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MODERNIDADE
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
TEOLOGIA E PÓS-MODERNIDADE
SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) aluno(a), é um imenso prazer apresentar a você o livro Teologia e Pós-moder-
nidade. A partir de agora ele será o seu guia nessa parte de sua formação acadêmica.
Leia-o com atenção e pesquise as fontes bibliográficas nele citadas para que seu conhe-
cimento se amplie e você tenha um ganho substancial na compreensão e apreensão
dos conceitos aqui apresentados.
Como em toda a apresentação, é necessário fazer um alerta. Procure ler e estudar esse
livro sem o compromisso da sua tradição de fé, seja ela qual for. Não pedimos que você
ignore a sua confessionalidade, muito pelo contrário, pois ela será útil para o entendi-
mento do labor teológico na atualidade. Entretanto, não deixe que os preconceitos da
sua tradição fechem seus olhos para enxergar outras possibilidades. Enxergar não signi-
fica a aceitação imediata e sim de que aquela interpretação é possível e também pode
contribuir para o que se busca na vida em sociedade.
Abra mão também das respostas pragmáticas, utilitaristas. Aprenda a fazer mais pergun-
tas. Questione. Seja criativo(a) e empregue seus outros conhecimentos para elaborar e
embasar os seus conceitos. Não existe teologia pronta e acabada. A teologia está em um
constante fazer-se. Aberta para dialogar com o mundo à sua volta, sem necessariamente
alterar seus conteúdos fundantes.
Dito isto, neste livro apresentamos a você as discussões feitas em torno do projeto do
cristianismo na modernidade, entendida aqui como o início do capitalismo moderno.
Informaremos sobre os pontos de contato e de afastamento entre o cristianismo e a
modernidade sendo-nos útil a compreensão desse conceito a partir da filosofia e das
ciências sociais. Após esse panorama, entraremos na discussão do que foi a transição
do mundo moderno para a pós-modernidade, sem nos afastarmos do debate sobre as
dificuldades de definição do que de fato é a pós-modernidade. Também nesse caso,
veremos como a teologia que se beneficia amplamente do pensamento moderno irá se
posicionar na transição para a essa nova era e quais as suas chaves de interpretação do
mundo pós-moderno.
O coração deste livro está nas unidades III e IV. Ali vamos apresentar quais as influên-
cias pós-modernas na teologia, destacando o relativismo, o pós-estruturalismo, o irra-
cionalismo e o seu reencontro com a filosofia, especialmente a filosofia crítica e a filo-
sofia da linguagem. Todo esse percurso será apresentado a partir da compreensão de
como se estrutura o pensamento pós-moderno. Especificamente na unidade IV vamos
apresentar o surgimento de diversas teologias aptas a dialogar com os pressupostos da
pós-modernidade. Das teologias da libertação até as teologias neo-ortodoxas. Teremos
um espaço também para apresentar a importância do estudo teológico das questões
ambientais e da bioética e outro para discutir como a teologia se comporta na discussão
econômica da sociedade de consumo. Iremos também entrar nos pressupostos da teo-
logia acadêmica com seu diálogo inter-religioso, plural e necessário, pois é uma discipli-
na científica e formativa, e também nos pressupostos da teologia pública, aquela que é
feita no espaço público, voltada para discutir as questões públicas como cidadania, por
exemplo.
APRESENTAÇÃO
UNIDADE I
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
15 Introdução
24 O Mundo Moderno
45 Considerações Finais
52 Gabarito
UNIDADE II
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
55 Introdução
68 O Que é Pós-Modernidade
85 Considerações Finais
93 Gabarito
10
SUMÁRIO
UNIDADE III
97 Introdução
130 Gabarito
UNIDADE IV
133 Introdução
145 Ecoteologia
173 Gabarito
11
SUMÁRIO
UNIDADE V
177 Introdução
207 Gabarito
208 CONCLUSÃO
Professor Dr. Sérgio Gini
CRISTIANISMO E
I
UNIDADE
MODERNIDADE
Objetivos de Aprendizagem
■ Estabelecer os pontos de contato e de afastamento entre a religião
cristã e a modernidade.
■ Compreender o conceito de mundo moderno a partir da filosofia e
das ciências sociais.
■ Conhecer as implicações da posição católica em negar a
modernidade.
■ Conhecer as teorias que defendem o protestantismo como
impulsionador da modernidade e as que defendem que o mesmo é
antimoderno.
■ Avaliar o projeto do cristianismo em face da modernidade e
apresentar sua ponte com o futuro por meio da Teologia.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Pontes e muros entre a religião cristã e a modernidade
■ O mundo moderno
■ Catolicismo e a negação da modernidade
■ Protestantismo e o mundo moderno: contrastes
■ O futuro do cristianismo na modernidade
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INTRODUÇÃO
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PONTES E MUROS ENTRE A RELIGIÃO CRISTÃ E A
MODERNIDADE
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Reforma Protestante foi, acima de tudo, um movimento religioso e teoló-
gico que teve como um de seus fatores desencadeadores a insatisfação espiritual
dos indivíduos (primeiro ponto de contato com a consciência renascentista). Costa
(2004) elenca essas insatisfações: 1) o papado como potência religiosa, política e
econômica; 2) a corrupção política, econômica e moral do clero romano; 3) uma
aguda carência espiritual; 4) tentativas reformistas frustradas pela Inquisição; e 5) a
transformação do culto em um ritual vazio de significado, repleto de superstições.
Sobre a carência espiritual mencionada acima, o maior exemplo disso foi demons-
trado pelo próprio Martinho Lutero, nas suas conhecidas angústias espirituais a
respeito de como um homem pecador poderia subsistir ante a justiça de Deus.
Apesar do seu caráter religioso, a Reforma também pode ser considerada
como um movimento cultural, institucional, social e político. A relação existente
entre a Reforma e o Renascimento pode ser percebida pelo fato daquela ter sur-
gido no contexto desta, possuindo alguns pontos comuns, como o retorno às
fontes, no caso os originais das Escrituras, hebraico, aramaico e grego. Mesmo
com algumas ênfases comuns, a Reforma se distinguiu do Renascimento por
recuperar a teocentricidade, ou seja, para a Reforma o ser humano não é consi-
derado como sendo “a medida de todas as coisas”, mas sim Deus. A importância
humana reside em sua criação à imagem e semelhança de Deus.
Estabelecendo pontes com a modernidade, a Reforma contribuiu decisivamente
nas seguintes áreas, segundo Costa (2004): 1) na propagação das Escrituras, com a
tradução da Bíblia para as diversas línguas, permitindo que as pessoas comuns tives-
sem acesso às verdades divinas; 2) na educação, como consequência da primeira,
visto que um dos problemas enfrentados pelos reformadores foi o analfabetismo
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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O teólogo reformado François Turretini (1623-1687) é o principal sistemati-
zador da Ortodoxia Protestante e denominado “campeão da ortodoxia calvi-
nista no século XVII”. Sua principal obra foi o manual de Teologia Sistemática,
Institutio Theologiae Elencticae, que expõe a teologia reformada de forma
sistemática, lógica, precisa e científica.
Fonte: Costa (2004).
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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te sistemático e difícil de interpretar. Sua grande ambição era construir um
sistema único de interpretação para toda a realidade a partir do método
dialético. Seu método filosófico era dividido em três etapas, quais sejam ela:
1) Tese, o momento do “ser em si”; 2) Antítese, o momento do “fora de si”; e
3) Síntese, o momento do “ser em si e para si”.
Fonte: COSTA (2004).
A influência iluminista sobre a Teologia pôde ser percebida nas seguintes áreas,
segundo Costa (2004):
1) Historicismo, ou seja, que resultou no questionamento da integridade e
credibilidade das narrativas históricas da Bíblia.
2) Cientificismo, por meio do pensamento de que só a Ciência seria capaz
de responder os principais problemas da sociedade, visto que a religião
sempre estivera errada.
3) Subjetivismo religioso, ao elevar a razão individual como critério da ver-
dade ou experiência mística.
4) Antropocentrismo, por meio da tentativa de harmonizar a verdade teoló-
gica com os princípios racionais para promover o bem-estar do homem.
Até mesmo a existência passou a ser aceita, desde que trouxesse algum
benefício ao ser humano.
5) Racionalismo, por meio da submissão da Teologia à Filosofia, com a eli-
minação de doutrinas ofensivas à razão humana e a racionalização das
Escrituras.
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O MUNDO MODERNO
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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O Mundo Moderno
26 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
atrelada ao desdobramento que Marx, Durkheim e Weber tomaram como fun-
damentais. Os pensadores posteriores, em menor ou maior grau, sendo para
afirmar, negar, contrapor ou superar, partiram das questões abordadas por um
ou mais dos três fundadores da sociologia. Ferreira (2010) aponta o que para
Marx era o fundamento do moderno capitalismo industrial:
Marx, tendo identificado a contradição entre a produção coletiva da ri-
queza e sua apropriação privada como força motriz do capitalismo mo-
derno, apostava no papel revolucionário do proletariado. O capital, ao
se reproduzir, gera seu oposto, a classe trabalhadora. Ele retira o traba-
lhador de seu isolamento e o concentra numa fábrica e numa cidade ao
lado de outros milhares de trabalhadores nas mesmas condições. Com
isso, o capital cria o sujeito coletivo da ação revolucionária moderna – o
proletariado. O proletariado, por sua vez, com a revolução nada teria a
perder, a não ser suas cadeias. (Ferreira, 2010, p. 28)
Essa contradição inerente ao capitalismo moderno que para Marx era tão óbvia
não atrai a atenção de Durkheim. Embora fosse um profundo interessado em
explicar esse moderno capitalismo, o sociólogo francês se atém ao viés funcio-
nal da vida social.
Seus temas são: a divisão social do trabalho, a solidariedade mecânica
e a solidariedade orgânica, a anomia, etc. Tais temas são provenientes
das transformações industriais modernas. Ao estudar, por exemplo, o
suicídio nos principais países da Europa, no período de 1841 a 1872,
Durkheim busca conectar as mudanças sociais ocorridas nesse período
às oscilações na taxa de suicídio. (Ferreira, 2010, p. 25).
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
27
Por sua vez, Max Weber analisa o desenvolvimento das sociedades ocidentais e
o surgimento do moderno capitalismo industrial como um imenso processo de
racionalização da vida e de desencantamento do mundo. E a origem desse pro-
cesso de racionalização do capitalismo moderno está no puritanismo, motivado
pela ação racional com relação a valores e, no caso do trabalho, com relação a
fins. Ferreira (2010, p. 27) explica que, para Weber, “o trabalho feito como voca-
ção in majorem Dei gloriam tornou-se uma ação racional com relação a fins – a
busca da riqueza como um esporte”. O processo de racionalização da vida, no
entanto, se expande além do controle dos próprios valores religiosos. Weber,
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O Mundo Moderno
28 UNIDADE I
Em 1905, Max Weber publicou o seu mais impactante livro: A Ética Protestante
o Espírito do Capitalismo, em que busca responder a uma questão fundamen-
tal: por quê o capitalismo se desenvolveu apenas no Ocidente? O cerne da
teoria de Weber era a noção de que as atitudes envolvidas no espírito do ca-
pitalismo tinham sua origem na religião, mais precisamente entre um grupo
específico do protestantismo: os puritanos ingleses. Seguidores da teologia
calvinista da eleição, ou predestinação para a salvação, os puritanos (dentre
eles os que imigraram para a América) procuravam sinais evidentes de que al-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
guma pessoa era eleita por Deus. Um desses sinais era o sucesso no exercício
de uma vocação, indicado pela prosperidade material. Apesar de procurarem
o acúmulo de riquezas, como sinal da graça de Deus, os puritanos viam no
luxo um mal, e por isso viviam um estilo de vida severo e simples.
Fonte: Giddens (2005).
Não demorou para que historiadores, filósofos e teólogos, a partir dos pressupos-
tos de Marx e Weber, começassem a discutir as influências do “mundo moderno”
na religião, ou mesmo se a religião teria ou não lugar nessa modernidade. O mais
proeminente desses foi o teólogo, historiador e filósofo alemão Ernst Troeltsch,
amigo pessoal de Weber desde 1897. Quando Weber publicou sua monografia
sobre a ética protestante (1904/1905), Troeltsch passou a pesquisar e escrever
sobre o significado do protestantismo para o mundo moderno.
Em 1907, Troeltsch publicou um ensaio com o título A essência do mundo
moderno. Sua intenção era, em um primeiro momento, identificar o que seria a
“modernidade”. Somente depois é que se poderia falar do lugar (ou do não-lu-
gar) da religião nela. Da Mata (2008, p. 237) destaca que “para Troeltsch, toda e
qualquer tentativa de discutir a questão da orientação do indivíduo contempo-
râneo pressupõe uma análise histórica das diferentes forças que se articularam e
impuseram como eixos definidores de sua identidade”. A questão da religião está
presente neste ponto. Da Mata ainda complementa afirmando que “é do choque
e das interinfluências recíprocas desses distintos componentes culturais e insti-
tucionais que resulta o ‘espírito’ moderno”.
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
29
O Mundo Moderno
30 UNIDADE I
Dessa forma, o mundo moderno não seria o túmulo da Teologia. Pelo contrá-
rio, nas novas interpretações e interações da vida religiosa, a Teologia ganha um
novo e amplo espaço, pois o mundo moderno é, em grande parte, um produto
do cristianismo. Como diria Troeltsch, “os inimigos do cristianismo precisam
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convencer-se de que o mundo moderno pode ser emancipado do cristianismo
apenas em relação a alguns aspectos, mas nunca em sua totalidade” (Troeltsch,
1951, p. 332).
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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Caro(a) aluno(a), vimos até aqui que o mundo moderno tem uma relação direta
com o surgimento do capitalismo industrial. Este, por sua vez, foi analisado como
um fenômeno que se constitui com base em uma ética protestante, o acúmulo
de riquezas visto como sinal exterior da bênção de Deus. Essa ação racional que
favoreceu o desenvolvimento da sociedade moderna questionou, no seu devido
momento, a própria utilidade da religião, uma vez que com o seu aprimoramento
o capitalismo não necessitaria mais do seu sustento inicial: a iniciativa religiosa.
Estas questões estão diretamente envolvidas com o mundo protestante. Mas,
e o catolicismo? Como a Igreja Católica Romana lidou com a questão do mundo
moderno? As influências modernistas da individualização da fé (ponto de partida da
Reforma Protestante) e do Iluminismo culminaram com a Revolução Francesa do
século XVIII, responsável, entre outras coisas, pelo liberalismo do século XIX. Estes
três pontos estão na origem do antimodernismo católico como veremos a seguir.
A modernidade não apenas cunhou o conceito atual de religião, mas também
foi o nascedouro de sua crítica. Aliás, o conceito e crítica da religião não apenas
se constituem como tais na modernidade, mas estão diretamente relacionados: a
crítica só pôde ser feita porque, por meio da formulação conceitual, a religião foi
reificada. Ou seja, ao ser objetivada ela se tornou passível de análise e crítica. Em
realidade, há nessa reificação dois tipos de objetivação, que estão interligados: (1)
sistema intelectual - conceitualização e abstração da religião; e (2) sistema institu-
cional - a religião vista como uma entidade sociológica na figura da igreja cristã.
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digerido pela Igreja no século seguinte: o liberalismo.
O Iluminismo representou o início de um processo de emancipação destes
dois tipos de sistema religioso, que pode ser definido como secularização: (1) a
emancipação intelectual da tutela da autoridade e da tradição; e (2) a emancipa-
ção econômica - transformação dos bens da igreja em bens civis. Nesse contexto, a
religião foi submetida à razão crítica, pois “a fé tornou-se objeto de suspeita como
ideologia de ordem ultrapassada” (ZILLES, 1991, p. 12). Em termos de emancipação
econômica, os novos núcleos de poder (banqueiros, manufatureiros e comerciantes)
olhavam a religião com desprezo e suspeita, especialmente devido aos laços que a
igreja medieval mantinha junto à “antiga nobreza dominadora e aos velhos donos
das terras europeias” (MADURO, 1981, p. 42). Aliada ao processo de emancipa-
ção econômica, ocorre a emancipação intelectual, visto que “a jovem burguesia em
ascensão favorece - na imprensa e, particularmente, nas universidades - a propaga-
ção de ideias anticlericais, antirreligiosas, ateias, racionalistas, céticas, agnósticas,
materialistas e cientificistas.” (MADURO, 1981, p. 42). Logo, a crítica da religião
constitui uma das características da filosofia das luzes na Europa Ocidental, pois
“crítica da religião, crítica das Igrejas e crítica da teologia são elementos impres-
cindíveis da orientação moderna.” (Higuet, 2005, p. 13).
Com efeito, antes da modernidade as eventuais críticas da religião não eram
dirigidas à religião em si, mas constituíam denúncias de deturpações e abusos
que se faziam com ela. Contudo, na época moderna, a crítica ataca diretamente
a própria religião. Levando em conta todo este quadro contextual, é possível
compreender a crítica moderna da religião como um longo processo que, em
primeira instância, envolveu filósofos e literatos, e posteriormente abarcou soci-
ólogos, psicólogos, antropólogos e, até mesmo, teólogos.
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
33
A história da igreja católica nos séculos XIX e XX se caracteriza por uma luta cons-
tante no relacionamento entre o mundo moderno e a conservação da tradição. A
chamada “controvérsia do modernismo” marcou os pontificados de Leão XIII (1878-
1903) e de Pio X (1903-1914), com a retomada da tradição escolástica de Tomás de
Aquino, a chamada neoescolástica. É uma época de isolamento, cheia de tensões e
de atitudes negativas frente a tudo o que é moderno. Para muitos teólogos e para a
igreja católica, “a fidelidade ao pensamento tradicional é o critério seguro da verdade”.
Em setembro de 1907, o papa Pio X publica a encíclica Pascendi dominici
gregis, um extenso tratado sobre os erros do modernismo e as refutações a todos
eles. Teólogos católicos ingleses, franceses e italianos são acusados de aderi-
rem ao modernismo e são excomungados pelo papa. Em 1910, Pio X escreve
Sacrorum Antistitum em que repetia as medidas já ordenadas e apresentava um
juramento antimodernista que deveria ser assinado por todos os professores,
cônegos, párocos, padres e também funcionários da cúria episcopal. O jura-
mento de Pio X só foi abolido em 1967.
Catolicismo e a Negação da Modernidade
34 UNIDADE I
Para a Igreja Católica, dogma é uma verdade de fé revelada por Deus. Logo,
um dogma é imutável e definitivo; não pode ser mudado nem revogado.
São 43 dogmas proclamados pela Igreja, que os divide em 8 categorias
distintas: 1. Dogmas sobre Deus; 2. Dogmas sobre Jesus Cristo; 3. Dogmas
sobre a criação do mundo; 4. Dogmas sobre o ser humano; 5. Dogmas ma-
rianos; 6. Dogmas sobre o Papa e a Igreja; 7. Dogmas sobre os Sacramentos;
8. Dogmas sobre as últimas coisas (Escatologia).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Bourgeois (2005).
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Gini (2011).
Na Alemanha do final do século XIX, havia uma crença, corrente entre evangélicos
e luteranos, na suposta “superioridade” do protestantismo diante do catolicismo.
Conforme Nipperday (1995), o historiador Heinrich von Treitschke afirmara
que o protestantismo seria o fundamento de tudo o que há de “grande e nobre”
no mundo moderno. Friedrich Naumann, um político liberal muito próximo de
Weber apreciava citar uma frase do teólogo Gerhard Uhlhorn segundo a qual “a
máquina tem algo de protestante”. Até mesmo a imprensa alemã vira na vitória
norte-americana sobre a Espanha na guerra de 1898 a expressão da “inferiori-
dade” católica (Nipperday, 1995, p. 78). Da Mata destaca que
Não parece infundado atribuir a essa pretensão de superioridade pro-
testante parte da responsabilidade pela grande repercussão causada
pela Ética protestante e o espírito do capitalismo no meio acadêmico
alemão, uma vez que tal superioridade parecia agora – ao menos no
que diz respeito à esfera econômica – cientificamente “demonstrada”.
(DA MATA, 2008, p. 244)
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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O teólogo alemão critica o que ele chama de ideal medieval de uma “civilização
eclesiástica” que foi revigorado com o surgimento do protestantismo, tanto na
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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As análises sociais e econômicas que reputavam uma proeminência do protes-
tantismo sobre o catolicismo no desenvolvimento da população alemã, também
foram repudiadas por Troeltsch, que julgava haver “outras razões, mais pode-
rosas do que as religiosas” para esse sucesso (Troeltsch, 1951, p. 71). Da Mata
esclarece que Troeltsch
Concorda com Weber no que diz respeito ao impacto econômico gera-
do pelo ascetismo intramundano calvinista, mas acredita que outros fa-
tores, tais como a situação econômica peculiar do Ocidente e o desterro
dos dissidentes rumo à América, tiveram também a sua importância. Já
no campo social, o protestantismo mostrou-se majoritariamente con-
servador. Apenas grupos batistas radicais defenderam reformas sociais
de maior alcance. De resto, conclui Troeltsch, “condena-se rigorosa-
mente o espírito revolucionário” (DA MATA, 2008, p. 245).
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
39
Caro(a) aluno(a), reflita sobre esta afirmação do teólogo João Batista Libanio:
“A saga da modernidade ocidental carrega profundo paradoxo. Ela nasce do
Cristianismo e volta-se contra ele e contra todo o Sagrado. Filha, anuncia a
morte da mãe. Esta primeiramente acontece no meio letrado, ao atingir, em
seguida, as classes operárias.”
(João Batista Libanio)
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O FUTURO DO CRISTIANISMO NA MODERNIDADE
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“não é inimaginável que mesmo na modernidade venha a se produzir uma forte
reação religiosa” (TROELTSCH, 1979, p. 166).
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
43
Diante dessa hipótese, é importante destacar que Troeltsch não acredita na pos-
sibilidade de uma transformação radical do cristianismo e menos ainda em um
refluxo definitivo do religioso. Uma síntese religiosa abrangente, totalizante,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Caro(a) aluno(a), depois de tudo o que você leu e pesquisou até aqui, reflita
sobre o que diz Sérgio da Mata: “Tal como o homem de ciência, o homem re-
ligioso contemporâneo está marcado pela exigência de autonomia intelec-
tual. Também ele vive à procura de respostas, no entanto, está condenado
a fazê-lo sozinho. De modo que, na construção de suas próprias convicções
religiosas, o caminho do indivíduo tende a ser extra-eclesiástico”.
(Sérgio da Mata)
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CRISTIANISMO E MODERNIDADE
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), nesta unidade nossa proposta foi levar você a compreender o
surgimento da modernidade e suas implicações para o cristianismo. Aprendemos
que a modernidade levantou muros que distanciaram o pensamento crítico oci-
dental da teologia escolástica medieval, o que, em certa medida, favoreceu o
projeto do protestantismo que surgiu no século XVI em um ambiente preparado
pelo Iluminismo e pelo racionalismo. Todavia, vimos também que o conceito
de mundo moderno, entre os primeiros pensadores da sociedade, prescinde de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
qualquer aspecto religioso e busca dotar o ser humano de uma capacidade indi-
vidual para o seu desenvolvimento.
Esse individualismo religioso foi duramente criticado pelo catolicismo que
não apenas procurou se contrapor aos ideais da Reforma Protestante, tendo
procurado recuperar a teologia medieval, escolástica, negando ser o mundo
moderno a ênfase que a Igreja deveria buscar e viver. Em oposição a essa situ-
ação, o protestantismo foi percebido por filósofos e pensadores da sociedade
como a representação por excelência do mundo moderno, em face do seu racio-
nalismo ou do próprio individualismo religioso que, na visão deles, pregaria.
Não obstante, há críticas também sobre a antimodernidade do protestantismo,
especialmente para conter um certo ufanismo de teólogos que viam a sua supe-
rioridade sobre o catolicismo.
O mundo moderno obrigatoriamente exigiu do cristianismo muito mais do
que os dezoito séculos anteriores. Colocada na berlinda, a religião cristã necessi-
tou se autoavaliar a partir dos seus próprios pressupostos teológicos, eclesiásticos
e cristológicos. É exatamente nesse ponto que a Teologia assume sua posição
de fazer reviver o “ser cristão” no mundo moderno. Novas abordagens, novos
métodos e uma nova razão de existir e crer farão o renascimento da Teologia e
a tratarão como a porta-voz do cristianismo a partir de então.
Considerações Finais
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católico como o protestante. Tal cultura leva “à superação das igrejas e de suas autori-
dades sobrenaturalmente reveladas” (...), na medida em que indivíduo e imanência se
tornam conceitos centrais. Por outro lado, Troeltsch estava consciente do fato de que
na contemporaneidade não há mais espaço para monopólios. Quem diz modernidade,
diz pluralização: “pertence à essência do próprio mundo espiritual moderno produzir
as mais distintas correntes de ideias” (...). Tentativas de reconstituir um domínio total da
religião sobre a vida estariam invariavelmente fadadas ao fracasso: “Acabou o mundo
eclesiástico da Idade Média, com sua autoridade, seu supranaturalismo e sua cosmo-
visão filosófica da natureza e da história, sua antropologia e sua psicologia, seus livros
[divinamente] inspirados e suas tradições sagradas” (...).
Haveria, nesse caso, uma oposição insuperável entre modernidade e cristianismo? Nada
mais falso: “Os adeptos do cristianismo têm de aprender a ver no mundo moderno, em
grande parte, um produto do cristianismo; os inimigos do cristianismo precisam con-
vencer-se de que o mundo moderno pode ser emancipado do cristianismo apenas em
relação a alguns aspectos, mas nunca em sua totalidade” (...). De maneira que para o teó-
logo Troeltsch a postura mais apropriada não poderia consistir numa negação radical da
modernidade (como insistia em fazer a Igreja Católica), mas na identificação cuidadosa
daquilo que porventura representasse uma ameaça real, bem como na busca de estraté-
gias apropriadas para lidar com tais “perigos”. O que ele propõe é um meio-termo entre
reação inteligente e acomodação. Mas fica-nos a suspeita, ao fim, de que seu estudo re-
velou um complexo de forças de tal magnitude que o homem ocidental está, por assim
dizer, condenado a ser moderno: “Somos filhos do tempo e não senhores do tempo, e
somente a partir dele é que podemos agir” (...).”
Fonte: Da Mata (2008, p. 241-243).
MATERIAL COMPLEMENTAR
Este artigo trata das relações entre a religião, modernidade e secularização vistas de maneira
interligadas na reflexão sociológica. Neste contexto, é possível situar algumas considerações
sobre a relevância social da religião no mundo de hoje e seus questionamentos.
Web: <http://www.fumec.br/revistas/mediacao/article/view/1246>
Material Complementar
REFERÊNCIAS
A TRANSIÇÃO PÓS-
II
UNIDADE
MODERNA
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as possibilidades de exame da transição da modernidade
para a pós-modernidade e seus impactos para a compreensão da
Teologia no mundo contemporâneo.
■ Analisar as rupturas do mundo moderno que possibilitaram novas
formas de abordagem de antigos problemas e as dificuldades de
conceituação do que seria o mundo pós-moderno.
■ Conceituar a pós-modernidade como uma cadeia de eventos
bastante complexos que precisam ser entendidos de maneira
minuciosa nas diferentes áreas do conhecimento.
■ Analisar os pressupostos que levaram a Teologia Moderna a se
transformar em uma Teologia Pós-Moderna.
■ Apresentar as possíveis chaves de interpretação do mundo pós-
moderno pela Teologia.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Caminho sem volta
■ Da modernidade à pós-modernidade: percalços conceituais
■ O que é pós-modernidade
■ A transição da Teologia para a pós-modernidade
■ A hermenêutica teológica na pós-modernidade
55
INTRODUÇÃO
Afinal, a pergunta sobre o que é ser pós-moderno é uma das mais inquietantes
indagações até os dias atuais.
Se do ponto de vista das ciências sociais há uma linha tênue que divide a
modernidade da pós-modernidade (o consenso é que a questão das identida-
des é a principal delas), na Teologia essa linha nem aparece. Toda a produção
teológica dos séculos XVIII e XIX dialoga intimamente com o que se produziu
até os anos 1950 do século XX, esforçando-se para firmar a modernidade como
referencial de análise em contraposição ao medievalismo ou neoescolasticismo.
Todavia, esse esforço vez ou outra aparece não surtir os seus efeitos, especial-
mente, quando surge uma contracorrente para frear as concepções mais liberais,
individuais, existenciais e racionalistas da Teologia moderna.
Compreender esse ponto de transição será a nossa tarefa nesta unidade.
As rupturas com o mundo moderno vieram com as novas formas de abordar
antigos problemas que a Teologia moderna não deu conta de resolver, fazendo
surgir assim uma chave interpretativa diversa daquela que os principais teólogos
do século XIX e início do século XX trabalharam. Em muitos casos, a Teologia
pós-moderna dispensa inclusive esse conceito hermenêutico, pois as chaves
interpretativas estariam comprometidas com uma visão de mundo destoante do
mundo atual, no qual tudo é “líquido”. Aproveite esta unidade!
Introdução
56 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
CAMINHO SEM VOLTA
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
57
conta de não haver uma estrutura centralizada de poder nas igrejas protestantes.
“Intelectuais protestantes, portanto, experimentaram um grau de liberdade aca-
dêmica que foi negado, até bem pouco tempo, a seus colegas católicos romanos.
Logo, o espírito de liberdade criativa (...) expressou-se sob a forma de uma criati-
vidade teológica e originalidade que eram praticamente impossíveis aos demais”
(McGRATH, 2005, p. 126); 2) o espírito de protesto que caracterizou o início dos
movimentos luterano e reformado encorajou um espírito de questionamento crítico
em relação ao dogma cristão; 3) a importância da educação superior na educa-
ção dos ministros protestantes, tendo como exemplo a Academia de Genebra e a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
crítica maior dos românticos era contra a alegação “de que a realidade pudesse ser
apreendida pela razão humana. Essa redução da realidade a uma série de racio-
cínios simplistas, parecia, aos românticos, uma distorção censurável e grosseira”
(McGRATH, 2005, p. 133). De fato, nos pontos em que o Iluminismo apelava à
razão humana, o romantismo fazia um apelo à imaginação humana, admitindo o
senso de mistério derivado de que a mente humana não pode nem sequer compre-
ender o finito quanto mais o infinito. Somava-se à crítica o fato do racionalismo
ter falhado em sua tentativa de enfraquecimento da religião, gerando suas corrente
contrárias: o pietismo alemão e o evangelicalismo inglês, ambos no século XVIII.
O teólogo que irá dar a maior contribuição nesse cenário de crescente decep-
ção em relação ao racionalismo e à valorização inédita do sentimento humano será
o alemão Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834). Segundo McGrath
(2005, p. 135), “Schleiermacher alegava que a religião em geral e o cristianismo
em particular eram uma questão de sentimento ou de ‘consciência pessoal’”. A
grande obra de Schleiermacher, Christian faith (de 1821 e revista em 1834), é
um tratado de teologia sistemática que tenta demonstrar a maneira como a teo-
logia cristã se encontra vinculada a um sentimento de “absoluta dependência”.
A obra do teólogo alemão irá influenciar mais de uma geração e será reinterpre-
tada a partir dos pressupostos pós-modernos.
O segundo movimento que mais contribuiu para a afirmação da teologia na
modernidade e que também foi ponto de partida para a teologia pós-moderna,
é o protestantismo liberal. Embora conhecer suas origens seja muito complexo,
fica mais fácil compreendê-lo se considerarmos como seu ponto de partida a rea-
ção à teologia elaborada por Schleiermacher, especialmente no que diz respeito
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
59
Por conta dessa mudança de direção da teologia cristã protestante, muitos dog-
mas cristãos vieram a ser considerados ultrapassados em comparação com as
normas culturais modernas. Na verdade, os dogmas cristãos receberam dois tipos
de tratamento: ou foram abolidos, pois se baseavam em pressupostos ultrapas-
sados ou equivocados (a doutrina do pecado original é um exemplo) ou foram
reinterpretados de uma forma mais adequada ao espírito da época (houve um
grande impacto na cristologia, especialmente sobre a sua divindade).
Um dos expoentes do protestantismo liberal foi o teólogo alemão Albrecht
Ritschl (1822-1889), que enfatizou a visão ética da religião cristã que levaria o
mundo a novos estágios de progresso e prosperidade. Foi um ardoroso defen-
sor da prática da caridade e da comunhão entre as pessoas como testemunho da
evolução do ser humano, tal como aconteceu com Jesus. Críticos da teologia do
protestantismo liberal o chamam comumente de “protestantismo cultural” por
ser demasiadamente dependente das normas culturais de aceitação da época.
Talvez o teólogo mais influente do protestantismo liberal seja o alemão Paul
Tillich (1886-1965), que alcançou fama nos Estados Unidos nos últimos dez
anos de vida. Influenciado pela filosofia existencialista (Tillich se considerava
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Embora duramente criticado, em especial por acreditar na evolução do ser humano
rumo a uma ética universal, o que foi rechaçado com as duas guerras mundiais, e por
estar disposto a sacrificar doutrinas distintivamente cristãs, na tentativa de tornar o
cristianismo aceitável aos olhos da cultura contemporânea, o protestantismo liberal
viveu seu apogeu nas décadas de 1970 e 1980, especialmente nos Estados Unidos.
Com isso, grande parte das teologias pós-modernas são devedoras do liberalismo.
O termo liberalismo passou a ter um novo sentido que, com frequência, car-
rega em si matizes de desconfiança, de hostilidade ou de impaciência em re-
lação aos tradicionais dogmas e doutrinas cristãs. Isso pode ser nitidamen-
te notado pelo uso popular do termo, no qual se incluem, em geral, ideias
como a negação da ressurreição ou da singularidade da pessoa de Cristo.
Fonte: McGRATH (2005, p. 141) .
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
61
to, de acordo com o que nos tem sido revelado nas Escrituras. A teologia
não representa uma resposta à condição humana ou às indagações hu-
manas; a teologia é uma resposta à Palavra de Deus, a qual exige uma
resposta em razão de sua natureza intrínseca. (McGRATH, 2005, p. 145).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE:
PERCALÇOS CONCEITUAIS
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
63
não tem sentido; use-a sempre que for possível.” (FEATHERSTONE, 1995, p. 17).
A ideia de ruptura com a modernidade tem sido a mais utilizada e apreciada pelos
cientistas sociais, especialmente pelo fato de que ela perpassa de forma totalmente
diferente vários campos do conhecimento, como por exemplo em comparação
da linguagem com a economia ou entre a cultura e a política. Ferreira (2010, p.
53) informa que, no âmbito da economia, para descrever a série de mudanças
que ocorreu no mundo do trabalho a partir dos anos 1960, “foi cunhado, em
1967, o termo sociedade pós-industrial”.
Daniel Bell criou o termo sociedade pós-industrial para indicar, no
caso dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos, a transição
de uma economia na qual a maior parte dos empregos se encontrava no
setor de serviços, principalmente nos serviços relacionados com saúde,
educação e lazer, pesquisa e administração. As indústrias continuam a
existir, mas por conta da revolução tecnológica geram cada vez menos
empregos diretos (FERREIRA, 2010, p. 53).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que a história humana teria um sentido (teleologia).
A ‘condição pós-moderna’ em Lyotard não é nada além de uma resig-
nação diante do capitalismo industrial, agora revigorado pela revolu-
ção da informação. Todavia, é algo aquém das interpretações que vis-
lumbravam essencialmente um passo adiante da condição moderna.
Em resumo, a condição pós-moderna em Lyotard nada mais é que o
moderno sem utopia (FERREIRA, 2010, p. 55).
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
65
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e a pós-modernidade. As principais seriam:
Quadro 1 - diferenças gerais entre a modernidade e a pós-modernidade
MODERNISMO PÓS-MODERNISMO
Propósito Diversão
Planejamento Casualidade
Hierarquia Anarquia
Centralização Dispersão
Seleção Associação
Fonte: HASSAN (1987).
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
67
Caro(a) aluno(a), reflita sobre essa afirmação: “No caso da esfera cultural, em-
bora esteja claro que transformações importantes ocorreram nos últimos
anos e continuam a ocorrer, talvez, seja prudente falar em não rompimento
absoluto com a cultura moderna, mas, sim, em uma interação complexa en-
tre pré-moderno, moderno e pós-moderno. Uma forma de apresentar essa
complexidade reside em mostrar como o passado (ou antigo) é transferido
para o presente como um objeto completamente diferente, ou seja, um si-
mulacro.”
(Valdinei Ferreira)
A atenção que se deve ter ao utilizar o termo pós-modernidade é que ele tam-
bém não é definidor de uma época ou de uma cultura propriamente dita, seja ela
de consumo, informacional ou de simulacros, conforme a tese de Baudrillard.
Todavia, embora as transformações que ocorreram nos últimos tempos não
tenham significado um rompimento absoluto com a cultura moderna, é cada
vez mais frequente o uso do conceito de pós-modernidade para definir a com-
plexidade do presente. Nisto, a teologia fará uma grande contribuição.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O QUE É PÓS-MODERNIDADE
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
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O Que é Pós-Modernidade
70 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Flexibilidade, diversidade, diferenciação e mobilidade, comunicação,
descentralização e internacionalização estão em ascensão. Nesse pro-
cesso, nossas próprias identidades, nossa percepção do eu, nossas pró-
prias subjetividades estão sendo transformadas. Estamos em transição
para uma nova era. (HALL; JACQUES, 1989).
Para Stuart Hall em sua resposta sobre o que é a pós-modernidade, o ponto cen-
tral das interpretações é a questão das identidades. E a chave das observações de
Hall sobre as identidades culturais é a relação entre o indivíduo e a sociedade.
O autor jamaicano teoriza que na pós-modernidade há uma crise constante da
identidade gerada pelo deslocamento dos sujeitos no mundo social e de si mesmo
(isso é fruto da globalização). A “internalização” do exterior no sujeito e a “exter-
nalização” do interior por meio da ação no mundo social é que irão contribuir
para formar essa identidade. Segundo o autor, o sujeito pós-moderno não tem
identidade fixa. Por consequência, as identidades nacionais são formadas e trans-
formadas no interior da representação. Stuart Hall explica que as identidades
eram sólidas localizações, nas quais os indivíduos se encaixavam socialmente,
mas na pós-modernidade as fronteiras estão menos definidas, provocando nos
indivíduos crises de identidade (HALL, 2014).
Tais crises seriam consequência da “desconstrução” das identidades nacio-
nais pela tendência da homogeneização cultural provocada pela globalização.
Se as identidades estão em declínio, para Hall, novas identidades híbridas estão
assumindo seu lugar. Esse hibridismo leva em conta gênero, sexualidade, etnia
e nacionalidade. O sujeito pós-moderno é composto, então, de várias identi-
dades, muitas vezes contraditórias ou não resolvidas. Hall conclui, no entanto,
que não é possível defender a idéia de que a identidade cultural sofra uma total
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
71
obra, o sociólogo polonês atribui aos arrivistas (aqueles que desejam su-
bir socialmente usando quaisquer recursos) e turistas o papel de heróis da
pós-modernidade enquanto os párias e vagabundos seriam as suas vítimas.
Nesta obra também, Bauman discute a possibilidade existir uma religião
pós-moderna, onde enfatiza que a incerteza do estilo pós-moderno não
gera a procura da religião, mas concebe, em vez disso, a procura sempre
crescente de especialistas na identidade.
Fonte: Bauman (1998).
O Que é Pós-Modernidade
72 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Baudrillard não chegou a ver a ascensão das chamadas mídias sociais (face-
book, instagram, twitter, snap, entre outras), mas já previa o grande impacto
da mídia eletrônica na transformação da natureza da vida humana. Essa mídia
não apenas “representa” o mundo para nós, mas, na verdade, serve, cada vez
mais, para definir como é o mundo em que vivemos (BAUDRILLARD, 2011).
A espetacularização do julgamento do famoso jogador de futebol americano O.
J. Simpson, acusado de matar a sua ex-esposa, Nicole, foi uma das “represen-
tações” estudadas por Baudrillard. Transmitido ao vivo pela TV e em horário
nobre, o julgamento se transformou em uma “novela” na qual a realidade e a
ficção se misturavam, trazendo inclusive confusão para os jurados que acaba-
ram por inocentar O. J. apesar de sólidas evidências (BAUDRILLARD, 2011).
O caso envolvendo a morte da princesa Diana também foi algo muito parecido:
Assim, quando a princesa de Gales, Diana, morreu, em 1997, houve
uma enorme manifestação de pesar - não apenas na Grã-Bretanha,
mas no mundo inteiro. No entanto, será que as pessoas estavam de luto
por uma pessoa de verdade? Baudrillard diria que não. Para a maioria
das pessoas, a princesa Diana existia apenas através da mídia. O modo
como as pessoas sentiram a morte de Diana lembrou mais um acon-
tecimento de novela. Baudrillard fala da “dissolução da vida na TV”
(GIDDENS, 2005, p. 536).
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
73
O Que é Pós-Modernidade
74 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
até aqui, as questões fundamentais da pós-modernidade passam por um ponto
crucial que seria a crise de identidade. Do ponto de vista da teologia, a crise de
identidade do sujeito pós-moderno é altamente relevante pois também é uma
crítica ao sistema de crenças da religião, no nosso caso o cristianismo protes-
tante. Essa abordagem inclui as críticas pós-modernas dos sistemas religiosos
e metafísicos passados; as novas concepções de realidade divina; e a renovação
pós-estruturalista da busca da transcendentalidade, incluindo as dimensões reli-
giosas do pensamento da desconstrução. A teologia pós-moderna ainda está no
processo de “fazer-se”, mesmo que já tenha se passado quase cem anos do ponto
de ruptura com a velha forma de pensar e fazer teologia.
No primeiro tópico, “Caminho sem volta”, informamos que há quase um
consenso entre os historiadores da teologia de que a década de 1920 represen-
tou o encerramento do pensamento teológico moderno, ou, no caso, antigo. Por
que 1920? É nessa década que o liberalismo teológico e o secularismo religioso
foram questionados pela ala conservadora do protestantismo, especificamente nos
Estados Unidos, mas com ramificações na Europa e, principalmente, na América
Latina. Esse questionamento, reacendeu o debate sobre a importância da teologia
dialogar com os problemas da sociedade e apresentar novas respostas para antigas
questões e, também, fazer novos questionamentos que nunca haviam sido feitos.
É a partir daí que vimos surgir uma teologia mais engajada, prática e libertária,
que será o início da teologia pós-moderna, mas não se restringindo a apenas isso.
Em 1910, dois homens de negócios patrocinaram a publicação e a distribui-
ção em vários estados norte-americanos de doze cadernos com ensaios escritos
por estudiosos protestantes conservadores. Estes cadernos levaram o título de Os
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
75
1920, pelo também batista Curtis Lee Laws (1868-1946). Laws é reconhecido como
aquele que cunhou o termo “fundamentalista” e pela sua ferrenha oposição à teo-
logia moderna. Em 1923, o teólogo e pastor presbiteriano John Gresham Machen
(1881-1937), que havia estudado teologia em algumas universidade alemãs, berços
da teologia liberal, escreveu o livro Cristianismo e liberalismo, no qual argumen-
tava que a teologia liberal não representava o verdadeiro cristianismo. Machen foi
considerado o teólogo mais erudito do movimento conservador.
Pós-Modernidade
76 UNIDADE II
Embora fossem reconhecidos pelo seu ardor evangelístico e pela defesa do que
consideravam os pontos fundamentais do cristianismo, os fundamentalistas não
se constituíram em um grupo coeso. Por conta desse movimento que provocou
diversas divisões nas denominações de origem, surgiu um grande número de
igrejas e ministérios autônomos, com suas livrarias, editoras, colégios e institutos
bíblicos. Um episódio ocorrido em 1925 e que teve repercussão em todo o país,
trouxe uma grande derrota aos fundamentalista que foram considerados como
“tolos obscurantistas em total descompasso com a era moderna” (MATOS, 2008,
p. 226), além de serem taxados de ignorantes quanto aos avanços da ciência. O
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
episódio em questão foi chamado de “caso Scopes” ou “julgamento do macaco”.
John Scopes, um professor de biologia, foi preso sob a alegação de
ensinar o evolucionismo, o que era contrário às leis do seu Estado, o
Tennesse. A União Americana dos Direitos Civis contratou para defen-
dê-lo um famoso advogado criminalista de Chicago, o agnóstico Cla-
rence Darrow. Atuou como promotor de acusação o político populista
de Nebraska e ex-candidato à presidente William Jennings Bryan, de
65 anos, líder emergente do fundamentalismo. Embora Scopes tenha
sido condenado, a atuação decepcionante de Bryan aliada à cobertura
sensacionalista da imprensa deu aos fundamentalistas uma imagem de
tolos obscurantistas (...). Cinco dias após o julgamento, Bryan morreu
em desonra e mais tarde as leis antievolucionistas foram revogadas.
(MATOS, 2008, p. 226).
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
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Pós-Modernidade
78 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) escreveu entre os anos de
1883 e 1885 uma série de três volumes onde narrava as andanças e ensina-
mentos de um filósofo, que se autonomeou Zaratustra após a fundação do
zoroastrismo na antiga Pérsia. Para explorar muitas das ideias de Nietzsche,
o livro usa uma forma poética e fictícia, frequentemente satirizando o Velho
e Novo Testamento. Tempos depois, Nietzsche escreveu mais um volume,
totalizando quatro. Após sua morte, os quatro volumes se transformaram
em um único livro: Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para nin-
guém. Amplamente baseado em episódios, as histórias em Zaratustra po-
dem ser lidas em qualquer ordem. Zaratustra contém a famosa frase Gott ist
tot (“Deus está morto”).
Fonte: Nietzsche (2011).
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
79
Prezado(a) aluno(a), reflita sobre essa questão: “De que maneira um cristão,
que é, ele próprio, um homem secular, pode chegar a compreender o Evan-
gelho de maneira secular?”.
(Van Buren)
Pós-Modernidade
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A HERMENÊUTICA TEOLÓGICA NA
PÓS-MODERNIDADE
Caro(a) aluno(a), neste último tópico queremos apresentar qual a chave inter-
pretativa da teologia pós-moderna. Originalmente, a hermenêutica é um ramo
da filosofia que estuda a teoria da interpretação de textos escritos, especialmente
nas áreas do direito, da literatura e da religião. Na teologia, a hermenêutica se
popularizou no século XIX como a arte da interpretação dos textos bíblicos,
passando posteriormente para a prática da interpretação e ao treino desta prá-
tica. A hermenêutica moderna, bem como sua vertente pós-moderna, engloba
não somente textos escritos, mas
também tudo que há no processo
interpretativo. Isso inclui formas
verbais e não verbais de comuni-
cação, assim como aspectos que
afetam a comunicação, como
proposições, pressupostos, o sig-
nificado e a filosofia da linguagem
e a semiótica. A teologia pós-mo-
derna recebeu toda a influência
da hermenêutica filosófica deri-
vada da teoria do conhecimento do
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
81
Pós-Modernidade
82 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Wittgenstein (1889-1951) e do Círculo de Viena, bem como a filosofia estrutural
da linguagem dos filósofos franceses, serão a base do pluralismo e do relativismo
que influenciam a hermenêutica teológica pós-moderna em sua crítica ao racio-
nal e ao conhecimento empírico. Como exemplo, temos o ensaio de Heidegger,
The Onto-theo-logical Constitution of Metaphysics, escrito nos anos de 1956 e
1957 para suas aulas sobre a Ciência da Lógica de Hegel, que se transformou
em um marco para a teologia pós-moderna como um convite para ultrapassar a
ideia de Deus como uma causa sui em favor de um deus diante do qual se pode
“dançar e cantar”. Ou como destaca Jacques Derrida (2016), “Heidegger com
ou sem a palavra ser, escreveu uma teologia com ou sem Deus”. Também com o
pensamento de Heidegger tornou-se irrelevante às limitações da dicotomia obje-
tividade/subjetividade no inquérito acadêmico, deixando aberto a possibilidade
do ser sem a necessidade de demonstrações concretas.
O pós-estruturalismo também contribuirá com essa questão na medida
em que defende que os signos (símbolos) da linguagem são arbitrários o que
os impossibilita de terem sentido absoluto, rejeitando as estruturas fixas como
fornecedoras das bases para a consolidação das ideias. As filosofias alternati-
vas radicais que se seguiram nos anos 1960, em decorrência da desilusão com o
pensamento estabelecido, tais como o feminismo, a fenomenologia, o pós-colo-
nialismo, o niilismo e novas teorias críticas. Entre essas críticas, destacam-se a
de vários autores que abordaram o Deus judaico-cristão da teologia. O francês
Emmanuel Levinas (1906-1995) em Deus e Filosofia enfatizou que Deus é um
ideal secular, o “Outro Infinito” cuja revelação das escrituras religiosas apresenta
como o Deus tradicional (LEVINAS, 2002). Jacques Lacan (1901-1981), Michel
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
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Pós-Modernidade
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa situação fez surgir uma chave interpretativa diversa daquela que os princi-
pais teólogos do século XIX e início do século XX dispunham. Um grande salto
foi a capacidade de adaptar o pensamento teológico protestante à mentalidade
científica e filosófica emergente, adaptando-a às necessidades do ser humano
pós-moderno.
Aliás, foi essa busca pela identidade do sujeito pós-moderno e o diálogo que
a teologia deveria travar com ele, para lhe dar respostas e novos significados,
que fez renascer o direito do indivíduo de criticar e reconstruir a fé tradicio-
nal. O grande tema teológico por excelência, Deus, passou a ser reinterpretado,
questionado e, até mesmo, excluído dos círculos pós-modernos. A ideia de uma
teologia sem Deus, embora assuste aos menos avisados, será essencial para que
o diálogo seja ampliado com outras correntes como a linguagem, o existencia-
lismo, o pós-estruturalismo, a metafísica, entre várias outras.
Por fim, embora os percalços conceituais para definir o que seria a pós-mo-
dernidade ainda se apresentem nas ciências humanas, a teologia conseguiu fazer
a sua transição de forma a ampliar a sua relevância no meio moderno, saindo
do campo das confessionalidades e passando a intervir no dia a dia do sujeito
pós-moderno. Tudo isso em um mundo cada vez mais fluído e longe das gran-
des certezas dos séculos passados.
Esperamos que você, caro(a) aluno(a), tenha sido instigado(a) a pesquisar mais
sobre o tema e a se preparar para o que veremos em nossas próximas três unidades.
Considerações Finais
86
1. Por que o Iluminismo foi um ponto de transição tão marcante na história da te-
ologia?
2. Qual foi o principal objetivo dos fundamentalistas do século XX? Que tipo de
teologia eles queriam refutar?
3. Qual o seu entendimento sobre a teologia “da morte de Deus”? Procure explicar
sem usar fatores apologéticos das denominações cristãs.
4. Quais as influências da filosofia para definir a hermenêutica teológica da pós-
-modernidade?
5. No seu entender, quais são os temas mais importantes para a reflexão teológica
atual?
87
Na narrativa bíblica, o Mito da Torre de Babel (Gn. 11) nos é teologicamente apresentado
e caracterizado como uma espécie de “punição divina” pela desobediência humana de
querer igualar-se a Deus. Há quem afirme que se trata do desdobramento e da consequ-
ência do Mito do Dilúvio, ou seja, após ter sido banido pela fúria das águas diluvianas, o
homem teria proposto uma revanche: construir uma torre capaz de tocar os céus, prio-
rizando tornar o nome do homem grande. Nesse sentido, para muitos teólogos, depois
do Mito de Adão e Eva, o episódio da Torre de Babel representaria uma “versão genérica”
de outra rebelião humana contra a divindade. Dentro de uma perspectiva canônica, a
narrativa da Torre de Babel também responde à pergunta pelo motivo da divisão da
humanidade em uma pluralidade de povos e línguas tão diferente. Na filosofia de Jac-
ques Derrida, o debate em torno da chamada Torre de Babel deve assumir outras cono-
tações. Nosso autor, preferencialmente, não trabalha com aquelas noções punitivas do
mito (pelo menos não sob a tutela da confessionalidade e do senso comum). Derrida
procura trabalhar aquilo que não é evidente no texto: primeiro ele toca na questão ter-
minológica ou etimológica do conceito de Babel, comparando-o a partir das culturas
mesopotâmica e hebraica. Embasado em um artigo do filósofo iluminista Voltaire, em
seu livro Derrida afirma:
Não sei por que é dito na Gênese que Babel significa confusão; pois Ba significa
pai nas línguas orientais, e Bel significa Deus; Babel significa a cidade de Deus, a
cidade santa. Os antigos davam esse nome a todas as suas capitais. Mas é incon-
testável que Babel quer dizer confusão seja porque os arquitetos foram confundi-
dos [...] seja porque as línguas se confundiram.
Derrida (...) aborda e expõe os limites intransponíveis da tradução, lembrando ao tra-
dutor sua incapacidade de reproduzir a verdadeira intenção do texto. Haja vista, que
“Babel, antes de tudo um nome próprio”, porém questiona se quando dizemos Babel,
sabemos o que nomeamos? E afirma que “seria o mito da origem do mito, a metáfora
da metáfora, a narrativa da narrativa, a tradução da tradução”. Para ele, a Torre de Babel
não configura apenas a multiplicidade irredutível das línguas, mas também ela exibe
um não-acabamento. E ainda, “a torre de Babel foi construída e desconstruída numa
língua no interior da qual o nome próprio Babel podia, por confusão, ser traduzido por
confusão”.
É preciso reconhecer que estamos, portanto, diante de um problema teoricamente re-
levante: Derrida está falando de uma interpretação do conceito e do nome de Babel, a
partir de duas línguas e duas culturas diferentes: a cultura mesopotâmica, baseada na
língua acadiana, e a cultura judaica ou a língua hebraica, como se poderá comprovar
depois. Em outro sentido, podemos aqui admitir que a procura da origem ainda tenha
um efeito produtivo. Uma palavra (um nome, uma narrativa, entre outros) pode tornar-
se uma chave de leitura.
Segundo Derrida, Deus teria destruído o nome que os homens queriam se dar, cons-
truindo sua própria língua e sua identidade humana, isto é, não teria o próprio Deus
reafirmado seu próprio nome, que se confunde, nesse momento, com o de Babel e de
88
Confusão. Está imposta a confusão de línguas, assim como a necessidade da tarefa im-
possível do tradutor, que deve trabalhar com a língua de Deus, que é Babel e confusão.
Dessa forma, fica estabelecida uma ligação entre a linguagem e Deus, a língua falada é
a sua e está imposto o nome-do-pai. Portanto, é compreensível porque Derrida pergun-
ta qual língua era falada durante a construção da torre, antes de ter sido proclamada
“Babel”. Pode-se traduzir um nome próprio (Deus, Babel)? Pode-se confundi-lo com um
nome comum (confusão)?
Ao comentar o respectivo mito, o filósofo nos alerta sobre os ricos ou a problemática de
procurar traduzir ingenuamente o nome Babel como sendo confusão:
Traduzam meu nome, diz Ele, mas ao mesmo tempo Ele diz: vocês não conse-
guirão traduzir meu nome porque, em primeiro lugar, é um nome próprio e, em
segundo, o meu nome, o nome que eu próprio escolhi para esta torre, signifi-
ca ambigüidade, confusão, etc. Assim, Deus, em sua rivalidade com a tribo dos
Shems, dá-lhes, em um certo modo, um comando absolutamente duplo. Ele im-
põe um duplo vínculo [double bind] a eles quando diz: traduzam-me e, o que é
mais importante, não me traduzam. Eu desejo que vocês me traduzam, que vocês
traduzam o nome que eu impus a vocês; e, ao mesmo tempo, o que quer que vo-
cês façam, não o traduzam, vocês não serão capazes de traduzi-lo.
Grosso modo, Deus aqui nada mais é que o nome sem-nome da desconstrução da Tor-
re de Babel, pois é ele quem interrompe a construção, ou seja, ele mesmo interrompe
a construção no próprio ato de interditar a tradução; e interditar a tradução significa
ordenar e proibir: significa dizer “que haja tradução” e ao mesmo tempo advertir que a
tradução será sempre impossível. Nessa esteira argumentativa, a desconstrução, então,
como uma injunção à ação, mas a uma ação que se sabe desde sempre interdita e, por
isso, infinita.
Fonte: Silva (2015, p. 91-102).
MATERIAL COMPLEMENTAR
A Teologia do Século XX
Rosino Gibellini
Editora: Edições Loyola
Sinopse: Este estudo é uma tentativa de reconstrução global da
história do pensamento cristão do século XX em seus momentos mais
significativos, em suas temáticas mais comprometedoras, nos textos
essenciais que lhe expandem o percurso. As teologias, que vão se sucedendo de capítulo em capítulo,
devem ser vistas como perspectivas a respeito do objeto incomparável e co-envolvente do Mistério e
da Revelação, no contexto experiencial, cultural e social em que pouco a pouco se articula a reflexão
teológica do século passado e do atual.
O Show de Truman
Truman Burbank é um vendedor de seguros que leva uma vida
simples. Bondoso e metódico vive na pequena cidade de Seahaven.
Tem uma namorada chamada Meryl, um melhor amigo, um trabalho
e todo dia ele “faz tudo sempre igual”. A única coisa que Truman
não sabe é que vive dentro de um show de televisão. Todos que convivem com ele estão ali
trabalhando. São atores contratados que encenam a realidade da sua vida. O dono do destino de
Truman não é Deus, ele tem um Senhor próprio, que atende pelo nome de Christof. Durante toda
a vida de Truman, Christof tratou de colocar no rapaz todo o tipo de medo que se relaciona com a
vontade de viver novas aventuras. Assim, conseguiu manipular a permanência de Truman dentro
dos estúdios. O rapaz vive num local cercado pelo mar, por isso, quando era criança, ele “perdeu”
seu pai durante um acidente marítimo, fato que fez surgir um medo óbvio dentro dele.
Material Complementar
REFERÊNCIAS
SILVA, E. G. da. A religião nas Torres de Babel: Jacques Derrida. In Revista Eletrônica
Espaço Teológico, v. 9, n. 16, jul/dez. 2015, p. 91-102.
TAYLOR, M. C. Erring: A Postmodern A/theology. Chicago: University of Chicago
Press, 1987.
TOCQUEVILLE, A. de. O antigo regime e a revolução. São Paulo: Edipro, 2017.
TOYNBEE, A. Um Estudo da História. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
93
GABARITO
A INFLUÊNCIA PÓS-
III
UNIDADE
MODERNA NA TEOLOGIA
Objetivos de Aprendizagem
■ Esclarecer sobre a teologia feita em prol da disseminação de uma
estrutura pós-moderna de pensamento.
■ Apresentar a relação da teologia com a crítica de que não há sentido
absoluto nos significados do mundo cristão.
■ Verificar como a teologia na pós-modernidade se alia ao conceito de
irracionalidade em contraposição ao conceito de racionalidade do
mundo moderno.
■ Entender os elementos teóricos do relativismo em face da sua
absorção pela teologia na pós-modernidade.
■ Descrever os pressupostos teóricos que permitiram uma nova
intersecção da teologia com a filosofia pós-moderna.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A estrutura pós-moderna de pensamento
■ Teologia e pós-estruturalismo
■ Teologia e Irracionalidade
■ Teologia e Relativismo
■ O reencontro da Teologia com a Filosofia
97
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), esta é a nossa terceira unidade e nela veremos como a pós-
-modernidade influenciou a teologia, fazendo-a passar rapidamente do campo
da dialética, influenciada pela teologia da Palavra de Karl Barth, ao campo ecu-
mênico e mundial, abandonando sua influência europeia e se abrindo a temas
como a inculturação (África e Ásia), feminismo e ação política.
Esse percurso foi acelerado, como é próprio da pós-modernidade, sendo
muito difícil estabelecer marcos temporais que dividiram uma corrente de pen-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Introdução
98 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A ESTRUTURA PÓS-MODERNA DE PENSAMENTO
ambivalente, fluido. Por sua vez, estruturada a partir desse pensamento, a teologia
pós-moderna deve ser capaz de ser complexa, nômade, aberta, transversal, plural
e flexível (OLIVEIRA, 2003). Gonçalves (2005) destaca que além disso “a teologia
deverá também ser marcada pela centralidade da vida, considerando a diver-
sidade de vidas no universo e a peculiaridade do ser humano colocada pela fé”.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Desta forma, como referencial para pensar a teologia atual e suas implicações
com sociedade, a estrutura de pensamento pós-moderna se baseia na razão sen-
sível, nas emoções e nos afetos públicos (MAFFESOLI, 2014).
Esse nomadismo, utilizando o termo de Maffesoli (2001), permite ao indi-
víduo pós-moderno ampliar o seu espectro de interação cotidiana no momento
em que se desloca entre territórios simbólicos, linguísticos e de diferentes formas
de vida sociocultural. Como um nômade, o indivíduo pós-moderno tem os seus
limites territoriais, no sentido socioantropológico, redefinidos de acordo com as
relações e interações que vão ocorrendo no cotidiano vivido (FERNANDES, 2005).
O impacto para a produção teológica e para o saber teológico é muito pro-
fundo. A própria comunicação torna-se fluida, impossibilitando a preponderância
das grandes e estruturantes narrativas. A teologia deve se deslocar então para os
espaços mínimos da vida humana e para as histórias mínimas dos seres huma-
nos em sua relação com o divino.
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TEOLOGIA E PÓS-ESTRUTURALISMO
são irrelevantes para a sua interpretação e, ainda mais, não há como encontrar
um sentido fixo em um determinado texto. McGrath (2005, p. 152) destaca dois
princípios gerais que sustentam a tese do desconstrucionismo na interpretação
textual: “1. Tudo que for escrito transmitirá significados que seu autor não pre-
tendia ou que não poderia ser intencionado. 2. O autor é incapaz de expressar
em palavras aquilo que a princípio quis dizer”.
Desse modo, dependendo do ponto de vista, todas as interpretações são
igualmente válidas ou igualmente destituídas de significado. O filósofo belga
Paul de Man (1919-1983) afirmava que a própria ideia de “significado” já apre-
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Teologia e Pós-Estruturalismo
104 UNIDADE III
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Os críticos acadêmicos do Novo Testamento procuram relacionar os relatos e
feitos de Jesus como o Sitz im Leben da Igreja para qual eles foram transmi-
tidos. Eles sugerem que os ditos e feitos de Jesus só podem ser considerados
autenticamente dele quando podem ser encaixados na experiência da igreja
primitiva e não na do primeiro século. Muitos consideram este critério como
excessivamente cético, pois a base do ensinamento de Jesus, como um judeu
do primeiro século, deve ser refletida no judaísmo contemporâneo.
Fonte: adaptado de Bíblia de Estudo Oxford ([2017], on-line)².
Teologia e Pós-Estruturalismo
106 UNIDADE III
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Pense sobre a declaração do desconstrucionista Jonathan Culler de que
“sentido é contexto preso, mas contexto é livre”.
(Culler, 1982)
TEOLOGIA E IRRACIONALIDADE
Teologia e Irracionalidade
108 UNIDADE III
A partir deste debate, surgiu outra disputa filosófica que influenciou tanto a ciên-
cia, quanto a religião e diz respeito ao realismo e ao idealismo. O realismo crítico
é originário dessa disputa e teve uma importância singular para a teologia, uti-
lizando o método da analogia. Em relação à existência de Deus, por exemplo, o
realismo crítico destaca duas proposições: “1. Deus existe de uma forma inde-
pendente do pensamento humano; 2. Os seres humanos são forçados a usar
modelos ou analogias para descrever a Deus, pois ele não pode ser conhecido
de uma forma direta” (McGRATH, 2005, p. 278).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O idealismo tem a sua expressão mais forte e conhecida na abordagem do
filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), que defende a teoria de que
temos que lidar com as imagens ou representações dos objetos, e não com
os objetos em si. Os objetos em si são diferentes dos fenômenos porque
jamais poderão ser conhecidos diretamente. Já o realismo está subdividido
em várias categorias filosóficas. A base geral, contudo, é afirmar que seres
ou objetos reais são diretamente responsáveis pelo fenômeno cuja obser-
vação nos induz a pressupor sua existência.
Fonte: McGrath (2005).
No bojo disso tudo, a palavra “fé” passou a significar algo como um tipo inferior
de conhecimento, ou um conhecimento parcial baseado em uma absoluta falta de
evidência ou em evidências inadequadas. Como afirma Lima (2013), os cientistas
acreditaram que o “mundo interior” do observador era inteiramente independente
da realidade física. Desse modo, “para melhor se abordar o segundo, era preciso
submeter o primeiro a um controle, a uma neutralização radical”. Essa condição
exclui qualquer possibilidade de interferências psíquicas, místicas ou irracionais.
Contudo, a pós-modernidade em sua valorização ao microcosmo, à micro-
-história, à subjetividade, contribuiu para que a teologia resgatasse o diálogo
com a irracionalidade. Na verdade, teólogos da neo-ortodoxia, como Barth e
Brunner, já apontavam que outros elementos fundamentais deveriam ser levados
em conta nas relações do indivíduo com o seu objeto de análise: a consciência,
zar, contudo, seu caráter universal. Temos então uma teologia que “é uma atividade
de homens individuais, mas dirigida para toda a humanidade, por seu objeto não
aceitar nenhuma determinação geográfica” (LIBANIO; MURAD, 2003, p. 247).
A teologia se constrói por sua própria estrutura metodológica, ou seja, pre-
tende ser uma ciência autônoma, sendo capaz de articular teoria e prática. Assim,
no mundo pós-moderno, é essencial que, nessa estrutura metodológica, ela se
abra às demais formas de saber irracionais, dentre as quais, a contemplativa, a
mística, entre outras. Uma vez buscando o seu estatuto como ciência, a teolo-
gia também se submete a essa maneira de fazer ciência na pós-modernidade:
Não há uma única maneira de fazer ciência. As fronteiras entre o cien-
tífico e o não-científico não são absolutas. Mas quando há uma super-
posição dos domínios, a Razão corre o risco de tornar-se desrazão. Sua
universalidade precisa evitar duas armadilhas: a) o imperialismo, pre-
tendendo impor a racionalidade ocidental como um modelo universal;
b) o relativismo, pretendendo encontrar a razão em tudo e em toda
parte (JAPIASSÚ, 1996, p. 10).
Teologia e Irracionalidade
110 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
filosofia, especialmente da pós-metafísica, e então veremos de forma mais apro-
fundada como a teologia se beneficiou do conceito da irracionalidade para romper
barreiras e atuar diretamente com as questões mais emergentes postuladas pelos
indivíduos de fé em uma sociedade sem fé.
TEOLOGIA E RELATIVISMO
Assim, não há uma história comum que possa, de alguma forma, identificar os
seres humanos de modo universal. Como também não há uma verdade que seja
universal e absoluta. Em se tratando de ética, também é impossível estabele-
cer princípios morais que devem reger as condutas das pessoas universalmente
(HENRY, 2007). Diante disso, como a teologia se impõe? Que características ela
apresenta para continuar a ser relevante nesses tempos pós-modernos?
Primeiramente, é preciso separar a teologia enquanto ciência da sua vertente
apologética, especialmente a denominacional. Para essa teologia, o relativismo
é um câncer, um mal que colabora para tirar a pureza da igreja e que precisa ser
combatido. Os partidários desta tese apontam que no relativismo cada um pode
definir “sua verdade” de acordo com o contexto histórico social em que está situ-
ado (VEITH, 1999), o que acaba por comprometer o “verdadeiro” sentido da fé.
Por seu turno, a teologia sem as amarras do denominacionalismo poderá dialogar
com o relativismo, não se omitindo de apontar as tensões existentes, a principal
delas a incongruência da epistemologia da relatividade, pois a falta de uma ver-
dade absoluta é tida como a “verdade absoluta“ do relativismo (COTRIM, 2001).
Teologia e Relativismo
112 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
NEO-ATEÍSMO
ABORDAGENS RECONSTRUTIVAS
Teologia e Relativismo
114 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
([2017], on-line)3.
Há uma linha de pensadores, teólogos e filósofos, que defendem uma visão de ver-
dade-em-algum-lugar distante de nossa realidade e da compreensão humana. Estas
posições são difíceis de serem classificadas, mas remetem à preocupação da teologia
em dialogar com a filosofia e com o pensamento pós-moderno. O filósofo analítico
britânico Antony Flew (1923-2010) foi um grande e respeitado defensor do ateísmo
até que em 2004 declarou que estava errado e passou a adotar o reconhecimento da
existência divina. Sua postura intelectual fez surgir o chamado neo-deísmo.
Desde o fim do Iluminismo, o deísmo, enquanto doutrina, praticamente deixou
de possuir seguidores, mas com a aderência de Flew voltou ao cenário da filosofia
da religião e da teologia. Em 2007, o ex-ateu publicou o livro Um ateu garante: Deus
existe em parceria com Roy Varghese. Nele, Flew aceita os argumentos de Richard
Swinburne como cogente, mas retém uma distância qualitativa entre Deus e a criação.
Embora o agnosticismo há muito tenha desaparecido dos círculos filosóficos
recentes, um grupo ainda se mantém ativo tendo como principais pensadores
Anthony Kenny (1936-), um filósofo britânico, professor de Oxford, que foi padre
católico por quatro anos em Liverpool até decidir voltar à vida laica por ter se
tornado um cristão agnóstico.
Para Kenny, não “existem argumentos fortes para provar que Deus existe
ou que não existe.” O filósofo e professor da Universidade de Richmond, nos
Estados Unidos, James H. Hall (1933-), também é outro expoente do cristianismo
agnóstico, defensor das teses de Kenny. Ambos, passaram também a serem lidos
e debatidos nos círculos teológicos atuais.
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Teologia e Relativismo
116 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A verdade, seja lá qual for, só é acessível pela mentira, pela trapaça, pela
invenção e pela imaginação da arte.
(Italo Calvino)
O diálogo entre a teologia e o relativismo não significa que aquela tenha cedido
às pressões do fim dos absolutos. Todavia, no mundo pós-moderno a teologia
também se coloca como fonte do discurso para ora construir, ora apresentar
alternativas, em que a verdade sobre o divino se fundamente. A mediação desse
diálogo tem sido feita pela filosofia como veremos em nosso último tópico.
Chegamos ao último tópico desta unidade. De tudo que vimos até aqui ficou
uma certeza: a grande importância da filosofia para a teologia. Entretanto, essa
relação nem sempre foi de diálogo e de trocas. Em sua fase clássica, a teologia
era vista como senhora da filosofia, sendo essa a sua escrava. Na modernidade, a
filosofia foi substituindo a teologia e a própria religião como orientadora última
da vida humana devido aos seus avanços nas referências à antropologia e à ciên-
cia. Criou-se então um campo de distensão entre as duas disciplinas. A filosofia
da religião, com seu arcabouço teórico, foi tida, em determinado momento his-
tórico, como a substituta da teologia.
Contudo, a pós-modernidade traz a emergência de uma filosofia marcada
pela diferença, pela abertura sistêmica, pelo pluralismo e pela transversalidade.
O reencontro da filosofia pós-moderna com a teologia proporciona a efetividade
do caminho hermenêutico do diálogo com as diversas ciências. Na opinião de
Gonçalves (2005), a filosofia foi capaz de dar uma nova razão teológica nesses
tempos de pós-modernidade:
No diálogo com a filosofia, a teologia encontrará a mediação necessária
para dialogar com a biologia e a física com a finalidade de elaborar
uma teologia da criação e uma antropologia teológica constitutivas de
matizes que propiciam melhor compreensão das implicações da fé e
da revelação nesses tratados teológicos. Dessa maneira, construir-se-á
um horizonte interdisciplinar na teologia, reforçando a sua identidade
como ciência e reflexão crítica da fé, visando à sua contemporaneidade
científica, (GONÇALVES, 2005, p. 32).
Não pretendemos aqui fazer uma análise exaustiva das contribuições da filosofia
pós-moderna à teologia, por isso apresentaremos os modos genéricos, porém expres-
sivos, que apontam a interação entre a teologia e a filosofia na pós-modernidade.
FILOSOFIA DA LINGUAGEM
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
do questionamento do filósofo que mais contribuiu para a filosofia da linguagem,
Wittgenstein: “se nossas palavras não conseguem descrever o aroma característico do
café, como podem tratar de algo tão sutil quanto Deus?” (McGRATH, 2005, p. 303).
Assim, buscando conciliar os temas do “significado” e da “compreensão”, a filosofia
da linguagem se ampliou para a filosofia analítica (para entender o “significado”)
e para fenomenologia hermenêutica (para buscar a “compreensão”) dos textos.
Todavia, há uma crítica de que o excesso de intuição com relação à inter-
pretação pode levar há uma saturação dos fenômenos. O filósofo francês Paul
Ricouer (1913-2005) destaca que “o símbolo dá a pensar” (ARÉVALO, 2011, p.
80) e, por isso, foi um dos contribuintes mais importantes para a fenomenologia
da filosofia da linguagem. De acordo com Arévalo (2011), o trabalho de Ricouer
tem um longo itinerário que vai dos anos de 1960 até o início dos anos 2000.
Nesse trajeto, Ricouer contribuiu com três movimentos devidamente caros para
a teologia. Segundo Arevalo:
o primeiro tem por eixo a hermenêutica dos símbolos, que ele desenvol-
veu nos escritos dos anos 1960. O segundo é consagrado aos escritos dos
anos 1970 e 1980, nos quais o acento se desloca mais e mais fortemente
rumo à mediação textual. O terceiro eixo segue a abertura da hermenêu-
tica aos problemas da filosofia prática, que, nos últimos escritos, desem-
bocaram numa “fenomenologia do homem capaz”, em uma hermenêu-
tica de si mesmo. Três movimentos de um itinerário que o faz gerar uma
hermenêutica ao redor dos símbolos, outra ao redor dos textos e uma
terceira ao redor da ação humana (ARÉVALO, 2011, p. 80).
A temática do sujeito trabalhada por Ricouer, embora seja alvo de pesadas críticas dos
desconstrucionistas, faz valer a reflexão de que a ideia de um sujeito que é responsável
por suas palavras e suas obras não pode ser descartada a priori na pós-modernidade.
Prescindir da clássica noção de sujeito como um Cogito transparente
não significa que tenhamos que prescindir de toda forma de subjetivi-
dade. Minha filosofia hermenêutica tentou demonstrar a existência de
uma subjetividade opaca, que se expressa a si mesma através do desvio
de incontáveis mediações de signos, símbolos, textos e da práxis huma-
na ela mesma, (RICOUER apud ARÉVALO, 2011, p. 81).
O tom dado por Ricouer e que impacta a teologia pós-moderna é a volta à temática
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
TEOLOGIA PÓS-LIBERAL
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“experiência universal” de religião, da qual a teologia cristã é uma expressão, em
rejeição da “racionalidade universal do iluminismo moderno”. As introspecções
antropológicas e sociológicas sobre a natureza da comunidade elaboradas pelo
antropólogo Clifford Geertz (1926-2006) e pelo sociólogo Peter Berger (1929-)
apresentam um um pano de fundo para formular uma epistemologia historicista
e comunitária, na qual a experiência e pensamento são definidos pela história
coletiva. Desse modo, a teologia pós-liberal prefere uma teologia narrativa a uma
teologia normativa como doutrina, sendo essa abordagem essencialmente descritiva.
Quando discute sobre a ética é que o pós-liberalismo teológico revela muito
de sua conexão pós-moderna. A teologia pós-liberal considera os valores morais
como pertencentes a uma comunidade em particular (a Igreja no caso do cris-
tianismo) em reação da prevalecente universalidade moral de Kant. Hauerwas,
entretanto, é o único pós-liberal que discorda, defendendo uma ética de virtude.
O DEUS LIMITADO
incapaz de trazer o desejado bem. Essa abordagem tem influenciado outras obras
teológicas que discutem o problema do mal e a degeneração do gênero humano.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
zidos pelos atributos absolutos do teísmo tradicional, como o problema do mal,
o determinismo e o livre-arbítrio, onisciência e justiça divina, entre outras.
A mais recente teologia que discute esse Deus limitado é o deísmo aberto.
Para os teólogos que defendem essa teoria, Deus não controla meticulosamente
o universo, nem exaustivamente conhece o futuro. Os maiores expoentes do
deísmo aberto são os teólogos pós-evangelicais como Gregory A. Boyd (1957-
), pastor sênior de uma grande igreja no Minnesota (Estados Unidos), John E.
Sanders (1956-) e Clark H. Pinnock (1937-2010). O deísmo aberto é uma ver-
são cristianizada, que busca suporte bíblico, para as pressuposições do teísmo
do processo de Whitehead e do teísmo finito de Bertocci.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
124
REFERÊNCIAS ON-LINE
Em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/08/110824_especies_nu-
1
POSSIBILIDADES DA
IV
UNIDADE
TEOLOGIA PÓS-MODERNA
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar como a teologia se torna plural no ambiente pós-
moderno, abrindo-se para discutir várias questões relacionadas ao
ser humano.
■ Entender a importância do estudo teológico das questões
socioambientais, em face do pensamento pós-moderno.
■ Apresentar as propostas mais atuais da Teologia para a discussão do
consumo e consumismo no mundo contemporâneo.
■ Apresentar a proposta de uma teologia como um diálogo
interdisciplinar, inter-religioso, democrático e humanitário, baseada
em uma reflexão metódica, crítica e cidadã.
■ Entender a proposta de uma teologia no espaço público em face do
pluralismo religioso no Brasil.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Teologia versus Teologias
■ Ecoteologia
■ Teologia Econômica
■ Teologia Acadêmica
■ Teologia Pública
133
INTRODUÇÃO
Introdução
134 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
TEOLOGIA VERSUS TEOLOGIAS
Prezado(a) aluno(a), vimos na unidade II que hoje seria mais correto utilizar-
mos o termo teologias pós-modernas do que somente teologia pós-moderna.
De fato, tem havido um debate sobre diferenciar a teologia cristã e subdividi-
-la em diversas outras teologias. Entretanto, compreendemos que o tempo todo
estamos falando sobre a teologia cristã, contudo em face do ambiente pós-mo-
derno e sua concentração no microcosmo, na micro-história do indivíduo, essa
teologia cristã se apresenta de forma plural em várias outras teologias específi-
cas, engajadas, reflexivas e, até mesmo, dialéticas.
Não temos a pretensão aqui de esgotarmos o assunto; antes, ofereceremos
pistas que servirão de guia para que você possa se aprofundar mais sobre essa ou
aquela teologia. O conhecimento generalista, nesse caso, será necessário antes
de sua opção para alguma especialidade.
Desse modo, vamos apresentar como a teologia cristã se abriu para questões
étnicas e de gênero, para a teoria da práxis libertadora, para a questão indígena
e cultural, e também, por que não, para as questões afeitas ao campo eclesiás-
tico. Surgem assim no ambiente da pós-modernidade várias teologias que irão
privilegiar o foco no indivíduo, nas minorias e em aspectos antes desconsidera-
dos pela cosmovisão cristã. Vejamos os principais deles:
TEOLOGIA FEMINISTA
devido a percepção das feministas “de que as religiões tratam as mulheres como
seres humanos de segunda classe, tanto em termos dos papéis que essas religiões
destinam às mulheres, como pelo forma como concebem a imagem de Deus”.
A teologia feminista, como todo movimento, possui uma posição extremada e
outra posição mais centralizada. Entre os extremos, temos algumas obras de auto-
ras como da teóloga Mary Daly (1928-2010), considerada a principal expoente
da teologia feminista, que escreveu Beyond God the Father (1973), e da teóloga
britânica Daphne Hampson (1944-), Theology and feminism (1990), que alegam
Que o cristianismo, com seus símbolos masculinos para Deus, a figu-
ra masculina de seu salvador e sua longa história de líderes e intelec-
tuais do sexo masculino, apresenta um preconceito contra a mulher,
não sendo, portanto, passível de recuperação. Conforme frisam essas
feministas, as mulheres devem abandonar esse ambiente opressivo do
cristianismo (McGRATH, 2005, p. 148).
A posição mais centralizada é defendida por aquelas feministas que lutam pela
igualdade das mulheres também dentro da igreja. Essas líderes “têm acentuado
o papel das mulheres na história cristã e insistido na completa reconstrução da
teologia tradicional em torno da experiência das mulheres” (MATOS, 2008, p.
259). Nessa perspectiva, a personagem mais destacada da teologia feminista é
a teóloga católica Rosemary Radford Ruether (1936-), que foi professora no
Seminário Teológico Garrett, em Chicago, dirigido pela Igreja Metodista. Ruether,
além de defender a ordenação feminina para o sacerdócio na Igreja Católica,
identificou no patriarcalismo do antigo oriente o mal básico que teria prejudi-
cado o desenvolvimento das mulheres no cristianismo. Em seu livro Sexism and
God-Talk (1983), Ruether destaca que o patriarcalismo “denota tanto o domínio
dos homens quanto a estrutura social hierárquica na qual tudo é controlado por
figuras paternas (na família, na Igreja, etc.)” (MATOS, 2008, p. 259). Isso levou
a teologia feminista a propor uma mudança no próprio paradigma do entendi-
mento de Deus como Pai, sugerindo uma mudança da terminologia bíblica na
área de gênero, passando para uma linguagem inclusiva.
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Antoinette Brown Blackwell (1825-1921) foi a primeira mulher a ser orde-
nada ao ministério da Palavra e dos Sacramentos desde o Novo Testamen-
to. Sua ordenação se deu em 1852 pela Igreja Congregacional dos Estados
Unidos. No Brasil, poucas igrejas ainda dão lugar às mulheres no ministério
pastoral. Entre os pentecostais e neopentecostais, é comum que a esposa
de um pastor também seja chamada de pastora, porém sem passar pelo
processo de ordenação.
Fonte: o autor.
TEOLOGIA NEGRA
A teologia negra surgiu no seio das comunidades negras protestantes nos Estados
Unidos. Embora seja uma teologia que defenda a libertação dos negros, sua ori-
gem não é a mesma da teologia da libertação latino-americana. A consciência
negra é um dos pontos mais marcantes dos movimentos pelos direitos civis que
se irromperam na América nos anos 1960. A teologia negra surgiu como uma
reação contra a hegemonia branca, tanto nos seminários, quanto nas igrejas. Em
seu início, não era uma teologia acadêmica, mas voltada para justificar o uso da
violência para alcançar a justiça e para denotar a natureza do amor cristão. Nessa
fase, a luta do pastor batista Martin Luther King Jr (1929-1968) foi decisiva para
o avanço dos movimentos negros e para a própria teologia negra.
A grande contribuição para que as realidades da experiência negra fossem
retratadas na esfera teológica veio de Joseph R. Washington (1930-) com sua obra
Black religion (1964). Segundo McGrath (2005, p. 155), “Washington enfatizou
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O termo teologia queer foi criado pela teóloga metodista argentina, radicada
na Escócia, Marcella Althaus-Reid (1952-2009), profunda estudiosa da teolo-
gia da libertação. Althaus-Reid concentrou seus estudos teológicos na questão
da libertação centrada na condição da discriminação das pessoas de orientação
LGBT. Sua obra Indecent theology: theological perversions in sex, gender and poli-
tics (2000), a projetou internacionalmente assim como a sua proposta teológica.
Em The Queer God (2003), estabeleceu um novo campo no estudo da teologia,
acrescentando às teologias feministas e da libertação, a teologia da sexualidade.
Atualmente, o professor de Oxford e padre Graham Ward (1955-) e a teóloga
e pastora Mona West (1955-) são os expoentes da teologia queer, reinterpretando
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sexualidades alternativas e as suas acomodações no cristianismo.
sas, holandesas e americanas, o Japão também deveria ter uma teologia japonesa.
De acordo com Pieris (1988), devido à existência de culturas religiosas muito diver-
gentes na Ásia, o conteúdo da teologia asiática também é diversificado. O ponto
principal da teologia asiática e unificadora de suas variadas vertentes é a afirma-
ção de que a revelação de Deus veio a nós nas Escrituras por meio de uma forma
cultural específica, quando Deus usou as culturas judaicas e helenísticas para se
revelar ao ser humano. Assim, o Evangelho também deve ser traduzido hoje para
as formas particulares de culturas asiáticas. Consequentemente, as teologias asi-
áticas pretendem representar formas culturais asiáticas: teologia da dor de Deus
(Japão), teologia do búfalo da água (Tailândia), teologia do terceiro olho (para os
chineses), teologia minjung (Coréia), teologia da mudança (Taiwan) e uma série
de outras teologias nacionais tais como a teologia indiana, teologia birmanesa e
teologia do Sri Lanka. Para Pieris (1988), a proliferação de teologias asiáticas acen-
tuou-se desde a década de 1960 e vai continuar a multiplicar-se ainda mais.
Outra vertente da teologia pós-colonial que tem se destacado com a pós-
-modernidade, e sua ânsia para dar voz aos excluídos, aos que estão à margem,
é a teologia indígena. Essa teologia tem sido feita entre os povos nativos nor-
te-americanos e, principalmente, entre os povos indígenas da América Latina.
Entre os nativos norte-americanos se destaca o teólogo e ativista Vine Deloria
Jr (1933-2005), descendente dos índios dakotas. Sua obra mais influente foi God
is red: a native view of religion (1973), na qual aponta que os nativos tinham um
conhecimento mais bíblico a respeito da criação do que os protestantes “brancos”.
No âmbito latino-americano, a teologia indígena “tem atuado na busca da
recuperação criativa da memória histórica de um sujeito que foi excluído dentro
da igreja”, como afirma Mendoza-Álvarez (2016, p. 375). Essa teologia tem a pre-
tensão de recuperar sua marginalização histórica de cinco séculos, mas “sem ficar
ancorada no passado mítico, ainda que tampouco renunciando a essa outra raciona-
lidade que é própria do símbolo” (MENDOZA-ÁLVAREZ, 2016, p. 375).
Eleazar López Hernández é um dos teólogos católicos mais atuantes no
âmbito da teologia indígena. É dele a seguinte observação:
Englobar todas as teologias índias em explicações unitárias é uma exi-
gência da necessidade de contar com parâmetros amplos que sejam ca-
pazes de ajudar-nos a compreendê-las e valorá-las. Mas esta globaliza-
ção também é resultado da situação atual dos povos indígenas,que, por
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estarem submetidos às mesmas estruturas dominantes há muito tem-
po, elaboraram respostas similares e convergentes, em todos os planos,
incluindo o religioso e teológico. A teologia índia se está configurando
hoje como um modo de fazer teologia; porque é atrever-se as coisas de
Deus e nossas coisas mais profundas em categorias próprias; é lançar
mão das ferramentas de conhecimento produzidas pela sabedoria de
nossos povos para expressar nossa experiência de Deus; é pensar com
a nossa própria cabeça a fé que vivemos. (HERNÁNDEZ apud MEN-
DOZA-ÁLVAREZ, 2016, p. 376).
A teologia indígena tem sido uma releitura da teologia da libertação, mas com
o mesmo viés da narrativa do sujeito fraco pós-moderno.
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
O clamor pela libertação radical dos oprimidos sempre esteve presente no cris-
tianismo, desde heresias populares na Idade Média, passando pelos taboritas
na Boêmia, pelos anabatistas radicais na Suíça e Alemanha e pelo trabalho
de teólogos socialmente preocupados, como o bispo anglicano John Colenso
(1814-1883) e o Evangelho Social na América do Norte. Entretanto, somente na
segunda metade do século XX é que surgiu o que propriamente podemos cha-
mar de teologia da libertação.
A teologia da libertação é o primeiro caso de uma reflexão influente sobre o
mundo moderno surgida fora do eixo Europa-América do Norte. Essa teologia nasceu
TEOLOGIA DA ESPERANÇA
Embora o seu precursor não tenha pensado a sua teologia para o labor eclesi-
ástico, a teologia da esperança em meio ao sofrimento do mundo presente na
promessa de um futuro com Deus tem sido muito utilizada pela Igreja, como
forma do próprio cristão pensar a sua teologia do mundo futuro.
O criador da teologia da esperança foi o teólogo alemão Jürgen Moltmann
(1926-), que se valeu das influências de Marx e Hegel para a sua visão de his-
tória e para a estruturação do seu pensamento teológico. Em sua Teologia da
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esperança (1964), Moltmann enfatiza a escatologia com Deus apontando um
futuro de justiça desejado e a revolução social para manifestar o Reino de Deus
na Terra. Para o teólogo alemão, “a esperança nasce da promessa de Deus em
relação ao futuro, baseia-se na cruz e na ressurreição de Jesus Cristo e chega
até nós em nossa realidade histórica atual por meio da obra do Espírito Santo”
(MILLER; GRENZ, 2011, p. 127).
Outro teólogo que trabalhou o tema escatológico da esperança, com algumas
diferenças de Moltmann, foi o polonês Wolfhart Pannenberg (1928-2014). Em
sua obra A teologia e o reino de Deus (1969) expressou conceitos bem radicais
como a aparente não-existência atual de Deus para o mundo. Para Pannenberg,
“Deus existe no futuro, quando finalmente revelará sua divindade e majestade.
Deus se realiza com e pela história mundial, sem se tornar dependente dela.
Porém, em nossa experiência humana finita Deus parece ainda não existir, por-
que sua majestade é escatológica” (MATOS, 2008, p. 253).
TEOLOGIA DO EVANGELICALISMO
vida cristã e ao liberalismo teológico que também falhou em ser opção para
melhorar a vida em sociedade e a cultura, especialmente depois dos horrores
da Segunda Guerra Mundial.
O principal teólogo do evangelicalismo é Carl F. H. Henry (1913-2003),
professor de teologia no Seminário Teológico Fuller e editor da famosa revista
Christianity Today (Cristianismo Hoje). Henry foi influenciado pelo teólogo pres-
biteriano Harold Ockenga (1905-1985), um neoconservador que insistia que a
teologia deveria sim dialogar com a cultura e com outras ideias contemporâ-
neas, sem necessariamente perder a sua exclusividade. Henry procurou trabalhar
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Por isso, os evangelicais não têm compromissos denominacionais, fato que tem
possibilitado a expansão das igrejas chamadas de “comunidades”, todas, quase
que sem exceção, adeptas da teologia evangelical.
Caro(a) aluno(a), essas teologias que aqui apresentamos são apenas uma pequena
amostra de como a teologia cristã está fragmentada em diversas teologias no mundo
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pós-moderno. Longe disso ser uma desvantagem. É muito saudável que a teologia
se volte para questões que busquem recuperar a história a partir de suas margens -
as mulheres, as culturas juvenis, as minorias, os povos indígenas, entre outros - e
dialogue intensamente com a sociedade onde está inserida e com a cultura local.
Outras teologias deverão estar sendo feitas nos próximos anos como a teologia da
cura, a teologia dos carismas, dado à grande emergência do movimento pentecos-
tal e do neopentecostalismo. Ainda há muitas teologias para serem feitas.
ECOTEOLOGIA
Caro(a) aluno(a), a pós-modernidade também fez emergir uma nova teologia espe-
cífica das questões socioambientais. Essa teologia é diferente da teologia da criação,
presente desde os primórdios da teologia enquanto ciência autônoma. Ela se rela-
ciona com a biologia e com a física, extrapolando o seu campo principal de diálogo
científico que eram as ciências humanas. Assim, surgem novos termos como eco-
teologia, teologia ambiental, teologia ecológica, teologia e bioética, entre outros.
Uma das imensas contribuições do pensamento pós-moderno foi a cons-
ciência ecológica cada vez mais evolutiva. A teologia também não se furtou de
entrar nesse diálogo, abandonando o paradigma naturalista e avançando para o
paradigma ambiental, acentuando a interação do ser humano com a natureza.
Para Gonçalves (2005, p. 31), é pela perspectiva do paradigma ambiental que
“elabora-se uma teologia ecológica, capaz de denunciar a crise ecológica, na qual
o ser humano surge como um déspota, um tirano que destrói a natureza, assu-
mindo a condição de um senhor conquistador”.
Em seus escritos mais recentes, o teólogo Jürgen Moltmann (1999, p. 91-114) leva
a sua teologia da esperança também para se contrapor a essa crise ecológica, elabo-
rando uma teologia com base no desenvolvimento de uma espiritualidade cósmica, que
recupera o Deus uni-trinitário da realização efetiva da hipótese Gaia, que considera a
terra como solo e como planeta, e da aliança entre Deus, o ser humano e a natureza.
Ecoteologia
146 UNIDADE IV
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grega suprema da Terra.
Fonte: Cruz (2005, p. 6-7).
Para Gonçalves (2005, p. 31), “essa formulação teológica não teria adquirido
consistência sem o diálogo com a biologia e com a física”. De fato, a biologia e a
física evoluíram muito com a pós-modernidade, propiciando uma investigação
sobre o ser humano e sobre o mundo, tendo a vida como centro. Neste aspecto,
a teologia ecológica também é uma teologia da libertação, conforme salienta
Boff (1996), pois são os pobres e excluídos os que mais sofrem com os desequi-
líbrios ambientais ocasionados pela crise ecológica.
Para teólogos como John F. Haught (1942-) e Jacques Arnould (1961-), o
diálogo com a biologia implica para a teologia defrontar-se com as teorias evo-
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ECOLOGIA CÓSMICA
Ecoteologia
148 UNIDADE IV
TEOLOGIA E BIOÉTICA
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para preservar e melhorar as formas de vida, e o critério orientador de
toda reflexão teológica terá de ser a opção pela vida e a luta contra todas
as manifestações da morte ou da destruição (MEDINA, 2016, p. 12).
(1934-), teólogos católicos que editaram a partir de 1979 a série Readings in moral
theology; Elio Sgreccia (1928-), cardeal da Igreja Católica, que publicou, entre
outros, o Manuale di bioetica. Fondamenti ed etica biomedica (1988) e Javier Gafo
(1936-2001), teólogo jesuíta, que publicou inúmeras obras e fundou a Cátedra
de Bioética da Universidade de Comillas, em Madrid.
Para Sanches (2011, p. 181), “a bioética que nasce do diálogo com a teolo-
gia moral cristã é sem dúvida confessional. Isto não autoriza os(as) teólogos(as)
a falar apenas a partir da experiência religiosa”, pelo contrário, os teológos pre-
cisam reconhecer a autonomia da razão e o “pluralismo que afeta não apenas a
sociedade, mas a própria teologia, e assumirem a necessidade de uma postura
dialogante e argumentativa para que a fé tenha seu canal adequado de comu-
nicação e contribuição diante das questões da bioética como ciência” (ANJOS,
2001, p. 31). Sanches, mais uma vez, acentua que a
diversidade interna na teologia aponta para a necessidade de uma con-
tínua autocrítica, pois os que assumem uma crença religiosa precisam
estar cientes, como diz Gesché, de que ‘somente Deus, e não o conheci-
mento que temos dele, é absoluto’ (SANCHES, 2011, p. 181).
Ecoteologia
150 UNIDADE IV
Pense sobre esse trecho do poema Nova Ecologia do poeta e teólogo Ernes-
to Cardenal:
“A libertação não somente a anseiam os seres humanos. Toda a ecologia
geme. A revolução é também dos lagos, rios, árvores, animais”.
(Daniel Medina)
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Caro(a) aluno(a), a ecoteologia tem como grande desafio nesse mundo pós-mo-
derno aprofundar a cultura ecológica que liberta a terra e afirma seu futuro e o
dos seres humanos. Assim, sua proposta deve ser a de gerar alternativas para uma
nova ordem econômica, formulando novas teses de desenvolvimento humano
integral baseado no sistema ecológico global.
Os teólogos da ecologia e da bioética têm o dever moral de aprofundar a
dimensão ética, política e econômica de suas teologias visando uma abordagem
mais integral da terra e dos seres vivos. É um enorme desafio!
TEOLOGIA ECONÔMICA
Teologia Econômica
152 UNIDADE IV
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rio da revelação, o ponto mais importante da própria teologia. A fratura, divisão,
entre o “Ser” divino e a sua “práxis” tem o impacto no pensamento moderno e
atingirá o seu ápice na pós-modernidade. A proeminência da economia sobre o
todo social estaria nessa explicação. A proposta de Agamben para destruir essa
governamentalidade contemporânea é a profanação, uma vez que o capitalismo
se tornou a grande religião atual.
O teólogo Hugo Assmann (1933-2008) também concorda com Agamben em
definir os pressupostos do sistema de mercado capitalista e das teorias econômi-
cas liberais e neoliberais como pressupostos teológicos. No entanto, sua percepção
é divergente no sentido de estabelecer a culpa na oikonomia trinitária de Deus.
Para Assmann, o problema é que o mercado capitalista “sequestrou o mandamento
do amor”, e a sua absolutização exige e justifica os sacrifícios de vidas humanas
(ASSMANN, 1989). Sua crítica mais ferrenha está em sua obra A idolatria do
mercado (1989), escrita em conjunto com o teólogo alemão Franz Hinkelammert
(1931-). Ele não critica o mercado em si, pois este é necessário para a vida econô-
mica de uma sociedade ampla e complexa, mas sim o processo de idolatria pelo
qual o mercado passa na pós-modernidade. Segundo Assmann (1989, p. 11),
ídolos são os deuses da opressão. Biblicamente, o conceito de ídolos e
idolatria está diretamente vinculado à manipulação de símbolos reli-
giosos para criar sujeições, legitimar opressões e apoiar poderes domi-
nadores na organização do convívio humano.
Teologia Econômica
154 UNIDADE IV
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Hinkelammert e Mo Sung. Destacam-se também o argentino Atilio Borón (1943-
), autor de América Latina en la Geopolítica del Imperialismo (2012); a italiana
Maria Grazia Turri (1954-), autora de Gli dei del capitalismo. Teologia economica
nell’età dell’incertezza (2014) e o brasileiro Luiz Alexandre Solano Rossi (1964-),
autor de Jesus vai ao Mc Donalds: teologia e sociedade de consumo (2008).
Rossi, aliás, é um dos autores que vai criticar a mercantilização da religião
na sociedade de consumo, aproximando duas correntes: a teologia da retribui-
ção, baseada nas influências dos líderes religiosos do antigo Israel e do império
Persa (explícita no livro de Jó), que formava as pessoas para não questionar, mas
se submeter aos desígnios cuja responsabilidade era atribuída a Deus, como
forma de dominação; e a teologia da prosperidade, uma espécie de marketing
religioso pós-moderno que “responde” aos anseios do povo que vive em busca
de respostas rápidas às suas necessidades, além de benefícios sob a ilusão do
sistema de produção capitalista. Rossi aponta que a mercantilização da reli-
gião, com a sua teologia da prosperidade, impõe um padrão ético simplificado
e altamente individualista tipo hambúrguer do McDonald’s. “Trata-se de uma
teologia conveniente e apaziguadora para aqueles que têm grandes posses neste
mundo” (ROSSI, 2011, p. 159). Essa pretensa teologia adota abordagens merca-
dológicas sofisticadas e transforma o fiel em cliente. Em suma, ela é totalmente
mercantilizada: “por tender a se adaptar a cultura circundante, tem se apropriado
de valores e costumes próprios do mercado” (ROSSI, 2011, p.178). A teologia
econômica proposta por Rossi é um viés da teologia da libertação pautada na
suficiência e na solidariedade.
Teologia Econômica
156 UNIDADE IV
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TEOLOGIA ACADÊMICA
Para se libertar das amarras eclesiásticas, que era um dos pontos de conflito entre
Schleiermacher e Fichte (1762-1814), que dizia que na universidade não haveria
lugar para a teologia, o teólogo luterano defenda que a teologia era sim desen-
volvida como pensamento crítico auxiliada de métodos linguísticos, históricos,
psicológicos e filosóficos da religião. “Portanto, num primeiro momento, a cien-
tificidade da teologia encontra-se nas múltiplas metodologias do conhecimento
científico utilizadas para interpretar seus objetos (piedade, bíblia, história das
doutrinas e igreja hoje)” (Zilse, 2014, 1236). O questionamento feito por Fichte
era o de que a teologia se prestava apenas a fazer um estudo histórico religioso e
Schleiermacher tenta provar que seria por conta dessa vasta metodologia e dos
diálogos com outros conhecimentos científicos que a teologia seria, de fato, uma
ciência positiva, e como tal com lugar assegurado na universidade.
O estudo teológico, para Schleiermacher, foi definido como uma ci-
ência positiva (...) com um objetivo prático: a formação e capacitação
de lideranças religiosas. Sendo este estudo teleologicamente prático,
Schleiermacher possibilitou o que poderia vir a ser uma diversidade
de estudos teológicos, contanto que na tradição destes houvesse uma
predominância de ideias sobre ações simbólicas (ZILSE, 2014, 1244).
Contudo, para ser de fato uma ciência com conhecimento acadêmico, a teo-
logia deveria se desenvolver criticamente a partir de uma relação com outros
conhecimentos científicos. Ou seja, na elaboração dos seus métodos, a teologia
poderia se apropriar de métodos já consagrados por outras ciências, melhorá-
-los ou superá-los. Sua linguagem poderia ser a mesma da filosofia, adequada à
sua realidade epistemológica e hermenêutica.
Teologia Acadêmica
158 UNIDADE IV
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que direcionem o desenvolvimento do estudo teológico de forma a se
tornar um que seja metodologicamente interdisciplinar, crítico, criati-
vo e construtivo, desembocando na formação de um indivíduo cons-
cientemente cidadão e humanitário, capaz de contribuir, como perso-
nagem público, na intermediação entre Academia, Centros Religiosos
(prezando pelas tradições religiosas) e Sociedade (ZILSE, 2015, p. 2).
Assim, a teologia acadêmica passa a ter uma tarefa que é a de dialogar com a
cultura nacional. No caso do Brasil, não podemos nos esquecer de que um dos
traços da cultura brasileira é a pluralidade religiosa. Com isto, requer-se também
na academia, como espaço público de reflexão do conhecimento, a representa-
ção dessa pluralidade religiosa na abertura da noção de teologia, anteriormente
dominada pela tradição cristã, para outras tradições religiosas, o que pressupõe,
todavia, uma teoria de teologia que, enquanto legitime a existência acadêmica,
não se feche a um único desenvolvimento (ZILSE, 2015).
O teólogo e padre norte-americano David Tracy (1939-), autor de Blessed Rage for
Order: The New Pluralism in Theology (1975), é um dos mais ardorosos defensores
do diálogo da teologia com as pluralidades. Para Tracy, a condição do conhe-
cimento na pós-modernidade é plural, na qual até mesmo as ciências naturais
“começaram a entrar no estágio pós-positivista” (TRACY, 1994, p. 33). Para ele,
o problema da reflexão teológica hoje é que os pensadores religiosos não comba-
tem o obscurantismo, exclusivismo e fanatismo moral interno a suas tradições. Se
a teologia acadêmica não se libertar dessas amarras, não conseguirá ser uma ciên-
cia que impacte a vida em sociedade. Zilse denomina essa libertação de “teologia
fraca”, ou seja, uma teologia que se “enfraquece” no sentido de permitir o diálogo
com outros conhecimentos, métodos, linguagens e abordagens. Ele conclui que
um dos primeiros passos para a inserção teológica construtiva na aca-
demia poderia ser visto como o enfraquecimento do pensamento te-
ológico, reconhecendo a existência de diversas estruturas teológicas
oriundas de diversas tradições religiosas, ainda prezando, contudo,
pelo desenvolvimento interno crítico dessas tradições através de suas
próprias reflexões teológicas (ZILSE, 2015, p. 7).
Teologia Acadêmica
160 UNIDADE IV
Desse modo, a abertura intrínseca para uma pluralidade de visões, neste caso,
das tradições religiosas, possibilita à teologia acadêmica a própria expansão da
noção de teologia. Segundo Rudolf von Sinner (2007, p. 63), “assim, a teologia
em cada momento e contexto precisa dar conta da fé pelo uso da razão, permi-
tindo sua compreensão também por aqueles que não crêem”. Sinner argumenta:
O objeto da teologia acadêmica, então, não é propriamente Deus, mas
o falar de Deus. Analisa como a fé está sendo explicitada, com quais
argumentos, recorrendo a quais fontes de que modo, e observando e
analisando os diferentes modos de se fazer a explicação da fé. Nesta
observação, entra também o contexto, tanto histórico, desde a exegese
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
bíblica até a história da doutrina, quanto atual, procurando fazer uma
teologia relevante para o contexto contemporâneo em determinado
lugar, sem esquecer a catolicidade da fé, ou seja, a coerência da fé ao
longo do tempo e no conjunto das vozes do ecumenismo hodierno
(SINNER, 2007, p. 63).
TEOLOGIA PÚBLICA
Teologia Pública
162 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A história da teologia cristã ocidental contribuiu para a violência contra a
mulher ao colocá-la como um ser inferior, pecaminoso e construir estereó-
tipos de maternidade, santidade e submissão, nos quais é difícil se encaixar.
Diante disso, a teologia pública, em busca da cidadania, precisa rever tais
posições doutrinárias e conceitualizações teológicas para empreender um
discurso de igualdade.
Uma das formas de se fazer isso é utilizando o conceito de gênero. A catego-
ria de gênero pode, então, ajudar a teologia pública a se perguntar sobre o
que conhecemos e como esse conhecimento, no caso, teológico, é constru-
ído, utilizado e a quem ele está servindo, para revisá-lo a partir do contexto
e aplicá-lo.
Fonte: Souza (2013).
teologia pode fazer para denunciar e combater os males que originam tudo isso
e os que são decorrentes destes. A teologia deve se libertar da instituição e ser
uma voz profética do Reino de Deus. Cavalcante pontua que
A teologia, como discurso público, tem necessidade da liberdade insti-
tucional frente à igreja, assim como de um lugar no espaço público das
ciências. A teologia do Reino de Deus mistura-se, critica e profetica-
mente, nas coisas públicas de uma sociedade e recorda, publicamente,
não interesses eclesiais, mas “o Reino de Deus e a sua justiça”. Assim,
a teologia do Reino de Deus não pode se refugiar “fundamentalística-
mente” na própria comunidade de fé, nem adaptar-se “modernistica-
mente’ às tendências da sociedade. Ela sabe resistir e é produtiva em
ordem ao futuro da vida de toda a criação terrena (CAVALCANTE,
2011, p. 82)
Teologia Pública
164 UNIDADE IV
Interagir com a sociedade é uma tarefa difícil. Ainda mais quando se acrescenta
a isso o pluralismo religioso em que vivemos. Em um mundo no qual a pró-
pria noção do que é público é divergente, ser relevante é a palavra de ordem.
Por isso, a teologia pública busca o seu estatuto enquanto teologia prática, que
interfere, que produz, que denuncia, que abraça, que acalma, que dignifica o ser
humano. Isso tudo, sem abrir mão de sua episteme, de seu conteúdo formador.
Como diz Caldas
O que é realmente importante é que a teologia na América Latina e no
Brasil definitivamente tomou consciência que há outros públicos para
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os quais deverá falar e ouvir, além dos conhecidos há mais de milênio
e meio, da igreja e da academia. Há também o público da sociedade.
Falar com e ouvir a sociedade não é fácil. Mas esta é a tarefa da teolo-
gia que quer ser pública. Empreitada difícil, em todos os aspectos. À
teologia cabe a responsabilidade de falar e ouvir, sem abrir mão de seu
conteúdo específico, de seu depósito particular. A tarefa é difícil, sem
dúvida (CALDAS, 2016, p. 351).
À luz dos desafios atuais presentes no espaço público brasileiro, reflita sobre
a discussão da presença ou não de crucifixos nas repartições públicas brasi-
leiras e sobre a atuação de políticos evangélicos no Congresso.
(Rudolf von Sinner)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
se aproximar do divino. Desse modo, a teologia deixa de ser uma ciência que fala
de Deus para ser uma ciência que fala da fé do indivíduo em um deus, mediada
por diversas interações e respeitando o seu microcosmo, a sua micro-história,
como é próprio da pós-modernidade.
Assim, além de apresentarmos as várias possibilidades da teologia, vimos
também a importância do estudo teológico das questões ambientais e ecológicas.
A busca pela justiça climática, pela garantia da água e pela preservação da vida
em todos os seus sentidos não apenas a humana. Dentro desse debate, introdu-
zimos uma breve reflexão sobre o relacionamento da teologia com a bioética, no
sentido de cuidar da vida em toda a sua extensão.
Procuramos também apresentar as propostas mais atuais da teologia eco-
nômica para a discussão do consumo e consumismo, visando contribuir para
uma libertação total do indivíduo das amarras do mercado, que na pós-moder-
nidade usurpou o lugar de Deus.
Por fim, apresentamos duas propostas que se complementam na sua interface
com o indivíduo e com a sociedade: a teologia acadêmica e a teologia pública.
Inserimos as propostas de uma teologia acadêmica que seja capaz de realizar
um diálogo interdisciplinar, inter-religioso, democrático e humanitário, base-
ado em uma reflexão metódica, crítica e cidadã e de uma teologia pública que
possa aplicar as suas reflexões no espaço público, para além dos muros acadê-
micos e eclesiásticos.
Considerações Finais
166
1. Qual a visão que a teologia feminista tem do patriarcalismo? Você poderia dis-
correr sobre os exemplos de conflitos entre essa teologia e o patriarcado bíblico?
2. Discorra sobre a “opção preferencial pelos pobres” que é o lema da teologia da
libertação. Procure pontos de contato com os Evangelhos e pontos de afasta-
mento com a tradição cristã.
3. Como você entende o relacionamento da teologia com a bioética? Dê exemplos
dessa interação.
4. Qual o papel do “profissional da teologia” no caso da teologia acadêmica? Na
sua opinião, esse “profissional” poderia servir à academia e à sua tradição cristã?
5. Quais os desafios da teologia pública para o teólogo? Você consegue apontar o
local público de atuação do teólogo e da teologia?
167
A Teologia Pública tem a função de fornecer meios para que a comunidade possa ter
uma maior participação na sociedade, renovando, instruindo e ampliando horizontes
para além da confessionalidade e dos problemas corriqueiros de uma comunidade re-
ligiosa, para tal caracterizando-se pelo diálogo e convergência (GÊNERO), estruturas da
sociedade (PROBLEMÁTICA), universidade, sociedade e Igreja (DESTINATÁRIOS) e outros
saberes (MEDIAÇÕES). Com esta perspectiva o que se pretende é que a Teologia pública
contribua para esta reflexão ganhe espaço a partir da concepção de cidadania, para tal
é fundamental existir uma profunda discussão sobre o papel das diferentes manifesta-
ções religiosas no país, pois há diferentes concepções entre Igreja e sociedade.
Em seu livro Teoria do Método Teológico, Clodovis Boff, diz que: “A pessoa de fé quer
naturalmente saber o que é mesmo aquilo em que acredita, se é verdade ou não. Quer
saber também o que implica tudo aquilo em sua vida concreta e em seu destino. (...)
Estudar teologia não é somente um encontro, uma explicação bíblica com visões dife-
rentes ou uma preparação pastoral. Muito mais que isso, estudar teologia é o aprofun-
damento de vários temas e assuntos, num conteúdo com programa de aprendizagem
acadêmica e profissional reconhecido pelo MEC – Ministério da Educação.
O que encontramos nos dias de hoje é uma grande diversidade, a qual vem se expan-
dindo especialmente no protestantismo, de cursos intitulados como Teologia, mas que
está gerando uma formação despreparada e que buscam formar cidadãos de uma única
denominação ao invés de trazer a abrangência da própria Igreja de Cristo.
Então como nos preparar para resolver questões pertinentes ao profissionalismo da Te-
ologia, quando encontramos considerações relevantes a respeito de sua base inicial que
é área acadêmica? Nas escrituras sagradas encontramos: “porque meu povo se perde
por falta de conhecimento; por teres rejeitado a instrução”(Os 4,6): a teologia se faz em
submissão a palavra, pois como o iceberg vai muito além do que está aparente.
Por conseguinte, afirma o Concílio do Vaticano II: “Os que se dedicam aos estudos de
teologia nos seminários e nas universidades procurem colaborar com os cientistas, es-
tabelecendo vias de cooperação e de recíproco entendimento. A pesquisa teológica,
ao mesmo tempo que visa ao conhecimento profundo da verdade revelada, não pode
perder o contato com a atualidade, inclusive para facilitar o acesso à fé dos estudiosos
de todas as outras disciplinas (...)”
Uma das atividades do acadêmico de teologia é a atividade pastoral, a qual se funde
com a vocação religiosa. Segundo Júlio Zabatiero (...), a teologia é o movimento dos
corpos cujos sentidos estão sintonizados aos sentidos de Deus, remetendo assim que a
imagem do ser “pastoral” é “estar a serviço” do próximo.
168
Amadeus
Antonio Salieri, um compositor devoto e temente a Deus, que vive
em Viena, Áustria, relata a um padre, em flashback, a sua relação
de amor e ódio com o também compositor Amadeus W. Mozart,
um libertino e ao mesmo tempo um gênio da música. Salieri não
entende porque ele, uma pessoa que vive para Deus, não consegue
alcançar o sucesso de Mozart, alguém que despreza Deus e a
religião e vive os prazeres da vida. Salieri, já louco e internado em
um hospício, relata ao padre que foi ele o responsável por ter matado Mozart. O filme dirigido por
Milos Forman ganhou 8 estatuetas do Oscar, incluindo a de melhor filme.
Material Complementar
REFERÊNCIAS
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Presbiterianas e Reformadas da América Latina. São Paulo: Pendão Real, 2016.
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SINNER, R. von. Teologia como ciência. In Estudos Teológicos, v. 47, n. 2, p. 57-66.
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REFERÊNCIAS
1. O(a) aluno(a) deverá expor as críticas que a teologia feminista faz do patriarca-
lismo bíblico, dando exemplos claros desses embates.
2. Ao trabalhar o lema da teologia da libertação, o(a) aluno(a) deverá ter a habi-
lidade de apontar o motivo da “opção preferencial pelos pobres”. Nessa habi-
lidade, deverá relacionar aquilo que se aproxima do Evangelho nesta teoria e
os problemas encontrados na tradição cristã que nem sempre foi favorável aos
pobres.
3. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá mostrar o seu conhecimento sobre o tema
da bioética e relacioná-lo com a teologia, fazendo destaque especial da luta
desta em favor da vida. A resposta ficará mais completa com exemplos dessa
interação.
4. Esta também é uma pergunta que deseja conhecer o quanto o(a) aluno(a) en-
tende sobre o conceito de teologia acadêmica. Poderá relacionar a sua resposta
com a questão do ministro ou sacerdote que é também um professor de teo-
logia.
5. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá relacionar, a partir do seu ponto de vista, os
desafios da teologia pública para o fazer teologia. Ao fazer a sua relação própria,
deverá ser capaz de ajustá-la para discutir qual o local público de atuação da
teologia.
Professor Dr. Sérgio Gini
HIPERMODERNIDADE: UM
V
UNIDADE
DESAFIO PARA A TEOLOGIA
Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar o conceito de hipermodernidade não como uma
superação da condição pós-moderna, mas como um espaço para o
individualismo e o hedonismo.
■ Delimitar os novos tempos em sua complexa relação com o mundo
da religião e com a teologia.
■ Qualificar o ser humano hipermoderno a partir do ponto de vista do
individualismo e sua relação com o mundo da religião.
■ Descrever os aspectos principais de uma teologia baseada nas
satisfações do indivíduo.
■ Abordar um dos vários elementos que interagem com a teologia na
hipermodernidade, o sincretismo, e como ele a impacta.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Um conceito em construção
■ Os tempos hipermodernos
■ O indivíduo hipermoderno
■ A teologia do “eu”
■ Teologia e sincretismo
177
INTRODUÇÃO
pida; mídias sociais como facebook, instagram, snap, twitter, blogs, whatsapp;
realidade aumentada; hipertextos e mais uma centena de coisas próprias desse
ambiente virtual.
É inegável que tudo isso tem o seu impacto na vida em sociedade e também
seu impacto na teologia. O mundo líquido da pós-modernidade se transfor-
mou em um mundo digital, no qual é possível que a história do indivíduo, seu
microcosmo, seja compartilhado instantaneamente com milhares de pessoas,
deixando assim de ser um ambiente micro para voltar a ser macro, pelo menos
em uma pequena parte.
Todas essas influências, e aqui não estamos para fazer juízo de valor sobre
elas, também chegaram à academia. A educação a distância, por exemplo, é uma
prova de que a hipermodernidade é tremendamente dialética. O aluno saiu da
sala de aula, estuda sozinho e de forma direcionada, mas se encontra, ao mesmo
tempo, em várias outras salas de aulas a partir do seu ambiente virtual de estu-
dos e outras ferramentas de comunicação. Chegaram também à igreja, aos lares
e em toda a sociedade. Por isso, a teologia precisa encontrar o seu caminho tam-
bém na e com a hipermodernidade.
Desse modo, nossa proposta é introduzir o assunto como forma de buscar
entender o labor teológico em um mundo como esse. A hipermodernidade é um
desafio para a teologia. Então, mãos à obra, ou melhor, olhos na tela, e vamos
ao trabalho.
Introdução
178 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO
Caro(a) aluno(a), neste tópico, sem querer fazer uma longa abordagem, ire-
mos apresentar o conceito de hipermodernidade não como uma superação da
condição pós-moderna, mas como um espaço para o individualismo e o hedo-
nismo na sociedade contemporânea. Na realidade, a hipermodernidade é um
complemento da pós-modernidade e de sua preocupação com os relatos míni-
mos, desprezando as metanarrativas.
Você poderia se perguntar o porquê de um novo conceito se o próprio con-
ceito de pós-modernidade ainda não é consenso entre os estudiosos da sociedade.
Uma indicação de resposta é que, quando se iniciou o discurso sobre a pós-mo-
dernidade, acentuadamente após a Segunda Guerra, não se tinha noção do rápido
e significativo avanço da ciência e da tecnologia, especialmente da internet e as
suas possibilidades de ambiência virtual. Assim, os estudiosos da sociedade,
notadamente os cientistas sociais, tiveram que propor um novo conceito para
abarcar esse novo mundo tecnológico que se apresentou em acelerado desen-
volvimento nos últimos 25 anos. Isto porque a velocidade da informação e do
tempo reestrutura todo o modo de vida atual.
Então, vamos ao conceito. O termo hipermodernidade aparece pela primeira
vez com o sentido de exacerbação dos valores individuais criados na moderni-
dade na década de 1970. Um grupo de pesquisadores franceses liderados por Max
Pagés estuda os fenômenos de poder nas organizações a partir da filial europeia de
este não pode ser mais usado para definir a era atual. Segundo o filósofo francês,
“no momento em que triunfam a tecnologia genética, a globalização liberal e os
direitos humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua
capacidade de exprimir o mundo que se anuncia” (LIPOVETSKY, 2004, p. 52).
Não iremos entrar aqui no debate que Lipovetsky desenvolve ao afirmar
que a pós-modernidade ruiu e que a hipermodernidade seria a consumação
da modernidade, como ele próprio diz: “tínhamos uma modernidade limitada;
agora, é chegado o tempo da modernidade consumada”, o que para ele é uma
“segunda modernidade” (LIPOVETSKY, 2004, p. 54). Então, o que seria a hiper-
modernidade? Para Raupp (2008, p. 36), partindo do conceito de Lipovetsky, a
hipermodernidade seria uma modernidade consumada “sem um regulamento,
nem um lugar específico, bem como sem contrários, nem limites; a dizer, metafo-
ricamente: com a estrada livre para pisar fundo no acelerador, e com velocidade
exponencialmente crescente”.
Quando publicou sua A Era do Vazio, em 1983, Lipovetsky ainda não tinha
meios para conhecer a estrondosa revolução tecnológica proporcionada pelas
mídias sociais, mas anteviu tudo isso a partir do modelo de sociedade que era
reproduzida nos programas de tevê e nas capas das revistas internacionais. Diz ele:
A civilização de Narciso, da era do vazio – mas “cheia de significados”
– e do individualismo, do efêmero e da moda, do crepúsculo do dever
e do advento de novos tempos “democráticos”, da sedução e da beleza
aparente e a qualquer preço, do neoliberalismo, do luxo e das marcas, do
excesso, do hiperconsumo e da busca da satisfação ilimitada dos desejos,
que encontram o limite da realidade, bem como a própria decepção: esta
é, de fato, a civilização hipermoderna (LIPOVETSKY, 2005, p. xiv)
Um Conceito em Construção
180 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Hyperion é um romance escrito pelo poeta alemão Friedrich Hölderlin
(1770-1843) entre 1797 e 1799. Ele narra as epístolas do herói grego Hype-
rion ao seu amigo Bellarmin. O que faz deste romance a fonte inspiradora
para designar a experiência hipermoderna, e que lhe confere toda a densi-
dade literária e filosófica, é a procura por parte de Hyperion da consciência
da unidade do Ser entre o pólo da liberdade e o pólo da unidade original. A
profundidade dramática do herói grego reside na dificuldade deste em har-
monizar ambas as dimensões. Toda a sua vida se traduziu na procura dessa
unidade intrínseca perdida, e dos vários modos de a recapturar.
Fonte: Mateus (2010, p. 138).
Dois temas que são estudados por Lipovetsky e que, em sua opinião, caracteri-
zam a vida hipermoderna: a obsessão pelo tempo, em que presente e futuro se
misturam e a redescoberta do passado. Vejamos os dois separadamente:
REDESCOBERTA DO PASSADO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Um Conceito em Construção
182 UNIDADE V
O que podemos concluir é que o termo “hiper” promove uma aceleração e inten-
sificação da vida cotidiana. Uma vida que é vista em “tempo real”, cujos noticiários
são permanentes durante 24 horas, onde as operações econômicas, política e cul-
turais são possíveis pelo hipertexto e pelas redes de internet. Essa mesma vida
que torna-se desmedida, que perde-se na escala infinita do “sempre mais” ou do
“mais rápido”. Uma vida que deixa tudo transparente nas páginas da internet,
nas mídias sociais, nos vídeos e fotografias compartilhadas e que traz consigo
também uma sociedade de hipervigilância. Uma vida que é seduzida pelos pro-
dutos de consumo rápido, que se desloca pela intrincada rede de transporte das
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
metrópoles. Segundo Lipovetsky & Charles (2004, p. 55),
por todo o lado acentua-se a obrigação do movimento, a hiper mudan-
ça aliviada de toda a visão utópica, ditada pela exigência de eficácia e a
necessidade de sobrevivência. Na hipermodernidade, não existe mais
escolha, não há outra alternativa senão evoluir, acelerar a mobilidade
para não ser ultrapassado pela ‘evolução’.
A hipermodernidade então tem tudo a ver com a sociedade atual. Uma sociedade
hiperconectada, hiperveloz, hiperconsumista e hiperfragmentada. Compreender
este novo tempo é tarefa do teólogo para que a sua teologia seja relevante e dê as
respostas para as perguntas que estão sendo feitas exatamente agora.
OS TEMPOS HIPERMODERNOS
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
certas perguntas, uma espécie de paz interna – coisas que o consumo,
o trabalho e lazer não dão. Mas, ao mesmo tempo, cada um vai buscar
isso do seu modo, com práticas muito diversas, misturas e sincretis-
mos. Isso faz com que as próprias religiões obedeçam às aspirações e
tendências do indivíduo autônomo (LIPOVETSKY, 2004b, s/p).
Por essa perspectiva, a tarefa da teologia também passa a ser confrontada muito
além da questão da libertação do indivíduo, indo para terrenos mais sombrios
tais como “o aparecimento do terrorismo como arma política, a tecnologização
genética (a clonagem e os alimentos transgênicos) ou a estagnação do desem-
prego” (MATEUS, 2010, p. 137). A teologia então é chamada para responder
reflexivamente aos constrangimentos da atualidade, sem ser cobrada quanto ao
futuro. Pelo contrário, como afirma Mateus (2010, p. 143) “a hipermodernidade
aceita viver num presente absoluto sem destinos promissores que, não obstante
as vantagens que possuam, implicam uma weberiana ‘gaiola de aço’”.
Desde a virada do século XIX para o XX, Max Weber já havia alertado que na
sociedade de direito burocrática, viveríamos em uma “gaiola de aço”, em que
as organizações seriam as prisões, as normas formais seriam as grades e os
burocratas seriam, ao mesmo tempo, carcereiros e cativos de seus próprios
instrumentos de ação, as leis. Para Weber, a democracia ocidental represen-
tava a aceitação de viver para toda vida preso em uma “gaiola de aço”.
Fonte: Löwy (2014).
Os Tempos Hipermodernos
186 UNIDADE V
Todavia, este é o desafio para a teologia: poder dialogar com o sujeito hipermoderno e
estar presente no seu “momento” utilizando-se das próprias ferramentas que o avanço
tecnológico criou. Esta é, sem dúvida, uma imensa oportunidade para a teologia.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Na hipermodernidade, a religião torna-se necessária para fortalecer a indi-
vidualidade.
(Gilles Lipovetsky)
O INDIVÍDUO HIPERMODERNO
Pelo que já estudamos, você já conseguiu fazer uma síntese do que é o indiví-
duo hipermoderno. Aliás, olhe para você mesmo. Independente da sua idade,
gênero, profissão, tradição cristã, você é um sujeito hipermoderno. Ou, na pior
das hipóteses, um indivíduo pós-moderno que luta para se encontrar enquanto
pessoa no tempo presente.
Ao falar desta característica da hipermodernidade, Ricardo Gondim reputa
a ela a crise que se vive hoje no mundo evangélico:
Testemunhamos a superficialização da fé e a exuberância da espiritualida-
de prêt-à-porter, prometendo um êxtase intimista e imediato. Choramos
a perda da dimensão comunitária da fé e o renascimento do individua-
lismo. Frustramo-nos com a nossa incapacidade de encarnar eticamente
muitos de nossos pressupostos teológicos (GONDIM, 2004, s/p).
Entretanto, nossa tarefa não é falar da crise, mas buscar qualificar o ser humano
hipermoderno a partir do ponto de vista do individualismo e sua relação com o
mundo da religião, para que a teologia possa ser relevante e atual.
O rompimento com as imposições universais, fruto da pós-modernidade,
permitiu que o indivíduo hipermoderno se visse envolvido na construção per-
manente de sentidos múltiplos, provisórios, individuais e grupais. Em outras
palavras, este indivíduo é o artista e o artífice da sua própria existência. A res-
ponsabilidade que lhe cabe é saber se adequar a tudo isso, visto que cada um
é co-autor do estatuto moral ao qual adere. Lipovetsky em sua A era do vazio
O Indivíduo Hipermoderno
188 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que segundo ele
espelha a condição humana nesta mutação antropológica que se realiza
diante de nossos olhos: o surgimento de um perfil inédito do indivíduo
nas suas relações consigo mesmo e com o seu corpo, com os outros,
com o mundo e com o tempo (LIPOVETSKY, 2005, p. 32).
Para Gonçalves (2011, p. 331), “esse novo ethos narcisista nos convida a pensar
o processo global que rege o funcionamento social. Narciso nada mais é do que
uma busca interminável de Si Mesmo, desprendendo-se do domínio do Outro”.
Ele enfatiza o que chama de glorificação do ego:
Nesse sentido, o indivíduo hipermoderno vive só. Dialeticamente ele busca relacio-
namentos para viver só ao mesmo tempo em que não suporta a ideia de estar só;
precisa que os outros vejam onde ele está, com quem ele está, o que ele está fazendo.
No fundo, ele não consegue deixar de pensar em si. Lipovetsky discorreu sobre isso:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Outra questão que não pode passar despercebida pela teologia atual é que o foco
no indivíduo e nas preocupações pessoais amplia-se em hedonismo. Segundo
Lipovetsky (2005, p. 7), hedonismo “se define pelo desejo de sentir ‘mais’, de planar,
de vibrar ao vivo, de ter sensações imediatas, de ser colocado em movimento inte-
gral numa espécie de viagem sensorial e pulsante”. Na opinião de Reichow (2015, p.
O Indivíduo Hipermoderno
190 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
narcisismo. Contudo, é um individualismo paradoxal, pois ele está em
uma busca incessante da aprovação dos outros. Faço uma foto, coloco no
Facebook, mas aguardo a reação dos outros. É um Narciso incompleto.
Posso me amar, mas me amo mais ainda se os outros me amam, se dizem
que sou bonito, que a foto é interessante. As pessoas tiram selfies para ter
uma recompensa simbólica, da parte dos outros. Com o Facebook, cada
um é um publicitário de si mesmo. Cada um faz seu próprio marketing.
É um marketing narcisístico (LIPOVETSKY, 2014, s/p).
O Indivíduo Hipermoderno
192 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A TEOLOGIA DO “EU”
Nossos dois próximos tópicos são rudimentos para o início de uma discussão que
ainda precisa ser aprofundada e, com certeza, esperamos que você se interesse
pelo tema e siga com suas pesquisas. Agora veremos como que o individualismo,
o narcisismo e o hedonismo do indivíduo hipermoderno têm influenciado o con-
sumismo como o caminho mais rápido para satisfazer os seus desejos e sonhos.
Essa influência desce até a esfera religiosa, e as práticas passam a ser claras na
busca de prazer próprio, seja pela afamada teologia da prosperidade, pelos pro-
dutos “gospel” ou os serviços oferecidos pela teologia do eu. Tudo isso, segundo
Míguez (2014, p. 14), “reduz o Evangelho a um produto de mercado”.
Como já antecipara o sociólogo Peter Berger (1985), os ex-monopólios religio-
sos perderam seu poder de domínio ou hegemonia sobre seus membros, instaurando
assim uma “lógica de mercado” no campo religioso. As instituições ou grupos reli-
giosos tornam-se agências competidoras que se organizam de forma altamente
profissional “para corresponder à demanda diversificada dos fiéis” (BERGER, 1985,
p. 150). Devido ao alto grau de individualização e suas exigências para a satisfação
própria, as instituições religiosas cedem à pressão da lógica pelos resultados e suas
estruturas tornam-se burocráticas e respondem à ordem econômica. A teologia
do eu é a mercadoria que se vende nestas agências altamente profissionalizadas.
O perigo da teologia do eu na lógica do mercado é, segundo Teixeira (2014),
a deturpação da ideia de Deus. O Deus que se alia ao mercado é também o Deus
que vitimiza os fracos, os pobres e os sem esperança. “Perpassando todos os
espaços da vida cotidiana, essa lógica não ocorre sem vitimizações. O mercado é,
por sua própria condição produtor de vítimas” (TEIXEIRA, 2014, p. 72). As prá-
ticas da teologia do eu, presentes também no seu mais importante movimento a
teologia da prosperidade, remetem a traços de um Deus que se adapta aos requi-
sitos do mercado. Segundo Campos (1997, p. 369), “o Deus que promete saúde
e prosperidade exige do fiel uma contrapartida, de contribuição para a ‘casa de
Deus’”. Pela lógica da retribuição, a bênção fica na dependência da “devolução”
daquilo que é de Deus, ou seja, o dízimo. “Só contribuindo é que o milagre ganha
sua realização”. Trata-se de uma “visão de Deus que não incomoda o bom fun-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Teologia do “Eu”
194 UNIDADE V
A responsável por legitimar essa prática é a teologia do eu, que funciona como
uma espécie de totem, buscando conquistar a mente, o imaginário, o desejo e
a fé do consumidor. Submisso ao “totem”, ele torna-se “um fiel não apenas da
crença a qual a igreja segue, mas também fiel ao consumo religioso desta igreja”
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(MARANHÃO FILHO, 2012, p. 230).
Diante disso tudo e como já frisamos, o maior problema da teologia do eu
é a sua imagem de um Deus a favor dos desejos íntimos e individuais. Todavia,
se essa vertente da teologia é problemática, a teologia em si deve ser a porta-
dora de uma mensagem de renovação das estruturas e da ressignificação do ser
humano, mesmo que essa mensagem penetre pelas frestas da sociedade hiper-
moderna. Como sintetiza Teixeira:
Não há como negar a presença de construções teológicas que apresen-
tam imagens de Deus problemáticas, como algumas relacionadas com
a teologia da prosperidade: de um Deus que se acomoda à dinâmica
da sociedade e às exigências do mercado. Mas há que saber resgatar,
mesmo nas frestas de perspectivas que em geral são consideradas pro-
blemáticas, os sinais novidadeiros de um Deus portador de vida e di-
namizador da existência. Isto também está presente em experiências
religiosas comunitárias populares, sejam católicas ou pentecostais, ou
de outras tradições religiosas (...). O que é mais essencial, não é se fixar
na imagem de Deus, mas na dinâmica provocada pela relação com esse
Mistério (TEIXEIRA, 2014, p. 80).
TEOLOGIA E SINCRETISMO
Teologia e Sincretismo
196 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
seus diferentes elementos. Em todo sincretismo, o elemento mais forte acaba
predominando, subjugando o outro. Entretanto, a influência do outro jamais
passará despercebida, como aconteceu com o sincretismo cultural nas Améri-
cas, com a subjugação dos povos ameríndios, ou com o sincretismo religioso
indiano, no qual o hinduísmo recebeu influências do cristianismo recente.
Fonte: o autor.
Soares (2008) ainda enfatiza que não podemos virar as costas para o sincretismo,
acreditando que o cristianismo é totalmente puro e que não sofreu influências
do judaísmo, do helenismo, do paganismo romano, entre outras. Para ele, “o
sincretismo é, antes de tudo, uma prática que antecede nossas opções teóricas e
bandeiras ideológicas” (SOARES, 2008, p. 12).
Todavia, Soares argumenta que o assunto precisa ser discutido e analisado com
cuidado, uma vez que “nem tudo cabe numa sociedade em que todos cabem”. Mesmo
assim, a relação entre o sincretismo e a teologia está ganhando adeptos na academia
e se ajustando com outros nomes como teologia multirreligiosa, interfaith theo-
logy ou teologia inter e até transconfessional. Soares defende que “uma experiência
híbrida pode muito bem sinalizar o desígnio divino de se autocomunicar. A teolo-
gia deve considerá-la no interior do processo da revelação” (SOARES, 2010, p. 39).
Fazem coro a Soares teólogos como Roger Haight (1936-), que defende que
a divindade de Jesus não exclui outros mediadores espirituais de outras religiões;
Edward Schillebeeckx (1914-2009), Andrés Torres Queiruga (1940-), Hans Küng
(1928-), Raimon Panikkar (1918-2010), John Martin Sahajananda, que propõe a
conciliação entre cristianismo e hinduísmo; e Hans-Christoph Askani, entre outros.
Desse ponto de vista, o sincretismo seria uma etapa dentro do processo mais
amplo da inculturação, e seria um processo do cristianismo para as demais cul-
turas. Eis a sua tese:
nosso objetivo não consiste primariamente em estudar as mútuas trans-
formações resultantes do encontro de duas religiões, mas a incidência
da dimensão religiosa da cultura no cristianismo, como fato intrínseco
ao processo de inculturação (MIRANDA, 2001, p. 110).
Por fim, há uma abordagem que ainda dialoga, na via do sincretismo, com a cul-
tura e com a razão hipermoderna, defendendo a completa interação da teologia
com a sociedade atual, sob a pena da exclusão e da perda de relevância em face
do hiperindividualismo. Nessa interpretação, alguns teólogos e cientistas da reli-
gião, apontam que os movimentos religiosos que conseguem penetrar na cultura
hipermoderna tendem a fazer, de fato, uma teologia voltada para ressignificar a
Teologia e Sincretismo
198 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“encarada como necessária em áreas como a sexualidade, que por terem sido
reprimidas ou oprimidas pela moral moderna, hoje tendem a rejeitar até mesmo
aquilo que poderia ser considerada uma moral básica (SIEPERSKI, 1992, p. 145).
É por isso, segundo Nunes (2009), que certos grupos religiosos, especial-
mente dentro do protestantismo histórico, têm regredido, pois a perda de sentido
que traz a hipermodernidade os afeta diretamente. Para Nunes, “o protestan-
tismo histórico não consegue se comunicar com a sociedade do tempo presente
pela perda de sentido racional que a cada instante parece ‘corroer’ a sociedade”
(NUNES, 2009, p. 75). A reação que muitos desse grupos têm tido torna-se
estéril, pois acabam se “entrincheirando” nos fundamentos da “sã doutrina”, e
elaboram discursos intransigentes contra a própria teologia, enquanto reflexão,
e contra a cultura atual.
Teologia e Sincretismo
200 UNIDADE V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), chegamos ao fim desta unidade que teve como objetivo apre-
sentar um início de discussão sobre a hipermodernidade. O conceito ainda é
muito novo, muitas vezes apropriado e confundido com a própria pós-moderni-
dade, uma vez que não se constituiu como uma sucessora da época pós-moderna.
Na verdade, a hipermodernidade é a “aceleração” da pós-modernidade ao seu
extremo, beneficiada pela agilidade das comunicações digitais e por tudo que
está contido no prefixo “hiper”.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Inserir esta unidade no livro sobre Teologia e Pós-Modernidade foi intencio-
nal. Embora muitas abordagens da hipermodernidade já foram trabalhadas nos
fundamentos e pressupostos da pós-modernidade, a relevância do seu estudo
se dá, exatamente, pela hiperconectividade que temos, a internet ultra-rápida,
as mídias sociais e, porque não dizer, a própria estrutura do que chamamos de
e-learning na qual está ancorada a nossa aprendizagem acadêmica da teologia.
Vivemos a hipermodernidade e somos sujeitos hipermodernos, com todos os
bônus e problemas que essa adjetivação acarreta.
Assim, não podemos simplesmente nos escondermos atrás de nossas con-
vicções e tradições de fé e deixar as coisas acontecerem. O teólogo tem uma
atividade pública, como vimos no último tópico da unidade IV. Então, somos
chamados a nos imiscuirmos nessa hipermodernidade e tentar produzir um diá-
logo com a sua cultura, com a sua ética e com a sua moral. Um diálogo que seja
relevante, não de caráter judicial, pois a teologia não pode julgar, mas de amor,
fraternidade e cidadania.
O indivíduo hipermoderno é também um indivíduo solitário por opção e
prazer. Suas preocupações giram em torno de si mesmo. Assim, nada mais desa-
fiador para a teologia do que tentar devolver a esse indivíduo o sentido de viver
a sua fé em comunidade e a ter esperanças de que o seu presente possa ser com-
partilhado também na esperança de um mundo e uma sociedade mais justos e
iguais. É um desafio. Não podemos virar às costas a ele.
Matrix
Thomas Anderson (Keanu Reeves) é um jovem programador de
computador que é atormentado por estranhos pesadelos nos
quais encontra-se conectado por cabos e contra sua vontade, em
um imenso sistema de computadores do futuro. À medida que o
sonho se repete, Anderson começa a ter dúvidas sobre a realidade.
Por meio do encontro com os misteriosos Morpheus (Laurence
Fishburne) e Trinity (Carrie-Anne Moss), Thomas descobre que é,
assim como outras pessoas, vítima do Matrix, um sistema inteligente e artificial que manipula a
mente das pessoas, criando a ilusão de um mundo real enquanto usa os cérebros e corpos dos
indivíduos para produzir energia. Morpheus, entretanto, está convencido de que Thomas é Neo,
o aguardado messias capaz de enfrentar o Matrix e conduzir as pessoas de volta à realidade e à
liberdade.
Material Complementar
REFERÊNCIAS