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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

INSTITUTO DE TEOLOGIA LOGOS


PREPARANDO CRISTÃOS PARA A DEFESA DA FÉ
CURSOS DE TEOLOGIA 100% Á DISTÂNCIA

DISCIPLINA.

PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
(Organizado pelo Setor Acadêmico do ITL)

BRASIL, MA
Versão 2021

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

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Instituto de Teologia Logos, EA
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DADOS DE CATALOGAÇÃO INTERNA DA PUBLICAÇÃO – DCIP


CÓDIGO DCIP: 001-034-2021-1
CÓDIGO DISCIPLINA: ITLON34

LOGOS, Instituto de Teologia (ORG). PSICOLOGIA DA RELIGIÃO.


MARANHÃO: PUBLICAÇÕES ITL, 2021. 70 pgs.

Instituto de Teologia Logos – Diretoria de Ensino


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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

SUMÁRIO

1 - O QUE É A PSICOLOGIA DA RELIGIÃO? ...................................................................... 7


1.1. A PSICOLOGIA DA RELIGIÃO..............................................................................................8
2 - TEORIAS CLÁSSICAS DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO.................................................. 15
2.1. PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL-COGNITIVISTA E RELIGIÃO ................................................17
2.2. TEORIAS DA PSICOLOGIA PROFUNDA OU PSICODINÂMICA E RELIGIÃO ....................................18
2.3. TEORIAS DA PSICOLOGIA HUMANISTA E RELIGIÃO ..............................................................20
2.4. PSICOLOGIA NARRATIVA ................................................................................................22
2.5. A TEORIA DA ATRIBUIÇÃO ..............................................................................................23
2.6. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .........................................................................23
2.7. RELIGIÃO COMO APEGO ................................................................................................24
2.8. PSICOLOGIA CULTURAL DA RELIGIÃO................................................................................24
2.9. PSICOLOGIA EVOLUCIONÁRIA .........................................................................................25
2.10. PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS DA PSICANÁLISE............................................................25
3 - PSICOLOGIA, RELIGIÃO E CRISTIANISMO ................................................................ 27
3.1. PSICOLOGIA E RELIGIÃO – UMA BUSCA DA COMPREENSÃO DO DIVINO ..................................28
4 - A SIMBOLOGIA RELIGIOSA...................................................................................... 41
4.1. DIFERENCIANDO SIGNO, SINAL E SÍMBOLO .......................................................................41
4.2. PORQUE ESTUDAR OS SÍMBOLOS RELIGIOSOS ....................................................................42
4.3. A SIMBOLOGIA RELIGIOSA NO CONTEXTO PSICOLÓGICO ......................................................44
4.4. A SIMBOLOGIA RELIGIOSA NO CONTEXTO HISTÓRICO E ANTROPOLÓGICO ..............................46
4.5. PORQUE A RELIGIÃO UTILIZA OS SÍMBOLOS? .....................................................................49
4.6. SÍMBOLOS E CULTURA ...................................................................................................51
5 - AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO RELIGIOSO .......................................................... 54
5.1. VIVÊNCIA DA REVELAÇÃO ...............................................................................................54
6 - A VISÃO DA PSICOLOGIA SOBRE A CURA NA RELIGIÃO ........................................... 62
6.1. OS ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA DOENÇA E DA CURA NA RELIGIÃO.......................................64
6.2. A DISCUSSÃO PSICOLÓGICA DA CURA PELO ENFRENTAMENTO RELIGIOSO ..............................65
7 - CONCLUSÃO ........................................................................................................... 70

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O Instituto de Teologia Logos estará acompanhando você durante
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Os materiais produzidos oferecem linguagem simples, completa e de
rápida assimilação, contribuindo para o seu desenvolvimento bíblico,
teológico e ministerial, para desenvolver competências e habilidades e
aplicar os conceitos, fundamentos e prática na sua área ministerial,
possibilitando você atuar em favor do Reino de Deus com mais excelência.
Nosso objetivo com este material é levar você a aprofundar-se no
conteúdo, possibilitar o desenvolvimento da sua autonomia em busca de
outros conhecimentos necessários para a sua formação bíblica, teológica
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Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e
construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize todos os
materiais didáticos e recursos pedagógicos que disponibilizamos para
você. Acesse regularmente a Área do Aluno, participe no grupo online
com o tutor online que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e
auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar
com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica.

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AULA
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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

1- O QUE É A PSICOLOGIA DA RELIGIÃO?


A Psicologia, como área da ciência vem se desenvolvendo na história desde 1875,
quando Wilhelm Wundt (1832-1926) criou o primeiro Laboratório de Experimentos em
Psicofisiologia, em Leipzig, na Alemanha. Esse marco histórico significou o desligamento
das idéias psicológicas de idéias abstratas e espirituais que defendiam a existência de uma
alma nos homens, a qual seria a sede da vida psíquica. A partir daí, a história da Psicologia
é de fortalecimento de seu vínculo com os princípios e métodos científicos. A idéia de um
homem autônomo, capaz de se responsabilizar pelo seu próprio desenvolvimento e pela
sua vida, também vai se fortalecendo a partir desse momento.
Dentre os que investigaram a religiosidade de um ponto de vista psicológico também
estão outros dos grandes nomes da Psicologia, como William James (1842-1910), Sigmund
Freud (1856-1939), Carl Jung (1875-1961), Théodore Flournoy (1854-1920), Stanley Hall
(1844-1924), James Leuba (1868-1946) e Edwin Starbuck (1866-1947). Todos esses autores
contribuíram para que a religiosidade fosse elevada à condição de um importante objeto
de estudo da Psicologia, não somente ao aplicarem o conhecimento psicológico disponível
em sua época para explicar tais manifestações humanas, como também ao recorrerem a
tais fenômenos para construírem suas teorias e concepções acerca da mente e do
comportamento humanos. Muitos outros depois deles também contribuíram de modo
relevante para a continuidade desses estudos, a exemplo de autores como Abraham
Maslow (1908-1970), Gordon Allport (1897-1967) e Viktor Frankl (1905-1997).
Hoje, a Psicologia ainda não consegue explicar muitas coisas sobre o homem, pois é
uma área da Ciência relativamente nova (com pouco mais de cem anos). Além disso, sabe-
se que a Ciência não esgotará o que há para se conhecer, pois a realidade está em
permanente movimento e novas perguntas surgem a cada dia, o homem está em
movimento e em transformação contínua, colocando também novas perguntas para a
Psicologia.
A psicologia da religião é um tema bastante abrangente e complexo, pois trata de
questões relacionadas ao que há de mais íntimo no ser humano, sua vida psíquica e sua fé
ou religiosidade. São questões muitas vezes difíceis de serem comprovadas
cientificamente, a não ser pela observação de seus efeitos revelados no comportamento
das pessoas. A psicologia da religião se interessa pelo estudo das funções psíquicas que
intervêm na vida psíquica religiosa, como o sentimento, o desejo, à vontade, o
pensamento e a representação mental ou imagem, e também pelos modos unitários de
funcionamento das vivências religiosas e a atitude diante do sagrado, tal como aparecem
em múltiplas formas da atividade religiosa.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

A psicologia da religião é uma ciência relativamente jovem. O seu tema central é a


vivência religiosa, suas causas e seus efeitos. Trata-se de um estudo fenomenológico,
levando em consideração as diversas manifestações de religiosidade. Utiliza-se de
exemplos bíblicos para explicar diversas situações, pois existem profundas observações
sobre a vida religiosa interior no Livro Sagrado; temas de psicologia religiosa podem ser
dali extraído. Entretanto, apenas recentemente a investigação da vida interior religiosa
tem sido feita de forma metódica, baseando-se na observação empírica.

1.1. A Psicologia da Religião

A Psicologia é a ciência que estuda o comportamento humano e, já que as práticas


religiosas são comportamentos humanos, devem ser também tomadas como objeto da
Psicologia. Assim, é mais apropriado dizer que a Psicologia da Religião não se interessa
pela religião, na verdade, mas pela vivência da pessoa religiosa. “Comportamento
religioso” pode ser entendido como “qualquer ato ou atitude, individual ou coletiva,
pública ou privada, que tenha específica referência ao divino ou sobrenatural”. Aliás, como
sucessora da Filosofia, à Psicologia supunha-se reservada a tarefa de conquistar campos
cada vez mais complexos, culminando no campo a religião. No entanto, “como as formas
religiosas são históricas, a psicologia só se aplicará com competência a uma modalidade
religiosa se apreender seu sentido”, para o que precisa estar atenta à cultura e ao que têm
a dizer outras disciplinas. De fato, “a psicologia tem buscado interagir com disciplinas
biológicas, como a fisiologia e a psiconeuroimunologia, e com disciplinas sociais, como a
antropologia”.
As Ciências das Religiões (ou Ciências da Religião, ou ainda Ciência da Religião)
valorizam a interdisciplinaridade para compreender o fenômeno religioso. No entanto,
pelo menos no Brasil, suas pesquisas são, em sua maior quantidade, direcionadas pelas
Ciências Sociais da Religião, pela História das Religiões, pela Teologia... Ainda são pouco
conhecidos os trabalhos dirigidos pela Psicologia da Religião, ainda que esta seja apontada
em alguns manuais e introduções à área como um dos principais ramos das Ciências da
Religião. Sendo a interdisciplinaridade considerada uma postura constituinte mesmo das
Ciências das Religiões, a Psicologia da Religião não interessará exclusivamente a
psicólogos.
Jacob Belzen chega a elogiar a situação da disciplina: “Nunca antes houve tantas
publicações e tantos encontros e conferências sobre religião, tal o interesse dentro e fora
da Academia sobre o que a Psicologia tem a dizer a respeito da religião e da
espiritualidade”, sendo que, todavia, não vemos mesma situação entusiasta no cenário das
Ciências das Religiões no Brasil. Observa Edênio Valle, sobre o cenário brasileiro, que “os
alunos, os professores e os profissionais sentem, todos, a falta de textos de psicologia que

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

possam oferecer uma primeira visão global do assunto”, de modo que lamentam “a
ausência de livros de referência ao cada vez mais complexo campo de estudos psicológicos
sobre a religião”. Diferente de outros países, nas livrarias brasileiras “os livros de psicologia
científica são raros, ou, para ser mais exato, inexistentes”, ao passo que os livros de “ajuda
psico-religiosa” são abundantes.
A tradução de obras significativas é uma das tarefas que a Psicologia da Religião no
Brasil ainda deve realizar. Observa também o mesmo Edênio Valle que, ainda que cresça “a
cada ano o número de livros, teses e monografias científicas sobre a Psicologia da Religião
[...] não se pode esquecer de que existe, ao mesmo tempo, uma copiosa bibliografia de má
qualidade *...+ *que pode+ induzir em imprecisões e erros do que seja nossa disciplina”. No
entanto, ele identifica razões de otimismo, sendo a principal delas os Seminários
“Psicologia e Senso Religioso”, que ocorrem desde 1997, a cada dois anos, organizados
pelo grupo de trabalho “Religião e Psicologia” da Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia – ANPPEP.
Marco iniciador da Psicologia da Religião no Brasil é um artigo de Benkö, do ano de
1956, Um ensaio de exame psicológico de seminaristas, publicado na Revista de Psicologia
Normal e Patológica, n. 2. Um levantamento dos primeiros cinquenta anos da disciplina no
Brasil mostra que desde a primeira publicação teve sempre um número ascendente (com
exceção da década de 70, e principalmente na década de 90 e no primeiro quinquênio dos
anos 2000) de trabalhos da disciplina, com multiplicidade de temas, embora com
predominância de temática conceitual, com “o emprego progressivamente mais
disciplinado das teorias psicológicas” e “crescente rigor metodológico das pesquisas
publicadas”. Os primeiros livros publicados no Brasil por autores brasileiros foram de
Benkö, em 1981, e de Merval Rosa, em 1969. Em 1964, a Associação de Seminários
Teológicos Evangélicos (ASTE) já havia publicado “Psicologia da Religião”, do
estadunidense Paul E. Johnson. Os autores destes primeiros livros estavam todos eles
ligados à confessionalidade cristã: Benkö era sacerdote católico e Merval Rosa, pastor
batista.
O surgimento da Psicologia da Religião no Brasil teve influência europeia. Na década
de 50, em São Paulo, o médico italiano Enzo Azzi, PUC-SP, confiou, na mesma universidade,
um departamento de Psicologia da Religião ao psicólogo holandês Theodorus van Kolck,
influenciada pela Universidade Católica de Lovaina e com menor influência da
Universidade Católica de Milão. Também em São Paulo, e no mesmo período, a Associação
de Psicologia Religiosa foi criada reunindo psicólogos, médicos, antropólogos e sacerdotes,
também sob a direção de Theodorus van Kolck. Antonius Benkö, sacerdote húngaro, no Rio
de Janeiro, em meados da década de 1950, realizou as primeiras pesquisas empíricas em
Psicologia de Religião na PUC-RJ.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Apesar da confessionalidade desses primeiros passos, nada obstou o


desenvolvimento da disciplina como ciência autônoma. Nas universidades públicas, a
Psicologia da Religião encontrou guarida na década de 80, primeiro na USP e depois na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e na Universidade de Brasília (UnB). Sobre o
caso da USP, observa Paiva, que primeiramente foi oferecida a disciplina Psicologia da
Religião no âmbito da Pós-Graduação, no entanto, “intrigantemente, os alunos que se
matriculavam nessas disciplinas provinham, na quase totalidade, de diversos cursos da
Universidade, mas não do curso de Psicologia, para o qual as disciplinas da Pós-Graduação
tinham sido criadas”, situação que foi se alterando quando passou a se oferecer
“Psicologia da Religião” como cadeira eletiva na graduação.
Como podemos definir esta disciplina? Rodrigues e Gomes valem-se da seguinte
definição: “A Psicologia da Religião é o estudo do comportamento religioso pela aplicação
dos métodos e teorias dessa ciência a este fenômeno, quer pelo aspecto social, quer pelo
aspecto individual”. E, assim como as demais disciplinas das Ciências das Religiões, não
está interessada em provar a existência ou inexistência de Deus(es), mas na certeza de
que, quer Deus(es) exista(m) ou não, é certo de que a religião existe, e as pessoas pautam
suas vidas por ela e nela encontram sentido para suas vidas. Como afirmou Paiva, “nada de
humano é alheio à Psicologia” e “como a religião continua sendo uma das dimensões mais
coextensivas ao homem, constitui-se num objetivo legítimo da pesquisa em Psicologia”.
Psicologia da Religião não significa que a Psicologia sirva a qualquer religião em particular,
não é o mesmo que Psicologia Religiosa, mas se objetiva a entender e analisar a religião.
Existe, é verdade, a Psicologia Pastoral, que não é Psicologia da Religião, mas é a
psicologia que serve ao pastor, isto é, “a psicologia que foi desenvolvida e seguida para
facilitar os objetivos das igrejas cristãs” e nela “as pessoas estão geralmente muito
familiarizadas e empregam bem a Psicologia da Religião”, mas “esta última é
primordialmente neutra em relação a seu objeto e não adota posições de combate à
religião; ela simplesmente analisa e compreende”. A Psicologia da Religião mostrará
particular interesse na eficácia da religião em promover comportamentos saudáveis e
restringir comportamentos nocivos; na influência da religião nos estilos de vida pessoal; na
integração e apoio, favorecidos pelos atos religiosos sociais; na intensificação dos
sentimentos de autoestima e de autoeficácia providos pela religião; no enfrentamento das
situações estressantes num quadro de referência religioso e, possivelmente, nas alterações
das conexões psiconeuroimunológicas ou neuroendócrinas que afetam os sistemas
fisiológicos.
Rodrigues e Gomes (2013, p.333) apontam dois motivos para que esta disciplina
ainda não desfrute de alta respeitabilidade no meio acadêmico:

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

1. A experiência religiosa é complexa e demasiadamente subjetiva, de forma que


dificulta o acesso objetivo por parte do observador;
2. A pluralidade de referencial teórico da própria Psicologia dificulta estabelecer um
referencial e um objeto limitado para a Psicologia da Religião. Isso se dá a
despeito da Psicologia da Religião ser tão antiga quanto a própria Psicologia e ter
entre seus “pais fundadores” alguns dos iniciadores da Psicologia.
A experiência religiosa é a “a apreensão do Infinito (Schleiermacher), do Divino
(James), do Sagrado (Otto), de Deus, e não de um objeto intermediário”.
De forma sucinta, podemos assumir que “a experiência religiosa é a resposta do
indivíduo, primariamente em termos cognitivos e emocionais, a qualquer coisa que ele
considera divina e essa experiência é a base das práticas religiosas”. Para Merval Rosa
(1979, p.16), “a dinâmica da experiência religiosa tem aspectos universais e pode ser
estudada do ponto de vista psicológico, independentemente de qualquer ideia sectária”.
A partir do século 18, alguns filósofos e também teólogos se prestaram à reflexão
sobre a natureza psicológica da vida religiosa; entre eles, podem-se citar Jonathan
Edwards, Friedrich Schleiermacher, David Hume e Soren Kierkegaard. Podemos tomá-los
como os antecedentes da Filosofia da Religião. Ainda hoje, a Psicologia “guarda ainda uma
íntima conexão com a discussão conceitual filosófica que lhe é subjacente”, todavia,
“alguns psicólogos extremamente ardorosos na defesa da separação entre psicologia e
filosofia acabaram, eles próprios, escrevendo textos especulativos de natureza filosófica”.
Rosa (1979) lembra que a Psicologia da Religião também é, de certa maneira, filha de
homens como Buda, Sócrates, Platão, Jeremias, Agostinho, Pascal, que refletiram a vida
interior.
De fato, “os primeiros psicólogos modernos não eram ‘psicólogos’, eram filósofos
tentando resolver questões fundamentais sobre a natureza e os conteúdos da consciência
humana” e a Psicologia se estabeleceu a partir dos estudos de Wilhelm Wundt, em 1879,
como ciência independente. Wundt via o comportamento religioso carregado de conteúdo
afetivo, mas desprovido de aspectos intelectuais. Pierre Janet, discípulo de Charcot, no fim
do século 19 e início do 20, fez contribuições à Psicologia da Religião, associando alguns
comportamentos religiosos a neuroses e psicopatologias. Outro psicólogo da escola
francesa, contemporâneo de Janet, Th. Flournoy advogou que, para estudar a
religiosidade, a Psicologia deve primeiramente excluir um “ser superior” e, em segundo
lugar, fazer considerações biológicas – fisiologia, genética, análises comparativas e
dinâmicas.
Foi com William James, em 1896, nos Estados Unidos, que a Psicologia da Religião
surge como corpo teórico da Psicologia. James atribuía à natureza humana a capacidade
de entrar em comunhão direta com o divino por um sentimento de peculiar solenidade e

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

intensidade, denominada experiência religiosa. Essa experiência é própria do início


efervescente das religiões. Em As Variedades da Experiência Religiosa, afirma William
James que a experiência afetiva antecede as crenças religiosas, que a experiência religiosa
pode ser sadia ou patológica e advoga que a personalidade pessoal determina o tipo de fé
que o sujeito desenvolve: personalidades combativas desenvolveriam uma fé mais sadia ao
passo que personalidades reconfortantes teriam tendência a expressões patológicas da fé.
G. Hall, contemporâneo de William James, é considerado propriamente o primeiro
psicólogo da religião; seus estudos trataram da conversão religiosa na passagem da
infância para a idade adulta. Também merece destaque G. Leuba, seu colaborador, que
acreditava que a religião resulta da luta pela vida, portanto, representa uma necessidade
biológica humana, e buscou encontrar bases biológicas na experiência mística e
semelhanças entre as experiências psicológicas da religiosidade e do uso de drogas
psicotrópicas.
Como vimos, foi a partir do século 19 que as relações entre Psicologia e religião
passaram a ser debatidas com mais frequência. Tempo mesmo da separação da Psicologia
da Filosofia. Foi posta em questão a possibilidade de se estabelecer uma Psicologia da
Religião que fosse realmente científica. Lança mão Jacob Belzen (2013) de uma metáfora
interessante para falar da constituição da Psicologia Científica da Religião. Numa
aproximação que vê entre a música e a religião, imagina uma família de quatro irmãs,
todas muito dedicadas à música, cujos nomes são: Ancilla, Crítica, Scientia e Parecerista.
A primeira filha, Ancilla, em português o mesmo que “serva”, representa a Psicologia
a serviço do religioso, “ajudando a religião a alcançar de maneiras variadas os seus muitos
espaços e metas”. Uma Psicologia que buscasse se adaptar às grandes religiões, de modo
que os seus estilos de vida e as suas formas de evolução espiritual estivessem abertos a
todos. Podemos ver Ancilla na Psicologia Pastoral, fecunda principalmente nos anos 1960,
que presta ao líder religioso ajuda no seu trabalho como profissional da ajuda, também
essa Psicologia Pastoral consegue ajudar pastores ou padres a melhorar suas próprias
condições psicológicas.
A segunda filha destina-se a fazer a crítica à religião. Como uma filha rebelde
adolescente, é sempre do contra, acreditando que a principal função da Psicologia da
Religião é a crítica à religião, “numa tentativa de minar a fé” e “reconduzir a religiosidade a
nada mais que processos psicológicos”. Nem todas críticas devem ser consideradas fruto
exclusivo da má vontade de psicólogos que não distinguem o agnosticismo metodológico
com o ateísmo ontológico. Às vezes, essas críticas “querem fazer uma distinção entre o
que seria a religião pura e as suas sabidamente inúmeras adulterações”.
À terceira filha, Belzen dá o nome de Scientia. Boa parte das pesquisas da Psicologia
da Religião são elaboradas por essa irmã. Essa é a filha que tem real interesse por

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

concertos. Psicólogos ligados a essa filha “enviam questionários, aplicam testes de


medição e registram as reações que se dão em experiências de laboratório [...] procuram
ser absolutamente neutros e objetivos em sua escuta e observação”. Assim, apesar de seu
interesse por concertos, “não veem necessidade de ter uma experiência direta do
comportamento e da práxis dos que estão estudando cientificamente”. Muitas vezes, essa
abordagem relacionou doença mental e prática religiosa, demonstrando se “um dado
comportamento religioso indica externamente um sintoma de perturbação psíquica ou se,
ao contrário, ele comprova uma canalização e decréscimo dessa mesma perturbação”.
Deve-se a essa irmã, Scientia, “boa parte do prestígio que a Psicologia da Religião foi lenta,
mas constantemente, conquistando”.
A quarta filha segue o exemplo da terceira. Assiste-a em concertos, mas buscando
tirar algo de específico de cada concerto. Não se interessa por uma definição abstrata do
que seja a religião, “os psicólogos da religião que exercem sua profissão como Pareceristas
sobre uma religião ou comportamento religioso não se sentem chamados a escrever sobre
religião em geral, mas, sim, sobre um comportamento religioso concreto”. Isso não
significa que o Parecerista não componha também sua música própria, mas não é sobre ela
que elabora sua opinião, e sim sobre a música composta por seus colegas. Porém, está
claro “que não quer dizer que a subjetividade de quem elabora o parecer não tenha
influência sobre o parecer que ele elabora”.
Isto significa que a Psicologia da Religião é uma ciência hermenêutica da qual a
subjetividade do pesquisador participa de forma que às vezes se possa captar o sujeito “a
partir de dentro”. Por essa metáfora de Benzen, a Psicologia da Religião é apresentada
como consciente das divergências e aproximações entre seus muitos ramos (sintonias e
disfonias), mas em busca de sua própria ratio epistemológica, isto é, a elaboração de uma
metodologia própria de estudar a religião.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

AULA
02

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

2- TEORIAS CLÁSSICAS DA PSICOLOGIA


DA RELIGIÃO
Pelo que dissemos até agora, pode-se justificar a possibilidade de se falar do plural –
psicologias da religião – e ser bem entendido. (Talvez até falar de psicologias das religiões
seria aceitável). Qual objeto da Psicologia da Religião? A pergunta parece óbvia: a religião,
é a resposta. Mas o que é a religião? Conceituar a religião tem sido um desafio não
exclusivo da Psicologia da Religião, mas de toda área das Ciências das Religiões, desafio
para o qual a Filosofia e a Fenomenologia da Religião podem responder melhor.
Provisoriamente, basta entender que “a religião é uma instituição social que discute a
realidade que transcende a humana, repetindo-se dinamicamente em diferentes signos,
símbolos, mitos e ritos nas diversas organizações humanas”.
As visões a respeito do tema sofreram mudanças ao longo do tempo, tanto em
função de desenvolvimentos em suas teorias quanto em função de mudanças no momento
histórico e na forma de as pessoas pensarem sobre religiosidade. No início das pesquisas,
havia uma tendência por parte de alguns pensadores em colocar a Psicologia a serviço da
religião (ou de algumas religiões em particular), confundindo as fronteiras entre essas
formas de conhecimento. Nesse contexto, o conhecimento psicológico era aplicado para
tornar as pessoas mais religiosas, para fortalecer sua fé ou para ajudar a religião em sua
tarefa de educação religiosa (o que fica claro em algumas das ideias e trabalhos de Stanley
Hall, por exemplo). Por outro lado, havia também uma tendência de relacionar a
religiosidade à doença mental e ao desequilíbrio emocional. Os psiquiatras franceses
Pierre Janet (1859-1947) e Jean-Martin Charcot (1825-1893) associavam as experiências
místicas e religiosas a sintomas neuróticos. O neurologista austríaco Sigmund Freud, por
sua vez, viu na religiosidade uma forma de ilusão infantil. Mais tarde, o psicólogo
estadunidense Albert Ellis (1913-2007) afirmou que a religiosidade estaria ligada à
irracionalidade e a perturbações emocionais, portanto pessoas menos religiosas seriam
mais saudáveis do ponto de vista emocional. Mas psicólogos como William James e
Théodore Flournoy enfatizavam que a religiosidade pode tanto levar à doença quanto à
saúde, e estavam mais interessados em entender como as experiências religiosas podem
nos ajudar a compreender as origens e o funcionamento da mente humana.
Ao longo do tempo, diversas hipóteses foram desenvolvidas para explicar o
comportamento religioso e as experiências religiosas. Hoje, de modo geral, psicólogas(os)
e psiquiatras já não enxergam a religiosidade como relacionada necessariamente à doença
mental. Ao contrário, reconhecem seu potencial para a saúde e bem-estar das pessoas.
Entende-se agora que a religiosidade constitui uma expressão humana complexa que

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

envolve diferentes dimensões e possibilidades de compreensão. Com as mudanças na


sociedade contemporânea, têm surgido novas formas de religiosidade e de relação com o
que quer que se defina como sagrado ou transcendente. Isto inclui pessoas sem uma
religião definida, mas que se consideram, no entanto, como “espirituais”, ou seja, pessoas
que assumem que há algo transcendente, algo sobrenatural, algo sagrado, mas que não
encontram essa sacralidade em nenhuma religião.
Viu-se, assim, que não era mais possível estudar o tema da religiosidade sem
relacioná-lo também ao da espiritualidade, compreendida como a dimensão do que dá
sentido à vida e que não necessariamente é religioso nem de ordem sobrenatural.
Psicólogas(os) e psiquiatras estão mais interessadas(os) agora em entender os mecanismos
específicos envolvidos na religiosidade e na espiritualidade, quer para a doença, quer para
a saúde. Sem abandonar as grandes teorias iniciais que autores como Freud e Jung
desenvolveram da mente humana, pesquisadoras(es) contemporâneas(os) estão mais
voltadas(os) para o entendimento de processos específicos como o coping religioso (o
modo como as pessoas usam a religião para lidarem com os sofrimentos da vida), o apego
(o vínculo afetivo ou ligação entre um indivíduo e uma figura de apego, comumente um
cuidador ou cuidadora), a atribuição de causalidade (a tendência humana a buscar por
causas por trás de qualquer acontecimento ou experiência), entre outros.
A origem de teorias psicológicas clássicas e contemporâneas e o surgimento de
conceitos psicológicos como inconsciente (a ideia de que parte do funcionamento mental
se dá fora da consciência), dissociação (a noção de que possa haver um desligamento, ao
menos temporário, entre vários fenômenos que costumam trabalhar ligados, como a
memória, a nossa vontade, a nossa percepção e a nossa capacidade de nos movermos) e
estados alterados de consciência, por exemplo, remontam a investigações ligadas a
fenômenos religiosos na história da Psicologia (como é o caso das experiências de transe
religioso em diferentes tradições e rituais). Saber disso é importante tanto para a pesquisa
em Psicologia, que pode continuar a fazer novas descobertas estudando fenômenos
religiosos, como para a prática da(o) psicóloga(o), uma vez que a experiência religiosa é
componente da experiência humana e da constituição de subjetividades, culturas e
sociedades. Enquanto psicólogas(os), sofremos automaticamente a influência desses
estudos iniciais em nossa prática cotidiana. Além disso, vivemos em um país altamente
religioso, o que torna imperativo compreender fenômenos religiosos e sua relação com a
constituição histórica da Psicologia como ciência.
Para Psicologia da Religião, o mais interessante é que “a religião trata de uma
realidade em que os afetos, a razão, os valores, os comportamentos humanos estão
envolvidos, bem como suas crenças, sua dimensão social, cultural, política e ética”. Em
verdade, a Psicologia da Religião reconhece cada vez mais sua função como “descrever,
fenomenologicamente, a religião e não julgar ou avaliar os valores ou as verdades

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

existenciais dessas práticas”. Para Paiva (1998), “o objeto religioso torna-se possível
quando aceito como dado. O estudo científico desse objeto parece exigir,
epistemologicamente, o reconhecimento da competência de outras instâncias, anteriores
e exteriores à ciência, para falar o transcendente”. Entre estas instâncias estão a cultura e
o grupo social.

2.1. Psicologia Comportamental-Cognitivista e Religião

Edênio Valle (2008) afirma que “na psicologia da religião estão presentes todas as
tendências existentes na ciência psicológica”. Nós apresentaremos, a seguir, as teorias
clássicas que nortearam a Psicologia da Religião. Mais à frente, faremos o mesmo quanto
às teorias contemporâneas.
Num extremo, “a experiência religiosa é uma neurose, segundo Freud, e, no outro
extremo, ela pode ser um aspecto saudável da busca de sentido, de acordo com Frankl”.
Conforme Edênio Valle (2008), “os psicólogos norte-americanos tendem a assumir
posições de cunho experimentalista, preocupando-se prioritariamente em definir as
condições da observação e em discriminar os estímulos e reações comportamentais
religiosas a serem mensuradas”.
A Psicologia Experimental considera o comportamento como o único elemento
quantificável do ser humano. K. Girgensohn realizou o primeiro estudo experimental da
Psicologia da Religião. Os behavioristas, no entanto, não tiveram especial interesse pelo
comportamento religioso, suas pesquisas nesta área ocorreram em paralelo a outras
pesquisas que realizavam. Podemos destacar, entre os que abordaram o tema da religião:
Sargant, Skinner, Stark e Glock.
Sargant aplicou os experimentos de Pavlov à questão religiosa e observou o efeito do
ritmo e da dança nos rituais religiosos, propiciando controle do líder carismático no
colapso emocional dos participantes. Skinner observou instituições sociais do
comportamento, evidenciando a religião como um reforçador/inibidor de atitudes por
meio das promessas de prêmios ou ameaças de punições eternas. Os norte-americanos
Stark e Glock foram alguns dos raros behavioristas que se ativeram ao fato religioso. Stark
e Glock estudaram a natureza do compromisso religioso e sua consequência psicológica e
social. Embora não tenha realizado grandes estudos na Psicologia da Religião, o
Behaviorismo apresentou a ela a precisão de seu método de análises estatísticas.
Estudos que elegeram a abordagem fisiológica da Psicologia consideraram a
variação hormonal, de humor e emocional relacionada à religiosidade, possibilitando
melhor entendimento dos processos neuropsicológicos relacionados ao comportamento
religioso.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

No âmbito da Psicologia Cognitivista, Pierre Piaget, em seus estudos do


desenvolvimento cognitivo humano, observou que as atitudes religiosas têm ligação com a
relação entre sujeito e pais: relações marcadas pela submissão desencadeariam no adulto
uma relação de transcendência com o sagrado, relações familiares marcadas pelo respeito
mútuo desencadeariam no adulto uma relação de imanência com o sagrado. Nessa
perspectiva, a Psicologia da Religião deveria considerar o desenvolvimento da criança e da
inteligência humana, pois as religiões promovem crenças e ideias de Deus no sujeito em
desenvolvimento.

2.2. Teorias da Psicologia Profunda ou Psicodinâmica e


Religião

Na Psicologia, as abordagens chamadas psicodinâmicas ou profundas não são


somente da Psicanálise Freudiana. A Psicologia Profunda apresenta repercussões nos
estudos da Psicologia da Religião pela pluralidade de autores e pensamentos que contém e
pelo enfrentamento de preconceitos ao estudo da religião pelo enfoque da Psicologia.
Seus principais expoentes são Sigmund Freud, Carl Jung, Erich From e E. Erickson.
Freud fundou a Psicanálise a partir da hipótese de que há uma base inorgânica das
neuroses, usou a hipnose para tratar seus sintomas e depois desenvolveu o método da
livre associação de ideias. Dos quatro citados, é o mais conhecido. Dedicou cinco livros à
análise da religião na conduta humana, dos quais a avaliação mais direta da religião é
Futuro de uma Ilusão, publicado em 1927. Entendia a religiosidade como uma fantasia de
onipotência e desejo de imortalidade. Entre 1914 e 1930, considerou qual seria o destino
da religião na sociedade moderna, partindo do pressuposto de que o indivíduo compensa a
limitação que lhe é imposta pela vida ao prazer através da ilusão de se sentir querido,
elenca três funções para a religião:
1. Afastar os medos da natureza;
2. Prover alguma esperança;
3. Compensar as privações que a vida civilizada impõe.
Assim, a religião existiria apenas enquanto a humanidade não fosse madura e capaz
de suportar as dificuldades existenciais. Freud abandonou, depois, essas ideias. Após 1930,
Freud reorganiza sua Psicologia da Religião. É no texto O mal-estar da civilização, em que
discorre sobre ética, culpa e felicidade, que vai encontrar um valor da religião na vida
humana: pela restrição moral da religião aos comportamentos sexuais e agressivos, reduz-
se o conflito interno do grupo humano, com visa de garantir a manutenção da espécie.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Assim, a visão de Freud sobre a religião é tida como reducionista e negativa. A


abordagem freudiana continua, com suas variantes, sendo, até hoje, um modelo influente
para explicar a religião e a cultura. A principal contribuição de Freud é a sua ideia de
inconsciente: para ele, são as motivações inconscientes que mantêm os símbolos
religiosos, ou, dito de outra forma, as religiões são os sonhos coletivos que nos permitem
expressar conteúdos inconscientes. Freud percebeu a religião como inimiga do livre
pensamento e produtora de culpa, por isso, ao abordar a religião, não pretendia só
especular sobre ela, mas tinha um objetivo bastante prático, entendia que “o objetivo da
terapia é tornar o ego consciente do que está reprimido, para não se sujeitar a
comportamentos irracionais ou defensivo. [...] Não podemos curar a sociedade, se não
conhecemos a doença”.
São bem conhecidas as divergências entre a escola freudiana e junguiana, esta última
“dá um lugar positivo e central à experiência religiosa no processo de individuação”. Carl
Jung foi um dos discípulos mais próximos de Freud, mas se afastou bastante de seu mestre
ao trazer uma nova visão sobre o inconsciente e ao ampliar o conceito de libido para
energia vital e não só sexual. Jung tem uma visão mais positiva do inconsciente humano,
enquanto Freud via o inconsciente como uma instância de emoções e pulsões reprimidas.
Para Paden (2002), podemos falar do inconsciente freudiano como um “porão”,
enquanto “Jung postulou um esquema mais amplo, que via o inconsciente não como uma
lata de lixo, mas como uma mansão com muitos tipos de quartos”. Aqui está, também, a
grande divergência de ambos quanto à religião. Enquanto Freud via os símbolos religiosos
como fragmentos da infância não-resolvida, ou seja, “como um modo de regressar a um
estado de segurança pré-egóico, sem fronteiras, conhecido na infância ou mesmo no
útero”, para Jung os símbolos religiosos também poderiam funcionar “como mediadores
positivos entre o ego e uma parte mais profunda do self, i. e., como agentes ativos de
mudança psicológica e recentramento”.
Para Jung, pelo contato com o inconsciente coletivo se amplia a consciência pessoal,
levando ao desenvolvimento do que ele chamou processo de individuação, isto é, o
processo de tornar-se si mesmo. A princípio, Jung reduziu a experiência religiosa a um
fenômeno psíquico, passando, depois, a afirmar a religiosidade como uma experiência
fundamental numinosa que, ao colocar o indivíduo em contato com o inconsciente
coletivo, favorece o processo de saúde mental. Pode-se, com certeza, perceber um
parentesco intelectual entre a psicologia junguiana e a fenomelogia de Rudolf Otto, Van
der Leew e Mircea Eliade.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

2.3. Teorias da Psicologia Humanista e Religião

Os psicólogos que se agrupam sobre essas teorias, também rotulados pela etiqueta
de ‘existencial’, tendem a ser introspeccionistas e fenomenológicos. O objetivo dos autores
humanistas é escapar às escalas muito comuns aos psicólogos norte-americanos e também
do discurso difuso da psicanálise clássica, considerada redutiva. Considera esse grupo de
autores que a experiência religiosa aparece sob variadas vestes, “uma unitas multiplex,
que não pode ser atingida em si, dada sua radical originalidade experiencial”.
No contexto da segunda metade do século XX, marcada pelos horrores das grandes
guerras, desenvolvem-se as abordagens da Psicologia Humanista, começando com
psicólogos norte-americanos cuja preocupação era o desenvolvimento humano, qualidade
de vida, saúde e maturidade. Representantes da Psicologia Humanista são Maslow,
Golstein, Rogers, Fromm, Horney, Erikson. Como princípio, a abordagem humanista
entendia que a Psicologia deveria ser exercida centrada na pessoa e em sua experiência
fenomenológica, com foco na objetividade na seleção de questões a serem trabalhadas
com vistas à melhoria da sociedade pelo desenvolvimento da dignidade e do valor
humano.
Maslow, com formação behaviorista, mais influências da Psicanálise e da Gestalt,
afirmou por seus estudos que os valores desenvolvidos pela religião dão sentido à vida, por
isso, as religiões poderiam funcionar como instituições sociais promotoras do bem-estar e
felicidade humana. G. W. Allport, um dos nomes mais significativos da Psicologia no século
XX, tipificou os aspectos do comportamento humano em adaptativo (aquilo que faz) ou
expressivo (aquilo que comunica no que faz); para ele, o ser humano expressa o que é em
tudo o que faz. Allport estudou o significado da religião na existência humana e concluiu
que a experiência religiosa pode ser madura e saudável ou dependente, imatura e
alienada, conforme o tipo de religiosidade que o sujeito apresenta.
Allport nos legou um novo caminho no estudo da personalidade e da conduta
humana; embora tenha se dedicado à prática terapêutica no início de carreira, ele foi antes
de mais nada cientista e pesquisador, cuja marca registrada foi a preocupação com uma
visão integral da personalidade e do comportamento. Convencido de que a ciência se
constrói sempre sobre pressupostos epistemológicos e filosóficos, dedicou-se em
aprofundar as correlações entre filosofia e psicologia, sabendo, contudo, que as relações
entre as duas não pode ser entendida como a aplicação mecânica do aparato deste ou
daquele sistema filosófico à Psicologia. É necessário respeitar a autonomia de cada uma
das duas disciplinas.
Para a psicologia de Allport, “as formas de religiosidade individual subjetiva se
apresentam sob infinitas formas e desenhos que não são colhidas psicologicamente por

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

crivos orientados em sentido único, causal ou não, nem podem ser definidas a partir de
credos, normas e padrões institucionalizados”. Nesta perspectiva, o psicólogo deve passar
da observação do que é externo no comportamento para chegar às motivações que estão
por trás das condutas religiosas. Também é famosa a distinção que Allport faz de
religiosidade extrínseca e intrínseca. Para ele, por religiosidade intrínseca entende-se a
experiência de “um valor supremo, de próprio direito, é um sentimento que flui da vida
como um todo, com suas motivações e seu sentido”, já a religiosidade extrínseca “é
estritamente de utilidade para o self enquanto lhe oferece garantia de segurança, posição
social, consolação e endosso do caminho de vida que a pessoa já escolheu”.
Nascido em Frankfurt, em 1900, Erich Fromm fazia parte de uma família bastante
religiosa, sendo que muitos familiares chegaram a ser rabinos, ofício que chegou a
considerar exercer. No final da década de 20, quando deu início a seus estudos
psicanalíticos no Instituto de Psicanálise de Berlim, abandonou sua formação judia
ortodoxa. Fromm se empenhou por entender porque o ser humano assume atitudes
irracionais, como nas grandes guerras do século XX. Ele via a religião como um elemento
natural da existência humana, mas admitia que nem todas religiões contribuem para o
bem-estar do homem.
Há religiões que cobram uma fé cega e não aceitam questionamentos, ao passo que a
religião humanista estimula o aprimoramento humano, fazendo o ser humano conhecer a
si, ao outro e ao seu lugar na natureza. Também distingue fé racional e fé irracional,
enquanto aquela é equilibrada e estimula cada um a encontrar o melhor caminho para si, a
segunda é agressiva e desvairada. Contudo, o ser humano não prescinde da fé, apenas
escolhe seguir uma fé racional ou desvairada. Parte das reflexões de Erich Fromm giram
em torno do tema da liberdade humana. O ser humano, dentre todos os seres, é o único
que tem consciência de sua existência, condição que desencadeia necessidades humanas
específicas, como: amor, segurança e sentido. É justamente nas tensões existenciais que a
religião encontra lugar de resposta ao sentido último da vida.
Erikson também atuou no campo da psicanálise. Tinha grande interesse em
compreender a dinâmica da adolescência e em produzir biografias de pessoas religiosas, o
que teria contribuído para sua perspectiva de que a vida é um processo dinâmico, de
maneira que o desenvolvimento humano não fica restrito à infância e adolescência. Para
Erikson, a tensão do desenvolvimento resulta no caráter do indivíduo: as dificuldades, uma
vez superadas, geram esperança, força, propósito, capacidade, amor, sabedoria. Se, para
Erikson, a fé pode ser vulnerável a patologias, também acredita ele que pode a fé levar a
pessoa ao amadurecimento.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

A principal questão para o adolescente, na visão de Erikson, é a definição de sua


identidade e de como são vistos pelo grupo ao qual pertencem: “Quem sou eu?”, “Aonde
irei na vida?”. Na adolescência:
1. Os interesses sociais se ampliam;
2. os poderes intelectuais são aumentados;
3. os objetivos da vida se expandem; e
4. as experiências pessoais se aprofundam, o que possibilita que a fé e as questões
religiosas recebam maior atenção.
Erikson, por ser filho de mãe judia e pai dinamarquês, sentia-se ele mesmo duplo
forasteiro, e isso constituiu sua “crise de adolescência” e, possivelmente, foi o porquê de
seu interesse pela Psicologia do Desenvolvimento.
Geraldo Paiva (2013), no capítulo que assina no Compêndio de Ciência da Religião,
aponta sete teorias contemporâneas da Psicologia da Religião, a saber:

2.4. Psicologia Narrativa

Para essa perspectiva da Psicologia, a maioria das pessoas procura o sentido para a
vida não numa relação de estímulos e respostas, mas no encadeamento de suas
experiências de vida. Narração supõe ouvinte, que é o próprio narrador que dialoga
consigo mesmo buscando entender melhor a vida.
Faz parte da Psicologia Narrativa, no âmbito da Psicologia da Religião, o sueco
Hjalmar Sundén, para quem a experiência religiosa pode ser entendida com os conceitos
de quadro de referência e de papel, que pode ser papel assumido (o que o sujeito
desempenha) e papel adotado (o papel do outro, em relação ao qual o sujeito assume seu
próprio papel). As várias tradições religiosas estão carregadas de narrativas em que
pessoas e deuses interagem.
No campo religioso, Deus assume o papel de Deus, e o ser humano assume o papel
de ser humano que interage com Deus, crendo que Deus agirá com ele como agiu na
narrativa com o personagem com quem se relacionou. As narrativas religiosas funcionam
como quadro de referência. Van der Lans, da Universidade de Nijmegen, questiona-se
como é possível deslocar o quadro de referência profano, continuamente confirmado na
interação social cotidiana, e induzir um quadro de referência religioso. Para ele,
inadequado para dar conta das estimulações recebidas, o quadro profano pode ceder o
passo ao esquema religioso. Sugere Van der Lans que é característica de uma religião

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

madura a capacidade de efetuar a mudança, voluntariamente, de um quadro de referência


profano para um religioso.

2.5. A Teoria da Atribuição


Esta teoria lida principalmente com uma especial forma de unidade cognitiva, a
saber, a que estabelece unidade entre os disparatados fenômenos da percepção, graças à
relação de causa e efeito. Heider destacou a atribuição de causalidade como um dos
recursos psicológicos de ordenação do mundo da experiência. Heider distingue
causalidade pessoal e impessoal. A causalidade pessoal está dotada de intencionalidade, e
perceber isso enseja uma série de comportamentos no recebedor que procura sua
motivação, seu desígnio, manifesto ou oculto, e meios para corresponder ou contrapor.
Embora o foco inicial desta teoria tenha sido o indivíduo, ela logo se expandiu para
abarcar os processos psicossociais, por isso passando a integrar a Psicologia da Religião,
aliás, referir-se a Deus como causa pessoal primeira é típico das religiões. Foi nos trabalhos
de Proudfoot e Shaver, e principalmente na proposta de Spilka, Shaver e Kirkpatrick que
ocorreu a integração entre a teoria da atribuição e a Psicologia da Religião. Foram os
segundos, contudo, que apresentaram formalmente uma teoria geral da atribuição para a
Psicologia da Religião. Para eles, os sistemas religiosos tanto oferecem uma variedade de
explicações reforçadoras de sentido, quanto uma gama de conceitos e procedimentos para
fortalecer a autoestima (fé pessoal, oração, rituais).

2.6. A Teoria das Representações Sociais

Proposta por Serge Moscovici, esta teoria visa entender os valores, ideias e práticas
que orientam as pessoas em seu mundo social e material, possibilitando tanto controlar
esse mundo quanto estabelecer comunicação umas com as outras, através de um código
de nomeação e classificação desse mundo, e de sua própria história individual e grupal.
As representações sociais são um processo psicossocial que torna, por meio da
conversação, o estranho familiar e torna concreto o abstrato. Processo que consiste das
operações de ancoragem e objetivação. No processo de ancoragem, novos conteúdos são
assimilados em parte aos já conhecidos; no processo de objetivação, conteúdos abstratos
convertem-se em algo concreto e sensível: ícones, imagens, posições corporais.
A religião é um fenômeno psicossocial compartilhado por pessoas e grupos de vários
tamanhos. Se valores e doutrinas às vezes apresentam alto grau de abstração e elaboração
teológica, a religião vivida é concreta, imagética, icônica, ritual. Essa concretização material
e corporal corresponde ao processo de objetivação. Ao mesmo tempo, todo o conteúdo

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

doutrinal e a atitude dele decorrente passam a tomar parte na vida cotidiana da pessoa, à
qual são assimilados.

2.7. Religião Como Apego


Esta teoria se estabeleceu na Psicologia Clínica sem nenhuma referência à Psicologia
da Religião. O psiquiatra infantil J. Bowlby e sua colaboradora M. Ainsworth interessaram
pelas “figuras de apego”, isto é, pelas pessoas às quais crianças em situação de risco se
apegam e pelas relações que elas criam. A partir da insensibilidade ou sensibilidade que
essas pessoas fornecem, desenvolve-se na criança modelos internos de funcionamento em
relação a si e aos outros.
Kirkpatrick sugeriu ligar a teoria do apego à Psicologia da Religião; para ele, as
relações da pessoa com Deus tendem a pautar-se pelos critérios das relações de apego,
resultantes do processo evolutivo. As duas primeiras derivações da teoria do apego para a
Psicologia da Religião foram denominadas de “correspondência” e de “compensação”. Pela
correspondência, a religião desenvolve-se a partir de uma representação positiva de si e do
outro, e de uma adoção parcial da religião de um cuidador sensível. Pelo processo de
compensação, Deus é o substituto de uma figura de apego.

2.8. Psicologia Cultural da Religião

O proponente mais destacado dessa perspectiva é Jacob Belzen, da Universidade de


Amsterdam, que declara encontrar suas influências nos trabalhos de Wundt. Ao lado de
suas pesquisas laboratoriais, Wundt dedicou-se a investigar o funcionamento mental, fruto
da interação social, manifestada na linguagem, nos costumes e na cultura. A história da
Psicologia, contudo, lembrou-se apenas do Wundt do laboratório.
A partir dos anos 50, desenvolveu-se com vigor a Psicologia Intercultural, com
interesse de estudar fenômenos psicológicos em diversas culturas. Assim, quebrou-se a
hegemonia da visão ocidental, euro-americana, e valorizou o funcionamento psíquico de
várias culturas, principalmente asiáticas e africanas, ainda assim, anima a concepção de
uma mente universal, idêntica sob qualquer manifestação cultural. Já a Psicologia Cultural
não pretende encontrar o universal. Em sua visão, o comportamento está tão imbricado na
cultura que esta é levada a entendê-lo como algo singular.
O que mais distingue essa perspectiva de outras abordagens, inclusive a intercultural,
é a relação direta entre cultura e comportamento: a Psicologia Cultural considera cultura o
próprio psiquismo em seu funcionamento concreto. A Psicologia Cultural tende a ser um
empenho interdisciplinar, com a colaboração da Antropologia, da Sociologia, da Linguística
e da História.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Belzen entende a teoria do self dialógico como uma promessa da Psicologia Cultural
para a Psicologia da Religião. A teoria do self dialógico entende a pessoa não como uma
unidade, mas como uma multiplicidade de posições do Eu, relativamente autônomas, em
um espaço de mundos contemporâneos, passados e futuros, reais e imaginados,
individuais e sociais. A Psicologia Cultural considera que, se uma pessoa é religiosa, está
imbuída de histórias de deuses, espíritos e santos, com as quais poderá ou não interagir.

2.9. Psicologia Evolucionária

Também denominada de Psicologia Cognitiva, situa-se no quadro teórico do


darwinismo e busca respostas para a questão do surgimento da cultura. No caso do
comportamento religioso, há evidência de que é um comportamento eminentemente
cultural, que lida com símbolos, ritos, mitos, tradições e práticas, cujo sentido só será
encontrado na cultura.
A Psicologia Evolucionária se interessa pelas condições pré-culturais, cerebrais e
outras, desse comportamento cultural. Na área da Psicologia da Religião destaca-se, nesta
perspectiva, Pascal Boyer, da Washington University de Saint Louis. Boyer procura explicar
como e por que a mente humana está singularmente equipada para adquirir e transmitir o
pensamento religioso. A Psicologia Evolucionária da Religião se interessa pelas condições
biológicas anteriores à cultura, porém não exclui a cultura na determinação específica dos
comportamentos culturais, entre os quais se contam, por exemplo, a arte, a religião e a
ciência. Admite esta perspectiva a complementaridade das visões biológicas e cultural.

2.10. Perspectivas Contemporâneas da Psicanálise


Winnicott é apontado por Paiva como um dos principais nomes dos estudos
contemporâneos do comportamento religioso em perspectiva psicanalítica. Winnicott
trabalha com os conceitos de relações objetais, dentre as quais se destaca a relação mãe/
bebê, separação, ambiente externo, verdadeiro/falso eu, ilusão, espaço potencial e objeto
transicional. É mediante objetos transicionais que a criança vai construindo sua relação
com o ambiente. Esses objetos, classicamente lembrados como ursinho de pelúcia ou
cobertor, permitem à criança sair do autismo onipotente e reconhecer a existência
independente do mundo real.
É por meio da imaginação que a criança constrói o objeto existente fora dela. O
objeto em vias de construção é denominado de ‘ilusão’, mas não no sentido freudiano de
‘engano resultado de desejo’, e, sim, no sentido de jogo, brincadeira. Ilusão é entendida na
chave simbólica enquanto não é mais o puro psiquismo da criança e ainda não é a
realidade exterior. O próprio Winnicott não deu tratamento especial ao tema da religião,
mas suas ideias têm inspirado a discussão do comportamento religioso no trabalho de
muitos autores.

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AULA
03

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

3- PSICOLOGIA, RELIGIÃO E
CRISTIANISMO
O que é a verdade? “Quid est veritas”? Todas as filosofias têm procurado a resposta
a esta pergunta fundamental para a religiosidade humana. As pessoas têm apresentado a
sua verdade em contraposição àquilo que consideram falsidade; cada uma possui a sua
verdade em matéria de religião. Por isso se diz que religião não se discute. A alternativa
verdade-falsidade é uma das medidas mais primordiais e da qual o ser humano não pode
prescindir nem tampouco a consegue definir.
Outro conceito difícil de definir, mas que importa para a discussão da religiosidade, é
a realidade. O que é real? O que é ilusório? As descobertas científicas têm trazido a lume
algumas realidades. Entretanto, quando são feitas novas descobertas, aquelas já se consi-
deram apenas aparências e não realidade. Hoje não existem respostas científicas
absolutas, pois os cientistas sempre estão descobrindo novas realidades.
Os psicólogos, por sua vez, confrontam-se com outro problema: subjetividade ou
objetividade? Subjetivo seria aquilo que é diretamente vivido e que está, de certo modo,
confinado à própria pessoa. Objetivo seria tudo aquilo que pode ser comprovado e
observado também por outras pessoas. Nem sempre os fatos objetivos interferem do
mesmo modo na vida das pessoas, pois cada uma reage de certa forma aos mesmos fatos;
daí o subjetivo. Em matéria de percepção, todos concordam que varia conforme a
luminosidade, as substâncias, o ângulo da observação, de modo que cada pessoa pode
perceber a realidade de determinada forma.
Por isso, a Psicologia se limita a estabelecer em que condições e de acordo com que
relações ocorrem um determinado fato psíquico, mas não pode estabelecer se tal fato
ocorre ou não realmente: a percepção do movimento ou da causalidade pode ocorrer com
movimentos e relações causais tanto reais quanto aparentes. Um sonho se distingue da
realidade, mas apenas quando estamos acordados, pois quando estamos dormindo, o
sonho parece realidade.
O comportamento emotivo é muito importante para valorizarmos uma situação, pois
podemos nos comportar levados pelos sentimentos e não pela realidade em si. Jung
afirmou que a realidade é tudo aquilo que atua: “es ist wirklich, was wirkt”. O que está
carregado de significado emotivo isso é o real. Daí, o psicólogo não poder afirmar se há ou
não uma realidade distinta da realidade psíquica; ele se limita a estabelecer como se
constrói o real na realidade psíquica. Isso marca os limites das possibilidades do psicólogo
como estudioso dos fatos psíquicos.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Para a Psicologia, todos os fatos religiosos são explicáveis em termos psicológicos e


na concatenação psicológica deles não há lacunas que exijam outras causas além das
psicológicas. Essa afirmativa acaba excluindo a possibilidade de causas extra-psicológicas
ou extra-subjetivas. A religião, neste caso, apenas expressa necessidades humanas.
Entretanto, a religião não é apenas uma realidade subjetiva; é uma instituição social. Além
disso, no ato religioso se estabelece a comunicação com algo ou alguém que está fora do
sujeito.
A experiência religiosa é vivenciada como ação de algo estranho, que a pessoa admira
e com o qual trata de estabelecer comunicação. Não se trata de objetos aos quais se
dirijam atos psíquicos ou tendências, e sim de um objeto distinto daqueles aos quais se
dirigem atos ou tendências, que se apresenta como o fundamento de todos os objetos, ao
qual não pode escapar nem mesmo o sujeito. Na religião há indicações que não devem ser
subestimadas:
 Sua exigência de dirigir-se a algo real, independente e não fantástico, fictício;
 A nota de presença de algo nitidamente distinto da experiência comum;
 A posição receptiva, não ativa, diante desse algo operante;
 O esforço de comunicar-se com ele e de compreendê-lo racionalmente;
 A relação com o mistério, imediata, misteriosa, regozijante, terrível, para alguns, e
imperceptível, doce e persuasiva, para outros.
Portanto, a religiosidade não pode ser avaliada apenas do ponto de vista psicológico,
mas também deve considerar as observações da Filosofia, da História, das ciências da
natureza e das diversas religiões existentes, que mostrarão uma possibilidade a mais: a
revelação. A religião não pode ser avaliada apenas objetivamente, mas também sub-
jetivamente. Há a presença de um mistério e a necessidade de uma participação nele. Por
isso, constroem-se os símbolos que significam a substituição da realidade por um sinal. O
mundo religioso não se apresenta com a frieza do mundo da ciência, mas com o fervor
dramático e até mesmo trágico do mundo humano.

3.1. Psicologia e Religião – Uma Busca da Compreensão do


Divino

Numa visão holística (= da totalidade) ampla se diz tudo a respeito de tudo. De fato, a
mesma realidade pode ser analisada por diferentes pontos de vista, inclusive pelas várias
ciências.
Mesmo assim, nenhuma ciência está tão próxima da Religião quanto a Psicologia. De
fato, nada é mais humano do que a vivência religiosa. A história da humanidade confunde-

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

se com a história das religiões, nas quais já o homem primitivo ia buscar razões para a
explicação de sua vida. Não consta, na história da civilização, a existência de um único
povo que não tivesse sua religião. Existe, pois, no ser humano um instinto de procura da
divindade, assim como uma obra de arte não assinada parece estar, eternamente, à
procura de seu realizador. Nós somos uma obra de arte assinada, só que temos uma
natural dificuldade de identificar a assinatura do escultor.
Esse instinto de procura da divindade é como um elo escondido na alma de todo ser
humano, um traço que se iniciou com a criação do primeiro homem, que, conservando o
calor do toque da mão de Deus, se perpetua como faísca na alma de todo ser humano à
procura de suas origens divinas. A existência universal de religiões, no tempo e no espaço,
reflete uma necessidade básica, intrínseca do homem, de responder e explicar anseios
internos, complexos, como ansiedade, medo e culpa diante do sentido do mundo, da vida
e do outro. Não são esses sentimentos, entretanto, que criaram as religiões ou a idéia de
Deus, presente na estrutura mental e humana de toda pessoa que termina por criar esses
sentimentos, diante da impossibilidade do homem ter acesso direto e claro à divindade.
Daí, talvez, uma explicação radical para a existência de rituais religiosos de sacrifícios
humanos, como dádiva suprema do homem a Deus, como forma desesperada, ou até
ritualisticamente aprovada, de aplacar ou agradar a divindade por não saber ou poder
atingi-la.
O sacrifício humano é uma forma brutal de veneração e de adoração; mas, segundo
algumas culturas, talvez a única capaz de devolver a Deus o dom da vida e de suplicar a ele
a continuação dessa mesma dádiva.
O homem é naturalmente religioso; traz nele a marca, o selo da propriedade divina.
No estágio atual da evolução do cosmos, o homem é o mais belo exemplar da arte divina.
Os chamados grandes ateus da humanidade - Freud, Marx, Nietzsche e Sartre entre outros
- de tanto negá-lo ou de tanto não prestar atenção a Ele, mas prestar extrema atenção a si
mesmos, terminaram por encontrar, em si mesmos, rastros da criação divina.
É nesse contexto que se insere a Psicologia: psicologia, etimologicamente “estudo da
alma”, como a ciência do invisível que habita o coração humano.
Como pode a Psicologia fingir que as angústias do coração humano, ao procurar seu
sentido último, sua liberdade e seu destino, não lhe dizem respeito?
Psicologia é a ciência que estuda o fenômeno humano na sua plena e dinâmica
relação pessoa-mundo. A ela interessa, por natureza, o pensar, o sentir, o fazer e a
linguagem humana. Como estudo da alma humana nas suas mais complexas
manifestações (ligações e coligações, sejam de ordem física, biológica, emocional, social,

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

espiritual, psicológica, enfim) ela ultrapassa a questão do comportamento, que,


pretensamente, se pensa poder ser medido, pesado e contado.
A psicologia, sobretudo aquela acadêmica, tem se comportado como se a religião não
existisse. Na verdade é uma contradição que a Psicologia se apresente como atéia,
materialista, se seu objeto último de estudo é algo imaterial, não ponderável, não
universalizável, dado que é a ciência do indivíduo nas suas manifestações psicoemocionais.
Na realidade, tem existido um grande mal-entendido entre Religião e Psicologia.
Uma, ciência de Deus; outra, ciência do homem. Mas estes dois saberes não se opõem, se
partirmos dos fatos e não de idéias pré-concebidas.
Chega-se, então, à seguinte contradição. Por um lado, não se aceita a idéia de Deus,
pois Ele não pode ser comprovado cientificamente; e, por outro, bilhões de inteligências
humanas convivem com a idéia de um Ser Superior. E aí, uma certa Psicologia tem feito a
pior coisa que uma ciência pode fazer: faz de conta que Deus não é objeto de suas
preocupações epistemológicas (= da ciência específica da psicologia).
Na realidade, Deus é um dado, um fato que estrutura e dá identidade à humanidade,
enquanto conjunto de pessoas que se encontram em marcha numa contínua busca de
próprio sentido e significado.
Deus não é um dos problemas da humanidade; Ele é o problema número um da
humanidade; e é, ao mesmo tempo, parte ou o número um de suas soluções.
Quando as pessoas dizem que acreditam em Deus consideram-no como o ser
perfeito (porque não deveria faltar-lhe nenhuma das perfeições existentes no universo),
eterno (porque está além do tempo e do espaço), criador (não podendo ser criado por
outro antes dele): Ele cria todas as coisas, nada podendo escapar à sua ação criadora. E,
quando o homem não tem uma noção clara destas três características divinas (perfeito,
eterno, criador de tudo), acaba “humanizando” Deus, até “matando Deus”: e a relação
com Ele se limita a atitudes de reparação e de petição, raramente de adoração e de
agradecimento.
Não interessa à Psicologia, nem à Religião analisar Deus do ponto de vista teórico.
Interessa, sim, estudar como Deus é vivido, experienciado pela pessoa humana no seu
cotidiano.
A Psicologia, como ciência que estuda o comportamento humano, não pode fazer de
conta que Deus não existe ou, se existe, que não cuida das pessoas. 90% dos brasileiros
declaram acreditar em Deus. E, se Deus pertence ao emocional, ao sentimento do povo
brasileiro, não há como a Psicologia fechar os olhos ante esta evidência.
Essa visão religiosa do mundo, na qual Deus se insere, nasce do fato que o ser
humano procura a solução do próprio mistério; experimenta uma sensação de plenitude

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

através da vivência do sagrado; e nasce também de uma relação com o mundo humano e
material, na procura de uma harmonia interna que obedece a uma tendência natural para
a totalidade.
Assim, se olharmos Deus como Causa Primeira, Ele é o princípio que torna o mundo
possível; e se O olharmos como um Bem, Ele é fonte e garantia de tudo que existe de bom
e maravilhoso no mundo e no homem.
Podemos ver a relação de Deus com o mundo de quatro modos, que importam em
quatro concepções de Deus:

A. Deus e o Mundo. Deus pode ser considerado como criador da ordem do mundo (=
um intelecto), ou como Natureza do mundo (que seria seu prolongamento), ou como o
“transcendente” que criou o mundo mas é distinto dele.

B. Deus e a Moral. Deus pode ser considerado como Garante da ordem moral (se
não existisse Deus, não haveria moral), ou a Providência que guia o mundo e os homens,
ou a Causa Livre da ordem moral, que respeita a liberdade humana.

C. Deus e a Divindade. Podemos ter o monoteísmo, ou o politeísmo.


D. A Revelação de Deus. Podemos ter o “deísmo” (afirma que o homem pode chegar
sozinho até Deus), ou o “teísmo” (afirma que Deus vai ao encontro do homem).
O homem é um ser bio-psico-sócio-espiritual. Essas quatro dimensões básicas
constituem sua estrutura experimental (aspecto geobiológico), experiencial (aspecto
psicoemocional), existencial (aspecto socioambiental) e transcendental (aspecto sacro-
transcendental).
Não se pode pensar a pessoa humana excluindo qualquer dessas dimensões. Do
ponto de vista clínico, pode se afirmar que diversas psicopatologias são facilmente
identificáveis como disfunções desses diversos sistemas.
Também no processo de desenvolvimento humano pode-se encontrar essa mesma
ordem.
1. Num primeiro momento (até os 7 anos), a criança tenta localizar-se no mundo,
construir sua geografia humana: experimenta seu corpo, formando as primeiras
sensações da própria identidade corporal.
2. Num segundo momento (dos 7 aos 14 anos) a criança e o pré-adolescente
ingressam no campo psicoemocional.
3. Num terceiro momento (dos 14 aos 21 anos) o adolescente passa a lidar no seu
campo socioambiental, no qual o existencial surge com toda sua força, tentado

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

fazê-lo experienciar os valores que agora passam a ser individualizados,


personalizados.
4. Num quarto momento (após os 21 anos), se os três primeiros campos se
harmonizam, o adulto pode viver e reconhecer o campo sacro-transcendental, no
qual o espiritual começa a apresentar-se de maneira adulta, fechando uma
caminhada de procura e abrindo-se para a maturidade sem limites. Aqui a
espiritualidade encontra seu campo fecundo.
A Psicologia, ainda, não lida, adequadamemte, com essas quatro dimensões
humanas. Ancorou-se no psicológico e no social, dá passos tímidos na direção do campo
geobiológico, e lida mal com o campo espiritual, no qual toda a personalidade humana
deverá desembocar. Quando as outras três dimensões desembocam, longe de perder sua
identidade, plenificam-se, tornando-se o oceano humano que junta beleza, mistério e
sacralidade, como, de resto, é o que significa o caminhar humano.
Sem espiritualidade, a estruturação da personalidade fica como um prédio planejado
para subir, mas que nunca chegará ao fim, porque lhe faltam as conexões entre os diversos
andares. Espiritualidade não é apenas o ponto de chegada, o último andar, mas é a
argamassa que une todos os andares: organiza e dá sentido à existência humana.
Uma psicologia, que lida mal com qualquer desses campos, fica esquizofrenizada,
como um corpo que, além de lidar mal com os pés, desconhece as potencialidades da
cabeça.
A Psicologia precisa encarar de frente a relação legítima “homem-religião-Deus”, pois
é constitutivo da essência humana o fato de que o homem é um ser-de-relação. E a
relação típica da religião é “crença na garantia sobrenatural de salvação e técnicas
destinadas a obter e conservar essa garantia....É sobrenatural no sentido de situarse além
dos limites abarcados pelos poderes do homem...Crença é a atitude religiosa fundamental;
técnicas são os atos ou práticas de culto (oração, sacrifício, ritual...)”. (ABBAGNANO, N.
Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000).
A idéia de salvação é o elemento constitutivo do conceito de religião: o homem está
consciente da sua limitação, da sua impotência para atingir o misterioso; e Deus se torna a
garantia da salvação.
“Sem dúvida, Deus é o „totalmente Outro‟; Ele é, porém, o totalmente mesmo, o
totalmente presente...o mistério da evidência que está mais próximo a mim do que meu
próprio Eu” (BUBER, Martin. Eu e tu. São Paulo: Centauro, 2003).
De outro lado, é importante lembrar que a idéia de Deus não é intuitiva. Primeiro, o
homem depara-se com um sol que nasce todos os dias, com uma lua que aparece e
desaparece, com o relâmpago que ilumina o céu, com bilhões de pontinhos luminosos lá

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

em cima, com a chuva que, aparentemente, ninguém sabe de onde vem, com os frutos
que nascem de plantas que aparentemente não são a sua causa, com a barriga da mulher
que vai crescendo e, depois, um dia, sai, de dentro dela, um novo ser, e, assim, ao infinito,
e é, daí que nasce o mistério, o imperscrutável. O homem não consegue conviver com essa
infinitude de informações sem poder explicá-la; ele não agüenta toda essa majestade que
o cerca; daí ele encontra Alguém em quem todas as explicações se encontram e que, pela
sua grandeza e majestade, torna-se, ele mesmo, misterioso. Eis o campo do religioso, do
espiritual, do sagrado.
A inteligência humana é feita para descobrir e lidar com a verdade. Ela passa da
complexidade de mil mistérios, dentro da qual ela se sente impotente, para a síntese de
um único mistério: mistério que produz, ele mesmo, no homem, o instinto do divino. O
homem não inventa Deus, ele descobre Deus.
Esses processo de busca de Deus consome a alma do homem, mesmo daqueles que,
por mil razões, dizem não crer na sua existência. Não é o fato de alguém não crer em algo
que esse algo deixa de existir; como, também, não é o fato de alguém crer ou explicitar
algo que esse algo passa a existir. A experiência religiosa está no cerne da experiência
humana, na sua alma: e a Psicologia torna-se o lugar desse encontro homem-espiritual,
homem-sagrado-mundo.
Mas também invoca Deus aquele que abomina este nome e crê estar sem Deus,
quando invoca com o impulso de todo o seu ser o Tu de sua vida (BUBER, 2003).
A Psicologia, em algumas escolas, tem vivido um longo e calculado silêncio no que diz
respeito à espiritualidade e à religião. Esta atitude corresponde ao mecanismo de defesa
de racionalização: nego aquilo com que não posso lidar.
“Na medida em que o espírito voltado sobre si renuncia a este sentido, ele é obrigado
a colocar no homem aquilo que não é o homem; ele é obrigado a reduzir o mundo e Deus
a um estado de alma. Esta é a ilusão psíquica do espírito” (BUBER, 2003).
É a própria impotência existencial do homem que o leva a pensar e a sentir que ele
não pode ser o todo poderoso, o único, o que dá sentido às coisas, e essa percepção o
levou a se encontrar com Deus, como o absoluto real, o que dá sentido a ele e a todas as
coisas.
Tudo, no universo, o convida a perceber que ele é apenas uma mínima parte desse
concerto cósmico que o rodeia e, ouvindo essa mágica música, entendeu que não era ele
o compositor. Foi, então, procurar, além, o compositor e grande maestro que rege, com
infinita maestria, a ópera da universalidade.
Muitos psicólogos têm visto a religião como expressão de uma vivência sem
fundamento, mistura de fé e de magia, algo substitutivo do esforço pessoal para a auto-

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

realização, compensação de fracassos, expressão de uma boa fé e ingenuidade, ópio e


ignorância.
Nós respondemos analisando, antes de tudo, o significado do termo. “Religião” vem
dos termos latinos relegere (reler), ou religare (religar). O primeiro sentido aponta para a
atitude de reler a realidade, vivenciando o diálogo com o diferente, a solidariedade como
expressão máxima do humanismo, a ecologia como vivência harmônica entre o homem e
a natureza ou ambiente. Dentro dessa visão, entramos necessariamente no conceito de
ética como expressão profunda do respeito pelo Outro, entendido como Tudo que nos
cerca e dentro do qual somos, nos movemos e existimos. Religião, nesse contexto, não
inclui o conceito de Deus num primeiro momento e se torna a expressão da vivência do
outro pela comunhão e reverência com o outro, seja ele o homem, a mulher, as plantas, os
animais e, por meio dessa releitura, tudo se torna sagrado. Estabelece-se, assim, a religião,
como o lugar do diálogo, da solidariedade, da ecologia.
“Quando afirmamos que certas coisas são sagradas entendemos que elas têm um
valor incomensurável com relação a outros valores humanos” (DURKHEIM, E. O suicídio.
São Paulo: Martins Fontes, 2000).
Descobrir o sagrado das coisas é descobrir o caminho da solidariedade entre os
homens. Sagrado e ética tornam-se a dupla que dá sentido à experiência humana. Não é
possível pensar uma moral social comunitária sem pensar o sagrado. O sagrado é o
constitutivo da moral.
Quando se vê o mundo com os olhos do sagrado, descobre-se que tudo tem relação
com tudo, que tudo influencia tudo: existe um holismo (holos, em grego, significa tudo)
cósmico.
Evidentemente, antes de se deparar com o sagrado, o homem vê o outro homem de
carne e osso, ama e/ou odeia o outro, percebe que ninguém é uma ilha, junta e desfaz
grupos pelos mais variados motivos, junta-se ou separa-se do outro, tenta se aproximar
dos que pensam e fazem como ele, percebe que a coesão grupal é o mais curto caminho
entre dois pontos e, dessa multiplicidade de comportamentos, ele começa a perceber que
o mundo é dividido entre dois grandes campos: o Sagrado e o Profano. Quando ele relê o
sagrado, descobre o profano; e, quando ele relê o profano, descobre o sagrado. Ele vive de
representações.
A religião é, essencialmente, a experiência do sagrado e é por meio da religião, no
sentido que estamos colocando de releitura do homem-mundo, que o homem abandonou
o caos ou olha o caos como uma possibilidade de crescer e encontrar o verdadeiro sentido
das coisas.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

É nesse contexto que a Psicologia encontra seu verdadeiro campo de ação como
ciência do comportamento humano. É pelo pensar, do sentir, do fazer e da linguagem que
o homem se plenifica, isto é, que pode chegar ao máximo de si mesmo; e é, também, pela
perda da conexão entre esses quatro sistemas que ele se perde de si mesmo e do mundo.
O mundo das representações é, ao mesmo tempo, o mundo do humano e da
espiritualidade. É na junção desses dois mundos que ele se descobre como ele mesmo,
como tendo um sentido único, último, não delegável. Se ele perde essa conexão ou se ele
se perde nessa conexão, ele se perde de si mesmo. Sua identidade individual se faz por
meio de uma conexão do processo de socialização e de uma vivência consciente da
realidade, introjetada por suas representações. Isso gera uma cosmovisão, um paradigma
comportamental, pelo qual a pessoa se localiza no mundo. E, dentro dessa cosmovisão, o
conceito de sagrado e de religião ocupa os pilares constitutivos do edifício humano.
A grande função da Psicologia é penetrar no mundo da sensibilidade humana,
penetra no mistério de suas incertezas e da sua angústia, companheira milenar da
caminhada pela busca do que significa viver, ser homem, ou mulher.
De outro lado, na trilha de Santo Agostinho que entende que religião vem de religar,
penetramos no mundo da interdependência, em que nada é solitário, muito menos o
homem.
Assim, quando tentamos entender religião enquanto um reler, entramos na busca de
sua origem, da validade intrínseca da religião; e, quando vemos a religião como religar,
entramos no campo da função, da funcionalidade da religião enquanto prática que garante
a salvação do homem. Atrás do batismo numa igreja cristã, do rolo da Torá numa
sinagoga dos judeus, ou de peregrinos reunidos diante da Caaba em Meca o que há de
comum?
Com certeza há a idéia do sagrado. Todos esses momentos são gestos sagrados e é o
sagrado que, separando-se do profano, religa a criatura ao seu Criador, garantindo a
salvação sobrenatural.
“O sagrado é o inteiramente outro, ou seja, aquilo que é totalmente diferente de
tudo o mais e que, portanto não pode ser descrito em termos comuns...É uma força que,
por um lado, engendra um sentimento de grande espanto, quase temor, mas que, por
outro lado, tem um poder de atração, ao qual é difícil resistir” (HELLERN, V.; NOTAKGR, H.;
GAARDER, J. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2002).
Quando falamos em religião, enquanto uma releitura do mundo, Deus aparece a
posteriori, depois das coisas, depois do homem-mundo. Quando, porém, falamos de
religião enquanto uma religação homem-Deus, estamos falando de um Deus a priori, como

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

ponto de partida, do qual nascem as esperanças e para o qual caminham todas as coisas,
um Deus que prometeu ser fiel aos que a ele fossem fiéis.
Nessa concepção, o homem tenta “comercializar‟ com Deus seu processo de salvação
pessoal. De algum modo, ele não duvida que, se seus rituais forem feitos adequadamente,
o efeito, por uma questão lógica, se seguirá. Ele acredita, ou espera, que Deus, embora
livre absolutamente, lhe dará uma mão, se ele, homem, fizer sua parte. Se ele não
consegue, tende a dizer que foi porque não fez o que devia, preferindo culpar-se a culpar
Deus de não ter querido ouvi-lo, atendê-lo. Há muitos tipos de gestos ritualísticos pelos
quais ele espera agradar a Deus e receber as graças de que tanto espera, sobretudo a
salvação. Eis alguns: oferenda, sacrifício de purificação, oração, ritos de passagem, jejum,
sacrifício de expiação, serviço divino (Eucaristia, Santa Ceia), serviço social (visita aos
pobres, aos presos; esmolas)...
De uma maneira mais didática essas práticas religiosas podem ser vistas sob dois
aspectos: garantia de salvação e referência às relações humanas.
No primeiro aspecto, a religião oferece ao homem:
1. a garantia de libertá-lo do mundo, considerado um mal;
2. a certeza infalível que ela representa a verdade.
E, no segundo aspecto a religião oferece a garantia de que, ao vivê-la, o homem
pratica os verdadeiros valores morais que regulam a ordem na vida social.
Abbagnano (2000), define Psicologia como disciplina que tem como objeto a alma, a
consciência ou eventos característicos da vida animal e humana, nas várias formas de
caracterização de tais eventos com o fim de determinar sua natureza específica (p. 809).
Vejamos os elementos que compõem essa definição.
A Psicologia tem por objeto:
1. Estudar a alma;
2. Estudar a consciência;
3. Os eventos característicos da vida animal e humana;
4. As várias formas de caracterização de tais eventos;
5. Determinar sua natureza específica.
Trata-se, pois, de Psicologia enquanto estudo da totalidade do ser humano, sem
dicotomizar, sem atomizar as experiências humanas e espirituais, que são o cotidiano de
todas as pessoas.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

E uma psicologia que estuda o ser, como uma totalidade dinâmica, eternamente em
processo, não se amedronta diante da idéia de Deus, do sagrado, da espiritualidade, da
religião, até porque são esses processos que constituem a identidade individual e social do
homem e da comunidade.
Se as religiões pertencem, milenarmente, ao inconsciente coletivo da humanidade, se
muitos povos construíram sua identidade a partir de suas crenças religiosas, se a
experiência humana de angústia, medo, temor, assombro, assombro, bem como a vivência
do sentido do destino, da inevitabilidade da morte e a incerteza do além sempre fizeram
com que o homem, por meio de cultos e rituais, aplacasse e agradasse a divindade, por
que a psicologia pode ou precisa passar ao largo da idéia de Deus e, conseqüentemente,
de religião como se nada disso tivesse a ver com o homem?
Encontramos, em ABBAGNANO (2000) a indicação de seis correntes fundamentais da
Psicologia:
1. Psicologia Racional: estuda a alma de forma racional, a partir de princípios
filosóficos e não de forma empírica, a partir dos fatos. Foi usada por Christian
Wolff (1679-1754).
2. Psicologia Psicofísica: é o psicológico atingindo o físico. Por exemplo, um trauma,
uma tensão, atingem o físico (como cegueira, paralisia, perda de fala); ou as
respostas galvânicas da pele (arrepio) provocam um mal-estar psicológico. Foi
proposta por Fechner (1860).
3. Behaviorismo (= comportamentismo), do termo inglês “behavior”(EUA), ou
“behaviour”(Inglaterra). Em 1913, John B. Watson colocou o comportamento no
lugar dos processos mentais como objeto da psicologia e descartou o método
introspectivo. Para ele, a consciência não podia ser objeto da psicologia. O
método devia ser a observação. Também pôs de lado conceitos como inclinações,
forças, tendências, propósitos etc. O comportamento era considerado como o
conjunto de reações musculares e glandulares de um organismo: a soma total de
respostas a estímulos internos e externos (condições ambientais).
4. Gestaltismo (de “Gestalt” = estrutura, forma). O objetivo desta psicoterapia é o
aqui e o agora em contraste com abordagens voltadas ao passado da pessoa. Foi
proposta por Frederick Perls.
5. Psicologia do Profundo, ou psicanálise. Busca as motivações que não afloram ao
nível da consciência do homem que age, mas que, nem por isso, deixam de influir
em seu comportamento: são as forças inconscientes que determinam o
comportamento humano.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

6. Psicologia Funcional: é o estudo dos fenômenos psíquicos como processos


adaptivos, de ajustamento. Esta escola surgiu com William James, que se propôs
estudar as funções mentais que visam o ajustamento do organismo ao ambiente.
Jorge Ponciano Ribeiro comenta, a esse respeito, o seguinte:
“Pronto, agora sim. O homem pode ser, exaustivamente compreendido ou
entendido: está todo dividido, um pedaço para cada teoria. E, no leilão acadêmico, quem
der mais, leva”.
Esta crítica se baseia na convicção de que estas disputas não consideram o homem
em si, mas as várias teorias entre elas, que são abstratas. Além disso, Ribeiro acredita que
não é a Psicologia, como ciência, que lida mal com a idéia de religião, mas apenas alguns
psicólogos, devido à influência de Freud e de outros autores.
Na realidade, Deus mora, silenciosamente, em cada uma de suas criaturas. No
entanto, é na religião, ou em práticas religiosas que as pessoas o procuram de uma
maneira mais formal, embora muitos também, convivam com Ele valendo-se de
experiências absolutamente pessoais.
Qualquer que seja a opção religiosa pessoal do psicólogo, este precisa aprender a
conviver com um Deus que mora na humanidade ou no cosmos e que se expressa,
freqüentemente, nos homens, inclusive nos “clientes do psicólogo” por meio de gestos
que incluem fé, amor, esperança e também, muitas vezes, medo, temor e angústia.
Naturalmente esta “empatia” fica mais fácil quando o psicólogo é religioso.
Quanto mais olharmos para o outro com seus próprios olhos, mais entraremos na
esfera do sagrado, do espiritual que habita nele e no mundo.
Assim se expressa o filósofo contemporâneo Martin BUBER:
“São três as esferas nas quais o mundo da relação se constrói:
1. A primeira é a vida com a natureza em que a relação permanece no limiar da
linguagem.
2. A segunda é a vida com os homens na qual a relação toam forma de linguagem.
3. A terceira é a vida com os seres espirituais em que a relação, embora sem
linguagem, gera a linguagem. Em cada uma dessas esferas, em cada ato de
relação, vislumbramos a orla do Tu eterno; em cada uma percebemos um sopro
dele; em cada Tu nós nos dirigimos ao Tu eterno, segundo o modo específico de
cada esfera. Todas as esferas são incluídas nele, mas ele não está incluído em
nenhuma.
Por meio delas, irradia-se uma presença única”.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Estamos falando de Deus; da solidariedade, do diálogo, da ecologia humana. Não


estamos falando de um Deus que as religiões ensinam ou impõem; estamos falando com
Ele e não dele. Esse é o Deus da Psicologia, um Deus que está muito além das disputas
acadêmicas . Ele não invade ninguém: apenas espera ser encontrado. Também se não for
encontrado, Ele continua onde está. Só tem medo dele aqueles que falam dele; os que
falam com Ele acabam se tornando bons, cordiais e fiéis amigos.
Psicologia e Religião: uma longa caminhada, um diálogo mediado pela relação
homem-Deus.
Psicologia e Religião: nenhuma das duas tem que provar nada a outra. Se cada uma
ficar profundamente na sua dimensão, terminarão por se encontrar, uma a outra, porque
onde está a verdade, tudo está incluído.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

AULA
04

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

4- A SIMBOLOGIA RELIGIOSA
A realidade que nos circunda está intimamente ligada ao símbolo. Conhecemos
determinada fruta e a denominamos de maçã, que é um símbolo para aquela fruta. A
palavra é o representante do objeto; não preciso do objeto para referir-me ao mesmo,
pois existe uma palavra, um símbolo que o representa. Quanto nos referimos à altura,
profundidade, luz, indicamos condições que não existem isoladamente, mas sim em
relação aos objetos; são qualidades abstratas. Essas qualidades abstratas também podem
ser atribuídas a pessoas.

4.1. Diferenciando Signo, Sinal e Símbolo

Há diferença entre signo, sinal e símbolo. O signo ou sinal indica a presença de algo,
sem revelar a natureza desse algo. A bandeira indica uma nação, mas, não revela as
características do país; o toque de trombeta indica um acontecimento sem explicar seu
sentido. Para os animais, a compreensão dos signos e sinais é inata ou adquirida. No ser
humano, os sinais podem ser convencionais ou variáveis e, portanto, aprendidos. Quando
aprendemos um idioma, mudamos os sinais, mas mantemos o significado. O sinal apenas
indica o que já conhecemos, seja por capacidade inata seja adquirida. Entre o sinal e o
símbolo corre a linha divisória entre as capacidades dos animais e as capacidades próprias
do ser humano.
O símbolo é menos direto do que o sinal, implicando um valor cognoscível e emotivo
em razão do que simboliza. A linguagem poética e religiosa somente é possível através de
símbolos. Há símbolos convencionais, que variam de cultura para cultura ou interesse para
interesse: o branco para os europeus simboliza a paz; para os chineses, o luto. Segundo
Ernst Cassierer, sinais e símbolos pertencem a dois mundos diferentes: o sinal, ao mundo
físico; o símbolo, ao mundo intelectual. Os sinais, quando são compreendidos e adotados
como tais, têm um tipo de existência física e substancial; os símbolos têm somente um
valor funcional. Assim, o símbolo é um meio de expressão do mito e da alegoria. Por isso
existe a desmitologização do mito, que significa uma interpretação existencial do mesmo.
O simbolismo é importante na vida do ser humano porque, sem ele, apenas restariam
às necessidades físicas e os interesses práticos. Não haveria o mundo ideal apresentado
pela religião, pela arte, pela filosofia ou pela ciência. O simbolismo se torna difícil e
embaraçoso para o psicólogo, primeiro porque pode cair no erro de tratar seus próprios
símbolos como objetos concretos. Por outro lado, a psicologia talvez seja a ciência em que
a heterogeneidade dos símbolos seja mais abundante e complexa. Alguns termos
utilizados em outras áreas de estudo, são utilizados pela psicologia de um modo diferente,

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

simbólico. Por exemplo: da matemática chegaram à psicologia os seguintes termos:


quantidade, gradiente e outros; da física: ação, reação, campo, energia; da química:
reativo, sublimação; da biologia: valor de sobrevivência, instinto; e assim por diante. A luz
e a escuridão, dois acontecimentos fisicamente definidos, adquirem uma conotação
simbólica de liberdade e alegria (a luz) e de isolamento e temor (a escuridão), que
penetram na experiência subjetiva de maneira profunda.
Assim, tanto o psicólogo como o homem religioso precisa falar de coisas que somente
podem ser expressas simbolicamente. O símbolo religioso expressa uma experiência
vivida, à qual faltam referências sensoriais apropriadas e que brotou de um estado afetivo
profundo: a experiência do sagrado. O psicanalista, por sua vez, trabalha com o
inconsciente simbólico para chegar à realidade psicológica própria. O ser humano,
diferente dos animais, consegue distinguir o símbolo do seu significado. Assim, quando as
diversas religiões possuem uma concepção de um Deus pessoal, reconhecem que isto é
uma forma de compreendê-lo dentro de suas limitações humanas.
Paul Tillich explica o aparente caos do simbolismo religioso: “A chave que coloca
ordem neste caos é relativamente simples: qualquer coisa na realidade pode imprimir-se
como símbolo de uma especial relação da mente humana com seu último fundamento e
seu último significado. Assim, para abrir a porta, aparentemente fechada, desse caos de
símbolos religiosos, basta perguntar: Qual é a relação última que se simboliza nestes
símbolos? Então deixam de ser sem sentido e se convertem nas criações mais reveladoras
da mente humana, as mais genuínas, as mais poderosas, as que controlam a consciência e
acaso também o inconsciente, e têm, portanto, a tremenda tenacidade que é característica
dos símbolos religiosos na história das religiões”. Enquanto que tornar o símbolo em
absoluto leva à idolatria, o reconhecimento de seu significado coloca em comunicação com
a Realidade última.

4.2. Porque Estudar os Símbolos Religiosos

Autores como Santos (1959) argumentam que o estudo da chamada “ciência


simbólica” é importante, pois todos os símbolos possuem um forte enlace cultural,
filosófico e histórico. O autor deseja apontar que o estudo, ou mesmo a simples
observação dos símbolos leva o sujeito a entrar em contato com diversos ramos do
conhecimento, como a Filosofia, a História, a Antropologia, entre outras áreas.
Para clarear esse complicado apontamento proposto por Santos (1959), pode-se
elencar que cada símbolo possui uma ligação com diversos ramos do conhecimento, sendo
eles:

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

 A Filosofia: cada símbolo, sobretudo, os religiosos, possui, geralmente, uma


conotação filosófico-metafísica, a qual o sujeito é instigado a uma reflexão sobre
o significado daquela imagem, ou seja, conduzirá o indivíduo pela busca do saber
por meio do significado do emblema;
 A História: cada símbolo tem uma história, ou seja, esteve presente nesta ou
naquela cultura. Talvez esse seja o ramo do conhecimento que mais esteja ligado
aos símbolos, pois os mesmos se encontram presentes na humanidade há
milhares de anos, sendo transmitidos de cultura para cultura;
 A Antropologia: se cada símbolo é uma criação cultural do homem, não se
poderia excluir esse importante ramo do conhecimento.
Existem outras áreas a que somos levados quando estudamos os símbolos;
elencamos acima somente algumas delas. Ficará claro, no decorrer da pesquisa, que a
Psicologia é outro ramo, talvez o mais recente, a ser incorporado para o estudo da
simbologia religiosa.
O cerne da importância do estudo reside no caráter fenomenológico que cada
símbolo possui. O estudioso que pesquisa seriamente as religiões tem em mãos uma
importante ferramenta, que são os próprios símbolos das religiões, os quais com sua
“carga” histórica, filosófica e antropológica, fornecem ao estudioso um panorama geral da
teologia ou das crenças de determinada religião. Portanto, os símbolos possuem uma raiz
fenomenológica para o estudioso que deseja investigar o fenômeno religioso sem fazer
referências à existência ou não de Deus/deuses ou valorizar/desvalorizar uma ou outra
religião. Em termos gerais, o estudo dos símbolos, como é apontado por Jung (2008), nos
fornece um rico material para a compreensão da religiosidade humana, da cultura e da
história de modo geral, assegurando uma visão fenomenológica que não faz julgamentos a
priori e que mantém a neutralidade do pesquisador perante o fenômeno.
O que foi exposto até o momento está dentro do campo da pesquisa acadêmica,
sendo que os símbolos fornecem um meio fenomenológico para estudar as religiões. Mas
e para os que não são cientistas, o que o entendimento dos símbolos pode fornecer?
Essa indagação talvez fosse respondida somente na conclusão deste trabalho, todavia
essa questão é necessária de ser levantada aqui, visto que falamos somente da
importância dos símbolos para o estudioso acadêmico. Para o leigo, nos assuntos
acadêmicos, a compreensão simbólico-religiosa pode-lhe fornecer ferramentas básicas
para compreender o contexto histórico da religião com que ele se simpatiza ou que
frequenta, por exemplo. Para exemplificar, vamos usar o símbolo da cruz, que é
amplamente conhecido, sobretudo no meio cristão ocidental em que vivemos.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Vieira (2009) demonstra que quando falamos na palavra cruz, logo nos vem à mente
a figura de Cristo, de sua Paixão, de seu sangue, de sua crucificação, entre outros aspectos.
Seriam somente esses conceitos de significados aplicados à cruz?
Do ponto de vista histórico e antropológico não, pois como aponta Vieira (2009), a
cruz é um dos símbolos mais antigos presentes na humanidade, sua história é muito
anterior ao Cristianismo. Lurker (2003) explica que a cruz é um símbolo primordialmente
pagão e que aparece em diversas culturas no mundo, como na cultura dos antigos gregos,
germânicos e até mesmo na cultura pré-colombiana, na qual a cruz era dedicada ao deus
da chuva.
Com essa rápida explanação sobre o quão antigo e histórico é o símbolo da cruz,
podemos inferir que um indivíduo ao se questionar sobre tal símbolo e se for levado a
buscar e a descobrir suas origens, inevitavelmente entrará em contato com a história de
várias culturas distintas. São elas que mostrarão a ele que um símbolo não é estático e
único de uma religião, mas que é dinâmico e culturalmente difundido por diversas
civilizações. Assim, o sujeito entra em contato com a história de suas raízes e de como se
dá a construção do conhecimento, ambos essencialmente importantes para o
conhecimento humano.

4.3. A Simbologia Religiosa no Contexto Psicológico


Como já apontado, a Psicologia é um dos mais recentes ramos do conhecimento
científico que contribuí para o estudo da simbologia religiosa, ou “ciência-simbólica”, como
proposto por Santos (1959). Apesar de a rigor a Psicanálise pertencer ao campo da
Medicina, onde nasceu, ela já foi amplamente adotada pelo campo da Psicologia como
referencial teórico e tema de pesquisas, tornando a Psicologia ainda mais complexa em
matéria de escolas, teorias e fundamentações filosóficas. Dentro da Psicologia, a
Psicanálise foi a escola que mais contribuiu para o estudo dos símbolos religiosos,
sobretudo a Psicanálise de Jung. O médico de Zurique, que fora amigo e depois dissidente
de Freud, é o fundador da chamada Psicologia Analítica.
Não é nossa intenção discutir sobre os argumentos de Jung (2008) que levaram ao
rompimento com Freud (2006), o fundador da Psicanálise, nem discutir sobre nenhum
método de tratamento clínico. Nosso intuito aqui é conhecer as principais teorias
psicanalíticas para os símbolos religiosos, sempre utilizando dos conceitos antropológicos e
históricos que são fundamentais para a simbologia.
Para Jung (2008), os símbolos são produtos do inconsciente humano o qual se utiliza
de imagens para expressar uma linguagem que, segundo o autor, é a linguagem da alma
humana. Esse estudioso se deparou com a noção de simbólica como linguagem do

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

inconsciente após observar que milhares de símbolos idênticos uns aos outros se
apresentavam em diversas culturas do mundo, independentemente de seu contexto
geográfico ou histórico. O exemplo da cruz, citado acima, é essencial para a explicação
desse conceito junguiano, pois como observamos, a simbólica da cruz aparece não só no
Cristianismo, mas também na cultura grega, germânica e pré-colombiana, que estão
distantes entre si, e que, possivelmente e principalmente entre os pré-colombianos, não
tiveram nenhum contato ou intercâmbio cultural. Esse e outros exemplos levaram Jung
(2008a) a postular não só a existência de um inconsciente que se expressa através dos
símbolos míticos, mas a existência de um inconsciente coletivo (inerente a todos os seres
humanos) que, a partir de sua linguagem simbólica, independentemente da cultura, da
posição geográfica ou do credo religioso, leva todos os seres humanos a estarem
culturalmente interligados a uma coletividade simbólica trazida pelo inconsciente. Eis
como Jung (2008) interpreta o inconsciente coletivo:
O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um
inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não
sendo, portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído
essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto desapareceram da
consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente
coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos
individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o
inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do
inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. (JUNG, 2008).
Diante dessa explicação, devemos compreender o que Jung (2008) entende por
arquétipo. Tal termo é utilizado, dentro da perspectiva da Psicologia Analítica, para
designar ideias e imagens primordiais que são inatos à psique humana e que, portanto,
fazem parte do inconsciente coletivo que projeta os símbolos frutos das atividades
arquetípicas. Lurker (2003) argumenta que Jung (2008) postulou os arquétipos como parte
da instintualidade humana, ou seja, se os símbolos religiosos são produzidos pelo
inconsciente arquetípico e se os arquétipos, que são os “produtores” destes símbolos, são
parte dos instintos, então os símbolos e as religiões são, segundo Jung (2008),
manifestações típicas da natureza humana.
É verídico que as hipóteses de Jung (2008) geraram muitas polêmicas, discussões e
críticas, mas o que também não mais é negado é que seu trabalho foi e ainda é
fundamental para os estudos dos símbolos e das religiões comparadas, dentro de uma
perspectiva filosófica, histórica e psicológica.
Dentro do círculo da Psicanálise, Freud (2006) também escreveu sobre os símbolos de
um modo geral. Embora Freud (2006a) não tivesse uma visão tão amigável como Jung

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

(2008) tinha das religiões, o pai da Psicanálise estudou o fenômeno das religiões e dos
símbolos com uma lente mais crítica, sempre embasada em seu positivismo. O Positivismo,
como explica Barbour (2004), rejeita qualquer noção de metafísica, dogmas ou crenças,
desta forma, só é válido, para os positivistas aquele conhecimento que possa ser empírico
e verificável. Freud (2006), assim como Jung (2008), teorizou que grande parte dos
símbolos utilizados pelas religiões e pelas culturas em geral é fruto da atividade do
inconsciente que se manifesta, na maioria das vezes, pelo viés onírico. Embora Freud
(2006) tenha rejeitado totalmente a teoria do inconsciente coletivo, ele aceitou a ideia de
que a simbolização das culturas, sobretudo das religiões, é transmitida no que ele chamou
de “resíduos-arcaicos”, que seriam resíduos que sobrevivem na psique inconsciente desde
os tempos imemoriais e que instigam o ser humano, de modo geral, a agir de uma maneira
semelhante a de seus ancestrais e ao seu grupo, principalmente na criação dos símbolos e
rituais religiosos.
A intenção deste estudo é levar o leitor a uma reflexão sobre o tema dos símbolos, de
sua grande importância, que instigou dois dos maiores nomes do século XX, Freud e Jung, a
estudá-los sob uma óptica científica. Por meio de seus trabalhos, comprovaram que o
estudo da simbologia fornece ao pesquisador uma conexão com os estudos de outras
áreas do saber, como a História, a Antropologia, a Filosofia, as religiões comparadas, entre
outras.

4.4. A Simbologia Religiosa no Contexto Histórico e


Antropológico

Vimos a importância dos símbolos na área da Psicologia e agora daremos atenção ao


contexto histórico e antropológico em que os mesmos se inserem. Campbell (2008) é um
dos autores que mais enfatiza a importância histórica dos símbolos, colocando-os como
fruto da evolução intelectual do ser humano. O autor, que muito se aprofunda nos temas
simbólico-religiosos, entende que os símbolos antecedem a própria formação da
linguagem fonética, portanto, caracteriza-os como uma das primeiras formas de
comunicação humana enraizada no contexto mítico religioso.
Campbell (2010) ousa supor que as pinturas rupestres, principalmente as da caverna
da Lascaux, no sudoeste da França, são imagens religiosas e simbólicas, que comprovam a
probabilidade de que uma das primeiras formas de comunicação humana se dera através
dos símbolos imagéticos. O autor não se orienta somente pela pré-história para comprovar
suas teses, mas se volta também para a antiguidade egípcia com seus temas hieroglíficos,
os quais são marcados por imagens simbólicas com caráter linguístico-fonético.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Frazer (1982) também observou nos símbolos uma forte manifestação linguística dos
homens da antiguidade e também que esse aspecto por si só comprova a importância
histórica dos símbolos para a humanidade. Esse renomado antropólogo acredita que seja
difícil separar os mitos dos símbolos uma vez que para ele ambos estão intrinsecamente
interligados. Campbell (2008) não tem dúvidas sobre o valor histórico dos símbolos e
aponta a impressionante forma pela qual as imagens simbólicas, sejam elas em mitos ou
imagens, são transmitidas de uma cultura para outra.
D’Alviella (1995) estudou os símbolos religiosos, não dentro de um contexto
psicológico, mas sim histórico e nos mostra como diversos símbolos foram sendo
transmitidos de cultura para cultura, sempre se adequando ao novo contexto. Esse
estudioso pesquisou, sobretudo, a suástica como símbolo amplamente difundido e
cultuado entre diferentes culturas do mundo antigo.
Embora esses estudiosos tenham planos de pesquisa diferenciados, suas conclusões
coincidem no que se refere ao caráter histórico dos símbolos, ou seja, o fato de que todas
as religiões foram se desenvolvendo mediante a introdução das imagens sacras ou
símbolos. Não há como negar que a chamada “linguagem dos símbolos” tenha se
manifestado em praticamente todas as culturas do globo, primeiramente como símbolos
de culto sagrado, depois passando para símbolos dos estados e das cidades que se
contextualizam fora do âmbito sagrado. Seja como for, os símbolos sobreviveram ao
pesado tempo da história, às diversas transformações sociais e continuaram como
linguagem das religiões e motivos de culto e devoção. Antes de aprofundar sobre os
símbolos nas religiões atuais, é necessário argumentar sobre em que consiste a linguagem
dos símbolos.
Por linguagem, entendemos, segundo Cassirer (2004), como sendo uma
manifestação, seja ela - fonética, artística, simbólica, gestual, entre outras -, entre os seres
viventes, como uma tentativa de comunicação. Assim, como apontado, existem muitos
tipos de linguagem, incluindo a própria linguagem simbólica que, segundo Cassirer (2004),
está intimamente atrelada ao surgimento da linguagem tal qual temos hoje. O estudioso
defende que os mitos, com sua linguagem simbólica, foram as primeiras manifestações de
linguagem em forma fonética que se tem registro. Portanto, seguindo o pensamento desse
autor e de outros, como Campbell (2008) e Eliade (2002), chegamos à conclusão de que
além das características históricas, psicológicas e antropológicas existentes nos símbolos,
há ainda a sua característica linguística.
Cada símbolo é carregado de significados - sempre dependendo do ambiente em que
está inserido - para compreender sua linguagem ou seu real significado, é necessário o
conhecimento da história, seja a história de determinada cultura, crença, ideologia,
teologia, entre outros. Frutiger (2001) acrescenta que, além do conhecimento histórico, o

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

sujeito deve entender que um símbolo nunca é o que realmente demonstra ser, ou seja,
seu significado está ocultado. Essa definição é um tanto quanto confusa, tentaremos
explicá-la de uma forma mais inteligível. O que a autora deseja explicar é que o símbolo
não é como a linguagem dos sinais, que é distinta dos símbolos. Dessa forma, os sinais
refletem uma linguagem mais objetiva. Por exemplo, ao vermos o sinal de um prato entre
talheres, seremos levados a crer que tal sinal se refere a um restaurante, porém, na
perspectiva da simbologia religiosa tal conceito não se aplica. Um símbolo possui uma
linguagem, se assim podemos dizer mais transcendental, que sempre remete a um outro,
como a cruz remete à Jesus para os cristãos, como o quadrante da terra para os pagãos.
Para explanar o conceito de símbolo como linguagem oculta, utilizemos o exemplo
fornecido por Daniélou (1993), que estudou amplamente os símbolos religiosos dos
cristãos no início da cristandade. Ele nos apresenta alguns símbolos que serviram para
ocultar o culto dos cristãos no início do Cristianismo. Esse ocultamento, segundo o autor,
era necessário, pois -, a grande violência exercida por parte dos pagãos contra o culto
cristão fizera com que a única forma de manter os valores da nova religião fosse
ocultando-os sob símbolos, - o símbolo mais utilizado nessa época foi o peixe, o qual era já
bem conhecido no mundo antigo.
Sendo assim, o peixe, que tem como significado cristão do batismo ou o
renascimento nas águas do Espírito Santo, era colocado em lugares comuns, com o
objetivo de indicar as proximidades de um local para culto “secreto” cristão. O
interessante é que o símbolo do peixe, nessa época, estava transmitindo uma mensagem
oculta, somente conhecida por aqueles que tinham o conhecimento do culto cristão e seu
real significado, sendo que, para a maioria dos pagãos, o símbolo tinha um mero
significado de abundância. O’Connell e Airey (2010) complementam que esse símbolo,
além de um significado simbólico mítico, possuía também um significado fonético, pois, -
peixe em grego é escrito ICHTHUS. Essas letras são as iniciais de “Jesus Cristo, o Filho de
Deus e Salvador”, o que revela um eficaz símbolo secreto para o Cristianismo nascente.
Esse exemplo é importante para ilustrar que os símbolos têm a função de fornecer uma
linguagem oculta, ou seja, de trazer consigo o significado de outro, significado este que
necessita ser decodificado para se compreender seu real sentido. Kast (1997) diz que a
linguagem dos símbolos é composta de no mínimo, dois elementos, em que uma imagem
sempre se apresenta no lugar da outra, desse modo, todo símbolo é uma referência a
outro. Um exemplo simples é a cruz no lugar de Jesus Cristo, no âmbito cristão.
Após essa apresentação e a compreensão de que, de fato, os símbolos ainda
continuam a fazer parte das grandes religiões mundiais e que os mesmos possuem uma
conexão histórica e antropológica, e que portanto não são meras imagens decorativas,
passemos a um novo tópico.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

4.5. Porque a Religião Utiliza os Símbolos?

Esta é uma questão que não é difícil de ser respondida, visto que já foram expostas
todas as qualidades que um símbolo possui. Estamos longe de fazer qualquer indagação
metafísica ou sobre a existência ou não de poderes divinos entre outras crenças-; iremos
nos preocupar com a investigação da religião como manifestação típica da humanidade.
Vimos que a antropologia está intimamente ligada às questões simbólicas. É a partir
desse pressuposto antropológico que tentaremos responder à questão apresentada. É
bem provável que o leitor já tenha encontrado a resposta para a pergunta, porém,
acreditamos ser necessária uma revisão para justificar cientificamente o uso da linguagem
dos símbolos religiosos.
Os autores que até agora foram citados, como Campbell (2008), Freud (2006), Jung
(2008b), Eliade (2002) e Frazer (1982), são unânimes ao postular que os símbolos foram,
de modo geral, a marca central para o início da crença religiosa, da linguagem e da cultura.
Bettencourt (2003) demonstra que é praticamente impossível encontrar uma civilização
que não tenha tido um tipo de culto religioso na mais afastada das eras. Os considerados
homens das cavernas, que não possuíam um corpo evoluído, com as características que
hoje temos, já apresentavam sinais de cultos simbólicos mesmo antes da criação da
linguagem fonética. O que o autor está demonstrando é que, acima de tudo, as
características da religiosidade humana são de cunho antropológico e histórico e que a
linguagem simbólica é a mais antiga manifestação de comunicação existente.
É cientificamente impossível saber se tais símbolos eram de cunho somente religioso
ou se já eram tidos como meio de comunicação. Alguns autores postulam que esses
símbolos eram muito mais utilizados como meios de comunicação do que para fins
religiosos, porém, as opiniões são muito divergentes.
Após termos voltado para as características antropológicas da simbologia, que são
tão evidentes, podemos responder à questão com base científica e apontar que a religião
é, de modo geral, fundamentalmente baseada em símbolos. Por isso, as linguagens das
religiões são propriamente simbólicas, seja pelas características de imagens ou mesmo
pelos contos míticos.
Agora podemos indagar: será que as religiões da contemporaneidade consideram a
manifestação simbólica primitiva? Ou elas estão demasiadamente empenhadas para
“comprovarem” que todos os seus escritos religiosos são na verdade realidades históricas?
Talvez a segunda questão se encaixe de melhor forma, pois o que hoje podemos observar
é uma verdadeira “guerra” entre religiões que se digladiam entre si em nome da
literalidade de seus deuses, de seus mitos e de seus símbolos e acabam se esquecendo que

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

todas as manifestações religiosas vieram, antropológica e historicamente falando, de um


ramo simbólico.
A religião é em si simbólica por causas naturais do próprio homem que demonstra a
necessidade humana de simbolizar aquilo que não consegue expressar, ou que está
ausente, ou seja, a própria divindade que o homem desconhece. É esse impulso que faz
com que a religião seja em si natural, na qual a verdadeira divindade se manifesta de
forma límpida e articulada na imaginação do homem, não de forma dogmática, mas
adogmática.
Muitas dessas críticas à atual religiosidade, sobretudo ocidental, podem ser
encontradas nos escritos de Jung (1988), o qual amplamente estudou sobre as questões
dos símbolos nas religiões da contemporaneidade, tendo encontrado uma nova forma de
culto, pois a atual religiosidade, como já dito, tem deixado de lado sua simbologia e se
preocupado cada vez mais com a exploração e a comprovação de que todos os contos de
seus livros sagrados são verdades literais. Podemos crer, que apesar de grande parte das
religiões continuar a expor sua incrível simbologia, elas sofrem com a chamada “queda” do
simbólico por que, simplesmente, deixaram de lado o uso e a interpretação de seus
próprios símbolos.
Parece estranho falarmos que um símbolo é rico em conhecimento humano, parece
mesmo uma espécie de antropomorfismo do símbolo, porém, considerando a antiguidade
das imagens simbólicas, podemos dizer que realmente eles têm uma vasta interconexão
com várias áreas das ciências humanas, sobretudo com a antropologia. E é exatamente
pelo rico material que os símbolos fornecem que fazem com que o estudo da simbologia
seja extremamente enriquecedor e importante.
Hoje as religiões estão com seus templos adornados por antigos e milenares
símbolos, muitos de seus fiéis lhe prestam cultos, mas será que conhecem seus
significados? Os fiéis sabem que esses símbolos pertencem a uma coletividade religiosa de
outras culturas, ou melhor dizendo: eles sabem que esses símbolos são mais antigos que
sua própria religião enquanto sistema teológico? Com certeza a resposta é não. O intuito
não é propor que os membros de uma religião sejam especialistas em símbolos, porém, o
conhecimento dessa linguagem simbólica, dessas imagens enigmáticas que enchem seus
templos e catedrais pode ser um importante viés para que o homem tome ou retome o
contato com sua história, com a história da sua religião, de suas crenças e de uma maneira
mais ampla, com a história da própria humanidade.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

4.6. Símbolos e Cultura

A história de um simbolismo é um estudo apaixonante e aliás completamente


justificado, pois é a melhor introdução ao que se designa por filosofia da cultura. As
Imagens, os arquétipos, os símbolos são diversamente vividos e valorizados: o produto
destas atualizações múltiplas constitui, em grande parte, os «estilos culturais». Em Ceram,
nas ilhas Molucas, e em Eleusis reencontram-se as aventuras míticas de uma jovem
primordial: Hainuwele e Kore Persefona. Do ponto de vista da estrutura, os seus mitos
assemelham-se: e, todavia que diferença entre as culturas grega e ceramiana! A
morfologia da cultura, a filosofia dos estilos interessar-se-ão, sobretudo pelas formas
particulares tomadas pela Imagem da Jovem na Grécia e nas ilhas Molucas. Mas se, na
qualidade de formações históricas, estas culturas deixaram de ser intercambiáveis,
estando já constituídas nos seus próprios estilos, são no entanto comparáveis ao nível das
Imagens e dos símbolos.
É justamente esta perenidade e esta universalidade dos arquétipos que «salvam» em
última instância as culturas, tornando ao mesmo tempo possível uma filosofia da cultura
que seja mais do que uma morfologia ou uma história dos estilos. Toda a cultura é uma
«queda na história»; e é, simultaneamente, limitada. Não nos 'deixemos iludir pela
incomparável beleza, pela nobreza e perfeição da cultura grega; também ela não é
universalmente válida como fenómeno histórico: tente-se, por exemplo, revelar a cultura
grega a um Africano ou a um Indonésio: não será decerto o admirável «estilo» grego que
lhes transmitirá a mensagem, mas as Imagens que o Africano ou o Indonésio redes-
cobrirão nas estátuas ou nas obras-primas da literatura clássica.
O que, para um Ocidental, é belo e verdadeiro nas manifestações históricas da
cultura antiga, não tem valor para um habitante da Oceania; porque, manifestando-se em
estruturas e estilos condicionados pela história, as culturas limitaram-se. Mas as Imagens
que as precedem e a informam permanecem eternamente vivas e universalmente
acessíveis. Um Europeu dificilmente admitirá que o valor espiritual geralmente humano e a
mensagem profunda de uma obraprima grega, a Vénus de Milo, por exemplo, não reside,
para três quartas partes da humanidade, na perfeição formal da estátua, mas na Imagem
da Mulher que ela revela. E, portanto, se não conseguirmos ter em conta esta simples
verdade de fato, não há esperança nenhuma de podermos esboçar um diálogo útil com um
não-Europeu.
Em suma, é a presença das Imagens e dos símbolos que conserva as culturas
«abertas»: a partir de qualquer cultura, tanto australiana como ateniense, as situações-
limite do homem são 'perfeitamente reveladas graças aos símbolos que sustentam estas
culturas. Se se negligenciar este fundamento espiritual único dos diversos estilos culturais,

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

a filosofia ,da cultura será condenada a ficar como um estudo morfológico e histórico, sem
nenhuma validade para a condição humana em si. Se as Imagens não fossem ao mesmo
tempo uma «abertura» para o transcendente, acabarse-ia por asfixiar em qualquer cultura
por maior e mais admirável que a possamos supor. A partir de toda a criação espiritual
estilisticamente e historicamente condicionada, pode atingir-se o arquétipo: Kore
Persefone tanto como Hainuwele, revela-nos o mesmo patético mas fecundo destino da
Jovem.
As Imagens constituem «aberturas» para um mundo trans-histórico. Mas não é esse
o seu menor mérito: graças a elas, as diversas «histórias» podem comunicar. Falou-se
muito da unificação da Europa medieval pelo cristianismo. Isto é sobretudo verdadeiro se
se pensar na homologação das tradições religiosas populares.
Foi através da hagiografia cristã que os cultos locais — desde a Trácia à Escandinávia
e do Tejo ao Dnieper — foram reduzidos a um «denominador comum». Devido à sua
cristianização, os deuses e os lugares de culto da Europa inteira receberam não só nomes
comuns como encontraram de certo modo os seus próprios arquétipos e, por conseguinte,
as suas valências universais: uma fonte da Gália, considerada como sagrada desde a pré-
história, mas sagrada pela presença de uma figura divina local ou regional, tornava-se
santa para toda a cristandade, após a sua consagração à Virgem Maria. Todos os
exterminadores de dragões eram assimilados a S. Jorge ou a um outro herói cristão, todos
os deuses da tempestade a S. Elias.
De regional e provinciana, a mitologia popular torna-se ecuménica. É principalmente
pela criação de uma nova linguagem mitológica comum às populações que permaneciam
agarradas às terras, e por isso correndo maior risco de se isolarem nas suas próprias
tradições ancestrais, que o papel civilizador do cristianismo é considerável; porque,
cristianizando a antiga herança religiosa europeia, ele não só purificou, mas fez passar para
nova etapa espiritual da humanidade tudo o que merecia ser «salvo» dentre as velhas
práticas, crenças e esperanças do homem pré-cristão. Sobrevivem hoje no cristianismo
popular, ritos e crenças do neolítico: as papas de sementes em honra ,dos mortos, por
exemplo (a coliva da Europa Ocidentel e egeia). A cristianização das camadas populares da
Europa fez-se sobretudo graças às Imagens: encontravam-se por todo o lado; havia apenas
que revalorizá-las, reintegrá-las e dar-lhes novos nomes.
Que não se espere para amanhã um fenómeno análogo, susceptível de repetir-se à
escala do planeta. Pelo contrário, a entrada dos povos exóticos na história terá em toda a
parte como consequência um aumento do prestígio das religiões autótones. Tal como
dissemos, o Ocidente está atualmente perante um inevitável diálogo com as outras
culturas «exóticas» e «primitivas». Seria lamentável que ele o iniciasse sem ter tirado
alguma lição de todas as revelações fornecidas pelo estudo dos simbolismos.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

AULA
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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

5- AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO
RELIGIOSO
No conjunto da vida psíquica, os modos vivenciais, diferenciados conceitualmente
das funções da percepção sensorial, da representação mental, do pensamento, do
sentimento, do impulso e da vontade, correspondem a qualidades nucleares simples, que
não podem referir-se a outra qualidade vivencial. Para as ações da vontade, isto somente é
certo com respeito à sua direção ao objetivo, e não a respeito da atualização, mais ou
menos ampla, das possibilidades funcionais psíquicas, provocadas por esta orientação. Por
isso, é necessário estudar as formas de aquisição de conhecimento complexas, as mais im-
portantes para a psicologia da religião, por seu papel na formação da esfera de
representações e convicções religiosas.
Estas formas são as seguintes: apropriação psíquica, relações de comportamento com
o ambiente, experiência e vivência da revelação.

5.1. Vivência da Revelação


A vivência de revelação constitui um ato de aquisição do conhecimento religioso de
categoria única. Com freqüência, adquire as dimensões de uma grande vivência religiosa
de qualidades numinosas. Não significa a decisão de abrir-se à fé, converter-se a Deus.
Significa uma manifestação extraordinária de Deus. Esta manifestação ou anúncio
acontece na forma de uma comunicação, uma aparição ou um ato poderoso. Esta
experiência de revelação não pode ser comparada ao mero aparecimento de uma idéia
esclarecedora ou inspiradora, na mente do cientista, do pensador ou do artista, mesmo
que a idéia seja religiosa.
A. Características. Para que a vivência seja considerada revelação, deve possuir
determinadas características. As principais são: seu caráter extraordinário e sua origem
divina. Sua manifestação e/ou seu conteúdo excedem as possibilidades da ordem natural
das coisas. Se não houver o efeito da ação divina com o caráter de manifestação
sobrenatural não se pode falar de vivência de revelação. A manifestação pode ser vivida
por uma pessoa a partir de um deus ou de vários deuses. Na revelação, a comunicação é
essencial, isto é, a transmissão de conhecimento, a relação entre um que pensa e possui a
capacidade de adotar resoluções e outro que é capaz de compreender e querer
compreender. Isto quer dizer que a comunicação é de pessoa a pessoa; e mais, pessoa
divina e pessoa. Sem a relação com Deus não será revelação. Como exemplos, estão à
experiência de Moisés e a sarça ardente e a de Paulo, no caminho de Damasco.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

A comunicação, entretanto, não precisa ser dialógica, isto é, não prescinde do


diálogo, a exemplo da escada no sonho de Jacó (Gn 28.11-17) e o batismo de Jesus Cristo
(Mc 1.11). Como respostas à vivência de revelação podemos colocar o assombro, o
arrependimento, a realização da tarefa ordenada.
A revelação pode ser dada a um grupo de pessoas ou a uma determinada pessoa. São
consideradas revelações simplesmente pessoais àquelas que dizem respeito às suas
relações com Deus, como a fé, a oração, a fidelidade. Neste caso, a consciência de ser
objeto de uma especial e única comunicação de Deus produz uma profunda impressão,
uma atenção redobrada, uma viva atividade intelectual e emoções e tendências bastante
intensas, em geral positivas. A transmissão de conhecimento é percebida, mais ou menos
claramente, como infalível. O objetivo da revelação é percebido, bem corno os modos de
conduta e o cumprimento das ordens dadas. Esta conscientização acontece como
penetrante intuição ou como resultado de reflexão ou exame.
O conteúdo da comunicação divina diz respeito aos seguintes aspectos: atos de poder
e salvação, ensinamentos e preceitos, coisas novas ou recordação de coisas conhecidas,
estímulos e advertências, elogios e censuras, promessas e ameaças, prêmios e castigos,
júbilo e queixas. Esta temática pode ser encontrada na revelação dada aos profetas do
Antigo Testamento. É importante aqui estabelecermos a diferença entre visões místicas e
visões proféticas; aquelas se referem unicamente à vida religiosa pessoal e à perfeição do
visionário; as proféticas estabelecem a difusão da mensagem.
B. Consciência na Revelação. Para a psicologia da religião é importante compreender
o grau de consciência na vivência da revelação. Quando recebe a revelação, a pessoa está
consciente? É necessário, primeiro, definir consciência. Diversos autores, como Geyser,
Lersch e Willwoll, dentre outros, fornecem valiosas contribuições a respeito, mas suas
idéias não podem ser expostas num espaço reduzido e não são necessárias para o nosso
propósito. Nas pessoas, sem dúvida, há um estado de consciência simples, imediata, e um
estado de consciência reflexiva. A primeira é o mero conhecimento da vivência atual. A
outra significa uma consciência sobre si mesmo, sobre seu estado de ânimo, suas
intenções e atos. Além dessas há a consciência de direção, que permite o pleno
conhecimento da direção própria do eu nas decisões de todo tipo. O sonho, o
sonambulismo, o hipnotismo, a concentração, o êxtase, a experiência mística - cada qual
apresenta um estado de consciência. A concentração é uma fase preparatória para as
formas especiais de consciência extática e mística.
A concentração se inicia mediante um autêntico ato de vontade, de uma clara
decisão consciente, com fixação do objetivo e determinação de alcançá-lo. Necessita de
uma separação do meio ambiente e calma do espírito. A concentração leva ao êxtase, em
que a distinção entre o eu e o objeto se perde quase totalmente; a perda total da

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

consciência do eu está mais além da consciência extática. Todos os êxtases não devem ser
considerados de natureza mística, indiscriminadamente, porque fora do âmbito místico
também pode haver êxtase. A consciência mística, por sua vez, acontece quando o
"totalmente outro", situado além do cognoscível, intervém. Mesmo assim, nas revelações
experimentadas em consciência mística, pela narrativa dos místicos, comprova-se que a
revelação acontece com bastante claridade da consciência. Isto se percebe no
cumprimento ou realização das ordens reveladas.
Nos sonhos, o estado de consciência é simples, pois a pessoa tem plena consciência
do significado do sonho; às vezes, a revelação acontece já em estado de vigília, logo após o
sonho. Assim ocorreu nos sonhos de José do Egito (Gn 37.40,41), de Samuel, a respeito do
castigo aos filhos de Eli (1 Sm 3) ou de José no Novo Testamento (Mt 1.20; 2.30). Jacó, logo
após despertar do sonho da escada, sentiu medo e expressou em palavras sua numinosa
vivência (Gn 28.17).
C. Autenticidade da Revelação. Quando a pessoa recebe uma revelação, preocupa-se
a respeito do autêntico sentido da comunicação divina. Este pode ser único, mas também
pode ter várias interpretações. Como exemplo de significado único foi a instrução dada a
José, em relação a Jesus e Maria: "Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o
Egito e permanece lá até que eu te avise" (Mt 2.13). A comunicação divina pode ter
diversos sentidos quando se efetuam em forma de metáforas, símbolos e alegorias. Muitas
vezes a própria metáfora fica mais gravada na mente do que o seu significado, como no
caso da parábola das dez virgens: recordamos mais a própria alegoria do que a advertência
de estarmos vigilantes para a volta do Senhor (Mt 25.1-13). A comunicação divina em
metáfora é completamente compreendida quando vem acompanhada da explicação,
como no caso da parábola do semeador (Lc 8.11) ou das mensagens às sete igrejas (Ap
1.20).
É necessário ressaltar ainda que uma comunicação experimentada por uma pessoa
não pode ser qualificada de revelação somente porque seu conteúdo refere-se ao âmbito
religioso. A comunicação pode referir-se a escapar de um perigo, vencer os inimigos, achar
um bom caminho, encontrar algo perdido etc. A vivência de revelação acontece de um
modo sobrenatural e seu conteúdo também é sobrenatural. O caráter do sobrenatural
pode ser em primeiro grau quando o próprio Deus se revela (Dt 31.15; Ex 20.2), isto é,
quando há um auto-testemunho de Deus. Isto também ocorre de forma implícita, como no
caso de Abraão (Gn 11.18).
O caráter do sobrenatural pode ser também em segundo grau, quando Deus utiliza
um mediador que transmite a Palavra de Deus. Nos livros dos profetas repetidamente se
lê: "Assim diz o Senhor". Nos tempos do Antigo Testamento era muito comum a forma de
revelação em sonhos; nos dias do Novo Testamento, esta forma diminuiu em quantidade.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Nos dias de hoje, apenas excepcionalmente se aceita o caráter de revelação de algum


sonho. Para que o sonho e seu conteúdo sejam considerados revelação, é necessário que
existam outras características, como o testemunho de si mesmo de Deus ou de sua
mensagem, ou um conteúdo sobrenatural, ou uma grande vivência de conversão.
A origem sobrenatural da comunicação pode ser percebida no caráter extraordinário
do conteúdo, como no caso do anúncio da ruína dos povos da antiguidade, do nascimento
de um filho, num casamento de anciãos (Lc 1.13), o pagamento das dívidas com o azeite
das vasilhas (2 Re 4.7). Uma característica marcante da revelação é a certeza de que se
dirige àquela pessoa específica; isto pode acontecer através de uma prova (Gideão e o
novelo de lã), de uma certeza (Filipe e o eunuco), ou pode acontecer de um modo físico,
como no Sinai (Ex 19.16ss). A escolha da pessoa a receber a revelação também pode ser de
forma expressa, como o chamamento de Samuel, à noite (1 Sm 3.3ss). A revelação pode
ser o anúncio de uma missão, ou de coisas futuras, ou de algo referente a Deus ou a um de
seus santos.
Por isso, pode-se afirmar que se distinguem dois tipos de forma em que é transmitida
a comunicação sobrenatural: o primeiro tipo refere-se às comunicações efetuadas
mediante atos extraordinários do poder de Deus, que modificam de maneira ostensiva o
curso natural das coisas (os milagres); o segundo tipo refere-se às manifestações de Deus.
No primeiro há uma vivência de revelação em atos ou em modificações; no segundo, há a
vivência de revelação de aparição.
As modificações extraordinárias ou milagres podem acontecer na esfera pública ou
pessoal; em ambos os casos podem se tratar de modificações psico-espirituais ou material-
corporais. Na esfera pública, podemos mencionar a salvação diante do exército inimigo;
ficar incólume em meio a desastres econômicos ou políticos; escapar de terremotos ou
vendavais; a conversão de uma cidade inteira como no caso de Nínive; etc. Na esfera
pessoal, pode-se mencionar a transformação de pessoas em seu caráter e temperamento,
ao converterem-se a Jesus Cristo; curas as mais diversas; etc. O termo milagre precisa ser
definido, principalmente por causa da crítica teológica. Tomás de Aquino denominava de
milagre a tudo que procedesse de Deus e se produzisse fora das causas conhecidas por
nós. Nos estudos modernos, destaca-se o caráter distintivo do conceito de milagre,
afirmando que é um fato extraordinário “cujo significado intrínseco consiste em servir de
objetivo da perfeição sobrenatural do homem”.
As revelações de aparição podem ser vivências sensoriais, imaginativas ou puramente
intelectivas. As sensoriais acontecem com a presença dos seres, como no caso de Jesus
ressuscitado. As imaginativas e as intelectivas são as representações mentais vividas como
inspiradas por Deus ou como anúncio divino.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

D. Fenômenos de Vivência. Finalizando, vamos ainda considerar as vivências de


revelação em suas manifestações ou fenômenos. Existe uma série de fenômenos
milagrosos que proporcionam vivências de revelação, como: curas, exorcismo, profecias de
coisas futuras, conhecimento de fatos íntimos e ocultos, visões e audições. Os progressos
da investigação psiquiátrica, psicológica profunda e para-psíquica têm demonstrado a
possibilidade e a certeza científica de que a causa destes fenômenos se encontra na
própria natureza psicofísica do indivíduo. Pode-se afirmar que uma vivência de revelação
não pode ser considerada verdadeira quando pode ser explicada totalmente como
fenômeno psicológico.
Não compete à psicologia indagar sobre a causa da vivência; entretanto, compete-lhe
investigar as premissas e as circunstâncias empiricamente determináveis que fosse
requeridas para que exista uma vivência de revelação. O primeiro fenômeno a considerar,
que proporciona a vivência de revelação, são as curas. As curas milagrosas dizem respeito
a um processo curativo no qual houve uma intervenção decisiva de cunho sobrenatural.
Benedito XIV estabeleceu alguns critérios para reconhecer as curas milagrosas: a
enfermidade era grave sem perspectivas de melhoras; a cura veio repentinamente; não
houve retrocessos na cura; não se aplicaram medicamentos. Quando existe o
convencimento pessoal de que se poderá obter a cura, acrescentado da fé na onipotência
e misericórdias divinas e fortalecido com as manifestações das instituições religiosas e com
a fé dos cristãos – a cura pode acontecer, se assim for da vontade de Deus.
Outro fenômeno, que proporciona a vivência de revelação, são os exorcismos. A
possessão demoníaca é o estado em que as funções corporais e psíquicas da pessoa se
acham submetidas de modo extraordinário ao despótico governo dos demônios. A
realidade da possessão demoníaca é garantida pela tradição sagrada e pela prática ritual
das religiões. Os seguintes sinais podem ser apontados: pensamentos e imagens
extremamente contrários a Deus e à religião; palavras e frases blasfemas, contra a
vontade pessoal; conduta escandalosa oposta a seu modo de ser anterior. Na possessão
se alternam três fases: repouso, posse e crise. No repouso, o indivíduo afetado apenas se
dá conta do domínio exercido pelo demônio; na posse, a atividade do conhecimento e da
vontade está diminuída, e o tormento psíquico e o poder sobre o corpo são vivamente
sentidos; na crise acontece um transe, com pouca sensibilidade a dores físicas. Segundo
Oesterreich, o estado ele possessão se caracteriza exteriormente por uma alteração do
rosto, com expressão de terror e repulsão; a voz se modifica; o comportamento se torna
grosseiro e asqueroso; os movimentos são excêntricos e efetuados com grande força.
Vários grupos religiosos empregam rituais diversos para realizar o exorcismo:
orações, invocação de nomes divinos, citações de passagens de livros sagrados, gestos
simbólicos, emprego ele água benta e objetos sagrados. Durante o ritual de exorcismo, o

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

demônio confessa o seu nome e os atos que obrigou a pessoa a cometer; é chamado o
"sermão do demônio", em que se manifesta o seu poder sobre os possessos. No ato da
expulsão do demônio, acontecem movimentos convulsivos, que denotam a resistência do
demônio em deixar o corpo. Quando é expulso, há penetrantes gritos e o corpo se agira
violentamente. Logo a seguir, a pessoa permanece completamente quieta e sua mente
volta funcionar livremente.
A psicologia pode explicar numerosos casos pela ação de causas naturais; a crença na
possessão demoníaca é produzida pela influência do ambiente, do povo, da religião e
resulta em medo dos seres diabólicos. Tudo tem a ver com a história pessoal e com a
anormalidade de seu estado psíquico. Algumas reações podem ser explicadas pelo estado
psicótico. Quando se realiza um ritual de exorcismo, as condições da pessoa perturbada
psiquicamente podem melhorar, mesmo que o seu caso não seja de possessão. É preciso
haver discernimento para reconhecer quando é um problema psíquico e quando é
realmente possessão demoníaca, para que seja efetuada a expulsão e haja uma vivência de
revelação autêntica. Winkhofer afirma: "Aquele que tem o dom do discernimento de
espíritos (l Co 12.10) descobre com muito maior freqüência a oculta e terrível presença de
Satanás numa alma".
Os efeitos do exorcismo é que vão comprovar a sua veracidade. A cura deve ser
imediata e duradoura. O paciente reconhece que foi curado porque tem a consciência de
possuir novamente a liberdade no uso de suas faculdades e que desapareceram as formas
de expressão diabólicas. Qualquer coisa que acontece na vida de uma pessoa que não
pode ser explicada pela psicologia certamente comprova a presença demoníaca, como por
exemplo, a expulsão de areia, pedaços de vidro, ferro, alfinetes e agulhas, como
aconteceram com uma mulher atendida pelo padre J. Chr. Blumhardt, durante um ano e
meio. Na verdade, quanto mais contrárias e prejudiciais à salvação sejam as
manifestações, mais fundamentada é a interpretação de que sua origem é diabólica.
Outro fenômeno, que proporciona a vivência de revelação, são as profecias. As
profecias, as adivinhações de fatos desconhecidos, especialmente os futuros, influem
consideravelmente no mundo de representações e pensamentos religiosos. Sabemos que
as profecias têm originado grandes movimentos religiosos, têm determinado a formação
de grupos religiosos, têm impulsionado a sacrifícios e empreendimentos e também têm
trazido abatimento e desespero. As profecias que nos interessam são as confirmadas pelos
fatos e a possibilidade de terem causas psíquicas naturais. Devemos considerar se o acerto
das predições se deve à intervenção divina ou demoníaca.
Como possíveis causas de predições acertadas devemos considerar alguns fenômenos
parapsíquicos: a telepatia, a clarividência e a precognição, que são percepções
paranormais ou extrasensoriais, isto é, não são sentidas com os órgãos dos sentidos. São

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

produzidas em estado de transe, isto é, com a consciência diminuída. O transe pode ser
conseqüência do desequilíbrio afetivo ou fisiológico; pode surgir espontaneamente ou ser
sugerido mediante o uso de técnicas, químicas ou do tipo mágico. O conteúdo pode ser
exteriorizado em palavras inconscientes, escrita automática ou sacudidelas de objetos.
Telepatia é a transmissão ou captação de processos psíquicos de uma pessoa a outra, sem
a intervenção dos sentidos. Clarividência é a percepção de fatos ou coisas espaço-
temporais sem a intervenção das funções sensoriais; geralmente se relaciona a fatos
terríveis e alarmantes. Para Amadou, em concordância com a maioria dos investigadores, a
telepatia pode ser melhor comprovada cientificamente do que a clarividência. A
precognição é um fenômeno bem próximo à profecia, mas não tem o mesmo caráter
sobrenatural.
Podemos admitir, mediante pesquisas feitas pelos estudiosos, que não se pode
excluir a possibilidade de existirem faculdades paranormais em pessoas altamente
religiosas, mas não estão relacionadas com o nível de valor moral e religioso. Há a
possibilidade, então, de fenômenos psíquicos intervirem nas vivências de revelação.
Apesar de algumas semelhanças e concordâncias entre as autênticas vivências de
revelação e as vivências devidas à sugestão ou de origem anormal ou patológica, existe
uma independência das primeiras fenomenologicamente manifesta e psicologicamente
comprovável. Isto é certo em especial nas vivências místicas, mas também é válido para as
profecias, visões e audições e inclusive nas curas milagrosas, enquanto se incluem em tais
vivências elementos estruturais da consciência mística. Na consciência mística todo o
conteúdo da vivência se orienta ao divino-sagrado.
Se existe valor relativo nos critérios psicológicos para avaliar a autenticidade mística
das vivências de revelação, por outro lado, os critérios reconhecidos pelos místicos se
baseiam nos efeitos da vivência: piedade religiosa, pureza, amor e liberdade de alma. K.
Rahner assinala, como critérios característicos da autenticidade de uma visão,
determinadas modalidades da relação do sujeito com a visão: que predominem nele a fé, o
amor e demais atitudes cristãs morais sobrenaturais; que receba a visão com espírito de
humildade e gratidão, sem incorrer em exageros, sabendo guardar silêncio; finalmente,
que não apareça como um fenômeno isolado e sim em conexão com o estado de graça
mística daquele que experimenta a vivência.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

AULA
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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

6- A VISÃO DA PSICOLOGIA SOBRE A


CURA NA RELIGIÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a conceber a religiosidade (entendida
como o modo pessoal de realização de práticas relacionadas a sistemas religiosos) e a
espiritualidade (compreendida como “aquilo que dá sentido à vida”) como fatores
importantes para a saúde mental a partir da avaliação de qualidade de vida por meio de
um instrumento que incluiu as dimensões da espiritualidade e da religiosidade, o
WHOQOL-100 (Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida). Como já mencionado, a
dimensão da espiritualidade (religiosa ou não, relacionada àquilo que motiva e dá sentido
à vida) pode oferecer ao indivíduo a experiência de pertencimento a um grupo, a
experiência de adesão a um conjunto de valores e/ou princípios que norteiam sua vida, ou
ainda a experiência do sentimento de conexão com algo. A experiência de pertencimento a
grupos – sejam esses grupos de que tipo forem – influencia a saúde mental de uma pessoa.
Não é possível falar em saúde ou doença como algo desvinculado de um contexto social
especialmente porque o que é considerado saúde ou doença muda em função do
momento histórico, do local e da cultura. Aos poucos o aspecto cultural tem sido cada vez
mais lembrado pela Medicina e pela Psicologia quando se fala de saúde e de doença. Por
exemplo, o
Código Internacional de Doenças (CID-10, item F.44.3) reconhece a importância do
contexto cultural ao diferenciar um estado de transe religioso de uma doença mental,
definindo que quando o transe se dá de modo voluntário e desejado dentro de um
ambiente religioso, não cabe dizer que a pessoa em transe seria doente mental.
Um antigo provérbio latino dizia medicus curat, Deus sanat, isto é, o médico cura,
Deus sara. Se o médico cura, ainda haverá lugar para Deus sarar?
Uma reflexão psicológica acerca das relações entre religião, enfrentamento e cura
poderia começar pela etimologia da palavra cura. Curar, em latim, significa literalmente
“cuidar”. Muitos termos do português conservaram esse sentido literal: curador, curatela,
curioso. Outros termos há, como procurar, descurar, segurar (de se-curus, sem cuidado),
que literalmente significam cuidar de alguma coisa ou estar dela descuidado.
Sem dúvida, no caso da saúde e da doença o verbo curar/cuidar é muito apropriado.
Cuidar da saúde, por exemplo, sugere atenção com a saúde antes da instalação da doença.
Cuidar da doença, ou do doente, significa ter cuidado para a saúde não se deteriorar ou o
doente não piorar.

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PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

Como o resultado do cuidado é muitas vezes o retrocesso da doença e a melhora do


organismo, curar, curar-se, passou, por metonímia, a significar sarar. “Eu me curei”
atualmente não quer dizer “eu me cuidei”, mas “eu sarei”. Quando se diz que o médico
cura, geralmente se entende que ele consegue fazer a pessoa sarar. O remédio cura
porque contribui para que o organismo reaja e se recupere. Aplica-se um curativo não
simplesmente porque se cuida de uma ferida, mas porque se aplica um elemento ativo que
contribui para a reação restauradora do organismo. A cura, então, pode ser entendida
como cuidado e como resultado desse cuidado, a recuperação da saúde.
O conhecimento moderno aí está para esclarecer que a saúde se recupera com os
cuidados higiênicos, alimentares e outros que se prestam ao enfermo, e que a doença é
impedida com os cuidados que se prestam à saúde. Nesse sentido, tanto a remediação
como a prevenção são formas de cuidar ou de curar.
Há um estudo notável do sociólogo da religião Rodney Stark, “O crescimento do
cristianismo” (The rise of Christianity) (Stark, 1997), com o subtítulo “como o obscuro e
marginal movimento de Jesus tornou-se, dentro de poucos séculos, a força religiosa
dominante no mundo ocidental”. Segundo Stark, uma poderosa razão da mortalidade dos
pagãos, da sobrevivência dos cristãos e da conversão dos pagãos ao cristianismo foi a
maneira de os cristãos e os pagãos, respectivamente, cuidarem ou deixarem de cuidar de
seus doentes por ocasião das grandes epidemias que assolaram o império romano nos
primeiros séculos da era cristã. A caridade, ou seja, o amor ao próximo induziu os cristãos,
diferentemente dos pagãos, a providenciar para os irmãos de fé cuidados elementares,
como “simples provisão de comida e água que permitem aos temporariamente
enfraquecidos lutar por si mesmos pela recuperação em vez de perecer miseravelmente”
(McNeill, 1976, citado em Stark, 1997, p.88). Esse cuidado, segundo Stark, não só
preservou proporcionalmente muito mais vidas de cristãos do que de pagãos como
encaminhou conversões de pagãos ao cristianismo.
Como cuidado, a cura pode suscitar a indagação do porquê e pode ser encarada pela
Psicologia como um comportamento motivado. A variável motivadora ora é a pressão
grupal para a coesão e a sobrevivência do pequeno grupo, ora o altruísmo que leva alguém
a se sacrificar pelo bem do outro, ora um senso de dívida e retribuição, como o gerado
pelas relações parentais e outras mais. Para a Psicologia da religião, no caso do
cristianismo, a motivação é impregnada pelo valor da caridade e da fraternidade.
Não há dúvida de que na história do cristianismo, ontem e hoje, o cuidado pelos
enfermos é uma das manifestações mais patentes de sua presença no mundo. Se, muito
em função do desconhecimento geral no campo da saúde, esse cuidado foi, no passado,
mais remediativo do que preventivo, hoje, em razão dos novos conhecimentos e de novas
sensibilidades, a psicologia em geral e a psicologia da religião apontarão novos ou

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63
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO

renovados elementos motivacionais, como responsabilidade social, senso de justiça,


direitos da pessoa, respeito ecológico, elementos que adquirem uma dimensão religiosa
caso incluam uma intencionalidade religiosa. É, com efeito, a relação com o objeto
religioso que torna religiosa uma variável, e não sua categorização em alguma classe
especial de comportamentos.

6.1. Os Aspectos Psicológicos da Doença e da Cura na Religião

Há numerosos estudos a respeito da correlação entre religião e saúde, religião e


doença, religião e cura (Paiva, 1998). Além da tradicional relação geral entre religião e
saúde (Amundsen, 1987; Sullivan, 1987), alguns autores chegam a se perguntar pela
existência de um fator religioso na saúde e na doença (Levin & Schiller, 1987; Piedmont,
1999, para uma discussão não da religiosidade, mas da espiritualidade). Outros estudiosos
estão interessados com a relação, do tipo que for, entre religião e saúde/doença mental
(Pargament, 1997, 2001), paralelamente àqueles que se interessam pela relação entre
religião e saúde/doença física (Argyle, 1993; Argyle & Beit-Hallahmi, 1975; McIntosh &
Spilka, 1990). Há, contudo, os que acautelam para a falta de uma metodologia realmente
epidemiológica, isto é, ampla o suficiente para abarcar longitudinal e transversalmente os
entrelaçamentos de religião e doença, capaz de estabelecer a relação ou a ausência de
relação entre saúde/doença e religião (Stenger, 2002; Weaver, 2002).

Em evidente conexão com essas discussões, coloca-se a questão da cura pela religião.
Note-se que essa questão não é apenas psicológica e médica, mas também teológica. Há
religiões essencialmente de cura, como a religião délfica. Há outras, como o budismo, em
que a cura é desnecessária. E outras, como o cristianismo, consideram a cura às vezes fim
em si mesma, embora parcial, e às vezes sinal de outra realidade final.
A psicologia da religião tem de haver-se com essas várias modalidades religiosas: ela
não tem uma palavra única para a relação entre religião e cura porque o comportamento
religioso é variado em sua significação. Em outras palavras, como as formas religiosas são
históricas, a psicologia só se aplicará com competência a uma modalidade religiosa se
apreender seu sentido. Numa cultura, por exemplo, em que saúde e doença são
consideradas holisticamente extensões da relação com a divindade, como na antigüidade
organizada ao redor da religião (Vergote, 2001), a cura só pode ser religiosa, pela definição
dos termos.
Numa cultura moderna, em que se reconhece a autonomia dos diversos segmentos
da vida individual e social, a saúde e a doença não têm de passar pela definição religiosa
ou, se o fazem, é num sentido bastante peculiar. Se tomarmos o caso do cristianismo,
encontraremos entendimentos diversos dessa relação na antigüidade e na modernidade. O

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interessante é que subsistem em geral nas pessoas dimensões antigas e modernas, de


modo que idealmente às vezes nos comportamos como pré-modernos, vendo por exemplo
na saúde a bênção de Deus e na doença sua punição, e às vezes como modernos, vendo na
saúde o resultado de feliz disposição genética, de recursos econômicos e de conhecimento
para cuidar da higiene e da alimentação.
E é também interessante que antigüidade e modernidade ainda hoje se encontram
no campo das próprias religiões. As religiões assentadas na comunhão com a natureza e
com as forças cósmicas e semelhantes tendem a uma visão pré-moderna, que não
circunscreve limites às várias áreas da existência. Nessas religiões, a análise psicológica do
comportamento religioso ligado à saúde não se poderá basear no pressuposto “moderno”
que distingue o aspecto religioso do aspecto da saúde. No âmbito da cultura cristã
contemporânea, o caráter moderno revela-se nos estudos predominantemente
correlativos entre religião, doença e saúde. Nexos causais tendem a reduzir a distinção
entre os vários segmentos da experiência humana, ao passo que nexos correlacionais
mantêm, em princípio, essa distinção.
Um bom resumo da situação atual é oferecido por Ellison (1998), coordenador do
Simpósio Religião, Saúde e Bem-Estar, no Journal for the Scientific Study of Religion. Ellison
registra que “embora os achados empíricos não sejam inequívocos, as resenhas
sistemáticas [dos estudos] têm registrado consistentemente que vários aspectos do
envolvimento religioso estão ligados a resultados desejáveis da saúde mental” e que
“várias investigações recentes, ... usando rigorosos métodos analíticos, também registram
efeitos salutares de diversos indicadores de envolvimento religioso numa ampla gama de
resultados de saúde física e mental” (1998, p.692).
A explicação desses achados pode ser buscada, do ponto de vista psicológico, na
eficácia da religião em promover comportamentos saudáveis e restringir comportamentos
nocivos; na influência da religião nos estilos de vida pessoal; na integração e apoio,
favorecidos pelos atos religiosos sociais; na intensificação dos sentimentos de auto-estima
e de auto-eficácia providos pela religião; no enfrentamento das situações estressantes
num quadro de referência religioso e, possivelmente, nas alterações das conexões
psiconeuroimunológicas ou neuroendócrinas que afetam os sistemas fisiológicos (Cohen &
Herbert, 1996; Ellison, 1998; Kiecolt-Glaser, McGuire, Robles & Glaser, 2002).

6.2. A Discussão Psicológica da Cura Pelo Enfrentamento


Religioso

Um dos enfrentamentos possíveis da situação das doenças física e mental, ao lado do


profano, ou secular, é o enfrentamento religioso (Pargament, 1997), que utiliza recursos

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da ordem religiosa para entender a doença e lidar com ela. Freqüentemente as urgências
pessoais ou situacionais são enfrentadas pelas pessoas, ao menos em parte, com o recurso
religioso de orações, promessas, peregrinações, exercícios ascéticos e ações rituais,
conforme as várias religiões, inclusive cristãs. No cristianismo, em particular, uma das
manifestações mais indicativas da presença do reino de Deus foram as curas físicas e
algumas curas que hoje chamaríamos de psíquicas ou de psicossomáticas, curas essas
muitas vezes solicitadas pelo doente ou por outras pessoas. É notável que essas curas
geralmente não terminavam no bem-estar físico ou psicológico, mas apontavam para um
tipo de bem-estar religioso, concretamente a libertação do pecado e a união com Deus.
A pergunta “Será possível à Psicologia estabelecer a existência e a eficácia do
enfrentamento religioso?” tem como ponto de partida o reconhecimento, por parte de
Kenneth Pargament (Pargament, 1996), do extraordinário poder da religião, que o levou a
indagar “se a religião não acrescenta ao enfrentamento algo além do que é fornecido pelo
mundo secular” (Pargament, 1996, p.231). Ele cita, com efeito, alguns estudos que
demonstram efeitos singulares do enfrentamento religioso. Um exemplo é o seu estudo
realizado em 1990, que evidenciou a diferença, pequena mas estatisticamente significante,
no comportamento de esquiva segundo a utilização do enfrentamento profano ou do
enfrentamento religioso (Pargament et al., 1990).
Nesse estudo, o enfrentamento secular levou a uma esquiva que apenas desviou a
atenção de pensamentos penosos, ao passo que o enfrentamento religioso conferiu
sentido, estabilidade e conforto. Pargament se pergunta em que consiste a singularidade
do enfrentamento religioso e responde com duas ordens de argumento. No artigo de 1990
apela para a versatilidade das religiões que as faz “adaptar-se às mudanças do tempo, das
circunstâncias e das necessidades” exatamente graças a seu “caráter abstrato, simbólico e
misterioso” (Pargament, 1990, p.205). O caráter protéico e não trivial da religião tornaria
possível recorrer a ela em qualquer situação. Em texto posterior, de 1996, apela ao que
denomina “a característica mais singular” das religiões, isto é, o sagrado. Do sagrado
detalha alguns componentes: “ligação com os antepassados, mistério, sofrimento,
esperança, finitude, entrega, propósito divino, redenção” (Pargament, 1996, p.232), e
propõe que o sagrado, em virtude de não se subordinar a nenhuma finalidade psicológica
ou social, confere à pessoa religiosa um entendimento e uma capacidade de reação
peculiares frente aos acontecimentos que fogem a seu controle.
Como ciência moderna, a Psicologia tem estabelecido como seu objeto os fenômenos
que ocorrem na faixa da realidade humana situada entre o puramente lógico e o
puramente biológico, ou seja, o psíquico, e tem avançado no entendimento desse objeto
com conceitos, modelos e métodos próprios. No caso do enfrentamento, a psicologia tem
buscado interagir com disciplinas biológicas, como a fisiologia e a psiconeuroimunologia, e
com disciplinas sociais, como a antropologia.

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Quando se depara com o comportamento religioso utilizado em situações de


urgência pessoal e social, a Psicologia, em virtude de seus próprios princípios, está
autorizada a emitir um juízo acerca do comportamento, da motivação e da eficácia desse
comportamento. Se, como ciência empírica moderna, a Psicologia se abstém de incluir
qualquer transcendência em seus pressupostos epistemológicos e metodológicos, penso
que lhe escapa pronunciar-se acerca do propriamente religioso do comportamento. Desse
ponto de vista, não penso que lhe seja possível responder à pergunta de Pargament
relativa a uma eficácia distinta da eficácia secular alcançada pelo enfrentamento religioso.
Em outras palavras, parece-me uma pergunta mal situada. Não se negam os resultados das
pesquisas que apontam uma eficácia diferente e superior do enfrentamento religioso
(Pargament, 1990), mas nega-se a possibilidade de a Psicologia alcançá-lo em sua
qualidade religiosa. A Psicologia deverá contentar-se, como ciência secular, com uma
avaliação secular do enfrentamento religioso. Segundo Aletti (2004), não se trata de
perguntar se Deus ajuda, mas se crer em Deus ajuda. Esclareça-se que o crer a que Aletti
se refere não é o crer religioso, mas o crer psíquico.
Penso que o problema de Pargament surgiu, quase inevitavelmente, da população
estudada, a saber: norte-americanos ligados à cultura moderna do cristianismo. Em parte
reagindo à delimitação dessa cultura e em parte suspeitando de um enquadramento mais
amplo possível para sua questão, Pargament se refere ao conceito de sagrado como capaz
de explicar a singularidade do enfrentamento religioso (Pargament, 1990, 1996). Seria o
sagrado que faria a procura religiosa da significância, isto é, do sentido e da relevância,
peculiar e potencialmente tão poderosa? Se a pessoa, em outras palavras, consegue dar ao
evento que a aflige uma significação e uma importância garantidas pelo sagrado, ela
certamente haure um sentido novo e uma força sobre-humana.
Em parte podemos reconhecer tal explicação como boa. Pargament (1996),
entretanto, parece atribuir ao sagrado características de ordens diversas: fim em si
mesmo, ligação com os antepassados, mistério, esperança, finitude, entrega, propósito
divino, redenção. Algumas dessas características são propriamente sagradas, outras são
religiosas, de fato cristãs. A ligação com os antepassados, o mistério que envolve o
sofrimento e a finitude e um fim não subordinado a finalidades psicológicas ou sociais são
qualificações do sagrado que se pode descrever como o domínio transicional entre o
mundo profano e o Deus da religião (Vergote, 1974, 1997). Mas propósito divino, redenção
e, nesse contexto, esperança parecem claramente qualificações religiosas, que apontam
para o Deus cristão. Enquanto, pois, Pargament situa-se no terreno do sagrado, acredito
que ele permaneça no território do empírico, do natural, embora de grande profundidade,
que a Psicologia como ciência pode alcançar (Vergote, 1997).
Certamente, as pessoas cujo enfrentamento “religioso” tem a natureza de um
enfrentamento “sagrado” mobilizam cognições, motivações, pulsões que dispõem uma

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nova configuração da existência e podem atingir, mediante o sistema imunológico, a faixa


do biológico no homem. Penso que as religiões naturais e, até certo ponto, as religiões da
palavra embutidas num sistema de pré-modernidade ensejam o recurso ao sagrado e
podem, por isso, ser objeto de um juízo psicológico, inclusive quanto a sua eficácia
singular. O enfrentamento propriamente religioso, ao contrário, penso que escape do
alcance do olhar psicológico. O juízo da eficácia desse enfrentamento será da alçada de
quem administra a realidade religiosa como tal.
Subjacente a essa discussão está, naturalmente, a conceituação de sagrado, profano
e religioso (Paiva, 1998b; Paiva et al., 2004). Sagrado não apenas se contrapõe a profano,
desde a definição de Durkheim (Durkheim, 1960/1912; Eliade, s/d), mas também a
religioso. Pode-se dizer, em substância, que o sagrado, como substantivo, designa
“realidades que representam valores essenciais e ideais, das quais o homem se vê
beneficiário e garante”. Essas realidades “comportam o interdito de transgressão, porque
sua violação destruiria o próprio sentido de existência solidário desses valores” (Vergote,
1974).
Essas realidades são percebidas como inerentes ao mundo e reveladoras de um
mistério (Vergote, 1997). Em comparação, por meio do diferencial semântico com o Deus
cristão, o sagrado é percebido na dimensão de profundidade, ao passo que Deus é
percebido tanto na dimensão de profundidade como na de altura. Associações com
profundidade são, por exemplo, “tocar no que temos de mais pessoal, íntimo, secreto;
revelar ao homem seu valor único; invadir todo o ser; ser encontrado quando o homem
entra em si; fazer aceder à autenticidade, fonte e origem; dar seriedade e peso às coisas;
enraizar-se nas forças vitais; mistério”. Associações com altura são, entre outras, ligações
positivas com “força, excesso, potência, soberania, majestade, dominação, sublimidade,
fascínio, glória, admiração” (Vergote, 1997).
Percebe-se, pois, o sagrado como realidade essencialmente humana mas aberta, o
que lhe dá o caráter de “domínio transicional” (Vergote, 1974) para o religioso, percebido
como transcendente à realidade humana. Com base nesse entendimento, foi possível
atribuir ao sagrado de Pargament não só grande profundidade psicológica e
transicionalidade para o religioso como o status de objeto da ciência psicológica. Esse
mesmo entendimento, todavia, levou a manter fora do alcance da Psicologia certas
características por Pargament atribuídas ao sagrado, que se revelaram características
propriamente religiosas. A questão da eficácia do enfrentamento religioso da doença é
deslindada segundo essas orientações conceituais.
Tanto teórica como profissionalmente a não distinção entre religioso, sagrado e
profano tem conduzido a mal-entendidos. Tem-se colocado a religião sob a Psicologia ou a
Psicologia sob a religião, de alguma forma à revelia da consciência moderna. Há religiosos

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que enxergam o pecado na raiz de toda doença e, como religiosos, habilitam-se a atender
dinâmicas psicológicas. Há psicólogos que não reconhecem autonomia à religião, e
identificam o religioso com o psíquico, freqüentemente patológico. E felizmente há os que
fazem as distinções, adquirem as respectivas competências ou respeitam em outrem a
competência que não possuem, na Psicologia ou na religião. Dessa última forma, será
possível aos religiosos continuar usando os recursos do enfrentamento religioso, aos
religiosos e aos não religiosos usar os recursos do enfrentamento sagrado, aos teólogos e
pastores discriminar a adequação do comportamento religioso e aos psicólogos ajuizar da
adequação psíquica do comportamento, religioso ou não.

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7- CONCLUSÃO
A psicologia da religião trata das questões íntimas que ocorrem na vida religiosa da
pessoa. Isto não quer dizer que não se preocupe, também, com os relacionamentos
interpessoais, pois não há pessoa normal que viva completamente isolada dos outros e
esse contato traz suas vantagens e desvantagens para cada uma. No primeiro tópico,
então, foram tratados os temas da psicologia da religião como o símbolo, Deus e religião,
destacando-se o Cristianismo. Abordaram-se as implicações do subjetivo e do objetivo, da
percepção religiosa, da relação entre psicólogo e teólogo, da importância da religião na
vida da pessoa. Finalizando, foram feitas pinceladas na história bíblica e na redenção
oferecida por Deus, através de Jesus Cristo, enfatizando seu significado para a psique da
pessoa.
O tópico segundo versou sobre a aquisição do conhecimento religioso em suas
formas mais complexas, como: apropriação psíquica, relações de comportamento,
experiência e vivência de revelação. Aprendemos que há fatores que prejudicam e fatores
que favorecem a apropriação psíquica do conteúdo religioso. Destacamos alguns aspectos:
o relacionamento da pessoa com o ambiente pode ser objetivo e pessoal; influencia nas
opiniões e nas formas de conduta; o meio pode ser corretivo sobre o conjunto do
pensamento religioso e pode atuar sobre o convencimento ou firmeza da crença; a
experiência religiosa supera as demais, pois inclui o contato com Deus e com a realidade
psíquica interior; o mundo vivencial e o religioso são correspondentes entre si; os não
crentes são mais influenciáveis religiosamente por vivências perturbadoras que pelas
favoráveis. Foram mencionadas as vivências de revelação de Moisés (sarça ardente), Paulo
(caminho de Damasco), Jacó (escada no sonho) e Jesus (batismo).

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

BAKER, Mark W. Jesus, O Maior Psicólogo Que Já Existiu. Rio de Janeiro:


Editora Sextante, 2001.

ROSA, Merval. Psicologia da Religião. 3ª Edição. Rio de Janeiro. Junta de


Educação Religiosa e Publicações, 1979.

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