, os confeitos que o pediatra dá ao seu jovem
da paciente. Mostrou-se experimentalmente que muita gente começa a gostar" de música
Wundt e Fechner, nasceu do encontro da filosofia com a psicofisiologia; que a moderna se a ouve enquanto come. Entre os judeus, quando a criança começa a apren-
psicologia inglesa, com Galton, resulta essencialmente da convergência do evolucio der a ler, beija uma página sobre a qual uma gota de mel foi depositada. O impor
nismo darwiniano com a psicologia diferencial; que a psicologia americana, subme tante não é que posteriormente ela vá salivar sempre que vir um livro, mas que terá
tida à influência do darwinismo, também é tributária, antes de tudo, do experimen- uma predisposição "favorável" aos livros. Nem todos os reforços que estabelecem
talismo da psicologia fisiológica de Wundt; que a psicologia soviética deriva direta- predisposiçāes desta espécie são gastronômicos. Como os publicitários bem o sabem,
mente das pesquisas Faviovianas de neurofisiologia animal." (Châtelet) as respostase as atitudes eliciadas por lindas garotas, bebêse cenas agradáveis podem
Nessas diferentes tendências há algo em comum. Explique o que é e por que a ser transferidas para marcas, produtos, estampas de produtos, e assim por diante.
psicologia nascente escolbeu trilhar esse caminho. (Explique a partir do veto positi- Algumas vezes estamos interessados em induzir a uma resposta emocional que vá
vista à psicologia.)
contra outra ou que equilibre o seu efeito. O dentista, por exemplo, encontra-se frente
a um problema prático que consiste em ter que recorrer a estímulos dolorosos. Estes
estão relacionados a estímulos fornecidos pela sala de espera, à cadeira de dentista,
aos instrumentos, ao som do motor, que finalmente eliciam uma variedade de reações
6. Textos complementares emocionais. Algumas destas classificamos, grosso modo, de ansiedade. Um bonito livro
de estampas na sala de espera pode eliciar respostas incompatíveis com a ansiedade
o ambito dos reflexos coadicionados
(...) Este efeito momentâneo exemplifica o uso de estímulos já antes condicionados.
O efeito "educacional" do livro ao criar uma atitude menos desfavorável ao dentista
O uso dos reflexos condicionados no controle prático do comportamento dá uma
boa medida de seu campo de açāo. Os reflexos relativos à economia interna do orga- exemplifica o uso de condicionamento no controle do comportamento. Flores e músi-
nismo raramente são de importāncia prática para outras pessoas, mas pode haver cas nos velórios e enterros têm um efeito imediato que se contrapõe às reações elicia-
Ocasiöes em que estejamos interessados em fazer alguém ruborizar-se, ou ou cho- das por um corpo sem vida, e através do processo de condicionamento criam uma
rir,
predisposição mais favorável no futuro para com as práticas funerárias.
rar, e então recorremos a estímulos condicionados ou incondicionados. É freqüente-
mente intenção da literatura promover comportamentos desta maneira. O drama de Outro problema prático comum é o de eliminar respostas condicionadas. Por
derramar lágrimas" tem um sentido literal. Muitos efeitos mais sutis são semelhantes: exemplo, podemos querer reduzir as reações de medo eliciadas por pessoas, animais,
é importante ao entender o efeito de um poema notar que respostas condicionadas incursões aéreas, ou combates militares. Seguindo os métodos do experimento com
podem ser eliciadas por estímulos verbais como "morte", "amor", "tristeza" etc., o reflexo condicionado, apresentamos um estímulo condicionado e omitimos o estímulo
que é muito diferente do efeito causado por um trecho de prosa com o mesmo signi- reforçador responsável pelo seu efeito. Um passo decisivo no tratamento da gagueira,
ficado que o poema. 0s efeitos emocionais de música e de pintura são em grande por exemplo, é a extinção de reações de ansiedade ou embaraço geradas por pessoas
parte condicionados. irresponsáveis que riram do gago ou foram impacientes com ele. Uma técnica bastante
Também usamos o processo para dispor o controle do comportamento em ocasiões comum é encorajá-lo a falar a todos que encontre. As respostas funcionais de emba-
futuras. Na educaçāo patriótica e religiosa, por exemplo, as respostas emocionais a raço e ansiedade geralmente são condicionadas na primeira infância. Se o adulto gago
bandeiras, insígnias, símbolos e rituais estão condicionadas de modo que estes estímu- não é muito caçoado, as respostas podem se extinguir. A terapia consiste apenas no
los sejam eficazes em ocasiões futuras. Uma das "curas" comumente propostas para o encorajamento da conversação de modo que o estímulo assim automaticamente gerado
fumar ou beber excessivo consiste em adicionar substâncias que induzam náuseas, possa ocorrer sem ser reforçado.
indisposições e outras comseqüências da bebida e do fumo. Quando mais tarde a bebida Se o estímulo condicionado elicia respostas muito fortes, pode ser necessário apre-
eo fumo forem vistos ou provados, respostas semelhantes são eliciadas como resultado sentá-lo em doses gradativas. Se a uma criança que foi assustada por um cão se der
do condicionamento. Estas respostas podem competir com o comportamento de beber um cãozinho, a semelhança entre o animalzinho e o cão assustador não é tão grande
efumar, como que lhes "tirando toda a graça". Um condicionamento desta espécie a ponto de eliciar uma resposta de medo condicionada muito forte. Qualquer resposta
consiste no tratamento de um sintoma, e não da causa, mas isto ajuda o paciente a pouco intensa que possa surgir se extingue. Como o cãozinho cresce, assemelhando-se
parar de beber ou fumar por outras razões.
gradativamente ao animal que ocasionou o medo, a extinção vai se processando por
Treinar um soldado é em parte condicionar respostas emocionais. Se retratos do etapas. As vezes se usa uma técnica semelhante na reduçāo de reações emocionais
inimigo, sua bandeira etc, forem associados a histórias ou fotografias de atrocidades, excessivas a bombardeios aéreos, combates, e condições traumáticas semelhantes.
ume reação agressiva semelbante provavelmente ocorrerá quando o inimigo for encon- extinção começa com estímulos que eram a princípio apenas um pouco perturbadores
trado. As razões favoráveis são obtidas em geral da mesma maneira. Respostas a ali-
mentos apeteciveis säão facilmente transferidas para outros objetos. Assim como "detes
tamos a bebida auo fumo que nos deixam doentes, também "gostamos" dos estímulos
- ruídos vagos, sirenas fracas, ou sons distantes de bombas explodindo. Apresentam-
se os estímulos visuais em filmes, sem os sons que os acompanham no combate real.

que acompanham alimentos agradáveis. O vendedor bem-sucedido é aquele que paga


Àmedida que a extinção ocorre, a semelhança com estímulos verdadeiros aumenta.
bebidas ao seu chente ou coavida-o para jantar. O vendedor não está apenas interes- Eventualmente, se o tratamento for bem sucedido, nenhuma ou quase nenhuma res
sado nas reações zástricas, mas sim na predisposição favorável do cliente a seu respeito posta será eliciada pelos estímulos reais.
e com relação ao seu produto; esta predisposição, como veremos mais tarde, também (Skinner, Ciência e comporiamento humano, São Paulo,
decorre da asociação de estímulos O churrasco grátis em um comício político tem Martins Fontes, 1985, p. 65-67.)
ocorpo órgãos genitais, a libido não é um instinto, isto é, uma atividade orientada para fins
determinados, ela é o poder geral que tem o sujeito psicofísico de aderir a diferentes
Estamos habituados, pela tradição cartesiana, a nos desprendermos do objeto: a meios, de fixar-se por diferentes experiências, de adquirir estruturas de conduta. Ela é
atitude reflexiva purifica simultaneamente a noção comum do corpo e a da alma, defi o que faz com que o homem tenha uma história. Se a história sexual de um homem
nindo o corpo como uma soma de partes sem interior e a alma como um ser presente dá a chave de sua vida, é porque na sexualidade do homem se projeta sua maneira de
inteiramente em si mesmo sem distância. Estas definições correlativas estabelecem a ser com relação ao mundo, isto é, com relaç ao tempo e aos outros homens.
clareza em nós e fora de nós: a transparência de um objeto sem ondulações, transpa- A vida genital está imbricada na vida total do sujeito.
(...)
rência de um sujeito que só é o que pensa ser. O objeto é objeto de um lado a outro
e a consciência, consciência de um lado a outro. Há dois sentidos, e somente dois, da (Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção, Rio de Ja»

neiro, Freitas Bastos, 1971, p. 168.)


palavra existir: existe-se como coisa ou existe-se como consciência. A experiência do
corpo próprio pelo contrário nos revela um modo de existência ambíguo. Se tento
pensá-lo como um feixe de processos na terceira pessoa "visão", "motricidade",
"sexualidade"- percebo que essas "funções" não podem estar unidas entre si e ao
mundo exterior por relações de causalidade, elas são todas confusamente retomadas e
implicadas num drama único. O corpo não é pois um objeto. Pela mesma razão a
consciência que tenho não é um pensamento, quer dizer que não posso decompô-lo e
recompô-lo para formar dele uma idéia clara. Sua unidade é sempre implícita e con-
fusa. Ele é sempre outra coisa além do que é, sempre sexualidade ao mesmo tempo
que liberdade, enraizado na natureza no momento mesmo em que se transforma pela
cultura, nunca fechado sobre si mesmo, e nunca ultrapassado. Se se trata do corpo de
outro ou de meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o corpo humano
senão vivendo-o, quer dizer retomar por minha conta o drama que o atravessa e me
confundir com ele.
(Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção, Rio de Ja-
neiro, Freitas Bastos, 1971, p. 208.)

A sexualidade
Mesmo com a sexualidade, que entretanto passou por muito tempo por um tipo
de função corporal, trata-se, não de um automatismo periférico, mas de uma intencio-
nalidade que segue o movimento geral da existência.
(.. .)
A sexualidade não é um ciclo autônomo. Ela está ligada interiormente a todo ser
cognoscente e atuante, e estes três setores do comportamento manifestam uma única
estrutura túpica, estāo numa relação de expressão recíproca. Reencontramo-nos aqui
com as aquisições mais duráveis da psicanálise. Quaisquer que pudessem ter sido as
declarações de princípio de Freud, as pesquisas psicanalíticas chegam de fato não a
explicar o homem pela infra-estrutura sexual, mas a reencontrar na sexualidade as
relações e as atitudes que antigamente passavam por relações e atitudes de consciência;
e a significação da psicanálise não se encontra tanto em repetir a psicologia biológica,
mas em descobrir, nas funções que se acreditara como "puramente corporais", um
movimento dialético e reintegrar a sexualidade no ser humano. Um discípulo dissidente
de Freud (W. Steckel) mostra, por exemplo, que a frigidez quase nunca está ligada
a condições anatômicas ou fisiológicas, mas que ela traduz, a maior parte das vezes,
a recusa ao orgasmo, à condição feminina ou à condição de ser sexuado, e este, por
sua vez, a recusa ao parceiro sexual e ao destino que ele representa. Mesmo em Freud
seria errado crermos que a psicanálise excluiu a descrição dos motivos psicológicos
que se opõe ao método fenomenológico: ao contrário, ele contribuiu (sem o saber)
para o seu desenvolvimento ao afirmar, segundo palavras de Freud, que todo ato
humano "tem um sentido", e ao procurar, de todos os modos, compreender o aconte
cimento ao invés de ligá-lo a condições mecânicas. Em Freud mesmo, o sexual não é
o genital, a vida sexual não é um simples cfeito dos processos cujo centro são os

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