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TEOLOGIA E PÓS-

MODERNIDADE

Professor Dr. Sérgio Gini

GRADUAÇÃO

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Direção Operacional de Ensino
Kátia Coelho
Direção de Planejamento de Ensino
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Direção de Operações
Chrystiano Mincoff
Direção de Mercado
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Direção de Polos Próprios
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Direção de Desenvolvimento
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Gerência de Produção de Conteúdos
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Supervisão do Núcleo de Produção de
Materiais
Nádila de Almeida Toledo
Supervisão de Projetos Especiais
Daniel F. Hey
Coordenador de Conteúdo
Roney de Carvalho Luiz
Design Educacional
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Yasminn Talyta Tavares Zagonel
Distância; GINI, Sérgio.

Amanda Peçanha
Teologia e Pós-Modernidade. Sérgio Gini. Agnaldo Ventura
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017. Iconografia
208 p. Isabela Soares Silva
“Graduação - EaD”.
Projeto Gráfico
1. Teologia. 2. Pós. 3. Modernidade. 4. EaD. I. Título. Jaime de Marchi Junior
José Jhonny Coelho
ISBN 978-85-459-0735-0
Arte Capa
CDD - 22 ed. 230
CIP - NBR 12899 - AACR/2 Arthur Cantareli Silva
Editoração
Fernando Henrique Mendes
Qualidade Textual
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Hellyery Agda
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Érica Fernanda Ortega
Impresso por:
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade,
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil:
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba,
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades
de todos. Para continuar relevante, a instituição
de educação precisa ter pelo menos três virtudes:
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
promover a educação de qualidade nas diferentes
áreas do conhecimento, formando profissionais
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quando
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou
profissional, nos transformamos e, consequentemente,
transformamos também a sociedade na qual estamos
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com
os desafios que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns
e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis-
cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe
de professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
AUTOR

Professor Dr. Sérgio Gini


Sérgio Gini é doutor em Sociologia (UFPR), mestre em História (UEM) e
graduado em Teologia (convalidado pelo Unicesumar) e em Ciências Sociais
(UEM). Foi professor assistente, com dedicação exclusiva, do Departamento de
Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá (2009-2012). É ministro
de confissão religiosa ordenado pela Igreja Presbiteriana Independente
do Brasil. Pesquisa temas ligados à história política e à sociologia política,
entre eles elites empresariais, ação coletiva do empresariado, estratégias
de desenvolvimento econômico e grupos de pressão e interesses.
Também trabalha com temas ligados à Teologia e à Sociologia da Religião,
especificamente elites religiosas, conflitos e interesses no campo protestante.

Para saber mais, acesse: http://lattes.cnpq.br/3666962169868857


APRESENTAÇÃO

TEOLOGIA E PÓS-MODERNIDADE

SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) aluno(a), é um imenso prazer apresentar a você o livro Teologia e Pós-moder-
nidade. A partir de agora ele será o seu guia nessa parte de sua formação acadêmica.
Leia-o com atenção e pesquise as fontes bibliográficas nele citadas para que seu conhe-
cimento se amplie e você tenha um ganho substancial na compreensão e apreensão
dos conceitos aqui apresentados.
Como em toda a apresentação, é necessário fazer um alerta. Procure ler e estudar esse
livro sem o compromisso da sua tradição de fé, seja ela qual for. Não pedimos que você
ignore a sua confessionalidade, muito pelo contrário, pois ela será útil para o entendi-
mento do labor teológico na atualidade. Entretanto, não deixe que os preconceitos da
sua tradição fechem seus olhos para enxergar outras possibilidades. Enxergar não signi-
fica a aceitação imediata e sim de que aquela interpretação é possível e também pode
contribuir para o que se busca na vida em sociedade.
Abra mão também das respostas pragmáticas, utilitaristas. Aprenda a fazer mais pergun-
tas. Questione. Seja criativo(a) e empregue seus outros conhecimentos para elaborar e
embasar os seus conceitos. Não existe teologia pronta e acabada. A teologia está em um
constante fazer-se. Aberta para dialogar com o mundo à sua volta, sem necessariamente
alterar seus conteúdos fundantes.
Dito isto, neste livro apresentamos a você as discussões feitas em torno do projeto do
cristianismo na modernidade, entendida aqui como o início do capitalismo moderno.
Informaremos sobre os pontos de contato e de afastamento entre o cristianismo e a
modernidade sendo-nos útil a compreensão desse conceito a partir da filosofia e das
ciências sociais. Após esse panorama, entraremos na discussão do que foi a transição
do mundo moderno para a pós-modernidade, sem nos afastarmos do debate sobre as
dificuldades de definição do que de fato é a pós-modernidade. Também nesse caso,
veremos como a teologia que se beneficia amplamente do pensamento moderno irá se
posicionar na transição para a essa nova era e quais as suas chaves de interpretação do
mundo pós-moderno.
O coração deste livro está nas unidades III e IV. Ali vamos apresentar quais as influên-
cias pós-modernas na teologia, destacando o relativismo, o pós-estruturalismo, o irra-
cionalismo e o seu reencontro com a filosofia, especialmente a filosofia crítica e a filo-
sofia da linguagem. Todo esse percurso será apresentado a partir da compreensão de
como se estrutura o pensamento pós-moderno. Especificamente na unidade IV vamos
apresentar o surgimento de diversas teologias aptas a dialogar com os pressupostos da
pós-modernidade. Das teologias da libertação até as teologias neo-ortodoxas. Teremos
um espaço também para apresentar a importância do estudo teológico das questões
ambientais e da bioética e outro para discutir como a teologia se comporta na discussão
econômica da sociedade de consumo. Iremos também entrar nos pressupostos da teo-
logia acadêmica com seu diálogo inter-religioso, plural e necessário, pois é uma discipli-
na científica e formativa, e também nos pressupostos da teologia pública, aquela que é
feita no espaço público, voltada para discutir as questões públicas como cidadania, por
exemplo.
APRESENTAÇÃO

Em nossa última unidade, iremos fazer uma sobrevoo na teoria da hipermoderni-


dade. Não haverá como nos aprofundarmos muito, mas queremos que você com-
preenda as implicações de um mundo onde o indivíduo vive a cultura do “hiper”
- hiperconectado, hipertexto, hipermercado, hiperindividualização - para a teologia.
O individualismo e o hedonismo surgem como desafios urgentes para dialogar com
a teologia do eu e sua vertente mais conhecida: a teologia da prosperidade. Encerra-
remos o nosso voo com uma abordagem sobre o sincretismo e seu uso pela teologia
na atualidade.
Em nenhuma hipótese, este livro tem a pretensão de ser um tratado sobre teologia e
pós-modernidade. Por isso, não descemos de forma pormenorizada ao pensamento
crítico dos autores citados ao longo de suas páginas. O que fizemos foi dar pistas
para que o estudo desses autores e dos temas por eles abordados possam suscitar
em vocês novas leituras e pesquisas. Aproveitem a jornada!
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

CRISTIANISMO E MODERNIDADE

15 Introdução

16 Pontes e Muros Entre a Religião Cristã e a Modernidade

24 O Mundo Moderno

31 Catolicismo e a Negação da Modernidade

35 Protestantismo e o Mundo Moderno: Contrastes

40 O Futuro do Cristianismo na Modernidade

45 Considerações Finais

52 Gabarito

UNIDADE II

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA

55 Introdução

56 Caminho sem Volta

62 Da Modernidade à Pós-Modernidade: Percalços Conceituais

68 O Que é Pós-Modernidade

74 A Transição da Teologia Para a Pós-Modernidade

80 A Hermenêutica Teológica na Pós-Modernidade

85 Considerações Finais

93 Gabarito
10
SUMÁRIO

UNIDADE III

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA

97 Introdução

98 A Estrutura Pós-Moderna de Pensamento

102 Teologia e Pós-Estruturalismo

107 Teologia e Irracionalidade

110 Teologia e Relativismo

117 O Reencontro da Teologia com a Filosofia

123 Considerações Finais

130 Gabarito

UNIDADE IV

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA

133 Introdução

134 Teologia Versus Teologias

145 Ecoteologia

150 Teologia Econômica

156 Teologia Acadêmica

161 Teologia Pública

165 Considerações Finais

173 Gabarito
11
SUMÁRIO

UNIDADE V

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA

177 Introdução

178 Um Conceito em Construção

183 Os Tempos Hipermodernos

187 O Indivíduo Hipermoderno

192 A Teologia do “Eu”

195 Teologia e Sincretismo

200 Considerações Finais

207 Gabarito

208 CONCLUSÃO
Professor Dr. Sérgio Gini

CRISTIANISMO E

I
UNIDADE
MODERNIDADE

Objetivos de Aprendizagem
■ Estabelecer os pontos de contato e de afastamento entre a religião
cristã e a modernidade.
■ Compreender o conceito de mundo moderno a partir da filosofia e
das ciências sociais.
■ Conhecer as implicações da posição católica em negar a
modernidade.
■ Conhecer as teorias que defendem o protestantismo como
impulsionador da modernidade e as que defendem que o mesmo é
antimoderno.
■ Avaliar o projeto do cristianismo em face da modernidade e
apresentar sua ponte com o futuro por meio da Teologia.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Pontes e muros entre a religião cristã e a modernidade
■ O mundo moderno
■ Catolicismo e a negação da modernidade
■ Protestantismo e o mundo moderno: contrastes
■ O futuro do cristianismo na modernidade
15

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) ao estudo da nossa primeira unidade. Além


de muita literatura sobre o tema da modernidade e sua relação com o cristia-
nismo ter sido produzida nos últimos 50 anos, uma série de debates acadêmicos
e eclesiásticos tem sido realizada e patrocinada por universidades e centros de
estudos religiosos, em todo o mundo, buscando compreender as implicações,
ganhos ou perdas, do diálogo entre o cristianismo e a modernidade, desde o final
do século XVIII até nossos dias.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O conceito de mundo moderno é uma construção da filosofia e das ciências


sociais, especialmente a sociologia e a antropologia, que foi assumido pela his-
tória, pela economia, pela política e, progressivamente, por todas as ciências do
conhecimento. Por sua relação de quase parentesco com a filosofia, a teologia
desde muito cedo também se preocupou com os aspectos da modernidade e suas
implicações no campo religioso, especificamente no cristianismo. Modernidade,
pós-modernidade e hipermodernidade são termos que fazem parte do estatuto
teórico da teologia e não podem ser negligenciados, sob nenhuma hipótese, por
aqueles que querem fazer da teologia uma ciência do conhecimento cada vez
mais atual e relevante no universo acadêmico.
Nesta unidade, estudaremos a relação entre o cristianismo e a modernidade,
preparando você, caro(a) aluno(a), a compreender que o projeto de futuro do
cristianismo só é viável por meio da ponte que se faz com a teologia. Por isso,
iremos verificar como os dois ramos da cristandade, o catolicismo e o protestan-
tismo, se relacionam com a modernidade. Você irá entender que é essa relação
que tem influenciado toda a produção teológica desde então. Enquanto o cato-
licismo buscou negar o mundo moderno em defesa da tradição da Igreja, o
protestantismo foi visto como o principal impulsionador da modernidade por
uns e por outros como totalmente antimoderno. Esperamos que a riqueza dessa
dialética seja sua motivação para nossos estudos.

Introdução
16 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PONTES E MUROS ENTRE A RELIGIÃO CRISTÃ E A
MODERNIDADE

Caro(a) aluno(a), vamos agora buscar estabelecer os pontos de contato (que


chamamos aqui de pontes) e os pontos de afastamento (os muros) entre o cris-
tianismo e a modernidade. Entendermos essa questão é fundamental para que
possamos enxergar qual o posicionamento da teologia desde os primórdios do
surgimento do mundo moderno até nossos dias.
Para uma compreensão cronológica mais precisa, podemos afirmar que a
modernidade surgiu, como visão de mundo e ideário, a partir da filosofia moderna
e do racionalismo propostos pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650) em
oposição ao pensamento medieval dominado pela Escolástica. O racionalismo
teve enormes repercussões sobre a filosofia, a cultura e as sociedades ocidentais,
ao ponto de que o projeto moderno vai se consolidar com a Revolução Industrial
e com o desenvolvimento do capitalismo.
Sabemos que a Idade Média teve como principal característica no plano reli-
gioso o teocentrismo, que considerava Deus como o centro de todas as coisas,
inclusive das especulações filosóficas. Por causa disso, a metafísica era conside-
rada como a “rainha das ciências”. No plano social, a Idade Média foi caracterizada
pela imobilidade social e lentidão nas transformações culturais, econômicas e
políticas. Isso fez que, aos poucos, um sentimento de insatisfação começasse a
surgir na sociedade medieval, culminando com movimentos revolucionários em
diversas regiões, especialmente na Inglaterra.

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
17

Em 1381, explodiu na Inglaterra a Revolta camponesa, considerado como


um dos principais eventos da história da Inglaterra na época do feudalismo.
A luta por reforma e pelos direitos dos servos marcou o início do fim da ser-
vidão naquele país. Ocorrido dentro do contexto da Guerra dos Cem Anos,
essa revolta é a mais bem documentada da Idade Média. Paralelamente aos
aspectos materiais em disputa, existia uma questão ideológica e religiosa:
alguns pregadores lollardos (contrários às ordens de Roma) estavam ligados
à revolta.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Fonte: Costa (2004).

Com o passar do tempo, a insatisfação se alastrou e encontrou apoio no movi-


mento que vinha se consolidando desde o século XV, chamado de Renascimento.
Surgido em decorrência dos valores medievais, o Renascimento rompeu com
esses mesmos valores e encontrou ressonância nos filósofos que já vinham pro-
pondo uma Revolução Científica, baseada no racionalismo. A base filosófica do
Renascimento que era o Humanismo, que afirmava a total autonomia do indiví-
duo, foi ampliada com o racionalismo moderno, estabelecendo definitivamente
o final da tutela medieval da religião sobre o indivíduo.
As características da filosofia renascentista e que possuem ampla influência
sobre a modernidade foram as seguintes, de acordo com Costa (2004):
1) Restauração da cultura clássica, que enfatizava o retorno às fontes literárias
e filológicas da antiguidade, especialmente do período do grego clássico.
2) Criação do novo, com o surgimento de gênios pensadores em todas as
áreas do saber.
3) Síntese do Cristianismo com a cultura clássica.
4) A valorização do homem, encarnando a máxima de Protágoras – Homo
Mensura – e trocando o teocentrismo característico da Idade Média pelo
antropocentrismo.
Não há dúvida de que o Humanismo Renascentista foi um movimento importante
na história da humanidade. Entretanto, podemos dizer que ele foi responsável por

Pontes e Muros Entre a Religião Cristã e a Modernidade


18 UNIDADE I

erguer o primeiro muro contra a teologia: a elevação do ser humano em detri-


mento de Deus. Costa (2004, p. 69) explica que se o homem estava convencido
de sua própria grandeza e capacidade, sendo por si só o fim de tudo, o resultado
óbvio é o reconhecimento de que o humanismo renascentista destruiu a digni-
dade do ser humano como imagem de Deus.
Todavia, um movimento fortemente influenciado pelo Renascimento contri-
buiu para a recuperação do diálogo e dos pontos de contato entre a teologia e a
modernidade: a Reforma Protestante. A Reforma do século XVI fez surgir o que
chamamos de teologia contemporânea em oposição à teologia escolástica medieval.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Reforma Protestante foi, acima de tudo, um movimento religioso e teoló-
gico que teve como um de seus fatores desencadeadores a insatisfação espiritual
dos indivíduos (primeiro ponto de contato com a consciência renascentista). Costa
(2004) elenca essas insatisfações: 1) o papado como potência religiosa, política e
econômica; 2) a corrupção política, econômica e moral do clero romano; 3) uma
aguda carência espiritual; 4) tentativas reformistas frustradas pela Inquisição; e 5) a
transformação do culto em um ritual vazio de significado, repleto de superstições.
Sobre a carência espiritual mencionada acima, o maior exemplo disso foi demons-
trado pelo próprio Martinho Lutero, nas suas conhecidas angústias espirituais a
respeito de como um homem pecador poderia subsistir ante a justiça de Deus.
Apesar do seu caráter religioso, a Reforma também pode ser considerada
como um movimento cultural, institucional, social e político. A relação existente
entre a Reforma e o Renascimento pode ser percebida pelo fato daquela ter sur-
gido no contexto desta, possuindo alguns pontos comuns, como o retorno às
fontes, no caso os originais das Escrituras, hebraico, aramaico e grego. Mesmo
com algumas ênfases comuns, a Reforma se distinguiu do Renascimento por
recuperar a teocentricidade, ou seja, para a Reforma o ser humano não é consi-
derado como sendo “a medida de todas as coisas”, mas sim Deus. A importância
humana reside em sua criação à imagem e semelhança de Deus.
Estabelecendo pontes com a modernidade, a Reforma contribuiu decisivamente
nas seguintes áreas, segundo Costa (2004): 1) na propagação das Escrituras, com a
tradução da Bíblia para as diversas línguas, permitindo que as pessoas comuns tives-
sem acesso às verdades divinas; 2) na educação, como consequência da primeira,
visto que um dos problemas enfrentados pelos reformadores foi o analfabetismo

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
19

das massas. Nesse ponto, destacam-se as figuras de importantes personagens, como:


Lutero, João Calvino e João Amós Comênius; 3) no trabalho, ao banir a ideia de
que o trabalho se constituía em uma tortura imposta ao homem após a Queda,
e ao recuperar o ideal de que o trabalho é uma vocação e bênção divina (que irá
influenciar o pensamento sociológico da ética do capitalismo, segundo Max Weber).
Portanto, no instante que se conecta a Reforma com a vida e obras dos reforma-
dores – em especial, com o reformador João Calvino (COSTA, 2004, p. 89-117) –,
nota-se que a formação acadêmica e humanista cristocêntrica fizeram nascer um
novo homem, o “reformado”, que vive para a glória de Deus.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Um dos pressupostos do surgimento do pensamento moderno, como assim


denominamos o produto do renascimento humanista e do racionalismo, é o com-
promisso da Ciência com a busca da verdade. Com base nesse pressuposto, o
conhecimento científico é tido como capaz de analisar, julgar e descrever todos
os fenômenos de forma imparcial, objetiva e livre de preconceitos. Contudo, não
podemos esquecer que o próprio pensamento moderno é “o produto de uma evo-
lução histórica, permeada por transformações econômicas, filosóficas, religiosas,
educacionais e políticas, entre outras, estando todas elas entrelaçadas” (COSTA,
2004, p. 209). Interessantemente, apesar da Ciência não estar atrelada a nenhum
sistema religioso, sua versão moderna nasceu permeada de pressupostos religio-
sos encarnados nos principais cientistas desse período como Johannes Kepler,
Tomás Campanella, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Isaac Newton e G. W.
Leibniz. Contudo, a “moderna” Ciência Moderna considerou a ideia de “Deus”
como não possuindo lugar em seu meio. Destaca-se a autossuficiência humana
no controle e na explicação de todos os fenômenos. O pensamento moderno
construira mais um muro separando a modernidade da teologia.
Todavia, no período entre a Reforma Protestante e o Iluminismo, preci-
samente o século XVII, a relação entre teologia e modernidade fez surgir a
“Ortodoxia Protestante” ou “Escolasticismo Protestante”, responsável por sistema-
tizar a teologia da Reforma e estabelecer um importante ponto de contato desta
com a modernidade. Costa (2004) aponta que alguns fatores contextuais foram
decisivos para o surgimento desse período: 1) Educação formal no pensamento
aristotélico, por meio de personagens ilustres das principais universidades euro-
peias (Melanchton, Pedro Mártir Vermigli, Jerônimo Zanchi, Conrado Gesner

Pontes e Muros Entre a Religião Cristã e a Modernidade


20 UNIDADE I

e Teodoro Beza); 2) A controvérsia protestante a respeito da suposta autoridade


final da Igreja em interpretar as Escrituras; 3) Confiança na Razão como consequ-
ência do princípio de que Deus é o autor de todo conhecimento; 4) Preservação
da sã doutrina das heresias romanas e sistematização doutrinária e confessional
da Igreja; e 5) A questão da “Fé Explícita”, ou seja, a necessidade de que o indiví-
duo compreendesse devidamente os ensinamentos doutrinários como condição
sine qua non para que pudesse se filiar à Igreja.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O teólogo reformado François Turretini (1623-1687) é o principal sistemati-
zador da Ortodoxia Protestante e denominado “campeão da ortodoxia calvi-
nista no século XVII”. Sua principal obra foi o manual de Teologia Sistemática,
Institutio Theologiae Elencticae, que expõe a teologia reformada de forma
sistemática, lógica, precisa e científica.
Fonte: Costa (2004).

Os críticos consideram que a ortodoxia protestante produziu um formalismo


vazio, focado em discussões doutrinárias, sem impactar a vida das pessoas como
no período neo-testamentário e da igreja primitiva. De cunho alemão/luterano e
em busca de um despertar espiritual, ergueu-se uma forma de Pietismo no seio
da igreja do século XVII. Evidentemente, o Pietismo foi uma reação contra um
cristianismo que se tornara “vazio”, tendo a prática dissociada da genuína doutrina
bíblica (COSTA, 2004, p. 261). O objetivo do Pietismo era o retorno à teologia
viva do período apostólico e dos primeiros anos da Reforma Protestante. O seu
primeiro grande líder foi o alemão Philipp Jakob Spener (1635-1705), que em
1670 estabeleceu em sua casa aos domingos e quartas-feiras um grupo de estudo
bíblico, oração e discussão do sermão do domingo anterior. Este trabalho cresceu

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
21

e, posteriormente, recebeu o nome de Collegia Pietatis, de onde veio o termo


“Pietismo”. A principal obra de Spener foi Pia Desideria (1675). Outro grande
personagem do Pietismo alemão foi August Hermann Francke (1663-1727), que
sucedeu Spener na liderança do movimento. O Pietismo exerceu ampla influên-
cia no protestantismo, tendo como ícone o famoso Conde Nicolau Ludwig von
Zizendorf (1700-1760), o teólogo e líder dos moravianos e considerado como
“o grande missionário estadista”, que muito contribuiu para o trabalho missio-
nário. A influência pietista também pode ser percebida entre os presbiterianos
da América, especialmente em Gilbert Tennent, um dos fundadores do College
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

of New Jersey (Princeton College). Apesar de possuir um propósito válido e ter


prestado grandes contribuições, o Pietismo pecou por trocar a Palavra pela expe-
riência subjetiva como sustentáculos da fé, o que também contribuiu – ainda
que negativamente – para o surgimento de diversas seitas.
Embora pudéssemos afirmar que o Iluminismo tenha se constituído como
um muro separando a modernidade da teologia, não podemos esquecer que esse
muro foi derrubado pela teologia liberal dos séculos XVIII e XIX. O Iluminismo
é fruto do Humanismo Renascentista, com a sua ênfase na autonomia da razão
humana em detrimento de qualquer outro fator determinante. A razão invadiu os
domínios da ética, da epistemologia, da política e da religião, sendo ela mesma o
critério último da verdade. Qualquer apelo à qualquer tipo de transcendência era
rejeitado. O Iluminismo teve origem na Inglaterra, estendendo-se para a França
e Alemanha. Recebeu essa designação por causa da sua pretensão de “iluminar”
uma tradição obscurantista, que por pouco não foi relegada ao ostracismo.
Como “esforço de interpretar, reformular e explicar a fé cristã dentro de uma
perspectiva iluminista” (COSTA, 2004, p. 285), surgiu o liberalismo teológico. Seu
pressuposto foi de que o campo da teologia possuiria como princípio determinante
a autonomia da razão humana para interpretar as Escrituras. A teologia liberal foi
fortemente influenciada pelo desenvolvimento da Ciência Moderna e pelos pres-
supostos da Filosofia Moderna, conforme expressos pelo Iluminismo.

Pontes e Muros Entre a Religião Cristã e a Modernidade


22 UNIDADE I

Os principais inspiradores contemporâneos do liberalismo teológico foram


dois filósofos. O primeiro deles foi Immanuel Kant (1724-1804), com a sua
distinção entre o Númeno (a coisa em si) e Fenômeno (a forma como a coi-
sa se apresenta). O primeiro termo encerra conceitos como “Deus”, “alma”
e “liberdade”; já o segundo abarca a dedução estabelecida dos conceitos
mencionados. Vale salientar que Kant foi forjado a partir do racionalismo,
que afirmava a razão como a única fonte real de conhecimento. O segundo
inspirador foi G. W. F. Hegel (1770-1831), cujo pensamento foi extremamen-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
te sistemático e difícil de interpretar. Sua grande ambição era construir um
sistema único de interpretação para toda a realidade a partir do método
dialético. Seu método filosófico era dividido em três etapas, quais sejam ela:
1) Tese, o momento do “ser em si”; 2) Antítese, o momento do “fora de si”; e
3) Síntese, o momento do “ser em si e para si”.
Fonte: COSTA (2004).

A influência iluminista sobre a Teologia pôde ser percebida nas seguintes áreas,
segundo Costa (2004):
1) Historicismo, ou seja, que resultou no questionamento da integridade e
credibilidade das narrativas históricas da Bíblia.
2) Cientificismo, por meio do pensamento de que só a Ciência seria capaz
de responder os principais problemas da sociedade, visto que a religião
sempre estivera errada.
3) Subjetivismo religioso, ao elevar a razão individual como critério da ver-
dade ou experiência mística.
4) Antropocentrismo, por meio da tentativa de harmonizar a verdade teoló-
gica com os princípios racionais para promover o bem-estar do homem.
Até mesmo a existência passou a ser aceita, desde que trouxesse algum
benefício ao ser humano.
5) Racionalismo, por meio da submissão da Teologia à Filosofia, com a eli-
minação de doutrinas ofensivas à razão humana e a racionalização das
Escrituras.

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
23

6) Toleracionismo, por meio da redução do cristianismo a apenas mais uma


religião dentre tantas, fruto da imaginação fértil do ser humano. No que
concerne à questão religiosa, a tolerância passa a ser vista como a vir-
tude suprema e, o dogmatismo, como o pior pecado.
7) Otimismo em relação às capacidades da razão humana e descrédito para
com a doutrina do pecado original e da total depravação do homem.
8) Ética, que galgou o status de assunto de primeira importância, e o cris-
tianismo foi reduzido ao status de religião cujo conteúdo essencial seria
a ética.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

9) Crítica textual. Os documentos antigos passaram a ser estudados e ana-


lisados quanto à sua autenticidade. A consequência disso foi o abandono
da doutrina da Inspiração Plenária e o tratamento dispensado à Bíblia
como um livro qualquer. É importante destacar os nomes dos principais
críticos que causaram alguma influência na teologia crítica do século
XIX: o teólogo liberal alemão Johann S. Semler (1725-1791), fundador
do criticismo histórico da Bíblia; Hermann S. Reimarus (1694-1768), que
concluiu que existia uma diferença essencial entre a pregação de Jesus e
dos apóstolos; Gotthold Efraim Lessing (1729-1781), que defendia a ideia
de que todas as religiões ensinavam a mesma coisa, e que todas possuíam
a capacidade de transformar a vida. Na Crítica Bíblica, destacam-se tam-
bém os nomes de Julius Wellhausen (1844-1918) e F. C. Baur (1792-1860).
10) Autonomia humana por meio da ideia de que o homem é a sua própria
lei. 11) Harmonia entre o homem autogovernado e o cosmos regido por
uma lei anterior.

Caro(a) aluno(a), pense na afirmação: “Indubitavelmente, a influência do Ilu-


minismo sobre a teologia foi bem maior” e procure informações de como a
teologia contemporânea é devedora do Iluminismo.
(O autor, adaptado de Hermisten M. P. da Costa).

Pontes e Muros Entre a Religião Cristã e a Modernidade


24 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O MUNDO MODERNO

Caro(a) aluno(a), no tópico anterior procuramos apresentar uma abordagem


histórica para que você entendesse como a teologia tem construído pontes com
a modernidade. Agora, vamos auxiliá-lo a compreender o conceito de mundo
moderno a partir da filosofia e das ciências sociais. Esse conceito é fundamental
para que possa perceber o quanto a teologia tem dialogado com as outras ciências do
conhecimento e como é diverso o entendimento entre religião cristã e modernidade.
Afinal, o que é o mundo moderno? Não seria mais correto afirmarmos sobre
uma civilização moderna? E, qual seria o marco identificador dessa civilização
moderna? Bem, vamos às questões.
A sociedade industrial que surge, principalmente na Inglaterra, na segunda
metade do século XVIII, e que vai desencadear o que conhecemos como Revolução
Industrial até o início do século XIX, foi a que motivou uma série de abordagens
de filósofos, economistas e, mais precisamente, de sociólogos na tentativa de bus-
car compreender a natureza e os efeitos da indústria moderna sobre o ser humano,
o trabalho, as relações sociais, a família e a religiosidade. Há uma nova sociedade
emergindo do capitalismo e é ela quem chama a atenção dos cientistas sociais.
O sociólogo Raymond Aron, em sua análise das etapas do pensamento socio-
lógico, elenca os seis traços característicos da indústria moderna e que estão
contidos nas análises dos observadores sociais do século XIX. Em linhas gerais,
as análises de filósofos, economistas políticos e sociólogos, perpassam por essas
linhas mestras. São eles:

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
25

1º) A indústria se baseia na organização científica do trabalho. Em vez


de se organizar segundo o costume, a produção é ordenada com vistas
ao rendimento máximo.

2º) Graças à aplicação da ciência à organização do trabalho, a humani-


dade desenvolve prodigiosamente seus recursos.

3º) A produção industrial leva à concentração dos trabalhadores nas


fábri­cas e nas periferias das cidades; surge um novo fenômeno social:
as massas operárias.

4º) Essas concentrações de trabalhadores nos locais de trabalho


determi­nam uma oposição, latente ou aberta, entre empregados e em-
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pregadores, entre proletários de um lado e empresários ou capitalistas


do outro.

5º) Enquanto a riqueza, graças ao caráter científico do trabalho, não


para de aumentar, multiplicam-se crises de superprodução, que têm
por consequência criar a pobreza no meio da abundância. Enquanto
milhões de indivíduos sofrem as carências da pobreza, mercadorias
deixam de ser vendidas, para escândalo do espírito.

6º) O sistema econômico, associado à organização industrial e cientí-


fica do trabalho, se caracteriza pela liberdade de trocas e pela busca do
lucro por parte dos empresários e comerciantes. Alguns teóricos con-
cluem daí que a condição essencial do desenvolvimento da riqueza é,
precisamente, a busca do lucro e a concorrência, e que quanto menos o
Estado intervier na economia, mais rapi­damente aumentará a produ-
ção e a riqueza. (Aron, 1997, p. 79)

Embora os pensadores da sociedade não utilizem o termo “modernidade” em suas


análises do nascimento do capitalismo, os autores clássicos da Sociologia (Marx,
Durkheim e Weber) estarão o tempo todo analisando, explorando e discutindo,
o moderno capitalismo industrial e as formas de vida social que o acompanham.
Ferreira (2010, p. 24) aponta que os fundadores da sociologia, embora não utili-
zassem o termo “modernidade” trataram do tema utilizando expressões como:
“operário moderno”, “trabalho industrial moderno”, “indústria moderna”, “bur-
guesia moderna”, “sociedade burguesa moderna”, “Estado moderno”, “moderna
organização industrial”, “moderna organização racional das empresas capita-
listas”, “moderna vida econômica”, “cultura capitalista moderna”, “economia
capitalista moderna”.

O Mundo Moderno
26 UNIDADE I

Os pais da Sociologia são os autores alemães Karl Marx (1818-1883) e Max


Weber (1864-1920) e o francês Émile Durkheim (1858-1917). A Sociologia só
passará a existir enquanto disciplina acadêmica no início do século XX.
Fonte: GIDDENS (2005).

Toda a história humana, a partir do moderno capitalismo industrial, estaria

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atrelada ao desdobramento que Marx, Durkheim e Weber tomaram como fun-
damentais. Os pensadores posteriores, em menor ou maior grau, sendo para
afirmar, negar, contrapor ou superar, partiram das questões abordadas por um
ou mais dos três fundadores da sociologia. Ferreira (2010) aponta o que para
Marx era o fundamento do moderno capitalismo industrial:
Marx, tendo identificado a contradição entre a produção coletiva da ri-
queza e sua apropriação privada como força motriz do capitalismo mo-
derno, apostava no papel revolucionário do proletariado. O capital, ao
se reproduzir, gera seu oposto, a classe trabalhadora. Ele retira o traba-
lhador de seu isolamento e o concentra numa fábrica e numa cidade ao
lado de outros milhares de trabalhadores nas mesmas condições. Com
isso, o capital cria o sujeito coletivo da ação revolucionária moderna – o
proletariado. O proletariado, por sua vez, com a revolução nada teria a
perder, a não ser suas cadeias. (Ferreira, 2010, p. 28)

Essa contradição inerente ao capitalismo moderno que para Marx era tão óbvia
não atrai a atenção de Durkheim. Embora fosse um profundo interessado em
explicar esse moderno capitalismo, o sociólogo francês se atém ao viés funcio-
nal da vida social.
Seus temas são: a divisão social do trabalho, a solidariedade mecânica
e a solidariedade orgânica, a anomia, etc. Tais temas são provenientes
das transformações industriais modernas. Ao estudar, por exemplo, o
suicídio nos principais países da Europa, no período de 1841 a 1872,
Durkheim busca conectar as mudanças sociais ocorridas nesse período
às oscilações na taxa de suicídio. (Ferreira, 2010, p. 25).

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
27

Por sua vez, Max Weber analisa o desenvolvimento das sociedades ocidentais e
o surgimento do moderno capitalismo industrial como um imenso processo de
racionalização da vida e de desencantamento do mundo. E a origem desse pro-
cesso de racionalização do capitalismo moderno está no puritanismo, motivado
pela ação racional com relação a valores e, no caso do trabalho, com relação a
fins. Ferreira (2010, p. 27) explica que, para Weber, “o trabalho feito como voca-
ção in majorem Dei gloriam tornou-se uma ação racional com relação a fins – a
busca da riqueza como um esporte”. O processo de racionalização da vida, no
entanto, se expande além do controle dos próprios valores religiosos. Weber,
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nesse aspecto, é enfático:


No que a ascese se pôs a transformar o mundo e a produzir no mundo
os seus efeitos, os bens exteriores deste mundo ganharam poder cres-
cente e por fim irresistível sobre os seres humanos como nunca antes
na história. Hoje seu espírito – quem sabe definitivamente? – safou-
-se desta crosta. O capitalismo vitorioso, em todo caso, desde quando
se apoia em bases mecânicas, não precisa mais desse arrimo. (Weber,
2004, p. 165).

Tanto Marx quanto Weber não desenvolveram uma narrativa da modernidade.


Suas análises buscam investigar as questões que se colocaram com o surgimento
do moderno capitalismo industrial. Ferreira (2010, p. 30, 31) aponta que para
Marx a questão era de “como se deu a passagem do valor de uso para o valor
de troca, ou seja, como tudo veio a se tornar mercadoria”. Para Weber, “como a
racionalidade com relação a fins tornou-se predominante na sociedade”. Ambos
Não intentavam prover um “começo” absoluto para o capitalismo in-
dustrial moderno, não problematizavam a “modernidade” nos termos
que passou a ser tratada a partir dos anos 70 do século XX, mas seria
seguro dizer que tocaram no ponto que estaria no coração das discus-
sões atuais da modernidade: o capitalismo industrial moderno é uma
força mundial; as mudanças produzidas por ele não estavam circuns-
critas no âmbito da economia, mas haveriam de conectar-se às demais
esferas da vida humana. Se a modernidade é apenas isso ou se é muito
mais do que isso, é uma discussão que vem sendo feita há alguns anos,
mas certamente ninguém poderá passar pelo assunto sem avaliar a
contribuição da sociologia para o tema. (Ferreira, 2010, p. 31).

O Mundo Moderno
28 UNIDADE I

Em 1905, Max Weber publicou o seu mais impactante livro: A Ética Protestante
o Espírito do Capitalismo, em que busca responder a uma questão fundamen-
tal: por quê o capitalismo se desenvolveu apenas no Ocidente? O cerne da
teoria de Weber era a noção de que as atitudes envolvidas no espírito do ca-
pitalismo tinham sua origem na religião, mais precisamente entre um grupo
específico do protestantismo: os puritanos ingleses. Seguidores da teologia
calvinista da eleição, ou predestinação para a salvação, os puritanos (dentre
eles os que imigraram para a América) procuravam sinais evidentes de que al-

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guma pessoa era eleita por Deus. Um desses sinais era o sucesso no exercício
de uma vocação, indicado pela prosperidade material. Apesar de procurarem
o acúmulo de riquezas, como sinal da graça de Deus, os puritanos viam no
luxo um mal, e por isso viviam um estilo de vida severo e simples.
Fonte: Giddens (2005).

Não demorou para que historiadores, filósofos e teólogos, a partir dos pressupos-
tos de Marx e Weber, começassem a discutir as influências do “mundo moderno”
na religião, ou mesmo se a religião teria ou não lugar nessa modernidade. O mais
proeminente desses foi o teólogo, historiador e filósofo alemão Ernst Troeltsch,
amigo pessoal de Weber desde 1897. Quando Weber publicou sua monografia
sobre a ética protestante (1904/1905), Troeltsch passou a pesquisar e escrever
sobre o significado do protestantismo para o mundo moderno.
Em 1907, Troeltsch publicou um ensaio com o título A essência do mundo
moderno. Sua intenção era, em um primeiro momento, identificar o que seria a
“modernidade”. Somente depois é que se poderia falar do lugar (ou do não-lu-
gar) da religião nela. Da Mata (2008, p. 237) destaca que “para Troeltsch, toda e
qualquer tentativa de discutir a questão da orientação do indivíduo contempo-
râneo pressupõe uma análise histórica das diferentes forças que se articularam e
impuseram como eixos definidores de sua identidade”. A questão da religião está
presente neste ponto. Da Mata ainda complementa afirmando que “é do choque
e das interinfluências recíprocas desses distintos componentes culturais e insti-
tucionais que resulta o ‘espírito’ moderno”.

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
29

Troeltsch relaciona como componentes culturais as forças éticas, religiosas e


ideológicas, que formariam uma camada superior da estrutura social (Marx uti-
liza o termo superestrutura, embora com componentes diferentes), e que seriam
instáveis e híbridas entre si. Os componentes institucionais e suas forças sociais
e econômicas seriam os mais estáveis, concretos, e deveriam ser compreendi-
dos primeiro para, só depois, poder analisar o funcionamento e a dinâmica da
“camada superior da cultura” (Troeltsch, 1951).
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Ernst Peter Wilhelm Troeltsch (1865-1923) estudou Teologia em três dife-


rentes universidades alemãs: Erlangen, Berlim e Göttingen. Em Göttingen,
Troeltsch torna-se discípulo de Albrecht Ritschl, especialista em história da
Reforma. Troeltsch associou-se a um grupo de jovens teólogos que viria a
se tornar conhecido como “escola da história da religião”. Tão logo conclui a
livre-docência, Troeltsch inicia uma carreira acadêmica meteórica: em 1892,
com apenas 27 anos, é nomeado professor em Bonn. No ano seguinte,
transfere-se para Heidelberg, universidade em que trabalhavam alguns dos
maiores nomes da ciência alemã. Vindo de Freiburg em 1897, Max Weber
passa a fazer parte de seu círculo. As famílias de Troeltsch e Weber tornaram-
-se íntimas a ponto de morarem juntos na mesma casa.
Fonte: Da Mata (2008, p. 235-255).

As instâncias concretas da civilização moderna para Troeltsch são: o Estado, o


individualismo político (racionalismo) e o capitalismo. São os três pilares do
mundo moderno (DA MATA, 2008, p. 239). É sobre esses pilares, essa infra-
estrutura, que é erigido o edifício cultural da civilização moderna. As camadas
desse edifício cultural são: a esfera jurídica, a ciência, a arte, a filosofia e a religião.
O impacto do “mundo moderno” na Teologia, na análise de Troeltsch, vai
além da utilização do método crítico, influência do liberalismo teológico alemão,
ou da desconstrução das meta-narrativas bíblicas e bem mais do que a aborda-
gem sociológica que, de certa forma, previa o desaparecimento da religião. Da
Mata conclui que

O Mundo Moderno
30 UNIDADE I

Troeltsch vê Igrejas e seitas como formas de institucionalização da vida


religiosa típicas de uma época que já não é a nossa. Em termos concre-
tos, equivale a dizer que “a religião moderna não se esgota nas Igrejas”.
Para além delas, há toda uma variedade de formas de vida religiosa
extra-eclesiásticas, que uma abordagem sociológica convencional não
está em condições de perceber. (Da Mata, 2008, p. 241)

Dessa forma, o mundo moderno não seria o túmulo da Teologia. Pelo contrá-
rio, nas novas interpretações e interações da vida religiosa, a Teologia ganha um
novo e amplo espaço, pois o mundo moderno é, em grande parte, um produto
do cristianismo. Como diria Troeltsch, “os inimigos do cristianismo precisam

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convencer-se de que o mundo moderno pode ser emancipado do cristianismo
apenas em relação a alguns aspectos, mas nunca em sua totalidade” (Troeltsch,
1951, p. 332).

Caro(a) aluno(a), qual a sua reflexão sobre a seguinte afirmação de Troeltsch,


em um texto escrito pouco antes de sua morte: “a identidade entre cristia-
nismo e ‘europeidade’ não teria como ser dissolvida, pois o cristianismo cres-
ceu conosco e é parte de nós.”?
(Sérgio da Mata)

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
31
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CATOLICISMO E A NEGAÇÃO DA MODERNIDADE

Caro(a) aluno(a), vimos até aqui que o mundo moderno tem uma relação direta
com o surgimento do capitalismo industrial. Este, por sua vez, foi analisado como
um fenômeno que se constitui com base em uma ética protestante, o acúmulo
de riquezas visto como sinal exterior da bênção de Deus. Essa ação racional que
favoreceu o desenvolvimento da sociedade moderna questionou, no seu devido
momento, a própria utilidade da religião, uma vez que com o seu aprimoramento
o capitalismo não necessitaria mais do seu sustento inicial: a iniciativa religiosa.
Estas questões estão diretamente envolvidas com o mundo protestante. Mas,
e o catolicismo? Como a Igreja Católica Romana lidou com a questão do mundo
moderno? As influências modernistas da individualização da fé (ponto de partida da
Reforma Protestante) e do Iluminismo culminaram com a Revolução Francesa do
século XVIII, responsável, entre outras coisas, pelo liberalismo do século XIX. Estes
três pontos estão na origem do antimodernismo católico como veremos a seguir.
A modernidade não apenas cunhou o conceito atual de religião, mas também
foi o nascedouro de sua crítica. Aliás, o conceito e crítica da religião não apenas
se constituem como tais na modernidade, mas estão diretamente relacionados: a
crítica só pôde ser feita porque, por meio da formulação conceitual, a religião foi
reificada. Ou seja, ao ser objetivada ela se tornou passível de análise e crítica. Em
realidade, há nessa reificação dois tipos de objetivação, que estão interligados: (1)
sistema intelectual - conceitualização e abstração da religião; e (2) sistema institu-
cional - a religião vista como uma entidade sociológica na figura da igreja cristã.

Catolicismo e a Negação da Modernidade


32 UNIDADE I

Caldeira (2011) reconstitui a experiência antimoderna da Igreja Romana


desde a disjunção que a Reforma protestante engendrou. Em sua opinião, esse
seria o movimento que inaugura o paradigma moderno, trazendo “transforma-
ções substanciais no panorama político-religioso e também nas consciências
dos indivíduos [individualização da fé] ao longo dos tempos” (Caldeira, 2011,
p. 30). Além da Reforma, o autor situa o Iluminismo como um movimento que
minou a cristandade, acelerando o colapso da visão teocêntrica e reconfigurando
a ordem mundana sem a presença da religião; e, por fim, a revolução francesa,
o “grande satã” do século XVIII, que gerou um dos frutos mais amargos a ser

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digerido pela Igreja no século seguinte: o liberalismo.
O Iluminismo representou o início de um processo de emancipação destes
dois tipos de sistema religioso, que pode ser definido como secularização: (1) a
emancipação intelectual da tutela da autoridade e da tradição; e (2) a emancipa-
ção econômica - transformação dos bens da igreja em bens civis. Nesse contexto, a
religião foi submetida à razão crítica, pois “a fé tornou-se objeto de suspeita como
ideologia de ordem ultrapassada” (ZILLES, 1991, p. 12). Em termos de emancipação
econômica, os novos núcleos de poder (banqueiros, manufatureiros e comerciantes)
olhavam a religião com desprezo e suspeita, especialmente devido aos laços que a
igreja medieval mantinha junto à “antiga nobreza dominadora e aos velhos donos
das terras europeias” (MADURO, 1981, p. 42). Aliada ao processo de emancipa-
ção econômica, ocorre a emancipação intelectual, visto que “a jovem burguesia em
ascensão favorece - na imprensa e, particularmente, nas universidades - a propaga-
ção de ideias anticlericais, antirreligiosas, ateias, racionalistas, céticas, agnósticas,
materialistas e cientificistas.” (MADURO, 1981, p. 42). Logo, a crítica da religião
constitui uma das características da filosofia das luzes na Europa Ocidental, pois
“crítica da religião, crítica das Igrejas e crítica da teologia são elementos impres-
cindíveis da orientação moderna.” (Higuet, 2005, p. 13).
Com efeito, antes da modernidade as eventuais críticas da religião não eram
dirigidas à religião em si, mas constituíam denúncias de deturpações e abusos
que se faziam com ela. Contudo, na época moderna, a crítica ataca diretamente
a própria religião. Levando em conta todo este quadro contextual, é possível
compreender a crítica moderna da religião como um longo processo que, em
primeira instância, envolveu filósofos e literatos, e posteriormente abarcou soci-
ólogos, psicólogos, antropólogos e, até mesmo, teólogos.
CRISTIANISMO E MODERNIDADE
33

Desse modo, segundo Caldeira (2011), a alternativa da Igreja Católica Romana


do século XIX frente ao avanço da secularização, da laicidade e da crítica da religião
foi uma centralização, que descambou para o centralismo, ou seja, o excesso dogmá-
tico e a obsessão por não abrir vias de comunicação com as igrejas locais, tornando
absolutas as decisões da burocracia romana e abrindo um conflito com vários Estados
nacionais, que derrogaram o princípio da confessionalidade nas suas constituições.
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A Constituição Imperial de 1824 foi a primeira constituição brasileira. De ca-


ráter confessional, estabelecia em seu artigo 5º a religião Católica Apostó-
lica Romana como religião oficial do Império, e as demais religiões apenas
o direito de culto doméstico, ou particular, em locais com esta destinação,
que não poderiam ter aparência exterior de templo. A Primeira Constituição
Republicana de 1891 consagrou a separação entre a Igreja e o Estado, esta-
belecendo a plena liberdade de culto, ficando a Igreja Católica em posição
de igualdade com os demais grupos religiosos.
Fontes: Nogueira (2001); Baleeiro (2001).

A história da igreja católica nos séculos XIX e XX se caracteriza por uma luta cons-
tante no relacionamento entre o mundo moderno e a conservação da tradição. A
chamada “controvérsia do modernismo” marcou os pontificados de Leão XIII (1878-
1903) e de Pio X (1903-1914), com a retomada da tradição escolástica de Tomás de
Aquino, a chamada neoescolástica. É uma época de isolamento, cheia de tensões e
de atitudes negativas frente a tudo o que é moderno. Para muitos teólogos e para a
igreja católica, “a fidelidade ao pensamento tradicional é o critério seguro da verdade”.
Em setembro de 1907, o papa Pio X publica a encíclica Pascendi dominici
gregis, um extenso tratado sobre os erros do modernismo e as refutações a todos
eles. Teólogos católicos ingleses, franceses e italianos são acusados de aderi-
rem ao modernismo e são excomungados pelo papa. Em 1910, Pio X escreve
Sacrorum Antistitum em que repetia as medidas já ordenadas e apresentava um
juramento antimodernista que deveria ser assinado por todos os professores,
cônegos, párocos, padres e também funcionários da cúria episcopal. O jura-
mento de Pio X só foi abolido em 1967.
Catolicismo e a Negação da Modernidade
34 UNIDADE I

Para a Igreja Católica, dogma é uma verdade de fé revelada por Deus. Logo,
um dogma é imutável e definitivo; não pode ser mudado nem revogado.
São 43 dogmas proclamados pela Igreja, que os divide em 8 categorias
distintas: 1. Dogmas sobre Deus; 2. Dogmas sobre Jesus Cristo; 3. Dogmas
sobre a criação do mundo; 4. Dogmas sobre o ser humano; 5. Dogmas ma-
rianos; 6. Dogmas sobre o Papa e a Igreja; 7. Dogmas sobre os Sacramentos;
8. Dogmas sobre as últimas coisas (Escatologia).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Bourgeois (2005).

O posicionamento católico de se opor à modernidade (o termo modernismo


parece se referir apenas às questões teológicas, mas de fato é bem mais amplo)
trará como reflexos a expansão do protestantismo em países onde o catolicismo
sempre fora dominante, como na América Latina, por exemplo. A Igreja Católica
Romana só irá rever a sua posição a partir do Concílio Vaticano II.

Caro(a) aluno(a), reflita sobre a seguinte afirmação de abertura do Juramen-


to Antimodernista de Pio X: “Eu abraço e recebo firmemente todas e cada
uma das verdades que a Igreja, por seu magistério, que não pode errar, tem
definido, afirmado e declarado, principalmente os textos de doutrina que
vão diretamente dirigidos aos erros destes tempos.”
(Juramento antimodernista. Moto Próprio: “SACRORUM ANTISTITUM”. Im-
posto ao clero em setembro de 1910 pelo Papa Pio X)

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
35
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PROTESTANTISMO E O MUNDO MODERNO:


CONTRASTES

Caro(a) aluno(a), no tópico anterior vimos que o catolicismo se posicionou


abertamente contra a modernidade, em especial na defesa da tradição da Igreja.
Por seu turno, sendo fruto da Idade Moderna, o protestantismo se posicionou
como o representante da religião no capitalismo industrial moderno, sendo o seu
grande impulsionador. Todavia, há várias correntes de interpretação da moder-
nidade que apontam para uma característica antimoderna do protestantismo.
Estes contrastes nós veremos a seguir.
Para os teóricos que defendem o protestantismo como elemento religioso da
modernidade, a questão não está no fato de uma prevalência numérica das igre-
jas que se originaram com a Reforma Protestante sobre o catolicismo ou outras
expressões da religiosidade, “mas somente que no mundo moderno a religião é
cada vez mais uma questão íntima, privada” (FERREIRA, 2010, p. 48). Enquanto
a teologia escolástica do catolicismo exigia a fé na autoridade da prédica e da tra-
dição, “o protestantismo proclama a soberania do homem/sujeito que faz valer
seu próprio discernimento para interpretar as Escrituras”, sem a necessidade da
“mediação da autoridade ‘infalível’ de um papa, de um padre, de um pastor ou
de um rabino” (Ferreira, 2010, p. 49). Para Troeltsch, a modernidade inviabilizou
não a religião, mas toda e qualquer possibilidade de reerguer uma “civilização
eclesiástica” (DA MATA, 2008, p. 243).

Protestantismo e o Mundo Moderno: Contrastes


36 UNIDADE I

Os anabatistas (ala radical da Reforma nos cantões suíços) tentaram im-


plantar uma civilização eclesiástica na cidade alemã de Munster, por volta
de 1533. Seus líderes afirmavam ter visões do Espírito Santo e diziam que
Munster era a Nova Jerusalém que, em breve, seria resgatada pelo retorno
de Cristo. Coletivizaram as propriedades numa espécie de socialismo utópi-
co, permitiram a poligamia e impuseram leis muito severas. A cidade, cer-
cada durante dois anos por tropas católicas e luteranas, caiu rendida e os
anabatistas foram considerados hereges.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Gini (2011).

Na Alemanha do final do século XIX, havia uma crença, corrente entre evangélicos
e luteranos, na suposta “superioridade” do protestantismo diante do catolicismo.
Conforme Nipperday (1995), o historiador Heinrich von Treitschke afirmara
que o protestantismo seria o fundamento de tudo o que há de “grande e nobre”
no mundo moderno. Friedrich Naumann, um político liberal muito próximo de
Weber apreciava citar uma frase do teólogo Gerhard Uhlhorn segundo a qual “a
máquina tem algo de protestante”. Até mesmo a imprensa alemã vira na vitória
norte-americana sobre a Espanha na guerra de 1898 a expressão da “inferiori-
dade” católica (Nipperday, 1995, p. 78). Da Mata destaca que
Não parece infundado atribuir a essa pretensão de superioridade pro-
testante parte da responsabilidade pela grande repercussão causada
pela Ética protestante e o espírito do capitalismo no meio acadêmico
alemão, uma vez que tal superioridade parecia agora – ao menos no
que diz respeito à esfera econômica – cientificamente “demonstrada”.
(DA MATA, 2008, p. 244)

Troeltsch, sendo um teólogo de expressão na Alemanha, irá fazer uma crítica


devastadora a esta pretensa superioridade a partir de sua tese: não se pode postu-
lar que a civilização moderna seja um produto do protestantismo. Na realidade,
afirma Troeltsch, o que se pode verificar é uma oposição entre o protestantismo
dos séculos XVI-XVII e a modernidade.

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
37

Da Mata pontua os aspectos em que Troeltsch se diferencia de Weber na aná-


lise do fenômeno protestante no início do capitalismo moderno:
Se a problemática de fundo e mesmo a forma de abordagem de Tro-
eltsch são basicamente as mesmas de Weber, suas conclusões não se
prestam a qualquer espécie de autoglorificação protestante. O velho
protestantismo sem dúvida significara um maior acento na imanência;
entretanto a persistência da ideia de pecado original teria mantido nele
a desvalorização do “mundo”. (Da Mata, 2008, p. 244)

O teólogo alemão critica o que ele chama de ideal medieval de uma “civilização
eclesiástica” que foi revigorado com o surgimento do protestantismo, tanto na
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

república genebrina do reformador João Calvino (1509-1564) quanto na contrar-


reforma católica promovida pelo Concílio de Trento (1545-1563). Troeltsch chama
isso de paradoxo, pois até mesmo a pretensa “abertura” luterana para a moral
moderna não pode ser aceita de primeira. O exemplo que ele toma é a questão do
fim do celibato para o clero que foi contrabalançado por uma defesa vigorosa da
virgindade pré-nupcial pelos luteranos. Da parte dos reformados calvinistas, essa
moral foi ainda mais antimoderna, pois o calvinismo “converteu a vida amorosa
em um meio para um fim, quando não a eliminou” (TROELTSCH, 1951, p. 54).
Troeltsch critica também o status de fundadores da moderna democracia
que foi dado aos protestantes pelo filósofo do Direito e juiz alemão Georg Jellinek
(1851-1911) em sua obra mais renomada, Teoria Geral de Estado. Para Jellinek
(2003), teriam sido os puritanos (nome dado aos protestantes calvinistas da
Inglaterra) que efetivaram os direitos civis na Europa e na América. Entretanto,
para Troeltsch “a democracia genuína é estranha ao espírito calvinista e pôde ori-
ginar-se dele apenas naqueles casos nos quais, como ocorria na Nova Inglaterra,
estavam ausentes os velhos estamentos da Europa” (Troeltsch, 1951, p. 64).

Protestantismo e o Mundo Moderno: Contrastes


38 UNIDADE I

O puritanismo foi um movimento religioso protestante dos séculos 16 e


17 que buscou “purificar” a Igreja da Inglaterra (Anglicana) em linhas mais
reformadas. O movimento foi calvinista quanto à teologia e presbiteriano
ou congregacional quanto à forma de governo eclesiástico. Os puritanos fo-
ram perseguidos pela Igreja da Inglaterra e tomaram parte na expedição do
Mayflower para a América, sendo cognominados de “pais peregrinos”.
Fonte: traduzido de McKim (1992).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
As análises sociais e econômicas que reputavam uma proeminência do protes-
tantismo sobre o catolicismo no desenvolvimento da população alemã, também
foram repudiadas por Troeltsch, que julgava haver “outras razões, mais pode-
rosas do que as religiosas” para esse sucesso (Troeltsch, 1951, p. 71). Da Mata
esclarece que Troeltsch
Concorda com Weber no que diz respeito ao impacto econômico gera-
do pelo ascetismo intramundano calvinista, mas acredita que outros fa-
tores, tais como a situação econômica peculiar do Ocidente e o desterro
dos dissidentes rumo à América, tiveram também a sua importância. Já
no campo social, o protestantismo mostrou-se majoritariamente con-
servador. Apenas grupos batistas radicais defenderam reformas sociais
de maior alcance. De resto, conclui Troeltsch, “condena-se rigorosa-
mente o espírito revolucionário” (DA MATA, 2008, p. 245).

Para o teólogo alemão e companheiro de Max Weber, portanto, o protestantismo


nada tinha a ver com os grandes avanços do período moderno. Sua tese, inclusive,
era de que esses avanços teriam ocorrido a despeito do protestantismo luterano e
calvinista. Da Mata (2008) destaca que tais avanços teriam sido, para Troeltsch,
um produto indireto e involuntário das ideias religiosas propriamente ditas: “o
protestantismo é, em primeira instância, uma potência religiosa, e somente em
segunda ou terceira instância uma potência cultural no sentido estrito da palavra.
Não se deve estranhar, portanto, que seus verdadeiros efeitos radiquem também
no campo religioso” (TROELTSCH, 1951, p. 92).

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
39

A ideia de que o protestantismo era a religião do mundo moderno não pros-


pera segundo Troeltsch, embora sua importância não possa ser negada. Da Mata
aponta que para Troeltsch as novidades religiosas mais importantes que o pro-
testantismo trouxe para o mundo moderno foram “o advento de uma religião
de fé, de uma ética da convicção, abertura para o mundo e individualismo reli-
gioso” (DA MATA, 2008, p. 245).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Caro(a) aluno(a), reflita sobre esta afirmação do teólogo João Batista Libanio:
“A saga da modernidade ocidental carrega profundo paradoxo. Ela nasce do
Cristianismo e volta-se contra ele e contra todo o Sagrado. Filha, anuncia a
morte da mãe. Esta primeiramente acontece no meio letrado, ao atingir, em
seguida, as classes operárias.”
(João Batista Libanio)








Protestantismo e o Mundo Moderno: Contrastes


40 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O FUTURO DO CRISTIANISMO NA MODERNIDADE

Caro(a) aluno(a), neste último tópico vamos compreender como os pensado-


res que discutiram a relação entre religião, teologia e mundo moderno viram
o futuro do cristianismo. Se, de um lado, temos a corrente dos fundadores da
Sociologia que viam o iminente declínio religioso e, consequentemente, de sua
expressão maior, o cristianismo, do outro temos aqueles que argumentam que a
sobrevivência do cristianismo se daria exatamente pelo individualismo. A ver-
são eclesiástica da religião cristã daria cada vez mais campo para uma versão
individual, uma espécie de seita, que garantiria a sua sobrevida. Amalgamando
isto tudo estaria a teologia, procurando respostas cada vez mais atuais para que
o projeto do cristianismo se tornasse, de fato, um projeto perene.
Georg Simmel, um dos mais brilhantes e controversos sociólogos alemães,
publicou em 1911 um pequeno tratado sobre o problema da vida religiosa no
início do século XX em face do auge do capitalismo moderno e do avanço da
ciência. A previsão de Simmel era de que as instituições eclesiásticas estariam
condenadas pelo avanço da ciência (SIMMEL, 1919). Esperava-se um futuro de
declínio para o cristianismo e, até mesmo, para a teologia.
Em suas teorias sobre religião, em que o cristianismo é a base, os três teóricos
clássicos da sociologia, Marx, Durkheim e Weber, imaginavam que, nos tempos
modernos, a religião passaria a ser menos importante porque era, fundamental-
mente, uma ilusão. Marx concordava com a visão de que a religião representava
a autoalienação humana. Durkheim, por seu turno, declarou que “os velhos deu-
ses estão mortos” e Weber, ao aprofundar a tese do desencantamento do mundo,

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
41

enfatizou a racionalização como suplantadora das velhas abordagens explicati-


vas do mundo (GIDDENS, 2005, pp. 430-432).

O filósofo alemão F. Hegel (1770-1831) foi um dos primeiros pensadores a


relacionar protestantismo e modernidade. Para Hegel o aparecimento do
cristianismo foi um dos pontos altos do desenvolvimento da liberdade na
história da humanidade. Isso se deve à ênfase cristã segundo a qual a inte-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

rioridade é a verdadeira morada do espírito divino. Nisso, os cristãos teriam


ultrapassado os gregos e os romanos. Entretanto, a liberdade subjetiva, as-
sinalada pelo surgimento do cristianismo, rapidamente cedeu lugar ao regi-
me da autoridade eclesiástica, que caminhou para a decadência espiritual.
Fonte: Ferreira (2010, p. 119).

O teólogo Ernst Troeltsch, em uma publicação de 1911 sobre A Igreja na vida do


presente, dedica boa parte do seu balanço para contrariar a tese de Simmel. “Para ele,
as igrejas cristãs encontravam-se diante de uma crise de grandes proporções, mas
não num beco sem-saída histórico” (DA MATA, 2008, p. 248). Troeltsch apresenta
um panorama no qual afirma que nos países latinos ainda se destacava uma espécie
de catolicismo centralizador, rígido e influenciado por Roma. Nos países anglófo-
nos, especificamente Inglaterra e Estados Unidos, mesmo com toda a indiferença
e ceticismo frutos da expansão do individualismo moderno, as igrejas continu-
avam a desfrutar da condição de “grandes forças social-históricas” (DA MATA,
2008, p. 249). Por outro lado, se na França a separação entre igreja e Estado havia
sido radical, na Alemanha a relação entre Estado e igreja havia se tornado indisso-
ciável, a ponto que “um subtenente não-batizado é algo tão impossível como um
condutor de trem laico” (TROELTSCH, 1979, p. 162, 163). Da Mata acrescenta que
A essa diversidade de situações se sobrepõe ainda uma clivagem segun-
do os diversos estratos sociais. Troeltsch reconhece que trabalhadores
socialdemocratas, intelectuais e pessoas pertencentes aos meios artísti-
cos e burgueses estavam já de todo afastados das Igrejas. Não era o caso,
porém, do campesinato, pequeno-burgueses, aristocracia e classes diri-
gentes (Da Mata, 2008, p. 249).

O Futuro do Cristianismo na Modernidade


42 UNIDADE I

Troeltsch já havia afirmado que uma das contribuições importantes do protes-


tantismo teria sido o individualismo religioso. E para ele, seria por conta desse
individualismo, como já havia acontecido na Alemanha do começo do século
XX, que se desenvolveu um verdadeiro culto à comunidade, que era “de se espe-
rar uma expansão crescente das seitas” (TROELTSCH, 1979, p. 165). Tais seitas,
moldadas de acordo com as expectativas individuais, permitiram às igrejas se
adequarem, minimamente, às demandas da vida moderna. Por isso, segundo Da
Mata (2008, p. 249) “para Troeltsch seria precipitado falar de uma morte lenta
das Igrejas e do cristianismo”. Inclusive, o teólogo alemão afirmava o contrário:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“não é inimaginável que mesmo na modernidade venha a se produzir uma forte
reação religiosa” (TROELTSCH, 1979, p. 166).

Weber e Troeltsch definiram um modo de classificar as organizações religio-


sas no início da modernidade. Eles traçaram uma distinção entre as igrejas
e as seitas. Uma igreja é um organismo grande e bem estabelecido – como
a Igreja Católica ou a Igreja Anglicana. Uma seita é um agrupamento menor
de fiéis, não tão organizado, geralmente iniciado em sinal de protesto con-
tra o que a igreja se tornou – como fizeram os calvinistas ou metodistas. Em
1950, o sociólogo norte-americano Howard Becker aprimorou e ampliou os
conceitos dos sociólogos alemães com outros dois tipos: denominação e
culto. Uma denominação é uma seita que se “acalmou” e se transformou em
um organismo institucionalizado. Os cultos geralmente são formados em
torno de um líder inspirador e seguem teorias específicas ou tipos de com-
portamentos determinados.
Fonte: Giddens (2005).

A questão que se coloca na modernidade, em face de uma cultura religiosa cres-


centemente individualizada e individualista, com suas instituições eclesiásticas
cerceadas em suas possibilidades, é: quais seriam as possibilidades futuras do
cristianismo? Troeltsch concentra seu olhar sobre um novo tipo, que ele deno-
mina “livre-cristianismo”.

CRISTIANISMO E MODERNIDADE
43

Em primeiro lugar, ele substitui a associação eclesiástico-autoritária


por um senso de interioridade constituído livre e individualmente
a partir da força da solidariedade tradicional; em segundo lugar, ele
transforma a antiga ideia cristã fundamental de regeneração milagrosa
de uma humanidade mortalmente infectada pelo pecado numa ideia
de elevação [espiritual] salvadora e de libertação da personalidade por
intermédio da adoção, a partir de Deus, de uma vida individual mais
elevada (TROELTSCH, 1911, p. 167).

Diante dessa hipótese, é importante destacar que Troeltsch não acredita na pos-
sibilidade de uma transformação radical do cristianismo e menos ainda em um
refluxo definitivo do religioso. Uma síntese religiosa abrangente, totalizante,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

capaz de conferir um sentido último e integral à existência, parece-lhe igual-


mente improvável. Da Mata, destaca que para o teólogo alemão “se algo, porém, é
capaz de aproximar-se desse ideal, seria o livre-cristianismo. Suas chances advêm
de um ideal de divindade profético-cristão que não teria sido inviabilizado pela
modernidade” (DA MATA, 2008, p. 250).
O cristianismo fatalmente assumirá novas formas, mas isso não quer dizer
que seu lugar no Ocidente se tornará periférico. Uma eventual dissociação entre
um e outro só pode realizar-se completamente quando não mais houver Ocidente:
“É loucura acreditar que possa haver uma nova religião numa época tão profun-
damente enraizada no cristianismo e em forças religiosas que com ele mantêm
algum parentesco, como as da Antiguidade” (TROELTSCH, 1911, p. 175).
Esta análise vinda de um teólogo que se preocupou em entender o fenô-
meno da modernidade em sua relação com a religiosidade estará, de certa forma,
imbricada no próprio desenvolvimento da teologia a partir da modernidade.
A teologia liberal alemã do final do século XIX e das duas décadas iniciais do
século XX dialogará com essas questões. A própria teologia fundamentalista ao
ser renovada pelo evangelicalismo terá que se preocupar com estas questões seja
para refutá-las ou superá-las, mas jamais ignorá-las.
A força da teologia em superar a crise de identidade no cristianismo moderno
se dará pela capacidade de dialogar com os pontos explorados pelos pensadores
da sociologia e, especialmente, com Ernst Troeltsch.

O Futuro do Cristianismo na Modernidade


44 UNIDADE I

Caro(a) aluno(a), depois de tudo o que você leu e pesquisou até aqui, reflita
sobre o que diz Sérgio da Mata: “Tal como o homem de ciência, o homem re-
ligioso contemporâneo está marcado pela exigência de autonomia intelec-
tual. Também ele vive à procura de respostas, no entanto, está condenado
a fazê-lo sozinho. De modo que, na construção de suas próprias convicções
religiosas, o caminho do indivíduo tende a ser extra-eclesiástico”.
(Sérgio da Mata)

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.







CRISTIANISMO E MODERNIDADE
45

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), nesta unidade nossa proposta foi levar você a compreender o
surgimento da modernidade e suas implicações para o cristianismo. Aprendemos
que a modernidade levantou muros que distanciaram o pensamento crítico oci-
dental da teologia escolástica medieval, o que, em certa medida, favoreceu o
projeto do protestantismo que surgiu no século XVI em um ambiente preparado
pelo Iluminismo e pelo racionalismo. Todavia, vimos também que o conceito
de mundo moderno, entre os primeiros pensadores da sociedade, prescinde de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

qualquer aspecto religioso e busca dotar o ser humano de uma capacidade indi-
vidual para o seu desenvolvimento.
Esse individualismo religioso foi duramente criticado pelo catolicismo que
não apenas procurou se contrapor aos ideais da Reforma Protestante, tendo
procurado recuperar a teologia medieval, escolástica, negando ser o mundo
moderno a ênfase que a Igreja deveria buscar e viver. Em oposição a essa situ-
ação, o protestantismo foi percebido por filósofos e pensadores da sociedade
como a representação por excelência do mundo moderno, em face do seu racio-
nalismo ou do próprio individualismo religioso que, na visão deles, pregaria.
Não obstante, há críticas também sobre a antimodernidade do protestantismo,
especialmente para conter um certo ufanismo de teólogos que viam a sua supe-
rioridade sobre o catolicismo.
O mundo moderno obrigatoriamente exigiu do cristianismo muito mais do
que os dezoito séculos anteriores. Colocada na berlinda, a religião cristã necessi-
tou se autoavaliar a partir dos seus próprios pressupostos teológicos, eclesiásticos
e cristológicos. É exatamente nesse ponto que a Teologia assume sua posição
de fazer reviver o “ser cristão” no mundo moderno. Novas abordagens, novos
métodos e uma nova razão de existir e crer farão o renascimento da Teologia e
a tratarão como a porta-voz do cristianismo a partir de então.

Considerações Finais
46

1) Qual foi a contribuição negativa do Humanismo Renascentista sob o ponto de


vista da Teologia?
2) A Reforma Protestante também pode ser considerada como um movimento
cultural, institucional, social e político. Justifique essa afirmação.
3) Para Max Weber, o mundo moderno se origina como um imenso processo de
racionalização da vida e de desencantamento do mundo. Onde estaria, se-
gundo ele, a origem desse processo de racionalização?
4) Os dogmas que a Teologia neo-escolástica fez aparecer no catolicismo são uma
resposta a quais efeitos da modernidade?
5) Para o teólogo Ernst Troeltsch, a modernidade inviabilizou não a religião, mas
toda e qualquer possibilidade de reerguer uma “civilização eclesiástica”. Você
concorda com essa afirmação? Justifique.
47

O CRISTIANISMO E O MUNDO MODERNO


“Em que pese a vitalidade da religião, para Troeltsch não parece haver nenhuma gran-
de novidade no multifacetado universo da religiosidade extra-eclesiástica. Há ali um
pouco de tudo: uma fé cristã interiorizada e, ao mesmo tempo, intimamente articulada
com o ideário moderno; um idealismo ético de extração kantiana-fichteana, mesclado
com elementos das doutrinas de Goethe e Hegel; um sincretismo radical em que cabem
princípios religiosos das mais distintas tradições; comunidades espíritas e ocultistas nas
quais antigos cultos aos espíritos são revividos; uma volátil religião artificial (freischwe-
bende Kunstreligion) que procura mesclar fruição estética e experiência da natureza;
reavivamentos pessimistas e salvacionistas que se articulam antes ao budismo que ao
cristianismo; uma ânsia de religião sem expressão sociológica coerente e que, entretan-
to, recua diante de toda e qualquer ideia “religiosa”; um pensamento cristão que se am-
para unicamente na certeza íntima da revelação divina, que a constrói por intermédio
da história e que aposta numa renovação ética da personalidade individual e coletiva
com base na crença em tal revelação (...). Some-se a esse quadro a costumeira indife-
rença religiosa dos meios intelectuais e o ateísmo. Troeltsch percebe, como Dostoiévski,
em que medida uma postura antirreligiosa pode dar origem a religiões de substituição.
A socialdemocracia alemã, afirma ele, encontra seu correlato da doutrina do pecado
original na ideia de perversidade da sociedade burguesa, sua doutrina da salvação e
seu além-mundo na projeção de uma forma estatal que haverá de vir no futuro, e seu
substituto para Deus na crença em um progresso racional e inexorável. Se Troeltsch não
nega que o mundo contemporâneo se encontra em meio a uma “grave crise religiosa”,
esta, aos seus olhos, nada tem de definitiva ou irreversível. Herdeiro intelectual da “es-
cola da história da religião” (Religionsgeschichtliche Schule) dos seus tempos na Univer-
sidade de Göttingen , ele se coloca na contracorrente dos arautos da inevitabilidade do
processo de secularização e da “morte de Deus”. Uma análise histórica demonstraria, na
verdade, que “uma época fundamentalmente determinada por ideias religiosas é suce-
dida, no movimento pendular do tempo, por outra essencialmente mundana e débil em
termos religiosos” (...).
Seriam duas as formas básicas de cristianismo disponíveis: de um lado, o eclesiástico
(Troeltsch refere-se aqui tanto às igrejas como às seitas) e, de outro, um cristianismo
amalgamado com inúmeros elementos da cultura moderna. “Nenhum outro desen-
volvimento futuro é imaginável”, acredita ele. Como suas análises se limitam aos conti-
nentes europeu e norte-americano, e num momento em que a diversidade do campo
religioso ocidental se dava primordialmente no interior da tradição cristã, há que reco-
nhecer a limitada aplicabilidade do seu diagnóstico à nossa época e contexto próprios.
Não obstante, desde que tenhamos essas limitações em mente, as reflexões de Troeltsch
permanecem válidas em muitos dos seus postulados centrais.
A história espiritual e religiosa dos últimos séculos deu origem a uma cultura religiosa
que, mais cedo ou mais tarde, tende a repudiar o autoritarismo eclesiástico – tanto o
48

católico como o protestante. Tal cultura leva “à superação das igrejas e de suas autori-
dades sobrenaturalmente reveladas” (...), na medida em que indivíduo e imanência se
tornam conceitos centrais. Por outro lado, Troeltsch estava consciente do fato de que
na contemporaneidade não há mais espaço para monopólios. Quem diz modernidade,
diz pluralização: “pertence à essência do próprio mundo espiritual moderno produzir
as mais distintas correntes de ideias” (...). Tentativas de reconstituir um domínio total da
religião sobre a vida estariam invariavelmente fadadas ao fracasso: “Acabou o mundo
eclesiástico da Idade Média, com sua autoridade, seu supranaturalismo e sua cosmo-
visão filosófica da natureza e da história, sua antropologia e sua psicologia, seus livros
[divinamente] inspirados e suas tradições sagradas” (...).
Haveria, nesse caso, uma oposição insuperável entre modernidade e cristianismo? Nada
mais falso: “Os adeptos do cristianismo têm de aprender a ver no mundo moderno, em
grande parte, um produto do cristianismo; os inimigos do cristianismo precisam con-
vencer-se de que o mundo moderno pode ser emancipado do cristianismo apenas em
relação a alguns aspectos, mas nunca em sua totalidade” (...). De maneira que para o teó-
logo Troeltsch a postura mais apropriada não poderia consistir numa negação radical da
modernidade (como insistia em fazer a Igreja Católica), mas na identificação cuidadosa
daquilo que porventura representasse uma ameaça real, bem como na busca de estraté-
gias apropriadas para lidar com tais “perigos”. O que ele propõe é um meio-termo entre
reação inteligente e acomodação. Mas fica-nos a suspeita, ao fim, de que seu estudo re-
velou um complexo de forças de tal magnitude que o homem ocidental está, por assim
dizer, condenado a ser moderno: “Somos filhos do tempo e não senhores do tempo, e
somente a partir dele é que podemos agir” (...).”
Fonte: Da Mata (2008, p. 241-243).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Protestantismo e Modernidade no Brasil. Da utopia à


nostalgia.
Valdinei Ferreira
Editora: Reflexão
Sinopse: Este livro tem o protestantismo e suas relações com a
modernidade como seu tema central. É pressuposto nessa análise que o
protestantismo se constitui num tipo de religião que se desenvolve em estreita articulação com a
modernidade. Todavia, nenhum tipo de protestantismo é completamente moderno ou antimoderno,
uma vez que, no interior dessa forma específica de religião, são reproduzidas contradições
semelhantes àquelas encontradas, na própria modernidade, entre as diferentes modalidades de
racionalidade. O protestantismo, com suas diferenciações internas, oferece à modernidade respostas
religiosas diferenciadas. No Brasil, a relação entre protestantismo e modernidade é bastante complexa
e sujeita a muitas transformações ao longo do século XX. Busca-se neste livro, sob a perspectiva
sociológica, trazer à luz um pouco dessa complexidade.

Meu Tio (Mon Oncle)


Jacques Tati, cineastas francês, criador do célebre Monsieur Hulot,
trouxe em 1958 o filme Meu Tio (Mon Oncle), que retrata o cotidiano
de uma França recém-saída dos difíceis tempos de guerra e que se via
envolta em um processo de modernização e industrialização. Nesse
cenário, o filme de Jacques Tati é uma crítica à chamada modernidade
que invadia uma Europa em reconstrução no pós-guerra, marcada
pela influência dos Estados Unidos em diversos campos, como na arquitetura, na decoração, e
no próprio estilo de vida do povo francês desse período. No filme de Tati, fica claro esse avanço
da modernidade sobre o que pode ser considerado como tradicional francês, o que não significa
que a França ainda não “modernizada” pelo American Way of Life deixou de existir, ela está lá,
barulhenta, cheia de cores, cheia de vida, desorganizada, bem ao lado dessa França moderna, que
se prepara para a industrialização, a padronização e as cores sóbrias da modernidade.

Este artigo trata das relações entre a religião, modernidade e secularização vistas de maneira
interligadas na reflexão sociológica. Neste contexto, é possível situar algumas considerações
sobre a relevância social da religião no mundo de hoje e seus questionamentos.
Web: <http://www.fumec.br/revistas/mediacao/article/view/1246>

Material Complementar
REFERÊNCIAS

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GABARITO

1) O Humanismo Renascentista foi um movimento importante na história da hu-


manidade. Entretanto, podemos dizer que ele foi responsável por erguer o pri-
meiro muro contra a teologia: a elevação do ser humano em detrimento de
Deus. Costa (2004, p. 69) explica que se o homem estava convencido de sua
própria grandeza e capacidade, sendo por si só o fim de tudo, o resultado óbvio
é o reconhecimento de que o humanismo renascentista destruiu a dignidade
do ser humano como imagem de Deus.
2) Estabelecendo pontes com a modernidade, a Reforma contribuiu decisivamen-
te nas seguintes áreas, segundo Costa (2004): 1) na propagação das Escrituras,
com a tradução da Bíblia para as diversas línguas, permitindo que as pessoas
comuns tivessem acesso às verdades divinas; 2) na educação, como consequ-
ência da primeira, visto que um dos problemas enfrentados pelos reformadores
foi o analfabetismo das massas. Nesse ponto, destacam-se as figuras de impor-
tantes personagens, como: Lutero, João Calvino e João Amós Comênius; 3) no
trabalho, ao banir a ideia de que o trabalho se constituía numa tortura imposta
ao homem após a Queda, e ao recuperar o ideal de que o trabalho é uma voca-
ção e bênção divina (que irá influenciar o pensamento sociológico da ética do
capitalismo, segundo Max Weber).
3) Max Weber analisa o desenvolvimento das sociedades ocidentais e o surgimen-
to do moderno capitalismo industrial como um imenso processo de raciona-
lização da vida e de desencantamento do mundo. E a origem desse processo
de racionalização do capitalismo moderno está no puritanismo, motivado pela
ação racional com relação a valores e, no caso do trabalho, com relação a fins.
4) O surgimento dos dogmas do catolicismo são uma resposta à crítica da religião.
Levando em conta todo este quadro contextual, é possível compreender a crí-
tica moderna da religião como um longo processo que, em primeira instância,
envolveu filósofos e literatos, e posteriormente abarcou sociólogos, psicólogos,
antropólogos e, até mesmo, teólogos. Assim, a autoridade romana fez renascer
a Teologia escolástica, chamada de neo-escolástica, para combater a crítica que
vinha sofrendo, inclusive de teólogos católicos chamados de modernistas.
5) Troeltsch afirma que a modernidade inviabilizou não a religião, mas toda e
qualquer possibilidade de reerguer uma “civilização eclesiástica”, para desta-
car que a ideia de uma nação regida e governada por princípios eclesiásticos
não será possível a partir da modernidade. Ao concordar com essa afirmação, o
aluno deverá justificar a problemática que envolve uma civilização regida por
elementos religiosos. Um exemplo seria os Estados Unidos, uma nação que nas-
ceu sob a orientação eclesiástica, mas que se secularizou e tornou-se a maior
potência do mundo moderno.
Professor Dr. Sérgio Gini

A TRANSIÇÃO PÓS-

II
UNIDADE
MODERNA

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as possibilidades de exame da transição da modernidade
para a pós-modernidade e seus impactos para a compreensão da
Teologia no mundo contemporâneo.
■ Analisar as rupturas do mundo moderno que possibilitaram novas
formas de abordagem de antigos problemas e as dificuldades de
conceituação do que seria o mundo pós-moderno.
■ Conceituar a pós-modernidade como uma cadeia de eventos
bastante complexos que precisam ser entendidos de maneira
minuciosa nas diferentes áreas do conhecimento.
■ Analisar os pressupostos que levaram a Teologia Moderna a se
transformar em uma Teologia Pós-Moderna.
■ Apresentar as possíveis chaves de interpretação do mundo pós-
moderno pela Teologia.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Caminho sem volta
■ Da modernidade à pós-modernidade: percalços conceituais
■ O que é pós-modernidade
■ A transição da Teologia para a pós-modernidade
■ A hermenêutica teológica na pós-modernidade
55

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), nesta unidade veremos como se deu a transição da moderni-


dade para a pós-modernidade. Você verá que, enquanto a modernidade foi se
construindo e se constituindo desde o final do século XV até conseguir de fato
se tornar uma referência com o advento do moderno capitalismo industrial,
entre os séculos XVIII e XIX, a pós-modernidade surge como conceito na pri-
meira metade do século XX e vai se afirmar enquanto ideologia após a Segunda
Guerra Mundial, sem, contudo, ganhar o estatuto teórico de ser reconhecida.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Afinal, a pergunta sobre o que é ser pós-moderno é uma das mais inquietantes
indagações até os dias atuais.
Se do ponto de vista das ciências sociais há uma linha tênue que divide a
modernidade da pós-modernidade (o consenso é que a questão das identida-
des é a principal delas), na Teologia essa linha nem aparece. Toda a produção
teológica dos séculos XVIII e XIX dialoga intimamente com o que se produziu
até os anos 1950 do século XX, esforçando-se para firmar a modernidade como
referencial de análise em contraposição ao medievalismo ou neoescolasticismo.
Todavia, esse esforço vez ou outra aparece não surtir os seus efeitos, especial-
mente, quando surge uma contracorrente para frear as concepções mais liberais,
individuais, existenciais e racionalistas da Teologia moderna.
Compreender esse ponto de transição será a nossa tarefa nesta unidade.
As rupturas com o mundo moderno vieram com as novas formas de abordar
antigos problemas que a Teologia moderna não deu conta de resolver, fazendo
surgir assim uma chave interpretativa diversa daquela que os principais teólogos
do século XIX e início do século XX trabalharam. Em muitos casos, a Teologia
pós-moderna dispensa inclusive esse conceito hermenêutico, pois as chaves
interpretativas estariam comprometidas com uma visão de mundo destoante do
mundo atual, no qual tudo é “líquido”. Aproveite esta unidade!

Introdução
56 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
CAMINHO SEM VOLTA

Caro(a) aluno(a), o ponto de ruptura com o pensamento antigo e com a velha


forma de pensar e fazer teologia teve início em 1920. Este é considerado, por
todos os historiadores da teologia, o ponto de partida para um novo cenário que
começou a tomar forma quando o moderno mundo capitalista já havia se con-
solidado. Todavia, aquele rompimento ainda hoje apresenta desdobramentos,
provoca reações, desvios e becos sem saída.
Há quem diga que seria correto afirmar que “teologia se faz a lápis” (MILLER
& GRENZ, 2011, p. 9). Ou seja, a teologia pode mudar, transformar-se, adequar-
-se a uma época, ou até mesmo corrigir suas hipóteses, seja pela descoberta de
novas fontes de pesquisas, novos métodos ou técnicas de estudos mais aprofun-
dados. Desse modo, não existe e nunca existiu uma teologia. Em seu esforço para
compreender Deus e sua revelação ao ser humano, a teologia acabou se desdo-
brando em muitas “teologias”. Entretanto, com o fim da teologia moderna ou do
liberalismo teológico (daí nosso marco temporal de 1920), a diversidade de “teo-
logias”, especialmente no contexto protestante, tem sido considerável.
Nos termos que já vimos na primeira unidade, a modernidade é devedora do
Iluminismo no sentido de ampliar as formas do pensamento racional, lógico e, prin-
cipalmente, contrários ao Antigo Regime. Por causa disso, a teologia protestante,
diferentemente da teologia católico romana ou da ortodoxa oriental, mostrou-
-se aberta às influências das novas correntes de pensamento iluminista e dos que
vieram posteriormente (McGRATH, 2005, p. 126). Pelo menos três fatores expli-
cam essa constatação: 1) a liberdade intelectual aos pensadores protestantes por

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
57

conta de não haver uma estrutura centralizada de poder nas igrejas protestantes.
“Intelectuais protestantes, portanto, experimentaram um grau de liberdade aca-
dêmica que foi negado, até bem pouco tempo, a seus colegas católicos romanos.
Logo, o espírito de liberdade criativa (...) expressou-se sob a forma de uma criati-
vidade teológica e originalidade que eram praticamente impossíveis aos demais”
(McGRATH, 2005, p. 126); 2) o espírito de protesto que caracterizou o início dos
movimentos luterano e reformado encorajou um espírito de questionamento crítico
em relação ao dogma cristão; 3) a importância da educação superior na educa-
ção dos ministros protestantes, tendo como exemplo a Academia de Genebra e a
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Faculdade de Harvard. As universidades de teologia que foram fundadas pelas igre-


jas luteranas e reformadas da Alemanha se transformaram em centros de revolta
contra o Antigo Regime (McGRATH, 2005, p. 127).

Chama-se de Antigo Regime ao modo de constituição e organização políti-


ca das populações europeias durante os séculos XVI, XVII, e XVIII, isto é, des-
de as descobertas marítimas até às revoluções liberais. Coincidiu politica-
mente com as monarquias absolutas, economicamente com o capitalismo
social e socialmente com a sociedade de ordens. Especificamente o termo
Antigo Regime é muito utilizado para se referir ao sistema social e político
aristocrático que foi estabelecido na França.
Fonte: Tocqueville (2017).

As influências do Iluminismo sobre a teologia tiveram grande impacto até a


Revolução Francesa. Após essa época, uma série de desdobramentos distan-
ciou a teologia cristã protestante tanto do Iluminismo, quanto do programa
da Revolução, embora suas influências tenham se mantido em alguns pontos.
Dentre os movimentos teológicos que contribuíram para a afirmação da teologia
na modernidade, e que irão influenciar a nova teologia pós-moderna, podemos
considerar, em especial, três deles: o romantismo, o liberalismo protestante e a
neo-ortodoxia. Não é nossa intenção esmiuçar cada movimento teológico, pois
nosso objeto principal é a transição da modernidade para a pós-modernidade.

Caminho sem Volta


58 UNIDADE II

Contudo, é importante verificarmos seus principais pressupostos, pois fazem


parte do caminho sem volta até a contemporaneidade.
O racionalismo, outrora tão endeusado pelos pensadores iluministas e
endossado pelos pensadores protestantes, pouco a pouco foi sendo alvo de uma
preocupação constante: a razão, outrora libertadora, passou a ser considerada como
algo espiritualmente escravizante. Dois irmãos alemães são os mais influentes pen-
sadores protestantes que irão demonstrar as preocupações com esse tema já no
final do século XVIII: Friedrich (1772-1829) e August Wilhelm Schlegel (1767-
1845). O movimento que eles lideraram passou a ser chamado de romantismo. A

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crítica maior dos românticos era contra a alegação “de que a realidade pudesse ser
apreendida pela razão humana. Essa redução da realidade a uma série de racio-
cínios simplistas, parecia, aos românticos, uma distorção censurável e grosseira”
(McGRATH, 2005, p. 133). De fato, nos pontos em que o Iluminismo apelava à
razão humana, o romantismo fazia um apelo à imaginação humana, admitindo o
senso de mistério derivado de que a mente humana não pode nem sequer compre-
ender o finito quanto mais o infinito. Somava-se à crítica o fato do racionalismo
ter falhado em sua tentativa de enfraquecimento da religião, gerando suas corrente
contrárias: o pietismo alemão e o evangelicalismo inglês, ambos no século XVIII.
O teólogo que irá dar a maior contribuição nesse cenário de crescente decep-
ção em relação ao racionalismo e à valorização inédita do sentimento humano será
o alemão Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834). Segundo McGrath
(2005, p. 135), “Schleiermacher alegava que a religião em geral e o cristianismo
em particular eram uma questão de sentimento ou de ‘consciência pessoal’”. A
grande obra de Schleiermacher, Christian faith (de 1821 e revista em 1834), é
um tratado de teologia sistemática que tenta demonstrar a maneira como a teo-
logia cristã se encontra vinculada a um sentimento de “absoluta dependência”.
A obra do teólogo alemão irá influenciar mais de uma geração e será reinterpre-
tada a partir dos pressupostos pós-modernos.
O segundo movimento que mais contribuiu para a afirmação da teologia na
modernidade e que também foi ponto de partida para a teologia pós-moderna,
é o protestantismo liberal. Embora conhecer suas origens seja muito complexo,
fica mais fácil compreendê-lo se considerarmos como seu ponto de partida a rea-
ção à teologia elaborada por Schleiermacher, especialmente no que diz respeito

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
59

à sua ênfase no “sentimento humano”. O protestantismo liberal também surgiu


na Alemanha, na metade do século XIX, em meio à uma perspectiva crescente
de que a fé e a teologia cristãs necessitavam ser revistas à luz do conhecimento
moderno (McGRATH, 2005, p. 138).
McGrath aponta que:
Desde o início, o movimento liberal se comprometeu a lançar pontes
para suprir a lacuna que havia entre a fé cristã e o conhecimento moder-
no. Era necessário que o programa liberal apresentasse um grau signifi-
cativo de flexibilidade em relação à teologia cristã tradicional. Seus prin-
cipais escritores alegavam que essa renovação dogmática era essencial,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

se o cristianismo tinha a pretensão de continuar sendo uma opção inte-


lectual viável em meio ao mundo moderno. Por essa razão, eles exigiram
um certo grau de liberdade, por um lado, quanto ao legado doutrinário
do cristianismo e, por outro lado, quanto aos tradicionais métodos de
interpretação bíblica. Naqueles pontos em que os métodos clássicos de
interpretação bíblica ou os dogmas tradicionais parecessem ameaçados
pelos avanços do conhecimento humano, era imperativo que fossem des-
cartados ou reinterpretados, para que se alinhassem àquilo que agora se
sabia a respeito do mundo. (McGRATH, 2005, pp. 138, 139).

Por conta dessa mudança de direção da teologia cristã protestante, muitos dog-
mas cristãos vieram a ser considerados ultrapassados em comparação com as
normas culturais modernas. Na verdade, os dogmas cristãos receberam dois tipos
de tratamento: ou foram abolidos, pois se baseavam em pressupostos ultrapas-
sados ou equivocados (a doutrina do pecado original é um exemplo) ou foram
reinterpretados de uma forma mais adequada ao espírito da época (houve um
grande impacto na cristologia, especialmente sobre a sua divindade).
Um dos expoentes do protestantismo liberal foi o teólogo alemão Albrecht
Ritschl (1822-1889), que enfatizou a visão ética da religião cristã que levaria o
mundo a novos estágios de progresso e prosperidade. Foi um ardoroso defen-
sor da prática da caridade e da comunhão entre as pessoas como testemunho da
evolução do ser humano, tal como aconteceu com Jesus. Críticos da teologia do
protestantismo liberal o chamam comumente de “protestantismo cultural” por
ser demasiadamente dependente das normas culturais de aceitação da época.
Talvez o teólogo mais influente do protestantismo liberal seja o alemão Paul
Tillich (1886-1965), que alcançou fama nos Estados Unidos nos últimos dez
anos de vida. Influenciado pela filosofia existencialista (Tillich se considerava

Caminho sem Volta


60 UNIDADE II

um existencialista cristão), o programa teológico de Tillich destacava que a fun-


ção da teologia moderna era estabelecer um diálogo entre a cultura humana e a
fé cristã. Ele denominou isso de “método da correlação”. Para Tillich,
A vida política, científica e artística de todas as culturas é reflexo de uma
situação existencial e de uma preocupação última, seja ela digna ou idó-
latra. Disse se segue (...), que a expressão da mensagem cristã deve ser
traduzida para uma situação cultural específica em consonância com as
questões existenciais que tal situação propõe. (...) A teologia oscila entre
dois pólos, o da verdade eterna do seu fundamento e o da situação tem-
poral na qual essa verdade é recebida (MILLER & GRENZ, 2011, p. 70).

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Embora duramente criticado, em especial por acreditar na evolução do ser humano
rumo a uma ética universal, o que foi rechaçado com as duas guerras mundiais, e por
estar disposto a sacrificar doutrinas distintivamente cristãs, na tentativa de tornar o
cristianismo aceitável aos olhos da cultura contemporânea, o protestantismo liberal
viveu seu apogeu nas décadas de 1970 e 1980, especialmente nos Estados Unidos.
Com isso, grande parte das teologias pós-modernas são devedoras do liberalismo.

O termo liberalismo passou a ter um novo sentido que, com frequência, car-
rega em si matizes de desconfiança, de hostilidade ou de impaciência em re-
lação aos tradicionais dogmas e doutrinas cristãs. Isso pode ser nitidamen-
te notado pelo uso popular do termo, no qual se incluem, em geral, ideias
como a negação da ressurreição ou da singularidade da pessoa de Cristo.
Fonte: McGRATH (2005, p. 141) .

O terceiro movimento teológico que influenciou a modernidade e a lançou


na pós-modernidade foi a neo-ortodoxia. Vista como uma resposta à teologia
antropocêntrica de Schleiermacher e aos valores humanos da teologia liberal, a
neo-ortodoxia irá enfatizar o aspecto referente à “diversidade” de Deus.

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
61

O expoente da neo-ortodoxia é o teólogo suíço Karl Barth (1886-1968) em


sua obra máxima, e incompleta, Church dogmatics. O tema central de sua obra
é a necessidade de levar a sério a forma como Deus se revelou em Cristo, por
intermédio das Escrituras. Sua teologia é também chamada de “dialética” por
enfatizar a relação dialética que existiria entre Deus e a humanidade, uma con-
tradição ao invés de uma continuidade. Ao destacar a revelação nas Escrituras,
Barth define a “teologia da Palavra de Deus” como
uma disciplina que busca manter a fidelidade da proclamação feita pela
antiga igreja cristã, no que diz respeito ao seu fundamento em Jesus Cris-
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to, de acordo com o que nos tem sido revelado nas Escrituras. A teologia
não representa uma resposta à condição humana ou às indagações hu-
manas; a teologia é uma resposta à Palavra de Deus, a qual exige uma
resposta em razão de sua natureza intrínseca. (McGRATH, 2005, p. 145).

A teologia de Barth é chamada de neo-ortodoxia em virtude de uma afinidade


existente entre sua obra e as obras do período da ortodoxia reformada, mais espe-
cificamente aquelas do século XVII. Karl Barth recuperou e trouxe para o cenário
do século XX vários autores reformados ao estabelecer uma espécie de diálogo
com eles. A neo-ortodoxia também será fundamental nesse caminho sem volta
do fazer teologia entre a modernidade e a pós-modernidade.

Pense em como a modernidade propiciou uma série de expansões do pen-


samento teológico e reflita sobre a importância disso na pós-modernidade.
(O autor)

A teologia, ou teologias, protestante da modernidade preparou o campo intelec-


tual para o avanço da teologia pós-moderna, em especial, pelo fato de pregar o
abandono sistemático e deliberado das narrativas centralizadoras. É o que vere-
mos nos tópicos a seguir.

Caminho sem Volta


62 UNIDADE II

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DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE:
PERCALÇOS CONCEITUAIS

Caro(a) aluno(a), na unidade anterior vimos que a pós-modernidade tornou-se


um caminho sem volta quando falamos de teologia. Entretanto, há uma ampla
e longa discussão em torno do termo pós-modernidade, especialmente quando
se trata se estamos ou não em um mundo pós-moderno. Para alguns autores, o
uso desse termo invariavelmente implica em dizer que a modernidade acabou,
o que seria impossível haja visto que ainda nem sabemos ao certo o que seria a
modernidade; para outros significaria apenas um movimento de ruptura e con-
tinuidade, sem ser, de fato, um novo período histórico.
De toda forma, a teologia avançou muito nas brechas que foram abertas pela
sua vertente moderna e, aproveitando-se dessas rupturas, avançou a partir da
segunda década do século passado com novas formas de abordagem de antigos
problemas sobre os quais a teologia se debruçou. Em que pese os contratempos de
conceituação do que seria pós-moderno, a teologia buscou o fim das interpreta-
ções fixas e absolutas, abandonando sistemática e deliberadamente as narrativas
centralizadoras. Nosso intuito é tentar interpretar isso a partir de agora.
O teólogo anglicano Alister McGrath enfatiza que, de modo geral, a pós-
-modernidade seria
Algo relacionado a uma sensibilidade cultural livre de absolutos, de cer-
tezas ou de fundamentos fixos, que aprecia o pluralismo e as diferenças,
assim como visa à reflexão por meio da ‘contextualização’ radical de todo
pensamento humano. Sob cada um desses aspectos, pode-se considerá-
-lo como reação consciente e deliberada de oposição à perspectiva ilumi-
nista baseada na universalidade (McGRATH, 2005, p. 150).

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
63

Entretanto, a conceituação do termo e sua aplicabilidade científica são controver-


sos como já expusemos acima. O sociólogo inglês Mike Featherstone escreveu no
início dos anos 1990 uma obra que enfatiza o aspecto de uma nova sociedade de
consumo e a relaciona com o que seria a pós-modernidade. Todavia para ele não
há uma explicação do que seria a pós-modernidade ou pós-modernismo, excetuan-
do-se o fato de que houve um grande interesse das ciências humanas em trabalhar
com esse novo termo que se transformou em uma imagem cultural influente e
poderosa. O autor inglês brinca com isso ao utilizar o verbete “pós-modernismo”
que teria saído no Dicionário Contemporâneo das Ideias Assimiladas: “essa palavra
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não tem sentido; use-a sempre que for possível.” (FEATHERSTONE, 1995, p. 17).

Na verdade, nunca foi publicado um Dicionário Contemporâneo das Ideias


Assimiladas. Mike Featherstone utiliza de forma jocosa uma tentativa de ex-
plicação para o tema que foi publicada no jornal londrino Independent na
edição de 24 de dezembro de 1987.
Fonte: o autor.

A ideia de ruptura com a modernidade tem sido a mais utilizada e apreciada pelos
cientistas sociais, especialmente pelo fato de que ela perpassa de forma totalmente
diferente vários campos do conhecimento, como por exemplo em comparação
da linguagem com a economia ou entre a cultura e a política. Ferreira (2010, p.
53) informa que, no âmbito da economia, para descrever a série de mudanças
que ocorreu no mundo do trabalho a partir dos anos 1960, “foi cunhado, em
1967, o termo sociedade pós-industrial”.
Daniel Bell criou o termo sociedade pós-industrial para indicar, no
caso dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos, a transição
de uma economia na qual a maior parte dos empregos se encontrava no
setor de serviços, principalmente nos serviços relacionados com saúde,
educação e lazer, pesquisa e administração. As indústrias continuam a
existir, mas por conta da revolução tecnológica geram cada vez menos
empregos diretos (FERREIRA, 2010, p. 53).

Da Modernidade à Pós-Modernidade: Percalços Conceituais


64 UNIDADE II

Os pontos mais importantes tocados por Bell - indústria e conhecimento - são


aqueles que estão no centro da discussão sobre a pós-modernidade e que leva-
ram diversos outros autores a teorizarem sobre uma sociedade global, uma
sociedade informacional.
No campo da filosofia, o termo pós-modernidade aparece no trabalho de
Jean-François Lyotard (1924-1998), A Condição Pós-moderna, publicado origi-
nalmente em 1979. Ferreira (2010, p. 55) informa que para “Lyotard, a ruptura
com a modernidade, essencialmente iluminista, consiste na crise dos grandes
relatos (...)”, aqueles colocados pela filosofia iluminista, pelo marxismo e os de

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que a história humana teria um sentido (teleologia).
A ‘condição pós-moderna’ em Lyotard não é nada além de uma resig-
nação diante do capitalismo industrial, agora revigorado pela revolu-
ção da informação. Todavia, é algo aquém das interpretações que vis-
lumbravam essencialmente um passo adiante da condição moderna.
Em resumo, a condição pós-moderna em Lyotard nada mais é que o
moderno sem utopia (FERREIRA, 2010, p. 55).

Lyotard também adentra ao campo da cultura ao teorizar sobre as rupturas da


pós-modernidade com o mundo moderno. Ele assume a pós-modernidade
como uma condição cultural no mundo pós-industrial, segundo o qual “o pós-
-moderno, enquanto condição da cultura nesta era, caracteriza-se exatamente
pela incredulidade perante o metadiscurso filosófico-metafísico, com suas pre-
tensões atemporais e universalizantes” (LYOTARD, 2006, p. viii). O saber (e aqui
podemos complementar sobre o saber teológico) mudaria de estatuto com os
avanços, principalmente, da informática e da sociedade informacional. Lyotard
deixa claro o seu pressuposto de que a cultura é pós-moderna: “Nossa hipótese
de trabalho é de que o saber muda de estatuto ao mesmo tempo que as socieda-
des entram na idade dita pós-industrial e as culturas na idade dita pós-moderna”
(LYOTARD, 2006, p. 3).

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
65

Ao contrário do filósofo Jean-François Lyotard, o geógrafo marxista David


Harvey aponta a pós-modernidade como condição histórica. Para se con-
trapor às teses de Lyotard, Harvey escreveu em 1989 o livro A Condição
Pós-moderna, curiosamente com o mesmo título do teórico francês. Em sua
obra, Harvey defende a mudança histórica da modernidade para a pós-mo-
dernidade, enfatizando que se a economia, entre outras, é um espelho da
sociedade, o pós-modernismo seria como o espelho dos espelhos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Fonte: Harvey (1992).

É no campo da cultura que a reflexividade - aplicação de uma informação nova


para reorientar as práticas sociais - aliada à pluralidade fecharia um círculo de
desorientação e crise no que seria a pós-modernidade, conforme aponta Ferreira
(2010, p. 62). Autores como Anthony Giddens (1991), Mike Featherstone (1997),
Zygmunt Bauman (1999) e Berger & Luckmann (2004) têm teorizado de que
a reflexividade trouxe consequências culturais sérias no mundo pós-moderno.
O resultado, de um lado, é o abandono do otimismo quanto a uma direção
histórica para a vida e, por outro lado, uma espécie de rebelião contra qualquer
‘discurso’ que pretenda dizer ‘como as coisas são’ e que ‘direção se deve dar à pró-
pria vida’ (FERREIRA, 2010, p. 62).
Como resultado disso também, a crise de sentido na cultura contemporânea
tem gerado certa insegurança sobre os indivíduos, especialmente aqueles que não
lidam bem com o pluralismo. Peter Berger e Thomas Luckmann sintetizam isso
Nenhuma interpretação, nenhuma perspectiva podem ser assumidas
como únicas em validade ou serem consideradas inquestionavelmente
corretas. Por isso, coloca-se não raras vezes ao indivíduo a pergunta
se não deveria orientar sua vida segundo parâmetros bem diferentes
do que até agora. Isso, por um lado, é sentido como grande liberta-
ção, como abertura de novos horizontes e possibilidades de vida que
conduzem para fora da estreiteza da existência antiga e inquestionada.
Mas esse processo é sentido também (muitas vezes pela mesma pessoa)
como um peso - uma exigência sobre o indivíduo em sua realidade. Há
pessoas que suportam essa exigência; e algumas até parece que se sen-
tem bem com ela. Poderíamos chamá-las de virtuosas do pluralismo.

Da Modernidade à Pós-Modernidade: Percalços Conceituais


66 UNIDADE II

A maioria, porém, sente-se insegura num mundo confuso e cheio de


possibilidades de interpretação e, como alguns desses, também estão
comprometidos com diferentes possibilidades de vida, sentem-se per-
didos (BERGER & LUCKMANN, 2004, p. 54).

No caso do campo da literatura, linguística e linguagem (em que há um diálogo


muito próximo com a teologia), as conceituações têm sido muito mais complica-
das ainda quando se trata de definir o que seria a pós-modernidade e sua variante
pós-modernismo. O linguista e cientista social egípcio, Ihab Hassan (1987), um
dos mais profícuos estudiosos do pós-modernismo, definiu uma série de con-
trastes estilísticos para tentar apontar as diferenças gerais entre a modernidade

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e a pós-modernidade. As principais seriam:
Quadro 1 - diferenças gerais entre a modernidade e a pós-modernidade

MODERNISMO PÓS-MODERNISMO
Propósito Diversão
Planejamento Casualidade
Hierarquia Anarquia
Centralização Dispersão
Seleção Associação
Fonte: HASSAN (1987).

O teólogo Alister McGrath utiliza-se das diferenças apresentadas por Hassan


para enfatizar a impossibilidade de existência dos significados fixos e absolutos,
a partir da linguística, na pós-modernidade:
Observe como os termos associados à categoria “modernismo” apre-
sentam fortes traços referentes à habilidade de análise, organização,
controle e domínio, atribuídas ao sujeito pensante. Aqueles associados
à categoria “pós-modernismo” retratam igualmente fortes sinais refe-
rentes à inabilidade de controle ou domínio do sujeito pensante, resul-
tando na necessidade de deixar as coisas do jeito que são, em sua plena
e gloriosa diversidade. Isso se aplica tanto à religião quanto ao resto.
(McGRATH, 2005, p. 151).

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
67

A tese da arbitrariedade da linguagem foi desenvolvida inicialmente pelo filósofo


suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) e posteriormente incorporada pelo pio-
neiro da análise estrutural da linguagem, o russo Roman Jakobson (1896-1982).
A partir das perspectivas desses dois linguistas, vários pensadores da sociedade
como Jacques Derrida (1995), Michel Foucault (2007a) e Jean Baudrillard (1991)
destacaram a armadilha formada por intermináveis sistemas de signos artificiais
“que não possuíam qualquer significado, pois somente perpetuavam os sistemas
de crenças de seus idealizadores” (McGRATH, 2005, p. 152).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Caro(a) aluno(a), reflita sobre essa afirmação: “No caso da esfera cultural, em-
bora esteja claro que transformações importantes ocorreram nos últimos
anos e continuam a ocorrer, talvez, seja prudente falar em não rompimento
absoluto com a cultura moderna, mas, sim, em uma interação complexa en-
tre pré-moderno, moderno e pós-moderno. Uma forma de apresentar essa
complexidade reside em mostrar como o passado (ou antigo) é transferido
para o presente como um objeto completamente diferente, ou seja, um si-
mulacro.”
(Valdinei Ferreira)

A atenção que se deve ter ao utilizar o termo pós-modernidade é que ele tam-
bém não é definidor de uma época ou de uma cultura propriamente dita, seja ela
de consumo, informacional ou de simulacros, conforme a tese de Baudrillard.
Todavia, embora as transformações que ocorreram nos últimos tempos não
tenham significado um rompimento absoluto com a cultura moderna, é cada
vez mais frequente o uso do conceito de pós-modernidade para definir a com-
plexidade do presente. Nisto, a teologia fará uma grande contribuição.

Da Modernidade à Pós-Modernidade: Percalços Conceituais


68 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O QUE É PÓS-MODERNIDADE

Caro(a) aluno(a), as dificuldades de conceituação do que seria a pós-modernidade


e todo o discurso decorrente disso não inviabiliza o seu uso pelas ciências humanas,
especialmente pelos campos das ciências sociais, das ciências da religião e da teologia.
Para Perry Anderson (1999), a ideia de “pós-modernidade” teria surgido
pela primeira vez na década de 1930, no mundo hispânico. Federico de Onís
teria empregado o termo “Postmodernismo” para descrever um refluxo con-
servador dentro do próprio modernismo. A ideia de um estilo “pós-moderno”
entrou para o vocabulário da crítica hispanófona, mas só teve repercussão em
1954 quando Arnold Toynbee usou a expressão “Idade Pós-Moderna” para defi-
nir a época iniciada com a guerra franco-prussiana.

Ao fazer uma nova historiografia sobre as civilizações, o historiador britâni-


co Arnold Toynbee (1889-1975) utilizou pela primeira vez a expressão Idade
Pós-moderna em 1954, no oitavo volume do seu “Study of History”. Ele já ha-
via utilizado a expressão “pós-moderno” em 1947, devido às mudanças his-
tóricas impostas pela Segunda Grande Guerra, retirada do contexto do con-
servadorismo hispânico no qual o termo apareceu pela primeira vez com o
linguista e crítico espanhol Federico de Onís (1885-1966) por volta de 1930.
Fonte: Toynbee (1987).

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
69

Como já vimos anteriormente, foi o filósofo francês Jean-François Lyotard o primeiro


pensador da sociedade a utilizar o termo pós-modernidade em uma abordagem
filosófica, em 1979, em sua obra A condição pós-moderna. Em sua análise, Lyotard
enfatizou que a pós-modernidade apontava para o nascimento de uma sociedade
pós-industrial, na qual não mais a mercadoria era a sua principal força econômica
e sim o conhecimento (LYOTARD, 2006). Com o conhecimento sendo a principal
forma da economia pós-industrial, sua principal vítima teria sido as metanarrati-
vas, as grandes explicações absolutas da vida. Sobre isso esclarece Sanfelice:
Com a “Condição Pós-moderna”, Lyotard anunciou o eclipse de todas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

as narrativas grandiosas. Aquela cuja morte ele procurava garantir aci-


ma de tudo era, claro, a do socialismo clássico, mas também incluiu a
redenção cristã, o progresso iluminista, o espírito hegeliano, a unidade
romântica, o racismo nazista e o equilíbrio econômico (SANFELICE et
al., 1998, p. 4).

Assim, é importante buscar compreender a pós-modernidade como uma cadeia


de eventos bastante complexos e que precisam ser entendidos de maneira minu-
ciosa a partir das perspectivas de diferentes áreas do conhecimento. Todavia,
algumas interpretações dos pesquisadores das ciências humanas se tangenciam
tais como a das novas identidades (HALL, 2014), a do fluxo constante ou líquido
(BAUMAN, 2001), das novas mídias (HALL; JACQUES, 1989) e da mídia eletrô-
nica (BAUDRILLARD, 2011). No campo da economia, Jameson (1991) prefere
utilizar a expressão “capitalismo tardio” enquanto Sennett (1998) usa “capitalismo
flexível”, mas ambos concordam com as questões que envolvem as identidades e
o descontrole da nova sociedade oriunda desse fenômeno. Teóricos que rejeita-
ram o termo pós-modernismo também contribuíram imensamente para firmar
o conceito do que seria a pós-modernidade, tais como Michel Foucault (2004,
2007b) e a sua teoria da ligação existente entre o poder, a ideologia e o discurso;
Jürgeen Habermas (2003) e a sua teoria da esfera pública; Ulrich Beck (2010) e
a sociedade de risco; Manuel Castells (2007) e a sociedade em rede e Anthony
Giddens (2005) com o seu “mundo em descontrole”.
Do ponto de vista das ciências da religião e da teologia, essas teorizações
contribuíram para abrir novas chaves interpretativas de antigos temas e, até
mesmo, apresentar novos temas intimamente relacionados com as questões já
colocadas acima. Com o fim da noção de que a história fatalmente conduziria

O Que é Pós-Modernidade
70 UNIDADE II

ao progresso, a sociedade pós-moderna se apresenta extremamente pluralista


e diversa. Não há nenhuma noção de progresso a ser defendida, assim como a
própria história já não existe. Muitas ideias e valores nos são apresentados pelas
novas mídias (filmes, tevê, websites, blogs, vídeos, entre outros) e, entretanto,
guardam pouca ou nenhuma relação com a nossa própria história pessoal. É
uma sociedade em transição:
Nosso mundo está sendo reconstruído. A produção em massa, a figu-
ra do consumidor de massa, a cidade grande, o Estado big-brother, a
expansão do projeto imobiliário e o Estado-nação estão em declínio.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Flexibilidade, diversidade, diferenciação e mobilidade, comunicação,
descentralização e internacionalização estão em ascensão. Nesse pro-
cesso, nossas próprias identidades, nossa percepção do eu, nossas pró-
prias subjetividades estão sendo transformadas. Estamos em transição
para uma nova era. (HALL; JACQUES, 1989).

Para Stuart Hall em sua resposta sobre o que é a pós-modernidade, o ponto cen-
tral das interpretações é a questão das identidades. E a chave das observações de
Hall sobre as identidades culturais é a relação entre o indivíduo e a sociedade.
O autor jamaicano teoriza que na pós-modernidade há uma crise constante da
identidade gerada pelo deslocamento dos sujeitos no mundo social e de si mesmo
(isso é fruto da globalização). A “internalização” do exterior no sujeito e a “exter-
nalização” do interior por meio da ação no mundo social é que irão contribuir
para formar essa identidade. Segundo o autor, o sujeito pós-moderno não tem
identidade fixa. Por consequência, as identidades nacionais são formadas e trans-
formadas no interior da representação. Stuart Hall explica que as identidades
eram sólidas localizações, nas quais os indivíduos se encaixavam socialmente,
mas na pós-modernidade as fronteiras estão menos definidas, provocando nos
indivíduos crises de identidade (HALL, 2014).
Tais crises seriam consequência da “desconstrução” das identidades nacio-
nais pela tendência da homogeneização cultural provocada pela globalização.
Se as identidades estão em declínio, para Hall, novas identidades híbridas estão
assumindo seu lugar. Esse hibridismo leva em conta gênero, sexualidade, etnia
e nacionalidade. O sujeito pós-moderno é composto, então, de várias identi-
dades, muitas vezes contraditórias ou não resolvidas. Hall conclui, no entanto,
que não é possível defender a idéia de que a identidade cultural sofra uma total

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
71

homogeneização, imposta pela globalização, e nem que será retomado o dis-


curso da identidade nacional da época do iluminismo. A pluralidade é a marca
da pós-modernidade (HALL, 2014).

Em 1997, Zygmunt Bauman publicou o livro Postmodernity and its Discon-


tents, que no Brasil levou o título “O mal-estar da pós-modernidade”. Nesta
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

obra, o sociólogo polonês atribui aos arrivistas (aqueles que desejam su-
bir socialmente usando quaisquer recursos) e turistas o papel de heróis da
pós-modernidade enquanto os párias e vagabundos seriam as suas vítimas.
Nesta obra também, Bauman discute a possibilidade existir uma religião
pós-moderna, onde enfatiza que a incerteza do estilo pós-moderno não
gera a procura da religião, mas concebe, em vez disso, a procura sempre
crescente de especialistas na identidade.
Fonte: Bauman (1998).

A crise de identidade também é explorada pelo sociólogo polonês Zygmunt


Bauman (1925-2017) ao teorizar sobre o conceito de fluidez ou liquidez na socie-
dade pós-moderna (2001). Bauman elabora sua teoria emprestando dois termos
da física que são diametralmente opostos: solidez e fluidez. Para o autor, as socie-
dade humanas pré-modernas, até a fase do pré-guerra (Segunda Guerra Mundial)
se acostumaram a viver em um mundo de instituições sólidas e pesadas. A reli-
gião era uma instituição sólida. A teologia, por assim dizer, era a representante
dessa solidez. Por sua vez, a sociedade pós-moderna é caracterizada pela fluidez.
Bauman destaca que a fluidez é uma característica dos líquidos que, ao contrá-
rio dos sólidos, se apresentam em formas metamórficas, capazes de se alterar e
de se reorganizar conforme o meio em que se encontram: a água corre do rio
para o mar e pode ir de lá para uma garrafa e assumir a sua forma sem maio-
res problemas; a garrafa (sólida), só deixa de ser uma garrafa se for quebrada ou
derretida, ou seja, enquanto o líquido muda de forma de maneira natural, sóli-
dos precisam de profundas e violentas transformações para que sua estrutura
seja alterada (BAUMAN, 2001).

O Que é Pós-Modernidade
72 UNIDADE II

Na pós-modernidade, ou modernidade líquida como prefere Bauman, a


identidade cultural do indivíduo (gênero, classe, etnia, raça e nacionalidade)
se desloca o tempo todo de acordo com o aparecimento de novos aspectos for-
mais na cultura, com o surgimento de um novo tipo de vida social. Essa vida
social, para o teórico francês Jean Baudrillard (1929-2007), é na verdade um tipo
de universo fictício, no qual respondemos às imagens criadas pela mídia e não
a pessoas ou lugares reais. A mídia eletrônica seria a responsável por destruir
a relação do sujeito pós-moderno com o passado, criando um mundo caótico,
vazio (BAUDRILLARD, 2007).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Baudrillard não chegou a ver a ascensão das chamadas mídias sociais (face-
book, instagram, twitter, snap, entre outras), mas já previa o grande impacto
da mídia eletrônica na transformação da natureza da vida humana. Essa mídia
não apenas “representa” o mundo para nós, mas, na verdade, serve, cada vez
mais, para definir como é o mundo em que vivemos (BAUDRILLARD, 2011).
A espetacularização do julgamento do famoso jogador de futebol americano O.
J. Simpson, acusado de matar a sua ex-esposa, Nicole, foi uma das “represen-
tações” estudadas por Baudrillard. Transmitido ao vivo pela TV e em horário
nobre, o julgamento se transformou em uma “novela” na qual a realidade e a
ficção se misturavam, trazendo inclusive confusão para os jurados que acaba-
ram por inocentar O. J. apesar de sólidas evidências (BAUDRILLARD, 2011).
O caso envolvendo a morte da princesa Diana também foi algo muito parecido:
Assim, quando a princesa de Gales, Diana, morreu, em 1997, houve
uma enorme manifestação de pesar - não apenas na Grã-Bretanha,
mas no mundo inteiro. No entanto, será que as pessoas estavam de luto
por uma pessoa de verdade? Baudrillard diria que não. Para a maioria
das pessoas, a princesa Diana existia apenas através da mídia. O modo
como as pessoas sentiram a morte de Diana lembrou mais um acon-
tecimento de novela. Baudrillard fala da “dissolução da vida na TV”
(GIDDENS, 2005, p. 536).

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
73

Caro(a) aluno(a), reflita sobre essa outra interpretação da pós-modernidade


e compare com o que já viu até agora: “O Pós-Modernismo é fundamental-
mente uma mistura eclética de qualquer tradição com aquela do passado
imediato: é tanto a continuação do Modernismo como a sua transcendên-
cia. Os seus melhores trabalhos contêm caracteristicamente um código du-
plo e são irônicos, porque esta heterogeneidade capta muito claramente o
nosso pluralismo. O seu estilo híbrido opõe-se ao minimalismo da ideologia
do Modernismo tardio e de todos os renascimentos que se fundamentam
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

num dogma exclusivo ou no gosto.” (tradução nossa).


(Charles Jenks)

O conceito de pós-modernidade é amplo e abrangente. Para Lyotard, a pós-mo-


dernidade seria a condição sociocultural e estética do capitalismo pós-industrial,
e estaria relacionada ao rompimento com as antigas verdades absolutas, como o
marxismo e o liberalismo, típicas da modernidade. Por outro lado, para Jünger
Habermas e Fredric Jameson, o termo pós-modernidade é um fenômeno que
expressa, dentre outras coisas, uma cultura de globalização e uma ideologia
neoliberal. A base material da pós-modernidade seria, assim, a globalização eco-
nômica que se impõe de forma absoluta e eternizada pela lógica do mercado,
sendo esta própria a grande e definitiva metanarrativa.

O Que é Pós-Modernidade
74 UNIDADE II

A TRANSIÇÃO DA TEOLOGIA PARA A


PÓS-MODERNIDADE

Estimado(a) aluno(a), vamos agora buscar analisar os pressupostos que levaram a


teologia moderna a se transformar em uma teologia pós-moderna. Como vimos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
até aqui, as questões fundamentais da pós-modernidade passam por um ponto
crucial que seria a crise de identidade. Do ponto de vista da teologia, a crise de
identidade do sujeito pós-moderno é altamente relevante pois também é uma
crítica ao sistema de crenças da religião, no nosso caso o cristianismo protes-
tante. Essa abordagem inclui as críticas pós-modernas dos sistemas religiosos
e metafísicos passados; as novas concepções de realidade divina; e a renovação
pós-estruturalista da busca da transcendentalidade, incluindo as dimensões reli-
giosas do pensamento da desconstrução. A teologia pós-moderna ainda está no
processo de “fazer-se”, mesmo que já tenha se passado quase cem anos do ponto
de ruptura com a velha forma de pensar e fazer teologia.
No primeiro tópico, “Caminho sem volta”, informamos que há quase um
consenso entre os historiadores da teologia de que a década de 1920 represen-
tou o encerramento do pensamento teológico moderno, ou, no caso, antigo. Por
que 1920? É nessa década que o liberalismo teológico e o secularismo religioso
foram questionados pela ala conservadora do protestantismo, especificamente nos
Estados Unidos, mas com ramificações na Europa e, principalmente, na América
Latina. Esse questionamento, reacendeu o debate sobre a importância da teologia
dialogar com os problemas da sociedade e apresentar novas respostas para antigas
questões e, também, fazer novos questionamentos que nunca haviam sido feitos.
É a partir daí que vimos surgir uma teologia mais engajada, prática e libertária,
que será o início da teologia pós-moderna, mas não se restringindo a apenas isso.
Em 1910, dois homens de negócios patrocinaram a publicação e a distribui-
ção em vários estados norte-americanos de doze cadernos com ensaios escritos
por estudiosos protestantes conservadores. Estes cadernos levaram o título de Os

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
75

fundamentos e defendiam os “fundamentos” da fé cristã e bíblica que eles conside-


ravam ameaçados pelo liberalismo protestante. Suas posições eram intransigentes
quanto às doutrinas consideradas essenciais, começando pela inspiração verbal e
inerrância da Bíblia. Matos (2008) aponta que ao longo de toda aquela década vários
grupos conservadores começaram “a elaborar listas de doutrinas consideradas fun-
damentais, tais como a inerrância da Bíblia, a Trindade, o nascimento virginal de
Cristo, a queda da humanidade”, entre outros (MATOS, 2008, p. 225). Em 1919, o
pastor batista William Bell Riley (1861-1947) criou a Associação Cristã Mundial
dos Fundamentos, seguida pela Associação dos Fundamentalistas, fundada em
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

1920, pelo também batista Curtis Lee Laws (1868-1946). Laws é reconhecido como
aquele que cunhou o termo “fundamentalista” e pela sua ferrenha oposição à teo-
logia moderna. Em 1923, o teólogo e pastor presbiteriano John Gresham Machen
(1881-1937), que havia estudado teologia em algumas universidade alemãs, berços
da teologia liberal, escreveu o livro Cristianismo e liberalismo, no qual argumen-
tava que a teologia liberal não representava o verdadeiro cristianismo. Machen foi
considerado o teólogo mais erudito do movimento conservador.

John Gresham Machen formou-se em teologia no Seminário de Princeton.


Neste mesmo seminário lecionou Novo Testamento de 1906 a 1929. Depois
de envolver-se nas controvérsias contra o liberalismo que já havia se ins-
talado no Seminário de Princeton e entre a maioria dos pastores da Igreja
Presbiteriana, Machen foi demitido do Seminário em 1929 e recolocado no
Seminário Teológico Westminster, organizado por decisão da Assembleia
Geral da Igreja Presbiteriana. Ali continuou a sua luta contra o liberalismo
e em defesa da fé reformada histórica. Em 1933 ele e mais sete colegas de
ministério foram acusados de intransigência e, depois de um processo que
durou três anos, sem chance de defesa e com o fechamento do Seminário
Westminster, foi convidado a se demitir do ministério da Igreja Presbiteria-
na, em 1936. Com os outros colegas fundou a Igreja Presbiteriana Ortodoxa
e reorganizou o Seminário Teológico Westminster, na Filadélfia. Machen não
se sentia à vontade entre os líderes fundamentalistas, por não concordar
com suas posições pré-milenistas e antievolucionistas.
Fonte: Gini (2011).

Pós-Modernidade
76 UNIDADE II

Embora fossem reconhecidos pelo seu ardor evangelístico e pela defesa do que
consideravam os pontos fundamentais do cristianismo, os fundamentalistas não
se constituíram em um grupo coeso. Por conta desse movimento que provocou
diversas divisões nas denominações de origem, surgiu um grande número de
igrejas e ministérios autônomos, com suas livrarias, editoras, colégios e institutos
bíblicos. Um episódio ocorrido em 1925 e que teve repercussão em todo o país,
trouxe uma grande derrota aos fundamentalista que foram considerados como
“tolos obscurantistas em total descompasso com a era moderna” (MATOS, 2008,
p. 226), além de serem taxados de ignorantes quanto aos avanços da ciência. O

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episódio em questão foi chamado de “caso Scopes” ou “julgamento do macaco”.
John Scopes, um professor de biologia, foi preso sob a alegação de
ensinar o evolucionismo, o que era contrário às leis do seu Estado, o
Tennesse. A União Americana dos Direitos Civis contratou para defen-
dê-lo um famoso advogado criminalista de Chicago, o agnóstico Cla-
rence Darrow. Atuou como promotor de acusação o político populista
de Nebraska e ex-candidato à presidente William Jennings Bryan, de
65 anos, líder emergente do fundamentalismo. Embora Scopes tenha
sido condenado, a atuação decepcionante de Bryan aliada à cobertura
sensacionalista da imprensa deu aos fundamentalistas uma imagem de
tolos obscurantistas (...). Cinco dias após o julgamento, Bryan morreu
em desonra e mais tarde as leis antievolucionistas foram revogadas.
(MATOS, 2008, p. 226).

Depois desse episódio, o movimento fundamentalista foi se dividindo entre


alas mais radicais e outras moderadas. Os radicais continuaram a ser chama-
dos de fundamentalistas, isolando-se cada vez mais, e os moderados passaram
a ser chamados de conservadores ou evangélicos, por conta da fundação da
Associação Nacional de Evangélicos pelo pastor congregacional Harold John
Ockenga (1905-1985). Atualmente os evangélicos, ou evangelicais, são o maior
segmento do protestantismo norte-americano, composto por reformados, batistas
e pentecostais. O líder mais conhecido e influente desse movimento é o evan-
gelista Billy Graham.
Em que medida o surgimento do fundamentalismo e, posteriormente, o seu
descrédito frente à opinião pública pôde contribuir para a transição da teologia
moderna para a pós-moderna? Esta é uma questão interessante, pois o movimento
pretendia conter o avanço do pensamento moderno na teologia, especialmente

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
77

as ênfases no sentimento humano como expostas por Schleiermacher, ou do pro-


gresso social do cristianismo, conforme o protestantismo liberal e até mesmo a
teoria barthiana da diversidade de Deus. Ao se contrapor a estes teólogos e ao
diálogo que eles abriram na teologia moderna, seja com o existencialismo ou
com o pós-estruturalismo, o fundamentalismo empurrou a teologia para a sua
vertente pós-moderna, uma ciência que busca reencontrar a identidade do ser
humano em seu contato com o divino, dialogando com as pluralidades, evi-
tando as metanarrativas e questionando as estruturas sólidas de outrora dentro
do pensamento cristão.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Outro ponto importante para compreender a chegada da teologia à pós-


-modernidade é o retorno à religião, especialmente influenciado por estudos
da filosofia. Como já vimos na primeira unidade, havia uma crença comum
entre os primeiros pensadores da sociedade moderna, especialmente os pais da
sociologia, de que a religião tradicional viria a se tornar cada vez mais marginal
para o mundo moderno. Marx, Weber e Durkheim acreditavam que a religião
passaria por um processo de secularização, perdendo a sua influência sobre as
diversas esferas da vida social, pelo fato da sociedade moderna depender cada
vez mais da ciência e da tecnologia para explicar o mundo social. Entretanto,
nos anos de 1960 e no final da década de 1970, viu-se um renascimento da reli-
gião, levando à retomada da investigação metafísica por escolas de divindade
ligadas a proeminentes universidades seculares como a University of Chicago
Divinity School e a Yale Divinity School. Os focos relacionados à discussão da
religião pela filosofia na pós-modernidade são diversos: a linguagem religiosa,
o problema do mal, a ontologia do último, exclusividade de uma religião, justi-
ficação da crença religiosa, o conceito de pessoa e o problema mente-corpo nas
cosmovisões religiosas, e críticas das epistemologias e das metafísicas moder-
nas, principalmente os sistemas baseados no racionalismo. Toda essa influência
levou os pensadores atuais da sociedade a sustentar que “a religião continua sendo
uma força significativa, ainda que muitas vezes utilize formas novas e desconhe-
cidas” (GIDDENS, 2005, p. 437).
Como exemplo dessa interação com o secularismo, temos na teologia pós-
-moderna o que se convencionou chamar da “Escola da morte de Deus” ou
ateísmo cristão. Em 8 de abril de 1966, a capa da revista Times trouxe em letras

Pós-Modernidade
78 UNIDADE II

perturbadoras a seguinte pergunta: “Deus está morto?”. O debate outrora limitado


ao meio acadêmico agora ganhava os palcos da discussão pública. Aproveitando
essa deixa, teólogos como Thomas J. J. Altizer (1927-), Paul van Buren (1924-1998),
Gabriel Vahanian (1927-2012) e William Hamilton (1924-) passaram a explorar
o conceito da morte de Deus e seu papel na civilização ocidental. Posteriormente,
alguns pensadores da desconstrução como Mark C. Taylor (1945-) também pas-
saram a contribuir com a discussão.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) escreveu entre os anos de
1883 e 1885 uma série de três volumes onde narrava as andanças e ensina-
mentos de um filósofo, que se autonomeou Zaratustra após a fundação do
zoroastrismo na antiga Pérsia. Para explorar muitas das ideias de Nietzsche,
o livro usa uma forma poética e fictícia, frequentemente satirizando o Velho
e Novo Testamento. Tempos depois, Nietzsche escreveu mais um volume,
totalizando quatro. Após sua morte, os quatro volumes se transformaram
em um único livro: Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para nin-
guém. Amplamente baseado em episódios, as histórias em Zaratustra po-
dem ser lidas em qualquer ordem. Zaratustra contém a famosa frase Gott ist
tot (“Deus está morto”).
Fonte: Nietzsche (2011).

A doutrina pós-moderna da morte de Deus teve base no pensamento radical de


teólogos como Paul Tillich, Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) e Rudolf Bultmann
(1884-1976). Tillich rejeitou o sobrenaturalismo e arguiu que a única declaração
não simbólica sobre Deus era que ele consistia no Ser em si próprio. Como um
ultimate concern, Deus é além da essência e existência, portanto argumentar que
Deus existe é negá-lo. Bonhoeffer pregou um cristianismo secular, “mundano”, no
qual espera pelo dia quando a humanidade viveria um “cristianismo sem religião”
de um “mundo sem Deus”. Bultmann conclamou para tirar do Novo Testamento
e da teologia cristã os mitos. Por meio da desmitologização, o indivíduo pós-mo-
derno seria capaz de viver plenamente sem a dependência de um mito de Deus.

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
79

Nesse cenário, a teologia da morte de Deus apareceu na década de 1960 primei-


ramente com o trabalho de Gabriel Vanhanian, Death of God: The Culture of Our
Post-Christian Era (1961), defendendo que Deus não é mais necessário em uma era
moderna, secular e científica. O The Gospel of Christian Atheism (1966) de Thomas
J. J. Altizer, no qual são visíveis as influências de Hegel, Kant e Nietzsche, declara
que Deus (a religião do Pai) que na kenosis tornou-se humanidade em Jesus, mor-
reu na cruz (a religião do Filho), assim morrendo na história e abrindo um “futuro
apocalíptico” para a humanidade quando os seres humanos aprenderiam a viver
sem Deus. Em Radical Theology and the Death of God (1966) de Altizer e William
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Hamilton, há a afirmação singela de que Deus está morto em nossa história, em


nosso tempo e em nossa existência. Após a morte de Deus, outro diálogo da teolo-
gia que veio da modernidade e que transcendeu para a pós-modernidade foi com
o existencialismo cristão. O existencialismo cristão é um segmento do pensamento
pós-moderno sobre Deus e religião, cuja base está na filosofia existencial de Sören
Kierkegaard (1813-1855) para quem a verdade religiosa era paradoxal, subjetiva
e dependente na fé. Além da filosofia existencial de Kierkegaard, outra influên-
cia do existencialismo cristão foi a neo-ortodoxia de Karl Barth, assim como as
reformulações propostas por Emil Brunner (1889-1966), Dietrich Bonhoeffer e
Rudolf Bultmann. O teólogo e filósofo Paul Tillich foi talvez o maior expoente do
existencialismo cristão, cunhando termos como “preocupação última” e “poder
e fundamento do ser”, que influenciaram outros intelectuais da teologia como
Gabriel Marcel (1889-1973) e o bispo anglicano John A. T. Robinson, cujo livro
Honest to God (1963) popularizou as teologias de Tillich, Bonhoeffer e Bultmann.

Prezado(a) aluno(a), reflita sobre essa questão: “De que maneira um cristão,
que é, ele próprio, um homem secular, pode chegar a compreender o Evan-
gelho de maneira secular?”.
(Van Buren)

Pós-Modernidade
80 UNIDADE II

A transição da teologia da modernidade para a pós-modernidade se dá sob a


influência do fundamentalismo, especialmente pelo fato deste não conseguir dar
as respostas que a nova sociedade estava perguntando. Questionada e incentivada
por temas como a identidade do sujeito moderno e da secularização, a teologia
foi buscar ampliar o seu campo epistemológico para além dos grandes discursos
e das metanarrativas, quebrando inclusive as barreiras da ortodoxia reformada.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A HERMENÊUTICA TEOLÓGICA NA
PÓS-MODERNIDADE

Caro(a) aluno(a), neste último tópico queremos apresentar qual a chave inter-
pretativa da teologia pós-moderna. Originalmente, a hermenêutica é um ramo
da filosofia que estuda a teoria da interpretação de textos escritos, especialmente
nas áreas do direito, da literatura e da religião. Na teologia, a hermenêutica se
popularizou no século XIX como a arte da interpretação dos textos bíblicos,
passando posteriormente para a prática da interpretação e ao treino desta prá-
tica. A hermenêutica moderna, bem como sua vertente pós-moderna, engloba
não somente textos escritos, mas
também tudo que há no processo
interpretativo. Isso inclui formas
verbais e não verbais de comuni-
cação, assim como aspectos que
afetam a comunicação, como
proposições, pressupostos, o sig-
nificado e a filosofia da linguagem
e a semiótica. A teologia pós-mo-
derna recebeu toda a influência
da hermenêutica filosófica deri-
vada da teoria do conhecimento do

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
81

filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002). A obra mais importante de


Gadamer foi Verdade e Método publicada em 1960, na qual destaca que somente
o método correto de interpretação pode nos conduzir à verdade. Outro expoente
da filosofia moderna e que influenciou a teologia pós-moderna em sua busca
pela interpretação do sagrado no mundo contemporâneo foi o filósofo fran-
cês Paul Ricoeur (1913-2005). Ricoeur, nascido em uma família protestante, se
destacaria em estudos filosóficos sobre a linguística, psicanálise, estruturalismo
e a hermenêutica dos textos bíblicos. Sua grande obra, A Filosofia da Vontade,
escrita em duas partes, uma em 1950 e a outra em 1960, destacam a filosofia da
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

linguagem e a recuperação da teoria da pessoa humana em contraposição às teo-


rias da consciência, do sujeito e do “eu”. Sob as influências das hermenêuticas
de Gadamer e Wilhelm Dilthey (1883-1911) e da fenomenologia de Edmund
Husserl (1859-1938), Paul Ricoeur criticou a visão estrutural da linguagem e da
realidade por não considerar a situação contextual do discurso. Sendo tanto teó-
logo, quanto filósofo (sem misturar maleficamente as duas disciplinas), Ricoeur
propõe uma interpretação do simbolismo religioso a um nível existencial, apli-
cando-os aos textos bíblicos.
Com base nessas influências, a hermenêutica teológica pós-moderna, como
metodologia de interpretação, trata dos problemas que surgem quando se está
lidando com ações humanas dotadas de significado e com produtos dessas ações,
no caso os textos, mas não exclusiva a eles. Como método, oferece um instru-
mental para tratar de maneira eficiente problemas de interpretação das ações
humanas, textos e outros materiais significativos. Como vimos no tópico ante-
rior, o diálogo hermenêutico que se estabelece é o questionamento sobre Deus, a
totalidade de Deus, o sentido absoluto de Deus, o contexto do discurso de Deus,
entre outros. Toda produção teológica pós-moderna irá, de alguma forma, estabe-
lecer pontes com esse questionamento, ora negando-o, ora afirmando, ampliando,
corrigindo e redefinindo estas questões.

Pós-Modernidade
82 UNIDADE II

Prezado(a) aluno(a), reflita sobre a questão da possibilidade de uma teolo-


gia sem Deus, o ser original dado. Quais suas implicações?
(Jacques Derrida)

A metafísica de Martin Heidegger (1889-1976), as filosofias analíticas de Ludwig

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Wittgenstein (1889-1951) e do Círculo de Viena, bem como a filosofia estrutural
da linguagem dos filósofos franceses, serão a base do pluralismo e do relativismo
que influenciam a hermenêutica teológica pós-moderna em sua crítica ao racio-
nal e ao conhecimento empírico. Como exemplo, temos o ensaio de Heidegger,
The Onto-theo-logical Constitution of Metaphysics, escrito nos anos de 1956 e
1957 para suas aulas sobre a Ciência da Lógica de Hegel, que se transformou
em um marco para a teologia pós-moderna como um convite para ultrapassar a
ideia de Deus como uma causa sui em favor de um deus diante do qual se pode
“dançar e cantar”. Ou como destaca Jacques Derrida (2016), “Heidegger com
ou sem a palavra ser, escreveu uma teologia com ou sem Deus”. Também com o
pensamento de Heidegger tornou-se irrelevante às limitações da dicotomia obje-
tividade/subjetividade no inquérito acadêmico, deixando aberto a possibilidade
do ser sem a necessidade de demonstrações concretas.
O pós-estruturalismo também contribuirá com essa questão na medida
em que defende que os signos (símbolos) da linguagem são arbitrários o que
os impossibilita de terem sentido absoluto, rejeitando as estruturas fixas como
fornecedoras das bases para a consolidação das ideias. As filosofias alternati-
vas radicais que se seguiram nos anos 1960, em decorrência da desilusão com o
pensamento estabelecido, tais como o feminismo, a fenomenologia, o pós-colo-
nialismo, o niilismo e novas teorias críticas. Entre essas críticas, destacam-se a
de vários autores que abordaram o Deus judaico-cristão da teologia. O francês
Emmanuel Levinas (1906-1995) em Deus e Filosofia enfatizou que Deus é um
ideal secular, o “Outro Infinito” cuja revelação das escrituras religiosas apresenta
como o Deus tradicional (LEVINAS, 2002). Jacques Lacan (1901-1981), Michel

A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
83

Foucault e Roland Barthes (1915-1980), só para citar alguns dos pós-estrutura-


listas, também influenciaram o desenvolvimento dessa hermenêutica assumida
pela teologia pós-moderna.
Foi na França, por proposição dos filósofos e críticos literários Jacques Derrida
(1930-2004) e Roland Barthes, que surgiu a teoria desconstrucionista da litera-
tura. Esta teoria também é base para a hermenêutica teológica pós-moderna.
Para Derrida, o contexto situacional (aquele do momento da leitura) é que gerava
o sentido. Barthes concorda ao enfatizar que o sentido ao qual o autor inten-
ciona não é tão importante quanto o sentido que o leitor percebe. Diretamente
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

influenciados pela desconstrução de Derrida, novos métodos de interpretação


do sagrado e do divino surgiram com pensadores como Mark C. Taylor (1945-
), que defende que a noção de Deus passou da religião para a estética e agora se
concentra no mercado financeiro e das grandes corporações (TAYLOR, 1987);
Jean-Luc Marion (1946-), que explica o dom (dádiva) de Deus por meio da
fenomenologia (MARION, 1991); Jean-Luc Nancy (1940-), para quem “não há
qualquer método particular que se deva preferir, nem método geral que per-
mita julgar diversos métodos”, a não ser o do nosso próprio espírito (NANCY,
2013, p. 303); John D. Caputo (1940-), que defende uma “religião sem religião”
na pós-modernidade (CAPUTO, 2001) e com a escola da Ortodoxia Radical.

A ortodoxia radical reafirma a tradicional transcendência teológica judaico-


-cristã, sobretudo a ideia de Deus, mas considera os contextos temporal, cul-
tural, histórico e secular, no exame de disciplinas como política, economia,
ciências naturais, teoria social e cultural. Contudo, rejeita a dependência da
razão. O contexto providenciado por essas disciplinas quanto por ritual é a
chave para a alternativa pós-moderna e coloca a teologia no topo das ciên-
cias. As influências da ortodoxia radical foram o neo-platonismo, a crítica do
ser de Heidegger, a desconstrução de Derrida, além de empregar o pensa-
mento de Emmanuel Levinas, Tomás de Aquino, Giovanni Vico e Friedrich
H. Jacobi.
Fonte: Milbank (1995).

Pós-Modernidade
84 UNIDADE II

A hermenêutica teológica na pós-modernidade é, de fato, um reencontro da


teologia com a filosofia, o que veremos mais adequadamente na próxima uni-
dade. Isso implicou em reconfigurar o discurso dogmático da teologia moderna
e ortodoxa para um parâmetro específico da linguagem, linguística e fenomeno-
logia. A produção acadêmica daquilo que se convencionou chamar de teologia
pós-moderna, desde sua ênfase na morte de Deus até a ortodoxia radical, passa
por essa reconfiguração. Aqui estão os seus pressupostos.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.








A TRANSIÇÃO PÓS-MODERNA
85

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que a teologia fez a transição para a pós-modernidade baseando-se no


pressuposto de que ela não poderia se dar ao luxo de ignorar as descobertas recen-
tes da sociedade ocidental, especialmente do pós-guerra. Assim, essa transição,
ao contrário de outras áreas das ciências humanas, deu-se de forma evolutiva.
Como abordamos nos tópicos acima, as rupturas com o mundo moderno vie-
ram com as novas formas de abordar antigos problemas que a teologia moderna
não deu conta de resolver, ou que não estavam em seu arcabouço de investigação.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Essa situação fez surgir uma chave interpretativa diversa daquela que os princi-
pais teólogos do século XIX e início do século XX dispunham. Um grande salto
foi a capacidade de adaptar o pensamento teológico protestante à mentalidade
científica e filosófica emergente, adaptando-a às necessidades do ser humano
pós-moderno.
Aliás, foi essa busca pela identidade do sujeito pós-moderno e o diálogo que
a teologia deveria travar com ele, para lhe dar respostas e novos significados,
que fez renascer o direito do indivíduo de criticar e reconstruir a fé tradicio-
nal. O grande tema teológico por excelência, Deus, passou a ser reinterpretado,
questionado e, até mesmo, excluído dos círculos pós-modernos. A ideia de uma
teologia sem Deus, embora assuste aos menos avisados, será essencial para que
o diálogo seja ampliado com outras correntes como a linguagem, o existencia-
lismo, o pós-estruturalismo, a metafísica, entre várias outras.
Por fim, embora os percalços conceituais para definir o que seria a pós-mo-
dernidade ainda se apresentem nas ciências humanas, a teologia conseguiu fazer
a sua transição de forma a ampliar a sua relevância no meio moderno, saindo
do campo das confessionalidades e passando a intervir no dia a dia do sujeito
pós-moderno. Tudo isso em um mundo cada vez mais fluído e longe das gran-
des certezas dos séculos passados.
Esperamos que você, caro(a) aluno(a), tenha sido instigado(a) a pesquisar mais
sobre o tema e a se preparar para o que veremos em nossas próximas três unidades.

Considerações Finais
86

1. Por que o Iluminismo foi um ponto de transição tão marcante na história da te-
ologia?
2. Qual foi o principal objetivo dos fundamentalistas do século XX? Que tipo de
teologia eles queriam refutar?
3. Qual o seu entendimento sobre a teologia “da morte de Deus”? Procure explicar
sem usar fatores apologéticos das denominações cristãs.
4. Quais as influências da filosofia para definir a hermenêutica teológica da pós-
-modernidade?
5. No seu entender, quais são os temas mais importantes para a reflexão teológica
atual?
87

Na narrativa bíblica, o Mito da Torre de Babel (Gn. 11) nos é teologicamente apresentado
e caracterizado como uma espécie de “punição divina” pela desobediência humana de
querer igualar-se a Deus. Há quem afirme que se trata do desdobramento e da consequ-
ência do Mito do Dilúvio, ou seja, após ter sido banido pela fúria das águas diluvianas, o
homem teria proposto uma revanche: construir uma torre capaz de tocar os céus, prio-
rizando tornar o nome do homem grande. Nesse sentido, para muitos teólogos, depois
do Mito de Adão e Eva, o episódio da Torre de Babel representaria uma “versão genérica”
de outra rebelião humana contra a divindade. Dentro de uma perspectiva canônica, a
narrativa da Torre de Babel também responde à pergunta pelo motivo da divisão da
humanidade em uma pluralidade de povos e línguas tão diferente. Na filosofia de Jac-
ques Derrida, o debate em torno da chamada Torre de Babel deve assumir outras cono-
tações. Nosso autor, preferencialmente, não trabalha com aquelas noções punitivas do
mito (pelo menos não sob a tutela da confessionalidade e do senso comum). Derrida
procura trabalhar aquilo que não é evidente no texto: primeiro ele toca na questão ter-
minológica ou etimológica do conceito de Babel, comparando-o a partir das culturas
mesopotâmica e hebraica. Embasado em um artigo do filósofo iluminista Voltaire, em
seu livro Derrida afirma:
Não sei por que é dito na Gênese que Babel significa confusão; pois Ba significa
pai nas línguas orientais, e Bel significa Deus; Babel significa a cidade de Deus, a
cidade santa. Os antigos davam esse nome a todas as suas capitais. Mas é incon-
testável que Babel quer dizer confusão seja porque os arquitetos foram confundi-
dos [...] seja porque as línguas se confundiram.
Derrida (...) aborda e expõe os limites intransponíveis da tradução, lembrando ao tra-
dutor sua incapacidade de reproduzir a verdadeira intenção do texto. Haja vista, que
“Babel, antes de tudo um nome próprio”, porém questiona se quando dizemos Babel,
sabemos o que nomeamos? E afirma que “seria o mito da origem do mito, a metáfora
da metáfora, a narrativa da narrativa, a tradução da tradução”. Para ele, a Torre de Babel
não configura apenas a multiplicidade irredutível das línguas, mas também ela exibe
um não-acabamento. E ainda, “a torre de Babel foi construída e desconstruída numa
língua no interior da qual o nome próprio Babel podia, por confusão, ser traduzido por
confusão”.
É preciso reconhecer que estamos, portanto, diante de um problema teoricamente re-
levante: Derrida está falando de uma interpretação do conceito e do nome de Babel, a
partir de duas línguas e duas culturas diferentes: a cultura mesopotâmica, baseada na
língua acadiana, e a cultura judaica ou a língua hebraica, como se poderá comprovar
depois. Em outro sentido, podemos aqui admitir que a procura da origem ainda tenha
um efeito produtivo. Uma palavra (um nome, uma narrativa, entre outros) pode tornar-
se uma chave de leitura.
Segundo Derrida, Deus teria destruído o nome que os homens queriam se dar, cons-
truindo sua própria língua e sua identidade humana, isto é, não teria o próprio Deus
reafirmado seu próprio nome, que se confunde, nesse momento, com o de Babel e de
88

Confusão. Está imposta a confusão de línguas, assim como a necessidade da tarefa im-
possível do tradutor, que deve trabalhar com a língua de Deus, que é Babel e confusão.
Dessa forma, fica estabelecida uma ligação entre a linguagem e Deus, a língua falada é
a sua e está imposto o nome-do-pai. Portanto, é compreensível porque Derrida pergun-
ta qual língua era falada durante a construção da torre, antes de ter sido proclamada
“Babel”. Pode-se traduzir um nome próprio (Deus, Babel)? Pode-se confundi-lo com um
nome comum (confusão)?
Ao comentar o respectivo mito, o filósofo nos alerta sobre os ricos ou a problemática de
procurar traduzir ingenuamente o nome Babel como sendo confusão:
Traduzam meu nome, diz Ele, mas ao mesmo tempo Ele diz: vocês não conse-
guirão traduzir meu nome porque, em primeiro lugar, é um nome próprio e, em
segundo, o meu nome, o nome que eu próprio escolhi para esta torre, signifi-
ca ambigüidade, confusão, etc. Assim, Deus, em sua rivalidade com a tribo dos
Shems, dá-lhes, em um certo modo, um comando absolutamente duplo. Ele im-
põe um duplo vínculo [double bind] a eles quando diz: traduzam-me e, o que é
mais importante, não me traduzam. Eu desejo que vocês me traduzam, que vocês
traduzam o nome que eu impus a vocês; e, ao mesmo tempo, o que quer que vo-
cês façam, não o traduzam, vocês não serão capazes de traduzi-lo.
Grosso modo, Deus aqui nada mais é que o nome sem-nome da desconstrução da Tor-
re de Babel, pois é ele quem interrompe a construção, ou seja, ele mesmo interrompe
a construção no próprio ato de interditar a tradução; e interditar a tradução significa
ordenar e proibir: significa dizer “que haja tradução” e ao mesmo tempo advertir que a
tradução será sempre impossível. Nessa esteira argumentativa, a desconstrução, então,
como uma injunção à ação, mas a uma ação que se sabe desde sempre interdita e, por
isso, infinita.
Fonte: Silva (2015, p. 91-102).
MATERIAL COMPLEMENTAR

A Teologia do Século XX
Rosino Gibellini
Editora: Edições Loyola
Sinopse: Este estudo é uma tentativa de reconstrução global da
história do pensamento cristão do século XX em seus momentos mais
significativos, em suas temáticas mais comprometedoras, nos textos
essenciais que lhe expandem o percurso. As teologias, que vão se sucedendo de capítulo em capítulo,
devem ser vistas como perspectivas a respeito do objeto incomparável e co-envolvente do Mistério e
da Revelação, no contexto experiencial, cultural e social em que pouco a pouco se articula a reflexão
teológica do século passado e do atual.

O Show de Truman
Truman Burbank é um vendedor de seguros que leva uma vida
simples. Bondoso e metódico vive na pequena cidade de Seahaven.
Tem uma namorada chamada Meryl, um melhor amigo, um trabalho
e todo dia ele “faz tudo sempre igual”. A única coisa que Truman
não sabe é que vive dentro de um show de televisão. Todos que convivem com ele estão ali
trabalhando. São atores contratados que encenam a realidade da sua vida. O dono do destino de
Truman não é Deus, ele tem um Senhor próprio, que atende pelo nome de Christof. Durante toda
a vida de Truman, Christof tratou de colocar no rapaz todo o tipo de medo que se relaciona com a
vontade de viver novas aventuras. Assim, conseguiu manipular a permanência de Truman dentro
dos estúdios. O rapaz vive num local cercado pelo mar, por isso, quando era criança, ele “perdeu”
seu pai durante um acidente marítimo, fato que fez surgir um medo óbvio dentro dele.

Fundamentalismo: um breve histórico


Este artigo traz uma abordagem histórica e apologética do fundamentalismo, dividindo as suas
quatro fases desde a década de 1920 até 1980.
Web: <http://solascriptura-tt.org/SeparacaoEclesiastFundament/Fundamentalismo-
BreveHistorico-Desconhecido.htm>

Material Complementar
REFERÊNCIAS

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93
GABARITO

1. O(a) aluno(a) deverá apresentar os pressupostos do Iluminismo que favorece-


ram a religião, especialmente o cristianismo protestante, e que foram utilizados
pela teologia, como o racionalismo.
2. O movimento fundamentalista tinha como principal objetivo o de identificar o
cristianismo autêntico com um sistema ortodoxo de doutrinas, como a inerrân-
cia das Escrituras, o nascimento virginal de Cristo, a volta de Jesus, entre outras.
Eles procuraram refutar a teologia do protestantismo liberal e do evangelho
social.
3. Nessa resposta, o(a) aluno(a) deverá apresentar o seu próprio entendimento so-
bre a questão da “morte de Deus”. Deve-se tomar cuidado, porém, de que essa
não é uma afirmação de que Deus não existe e sim de que, para a teologia, Deus
não deve ser o seu objeto de indagação principal. Também deverá ser evitado
utilizar referenciais das tradições denominacionais aos quais os(as) alunos(as)
pertencem.
4. As influências da filosofia foram a semiótica, a filosofia da linguagem, a metafí-
sica, o pós-estruturalismo, a hermenêutica, a fenomenologia e a filosofia analí-
tica, entre outras.
5. Essa questão é bem ampla e pessoal para que o(a) aluno(a) possa demonstrar
a familiaridade com temas que são ou que podem ser objeto da reflexão teo-
lógica.
Professor Dr. Sérgio Gini

A INFLUÊNCIA PÓS-

III
UNIDADE
MODERNA NA TEOLOGIA

Objetivos de Aprendizagem
■ Esclarecer sobre a teologia feita em prol da disseminação de uma
estrutura pós-moderna de pensamento.
■ Apresentar a relação da teologia com a crítica de que não há sentido
absoluto nos significados do mundo cristão.
■ Verificar como a teologia na pós-modernidade se alia ao conceito de
irracionalidade em contraposição ao conceito de racionalidade do
mundo moderno.
■ Entender os elementos teóricos do relativismo em face da sua
absorção pela teologia na pós-modernidade.
■ Descrever os pressupostos teóricos que permitiram uma nova
intersecção da teologia com a filosofia pós-moderna.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A estrutura pós-moderna de pensamento
■ Teologia e pós-estruturalismo
■ Teologia e Irracionalidade
■ Teologia e Relativismo
■ O reencontro da Teologia com a Filosofia
97

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), esta é a nossa terceira unidade e nela veremos como a pós-
-modernidade influenciou a teologia, fazendo-a passar rapidamente do campo
da dialética, influenciada pela teologia da Palavra de Karl Barth, ao campo ecu-
mênico e mundial, abandonando sua influência europeia e se abrindo a temas
como a inculturação (África e Ásia), feminismo e ação política.
Esse percurso foi acelerado, como é próprio da pós-modernidade, sendo
muito difícil estabelecer marcos temporais que dividiram uma corrente de pen-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

samento teológico. O que temos, de fato, são movimentos teológicos, utilizando


uma referência do historiador da teologia, Rosino Gibellini (2002), que perpas-
sam algumas décadas e que não chegam a ser superados, mas se entrelaçam e
dão continuidade ao saber teológico e ao fazer teologia.
Dentre esses movimentos, a pós-modernidade contribuiu para enfatizar o
que é chamado de “reviravolta antropológica”, ou seja, a teologia passa a estar a
serviço do ser humano, enfatizando os aspectos da encarnação e da redenção
em prol da humanidade.
A ênfase na teologia a serviço do humano deu origem a outro movimento,
por volta dos anos 1960, fundamentada na teologia da história e no debate em
torno do cristianismo e secularização, mediado pela teologia política e pelo sur-
gimento de formas de teologia da libertação. Nesse ponto, a teologia assume uma
consciência política, que se afirmará na defesa da vida, da libertação dos pobres
e oprimidos pelo sistema econômico vigente.
Outro movimento, herdeiro da reflexão pós-moderna de valorizar a irra-
cionalidade, a relatividade e a linguagem, foi o que possibilitou a abertura das
teologias confessionais à teologia ecumênica e à teologia das religiões (o cristia-
nismo é uma das muitas religiões). Assim, a teologia atual está sendo feita, pensada
e refletida em uma lógica ecumênica e planetária, sem se descaracterizar do pro-
pósito da encarnação e da redenção, mas totalmente a serviço do ser humano.

Introdução
98 UNIDADE III

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A ESTRUTURA PÓS-MODERNA DE PENSAMENTO

Caro(a) aluno(a), ao considerarmos as diferentes formulações históricas da teolo-


gia, afirmamos a necessidade da contemporaneidade do discurso teológico. É dessa
forma que a teologia deverá sempre buscar atender aos sinais dos tempos com o
objetivo de demonstrar com eficiência e eficácia a mensagem do conteúdo revelado.
Em outras palavras, diríamos que a eficácia da teologia está em ser contemporâ-
nea de seu período histórico. Assim, na pós-modernidade a teologia se vale também
das formas estruturais do pensamento pós-moderno. Por isso, a teologia há muito:
deixou de ser a sistematização ou dogmatização de determinados con-
teúdos de fé - a ênfase da teologia antiga - e de se desenvolver como
ciência da fé por meio do método descendente - como na teologia es-
colástica - ou ser uma reflexão crítica da fé por meio do método ascen-
dente - como nas teologias da história, transcendental e da práxis - nem
tampouco defender as inovações filosóficas - como a teologia apologé-
tica atual (GONÇALVES, 2005, p. 27).

O método teológico descendente parte da divindade de Jesus, a segunda


pessoa da Trindade, e sua interação com a humanidade, por meio da encar-
nação, vida e obra e a redenção. O ponto de vista é o divino. Já por método
ascendente entende-se o caráter humano e libertador da obra redentora de
Jesus. Estuda-se a sua humanidade e todo o contexto de sua vida e obra a par-
tir da prática libertadora do ser humano. O ponto de vista é, assim, humano.
Fonte: traduzido de Neuman (2006).

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


99

A estrutura pós-moderna de pensamento está baseada na lógica da razão sen-


sível em contraposição à razão instrumental. Por esta perspectiva, o indivíduo
constrói sua história a partir de uma socialidade de base que o religa ao mundo
a partir de sua capacidade de criação e de invenção, por meio da sensibilidade,
ou seja, não apenas a partir da relação formal racional, mas também a partir das
sensações (mais hedonistas do que possam imaginar os modernos) e sensibili-
dades, tais como a estética.
Assim, o todo social é formado por pluralidades estético-culturais comuni-
tárias, que aparecem à luz e mostram que o viver social é complexo, dinâmico,
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ambivalente, fluido. Por sua vez, estruturada a partir desse pensamento, a teologia
pós-moderna deve ser capaz de ser complexa, nômade, aberta, transversal, plural
e flexível (OLIVEIRA, 2003). Gonçalves (2005) destaca que além disso “a teologia
deverá também ser marcada pela centralidade da vida, considerando a diver-
sidade de vidas no universo e a peculiaridade do ser humano colocada pela fé”.

A última estimativa científica sobre o número de espécies que vivem na Ter-


ra é de 2011. Neste estudo, os cientistas afirmam existir cerca de 8,7 milhões
de espécies vivas. Entretanto, para Camilo Mora, pesquisador da Universida-
de Dalhousie, no Canadá, e da Universidade do Havaí, nos Estados Unidos,
86% das espécies terrestres e 91% das espécies marinhas ainda não foram
descobertas, descritas ou catalogadas.
Fonte: BBC Brasil (2011, on-line)1.

Por essa estrutura de pensamento, o transitório substitui o estável, o fixo e o


durável, que no “projeto” moderno eram sinônimos de confiabilidade. Para
Fernandes (2005, p. 04), “as novas formas de sociabilidade passam a ser anco-
radas num nomadismo econômico, político e cultural cuja força relaciona-se
diretamente com o poder de flexibilidade e reacomodação dos laços sociais”.
O sociólogo francês Michel Maffesoli (1944-) cunhou a metáfora que explica a
transição, dentro do conceito de nomadismo, do “homo economicus” ao “homo
eroticus”. Para ele, o “homo economicus” esteve presente até o final da segunda

A Estrutura Pós-Moderna de Pensamento


100 UNIDADE III

guerra mundial e estava voltado para a produção, para o crescimento econô-


mico, para a mercantilização das trocas, ou seja, toda a sua vida era voltada para
a acumulação do patrimônio. O “homo eroticus” - não se trata de um erotismo
no sentido realista do termo, mas significando um “erotismo social” - é o indi-
víduo pós-moderno por excelência.
O indivíduo pós-moderno não se define por seu status social ou profis-
sional, seu nível econômico e de formação, mas essencialmente por sua
relação com o outro. É este “relacionismo” que constitui a característica
essencial do “homo eroticus”: eu vivo e sinto pelo e graças ao outro
(MAFFESOLI, 2014, p. 49)

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Desta forma, como referencial para pensar a teologia atual e suas implicações
com sociedade, a estrutura de pensamento pós-moderna se baseia na razão sen-
sível, nas emoções e nos afetos públicos (MAFFESOLI, 2014).
Esse nomadismo, utilizando o termo de Maffesoli (2001), permite ao indi-
víduo pós-moderno ampliar o seu espectro de interação cotidiana no momento
em que se desloca entre territórios simbólicos, linguísticos e de diferentes formas
de vida sociocultural. Como um nômade, o indivíduo pós-moderno tem os seus
limites territoriais, no sentido socioantropológico, redefinidos de acordo com as
relações e interações que vão ocorrendo no cotidiano vivido (FERNANDES, 2005).
O impacto para a produção teológica e para o saber teológico é muito pro-
fundo. A própria comunicação torna-se fluida, impossibilitando a preponderância
das grandes e estruturantes narrativas. A teologia deve se deslocar então para os
espaços mínimos da vida humana e para as histórias mínimas dos seres huma-
nos em sua relação com o divino.

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


101

Estamos atravessando um tempo em que o viver mínimo e as histó-


rias mínimas ocupam os espaços das metanarrativas modernas. Há no
ar da pós-modernidade a “incredulidade em relação aos metarrelatos”
(...). Vivemos um tempo pós-moderno, ou tempos em que se assume a
fluidez interpessoal e individual devido à contingência e à ambivalência
presentes no cotidiano. Tempos em que não se deposita confiança na
linearidade do tempo, nem do espaço. Menos ainda da comunicação.
Deste modo, as microinterações cotidianas ganham centralidade, ree-
laborando também os processos comunicativos em que o viver entre
reafirma o aspecto da ambigüidade societal (FERNANDES, 2005, p. 17).
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Há uma outra dinâmica de sociabilidade na pós-modernidade. O indivíduo


não tem suas referências nas instituições identitárias fixas da modernidade,
como partido político, sindicato, classe, gênero.
(Gilles Lipovetsky)

Desse modo, caro(a) aluno(a), a estrutura pós-moderna de pensamento traz


novas perspectivas para a teologia no sentido de que a faz se despir dos grandes
sentidos, das verdades tidas como consensuais, para perscrutar os recônditos
mais afastados do ser humano. Visto desse ponto de vista, a teologia pós-mo-
derna é um novo alento para que o sentido da encarnação e da redenção faça,
de fato, sentido na vida do sujeito pós-moderno.

A Estrutura Pós-Moderna de Pensamento


102 UNIDADE III

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TEOLOGIA E PÓS-ESTRUTURALISMO

Caro(a) aluno(a), se a estrutura de pensamento pós-moderno obrigou a teologia


a dialogar com a micro-história do indivíduo, a linguagem utilizada para essa
comunicação, fluida, diluída e instável, é o pós-estruturalismo. Nesse processo,
surgem novas maneiras de se interpretar a relação do ser humano com o sagrado
e, no caso do cristianismo, novas maneiras de se interpretar o texto bíblico.
O pressuposto pós-estruturalista é de que não há nada a ser interpretado, pois
tudo já é interpretação. Os signos (símbolos) são arbitrários e fazem os sentidos
absolutos serem impossíveis, além de que as estruturas fixas não podem forne-
cer as bases para as ideias se consolidarem, como afirmavam os estruturalistas.
Portanto, não é sem sentido que muitos autores utilizam o termo pós-estrutu-
ralismo como sinônimo de pós-modernidade. Para a teologia, essa perspectiva
se relaciona diretamente com a forma de interpretar os relatos fundantes da his-
tória bíblica e do cristianismo.
Na unidade anterior, falamos um pouco sobre o método-crítico que se ori-
ginou do pós-estruturalismo, o desconstrucionismo e seus expoentes, entre eles
um dos mais destacados filósofos pós-modernos, Jacques Derrida (1930-2004).
Para os desconstrucionistas, a identidade e as intenções do autor de um texto

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


103

são irrelevantes para a sua interpretação e, ainda mais, não há como encontrar
um sentido fixo em um determinado texto. McGrath (2005, p. 152) destaca dois
princípios gerais que sustentam a tese do desconstrucionismo na interpretação
textual: “1. Tudo que for escrito transmitirá significados que seu autor não pre-
tendia ou que não poderia ser intencionado. 2. O autor é incapaz de expressar
em palavras aquilo que a princípio quis dizer”.
Desse modo, dependendo do ponto de vista, todas as interpretações são
igualmente válidas ou igualmente destituídas de significado. O filósofo belga
Paul de Man (1919-1983) afirmava que a própria ideia de “significado” já apre-
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sentava um sabor de fascismo.


Ao lado de Man, outros teóricos da linguagem influenciaram enormemente
a teologia pós-moderna em sua relação com o pós-estruturalismo, tais como
Geoffrey Hartman (1929-2016), Harold Bloom (1930-) e Joseph Hillis Miller Jr
(1928-). Em seus estudos acadêmicos, desprezaram as narrativas generalizadas
que alegavam fornecer parâmetros universais para a compreensão do sentido,
“taxando-as de autoritárias e fascistas, pois acabam impondo seus próprios signifi-
cados ao invés de auxiliar na compreensão do sentido” (McGRATH, 2005, p. 152).
O método histórico-crítico que dominou a tradicional forma de interpreta-
ção acadêmica da Bíblia a partir da modernidade, século XIX e início do século
XX, impondo a aplicação de métodos de crítica histórica como a do Sitz im
Leben, isto é, da “situação da vida” das passagens dos evangelhos, foi frontalmente
debatido e contestado pelos teóricos do pós-estruturalismo, especialmente nas
décadas de 1970 e 1980.
O crítico literário Harold Bloom e seu colega britânico John Frank Kermode
(1919-2010), aplicaram o método desconstrucionista no campo da interpretação
bíblica em meados da década de 1980, desafiando, por exemplo, noções do que
se considerava como interpretação bíblica “institucionalmente legitimada” ou
“academicamente respeitável”. Seus ataques foram veementes “contra a noção de
que existe um sentido para um texto bíblico, quer determinado por uma autori-
dade eclesial quer por uma comunidade acadêmica” (McGRATH, 2005, p. 153).

Teologia e Pós-Estruturalismo
104 UNIDADE III

O termo Sitz im Leben foi empregado originalmente pelos críticos literários


alemães e é de difícil tradução para o português. Denota o contexto social
ou “sentido da vida” em que surgiu uma narrativa. Para os críticos que o cria-
ram, alguns textos específicos do Antigo Testamento só podem ser entendi-
dos quando se faz a relação com a cultura e a vida social do antigo Israel. Isto
porque antes dos textos serem escritos, foram transmitidos oralmente, prova-
velmente dentro do contexto de adoração e culto (era o Sitz im Leben deles).

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Os críticos acadêmicos do Novo Testamento procuram relacionar os relatos e
feitos de Jesus como o Sitz im Leben da Igreja para qual eles foram transmi-
tidos. Eles sugerem que os ditos e feitos de Jesus só podem ser considerados
autenticamente dele quando podem ser encaixados na experiência da igreja
primitiva e não na do primeiro século. Muitos consideram este critério como
excessivamente cético, pois a base do ensinamento de Jesus, como um judeu
do primeiro século, deve ser refletida no judaísmo contemporâneo.
Fonte: adaptado de Bíblia de Estudo Oxford ([2017], on-line)².

As influências do pós-estruturalismo no método de interpretação bíblica ganha-


ram ainda mais destaque a partir das análises de dois autores que não vieram da
teologia: Michel Foucault e Jacques Derrida. Em sua análise sobre o poder, espe-
cialmente aquele que existe entre o intérprete e a comunidade, Foucault “levantou
uma série de questões importantes a respeito da função potencialmente repres-
sora dos intérpretes bíblicos ‘autorizados’” (McGRATH, 2005, p. 153). Por sua
vez, o trabalho intelectual de Derrida deu origem ao questionamento sobre a
forma como várias leituras divergentes da Bíblia poderiam ser feitas, a partir de
diferentes interpretações dos textos bíblicos.
Em síntese, as reflexões desenvolvidas por Derrida estão fundamentadas em
dois grandes pressupostos: 1. A aposta na pluralidade de sentidos; 2. A defesa da
autonomia do trabalho do tradutor. Com respeito aos vários e muitos sentidos,
Derrida está de acordo que, diante de uma sociedade pós-moderna, não é mais
possível creditar valor às metanarrativas. Sua teoria desconstrucionista propõe
que a filosofia contemporânea não tem possibilidade de criar fundamentos últi-
mos, sejam eles filosóficos (metafísicos), sejam linguísticos.

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


105

Nessa sociedade pós-moderna na qual o conhecimento não pode mais se


fechar em um significado último e absoluto, Derrida retoma o mito da multipli-
cação das línguas, conforme relatado no Gênesis 11. 1-9, para chamar a atenção
em torno do que é realmente original e o que é tradução, questionando a origem
das línguas. Sua pergunta perturbadora é: “[...] em que língua a torre de Babel
foi construída e desconstruída?” (DERRIDA, 2006, p. 19).
Outra contribuição do pós-estruturalismo para a teologia é a crítica a tudo
que defenda uma noção de “sentido” ou “sistematização”. Nesse ponto, o maior
impacto recairá sobre a teologia sistemática. Mark C. Taylor, em sua obra Erring:
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a postmodern a/theology, originalmente publicada em 1987, usou a imagem do


erro para desenvolver uma teologia assistemática que apresenta propostas diver-
sificadas às questões sobre a verdade ou o sentido, combatendo as propostas mais
tradicionais da construção de sistemas teológicos. Segundo McGrath (2005, p.
153), “Taylor defende a eliminação de conceitos como individualidade, ver-
dade e sentido. A linguagem não se refere a nada, e a verdade não corresponde
a coisa alguma”.
A noção de verdade ou o que é a verdade e também sobre qual verdade se
fala, merece atenção especial dos pós-estruturalistas. Para Derrida, estabele-
cer o “desapego da verdade” seria o exercício fundamental para a interpretação
do discurso religioso e, em suma, do saber teológico (DERRIDA, 2004). O filó-
sofo francês apresenta como precária a relação entre a linguagem dita “pura” e a
“verdade”. Assim, para que possamos compreender as estruturas que norteiam a
construção da linguagem, é necessário o desapego da verdade. Seu argumento é:
“A não-verdade é a verdade” (DERRIDA, 2005, p. 121). Trata-se de uma espécie
de “desaparição da verdade” como presença. De fato, “seria como se o próprio
furtar-se da origem presente da presença fosse a única condição de toda (mani-
festação de) verdade” (DERRIDA, 2005, p. 122).
Para a teologia, assim como para a filosofia da religião, o pensamento de
Derrida é importante porque permitiu a fuga da ingenuidade linguística, pro-
duzindo assim uma desconstrução de diversos termos e conceitos religiosos,
“cuja dimensão compreensiva só fazia sentido quando pensados a partir de uma
perspectiva ocidental e, sobretudo cristã, ou seja, aplicando-os de maneira uni-
lateral” (TELLES, 2002, p. 1).

Teologia e Pós-Estruturalismo
106 UNIDADE III

O pós-estruturalismo entende a religião e a religiosidade como fenômenos huma-


nos e, desse modo, condicionados aos parâmetros da linguagem geral. A teologia,
como porta-voz da religião, também está sujeita ao método da desconstrução.
A temática da religião, e da teologia, quando é filosoficamente desconstruída,
não sofre o seu aniquilamento ou destruição; “pelo contrário, tal fato, possibili-
ta-nos, por mais um viés, o estabelecimento de uma reflexão a partir de padrões
típicos da pós-modernidade” (WESTHELLE, 2008, p. 34).

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Pense sobre a declaração do desconstrucionista Jonathan Culler de que
“sentido é contexto preso, mas contexto é livre”.
(Culler, 1982)








A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


107

TEOLOGIA E IRRACIONALIDADE

Em termos mais simplistas, o raciona-


lismo foi um dos grandes impulsionadores
do Iluminismo e com influências diretas
no mundo moderno. Derivado da pala-
vra latina ratio (razão), o racionalismo é
entendido como alusão à visão de que
toda verdade tem origem no pensamento
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humano. Assim, como explica McGrath (2005, p. 273), é “desnecessária a ajuda de


alguma forma de intervenção sobrenatural ou um apelo à experiência dos sentidos”.
Por essa teoria, os seres humanos seriam capazes de formular uma série de ver-
dades universais por intermédio do uso devido e correto de sua capacidade natural
de raciocínio. O debate acerca da existência de Deus no século XVII ilustra bem isso.
Em oposição ao racionalismo, no final do século XVII, surgiu a teoria que
defendia um apelo à experiência. Essa corrente ficou conhecida como empirismo
e atacou diretamente a noção de que existem princípios e verdades inatas. Para
o empirismo, “Deus não é Deus porque colocou em nossas mentes a verdade,
mas porque nos concedeu as faculdades mentais para procurar essas verdades”
(McGRATH, 2005, p. 276).
O debate entre racionalismo e empirismo fez surgir um questionamento sobre
a forma como certas verdades eram alcançadas, se por um processo a priori ou
a posteriori. McGrath ilustra isso:
O primeiro deles (que literalmente significa “a partir do que vem an-
tes”) é característico do racionalismo e sustenta que a verdade é gerada
no interior da própria mente humana. O outro (que literalmente sig-
nifica “a partir do que vem depois”) sustenta que a verdade é gerada a
partir da reflexão a respeito daquilo que as faculdades humanas experi-
mentam por intermédio dos sentidos. Essa mesma discussão surge no
campo da religião, em que se continua a questionar se o conhecimento
de Deus é alcançado por um processo a priori (isto é, gerado no interior
da mente humana ou lá posto por Deus), ou por um processo a poste-
riori (gerado a partir da reflexão acerca da experiência ou da revelação
de Deus) (McGRATH, 2005, p. 276).

Teologia e Irracionalidade
108 UNIDADE III

A partir deste debate, surgiu outra disputa filosófica que influenciou tanto a ciên-
cia, quanto a religião e diz respeito ao realismo e ao idealismo. O realismo crítico
é originário dessa disputa e teve uma importância singular para a teologia, uti-
lizando o método da analogia. Em relação à existência de Deus, por exemplo, o
realismo crítico destaca duas proposições: “1. Deus existe de uma forma inde-
pendente do pensamento humano; 2. Os seres humanos são forçados a usar
modelos ou analogias para descrever a Deus, pois ele não pode ser conhecido
de uma forma direta” (McGRATH, 2005, p. 278).

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O idealismo tem a sua expressão mais forte e conhecida na abordagem do
filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), que defende a teoria de que
temos que lidar com as imagens ou representações dos objetos, e não com
os objetos em si. Os objetos em si são diferentes dos fenômenos porque
jamais poderão ser conhecidos diretamente. Já o realismo está subdividido
em várias categorias filosóficas. A base geral, contudo, é afirmar que seres
ou objetos reais são diretamente responsáveis pelo fenômeno cuja obser-
vação nos induz a pressupor sua existência.
Fonte: McGrath (2005).

No bojo disso tudo, a palavra “fé” passou a significar algo como um tipo inferior
de conhecimento, ou um conhecimento parcial baseado em uma absoluta falta de
evidência ou em evidências inadequadas. Como afirma Lima (2013), os cientistas
acreditaram que o “mundo interior” do observador era inteiramente independente
da realidade física. Desse modo, “para melhor se abordar o segundo, era preciso
submeter o primeiro a um controle, a uma neutralização radical”. Essa condição
exclui qualquer possibilidade de interferências psíquicas, místicas ou irracionais.
Contudo, a pós-modernidade em sua valorização ao microcosmo, à micro-
-história, à subjetividade, contribuiu para que a teologia resgatasse o diálogo
com a irracionalidade. Na verdade, teólogos da neo-ortodoxia, como Barth e
Brunner, já apontavam que outros elementos fundamentais deveriam ser levados
em conta nas relações do indivíduo com o seu objeto de análise: a consciência,

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


109

o sentimento, a imaginação contemplativa e tudo aquilo que é inerente a cons-


tituinte humana, e não somente a razão pura (LIMA, 2013).
Assim, a teololgia deve reservar um lugar ao irracional, reconhecendo seus
direitos e lhe fornecendo um fundamento. A contribuição pós-moderna em resga-
tar a irracionalidade está no pressuposto de que não há como pensar o mundo, sem
pensá-lo na história da consciência, dos sentimentos, e, porque não dizer, da fé.
Uma vez que o objeto da fé é Deus, o objeto da teologia é o homem que tem
fé (ROSSI; VIEIRA, 2009). A teologia, justamente por conta de seu objeto, tem no
mundo pós-moderno um caráter individual ainda mais influente, sem descaracteri-
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zar, contudo, seu caráter universal. Temos então uma teologia que “é uma atividade
de homens individuais, mas dirigida para toda a humanidade, por seu objeto não
aceitar nenhuma determinação geográfica” (LIBANIO; MURAD, 2003, p. 247).
A teologia se constrói por sua própria estrutura metodológica, ou seja, pre-
tende ser uma ciência autônoma, sendo capaz de articular teoria e prática. Assim,
no mundo pós-moderno, é essencial que, nessa estrutura metodológica, ela se
abra às demais formas de saber irracionais, dentre as quais, a contemplativa, a
mística, entre outras. Uma vez buscando o seu estatuto como ciência, a teolo-
gia também se submete a essa maneira de fazer ciência na pós-modernidade:
Não há uma única maneira de fazer ciência. As fronteiras entre o cien-
tífico e o não-científico não são absolutas. Mas quando há uma super-
posição dos domínios, a Razão corre o risco de tornar-se desrazão. Sua
universalidade precisa evitar duas armadilhas: a) o imperialismo, pre-
tendendo impor a racionalidade ocidental como um modelo universal;
b) o relativismo, pretendendo encontrar a razão em tudo e em toda
parte (JAPIASSÚ, 1996, p. 10).

É certo afirmar que uma das características da pós-modernidade em relação às


elaborações teóricas tem relação com o que se tem chamado de “pensamento
débil”. Como uma forma de reação ao racionalismo próprio da modernidade,
que afirmava um saber certo, seguro, “forte”, agora se enfatiza a debilidade dos
conhecimentos. Nesse sentido, a pós-modernidade defende que é impossível
que o ser humano tenha um conhecimento certo, seguro e exato da realidade.
“A pós-modernidade consiste, sobretudo, em abandonar a pretensão metafísica
exigida das relações da razão humana com a natureza das coisas e as postula-
ções onto-teológicas” (LIMA, 2013, p. 97).

Teologia e Irracionalidade
110 UNIDADE III

Se o objeto das ciências em geral se restringe a algo mensurável e tangível,


o mesmo não ocorre com a teologia, afinal, seu fundamento último é Deus,
o Ser por excelência intangível e imensurável.
(Luiz Alexandre Solano Rossi)

No último tópico desta unidade, veremos como a teologia se reaproximou da

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filosofia, especialmente da pós-metafísica, e então veremos de forma mais apro-
fundada como a teologia se beneficiou do conceito da irracionalidade para romper
barreiras e atuar diretamente com as questões mais emergentes postuladas pelos
indivíduos de fé em uma sociedade sem fé.

TEOLOGIA E RELATIVISMO

Antes de avançarmos para o último tópico desta unidade, convém ressaltarmos


qual tem sido o relacionamento entre a teologia e o relativismo, especialmente
pelo fato de que a primeira tem absorvido os elementos teóricos deste último.
Nas unidades anteriores, temos falado sobre o relativismo. Na verdade, o
pressuposto básico do pensamento pós-moderno está fundamentado no que se
denominou chamar de relativismo, “uma teoria de que a base para os julgamen-
tos sobre conhecimento, cultura ou ética difere de acordo com as pessoas, com
os eventos e com as situações” (HENRY, 2007, p. 245).
Para Cotrim (2001, p. 91), “no relativismo, não há uma verdade única, abso-
luta. Tudo seria relativo ao indivíduo, ao momento, a um conjunto de fatores
e circunstâncias.” Ou seja, tudo seria relativo ao interesse de quem apresenta o
argumento, a tese. Destarte, o relativismo procurou desconstruir qualquer tipo
de critério universalmente aceito.

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


111
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Assim, não há uma história comum que possa, de alguma forma, identificar os
seres humanos de modo universal. Como também não há uma verdade que seja
universal e absoluta. Em se tratando de ética, também é impossível estabele-
cer princípios morais que devem reger as condutas das pessoas universalmente
(HENRY, 2007). Diante disso, como a teologia se impõe? Que características ela
apresenta para continuar a ser relevante nesses tempos pós-modernos?
Primeiramente, é preciso separar a teologia enquanto ciência da sua vertente
apologética, especialmente a denominacional. Para essa teologia, o relativismo
é um câncer, um mal que colabora para tirar a pureza da igreja e que precisa ser
combatido. Os partidários desta tese apontam que no relativismo cada um pode
definir “sua verdade” de acordo com o contexto histórico social em que está situ-
ado (VEITH, 1999), o que acaba por comprometer o “verdadeiro” sentido da fé.
Por seu turno, a teologia sem as amarras do denominacionalismo poderá dialogar
com o relativismo, não se omitindo de apontar as tensões existentes, a principal
delas a incongruência da epistemologia da relatividade, pois a falta de uma ver-
dade absoluta é tida como a “verdade absoluta“ do relativismo (COTRIM, 2001).

Teologia e Relativismo
112 UNIDADE III

O filósofo da ciência e antropólogo social Ernest Gellner (1994) expõe em sua


obra Pós-modernismo, razão e religião (1994) que as abordagens contemporâneas à
verdade religiosa podem ser agrupadas em três: o retorno da fé tradicional de termos
religiosos; a noção relativística que a verdade é composta pela sociedade e cultura; e a
crença que realmente há uma verdade, embora nenhuma comunidade ou indivíduo
possa possuí-la. A teologia tem se valido dessas abordagens e apresentado contribui-
ções importantes especialmente nas cosmovisões relativísticas. Vejamos os principais:

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NEO-ATEÍSMO

O Neo-ateísmo não é exatamente uma escola de pensamento, antes é uma deno-


minação dada a escritores populares como Richard Dawkins (1941-), Sam Harris
(1967-) e Christopher Hitchens (1949-), cuja base de argumentos é basicamente
positivista e se concentra contra a tradicional visão cristã sobre Deus. Para eles,
há uma verdade definitiva: Deus não existe.
Escrevendo em estilo claro e acessível, os neo-ateístas (denominação que alguns
tomam pejorativamente) trouxeram as discussões sobre Deus às esferas populares.
Esse movimento contribuiu para que teólogos e filósofos da religião elaborassem
respostas aos seus argumentos, elevando o nível do debate. Alvin Plantinga (1932-)
célebre filósofo e teólogo norte-americano apontou que os argumentos dos neo-a-
teístas já estão superados e são reducionistas no seu artigo The Dawkins Confusion.
Recentemente, a escritora Karen Armstrong (1944-) lançou The case for God
(2009), em que afirma Deus como uma realidade fundamental, dialogando fron-
talmente contra Dawkins, Harris e Hitchens, também em termos bem populares.

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


113

ABORDAGENS RECONSTRUTIVAS

Em resposta ao relativismo, a teologia tradicional cristã tratou de termos filosóficos


diferentes de fundamentalistas anti-intelectuais. Esta resposta tem sido dada, prin-
cipalmente, por teólogos reformados e católicos romanos que conseguem transitar
entre a tradição e a pós-modernidade. A epistemologia reformada tem seu cen-
tro no Calvin College, em Michigan, desde a publicação de Faith and Rationality
(1983), sob os cuidados de Alvin Plantinga e Nicholas Wolterstorff (1932-).
Fundamentados na apologética reformada de Cornelius Van Til (1895-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

1987), Francis Schaeffer (1912-1984) e na ideologia político-cultural de Abraham


Kuyper (1837-1920), filósofos e teólogos como Gordon Clark (1902-1985), Alvin
Plantinga, William Alston (1921-2009), Nicholas Wolterstorff e Peter Kreeft
(1937-) defendem que o cristianismo é conceitualmente verdadeiro e cultural-
mente relevante para a presente sociedade.
A epistemologia reformada, na qual a crença em Deus não requer evidên-
cia sólida para ser racional (mas baseia-se no pressuposicionalismo, ou seja no
uso de pressuposições logicamente válidas), enfatiza que há um Deus que pode
ser inteiramente racional, cuja racionalidade é demonstrada empregando ferra-
mentas analíticas e o argumento ontológico. Nessa mesma linha, o professor de
Harvard Patrick Glynn (1951-) publica o livro God the Evidence: The Reconciliation
of Faith and Reason in a Postsecular World (1999), defendendo uma crença racio-
nalista (mas anticientífica) de Deus.
Entre os católicos, embora os papas João Paulo II e Bento XVI tenham advo-
gado em suas encíclicas um racionalismo neo-tomístico para condenarem o
pensamento teológico pós-moderno, vem do catolicismo ortodoxo oriental o
maior expoente do que é denominado teísmo filosófico: o professor de Oxford,
o britânico Richard Swinburne (1934-).
Swinburne é autor de Será que Deus existe? (1998), em que emprega instru-
mentos como o teorema de Bayes para demonstrar a possibilidade positiva da
existência de Deus. Outro professor de Oxford, William J. Wainwright (1935-)
reutiliza argumentos escolásticos para defender o teísmo.

Teologia e Relativismo
114 UNIDADE III

Uma importante meta de muitos sistemas de solução de problemas é cole-


tar evidências no decorrer do sistema e modificar o comportamento deste,
com base nessas evidências. Para moldar este comportamento, precisa-se
de uma teoria estatística de evidências. A estatística bayesiana, ou teorema
de Bayes, é uma dessas teorias. A noção fundamental do teorema de Bayes
é a probabilidade condicional.
Fonte: Departamento de informática da Universidade Estadual de Maringá,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
([2017], on-line)3.

A VERDADE EM ALGUM LUGAR

Há uma linha de pensadores, teólogos e filósofos, que defendem uma visão de ver-
dade-em-algum-lugar distante de nossa realidade e da compreensão humana. Estas
posições são difíceis de serem classificadas, mas remetem à preocupação da teologia
em dialogar com a filosofia e com o pensamento pós-moderno. O filósofo analítico
britânico Antony Flew (1923-2010) foi um grande e respeitado defensor do ateísmo
até que em 2004 declarou que estava errado e passou a adotar o reconhecimento da
existência divina. Sua postura intelectual fez surgir o chamado neo-deísmo.
Desde o fim do Iluminismo, o deísmo, enquanto doutrina, praticamente deixou
de possuir seguidores, mas com a aderência de Flew voltou ao cenário da filosofia
da religião e da teologia. Em 2007, o ex-ateu publicou o livro Um ateu garante: Deus
existe em parceria com Roy Varghese. Nele, Flew aceita os argumentos de Richard
Swinburne como cogente, mas retém uma distância qualitativa entre Deus e a criação.
Embora o agnosticismo há muito tenha desaparecido dos círculos filosóficos
recentes, um grupo ainda se mantém ativo tendo como principais pensadores
Anthony Kenny (1936-), um filósofo britânico, professor de Oxford, que foi padre
católico por quatro anos em Liverpool até decidir voltar à vida laica por ter se
tornado um cristão agnóstico.

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


115

Para Kenny, não “existem argumentos fortes para provar que Deus existe
ou que não existe.” O filósofo e professor da Universidade de Richmond, nos
Estados Unidos, James H. Hall (1933-), também é outro expoente do cristianismo
agnóstico, defensor das teses de Kenny. Ambos, passaram também a serem lidos
e debatidos nos círculos teológicos atuais.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

No estudo da lógica, quando um argumento favorece a aceitação das


premissas para quem ainda não aceita a conclusão, chamamos isso de
argumento cogente. Quando se usa premissas que só são aceitáveis
para quem já aceita a conclusão, o argumento é chamado de circular.
Vejamos um exemplo: Tudo o que as diversas religiões dizem é ilusório. Só
as religiões dizem que Deus existe. Logo, Deus não existe.
Este argumento não é cogente porque quem não aceita a conclusão, tam-
bém não aceita que tudo o que as religiões dizem é ilusório. Contudo, pode
ser realmente verdade que tudo o que as religiões dizem é ilusório. Mas
mesmo assim o argumento não é cogente. Para argumentar contra a exis-
tência de Deus só podemos usar premissas que quem é crente aceita.
Fonte: Dobelli (2013).

Expoentes da filosofia da linguagem, herdeiros da tradição de Ludwig Wittgenstein,


que recomendava o silêncio naquilo que não pode ser verificado, também têm
impactado a teologia pós-moderna. Entre eles está D. Z. Phillips (1934-2006),
que atuou na Universidade de Gales-Swansea e na Universidade Graduada
Claremont na Califórnia.
A proposta de Phillips é um teísmo chamado de fideísta, pois Deus, como
uma lógica possível, deve ser crido ainda que seja sem um fundamento. Em outras
palavras, Deus não poderia ser descrito, nem suas qualidades ou atributos discor-
ridos por palavras como fé e crença. O maior problema, segundo os teólogos que
exploram esse fideísmo, é que a linguagem religiosa deveria ser reinterpretada,
pois seria muito complicado alguém crer sem dispor de um objeto de crença.

Teologia e Relativismo
116 UNIDADE III

Por fim, temos o surgimento da teologia não-realista cujo expoente é o minis-


tro anglicano Don Culpitt |(1934-). Herdeira, de certa forma, do movimento
da morte de Deus e do existencialismo cristão, a teologia não-realista rejeita as
pressuposições realistas negando a realidade de Deus, seja como ente, seja como
fundamento último. Para Culpitt:
Deus é um símbolo unificador que eloquentemente personifica e represen-
ta tudo o que espiritualmente requer de nós (...), o atributo divino repre-
senta a nós vários aspectos da vida espiritual e a natureza de Deus, como
espírito, representa o objetivo que buscamos (CULPITT, 1997, p. 85).

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A verdade, seja lá qual for, só é acessível pela mentira, pela trapaça, pela
invenção e pela imaginação da arte.
(Italo Calvino)

O diálogo entre a teologia e o relativismo não significa que aquela tenha cedido
às pressões do fim dos absolutos. Todavia, no mundo pós-moderno a teologia
também se coloca como fonte do discurso para ora construir, ora apresentar
alternativas, em que a verdade sobre o divino se fundamente. A mediação desse
diálogo tem sido feita pela filosofia como veremos em nosso último tópico.

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


117
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O REENCONTRO DA TEOLOGIA COM A FILOSOFIA

Chegamos ao último tópico desta unidade. De tudo que vimos até aqui ficou
uma certeza: a grande importância da filosofia para a teologia. Entretanto, essa
relação nem sempre foi de diálogo e de trocas. Em sua fase clássica, a teologia
era vista como senhora da filosofia, sendo essa a sua escrava. Na modernidade, a
filosofia foi substituindo a teologia e a própria religião como orientadora última
da vida humana devido aos seus avanços nas referências à antropologia e à ciên-
cia. Criou-se então um campo de distensão entre as duas disciplinas. A filosofia
da religião, com seu arcabouço teórico, foi tida, em determinado momento his-
tórico, como a substituta da teologia.
Contudo, a pós-modernidade traz a emergência de uma filosofia marcada
pela diferença, pela abertura sistêmica, pelo pluralismo e pela transversalidade.
O reencontro da filosofia pós-moderna com a teologia proporciona a efetividade
do caminho hermenêutico do diálogo com as diversas ciências. Na opinião de
Gonçalves (2005), a filosofia foi capaz de dar uma nova razão teológica nesses
tempos de pós-modernidade:
No diálogo com a filosofia, a teologia encontrará a mediação necessária
para dialogar com a biologia e a física com a finalidade de elaborar
uma teologia da criação e uma antropologia teológica constitutivas de
matizes que propiciam melhor compreensão das implicações da fé e
da revelação nesses tratados teológicos. Dessa maneira, construir-se-á
um horizonte interdisciplinar na teologia, reforçando a sua identidade
como ciência e reflexão crítica da fé, visando à sua contemporaneidade
científica, (GONÇALVES, 2005, p. 32).

O Reencontro da Teologia com a Filosofia


118 UNIDADE III

Não pretendemos aqui fazer uma análise exaustiva das contribuições da filosofia
pós-moderna à teologia, por isso apresentaremos os modos genéricos, porém expres-
sivos, que apontam a interação entre a teologia e a filosofia na pós-modernidade.

FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Se a teologia trata da fé humana em Deus, como seria possível descrever ou dis-


cutir algo sobre Deus utilizando uma linguagem humana? Este é o ponto central

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do questionamento do filósofo que mais contribuiu para a filosofia da linguagem,
Wittgenstein: “se nossas palavras não conseguem descrever o aroma característico do
café, como podem tratar de algo tão sutil quanto Deus?” (McGRATH, 2005, p. 303).
Assim, buscando conciliar os temas do “significado” e da “compreensão”, a filosofia
da linguagem se ampliou para a filosofia analítica (para entender o “significado”)
e para fenomenologia hermenêutica (para buscar a “compreensão”) dos textos.
Todavia, há uma crítica de que o excesso de intuição com relação à inter-
pretação pode levar há uma saturação dos fenômenos. O filósofo francês Paul
Ricouer (1913-2005) destaca que “o símbolo dá a pensar” (ARÉVALO, 2011, p.
80) e, por isso, foi um dos contribuintes mais importantes para a fenomenologia
da filosofia da linguagem. De acordo com Arévalo (2011), o trabalho de Ricouer
tem um longo itinerário que vai dos anos de 1960 até o início dos anos 2000.
Nesse trajeto, Ricouer contribuiu com três movimentos devidamente caros para
a teologia. Segundo Arevalo:
o primeiro tem por eixo a hermenêutica dos símbolos, que ele desenvol-
veu nos escritos dos anos 1960. O segundo é consagrado aos escritos dos
anos 1970 e 1980, nos quais o acento se desloca mais e mais fortemente
rumo à mediação textual. O terceiro eixo segue a abertura da hermenêu-
tica aos problemas da filosofia prática, que, nos últimos escritos, desem-
bocaram numa “fenomenologia do homem capaz”, em uma hermenêu-
tica de si mesmo. Três movimentos de um itinerário que o faz gerar uma
hermenêutica ao redor dos símbolos, outra ao redor dos textos e uma
terceira ao redor da ação humana (ARÉVALO, 2011, p. 80).

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


119

A temática do sujeito trabalhada por Ricouer, embora seja alvo de pesadas críticas dos
desconstrucionistas, faz valer a reflexão de que a ideia de um sujeito que é responsável
por suas palavras e suas obras não pode ser descartada a priori na pós-modernidade.
Prescindir da clássica noção de sujeito como um Cogito transparente
não significa que tenhamos que prescindir de toda forma de subjetivi-
dade. Minha filosofia hermenêutica tentou demonstrar a existência de
uma subjetividade opaca, que se expressa a si mesma através do desvio
de incontáveis mediações de signos, símbolos, textos e da práxis huma-
na ela mesma, (RICOUER apud ARÉVALO, 2011, p. 81).

O tom dado por Ricouer e que impacta a teologia pós-moderna é a volta à temática
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do sujeito sob a forma de uma “hermenêutica do si mesmo”. Arévalo (2011, p. 82)


destaca que a hermenêutica do si mesmo é “uma indagação que submete todas as
mediações da linguagem, da ação, da narração e da ética a um si que será sucessiva-
mente chamado locutor, agente, pessoa de narração, sujeito de imputação moral, etc”.
Na outra ponta, há os filósofos e teólogos que têm trabalhado sob a pers-
pectiva pós-metafísica, termo atribuído ao filósofo Jürgen Habermas (1929-).
Para esses pensadores, os sujeitos encontram-se em um mundo aberto e estru-
turado linguisticamente e se nutrem de contextos de sentido gramaticalmente
pré-moldados. A teologia estaria refém desse sentido pré-moldado. Por sua vez,
a linguagem se faz valer frente aos sujeitos falantes como sendo algo objetivo e
processual, como a estrutura que molda as condições possibilitadoras.
De outro lado, o mundo da vida, aberto e estruturado linguisticamente,
encontra o seu ponto de apoio somente na prática de entendimento de uma
comunidade de linguagem. Segundo Habermas:
A formação lingüística do consenso, por meio da qual as interações se
entrelaçam no tempo e no espaço, permanece aí dependente das tomadas
de posição autônomas dos participantes da comunicação, que dizem sim
ou não a pretensões de validez criticáveis (HABERMAS, 1990, p. 52-53).

Em tom pós-metafísico, as contribuições mais significativas para a teologia e que


têm provocado alentadores debates provêm de pensadores como Gianni Vatimo
(1936-), Jacques Derrida, Richard Rorty (1931-2007), além do próprio Habermas.

O Reencontro da Teologia com a Filosofia


120 UNIDADE III

TEOLOGIA PÓS-LIBERAL

Inspirados na filosofia da linguagem de Wittgenstein e na filosofia moral de


Alasdair MacIntyre (1919-), bem como na corrente teológica da ortodoxia radical,
os teólogos George Lindbeck (1923-), Hans Wilhelm Frei (1922-1988) e Stanley
Hauerwas (1940-) propõem uma teologia narrativa com interação com a filo-
sofia rejeitando a objetividade da teologia liberal, embora aproveitem muito de
sua abordagem racional ao cristianismo.
Em sua obra The Nature of Doctrine (1984), Lindbeck defende que há certa

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“experiência universal” de religião, da qual a teologia cristã é uma expressão, em
rejeição da “racionalidade universal do iluminismo moderno”. As introspecções
antropológicas e sociológicas sobre a natureza da comunidade elaboradas pelo
antropólogo Clifford Geertz (1926-2006) e pelo sociólogo Peter Berger (1929-)
apresentam um um pano de fundo para formular uma epistemologia historicista
e comunitária, na qual a experiência e pensamento são definidos pela história
coletiva. Desse modo, a teologia pós-liberal prefere uma teologia narrativa a uma
teologia normativa como doutrina, sendo essa abordagem essencialmente descritiva.
Quando discute sobre a ética é que o pós-liberalismo teológico revela muito
de sua conexão pós-moderna. A teologia pós-liberal considera os valores morais
como pertencentes a uma comunidade em particular (a Igreja no caso do cris-
tianismo) em reação da prevalecente universalidade moral de Kant. Hauerwas,
entretanto, é o único pós-liberal que discorda, defendendo uma ética de virtude.

O DEUS LIMITADO

Há várias teorias filosóficas pós-modernas com uma diversa convicção sobre


Deus, todavia com atributos distintos daqueles das tradicionais teologias clássi-
cas. Em comum, elas dividem o conceito de um Deus com uma natureza limitada
e presa ao caráter do universo. Curiosamente, essas teorias emergiram de auto-
res pós-ateístas como vimos no tópico anterior.
O teísmo finito é uma das correntes que mais tem influenciado a teologia
pós-moderna. A base para esse Deus finito são os clássicos Demiurgo platônico

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


121

e o Movedor Primário aristotélico. Há também a influência da teoria de um


finitismo interino formulado pelo filósofo liberal John Stuart Mill (1803-1876).
Outra influência é o filósofo pragmatista e psicólogo norte-americano William
James (1842-1910), que rejeitou a concepção de um idealismo absoluto divino
em favor de um panteísmo pluralístico finito.
A ideia personalista de um teísmo finito do filósofo ítalo-americano Peter Anthony
Bertocci (1910-1989) está em seu livro The Person God Is (1970) e oferece uma visão
teleológica de Deus. Apesar disso, Bertocci dá um retrato relativo de Deus, que teria
criado o universo de matéria pré-existente, está ativo nele, mas é limitado, finito e
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incapaz de trazer o desejado bem. Essa abordagem tem influenciado outras obras
teológicas que discutem o problema do mal e a degeneração do gênero humano.

Panenteísmo é muito diferente de panteísmo, doutrina que vê Deus em to-


das as coisas. Para o panenteísmo “tudo” não é Deus. As coisas são o que são:
coisas. No entanto, Deus está nas coisas e as coisas estão em Deus, por causa
de seu ato criador. A criatura sempre depende de Deus e sem Ele voltaria ao
nada de onde foi tirada. Deus e mundo são diferentes. Mas não estão separa-
dos ou fechados. Estão abertos um ao outro. Se são diferentes, é para possibi-
litar o encontro e a mútua comunhão. O Cristianismo por causa da encarnação
de Deus, criou a categoria transparência. Ela é a presença da transcendência
(Deus) dentro da imanência (mundo). Quando isso ocorre, Deus e mundo se
fazem mutuamente transparentes. Como dizia Jesus: “quem vê a mim, vê o Pai”.
Fonte: Boff (2011).

Uma outra vertente da ideia pós-moderna de um Deus limitado está na Teologia


do Processo que nasceu como uma teoria chamada Pensamento do Processo pelo
filósofo britânico Alfred North Whitehead (1861-1947). A teologia do Processo
foi desenvolvida mais tarde por Samuel Alexander (1958-1938), Schubert M.
Ogden (1928-), Charles Hartshorne (1897-2000) e John B. Cobb (1925-). Seu
aporte teórico está na secularização do conceito de Deus com a teologia natural
e com o método filosófico, com forte emprego da lógica e filosofia analítica, além
de alguma influência da teologia do jesuíta Teilhard de Chardin (1881-1955).

O Reencontro da Teologia com a Filosofia


122 UNIDADE III

Para a teologia do Processo, Deus contém o universo e está de alguma maneira


incluso nele, porém não é idêntico a ele (assim consiste em alguma forma de
panenteísmo) e é afetado pelas ações que ocorrem no universo. É um Deus bipo-
lar ou dipolar, já que possui dois polos: um espiritual e outro físico, como mente
e corpo. O Ser Último é onipotente, embora escolha agir por persuasão, deixando
o livre-arbítrio para a criação.
Deus não é uma entidade, mas um evento, é a ordem implícita que guia o
processo da realidade e está em contínuo processo de mudança própria. Deste
modo, a teologia do Processo busca resolver muitos problemas conceituais tra-

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zidos pelos atributos absolutos do teísmo tradicional, como o problema do mal,
o determinismo e o livre-arbítrio, onisciência e justiça divina, entre outras.
A mais recente teologia que discute esse Deus limitado é o deísmo aberto.
Para os teólogos que defendem essa teoria, Deus não controla meticulosamente
o universo, nem exaustivamente conhece o futuro. Os maiores expoentes do
deísmo aberto são os teólogos pós-evangelicais como Gregory A. Boyd (1957-
), pastor sênior de uma grande igreja no Minnesota (Estados Unidos), John E.
Sanders (1956-) e Clark H. Pinnock (1937-2010). O deísmo aberto é uma ver-
são cristianizada, que busca suporte bíblico, para as pressuposições do teísmo
do processo de Whitehead e do teísmo finito de Bertocci.

O valor final da liberdade supõe uma criação desejada expressamente in-


completa por Deus, para colocá-la assim nas mãos do ser humano.
(Afonso Maria Ligorio Soares)

Concluímos este tópico destacando que o reencontro da filosofia com a teologia


tem proporcionado um avanço considerável na forma de pensar e fazer teolo-
gia em especial na Europa e nos Estados, mas com reflexos diretos na América
Latina e nos países da África e Ásia.
Em defesa de uma teologia plural e acolhedora, a filosofia pós-moderna pode
contribuir muito mais para o desenvolvimento do pensamento teológico atual.

A INFLUÊNCIA PÓS-MODERNA NA TEOLOGIA


123

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), nossa meta de aprendizagem nesta unidade foi compreender


como a teologia foi influenciada pela estrutura pós-moderna de pensamento,
possibilitando assim que saísse das amarras denominacionais, dos círculos que
a prendiam como se fosse de propriedade de algum grupo ou seita e se tornasse
relevante para debater com outras ciências sobre a fé do humano no divino.
Vimos também que, na relação da teologia com a crítica do fim dos sentidos
absolutos nos significados do mundo cristão, ela foi deslocada para o campo da
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micro-história do indivíduo, um microcosmo que exige uma linguagem diluída,


fluida e instável, impactando na forma do ser humano se relacionar com o sagrado
e também em novas maneiras de se interpretar o texto das escrituras cristãs.
Assim, as certezas da racionalidade do mundo moderno dão espaço para a
irracionalidade pós-moderna com sua ênfase no sujeito e nas suas análises da
consciência, do sentimento e da imaginação contemplativa. Isto abre um leque
de oportunidades para a teologia se relacionar com o irracional, pensando o
mundo a partir da história da consciência, dos sentimentos e da fé.
Desse modo, a teologia não pode se esquivar do debate com os elementos
teóricos do relativismo, ora absorvendo esses elementos em muitos de seus pres-
supostos pós-modernos, ora questionando a forma como eles são colocados,
especialmente quando se relacionam com a “ditadura” dos absolutos. A teolo-
gia só tem a ganhar com esse debate e essa interação, ao contrário daqueles que
veem nessa relação uma contaminação da fé pura.
Concluímos enfatizando o reencontro da filosofia com a teologia e como
essa nova fase de relacionamento tem sido saudável para a retomada de temas
que fazem a reflexão deixar de ser sistemática para ser dinâmica, crítica, refle-
xiva, sem abrir mão dos conteúdos de fé, mas reelaborando conceitos para uma
teologia que seja, de fato, relevante no século XXI.

Considerações Finais
124

1. Diferencie e explique os métodos teológicos descendente e ascendente, desta-


cando seu uso na teologia pós-moderna.
2. Você concorda com o pressuposto pós-estruturalista de que não há nada a ser
interpretado, pois tudo já é interpretação? E como ficam as interpretações dos
textos bíblicos?
3. Qual o seu ponto de vista sobre a teologia se abrir às demais formas de saber
irracionais, dentre as quais, a contemplativa, a mística, entre outras?
4. Discorra sobre as abordagens reconstrutivas para a apresentação de um concei-
to racional sobre Deus. Aponte seus ganhos e limites.
5. Qual o seu entendimento sobre a teologia do Processo? Procure explicar seus
benefícios para o entendimento do livre arbítrio e da onisciência de Deus.
125

MEU MOTIVO: TEOLOGIA DO PROCESSO COMO UM MODELO ÉTICO


A teologia do processo é verdadeira? O Deus que ela descreve realmente existe fora da
nossa imaginação humana? Eu não sei. Na verdade, eu me vejo como um naturalista do
processo, e explorarei isso brevemente na Parte IV. Por que, então, defendo o teísmo do
processo tão apaixonadamente nestas páginas?
Primeiro, a teologia do processo poderia ser verdadeira. Isso faz sentido. Ela envolve e
trabalha com fatos confusos da vida, sofrimento, ambiguidade, discernimento científico,
pluralismo religioso, feminismo e ecologia, enquanto as teologias tradicionais, a meu
ver, veem essas questões como embaraços a serem acomodados ou explicados poste-
riormente. A teologia do processo me parece ser consistente em si mesma e consistente
com o mundo em que vivo. As teologias tradicionais, em minha visão, não o são. Dessa
forma, a teologia do processo merece um estudo sério. Isso faz sentido. Isso pode ser
verdadeiro.
Segundo, mas simplesmente tão importante quanto, eu ensino o valor da teologia do
processo porque ela tem uma boa ética. A teologia do processo tem me ensinado uma
maneira melhor de refletir sobre o que a ideia de “Deus” significa. Francamente, eu acho
a ética do Deus tradicional terrivelmente errática e frequentemente demoníaca. Na Bí-
blia, e em muito do pensamento cristão, Deus tem sido descrito como diretamente dis-
posto a causar grandes males: guerra, escravidão, praga, fome e mesmo a dureza dos
corações humanos. Na melhor das hipóteses, Deus tem sido retratado como alguém
que fica de lado, permitindo o sofrimento desnecessário que “Ele” poderia facilmente ter
impedido. Para defender nossas ideias sobre Deus, somos impelidos a virar do avesso
nossas ideias sobre o bem e o mal, a fim de explicar por que é realmente bom para Deus
permitir tão grande sofrimento.
A teologia do processo tem me ensinado que não existe uma razão simples para deixar
nossas velhas ideias sobre o poder divino nos forçar para um canto onde devemos per-
suadir a nós mesmos que maldades brutais são realmente boas. Ela tem me apresentado
um modelo de um Deus que é genuinamente amoroso em um sentido direto e inteli-
gível. O Deus da teologia do processo faz tudo dentro do poder divino para trabalhar
para o bem.
Fonte: Mesle (2013, p. 14-15).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Filosofia e Teologia: irmãs rivais


Edvino A. Rabuske
Editora: Argos
Sinopse: O livro trata dos diversos modelos de relação entre as duas
ciências, Teologia e Filosofia, a começar pelo da integração, proveniente do
neoplatonismo e que se manifesta, por exemplo, em Plotino e Agostinho,
passando pela subordinação da Filosofia à Teologia típica da maioria dos
medievais, e chegando às várias propostas da modernidade e da pós-
modernidade.

Os deuses devem estar loucos


Uma garrafa de Coca-Cola jogada de um avião faz os nativos
acreditarem que é um presente dos deuses. Contudo, como isto
gera uma série de brigas, eles decidem devolvê-la aos deuses,
escolhendo um dos nativos para fazer a devolução. Xi se oferece
para a tarefa e, enquanto viajava para cumpri-la, ele encontra
membros da civilização ocidental pela primeira vez. O filme
apresenta uma visão diferente da civilização vista por Xi.

Paul Tillich: entre a fé e a razão


Vídeo didático que explica um pouco da vida do teólogo Paul Tillich, suas influências em vida e
seu trabalho como capelão e, posteriormente, como teólogo de renome. Sua reflexão teológica
dialoga fortemente com a cultura e está explorada no vídeo disponibilizado no link:
https://www.youtube.com/watch?v=gxxppYL5A7U>
127
REFERÊNCIAS

ARÉVALO, E. A. S. Três novas abordagens da religião e da teologia a partir da filosofia.


In CRUZ, E. R. da; DE MORI, G. (orgs). Teologia e ciências da religião. A caminho da
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2011
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COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia: História e Grandes Temas. 15ª edição. São
Paulo: Saraiva, 2001.
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CULPITT, D. After God: The Future of Religion. Nova Iorque: Basic Books, 1997.
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DERRIDA, J.; VATTIMO, G. (orgs.) A Religião. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.
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DOBELLI, Rolf. A arte de pensar claramente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.
FERNANDES, C. S. Entre a Razão Instrumental e a Razão Sensível: o conceito de po-
tencialidade estético-comunicativa como proposta teórico-compreensiva das so-
ciabilidades contemporâneas. In Caderno de Pesquisa do Programa de Mestrado
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129
REFERÊNCIAS
GABARITO

1. O(a) aluno(a) deverá diferenciar os dois métodos, com explicações a partir da


divindade e humanidade de Cristo, por exemplo. Depois, deverá dialogar apre-
sentando qual o melhor método para a teologia pós-moderna.
2. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá optar se concorda ou não com o pensa-
mento pós-estruturalista de que tudo já é uma interpretação e relacionar isso
com a questão das interpretações dos textos chaves do cristianismo.
3. Esta também é uma questão aberta para avaliar o grau de conhecimento do(a)
aluno(a) sobre o relacionamento da teologia com outras formas de saber irra-
cionais. O(a) aluno(a) poderá relacionar, inclusive, as questões místicas em sua
resposta.
4. O(a) aluno(a) deverá ser capaz de apresentar as principais abordagens recons-
trutivas dentro da relação entre teologia e relativismo que pretendem apresen-
tar um conceito racional sobre Deus. Depois, deverá discorrer sobre um dos
ganhos dessas abordagens e sobre um limite também.
5. Sobre a teologia do Processo, o(a) aluno(a) deverá demonstrar um mínimo
conhecimento, que seja capaz de explicar os seus benefícios para a discussão
atual sobre o livre arbítrio e da onisciência de Deus. Deverá utilizar para isso o
apoio da leitura complementar desta unidade.
Professor Dr. Sérgio Gini

POSSIBILIDADES DA

IV
UNIDADE
TEOLOGIA PÓS-MODERNA

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar como a teologia se torna plural no ambiente pós-
moderno, abrindo-se para discutir várias questões relacionadas ao
ser humano.
■ Entender a importância do estudo teológico das questões
socioambientais, em face do pensamento pós-moderno.
■ Apresentar as propostas mais atuais da Teologia para a discussão do
consumo e consumismo no mundo contemporâneo.
■ Apresentar a proposta de uma teologia como um diálogo
interdisciplinar, inter-religioso, democrático e humanitário, baseada
em uma reflexão metódica, crítica e cidadã.
■ Entender a proposta de uma teologia no espaço público em face do
pluralismo religioso no Brasil.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Teologia versus Teologias
■ Ecoteologia
■ Teologia Econômica
■ Teologia Acadêmica
■ Teologia Pública
133

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), nesta unidade veremos quais as possibilidades de se fazer e


pensar teologia no ambiente pós-moderno. Assim, nossa intenção é fazer você
compreender como a teologia se torna plural, abrindo-se para discutir várias
questões relacionadas ao ser humano que vão desde questões étnicas e de gênero,
como a teologia negra e a teologia feminista, passando pela defesa dos mais fra-
cos e socialmente desassistidos, como a teologia da libertação e suas variantes,
pelas teologias que discutem a questão indígena, pelas que atuam em questões
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

territoriais como a teologia da África e da Ásia, e também por teologias que


atuam no campo eclesiástico como a teologia da esperança, a teologia evange-
lical, entre outras.
Esperamos poder levar a conhecer também a proposta de uma teologia
como um diálogo interdisciplinar, inter-religioso, democrático e humanitá-
rio, baseada em uma reflexão metódica, crítica e cidadã, o que chamamos hoje
de teologia acadêmica, mas que não se restringe à academia e transcende para
o dia a dia das pessoas. Nesse ponto, vamos introduzir a questão da bioética e
da ecoteologia, enfatizando as questões socioambientais como lugar de atuação
da teologia pós-moderna, repensando e refletindo sobre os aspectos divinos e
humanos da criação.
Se as questões ambientais são importantes hoje, por que não nos aprofun-
darmos também na discussão que gira em torno do consumo e do consumismo?
Quais as propostas da teologia atual para fazer frente à força econômica que passa
como uma grande máquina triturando tudo o que encontra pelo caminho? A
teologia não pode ficar refém da sociedade de consumo. Quais suas alternati-
vas? É o que veremos.
Por fim, nosso percurso de conhecimento também precisa percorrer a ques-
tão do espaço público, um tema que foi resgatado pela pós-modernidade. Em
face do pluralismo religioso no Brasil e do próprio pluralismo do cristianismo,
buscaremos compreender o que a teologia pública pode oferecer de respostas
para essas intervenções. Bom estudo!

Introdução
134 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
TEOLOGIA VERSUS TEOLOGIAS

Prezado(a) aluno(a), vimos na unidade II que hoje seria mais correto utilizar-
mos o termo teologias pós-modernas do que somente teologia pós-moderna.
De fato, tem havido um debate sobre diferenciar a teologia cristã e subdividi-
-la em diversas outras teologias. Entretanto, compreendemos que o tempo todo
estamos falando sobre a teologia cristã, contudo em face do ambiente pós-mo-
derno e sua concentração no microcosmo, na micro-história do indivíduo, essa
teologia cristã se apresenta de forma plural em várias outras teologias específi-
cas, engajadas, reflexivas e, até mesmo, dialéticas.
Não temos a pretensão aqui de esgotarmos o assunto; antes, ofereceremos
pistas que servirão de guia para que você possa se aprofundar mais sobre essa ou
aquela teologia. O conhecimento generalista, nesse caso, será necessário antes
de sua opção para alguma especialidade.
Desse modo, vamos apresentar como a teologia cristã se abriu para questões
étnicas e de gênero, para a teoria da práxis libertadora, para a questão indígena
e cultural, e também, por que não, para as questões afeitas ao campo eclesiás-
tico. Surgem assim no ambiente da pós-modernidade várias teologias que irão
privilegiar o foco no indivíduo, nas minorias e em aspectos antes desconsidera-
dos pela cosmovisão cristã. Vejamos os principais deles:

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


135

TEOLOGIA FEMINISTA

O movimento denominado de feminismo é um importante elemento da cultura


ocidental e desde o final do século XIX tem sido muito influente na busca pelos
direitos das mulheres, em especial a de posição de igualdade com os homens. Na
pós-modernidade, o feminismo se acentuou de modo a se tornar um programa
de emancipação denominado de “movimento de liberação feminina”.
Contra a maioria das religiões, e em especial ao cristianismo, o feminismo se
posicionou em termos conflituosos. Segundo McGrath (2005, p. 148), isso ocorreu
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

devido a percepção das feministas “de que as religiões tratam as mulheres como
seres humanos de segunda classe, tanto em termos dos papéis que essas religiões
destinam às mulheres, como pelo forma como concebem a imagem de Deus”.
A teologia feminista, como todo movimento, possui uma posição extremada e
outra posição mais centralizada. Entre os extremos, temos algumas obras de auto-
ras como da teóloga Mary Daly (1928-2010), considerada a principal expoente
da teologia feminista, que escreveu Beyond God the Father (1973), e da teóloga
britânica Daphne Hampson (1944-), Theology and feminism (1990), que alegam
Que o cristianismo, com seus símbolos masculinos para Deus, a figu-
ra masculina de seu salvador e sua longa história de líderes e intelec-
tuais do sexo masculino, apresenta um preconceito contra a mulher,
não sendo, portanto, passível de recuperação. Conforme frisam essas
feministas, as mulheres devem abandonar esse ambiente opressivo do
cristianismo (McGRATH, 2005, p. 148).

A posição mais centralizada é defendida por aquelas feministas que lutam pela
igualdade das mulheres também dentro da igreja. Essas líderes “têm acentuado
o papel das mulheres na história cristã e insistido na completa reconstrução da
teologia tradicional em torno da experiência das mulheres” (MATOS, 2008, p.
259). Nessa perspectiva, a personagem mais destacada da teologia feminista é
a teóloga católica Rosemary Radford Ruether (1936-), que foi professora no
Seminário Teológico Garrett, em Chicago, dirigido pela Igreja Metodista. Ruether,
além de defender a ordenação feminina para o sacerdócio na Igreja Católica,
identificou no patriarcalismo do antigo oriente o mal básico que teria prejudi-
cado o desenvolvimento das mulheres no cristianismo. Em seu livro Sexism and
God-Talk (1983), Ruether destaca que o patriarcalismo “denota tanto o domínio

Teologia Versus Teologias


136 UNIDADE IV

dos homens quanto a estrutura social hierárquica na qual tudo é controlado por
figuras paternas (na família, na Igreja, etc.)” (MATOS, 2008, p. 259). Isso levou
a teologia feminista a propor uma mudança no próprio paradigma do entendi-
mento de Deus como Pai, sugerindo uma mudança da terminologia bíblica na
área de gênero, passando para uma linguagem inclusiva.

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Antoinette Brown Blackwell (1825-1921) foi a primeira mulher a ser orde-
nada ao ministério da Palavra e dos Sacramentos desde o Novo Testamen-
to. Sua ordenação se deu em 1852 pela Igreja Congregacional dos Estados
Unidos. No Brasil, poucas igrejas ainda dão lugar às mulheres no ministério
pastoral. Entre os pentecostais e neopentecostais, é comum que a esposa
de um pastor também seja chamada de pastora, porém sem passar pelo
processo de ordenação.
Fonte: o autor.

Além de Ruether, teólogas como Sallie McFague (1933-), Elisabeth Schüsller


Fiorenza (1938-), professora de teologia em Harvard; Linda E. Thomas, pro-
fessora da Escola Luterana de Teologia de Chicago, autora do termo womanist
theology, ou teologia da mulher; Maria Pilar Aquino (1956-), que defende uma
teologia da libertação para as mulheres; Ada Maria Isasi-Diaz (1943-2012), que
criou o termo teología mujerista; e a brasileira Ivone Gebara (1944-) têm desen-
volvido uma epistemologia feminista, buscando entendimento alternativo para
a chamada objetividade masculina de fazer teologia e filosofia.

TEOLOGIA NEGRA

A teologia negra surgiu no seio das comunidades negras protestantes nos Estados
Unidos. Embora seja uma teologia que defenda a libertação dos negros, sua ori-
gem não é a mesma da teologia da libertação latino-americana. A consciência
negra é um dos pontos mais marcantes dos movimentos pelos direitos civis que

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


137

se irromperam na América nos anos 1960. A teologia negra surgiu como uma
reação contra a hegemonia branca, tanto nos seminários, quanto nas igrejas. Em
seu início, não era uma teologia acadêmica, mas voltada para justificar o uso da
violência para alcançar a justiça e para denotar a natureza do amor cristão. Nessa
fase, a luta do pastor batista Martin Luther King Jr (1929-1968) foi decisiva para
o avanço dos movimentos negros e para a própria teologia negra.
A grande contribuição para que as realidades da experiência negra fossem
retratadas na esfera teológica veio de Joseph R. Washington (1930-) com sua obra
Black religion (1964). Segundo McGrath (2005, p. 155), “Washington enfatizou
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a necessidade de integração e assimilação das noções teológicas da comunidade


negra no interior da corrente dominante do protestantismo”. O nome mais expres-
sivo da teologia negra é o do teólogo James H. Cone (1938-), autor dos inovadores
e influentes Black theology & black power (1969) e A black theology of liberation
(1970), em que defende a experiência afro-americana para interpretar a ação de
Deus na história. Segundo Matos (2008, p. 259), “a teologia negra consiste na análise
da condição negra à luz da revelação de Deus em Cristo, visando criar um senso de
dignidade negra e oferecer a esse grupo a força necessária para destruir o racismo”.
Cornel West (1953-), professor de filosofia em Princeton, é um dos mais
profícuos autores da teologia negra na atualidade. Sua obra mais ampla é Black
theology and marxist thought (1979), na qual apresenta uma síntese entre o mar-
xismo e a teologia da libertação negra.

TEOLOGIA QUEER (OU TEOLOGIA INCLUSIVA)

As discussões sobre a sexualidade, opção sexual e gênero também ganharam seu


espaço na teologia. A palavra “queer”, uma gíria inglesa que significa literalmente
“estranho” ou “esquisito”, foi usada por muito tempo como um adjetivo deprecia-
tivo e ofensivo aos homossexuais. Seu equivalente no Brasil é o termo depreciativo
“bicha”. Entretanto, o termo passou a ser utilizado pelos homossexuais que se deci-
diram romper com a ordem heterossexual e mesmo com a ordem homossexual
padronizante que exclui as formas caricatas, mais populares e artísticas de con-
dutas sexuais, como os travestis, drag-queens e outros considerados estranhos.

Teologia Versus Teologias


138 UNIDADE IV

O termo teologia queer foi criado pela teóloga metodista argentina, radicada
na Escócia, Marcella Althaus-Reid (1952-2009), profunda estudiosa da teolo-
gia da libertação. Althaus-Reid concentrou seus estudos teológicos na questão
da libertação centrada na condição da discriminação das pessoas de orientação
LGBT. Sua obra Indecent theology: theological perversions in sex, gender and poli-
tics (2000), a projetou internacionalmente assim como a sua proposta teológica.
Em The Queer God (2003), estabeleceu um novo campo no estudo da teologia,
acrescentando às teologias feministas e da libertação, a teologia da sexualidade.
Atualmente, o professor de Oxford e padre Graham Ward (1955-) e a teóloga
e pastora Mona West (1955-) são os expoentes da teologia queer, reinterpretando

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sexualidades alternativas e as suas acomodações no cristianismo.

TEOLOGIA PÓS-COLONIAL (POVOS INDÍGENAS, ÁFRICA E ÁSIA)

A civilização ocidental foi responsável pela colonização ou re-colonização de


várias partes do mundo. Os continentes africano e asiático foram os mais impac-
tados pela cultura ocidental e, em especial, pelo cristianismo de modelo europeu.
Embora o cristianismo esteja desde os seus primórdios nas regiões da Índia e
do norte da África, a agenda teológica nos países dessas regiões é muito recente.
Com certeza, o pensamento pós-moderno contribuiu para essa emergência da
teologia nos países em desenvolvimento que se concentra em perspectivas não-
-ocidentais do cristianismo e é muito crítica aos vieses europeus de interpretação
bíblica, embora ainda tenha poucas vozes isoladas.
O teólogo queniano John S. Mbti (1931-), que também é ministro anglicano,
é um dos mais importantes defensores da criação de paradigmas teológicos legiti-
mamente africanos, em vez de aceitar a submissão às normas da teologia ocidental.
A questão da importância aos ancestrais é um desses paradigmas defendido não
apenas por Mbti, mas também pelo ganês Kwame Bediako (1945-2008), teólogo
presbiteriano. Segundo McGrath (2005, p. 166), eles “defendem a necessidade
de levar a sério essas perspectivas, explorando seu potencial apologético e cris-
tianizando-as, a partir do seu interior”. O teólogo tanzaniano e padre católico
Charles Nyamiti (1931-) utilizou essa perspectiva em sua obra, considerada como
uma das mais importantes para a teologia africana, Christ as our ancestor (1984).

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


139

Na Ásia, desde o final da Segunda Guerra mundial, os teólogos têm procurado se


libertarem das teologias ocidentais a fim de tornar o Evangelho mais relevante para
suas próprias situações da vida. Há uma frase muito comum entre os acadêmicos
asiáticos que diz: “ideias são criadas no continente europeu, corrigidas na Inglaterra,
corrompidas na América e amontoadas na Ásia”. Desse modo, por causa do crescente
nacionalismo e reafirmação dos valores tradicionais na Ásia, empurrar a teologia do
“homem branco” sobre os asiáticos já não é mais possível. O teólogo japonês Kanzo
Uchimura (1861-1930), fundador do Movimento dos sem-igreja, por exemplo,
escreveu no início do século XX que “Se o cristianismo for literalmente apenas um,
que religião monótona ele é”. Para ele, assim como existiam as teologias alemãs, ingle-
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sas, holandesas e americanas, o Japão também deveria ter uma teologia japonesa.
De acordo com Pieris (1988), devido à existência de culturas religiosas muito diver-
gentes na Ásia, o conteúdo da teologia asiática também é diversificado. O ponto
principal da teologia asiática e unificadora de suas variadas vertentes é a afirma-
ção de que a revelação de Deus veio a nós nas Escrituras por meio de uma forma
cultural específica, quando Deus usou as culturas judaicas e helenísticas para se
revelar ao ser humano. Assim, o Evangelho também deve ser traduzido hoje para
as formas particulares de culturas asiáticas. Consequentemente, as teologias asi-
áticas pretendem representar formas culturais asiáticas: teologia da dor de Deus
(Japão), teologia do búfalo da água (Tailândia), teologia do terceiro olho (para os
chineses), teologia minjung (Coréia), teologia da mudança (Taiwan) e uma série
de outras teologias nacionais tais como a teologia indiana, teologia birmanesa e
teologia do Sri Lanka. Para Pieris (1988), a proliferação de teologias asiáticas acen-
tuou-se desde a década de 1960 e vai continuar a multiplicar-se ainda mais.
Outra vertente da teologia pós-colonial que tem se destacado com a pós-
-modernidade, e sua ânsia para dar voz aos excluídos, aos que estão à margem,
é a teologia indígena. Essa teologia tem sido feita entre os povos nativos nor-
te-americanos e, principalmente, entre os povos indígenas da América Latina.
Entre os nativos norte-americanos se destaca o teólogo e ativista Vine Deloria
Jr (1933-2005), descendente dos índios dakotas. Sua obra mais influente foi God
is red: a native view of religion (1973), na qual aponta que os nativos tinham um
conhecimento mais bíblico a respeito da criação do que os protestantes “brancos”.
No âmbito latino-americano, a teologia indígena “tem atuado na busca da
recuperação criativa da memória histórica de um sujeito que foi excluído dentro

Teologia Versus Teologias


140 UNIDADE IV

da igreja”, como afirma Mendoza-Álvarez (2016, p. 375). Essa teologia tem a pre-
tensão de recuperar sua marginalização histórica de cinco séculos, mas “sem ficar
ancorada no passado mítico, ainda que tampouco renunciando a essa outra raciona-
lidade que é própria do símbolo” (MENDOZA-ÁLVAREZ, 2016, p. 375).
Eleazar López Hernández é um dos teólogos católicos mais atuantes no
âmbito da teologia indígena. É dele a seguinte observação:
Englobar todas as teologias índias em explicações unitárias é uma exi-
gência da necessidade de contar com parâmetros amplos que sejam ca-
pazes de ajudar-nos a compreendê-las e valorá-las. Mas esta globaliza-
ção também é resultado da situação atual dos povos indígenas,que, por

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estarem submetidos às mesmas estruturas dominantes há muito tem-
po, elaboraram respostas similares e convergentes, em todos os planos,
incluindo o religioso e teológico. A teologia índia se está configurando
hoje como um modo de fazer teologia; porque é atrever-se as coisas de
Deus e nossas coisas mais profundas em categorias próprias; é lançar
mão das ferramentas de conhecimento produzidas pela sabedoria de
nossos povos para expressar nossa experiência de Deus; é pensar com
a nossa própria cabeça a fé que vivemos. (HERNÁNDEZ apud MEN-
DOZA-ÁLVAREZ, 2016, p. 376).

A teologia indígena tem sido uma releitura da teologia da libertação, mas com
o mesmo viés da narrativa do sujeito fraco pós-moderno.

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

O clamor pela libertação radical dos oprimidos sempre esteve presente no cris-
tianismo, desde heresias populares na Idade Média, passando pelos taboritas
na Boêmia, pelos anabatistas radicais na Suíça e Alemanha e pelo trabalho
de teólogos socialmente preocupados, como o bispo anglicano John Colenso
(1814-1883) e o Evangelho Social na América do Norte. Entretanto, somente na
segunda metade do século XX é que surgiu o que propriamente podemos cha-
mar de teologia da libertação.
A teologia da libertação é o primeiro caso de uma reflexão influente sobre o
mundo moderno surgida fora do eixo Europa-América do Norte. Essa teologia nasceu

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


141

na América Latina, onde teólogos católicos e protestantes começaram a refletir sobre


as condições de miséria e injustiças sociais em meados dos anos 1950, e tornou-
-se uma grande voz religiosa contra a opressão social, racial, política e econômica.
O teólogo peruano Gustavo Gutiérrez Merino (1928 -) é considerado o fun-
dador da teologia da libertação. Na verdade, Gutiérrez deu as bases do movimento
em seu livro Teologia da libertação (1971), publicado no Brasil em 1975. Seus
traços mais importantes são a “crítica das injustiças sociais, na forma da pobreza
estrutural” e a defesa por uma teologia “contextualizada e comprometida com
a justiça em cada situação específica. Ela deve ser uma reflexão concreta aliada
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a uma ‘práxis’ ou atividade libertadora” (MATOS, 2008, p. 256). Os teólogos da


libertação também defendem que Deus tem uma opção preferencial pelos pobres,
a partir da leitura dos evangelhos e dos profetas, e que os pobres têm uma com-
preensão especial da vontade de Deus. Dessa forma, “a missão da igreja consiste
em participar ativamente da libertação dos oprimidos, identificando-se com eles”
(MATOS, 2008, p. 256). Para Gutiérrez (1975), a teologia não é e nem deveria
ser desvinculada do envolvimento na sociedade ou ação política, pelo contrá-
rio, ela é uma reflexão crítica sobre a práxis cristã, à luz da palavra de Deus. Na
prática, segundo McGrath (2005, p. 154), “a teologia da libertação crítica inten-
samente o capitalismo, posicionando-se a favor do socialismo”.
Para essa teologia, o conceito de salvação passa a ter um caráter eminente-
mente libertador, no âmbito terreno, enfatizando seus aspectos sociais, políticos e
econômicos. Para Gutiérrez (1975, p. 156), “conhecer a Deus é agir a favor da jus-
tiça. Não há outro caminho que conduza a Deus”. Desse modo, Deus se revela nas
Escrituras agindo em favor do fraco e do vilipendiado da escravidão e da opres-
são. “Tal atividade não pode se restringir ao passado remoto. Pelo contrário, a
obra libertadora de Deus continua no presente” (MILLER; GRENZ, 2011, p. 175).
Os mais importantes teólogos da libertação são, além de Gutiérrez, os católicos
José Porfírio Miranda (1924-2001), Juan Luís Segundo (1925-1996), Segundo Galileia
(1928-2010), Enrique Dussel (1934-), Jon Sobrino (1938-) e Leonardo Boff (1938-
); e os protestantes Richard Shaull (1920-2002), Mortimer Arias (1924-2016), José
Miguez Bonino (1924-2012), Emílio Castro (1927-2013) e Júlio de Santa Ana (1934-).

Teologia Versus Teologias


142 UNIDADE IV

TEOLOGIA DA ESPERANÇA

Embora o seu precursor não tenha pensado a sua teologia para o labor eclesi-
ástico, a teologia da esperança em meio ao sofrimento do mundo presente na
promessa de um futuro com Deus tem sido muito utilizada pela Igreja, como
forma do próprio cristão pensar a sua teologia do mundo futuro.
O criador da teologia da esperança foi o teólogo alemão Jürgen Moltmann
(1926-), que se valeu das influências de Marx e Hegel para a sua visão de his-
tória e para a estruturação do seu pensamento teológico. Em sua Teologia da

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
esperança (1964), Moltmann enfatiza a escatologia com Deus apontando um
futuro de justiça desejado e a revolução social para manifestar o Reino de Deus
na Terra. Para o teólogo alemão, “a esperança nasce da promessa de Deus em
relação ao futuro, baseia-se na cruz e na ressurreição de Jesus Cristo e chega
até nós em nossa realidade histórica atual por meio da obra do Espírito Santo”
(MILLER; GRENZ, 2011, p. 127).
Outro teólogo que trabalhou o tema escatológico da esperança, com algumas
diferenças de Moltmann, foi o polonês Wolfhart Pannenberg (1928-2014). Em
sua obra A teologia e o reino de Deus (1969) expressou conceitos bem radicais
como a aparente não-existência atual de Deus para o mundo. Para Pannenberg,
“Deus existe no futuro, quando finalmente revelará sua divindade e majestade.
Deus se realiza com e pela história mundial, sem se tornar dependente dela.
Porém, em nossa experiência humana finita Deus parece ainda não existir, por-
que sua majestade é escatológica” (MATOS, 2008, p. 253).

TEOLOGIA DO EVANGELICALISMO

Nossa última abordagem é, talvez, a mais controversa. Trata de uma teologia


produzida pelo evangelicalismo, uma corrente supradenominacional, voltada
à espiritualidade e que põe uma ênfase especial às Escrituras na vida cristã. O
evangelicalismo surgiu nos Estados Unidos como alternativa ao fundamenta-
lismo sectarista e que menosprezou os impactos da cultura e da sociedade na

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


143

vida cristã e ao liberalismo teológico que também falhou em ser opção para
melhorar a vida em sociedade e a cultura, especialmente depois dos horrores
da Segunda Guerra Mundial.
O principal teólogo do evangelicalismo é Carl F. H. Henry (1913-2003),
professor de teologia no Seminário Teológico Fuller e editor da famosa revista
Christianity Today (Cristianismo Hoje). Henry foi influenciado pelo teólogo pres-
biteriano Harold Ockenga (1905-1985), um neoconservador que insistia que a
teologia deveria sim dialogar com a cultura e com outras ideias contemporâ-
neas, sem necessariamente perder a sua exclusividade. Henry procurou trabalhar
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questões que remetessem à cultura e às questões sociais sempre em sintonia com


a revelação das Escrituras. Em 1983, Henry publicou a sua obra máxima, em
seis volumes, intitulada God, revelation and authority [Deus, revelação e autori-
dade], deixando clara a influência que teve do filósofo Gordon Clark, expoente
do teísmo cristão (Matos, 2008).
De acordo com McGrath (2005), os pressupostos do evangelicalismo são
quatro: “1. A autoridade e suficiência das Escrituras. 2. A singularidade da
redenção, por intermédio da morte de Cristo na cruz. 3. A necessidade de con-
versão pessoal. 4. A necessidade, a adequação e a urgência do evangelicalismo”
(McGRATH, 2005, p. 160). Entretanto, um dos pontos mais importantes do
movimento evangelical e que, por meio de sua teologia, tem crescido muito não
apenas nos Estados Unidos como também no Brasil e na América Latina, é ser
muito flexível na questão da eclesiologia. McGrath explica:
O evangelicalismo jamais se comprometeu historicamente com alguma
teoria específica acerca da igreja, encarando o Novo Testamento sob uma
ótica aberta a uma série de interpretações, assim como tratava as dife-
renças denominacionais como questão de importância secundária para
o evangelho em si. (...) Uma concepção comunitária da vida cristã não é
vista como algo filiado, de forma específica a qualquer perspectiva deno-
minacional a respeito da natureza da igreja (McGRATH, 2005, p. 160).

Por isso, os evangelicais não têm compromissos denominacionais, fato que tem
possibilitado a expansão das igrejas chamadas de “comunidades”, todas, quase
que sem exceção, adeptas da teologia evangelical.

Teologia Versus Teologias


144 UNIDADE IV

O que você pode compreender no contexto da teologia da libertação sobre


o “reconhecimento da força histórica dos pobres?”
(Carlos Mendoza-Álvarez)

Caro(a) aluno(a), essas teologias que aqui apresentamos são apenas uma pequena
amostra de como a teologia cristã está fragmentada em diversas teologias no mundo

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pós-moderno. Longe disso ser uma desvantagem. É muito saudável que a teologia
se volte para questões que busquem recuperar a história a partir de suas margens -
as mulheres, as culturas juvenis, as minorias, os povos indígenas, entre outros - e
dialogue intensamente com a sociedade onde está inserida e com a cultura local.
Outras teologias deverão estar sendo feitas nos próximos anos como a teologia da
cura, a teologia dos carismas, dado à grande emergência do movimento pentecos-
tal e do neopentecostalismo. Ainda há muitas teologias para serem feitas.








POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


145
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ECOTEOLOGIA

Caro(a) aluno(a), a pós-modernidade também fez emergir uma nova teologia espe-
cífica das questões socioambientais. Essa teologia é diferente da teologia da criação,
presente desde os primórdios da teologia enquanto ciência autônoma. Ela se rela-
ciona com a biologia e com a física, extrapolando o seu campo principal de diálogo
científico que eram as ciências humanas. Assim, surgem novos termos como eco-
teologia, teologia ambiental, teologia ecológica, teologia e bioética, entre outros.
Uma das imensas contribuições do pensamento pós-moderno foi a cons-
ciência ecológica cada vez mais evolutiva. A teologia também não se furtou de
entrar nesse diálogo, abandonando o paradigma naturalista e avançando para o
paradigma ambiental, acentuando a interação do ser humano com a natureza.
Para Gonçalves (2005, p. 31), é pela perspectiva do paradigma ambiental que
“elabora-se uma teologia ecológica, capaz de denunciar a crise ecológica, na qual
o ser humano surge como um déspota, um tirano que destrói a natureza, assu-
mindo a condição de um senhor conquistador”.
Em seus escritos mais recentes, o teólogo Jürgen Moltmann (1999, p. 91-114) leva
a sua teologia da esperança também para se contrapor a essa crise ecológica, elabo-
rando uma teologia com base no desenvolvimento de uma espiritualidade cósmica, que
recupera o Deus uni-trinitário da realização efetiva da hipótese Gaia, que considera a
terra como solo e como planeta, e da aliança entre Deus, o ser humano e a natureza.

Ecoteologia
146 UNIDADE IV

A hipótese Gaia, criada pelo investigador britânico James E. Lovelock, em


1972, afirma que a Terra é um único organismo vivo. Em ecologia ela é de-
nominada como hipótese biogeoquímica e propõe que a biosfera e os com-
ponentes físicos da Terra (atmosfera, criosfera, hidrosfera e litosfera) são inti-
mamente integrados de modo a formar um complexo sistema interagente.
Lovelock e outros pesquisadores que apoiam a ideia consideram-a como
uma teoria científica e não mais uma hipótese, uma vez que ela teria passa-
do por todos os testes de previsão. O nome Gaia é em homenagem à deusa

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grega suprema da Terra.
Fonte: Cruz (2005, p. 6-7).

A questão da sustentabilidade ambiental também está na agenda da ecoteologia


na medida em que esta defende o estabelecimento de princípios éticos e teóricos,
cujos valores neles embutidos possam orientar a busca de modelos autênticos de
desenvolvimento, tendo como base o conceito divino da presença de Deus em
toda a criação (MURAD, 2016). Aliás, a teologia ecológica de Moltmann (1993)
procura recolocar Deus na criação. Nesse sentido, ele destaca que a má compre-
ensão do termo “dominai” (Gênesis 1. 26) se deve a um equívoco, por não revelar
o sentido principal do ser humano como imagem de Deus. A imagem do ser
humano dominador tem uma relação íntima com o patriarcalismo. Resultou em
grandes injustiças, em todas as épocas, sobretudo em relação à mulher e à natu-
reza. Segundo Oliveira (2007, p. 200) “Moltmann parte do princípio de que o
ser humano é criatura especial. Sua missão é ser representante do Criador, sem
deixar de viver sua vocação de criatura. Pela similitude (semelhança) com o cria-
dor, tem algo mais”. Oliveira completa
A responsabilidade humana se caracteriza por uma tríplice relação: ser
representante, interlocutora e manifestação de Deus. Escatologicamen-
te, todas as criaturas foram criadas para a felicidade. Esta é a maior
glória de Deus. Moltmann, em vez de elevar o ser humano até Deus,
faz Deus aproximar-se do ser humano a fim de que se realize, liber-
te, comunique e se confraternize em perspectiva ecológica, em Deus
(OLIVEIRA, 2007, p. 200).

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


147

Para Gonçalves (2005, p. 31), “essa formulação teológica não teria adquirido
consistência sem o diálogo com a biologia e com a física”. De fato, a biologia e a
física evoluíram muito com a pós-modernidade, propiciando uma investigação
sobre o ser humano e sobre o mundo, tendo a vida como centro. Neste aspecto,
a teologia ecológica também é uma teologia da libertação, conforme salienta
Boff (1996), pois são os pobres e excluídos os que mais sofrem com os desequi-
líbrios ambientais ocasionados pela crise ecológica.
Para teólogos como John F. Haught (1942-) e Jacques Arnould (1961-), o
diálogo com a biologia implica para a teologia defrontar-se com as teorias evo-
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lucionistas neodarwinistas e com outras correntes que trabalham com novas


descobertas biológicas a respeito da vida. Esse diálogo, no entanto, é enriquece-
dor na medida em que a vida é compreendida em sua totalidade e em constante
evolução (ARNOULD, 2001; HAUGHT, 2003). Desse modo, segundo Susin
(1999), o diálogo com a física, particularmente com a física quântica, possibilita
à teologia formular uma reflexão ecológica de entrelaçamento dos seres vivos e
desses com os seres não-vivos, propiciando compreender a totalidade do uni-
verso como Mysterium Creationis.

ECOLOGIA CÓSMICA

Um grupo de autores de linha mais plural, entre eles o erudito norte-americano


Theodore Roszak (1933-2011), criador da ecofilosofia, tem influenciado uma
geração mais recente de teólogos. Roszak, utilizando teorias como a hipótese
Gaia, a filosofia de Spinoza, a filosofia holística e a teologia progressiva-evolu-
cionária de Teilhard de Chardin, esboçou uma cosmovisão na qual o cosmo é
uma presença viva, cuja mente contém todos os seres. Assim, a ecologia cósmica
reviva o panteísmo e é aceito por vários novos movimentos religiosos de cará-
ter neo-pagão ou de culto à natureza, além de incentivar ativistas ecológicos. O
filósofo Arne Naess (1912-2009) em Ecology, Community, and Lifestyle: Outline
of an Ecosophy (1989) sistematizou essa cosmovisão, enfatizando que o mundo
não pertence aos humanos.

Ecoteologia
148 UNIDADE IV

TEOLOGIA E BIOÉTICA

Aliada à preocupação com a ecologia e com o desenvolvimento ambiental sus-


tentável, está a preocupação com a vida, ou com a intervenção que se faz sobre
a vida neste mundo pós-moderno. A teologia também tem se relacionado com
essa temática. De acordo com Medina:
O critério teológico que deve servir de ponto de partida para integrar
o tema da criação à teologia é a defesa da vida. Em um mundo e um
continente onde as forças da morte predominam, a luta fundamental é

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para preservar e melhorar as formas de vida, e o critério orientador de
toda reflexão teológica terá de ser a opção pela vida e a luta contra todas
as manifestações da morte ou da destruição (MEDINA, 2016, p. 12).

Assim, surge a relação entre a teologia e a bioética. Segundo Sanches (2004, p.


36), bioética é “a ciência do comportamento moral dos seres humanos frente a
toda intervenção da biotecnociência e das ciências da saúde, sobre a vida, em
toda a sua complexidade”. Do ponto de vista prático, a bioética é responsável por
avaliar eticamente o impacto do avanço das biociências e do mundo da saúde
sobre a vida. Questões como aborto, eutanásia, doenças degenerativas, tratamen-
tos contra o câncer, intervenções neuromotoras, parto natural sem dor, entre
várias outras, estão em seus espectro de atuação.

Em 8 de janeiro de 1956 o papa Pio XII proferiu um discurso sobre o parto


natural sem dor. A possibilidade do parto sem dor tornou-se uma conquista
das investigações sobre analgesia. Na época, isto levantava um problema
relativamente complexo do ponto de vista cultural e moral, uma vez que
para a mentalidade comum a ligação do parto à dor era algo inseparável. A
essas convicções não era alheia a influência de leituras acríticas dos textos
bíblicos. O papa introduz uma interpretação que abre para uma legitimação
da investigação científica e dos avanços tecnológicos. Pio XII observa que a
dor não é essencial ao parto, mas acidental, sendo, portanto, lícito atenuá-la.
Fonte: Coutinho (2012, p. 53).

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


149

Sanches (2004) destaca que as questões teológicas são recorrentes no universo


da bioética e, ao menos uma parte da teologia, a teologia moral, tem uma forte
relação com a bioética. Um número bastante grande de teólogos marcou a elabo-
ração e a consolidação da bioética. Vejamos os principais: Robert Paul Ramsey
(1913-1988), teólogo metodista, que publicou The patient as person. Explorations
in medical ethics (1973) entre vários outros trabalhos; Thomas J. O´Donnell
(1918-) teólogo católico, que publicou Medicine and christian morality (1971),
entre outros; James M. Gustafson (1925-), teólogo protestante, autor de Theology
and christian ethics (1974); Richard McCormick (1922-2000) e Charles Curran
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

(1934-), teólogos católicos que editaram a partir de 1979 a série Readings in moral
theology; Elio Sgreccia (1928-), cardeal da Igreja Católica, que publicou, entre
outros, o Manuale di bioetica. Fondamenti ed etica biomedica (1988) e Javier Gafo
(1936-2001), teólogo jesuíta, que publicou inúmeras obras e fundou a Cátedra
de Bioética da Universidade de Comillas, em Madrid.
Para Sanches (2011, p. 181), “a bioética que nasce do diálogo com a teolo-
gia moral cristã é sem dúvida confessional. Isto não autoriza os(as) teólogos(as)
a falar apenas a partir da experiência religiosa”, pelo contrário, os teológos pre-
cisam reconhecer a autonomia da razão e o “pluralismo que afeta não apenas a
sociedade, mas a própria teologia, e assumirem a necessidade de uma postura
dialogante e argumentativa para que a fé tenha seu canal adequado de comu-
nicação e contribuição diante das questões da bioética como ciência” (ANJOS,
2001, p. 31). Sanches, mais uma vez, acentua que a
diversidade interna na teologia aponta para a necessidade de uma con-
tínua autocrítica, pois os que assumem uma crença religiosa precisam
estar cientes, como diz Gesché, de que ‘somente Deus, e não o conheci-
mento que temos dele, é absoluto’ (SANCHES, 2011, p. 181).

Turrado, orienta que, quando se trata de bioética, os teólogos devem “ser


críticos frente aos excessos biomédicos, falta de ética e, por outra parte, ser crí-
ticos frente à sua própria tradição” (TURRADO, 2006, p. 98).
À margem da bioética, mas em correlação com ela, encontra-se o trabalho de
teólogos, como o do padre católico holandês Henri J. M. Nouwen (1932-1996),
que buscam a inclusão de pessoas mentalmente desabilitadas ao escrutínio teo-
lógico. Este ainda é um tema pouco explorado pela teologia, infelizmente.

Ecoteologia
150 UNIDADE IV

Pense sobre esse trecho do poema Nova Ecologia do poeta e teólogo Ernes-
to Cardenal:
“A libertação não somente a anseiam os seres humanos. Toda a ecologia
geme. A revolução é também dos lagos, rios, árvores, animais”.
(Daniel Medina)

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Caro(a) aluno(a), a ecoteologia tem como grande desafio nesse mundo pós-mo-
derno aprofundar a cultura ecológica que liberta a terra e afirma seu futuro e o
dos seres humanos. Assim, sua proposta deve ser a de gerar alternativas para uma
nova ordem econômica, formulando novas teses de desenvolvimento humano
integral baseado no sistema ecológico global.
Os teólogos da ecologia e da bioética têm o dever moral de aprofundar a
dimensão ética, política e econômica de suas teologias visando uma abordagem
mais integral da terra e dos seres vivos. É um enorme desafio!

TEOLOGIA ECONÔMICA

Prezado(a) aluno(a), um dos temas mais recorrentes da pós-mo-


dernidade é o consumismo. A sociedade de consumo ganhou
escalas inimagináveis com o avanço da ciência, da tecnologia e
dos meios de comunicação e propaganda. O consumismo está na
gênese do mundo capitalista e isto já foi explorado pelos pensado-
res sociais como Marx e Weber e economistas como Friedrich
List (1789-1846) e Friedrich Hayek (1899-1992), apenas para

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


151

citar alguns. Entretanto, na pós-modernidade, dialeticamente, a crise dos abso-


lutos fez que a economia ganhasse predominância na compreensão e explicação
do todo social, sem qualquer apreço pelo política e pela cultura, forçando uma
leitura da realidade sob uma única versão para a qual não há outra saída. Isso
conduz a gestão da vida a uma catástrofe na qual seres humanos e animais são
destinados a apenas sobreviverem. De acordo com Novais (2016, p. 158), “a ges-
tão da vida e dos corpos desde uma perspectiva econômica abandona o corpo
humano, pequeno e frágil, a engrenagens que fazem dele mero corpo à disposi-
ção, para a vida ou para a morte”. Desse modo, a economia pós-moderna silencia
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

um pouco do humano. Novais complementa:


A hegemonia da economia num tempo globalizado condiciona o todo
social e subjuga países e regiões cada vez maiores a determinações e
decisões de supostos técnicos e economistas, que dispõem sobre coi-
sas e corpos, assim como sobre países e grupos, como se atuassem em
nome de uma entidade superior. Nesse cenário, a visão providencial
da economia remete ao âmbito teológico uma espécie de darwinismo
social sem rosto, sem responsáveis e sem sujeitos. Decisões econômi-
cas tomadas como imperativos naturais e providenciais definem de um
modo ou de outro qual a vida merece ser vivida ou sobre qual aniqui-
lação da vida importa comover. Os milhares de refugiados e migrantes
que morrem a cada ano no Mediterrâneo na tentativa de superar as
barreiras, que o capital jamais encontrou, para transitar entre países
mostram o valor das vidas e capitais na biopolítica moderna (NOVAIS,
2016, p. 158).

Diante desse quadro, surge a teologia econômica para discutir o consumo e


o consumismo e apresentar outras propostas para que a vida social seja mais
humanizada a partir de reflexões sobre a fé e o reino de Deus. Um dos prin-
cipais interlocutores da teologia econômica hoje é o filósofo italiano Giorgio
Agamben (1942-). Em uma de suas obras fundamentais, O Reino e a Glória (2011),
Agamben teoriza que a teologia cristã fez surgir dois paradigmas, que são a teo-
logia política e a teologia econômica. Enquanto a teoria moderna da soberania
é derivada, segundo ele, da teologia política; da teologia econômica derivam “a
biopolítica moderna até o atual triunfo da economia e do governo sobre qual-
quer outro aspecto da vida social” (AGAMBEN, 2011, p. 13).
O filósofo italiano aprimora o seu conceito de teologia econômica a partir das
leituras que fez do jurista, teólogo e filósofo político Carl Schmitt (1888-1995),

Teologia Econômica
152 UNIDADE IV

considerado o maior pensador político do século XX. Nas obras de Schmitt,


Agamben se depara com um conceito que não foi trabalhado por ele, o de oiko-
nomia, o que o instiga então a se aprofundar no conceito para tentar compreender
a governamentalidade contemporânea. A genealogia do termo oikonomia levará
Agamben até a instituição do dogma da Trindade pelos teólogos patrísticos. Assim,
a oikonomia (administração) aparece como “o artifício estratégico na conciliação
da trindade com o monoteísmo, é como Deus administra e governa, com o auxí-
lio do ministério dos anjos, a vida divina e o mundo criado” (AGAMBEN, 2011,
p. 35). Em síntese, sua conclusão é de que a economia tornou-se o grande misté-

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rio da revelação, o ponto mais importante da própria teologia. A fratura, divisão,
entre o “Ser” divino e a sua “práxis” tem o impacto no pensamento moderno e
atingirá o seu ápice na pós-modernidade. A proeminência da economia sobre o
todo social estaria nessa explicação. A proposta de Agamben para destruir essa
governamentalidade contemporânea é a profanação, uma vez que o capitalismo
se tornou a grande religião atual.
O teólogo Hugo Assmann (1933-2008) também concorda com Agamben em
definir os pressupostos do sistema de mercado capitalista e das teorias econômi-
cas liberais e neoliberais como pressupostos teológicos. No entanto, sua percepção
é divergente no sentido de estabelecer a culpa na oikonomia trinitária de Deus.
Para Assmann, o problema é que o mercado capitalista “sequestrou o mandamento
do amor”, e a sua absolutização exige e justifica os sacrifícios de vidas humanas
(ASSMANN, 1989). Sua crítica mais ferrenha está em sua obra A idolatria do
mercado (1989), escrita em conjunto com o teólogo alemão Franz Hinkelammert
(1931-). Ele não critica o mercado em si, pois este é necessário para a vida econô-
mica de uma sociedade ampla e complexa, mas sim o processo de idolatria pelo
qual o mercado passa na pós-modernidade. Segundo Assmann (1989, p. 11),
ídolos são os deuses da opressão. Biblicamente, o conceito de ídolos e
idolatria está diretamente vinculado à manipulação de símbolos reli-
giosos para criar sujeições, legitimar opressões e apoiar poderes domi-
nadores na organização do convívio humano.

Tais ídolos seriam insaciáveis e nunca cessariam de exigir sacrifícios de vidas


humanas e seriam legitimados pelas concepções idolátricas dos processos

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


153

econômicos. Para ele, o essencial da idolatria do mercado consiste, portanto, na


teologia intrínseca e endógena do próprio paradigma, em sua versão econômica
(ASSMANN, 1989, p. 253-254).
O teólogo Jung Mo Sung (1957-) defende que, na amplitude deste diálogo
entre teologia e economia, a teologia não pode ser compreendida como uma
reflexão sobre a fé e a revelação de Deus. “Este conceito, acredito eu, deve ser
utilizado no interior da comunidade teológica e eclesial, mas não pode ser assu-
mido inteiramente desta forma no diálogo com outras comunidades de outras
ciências” (SUNG, 1994a, p. 128). Entre os cinco níveis nos quais se move o “dis-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

curso teológico” segundo Assmann, o quarto nível é o discernimento das funções


concretas das imagens de deuses. “É neste nível que aparece o discurso teológico
sobre a idolatria, isto é, sobre os ídolos que matam, porque exigem sacrifícios.
O quinto nível se relaciona com a busca de uma coerência em relação ao cristia-
nismo” (ASSMANN, 1989, p. 13). É neste quarto nível, segundo Sung (1994b)
que se pode e deve estabelecer o diálogo entre os teólogos e cientistas sociais na
crítica da idolatria do mercado. “A teologia é – me expresso conscientemente
com prudência – a esperança de que a injustiça que caracteriza o mundo não
pode permanecer assim, que o injusto não pode considerar-se como a última
palavra” (SUNG, 1994a, p. 129).

A teologia da prosperidade não é aceita nos círculos acadêmicos como te-


ologia de fato. É vista como um movimento religioso sincrético nascido no
âmbito da Ciência Cristã, no início do século XX nos Estados Unidos, que
pregava que a mente humana pode controlar o mundo espiritual. Seu gran-
de divulgador entre as igrejas pentecostais foi Kenneth Hagin (1917-2003),
considerado o pai da teologia da prosperidade. Entre os vários equívocos
desse movimento, dentre os quais a desvalorização da obra salvífica de Cris-
to, os mais acentuados são a defesa e legitimação dos valores da sociedade
secular como riqueza, poder e sucesso.
Fonte: Pieratt (1993).

Teologia Econômica
154 UNIDADE IV

O campo da teologia econômica tem se desenvolvido de forma bem consistente,


destacando-se entre os teólogos aqueles que defendem a esperança no Reino de
Deus encarnada na práxis do neoliberalismo (TURRI, 2014), tais como Michel
Camdessus (1933-), ex-diretor do Fundo Monetário Internacional; Michael
Novak (1933-2017), que foi embaixador da ONU para a Comissão de Direitos
Humanos e David Stockman (1946-), teólogo formado em Harvard, e que foi
diretor do Escritório de Orçamento e Gerenciamento dos Estados Unidos no
governo Reagan. Entre os teólogos da vertente da libertação, que combatem os
efeitos da era neoliberal (TURRI, 2014), temos os já citados Agamben, Assmann,

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Hinkelammert e Mo Sung. Destacam-se também o argentino Atilio Borón (1943-
), autor de América Latina en la Geopolítica del Imperialismo (2012); a italiana
Maria Grazia Turri (1954-), autora de Gli dei del capitalismo. Teologia economica
nell’età dell’incertezza (2014) e o brasileiro Luiz Alexandre Solano Rossi (1964-),
autor de Jesus vai ao Mc Donalds: teologia e sociedade de consumo (2008).
Rossi, aliás, é um dos autores que vai criticar a mercantilização da religião
na sociedade de consumo, aproximando duas correntes: a teologia da retribui-
ção, baseada nas influências dos líderes religiosos do antigo Israel e do império
Persa (explícita no livro de Jó), que formava as pessoas para não questionar, mas
se submeter aos desígnios cuja responsabilidade era atribuída a Deus, como
forma de dominação; e a teologia da prosperidade, uma espécie de marketing
religioso pós-moderno que “responde” aos anseios do povo que vive em busca
de respostas rápidas às suas necessidades, além de benefícios sob a ilusão do
sistema de produção capitalista. Rossi aponta que a mercantilização da reli-
gião, com a sua teologia da prosperidade, impõe um padrão ético simplificado
e altamente individualista tipo hambúrguer do McDonald’s. “Trata-se de uma
teologia conveniente e apaziguadora para aqueles que têm grandes posses neste
mundo” (ROSSI, 2011, p. 159). Essa pretensa teologia adota abordagens merca-
dológicas sofisticadas e transforma o fiel em cliente. Em suma, ela é totalmente
mercantilizada: “por tender a se adaptar a cultura circundante, tem se apropriado
de valores e costumes próprios do mercado” (ROSSI, 2011, p.178). A teologia
econômica proposta por Rossi é um viés da teologia da libertação pautada na
suficiência e na solidariedade.

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


155

Sobre o papel da teologia na vida econômica, pense nesta abordagem de


Max Horkheimer (1895-1973) de que, neste sentido, a teologia aqui, não é
vista como a ciência do divino ou a ciência de Deus. A teologia significa aqui
a consciência de que o mundo é um fenômeno, de que não é a verdade
absoluta nem o último.
Fonte: Horkheimer (1976, p. 106).
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Caro(a) aluno(a), a teologia econômica, especialmente no seu viés de denún-


cia contra a sociedade absolutista do mercado, é uma prova de que a teologia
da libertação não morreu (RIBEIRO, 2010). Ela pode ser reinterpretada e rea-
plicada, não somente em defesa dos pobres e desassistidos socialmente, mas
também para questionar o status quo dominante de uma cultura excessiva de
consumo e que afeta, inclusive, a vida de fé dos indivíduos.








Teologia Econômica
156 UNIDADE IV

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TEOLOGIA ACADÊMICA

Caro(a) aluno(a), neste tópico e no seguinte veremos duas abordagens da teolo-


gia que não são tipicamente da pós-modernidade, todavia são profundamente
influenciadas por ela no seu desenvolvimento contemporâneo. Ambas tem seus
impactos no Brasil por se relacionarem diretamente com as questões da vida
política, econômica e social dos brasileiros.
A teologia acadêmica é aquela desenvolvida nos bancos escolares, nas univer-
sidades, com o objetivo de formar teólogos para o exercício da teologia prática, ou
em outras palavras, o objetivo prático de formar e capacitar lideranças religiosas.
Por conta dessa apropriação da sua praticidade, a teologia acadêmica se trans-
formou em teologia confessional na medida em que a formação e capacitação de
lideranças passou para o controle das confissões religiosas cristãs. Os seminários,
que passaram a cuidar da teologia acadêmica, restringiram a teologia apenas à
prática institucional da confissão ou denominação religiosa que os mantinham.
Todavia, a teologia voltou ao cenário do mundo acadêmico (e isto foi um
ganho do pensamento pós-moderno), libertando-se das amarras dos seminários
confessionais e se apresentando apta para o diálogo interdisciplinar, inter-religioso,
democrático e humanitário, baseado em uma reflexão metódica, crítica e cidadã.
O estatuto da teologia enquanto ciência acadêmica válida, diante do paradigma
da universidade como temos hoje, data do início do século XIX. Coube ao filósofo,
teólogo e pastor da corte alemã em Berlim, Friedrich Schleiermacher (1768-1834),

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


157

desenvolver a sua definição e estruturação acadêmica na recém fundada Universidade


de Berlim. O trabalho de Schleiermacher consistiu em provar que a teologia era
condizente com o ideal científico que se propunha uma universidade, tendo toda
uma base filosófica própria e uma finalidade adequada e prática. Zilse destaca que:
A partir desta definição do ideal científico, pode-se compreender que
não é mais a teologia que deve se legitimar a partir de uma noção fe-
chada de ciência, requerendo uma estrutura epistemológica e metodo-
lógica em paralelo com as das naturais, mas ela é legitimada pela visão
mais abrangente que reconhece nela um estudo profissionalizante que
é filosoficamente embasado e metodologicamente e criticamente cons-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

truído (ZILSE, 2014, p. 1235).

Para se libertar das amarras eclesiásticas, que era um dos pontos de conflito entre
Schleiermacher e Fichte (1762-1814), que dizia que na universidade não haveria
lugar para a teologia, o teólogo luterano defenda que a teologia era sim desen-
volvida como pensamento crítico auxiliada de métodos linguísticos, históricos,
psicológicos e filosóficos da religião. “Portanto, num primeiro momento, a cien-
tificidade da teologia encontra-se nas múltiplas metodologias do conhecimento
científico utilizadas para interpretar seus objetos (piedade, bíblia, história das
doutrinas e igreja hoje)” (Zilse, 2014, 1236). O questionamento feito por Fichte
era o de que a teologia se prestava apenas a fazer um estudo histórico religioso e
Schleiermacher tenta provar que seria por conta dessa vasta metodologia e dos
diálogos com outros conhecimentos científicos que a teologia seria, de fato, uma
ciência positiva, e como tal com lugar assegurado na universidade.
O estudo teológico, para Schleiermacher, foi definido como uma ci-
ência positiva (...) com um objetivo prático: a formação e capacitação
de lideranças religiosas. Sendo este estudo teleologicamente prático,
Schleiermacher possibilitou o que poderia vir a ser uma diversidade
de estudos teológicos, contanto que na tradição destes houvesse uma
predominância de ideias sobre ações simbólicas (ZILSE, 2014, 1244).

Contudo, para ser de fato uma ciência com conhecimento acadêmico, a teo-
logia deveria se desenvolver criticamente a partir de uma relação com outros
conhecimentos científicos. Ou seja, na elaboração dos seus métodos, a teologia
poderia se apropriar de métodos já consagrados por outras ciências, melhorá-
-los ou superá-los. Sua linguagem poderia ser a mesma da filosofia, adequada à
sua realidade epistemológica e hermenêutica.

Teologia Acadêmica
158 UNIDADE IV

Se na Alemanha e em boa parte da Europa a teologia é ciência acadêmica


desde meados do século XIX, no Brasil foi somente em 1999 que o Ministério
da Educação a reconheceu como ensino superior. Este reconhecimento, entre-
tanto, não dotou a teologia de um status de ciência que tem implicações sociais
diretas na vida da comunidade nem para a ampliação dialógica do conheci-
mento. Zilse argumenta que
Esta condição precária foi reconhecida de forma nacional, e, contra esta
paradoxal autoexclusão acadêmica de um curso acadêmico, surge o Pa-
recer CNE/CES 60/2014, que busca implantar Diretrizes Curriculares

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que direcionem o desenvolvimento do estudo teológico de forma a se
tornar um que seja metodologicamente interdisciplinar, crítico, criati-
vo e construtivo, desembocando na formação de um indivíduo cons-
cientemente cidadão e humanitário, capaz de contribuir, como perso-
nagem público, na intermediação entre Academia, Centros Religiosos
(prezando pelas tradições religiosas) e Sociedade (ZILSE, 2015, p. 2).

Assim, a teologia acadêmica passa a ter uma tarefa que é a de dialogar com a
cultura nacional. No caso do Brasil, não podemos nos esquecer de que um dos
traços da cultura brasileira é a pluralidade religiosa. Com isto, requer-se também
na academia, como espaço público de reflexão do conhecimento, a representa-
ção dessa pluralidade religiosa na abertura da noção de teologia, anteriormente
dominada pela tradição cristã, para outras tradições religiosas, o que pressupõe,
todavia, uma teoria de teologia que, enquanto legitime a existência acadêmica,
não se feche a um único desenvolvimento (ZILSE, 2015).

O primeiro curso de teologia do Brasil reconhecido pelo Ministério da Edu-


cação foi o da Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana do Brasil - IECLB, localizada em São Leopoldo, no Rio Grande do
Sul. No dia 4 de outubro de 1999, o Diário Oficial da União publicou a por-
taria, assinada pelo Ministro da Educação Paulo Renato Souza, autorizando
oficialmente o curso.
Fonte: o autor.

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


159

Desse ponto de vista, a teologia acadêmica não está a serviço de um condiciona-


mento individual, a fim de obter resultados desejados pelas confessionalidades.
A teologia não pode se adequar aos dogmas. Ela necessita ser aberta e incondi-
cional. A teologia como ciência tem uma grande necessidade de ser interpretada
por uma linha plurilateral filosófica, e por uma metodologia interpretativa mais
ampla e diversificada. Zilse novamente argumenta que:
é necessário que no âmago de um desenvolvimento metateórico defini-
dor da Teologia Acadêmica, que poderia vir a servir como base trans-
religiosa para construções que intrinsecamente desemboquem numa
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

maior relevância nos pontos mencionados pelas Diretrizes (resumidos


com a noção da publicidade da teologia), estejam presentes três pontos:
a possibilidade de legitimar e construir o conhecimento a partir de uma
tradição e linguagem específicas como estruturas de visão de mundo (le-
gitimação do estudo teológico); a abertura intrínseca para uma plurali-
dade de visões, como as das tradições religiosas (já que busca ser uma
construção transreligiosa); e uma forma de garantir a abertura para o
diálogo interdisciplinar e, em relação ao ponto anterior, inter-religioso.
O que se pretende mostrar aqui é que, no centro de tal estrutura, deve-se
ter o reconhecimento das visões de mundo religiosas e teológicas como
construções históricas, ou seja, interpretativas (ZILSE. 2015, p. 3).

O teólogo e padre norte-americano David Tracy (1939-), autor de Blessed Rage for
Order: The New Pluralism in Theology (1975), é um dos mais ardorosos defensores
do diálogo da teologia com as pluralidades. Para Tracy, a condição do conhe-
cimento na pós-modernidade é plural, na qual até mesmo as ciências naturais
“começaram a entrar no estágio pós-positivista” (TRACY, 1994, p. 33). Para ele,
o problema da reflexão teológica hoje é que os pensadores religiosos não comba-
tem o obscurantismo, exclusivismo e fanatismo moral interno a suas tradições. Se
a teologia acadêmica não se libertar dessas amarras, não conseguirá ser uma ciên-
cia que impacte a vida em sociedade. Zilse denomina essa libertação de “teologia
fraca”, ou seja, uma teologia que se “enfraquece” no sentido de permitir o diálogo
com outros conhecimentos, métodos, linguagens e abordagens. Ele conclui que
um dos primeiros passos para a inserção teológica construtiva na aca-
demia poderia ser visto como o enfraquecimento do pensamento te-
ológico, reconhecendo a existência de diversas estruturas teológicas
oriundas de diversas tradições religiosas, ainda prezando, contudo,
pelo desenvolvimento interno crítico dessas tradições através de suas
próprias reflexões teológicas (ZILSE, 2015, p. 7).

Teologia Acadêmica
160 UNIDADE IV

Desse modo, a abertura intrínseca para uma pluralidade de visões, neste caso,
das tradições religiosas, possibilita à teologia acadêmica a própria expansão da
noção de teologia. Segundo Rudolf von Sinner (2007, p. 63), “assim, a teologia
em cada momento e contexto precisa dar conta da fé pelo uso da razão, permi-
tindo sua compreensão também por aqueles que não crêem”. Sinner argumenta:
O objeto da teologia acadêmica, então, não é propriamente Deus, mas
o falar de Deus. Analisa como a fé está sendo explicitada, com quais
argumentos, recorrendo a quais fontes de que modo, e observando e
analisando os diferentes modos de se fazer a explicação da fé. Nesta
observação, entra também o contexto, tanto histórico, desde a exegese

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bíblica até a história da doutrina, quanto atual, procurando fazer uma
teologia relevante para o contexto contemporâneo em determinado
lugar, sem esquecer a catolicidade da fé, ou seja, a coerência da fé ao
longo do tempo e no conjunto das vozes do ecumenismo hodierno
(SINNER, 2007, p. 63).

A tensão existente entre a teologia confessional, do espaço religioso, e a teolo-


gia acadêmica, pode ser positiva se aqueles que laboram com a teologia tirarem
proveito dessa imbricação. Zabatiero destaca que
essa imbricação da teologia entre espaços religioso e acadêmico, sua
localização no limiar entre experiência de fé e experiência científica
implica que a teologia será, também, e inevitavelmente, uma teoria crí-
tica da fé vivida. Teólogas e teólogos não podem aceitar e compactuar
com formas de vida cristã que reduzam a fé aos interesses institucionais
que regulamentam a vida de seus fiéis, ou aos interesses individualistas
de crentes que confundem salvação com a satisfação de seus próprios
desejos (ZABATIERO, 2007, p. 79).

A inserção da teologia no universo acadêmico oficial é um ganho para os fiéis e


para a comunidade dos não fiéis, desde que a teologia possa ser mediadora de

Reflita sobre a seguinte afirmação: “Teologia é empreendimento humano.


Se esta é sua fraqueza, esta é também, e justamente, a sua força.”
(Enio Mueller)

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


161

novos saberes e de novas possibilidades para a vida comunitária.


Caro(a) aluno(a), vimos que a teologia acadêmica é riquíssima para ampliar a
participação cidadã no desenvolvimento da vida comunitária, baseada no diálogo
com outras formas de manifestação da cultura e dos conhecimentos científi-
cos. Em 16 de setembro de 2016, a Câmara de Educação Superior do Conselho
Nacional de Educação do Ministério da Educação publicou a Resolução nº 4,
estabelecendo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação
em Teologia (BRASIL, 2016). Com isso, a teologia acadêmica no Brasil tem um
estatuto de formação própria, reconhecido pela autoridade regulatória da univer-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

sidade brasileira. Resta agora a sua autoafirmação enquanto ciência, transitando


e dialogando com outros saberes e outras possibilidades.

TEOLOGIA PÚBLICA

Caro(a) aluno(a), nosso último tópico


desta unidade está reservado para uma
abordagem inicial sobre a teologia pública,
ou em uma concepção mais pós-moderna
uma teologia no espaço público em face
do pluralismo religioso no Brasil.
Para Zabatiero (2013, p. 75), teologia pública “é a teologia que tem a ver com
questões públicas – da política, do Estado, aquilo que não é privado”. Sinner (2012)
descreve a teologia pública como uma teologia “que pretende refletir sobre a contri-
buição que as igrejas podem dar ao espaço público, visando ao bem ou bem-estar
comum”. Ambos partem do pressuposto de que a teologia possui um discurso público,
seja ela para a igreja, para a universidade ou para a sociedade (TRACY, 2006).
O teólogo sul-africano Dirk J. Smit (1951-) é um dos mais atuantes defensores
da teologia pública na atualidade. Ele defende o uso de termos e concepções socioló-
gicas para que os teólogos possam atuar publicamente em quatro áreas, que seriam:

Teologia Pública
162 UNIDADE IV

As áreas do Estado e política, a área da economia, a área da sociedade


civil (que inclui, p. ex., o judiciário, a educação, o mundo do trabalho,
cultura, ciência e esporte, mas também organizações e associações) e,
finalmente, a área da opinião pública, inclusive a mídia em todas as
suas complexas formas na atualidade (SMIT, 2007, p. 37).

Diante desse quadro, abre-se para a teologia um amplo leque de participação e


interação na vida social. Na opinião da teóloga Eneida Jacobsen, a teologia pre-
cisa ser feita “ancorada” no mundo da vida das pessoas, situando-se, dessa forma,
dialogicamente na esfera pública (JACOBSEN, 2011). A teologia pública trata
diretamente com a questão da cidadania.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A história da teologia cristã ocidental contribuiu para a violência contra a
mulher ao colocá-la como um ser inferior, pecaminoso e construir estereó-
tipos de maternidade, santidade e submissão, nos quais é difícil se encaixar.
Diante disso, a teologia pública, em busca da cidadania, precisa rever tais
posições doutrinárias e conceitualizações teológicas para empreender um
discurso de igualdade.
Uma das formas de se fazer isso é utilizando o conceito de gênero. A catego-
ria de gênero pode, então, ajudar a teologia pública a se perguntar sobre o
que conhecemos e como esse conhecimento, no caso, teológico, é constru-
ído, utilizado e a quem ele está servindo, para revisá-lo a partir do contexto
e aplicá-lo.
Fonte: Souza (2013).

A tarefa da teologia pública é imiscuir-se na vida cotidiana. Assim, não se pren-


derá a limites do que seja público ou privado, mas conseguirá atuar diretamente
com o seu público-alvo. E quem é afinal esse público? Von Sinner enfatiza que
não há uma teologia pública uniforme e monolítica, um significado
único e autoritativo de teologia pública, uma teologia pública univer-
sal, mas somente teologias que procuram abordar o âmbito político
dentro de localidades particulares, ainda que se postule uma teologia
pública ecumênica, emergente, a ser testada em contextos específicos
(SINNER, 2012, p. 21)

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


163

Zabatiero conclui que


Público e privado não são entidades, não são fixações, são realidades
dinâmicas, mutáveis, mutantes. Uma teologia que se pretenda pública,
então, não pode se prender às fixações modernas, às rigidezes ortodo-
xas, às permanências dogmáticas. Uma teologia pública é uma voz no
próprio processo de constituir o público (ZABATIERO, 2013, p. 87).

Assim, quando se discute no Brasil a questão da corrupção, os desmandos políti-


cos, as mazelas econômicas, a má distribuição de renda, a precariedade da saúde
pública e as limitações do ensino público, tem-se que discutir também o que a
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teologia pode fazer para denunciar e combater os males que originam tudo isso
e os que são decorrentes destes. A teologia deve se libertar da instituição e ser
uma voz profética do Reino de Deus. Cavalcante pontua que
A teologia, como discurso público, tem necessidade da liberdade insti-
tucional frente à igreja, assim como de um lugar no espaço público das
ciências. A teologia do Reino de Deus mistura-se, critica e profetica-
mente, nas coisas públicas de uma sociedade e recorda, publicamente,
não interesses eclesiais, mas “o Reino de Deus e a sua justiça”. Assim,
a teologia do Reino de Deus não pode se refugiar “fundamentalística-
mente” na própria comunidade de fé, nem adaptar-se “modernistica-
mente’ às tendências da sociedade. Ela sabe resistir e é produtiva em
ordem ao futuro da vida de toda a criação terrena (CAVALCANTE,
2011, p. 82)

A sociedade plural ganha com o diálogo entre as confessionalidades e reli-


giões, cultivando valores e convicções, e o que justifica o seu interesse na te-
ologia pública seria as suas convicções religiosas terem incidências sociais,
e vem a ser um desafio para uma teologia que se propõe a compreender o
mundo a partir de uma espiritualidade expressa através da comunidade de
fé, que intenciona colaborar ativamente na construção de uma sociedade
melhor e, portanto, mais humana.
Fonte: Oton (2015, p. 2).

Teologia Pública
164 UNIDADE IV

Interagir com a sociedade é uma tarefa difícil. Ainda mais quando se acrescenta
a isso o pluralismo religioso em que vivemos. Em um mundo no qual a pró-
pria noção do que é público é divergente, ser relevante é a palavra de ordem.
Por isso, a teologia pública busca o seu estatuto enquanto teologia prática, que
interfere, que produz, que denuncia, que abraça, que acalma, que dignifica o ser
humano. Isso tudo, sem abrir mão de sua episteme, de seu conteúdo formador.
Como diz Caldas
O que é realmente importante é que a teologia na América Latina e no
Brasil definitivamente tomou consciência que há outros públicos para

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
os quais deverá falar e ouvir, além dos conhecidos há mais de milênio
e meio, da igreja e da academia. Há também o público da sociedade.
Falar com e ouvir a sociedade não é fácil. Mas esta é a tarefa da teolo-
gia que quer ser pública. Empreitada difícil, em todos os aspectos. À
teologia cabe a responsabilidade de falar e ouvir, sem abrir mão de seu
conteúdo específico, de seu depósito particular. A tarefa é difícil, sem
dúvida (CALDAS, 2016, p. 351).

À luz dos desafios atuais presentes no espaço público brasileiro, reflita sobre
a discussão da presença ou não de crucifixos nas repartições públicas brasi-
leiras e sobre a atuação de políticos evangélicos no Congresso.
(Rudolf von Sinner)

Prezado(a) aluno(a), a teologia pública tem uma responsabilidade enorme em


face do deslocamento das identidades do sujeito pós-moderno. Dentre essas res-
ponsabilidades, está o seu dever em atuar junto com as políticas públicas, visando
resguardar a concretude da singularidade do indivíduo à luz da própria revela-
ção do Reino de Deus. Além disso, a teologia para ser pública precisa ser ouvida
nas ruas, nas igrejas, nos mercados, nas feiras, nos estádios, nos bares, nas esqui-
nas, na mídia e em todos os espaços públicos em que seja capaz de fazer algo em
prol da vida e da cidadania.

POSSIBILIDADES DA TEOLOGIA PÓS-MODERNA


165

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), encerramos o nosso percurso pelo quarto módulo da nossa


disciplina. Claro que o que apresentamos para você foi uma amostra das possi-
bilidades de se fazer teologia no ambiente pós-moderno. Há muito mais para ser
estudado e nossa intenção é que você procure se aprofundar mais sobre o tema
ou sobre uma teologia específica que apresentamos.
Como vimos, a teologia cristã se subdividiu em várias outras teologias pro-
curando o diálogo como o indivíduo e a sociedade na sua busca por se religar ou
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

se aproximar do divino. Desse modo, a teologia deixa de ser uma ciência que fala
de Deus para ser uma ciência que fala da fé do indivíduo em um deus, mediada
por diversas interações e respeitando o seu microcosmo, a sua micro-história,
como é próprio da pós-modernidade.
Assim, além de apresentarmos as várias possibilidades da teologia, vimos
também a importância do estudo teológico das questões ambientais e ecológicas.
A busca pela justiça climática, pela garantia da água e pela preservação da vida
em todos os seus sentidos não apenas a humana. Dentro desse debate, introdu-
zimos uma breve reflexão sobre o relacionamento da teologia com a bioética, no
sentido de cuidar da vida em toda a sua extensão.
Procuramos também apresentar as propostas mais atuais da teologia eco-
nômica para a discussão do consumo e consumismo, visando contribuir para
uma libertação total do indivíduo das amarras do mercado, que na pós-moder-
nidade usurpou o lugar de Deus.
Por fim, apresentamos duas propostas que se complementam na sua interface
com o indivíduo e com a sociedade: a teologia acadêmica e a teologia pública.
Inserimos as propostas de uma teologia acadêmica que seja capaz de realizar
um diálogo interdisciplinar, inter-religioso, democrático e humanitário, base-
ado em uma reflexão metódica, crítica e cidadã e de uma teologia pública que
possa aplicar as suas reflexões no espaço público, para além dos muros acadê-
micos e eclesiásticos.

Considerações Finais
166

1. Qual a visão que a teologia feminista tem do patriarcalismo? Você poderia dis-
correr sobre os exemplos de conflitos entre essa teologia e o patriarcado bíblico?
2. Discorra sobre a “opção preferencial pelos pobres” que é o lema da teologia da
libertação. Procure pontos de contato com os Evangelhos e pontos de afasta-
mento com a tradição cristã.
3. Como você entende o relacionamento da teologia com a bioética? Dê exemplos
dessa interação.
4. Qual o papel do “profissional da teologia” no caso da teologia acadêmica? Na
sua opinião, esse “profissional” poderia servir à academia e à sua tradição cristã?
5. Quais os desafios da teologia pública para o teólogo? Você consegue apontar o
local público de atuação do teólogo e da teologia?
167

A Teologia Pública tem a função de fornecer meios para que a comunidade possa ter
uma maior participação na sociedade, renovando, instruindo e ampliando horizontes
para além da confessionalidade e dos problemas corriqueiros de uma comunidade re-
ligiosa, para tal caracterizando-se pelo diálogo e convergência (GÊNERO), estruturas da
sociedade (PROBLEMÁTICA), universidade, sociedade e Igreja (DESTINATÁRIOS) e outros
saberes (MEDIAÇÕES). Com esta perspectiva o que se pretende é que a Teologia pública
contribua para esta reflexão ganhe espaço a partir da concepção de cidadania, para tal
é fundamental existir uma profunda discussão sobre o papel das diferentes manifesta-
ções religiosas no país, pois há diferentes concepções entre Igreja e sociedade.
Em seu livro Teoria do Método Teológico, Clodovis Boff, diz que: “A pessoa de fé quer
naturalmente saber o que é mesmo aquilo em que acredita, se é verdade ou não. Quer
saber também o que implica tudo aquilo em sua vida concreta e em seu destino. (...)
Estudar teologia não é somente um encontro, uma explicação bíblica com visões dife-
rentes ou uma preparação pastoral. Muito mais que isso, estudar teologia é o aprofun-
damento de vários temas e assuntos, num conteúdo com programa de aprendizagem
acadêmica e profissional reconhecido pelo MEC – Ministério da Educação.
O que encontramos nos dias de hoje é uma grande diversidade, a qual vem se expan-
dindo especialmente no protestantismo, de cursos intitulados como Teologia, mas que
está gerando uma formação despreparada e que buscam formar cidadãos de uma única
denominação ao invés de trazer a abrangência da própria Igreja de Cristo.
Então como nos preparar para resolver questões pertinentes ao profissionalismo da Te-
ologia, quando encontramos considerações relevantes a respeito de sua base inicial que
é área acadêmica? Nas escrituras sagradas encontramos: “porque meu povo se perde
por falta de conhecimento; por teres rejeitado a instrução”(Os 4,6): a teologia se faz em
submissão a palavra, pois como o iceberg vai muito além do que está aparente.
Por conseguinte, afirma o Concílio do Vaticano II: “Os que se dedicam aos estudos de
teologia nos seminários e nas universidades procurem colaborar com os cientistas, es-
tabelecendo vias de cooperação e de recíproco entendimento. A pesquisa teológica,
ao mesmo tempo que visa ao conhecimento profundo da verdade revelada, não pode
perder o contato com a atualidade, inclusive para facilitar o acesso à fé dos estudiosos
de todas as outras disciplinas (...)”
Uma das atividades do acadêmico de teologia é a atividade pastoral, a qual se funde
com a vocação religiosa. Segundo Júlio Zabatiero (...), a teologia é o movimento dos
corpos cujos sentidos estão sintonizados aos sentidos de Deus, remetendo assim que a
imagem do ser “pastoral” é “estar a serviço” do próximo.
168

No protestantismo, a partir de Lutero (...), passou a considerar todo o trabalho realiza-


do para a glória de Deus como vocação divina. Contudo, vocação divina é a vocação
pastoral, que não se confunde com trabalho secular. A profissionalização da Teologia
certamente deverá resolver a tensão entre vocação secular (profissão) e vocação divina
(ministério pastoral). Esse é um problema que cabe à Igreja e à sociedade resolver.
A caminhada do teólogo é na perspectiva do “ver, julgar e agir”, não apenas numa vi-
são eclesial, onde a Igreja está a serviço, mas nos movimentos interligados aos de Deus
presente em vários sentimentos e acontecimentos no próximo, mas para que verdadei-
ramente na sua condição e a partir da preparação teórica e experiências de partilhas e
ensinamentos conseguirem estar pronto para “ouvir e acolher”.
Fonte: Silva (2014).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Vida religiosa: da teologia patriarcal à teologia feminista,


um desafio para o futuro
Ivone Gebara
Editora: Edições Paulinas (1984)
Sinopse: A produção teológica de Ivone Gebara, teóloga católica que
recebeu a punição do silêncio pelas autoridades eclesiásticas, traz
novidade, é leve, dinâmica, desafiadora… Suas reflexões iluminam e dão sentido às vidas de muitas
mulheres, especialmente das pobres, acostumadas a buscar consolo para seus próprios sofrimentos
e de outros nos ritos, símbolos e discursos patriarcais das instituições religiosas. São reflexões que as
induzem a desenvolver a autoconfiança, a autoestima, a sentirem-se donas de si, a apropriarem-se de
suas vidas, de seus corpos, de suas decisões, a serem levadas ao empoderamento.

Amadeus
Antonio Salieri, um compositor devoto e temente a Deus, que vive
em Viena, Áustria, relata a um padre, em flashback, a sua relação
de amor e ódio com o também compositor Amadeus W. Mozart,
um libertino e ao mesmo tempo um gênio da música. Salieri não
entende porque ele, uma pessoa que vive para Deus, não consegue
alcançar o sucesso de Mozart, alguém que despreza Deus e a
religião e vive os prazeres da vida. Salieri, já louco e internado em
um hospício, relata ao padre que foi ele o responsável por ter matado Mozart. O filme dirigido por
Milos Forman ganhou 8 estatuetas do Oscar, incluindo a de melhor filme.

Interface entre a teologia moral e bioética - o serviço à vida humana.


Este é um artigo acadêmico que explora em quais níveis a teologia dialoga com a bioética ou
a que nível a fé marca a argumentação moral. A preocupação do autor é, mostrando o tipo de
interação existente entre as duas disciplinas, valorizar o ser humano em situação de risco.
Web: <http://www2.pucpr.br/reol/index.php/3jointh?dd99=pdf&dd1=7736>

Material Complementar
REFERÊNCIAS

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173
GABARITO

1. O(a) aluno(a) deverá expor as críticas que a teologia feminista faz do patriarca-
lismo bíblico, dando exemplos claros desses embates.
2. Ao trabalhar o lema da teologia da libertação, o(a) aluno(a) deverá ter a habi-
lidade de apontar o motivo da “opção preferencial pelos pobres”. Nessa habi-
lidade, deverá relacionar aquilo que se aproxima do Evangelho nesta teoria e
os problemas encontrados na tradição cristã que nem sempre foi favorável aos
pobres.
3. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá mostrar o seu conhecimento sobre o tema
da bioética e relacioná-lo com a teologia, fazendo destaque especial da luta
desta em favor da vida. A resposta ficará mais completa com exemplos dessa
interação.
4. Esta também é uma pergunta que deseja conhecer o quanto o(a) aluno(a) en-
tende sobre o conceito de teologia acadêmica. Poderá relacionar a sua resposta
com a questão do ministro ou sacerdote que é também um professor de teo-
logia.
5. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá relacionar, a partir do seu ponto de vista, os
desafios da teologia pública para o fazer teologia. Ao fazer a sua relação própria,
deverá ser capaz de ajustá-la para discutir qual o local público de atuação da
teologia.
Professor Dr. Sérgio Gini

HIPERMODERNIDADE: UM

V
UNIDADE
DESAFIO PARA A TEOLOGIA

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar o conceito de hipermodernidade não como uma
superação da condição pós-moderna, mas como um espaço para o
individualismo e o hedonismo.
■ Delimitar os novos tempos em sua complexa relação com o mundo
da religião e com a teologia.
■ Qualificar o ser humano hipermoderno a partir do ponto de vista do
individualismo e sua relação com o mundo da religião.
■ Descrever os aspectos principais de uma teologia baseada nas
satisfações do indivíduo.
■ Abordar um dos vários elementos que interagem com a teologia na
hipermodernidade, o sincretismo, e como ele a impacta.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Um conceito em construção
■ Os tempos hipermodernos
■ O indivíduo hipermoderno
■ A teologia do “eu”
■ Teologia e sincretismo
177

INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno(a), chegamos à nossa última unidade. Fizemos um longo per-


curso até aqui mostrando quais as possibilidades de se fazer e pensar teologia
no ambiente pós-moderno, mesmo que o conceito de pós-modernidade ainda
não seja um consenso entre os pensadores da sociedade.
Agora, ousamos apresentar para você um novo conceito que surge a partir
da pós-modernidade. É o conceito de hipermodernidade, cunhado dessa forma
para expressar os novos tempos das conexões tecnológicas: internet ultrarrá-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pida; mídias sociais como facebook, instagram, snap, twitter, blogs, whatsapp;
realidade aumentada; hipertextos e mais uma centena de coisas próprias desse
ambiente virtual.
É inegável que tudo isso tem o seu impacto na vida em sociedade e também
seu impacto na teologia. O mundo líquido da pós-modernidade se transfor-
mou em um mundo digital, no qual é possível que a história do indivíduo, seu
microcosmo, seja compartilhado instantaneamente com milhares de pessoas,
deixando assim de ser um ambiente micro para voltar a ser macro, pelo menos
em uma pequena parte.
Todas essas influências, e aqui não estamos para fazer juízo de valor sobre
elas, também chegaram à academia. A educação a distância, por exemplo, é uma
prova de que a hipermodernidade é tremendamente dialética. O aluno saiu da
sala de aula, estuda sozinho e de forma direcionada, mas se encontra, ao mesmo
tempo, em várias outras salas de aulas a partir do seu ambiente virtual de estu-
dos e outras ferramentas de comunicação. Chegaram também à igreja, aos lares
e em toda a sociedade. Por isso, a teologia precisa encontrar o seu caminho tam-
bém na e com a hipermodernidade.
Desse modo, nossa proposta é introduzir o assunto como forma de buscar
entender o labor teológico em um mundo como esse. A hipermodernidade é um
desafio para a teologia. Então, mãos à obra, ou melhor, olhos na tela, e vamos
ao trabalho.

Introdução
178 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO

Caro(a) aluno(a), neste tópico, sem querer fazer uma longa abordagem, ire-
mos apresentar o conceito de hipermodernidade não como uma superação da
condição pós-moderna, mas como um espaço para o individualismo e o hedo-
nismo na sociedade contemporânea. Na realidade, a hipermodernidade é um
complemento da pós-modernidade e de sua preocupação com os relatos míni-
mos, desprezando as metanarrativas.
Você poderia se perguntar o porquê de um novo conceito se o próprio con-
ceito de pós-modernidade ainda não é consenso entre os estudiosos da sociedade.
Uma indicação de resposta é que, quando se iniciou o discurso sobre a pós-mo-
dernidade, acentuadamente após a Segunda Guerra, não se tinha noção do rápido
e significativo avanço da ciência e da tecnologia, especialmente da internet e as
suas possibilidades de ambiência virtual. Assim, os estudiosos da sociedade,
notadamente os cientistas sociais, tiveram que propor um novo conceito para
abarcar esse novo mundo tecnológico que se apresentou em acelerado desen-
volvimento nos últimos 25 anos. Isto porque a velocidade da informação e do
tempo reestrutura todo o modo de vida atual.
Então, vamos ao conceito. O termo hipermodernidade aparece pela primeira
vez com o sentido de exacerbação dos valores individuais criados na moderni-
dade na década de 1970. Um grupo de pesquisadores franceses liderados por Max
Pagés estuda os fenômenos de poder nas organizações a partir da filial europeia de

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


179

uma multinacional norte-americana. Ao elaborar um quadro teórico que permi-


tisse compreender o fenômeno do poder organizacional, Pagés criou a expressão
“hipermoderna” para se referir à forma de mediação utilizada por aquela empresa
que resultava em modos de exploração aos quais o próprio trabalhador se subme-
tia em troca de vantagens e benefícios individuais (PAGÈS et al., 1993).
No entanto, a difusão e uso acadêmico do termo, bem como a sua divulga-
ção para os meios de comunicação, cabe ao filósofo francês Gilles Lipovetsky
(1944-), autor de A Era do Vazio: Ensaios Sobre o Individualismo Contemporâneo
(1983). Lipovetsky torna-se um crítico do termo pós-modernidade afirmando que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

este não pode ser mais usado para definir a era atual. Segundo o filósofo francês,
“no momento em que triunfam a tecnologia genética, a globalização liberal e os
direitos humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua
capacidade de exprimir o mundo que se anuncia” (LIPOVETSKY, 2004, p. 52).
Não iremos entrar aqui no debate que Lipovetsky desenvolve ao afirmar
que a pós-modernidade ruiu e que a hipermodernidade seria a consumação
da modernidade, como ele próprio diz: “tínhamos uma modernidade limitada;
agora, é chegado o tempo da modernidade consumada”, o que para ele é uma
“segunda modernidade” (LIPOVETSKY, 2004, p. 54). Então, o que seria a hiper-
modernidade? Para Raupp (2008, p. 36), partindo do conceito de Lipovetsky, a
hipermodernidade seria uma modernidade consumada “sem um regulamento,
nem um lugar específico, bem como sem contrários, nem limites; a dizer, metafo-
ricamente: com a estrada livre para pisar fundo no acelerador, e com velocidade
exponencialmente crescente”.
Quando publicou sua A Era do Vazio, em 1983, Lipovetsky ainda não tinha
meios para conhecer a estrondosa revolução tecnológica proporcionada pelas
mídias sociais, mas anteviu tudo isso a partir do modelo de sociedade que era
reproduzida nos programas de tevê e nas capas das revistas internacionais. Diz ele:
A civilização de Narciso, da era do vazio – mas “cheia de significados”
– e do individualismo, do efêmero e da moda, do crepúsculo do dever
e do advento de novos tempos “democráticos”, da sedução e da beleza
aparente e a qualquer preço, do neoliberalismo, do luxo e das marcas, do
excesso, do hiperconsumo e da busca da satisfação ilimitada dos desejos,
que encontram o limite da realidade, bem como a própria decepção: esta
é, de fato, a civilização hipermoderna (LIPOVETSKY, 2005, p. xiv)

Um Conceito em Construção
180 UNIDADE V

Em tempos de posts e likes, o anúncio do filósofo francês soa como uma


profecia. Assim, a hipermodernidade vai se caracterizando por uma cultura
do excesso, do sempre mais. Hipermercado, hiperconsumo, hipertexto, hiper-
corpo: tudo é elevado à potência do mais, do maior. Na opinião de Lipovetsky,
a hipermodernidade revela o paradoxo da sociedade contemporânea: a cultura
do excesso e da moderação (LIPOVETSKY, 2004).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Hyperion é um romance escrito pelo poeta alemão Friedrich Hölderlin
(1770-1843) entre 1797 e 1799. Ele narra as epístolas do herói grego Hype-
rion ao seu amigo Bellarmin. O que faz deste romance a fonte inspiradora
para designar a experiência hipermoderna, e que lhe confere toda a densi-
dade literária e filosófica, é a procura por parte de Hyperion da consciência
da unidade do Ser entre o pólo da liberdade e o pólo da unidade original. A
profundidade dramática do herói grego reside na dificuldade deste em har-
monizar ambas as dimensões. Toda a sua vida se traduziu na procura dessa
unidade intrínseca perdida, e dos vários modos de a recapturar.
Fonte: Mateus (2010, p. 138).

Dois temas que são estudados por Lipovetsky e que, em sua opinião, caracteri-
zam a vida hipermoderna: a obsessão pelo tempo, em que presente e futuro se
misturam e a redescoberta do passado. Vejamos os dois separadamente:

OBSESSÃO PELO TEMPO

A obsessão pelo tempo se apossou de todos os aspectos da vida e não mais se


restringe à esfera do trabalho, segundo Lipovetsky e Charles (2004, p. 75): “A
sociedade hipermoderna se apresenta como a sociedade em que o tempo é
cada vez mais vivido como preocupação maior, a sociedade em que se exerce e
se generaliza uma pressão temporal crescente”. Nesse imperativo, todas as coi-
sas se tornam intensas e urgentes. O tempo é acelerado, se rarefaz, é o reinado

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


181

da urgência, as agendas estão lotadas. O movimento é constante e as mudanças


ocorrem em um ritmo quase esquizofrênico, determinando um tempo mar-
cado pelo efêmero, no qual a flexibilidade e a fluidez aparecem como tentativas
de acompanhar essa velocidade. O tempo presente amplia o seu domínio sobre
o passado e o futuro, oferecendo ao indivíduo uma construção mais persona-
lizada dos usos do tempo: um poder maior de organização individual da vida.

REDESCOBERTA DO PASSADO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Ao se dar outra dimensão ao passado, a hipermodernidade se apresenta


valorizando a memória, as tradições religiosas, as identidades étnicas. A hiper-
modernidade promove um “revivescimento do passado”. O que poderia parecer
um contrassenso, ou seja, uma cultura na qual a velocidade do tempo é total e
que também valoriza a tradição, na opinião de Lipovetsky se resolve com o prin-
cípio da soberania individual. Para ele
O que define a hipermodernidade não é exclusivamente a autocrítica
dos saberes e das instituições modernas; é também a memória revisita-
da, a remobilização das crenças tradicionais, a hibridização individu-
alista do passado e do presente. Não mais apenas a desconstrução das
tradições, mas o reemprego dela sem imposição institucional, o eterno
rearranjar dela conforme o princípio da soberania individual (LIPO-
VETSKY; CHARLES, 2004, p. 98).

Na opinião de Mateus (2010), essa questão fica melhor esclarecida quando a


entendemos pela lógica da construção e compreensão do próprio tempo pre-
sente. Nesse sentido, ele destaca que
A revolução introduzida pelas tecnologias de informação instaurou o
“atraso-zero”, a simultaneidade ou a crono-concorrência como ideias
basilares que rematam a hipermodernidade numa lógica urgentista que
destrói todas as anteriores escalas de tempo. Contudo, este não significa
a absolutização do presente, mas apenas a concentração da actividade
humana sobre esta temporalidade. Isto significa somente que os tem-
pos hipermodernos não se encontram reféns do passado nem subordi-
nados ao futuro, concentrados que estão na construção e compreensão
do seu próprio presente (MATEUS, 2010, p. 142).

Um Conceito em Construção
182 UNIDADE V

O que podemos concluir é que o termo “hiper” promove uma aceleração e inten-
sificação da vida cotidiana. Uma vida que é vista em “tempo real”, cujos noticiários
são permanentes durante 24 horas, onde as operações econômicas, política e cul-
turais são possíveis pelo hipertexto e pelas redes de internet. Essa mesma vida
que torna-se desmedida, que perde-se na escala infinita do “sempre mais” ou do
“mais rápido”. Uma vida que deixa tudo transparente nas páginas da internet,
nas mídias sociais, nos vídeos e fotografias compartilhadas e que traz consigo
também uma sociedade de hipervigilância. Uma vida que é seduzida pelos pro-
dutos de consumo rápido, que se desloca pela intrincada rede de transporte das

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metrópoles. Segundo Lipovetsky & Charles (2004, p. 55),
por todo o lado acentua-se a obrigação do movimento, a hiper mudan-
ça aliviada de toda a visão utópica, ditada pela exigência de eficácia e a
necessidade de sobrevivência. Na hipermodernidade, não existe mais
escolha, não há outra alternativa senão evoluir, acelerar a mobilidade
para não ser ultrapassado pela ‘evolução’.

A sociedade hipermoderna se caracteriza por ser liberal, móvel, fluida e fle-


xível; indiferente aos grandes princípios estruturantes da modernidade, que
precisaram adaptar-se ao seu ritmo para não desaparecer.
(Gilles Lipovetsky)

A hipermodernidade então tem tudo a ver com a sociedade atual. Uma sociedade
hiperconectada, hiperveloz, hiperconsumista e hiperfragmentada. Compreender
este novo tempo é tarefa do teólogo para que a sua teologia seja relevante e dê as
respostas para as perguntas que estão sendo feitas exatamente agora.

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


183
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

OS TEMPOS HIPERMODERNOS

Como vimos no primeiro tópico, a hipermodernidade tem como fundamento básico


a ideia de simultaneidade (tudo é feito ao mesmo tempo), que a coloca na esquizo-
frenia do “atraso-zero” ou da crono-concorrência. Por conseguinte, não podemos
deixar de apontar a sua complexa relação com o mundo da religião e com a teologia.
Os tempos hipermodernos lidam com expressões e práticas que são total-
mente novos para a religião: ambiência virtual, realidade aumentada, hipertexto,
hiperconectividade. Além disso, o indivíduo que tornou-se hiperindividualista
procura para si uma religião que satisfaça os seus anseios individuais, pois a socie-
dade de mercado entrega cada vez mais os indivíduos a si mesmos. Conforme
explicou Lipovetsky em uma entrevista ao jornal brasileiro Extra Classe, de agosto
de 2004, o indivíduo hipermoderno está mais frágil:
Essa noção de fragilidade é uma noção capital para melhor entender qual
a face desse novo indivíduo. Essa fragilidade tem uma medida que é o
índice de suicídios, de depressão, de ansiedade, de consumo de medica-
mentos. Isso se mostra por toda parte: o indivíduo que é mais legislador
de sua própria existência é também mais frágil do que antigamente. Ele
sofre mais pressões do tempo, ora no trabalho, ora na vida privada. Isso
faz com que o século 21 que se anuncia seja um século de novos confli-
tos, não tanto de lutas de classe, mas de conflitos internos, dentro desse
homem. Acho que esse hiperindivíduo não se separa da dimensão con-
flitual da vida privada. Por isso vivemos as separações de casais, os divór-
cios que têm um caráter muito ansiolítico. Acho que as pessoas cada vez
mais suportam com dificuldade os outros e acho que há uma aspiração à
comunicação, mas sempre com maior dificuldade em obter uma comu-
nicação satisfatória com os outros (LIPOVETSKY, 2004b, s/p).
Os Tempos Hipermodernos
184 UNIDADE V

A partir dessa constatação de fragilidade, a religião torna-se necessária para for-


talecer a individualidade. No dizer do filósofo francês, “estamos assistindo a uma
maior aproximação das pessoas em relação às religiões” (LIPOVETSKY, 2004b
s/p). A questão, entretanto, é que esta busca pela religião não se fundamenta no
sentido de coletividade, de viver em uma comunidade de fé, mas em uma reli-
gião “reciclada pela lógica individualista”. Eis o seu argumento:
Concretamente isso significa religiões à la carte. Ou seja, na época hi-
permoderna os indivíduos buscam algo na religião – uma espécie de
ancoragem comunitária, um busca de identidade, alguma resposta a

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
certas perguntas, uma espécie de paz interna – coisas que o consumo,
o trabalho e lazer não dão. Mas, ao mesmo tempo, cada um vai buscar
isso do seu modo, com práticas muito diversas, misturas e sincretis-
mos. Isso faz com que as próprias religiões obedeçam às aspirações e
tendências do indivíduo autônomo (LIPOVETSKY, 2004b, s/p).

Por essa perspectiva, a tarefa da teologia também passa a ser confrontada muito
além da questão da libertação do indivíduo, indo para terrenos mais sombrios
tais como “o aparecimento do terrorismo como arma política, a tecnologização
genética (a clonagem e os alimentos transgênicos) ou a estagnação do desem-
prego” (MATEUS, 2010, p. 137). A teologia então é chamada para responder
reflexivamente aos constrangimentos da atualidade, sem ser cobrada quanto ao
futuro. Pelo contrário, como afirma Mateus (2010, p. 143) “a hipermodernidade
aceita viver num presente absoluto sem destinos promissores que, não obstante
as vantagens que possuam, implicam uma weberiana ‘gaiola de aço’”.

Desde a virada do século XIX para o XX, Max Weber já havia alertado que na
sociedade de direito burocrática, viveríamos em uma “gaiola de aço”, em que
as organizações seriam as prisões, as normas formais seriam as grades e os
burocratas seriam, ao mesmo tempo, carcereiros e cativos de seus próprios
instrumentos de ação, as leis. Para Weber, a democracia ocidental represen-
tava a aceitação de viver para toda vida preso em uma “gaiola de aço”.
Fonte: Löwy (2014).

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


185

O sociólogo Alain Touraine (1925), autor do termo “sociedade pós-industrial”,


foi um dos primeiros a defender essa ideia de não se ter esperanças na socie-
dade do futuro. Para ele
A ideia de construir a sociedade do futuro, sociedade simultaneamente
mais justa e mais avançada, mais moderna e mais livre, desapareceu
arrastada pelas sucessivas vagas de totalitarismo. A tentação presente
não é a de sonhar com amanhãs que cantam, mas sim a de sonhar viver
de outro modo, encerrar-se numa contra-sociedade ou numa cultura
‘alternativa’” (TOURAINE, 2005, p. 383).

Os tempos hipermodernos cessaram de prometer alguma coisa. O futuro não é


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o fim da sociedade, mas o princípio que começa na celebração do presente, do


aqui e do agora.
Em resumo, é o presente que sustenta a compreensão do mundo do sujeito
hipermoderno. Por isso, a profusão de postagens, likes e visualizações nas redes
sociais consagrou o gênero discursivo da publicização da vida. Ao relatar ou pos-
tar os acontecimentos da atualidade para um presente compartilhado por todos,
ao torná-los públicos, ao devolver uma certa ordem discursiva à pluralidade de
eventos que ocorre em todos os momentos, a publicização da vida responde à
necessidade hipermoderna de estruturação de um presente. As redes sociais
como instagram, snap e whatsapp, que permitem a publicação de vídeos instan-
tâneos e que desaparecem depois de algumas horas, relativiza passado e futuro
a um presente que se quer momentâneo e independente.
Via de regra, as teorizações sobre a hipermodernidade poderiam nos levar
a uma análise apocalíptica do mundo atual. Vejam a conclusão a que chega um
pesquisador:
Na Hipermodernidade o individualismo sobrepõe-se às culturas de
classes, o Estado é fraco e a sociedade de mercado se impõe. Impera o
culto da concorrência econômica e democrática. A Hipermodernidade
é desregrada, desinstitucionalizada e globalizada, ímpar e aquém do
político. Troca-se a esperança do futuro pela ambivalência do presente
cujo interesse é o novo, o consumo e a euforia. A Hipermodernidade
é o primado do excesso. Excesso de bens, de imagens, sons, da busca
pelo prazer. É a compressão do espaço-tempo, das lógicas do tempo
urgente pelo avanço da mídia e da cultura do simulacro e virtual. A
notícia em forma de clip em máxima tonalidade emocional, marcada
pela insegurança, preocupação excessiva com a saúde, terrorismo, be-

Os Tempos Hipermodernos
186 UNIDADE V

leza, corpo, moda, o sentir dicotômico: medo-prazer, dor-violência. O


tempo presente é o paradoxo da frivolidade e da ansiedade, da euforia
e da vulnerabilidade, do lúdico e do medo (NUNES, 2009, p. 62, 63).

Todavia, este é o desafio para a teologia: poder dialogar com o sujeito hipermoderno e
estar presente no seu “momento” utilizando-se das próprias ferramentas que o avanço
tecnológico criou. Esta é, sem dúvida, uma imensa oportunidade para a teologia.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Na hipermodernidade, a religião torna-se necessária para fortalecer a indi-
vidualidade.
(Gilles Lipovetsky)

Vimos que os tempos hipermodernos são um desafio para a teologia. Nosso


dever, entretanto, não é nos enclausuramos em nossas confissões de fé ou em
nossas comunidade eclesiais. O campo da teologia é o mundo, participando dele,
adaptando-se às suas normativas, sem, contudo, perder a sua vocação singular
de interferir em prol do estabelecimento do Reino de Deus.

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


187
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O INDIVÍDUO HIPERMODERNO

Pelo que já estudamos, você já conseguiu fazer uma síntese do que é o indiví-
duo hipermoderno. Aliás, olhe para você mesmo. Independente da sua idade,
gênero, profissão, tradição cristã, você é um sujeito hipermoderno. Ou, na pior
das hipóteses, um indivíduo pós-moderno que luta para se encontrar enquanto
pessoa no tempo presente.
Ao falar desta característica da hipermodernidade, Ricardo Gondim reputa
a ela a crise que se vive hoje no mundo evangélico:
Testemunhamos a superficialização da fé e a exuberância da espiritualida-
de prêt-à-porter, prometendo um êxtase intimista e imediato. Choramos
a perda da dimensão comunitária da fé e o renascimento do individua-
lismo. Frustramo-nos com a nossa incapacidade de encarnar eticamente
muitos de nossos pressupostos teológicos (GONDIM, 2004, s/p).

Entretanto, nossa tarefa não é falar da crise, mas buscar qualificar o ser humano
hipermoderno a partir do ponto de vista do individualismo e sua relação com o
mundo da religião, para que a teologia possa ser relevante e atual.
O rompimento com as imposições universais, fruto da pós-modernidade,
permitiu que o indivíduo hipermoderno se visse envolvido na construção per-
manente de sentidos múltiplos, provisórios, individuais e grupais. Em outras
palavras, este indivíduo é o artista e o artífice da sua própria existência. A res-
ponsabilidade que lhe cabe é saber se adequar a tudo isso, visto que cada um
é co-autor do estatuto moral ao qual adere. Lipovetsky em sua A era do vazio

O Indivíduo Hipermoderno
188 UNIDADE V

procurou estabelecer as principais características desse indivíduo que vive na


hipermodernidade. Na apresentação do seu livro traduzido para o português,
Silva (2005) dá o tom de quem seria esse sujeito:
Não queremos a ilusão do futuro nem a coerção do passado. Postula-
mos a intensidade do aqui e do agora como necessidades vitais. Não
aceitamos viver de promessas nem de patrimônio acumulado. Exigi-
mos fazer por nós mesmos o que somos e o que seremos, sem garantias
de redenção nem obrigações inquestionáveis (SILVA, 2005, p. XIII).

A figura que Lipovetsky utiliza para exemplificar este indivíduo é a de Narciso,

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que segundo ele
espelha a condição humana nesta mutação antropológica que se realiza
diante de nossos olhos: o surgimento de um perfil inédito do indivíduo
nas suas relações consigo mesmo e com o seu corpo, com os outros,
com o mundo e com o tempo (LIPOVETSKY, 2005, p. 32).

O autor destaca que a personalidade do indivíduo hipermoderno é feita de inde-


terminação e flutuação, uma espécie de nova consciência. Isto é possível porque
na atualidade o capitalismo tornou-se hedonista e permissivo.

A preocupação central com o Eu alcança um nível mais elevado quando des-


dobra-se em narcisismo. O termo remete ao mito de Narciso, jovem belo
e arrogante, que apaixona-se por sua imagem refletida nas águas. Impos-
sibilitado de viver essa paixão, ele jamais deixa a beira da água, para não
afastar-se do seu amor – ele mesmo, e acaba por definhar na espera de um
amor próprio extremo.
Fonte: Fellows (2009, p. 175, 176).

Para Gonçalves (2011, p. 331), “esse novo ethos narcisista nos convida a pensar
o processo global que rege o funcionamento social. Narciso nada mais é do que
uma busca interminável de Si Mesmo, desprendendo-se do domínio do Outro”.
Ele enfatiza o que chama de glorificação do ego:

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


189

A partir do pensamento de Rubin e Lasch (apud LIPOVETSKY, 2005,


p. 36) podemos entender esta lógica: “amar a mim mesmo o bastante
para não precisar de outra pessoa para me fazer feliz”. Isso tudo seria a
glorificação do reino do Ego puro, de um narcisismo sem limites, um
processo de personalização sem fim, pois Narciso acha feio o que não é
espelho (GONÇALVES, 2011, p. 331).

Nesse sentido, o indivíduo hipermoderno vive só. Dialeticamente ele busca relacio-
namentos para viver só ao mesmo tempo em que não suporta a ideia de estar só;
precisa que os outros vejam onde ele está, com quem ele está, o que ele está fazendo.
No fundo, ele não consegue deixar de pensar em si. Lipovetsky discorreu sobre isso:
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quanto mais se desenvolve as possibilidades de encontro, mais os indi-


víduos se sentem sós; quanto mais as relações se tornam livres, eman-
cipadas das antigas restrições, mais rara se torna a possibilidade de
conhecer uma relação intensa. Por todo lado há solidão, vazio, dificul-
dade de sentir, de ser transportado para fora de si mesmo (LIPOVET-
SKY, 2005, p. 57).

A própria dinâmica do ambiente, tempo e espaço contemporâneos é organi-


zada para fazer que a circulação dos indivíduos seja rápida e, assim, pulverizar
os contatos, a sociabilidade. Cada vez mais os espaços de aglomeração (festas,
bares, clubes e até igrejas) se tornaram lugares onde cada um explora cinica-
mente os sentimentos dos outros e satisfaz os seus próprios interesses. Há uma
aparente sociabilidade e cooperação, mas o que de fato existe é uma tentativa
de neutralizar o mundo exterior, fechando-se numa espécie de concha egocên-
trica. Lipovetsky cita, como exemplo, o caso das pessoas que circulam pelas ruas
e transportes públicos com os seus fones de ouvido:
vivem ligados à música desde o amanhecer até à noite, como se tives-
sem a necessidade de estar sempre em outro lugar[...]; tudo acontece
como se eles precisassem de uma desrealização estimulante, eufórica
ou embriagadora do mundo (LIPOVETSKY, 2005, p. 06).

Outra questão que não pode passar despercebida pela teologia atual é que o foco
no indivíduo e nas preocupações pessoais amplia-se em hedonismo. Segundo
Lipovetsky (2005, p. 7), hedonismo “se define pelo desejo de sentir ‘mais’, de planar,
de vibrar ao vivo, de ter sensações imediatas, de ser colocado em movimento inte-
gral numa espécie de viagem sensorial e pulsante”. Na opinião de Reichow (2015, p.

O Indivíduo Hipermoderno
190 UNIDADE V

90), “o hedonismo hipermoderno é desprendido da realidade, e projeta seus praze-


res internamente, de maneira que obtenha o controle a respeito destas sensações”.
O indivíduo hipermoderno explora as sensações nas projeções que faz para que
se sejam agradáveis. Quando cada um passa a ser o centro de sua vida, a explora-
ção nas sensações de prazer, sentidas no corpo e na mente, tornam-se prioridades.
Campbell (2001, p. 108) enfatiza que “a consciência interna celebrada na atualidade
e o conhecimento cada vez maior do mundo psíquico transportam as possibilida-
des de viver de emoções para dentro de si, em um território dominado pelo ego”.
O selfie é um exemplo desse individualismo. É um prolongamento desse

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narcisismo. Contudo, é um individualismo paradoxal, pois ele está em
uma busca incessante da aprovação dos outros. Faço uma foto, coloco no
Facebook, mas aguardo a reação dos outros. É um Narciso incompleto.
Posso me amar, mas me amo mais ainda se os outros me amam, se dizem
que sou bonito, que a foto é interessante. As pessoas tiram selfies para ter
uma recompensa simbólica, da parte dos outros. Com o Facebook, cada
um é um publicitário de si mesmo. Cada um faz seu próprio marketing.
É um marketing narcisístico (LIPOVETSKY, 2014, s/p).

Atrelado a tudo isto entra o consumismo, que na hipermodernidade ganha status


de algo imprescindível. Se até poucos anos o consumismo era visto como uma
atitude irresponsável, “atualmente ele é a representação do narcisista a procura
do seu prazer” (REICHOW, 2015, p. 91). Em recente entrevista, Lipovetsky (2014,
s/p) aponta que “as tecnologias e os serviços entregam liberdade às vontades pró-
prias, sendo que não é mais preciso dividir nada: o mundo é um grande menu,
em que cada um faz os seus pedidos, à sua própria escolha”. É nesta sociedade
em que todos, ou quase todos, podem acessar tudo, e a facilidade de pagamento
abre as portas e portais de todas as lojas, “começa a civilização do hiperconsumo,
esse império em que o sol da mercadoria e do individualismo extremo não se
põe jamais” (LIPOVETSKY, 2007, p. 42-43).

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


191

A pergunta que se coloca então é: temos salvação? O próprio Lipovetsky


em uma de suas primeiras obras sentenciou que “o século XXI será ético ou não
existirá” (LIPOVETSKY, 1994, p. 235). A teologia, por meio de sua ética própria,
tem uma imensa tarefa em apaziguar esse indivíduo hipermoderno, fazendo-o
se encontrar consigo mesmo e com o próximo. Na opinião de Agostini (2002),
é necessário resgatar o “vital humano” desse indivíduo:
Na verdade, o ser humano não consegue viver num vazio ético, não su-
porta viver esvaziado de sentido. O desaparecimento ou o enfraqueci-
mento de sistemas morais requer que se busque uma nova ordem moral.
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O desafio maior torna-se, então, a construção ética desta nova ordem, de


seu instituído, num resgate do vital humano (AGOSTINI, 2002, p. 15).

Moraes (1992, p. 5) já havia apontado que a crise do sujeito remete para a


necessidade dos teólogos voltarem-se de novo ao vital humano, num resgate
da capacidade ética “enquanto referência à capacidade humana de ordenar as
relações a favor de uma vida digna”.

Nem tudo pode ir mais rápido. Na educação, por exemplo. Aquisição de


conhecimento demanda paciência. No futuro, além da aceleração, teremos
todo um conjunto de técnicas que nos permitam aceitá-la.
(Gilles Lipovetsky)

O indivíduo hipermoderno é tão carente de Deus, quanto nossos antepassados


em época remotas. A diferença é que na exacerbação do seu individualismo a fé
passa a ter um novo significado para ele. Caberá à teologia construir esse diálogo
sempre constante e permanente com a hipermodernidade para oferecer as solu-
ções éticas para os seus dilemas existenciais. Temos muito trabalho pela frente!

O Indivíduo Hipermoderno
192 UNIDADE V

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A TEOLOGIA DO “EU”

Nossos dois próximos tópicos são rudimentos para o início de uma discussão que
ainda precisa ser aprofundada e, com certeza, esperamos que você se interesse
pelo tema e siga com suas pesquisas. Agora veremos como que o individualismo,
o narcisismo e o hedonismo do indivíduo hipermoderno têm influenciado o con-
sumismo como o caminho mais rápido para satisfazer os seus desejos e sonhos.
Essa influência desce até a esfera religiosa, e as práticas passam a ser claras na
busca de prazer próprio, seja pela afamada teologia da prosperidade, pelos pro-
dutos “gospel” ou os serviços oferecidos pela teologia do eu. Tudo isso, segundo
Míguez (2014, p. 14), “reduz o Evangelho a um produto de mercado”.
Como já antecipara o sociólogo Peter Berger (1985), os ex-monopólios religio-
sos perderam seu poder de domínio ou hegemonia sobre seus membros, instaurando
assim uma “lógica de mercado” no campo religioso. As instituições ou grupos reli-
giosos tornam-se agências competidoras que se organizam de forma altamente
profissional “para corresponder à demanda diversificada dos fiéis” (BERGER, 1985,
p. 150). Devido ao alto grau de individualização e suas exigências para a satisfação
própria, as instituições religiosas cedem à pressão da lógica pelos resultados e suas
estruturas tornam-se burocráticas e respondem à ordem econômica. A teologia
do eu é a mercadoria que se vende nestas agências altamente profissionalizadas.
O perigo da teologia do eu na lógica do mercado é, segundo Teixeira (2014),
a deturpação da ideia de Deus. O Deus que se alia ao mercado é também o Deus
que vitimiza os fracos, os pobres e os sem esperança. “Perpassando todos os

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


193

espaços da vida cotidiana, essa lógica não ocorre sem vitimizações. O mercado é,
por sua própria condição produtor de vítimas” (TEIXEIRA, 2014, p. 72). As prá-
ticas da teologia do eu, presentes também no seu mais importante movimento a
teologia da prosperidade, remetem a traços de um Deus que se adapta aos requi-
sitos do mercado. Segundo Campos (1997, p. 369), “o Deus que promete saúde
e prosperidade exige do fiel uma contrapartida, de contribuição para a ‘casa de
Deus’”. Pela lógica da retribuição, a bênção fica na dependência da “devolução”
daquilo que é de Deus, ou seja, o dízimo. “Só contribuindo é que o milagre ganha
sua realização”. Trata-se de uma “visão de Deus que não incomoda o bom fun-
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cionamento do mercado” (CAMPOS, 1997, p. 376).

Antropólogos e estudiosos da religião ao pesquisarem o sistema de crenças


de povos antigos e indígenas destacam que o totemismo baseia-se na cren-
ça da existência de uma relação próxima, como um parentesco, entre deter-
minado grupo de pessoas, denominado de clã, e objetos naturais sagrados
como animais e plantas. O sociólogo francês Émile Durkheim foi o primeiro
a definir o totemismo como a primeira representação sistêmica que o ho-
mem fez do mundo e de si mesmo, onde é possível obter uma visão do
mundo. Ainda segundo Durkheim a filosofia e a ciência originaram-se da
religião, sendo assim, o totemismo ofereceu rica contribuição para a organi-
zação das construções intelectuais do homem.
Fonte: Durkheim (2000).

Jogar o jogo do mercado significa que é necessário adquirir as ferramentas pró-


prias do mercado, tais como o marketing, o gerenciamento de vendas e o controle
de produção. De acordo com Oliveira (2013), inseridas nesse contexto mercantil,
muitas igrejas e religiões recorrem a estratégias de marketing para oferecer um
produto competitivo em relação a suas concorrentes e satisfatório para o fiel con-
sumidor, atraindo assim cada vez mais fiéis. Modesto Júnior et al. (2016, p. 135)
enfatizam que “para conseguir consolidar sua marca estas instituições criam sua
identidade tentando se diferenciar das concorrentes”. Eles também afirmam que

A Teologia do “Eu”
194 UNIDADE V

No campo dessa concorrência ao mesmo tempo religiosa e mercado-


lógica, as religiões e as igrejas criam, se apropriam e ressignificam es-
tratégias próprias do gerenciamento de marketing, consistindo no que
pode ser chamado de marketing religioso. Esta prática consiste no uso
da imagem religiosa como estratégia de venda de bens, serviços e até
mesmo de experiências (MODESTO JÚNIOR et al., 2016, p. 136).

A responsável por legitimar essa prática é a teologia do eu, que funciona como
uma espécie de totem, buscando conquistar a mente, o imaginário, o desejo e
a fé do consumidor. Submisso ao “totem”, ele torna-se “um fiel não apenas da
crença a qual a igreja segue, mas também fiel ao consumo religioso desta igreja”

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(MARANHÃO FILHO, 2012, p. 230).
Diante disso tudo e como já frisamos, o maior problema da teologia do eu
é a sua imagem de um Deus a favor dos desejos íntimos e individuais. Todavia,
se essa vertente da teologia é problemática, a teologia em si deve ser a porta-
dora de uma mensagem de renovação das estruturas e da ressignificação do ser
humano, mesmo que essa mensagem penetre pelas frestas da sociedade hiper-
moderna. Como sintetiza Teixeira:
Não há como negar a presença de construções teológicas que apresen-
tam imagens de Deus problemáticas, como algumas relacionadas com
a teologia da prosperidade: de um Deus que se acomoda à dinâmica
da sociedade e às exigências do mercado. Mas há que saber resgatar,
mesmo nas frestas de perspectivas que em geral são consideradas pro-
blemáticas, os sinais novidadeiros de um Deus portador de vida e di-
namizador da existência. Isto também está presente em experiências
religiosas comunitárias populares, sejam católicas ou pentecostais, ou
de outras tradições religiosas (...). O que é mais essencial, não é se fixar
na imagem de Deus, mas na dinâmica provocada pela relação com esse
Mistério (TEIXEIRA, 2014, p. 80).

Existe uma forte interferência por parte do sistema econômico no desejo


humano, não pela oferta do objeto de consumo, mas na provocação do in-
teresse ao que o objeto remete: “felicidade” e “realização.
(Joerg Rieger)

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


195

Caro(a) aluno(a), fizemos apenas uma breve introdução ao tema da teologia do


eu. Há uma variedade de pesquisas que apontam para a sua variante, a teologia
da prosperidade, porém ainda carecemos de mais estudos sobre outras vertentes
dessa teologia, presente em muitas das tradições religiosas cristãs e até mesmo nas
não-cristãs. Esperamos que você se interesse em continuar pesquisando o tema.
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TEOLOGIA E SINCRETISMO

Neste último tópico, também iremos apenas apre-


sentar uma breve discussão sobre o sincretismo
e seu impacto na teologia na hipermodernidade.
Lipovetsky (2004b, s/p) já havia destacado
que o indivíduo hipermoderno procura a reli-
gião para encontrar uma espécie de paz interior,
coisa que ele não encontra no consumismo, por
exemplo. No entanto, a sua prática religiosa se
torna diversa, mista e sincrética. Obedecendo a
lógica da teologia do eu, como vimos no tópico
anterior, as religiões se permitem ao sincretismo
exatamente para satisfazer as aspirações e tendências do sujeito autônomo.
Todavia, como já apontamos no tópico anterior, o sincretismo pode ser uma das
frestas por onde possa penetrar a luz de um Deus que ressignifica a existência.
Embora o termo sincretismo tenha, via de regra, uma conotação pejorativa
no meio cristão, muitos teólogos não veem o sincretismo, em si, como ruim para
a teologia. Pelo contrário, defendem que há um valor teológico no sincretismo.
Soares (2010) é adepto dessa forma de pensar. Para ele, “o sincretismo é parte
irrecusável da história dos encontros e desencontros entre o divino e o humano,
captados em seu ‘durante’, e que, justamente por isso, escapam de definições e/ou
inferências cabais” (SOARES, 2010, p. 32). O teólogo complementa que

Teologia e Sincretismo
196 UNIDADE V

o sincretismo é a revelação de Deus em ato, ou seja, aquilo que vai


acontecendo quando se processa paulatinamente, entre avanços e re-
trocessos, luzes e penumbra, nosso mergulho no Mistério. Imaginá-lo
de outro modo é simplesmente negar que possa ser humano e histórico
esse nosso encontro com Deus (SOARES, 2010, p. 32).

O termo sincretismo se refere à conciliação de diferentes doutrinas (religiosas


ou filosóficas) ou posturas (culturais, políticas, etc.), que permite uma fusão dos

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seus diferentes elementos. Em todo sincretismo, o elemento mais forte acaba
predominando, subjugando o outro. Entretanto, a influência do outro jamais
passará despercebida, como aconteceu com o sincretismo cultural nas Améri-
cas, com a subjugação dos povos ameríndios, ou com o sincretismo religioso
indiano, no qual o hinduísmo recebeu influências do cristianismo recente.
Fonte: o autor.

Soares (2008) ainda enfatiza que não podemos virar as costas para o sincretismo,
acreditando que o cristianismo é totalmente puro e que não sofreu influências
do judaísmo, do helenismo, do paganismo romano, entre outras. Para ele, “o
sincretismo é, antes de tudo, uma prática que antecede nossas opções teóricas e
bandeiras ideológicas” (SOARES, 2008, p. 12).
Todavia, Soares argumenta que o assunto precisa ser discutido e analisado com
cuidado, uma vez que “nem tudo cabe numa sociedade em que todos cabem”. Mesmo
assim, a relação entre o sincretismo e a teologia está ganhando adeptos na academia
e se ajustando com outros nomes como teologia multirreligiosa, interfaith theo-
logy ou teologia inter e até transconfessional. Soares defende que “uma experiência
híbrida pode muito bem sinalizar o desígnio divino de se autocomunicar. A teolo-
gia deve considerá-la no interior do processo da revelação” (SOARES, 2010, p. 39).
Fazem coro a Soares teólogos como Roger Haight (1936-), que defende que
a divindade de Jesus não exclui outros mediadores espirituais de outras religiões;
Edward Schillebeeckx (1914-2009), Andrés Torres Queiruga (1940-), Hans Küng
(1928-), Raimon Panikkar (1918-2010), John Martin Sahajananda, que propõe a
conciliação entre cristianismo e hinduísmo; e Hans-Christoph Askani, entre outros.

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


197

A perspectiva desses teólogos, entretanto, é muito diferente da perspectiva


dos estudiosos do fenômeno religioso que veem no sincretismo de alguns gru-
pos religiosos apenas uma adequação ao discurso da lógica do mercado. Entre
esses estudiosos podemos citar Campos com sua obra Templo, teatro e mercado
(1997) e Proença em seu livro Sindicato de mágicos (2011). Para esses estudio-
sos, o sincretismo é um fenômeno neutro utilizado apenas para reforçar uma
estratégia de comunicação com as massas.
Há outra abordagem também que prefere substituir a expressão sincretismo,
que culturalmente tem uma conotação negativa no cristianismo como já frisamos
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anteriormente, para o termo inculturação da fé. Martins (2010, p. 8) esclarece


que “o sincretismo que numa abordagem das Ciências da Religião aparece como
fenômeno neutro, terá, a partir de uma avaliação estritamente teológica, cono-
tação negativa ou positiva”. Desse modo, a teologia terá que lidar então com a
manutenção da fé com a inclusão de novos elementos, vindos de outras tradi-
ções, ou o advento de uma nova fé. Daí a afirmação de Miranda:
Do ponto de vista teológico, ao contrário da perspectiva fenomenoló-
gica é fundamental que a identidade da fé seja salvaguardada, para que
possamos falar de novas e adequadas expressões da mesma realidade
salvífica. Falhando este ponto teríamos, não uma inculturação da fé,
mas simplesmente outra fé (MIRANDA, 2001, p. 122).

Desse ponto de vista, o sincretismo seria uma etapa dentro do processo mais
amplo da inculturação, e seria um processo do cristianismo para as demais cul-
turas. Eis a sua tese:
nosso objetivo não consiste primariamente em estudar as mútuas trans-
formações resultantes do encontro de duas religiões, mas a incidência
da dimensão religiosa da cultura no cristianismo, como fato intrínseco
ao processo de inculturação (MIRANDA, 2001, p. 110).

Por fim, há uma abordagem que ainda dialoga, na via do sincretismo, com a cul-
tura e com a razão hipermoderna, defendendo a completa interação da teologia
com a sociedade atual, sob a pena da exclusão e da perda de relevância em face
do hiperindividualismo. Nessa interpretação, alguns teólogos e cientistas da reli-
gião, apontam que os movimentos religiosos que conseguem penetrar na cultura
hipermoderna tendem a fazer, de fato, uma teologia voltada para ressignificar a

Teologia e Sincretismo
198 UNIDADE V

existência. O perigo reside na fronteira que há entre essa condição e a adesão à


lógica do mercado da teologia do eu, como parece acontecer com algumas sei-
tas carismáticas no catolicismo e com seitas neopentecostais no protestantismo.
Outro ponto a se destacar é que a opção pelo sincretismo com a cultura e a
razão hipermoderna leva, necessariamente a questionamentos sobre temas que,
antes, eram intocáveis em termos de ética e moral cristã, tais como a liberdade de
opção sexual, casamento entre pessoas do mesmo sexo, entre outros, conforme
aponta Velasco (1996). Assim, alguns teólogos têm defendido o desenvolvimento
da moral específica de cada grupo. Sieperski aponta que essa mudança tem sido

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“encarada como necessária em áreas como a sexualidade, que por terem sido
reprimidas ou oprimidas pela moral moderna, hoje tendem a rejeitar até mesmo
aquilo que poderia ser considerada uma moral básica (SIEPERSKI, 1992, p. 145).
É por isso, segundo Nunes (2009), que certos grupos religiosos, especial-
mente dentro do protestantismo histórico, têm regredido, pois a perda de sentido
que traz a hipermodernidade os afeta diretamente. Para Nunes, “o protestan-
tismo histórico não consegue se comunicar com a sociedade do tempo presente
pela perda de sentido racional que a cada instante parece ‘corroer’ a sociedade”
(NUNES, 2009, p. 75). A reação que muitos desse grupos têm tido torna-se
estéril, pois acabam se “entrincheirando” nos fundamentos da “sã doutrina”, e
elaboram discursos intransigentes contra a própria teologia, enquanto reflexão,
e contra a cultura atual.

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


199

Para manter a relevância da teologia neste mundo hiperindividualista e


hiperconectado, os teólogos deveriam manter um diálogo mais frutífero com a
cultura, reagindo de forma criativa aos fenômenos que se apresentam confusos
e irreversíveis. Com isso parece concordar Libânio, quando diz que:
A dimensão crítica da razão constitui-se elemento fundamental da
revolução cultural moderna irreversível (...) Ora a Teologia não pode
fugir ao diálogo com a cultura e a razão moderna, seja na forma cientí-
fica, seja na experiência vulgarizada pelos meios de comunicação (LI-
BÂNIO, 1982. p. 151, 152).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Portanto, ao menos no início, será a religião africana a purificar o catolicismo


quando aceita o culto aos santos.
(Roger Bastide)

Finalizamos o nosso tópico sobre teologia e sincretismo. Demos apenas alguns


direcionamentos, uma vez que o debate em torno desse tema ganha cada vez
mais relevância seja pela adesão de grupos religiosos à lógica do mercado ou
seja pela busca de um relacionamento ecumênico que ressignifique a existência
hipermoderna, carente de uma religião que lhe traga paz interior e exorcize os
seus demônios. Como teólogos, somos desafiados a atuar em nosso tempo e a
fazer teologia para o nosso tempo. Pense nisso e vamos ao trabalho.

Teologia e Sincretismo
200 UNIDADE V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), chegamos ao fim desta unidade que teve como objetivo apre-
sentar um início de discussão sobre a hipermodernidade. O conceito ainda é
muito novo, muitas vezes apropriado e confundido com a própria pós-moderni-
dade, uma vez que não se constituiu como uma sucessora da época pós-moderna.
Na verdade, a hipermodernidade é a “aceleração” da pós-modernidade ao seu
extremo, beneficiada pela agilidade das comunicações digitais e por tudo que
está contido no prefixo “hiper”.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Inserir esta unidade no livro sobre Teologia e Pós-Modernidade foi intencio-
nal. Embora muitas abordagens da hipermodernidade já foram trabalhadas nos
fundamentos e pressupostos da pós-modernidade, a relevância do seu estudo
se dá, exatamente, pela hiperconectividade que temos, a internet ultra-rápida,
as mídias sociais e, porque não dizer, a própria estrutura do que chamamos de
e-learning na qual está ancorada a nossa aprendizagem acadêmica da teologia.
Vivemos a hipermodernidade e somos sujeitos hipermodernos, com todos os
bônus e problemas que essa adjetivação acarreta.
Assim, não podemos simplesmente nos escondermos atrás de nossas con-
vicções e tradições de fé e deixar as coisas acontecerem. O teólogo tem uma
atividade pública, como vimos no último tópico da unidade IV. Então, somos
chamados a nos imiscuirmos nessa hipermodernidade e tentar produzir um diá-
logo com a sua cultura, com a sua ética e com a sua moral. Um diálogo que seja
relevante, não de caráter judicial, pois a teologia não pode julgar, mas de amor,
fraternidade e cidadania.
O indivíduo hipermoderno é também um indivíduo solitário por opção e
prazer. Suas preocupações giram em torno de si mesmo. Assim, nada mais desa-
fiador para a teologia do que tentar devolver a esse indivíduo o sentido de viver
a sua fé em comunidade e a ter esperanças de que o seu presente possa ser com-
partilhado também na esperança de um mundo e uma sociedade mais justos e
iguais. É um desafio. Não podemos virar às costas a ele.

HIPERMODERNIDADE: UM DESAFIO PARA A TEOLOGIA


201

1. Em sua opinião, quais são as vantagens e as desvantagens da hipermodernida-


de, em se tratando da sua relação com o tempo?
2. O que você entende por “desejo de sentir mais, de planar” quando falamos sobre
o hedonismo da hipermodernidade? Dê exemplos.
3. A publicização da vida é uma característica dos tempos atuais. Posts, selfies, che-
ck-ins nas mídias sociais, entre outros são características de uma vida instantâ-
nea. Como você relaciona isso com as tradições milenares do cristianismo?
4. Faça uma relação da teologia do eu com a teologia da prosperidade, apontando
os seus fundamentos e as suas principais práticas.
5. Na sua avaliação, o sincretismo religioso é de fato a opção que a teologia tem
para encarar os desafios da hipermodernidade? Argumente.
202

O SINCRETISMO COMO CARACTERÍSTICA ESSENCIAL E COMO TAREFA


DA IGREJA
Na medida em que cumpre essa condição, o cristianismo é um “grandioso sincretismo”.
A concepção de que o fenômeno do sincretismo só existiria nas outras religiões, ao pas-
so que o cristianismo, como religião revelada, não seria sincrético ou seria anti-sincretis-
ta, é, para Boff, expressão de uma religião de dominação que se articula num “discurso
ideológico totalizador” (...). Segundo Boff, o catolicismo romano é essa religião de domi-
nação quando compreende religiões não cristãs apenas como preparação do cristianis-
mo e se entende o catolicismo popular, bem como as Igrejas da Reforma, apenas como
decadência do catolicismo, fechando os olhos ante o fato de que o “catolicismo oficial” é
tão sincrético quanto qualquer outra religião (...).
Com sua defesa do sincretismo, Boff se torna, não por último, um advogado de uma te-
ologia ecumênica. Pois com sua tese a respeito do caráter sincrético também do catoli-
cismo romano, as diferenças confessionais são relativizadas sem que o caráter definitivo
da revelação de Deus em Jesus Cristo seja diminuído. O cristianismo se deve ao dom de
Deus e tem — em termos tradicionais — uma origem sobrenatural. Porém a fé que res-
ponde à palavra de Deus é testemunhada, vivida e tradicionada por seres humanos. A
Igreja cristã enganaria a si mesma se quisesse afirmar que suas configurações concretas
tenham saído e sido recebidas prontas das mãos de Deus ou de Cristo (...). Isto significa
“que o cristianismo puro não existe, nunca existiu nem pode existir. O divino sempre se
dá em mediações humanas.” (...)
Assim, o sincretismo da Igreja existe por força da dialética da relação entre a realidade
da Igreja e sua origem divina: a relação entre Evangelho e Igreja deve ser definida no
sentido de identidade e não identidade ao mesmo tempo. Pois mesmo que a Igreja dê
espaço ao Evangelho libertador e, nessa medida, conserve a identidade com ele, como
expressão histórico-cultural e com a objetivação religiosa da fé ela própria jamais pode
tornar-se idêntica à sua origem. “Sua origem é sempre sobrenatural, porque a iniciativa
cabe exclusivamente a Deus.” (...) Na Igreja concreta, entretanto, encontram-se então a
proposta divina e a resposta humana “numa unidade sem mistura e sem separação”.
Assim a Igreja é, por essência, “sincrética “, pois formula, objetiva e tradiciona a fé ou a
experiência religiosa. Com isso ela segue a encarnação: assim como Deus se submeteu
às condições da história e a uma situação histórica concreta, da mesma forma a Igreja
testemunha, “no seguimento da encarnação”, o Evangelho universal sob as condições
cambiantes da existência terrena. Protestantes hão de supor que nessa inclusão de for-
mulações da cristologia da Igreja antiga na eclesiologia a Igreja é colocada de maneira
“tipicamente católica “ — no lugar de Cristo. Contudo, o discurso da teologia da liberta-
ção acerca do sincretismo inevitável, que segue a encarnação, tem uma intenção oposta.”

Fonte: Brandt (1987, p. 110-111).


MATERIAL COMPLEMENTAR

Cartas sobre a hipermodernidade ou o hipermoderno


explicado às crianças.
Sébastien Charles
Editora: Barcarolla
Sinopse: Nessa análise, o hipermoderno de Charles introduz uma
radicalidade voltada para o indivíduo como o ponto de partida e de
chegada de tudo. O autor demonstra a hipermodernidade como continuidade e radicalização da
modernidade, em vez de considerar a pós-modernidade como um fenômeno de ruptura. O livro
não é dedicado às crianças, nem a linguagem própria a sua compreensão. Pelo menos às crianças na
idade, talvez aos adultos com a compreensão ainda infante dos fatos que compõem o cenário que
está sendo construído em nossa época. O próprio autor confessa que o livro não é para as crianças,
é um “pastiche” que ele copia de Jean-François Lyotard que escreveu O pós-moderno explicado às
crianças.

Matrix
Thomas Anderson (Keanu Reeves) é um jovem programador de
computador que é atormentado por estranhos pesadelos nos
quais encontra-se conectado por cabos e contra sua vontade, em
um imenso sistema de computadores do futuro. À medida que o
sonho se repete, Anderson começa a ter dúvidas sobre a realidade.
Por meio do encontro com os misteriosos Morpheus (Laurence
Fishburne) e Trinity (Carrie-Anne Moss), Thomas descobre que é,
assim como outras pessoas, vítima do Matrix, um sistema inteligente e artificial que manipula a
mente das pessoas, criando a ilusão de um mundo real enquanto usa os cérebros e corpos dos
indivíduos para produzir energia. Morpheus, entretanto, está convencido de que Thomas é Neo,
o aguardado messias capaz de enfrentar o Matrix e conduzir as pessoas de volta à realidade e à
liberdade.

Tempo e Aceleração Social na Hipermodernidade é um vídeo produzido por professores da UERJ,


em 2012. Trata sobre como o tempo, que é de 24 horas em todos os lugares, passa de modo
diferente em cada situação social.
Web: <https://www.youtube.com/watch?v=yTARiMPJYrg>

Material Complementar
REFERÊNCIAS

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VELASCO, J. M. Ser cristiano en una cultura posmoderna. Madrid: PPC, 1996.
207
GABARITO

1. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá relacionar a questão da aceleração do tem-


po, que é uma característica da hipermodernidade, apontando suas vantagens
e desvantagens. Utilizar pelo menos três situações em cada uma.
2. O(a) aluno(a) deverá expressar o que entende da filosofia hiperindividualista de
exagerar nos sentimentos, em se tratando de questões sensoriais. Deverá dar
exemplos de como isso é feito na hipermodernidade.
3. Nesta questão, o(a) aluno(a) deverá ser capaz de dialogar criticamente com as
tradições cristãs, perenes no tempo, com a brevidade dos momentos da vida do
presente. Os juízos de valores serão permitidos, desde que dentro do contexto.
4. O(a) aluno(a) deverá relacionar os pressupostos da teologia da prosperidade
em face do que chamamos de teologia do eu, da satisfação das necessidades
individuais. Quanto mais práticas e pressupostos da teologia da prosperidade
elencar, será melhor avaliado.
5. O(a) aluno(a) deverá ter a capacidade de argumentar e expor a sua opinião so-
bre o sincretismo na teologia, em face do que se apresenta na hipermoderni-
dade. A argumentação poderá conter juízos de valor desde que devidamente
esclarecidos no contexto.
CONCLUSÃO

Caro(a) aluno(a), concluímos o nosso percurso apresentando a você a Teologia na


Pós-Modernidade. Nosso caminhar foi no sentido de mostrar que a teologia é feita
nos dias de hoje, não em uma época remota. Por isso, à teologia não cabe defender
a pós-modernidade, mas auxiliar no processo de discernimento sobre qual a melhor
maneira de se viver a fé em um contexto pós-moderno. Para isso, o teólogo deverá
saber valorizar a experiência do indivíduo e respeitar a multiplicidade de crenças
em seu contexto. A mensagem que deve ser levada pela teologia é cada vez mais
“encarnada” e cada vez menos racional.
Nossa mentalidade não deve se ater aos perigos que a pós-modernidade oferece à
teologia e sim para os desafios que se nos apresentam para que a teologia seja rele-
vante, não somente decifrando as implicações sociais e religiosas do nosso tempo,
mas apontando caminhos e dando direções para que a vida seja plena em todos
os seus sentidos. Nesse caminho, parece-nos que a teologia narrativa suplantará a
teologia argumentativa dos manuais e das dogmáticas.
Entretanto, a teologia deverá ser narrativa e não a narradora, isenta, olhando de
cima. Ela necessitará unir explicação com experiência, terá que ser acadêmica e pú-
blica, terá que estar nas margens e também no centro da coletividade. Com esse
ideal em processo, a teologia se subdivide em diversas outras teologias, ecléticas,
abrangentes, inclusivas, comprometidas com a sustentabilidade ambiental e com a
vida, em sua plenitude e em todas as suas formas.
O desafio da pós-modernidade e do sujeito hiperindividualista para a teologia não
se esgotará nunca. A teologia precisará dar as respostas às perguntas atuais e parar
de se preocupar com as perguntas que ninguém mais está fazendo. Essa é a relevân-
cia do labor teológico no século XXI. Foi por isso que apresentamos este livro a você.

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