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DISCIPLINA.
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
(Organizado pelo Setor Acadêmico do ITL)
BRASIL, MA
Versão 2021
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
AULA
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possam oferecer uma primeira visão global do assunto”, de modo que lamentam “a
ausência de livros de referência ao cada vez mais complexo campo de estudos psicológicos
sobre a religião”. Diferente de outros países, nas livrarias brasileiras “os livros de psicologia
científica são raros, ou, para ser mais exato, inexistentes”, ao passo que os livros de “ajuda
psico-religiosa” são abundantes.
A tradução de obras significativas é uma das tarefas que a Psicologia da Religião no
Brasil ainda deve realizar. Observa também o mesmo Edênio Valle que, ainda que cresça “a
cada ano o número de livros, teses e monografias científicas sobre a Psicologia da Religião
[...] não se pode esquecer de que existe, ao mesmo tempo, uma copiosa bibliografia de má
qualidade *...+ *que pode+ induzir em imprecisões e erros do que seja nossa disciplina”. No
entanto, ele identifica razões de otimismo, sendo a principal delas os Seminários
“Psicologia e Senso Religioso”, que ocorrem desde 1997, a cada dois anos, organizados
pelo grupo de trabalho “Religião e Psicologia” da Associação Nacional dos Programas de
Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia – ANPPEP.
Marco iniciador da Psicologia da Religião no Brasil é um artigo de Benkö, do ano de
1956, Um ensaio de exame psicológico de seminaristas, publicado na Revista de Psicologia
Normal e Patológica, n. 2. Um levantamento dos primeiros cinquenta anos da disciplina no
Brasil mostra que desde a primeira publicação teve sempre um número ascendente (com
exceção da década de 70, e principalmente na década de 90 e no primeiro quinquênio dos
anos 2000) de trabalhos da disciplina, com multiplicidade de temas, embora com
predominância de temática conceitual, com “o emprego progressivamente mais
disciplinado das teorias psicológicas” e “crescente rigor metodológico das pesquisas
publicadas”. Os primeiros livros publicados no Brasil por autores brasileiros foram de
Benkö, em 1981, e de Merval Rosa, em 1969. Em 1964, a Associação de Seminários
Teológicos Evangélicos (ASTE) já havia publicado “Psicologia da Religião”, do
estadunidense Paul E. Johnson. Os autores destes primeiros livros estavam todos eles
ligados à confessionalidade cristã: Benkö era sacerdote católico e Merval Rosa, pastor
batista.
O surgimento da Psicologia da Religião no Brasil teve influência europeia. Na década
de 50, em São Paulo, o médico italiano Enzo Azzi, PUC-SP, confiou, na mesma universidade,
um departamento de Psicologia da Religião ao psicólogo holandês Theodorus van Kolck,
influenciada pela Universidade Católica de Lovaina e com menor influência da
Universidade Católica de Milão. Também em São Paulo, e no mesmo período, a Associação
de Psicologia Religiosa foi criada reunindo psicólogos, médicos, antropólogos e sacerdotes,
também sob a direção de Theodorus van Kolck. Antonius Benkö, sacerdote húngaro, no Rio
de Janeiro, em meados da década de 1950, realizou as primeiras pesquisas empíricas em
Psicologia de Religião na PUC-RJ.
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existenciais dessas práticas”. Para Paiva (1998), “o objeto religioso torna-se possível
quando aceito como dado. O estudo científico desse objeto parece exigir,
epistemologicamente, o reconhecimento da competência de outras instâncias, anteriores
e exteriores à ciência, para falar o transcendente”. Entre estas instâncias estão a cultura e
o grupo social.
Edênio Valle (2008) afirma que “na psicologia da religião estão presentes todas as
tendências existentes na ciência psicológica”. Nós apresentaremos, a seguir, as teorias
clássicas que nortearam a Psicologia da Religião. Mais à frente, faremos o mesmo quanto
às teorias contemporâneas.
Num extremo, “a experiência religiosa é uma neurose, segundo Freud, e, no outro
extremo, ela pode ser um aspecto saudável da busca de sentido, de acordo com Frankl”.
Conforme Edênio Valle (2008), “os psicólogos norte-americanos tendem a assumir
posições de cunho experimentalista, preocupando-se prioritariamente em definir as
condições da observação e em discriminar os estímulos e reações comportamentais
religiosas a serem mensuradas”.
A Psicologia Experimental considera o comportamento como o único elemento
quantificável do ser humano. K. Girgensohn realizou o primeiro estudo experimental da
Psicologia da Religião. Os behavioristas, no entanto, não tiveram especial interesse pelo
comportamento religioso, suas pesquisas nesta área ocorreram em paralelo a outras
pesquisas que realizavam. Podemos destacar, entre os que abordaram o tema da religião:
Sargant, Skinner, Stark e Glock.
Sargant aplicou os experimentos de Pavlov à questão religiosa e observou o efeito do
ritmo e da dança nos rituais religiosos, propiciando controle do líder carismático no
colapso emocional dos participantes. Skinner observou instituições sociais do
comportamento, evidenciando a religião como um reforçador/inibidor de atitudes por
meio das promessas de prêmios ou ameaças de punições eternas. Os norte-americanos
Stark e Glock foram alguns dos raros behavioristas que se ativeram ao fato religioso. Stark
e Glock estudaram a natureza do compromisso religioso e sua consequência psicológica e
social. Embora não tenha realizado grandes estudos na Psicologia da Religião, o
Behaviorismo apresentou a ela a precisão de seu método de análises estatísticas.
Estudos que elegeram a abordagem fisiológica da Psicologia consideraram a
variação hormonal, de humor e emocional relacionada à religiosidade, possibilitando
melhor entendimento dos processos neuropsicológicos relacionados ao comportamento
religioso.
Os psicólogos que se agrupam sobre essas teorias, também rotulados pela etiqueta
de ‘existencial’, tendem a ser introspeccionistas e fenomenológicos. O objetivo dos autores
humanistas é escapar às escalas muito comuns aos psicólogos norte-americanos e também
do discurso difuso da psicanálise clássica, considerada redutiva. Considera esse grupo de
autores que a experiência religiosa aparece sob variadas vestes, “uma unitas multiplex,
que não pode ser atingida em si, dada sua radical originalidade experiencial”.
No contexto da segunda metade do século XX, marcada pelos horrores das grandes
guerras, desenvolvem-se as abordagens da Psicologia Humanista, começando com
psicólogos norte-americanos cuja preocupação era o desenvolvimento humano, qualidade
de vida, saúde e maturidade. Representantes da Psicologia Humanista são Maslow,
Golstein, Rogers, Fromm, Horney, Erikson. Como princípio, a abordagem humanista
entendia que a Psicologia deveria ser exercida centrada na pessoa e em sua experiência
fenomenológica, com foco na objetividade na seleção de questões a serem trabalhadas
com vistas à melhoria da sociedade pelo desenvolvimento da dignidade e do valor
humano.
Maslow, com formação behaviorista, mais influências da Psicanálise e da Gestalt,
afirmou por seus estudos que os valores desenvolvidos pela religião dão sentido à vida, por
isso, as religiões poderiam funcionar como instituições sociais promotoras do bem-estar e
felicidade humana. G. W. Allport, um dos nomes mais significativos da Psicologia no século
XX, tipificou os aspectos do comportamento humano em adaptativo (aquilo que faz) ou
expressivo (aquilo que comunica no que faz); para ele, o ser humano expressa o que é em
tudo o que faz. Allport estudou o significado da religião na existência humana e concluiu
que a experiência religiosa pode ser madura e saudável ou dependente, imatura e
alienada, conforme o tipo de religiosidade que o sujeito apresenta.
Allport nos legou um novo caminho no estudo da personalidade e da conduta
humana; embora tenha se dedicado à prática terapêutica no início de carreira, ele foi antes
de mais nada cientista e pesquisador, cuja marca registrada foi a preocupação com uma
visão integral da personalidade e do comportamento. Convencido de que a ciência se
constrói sempre sobre pressupostos epistemológicos e filosóficos, dedicou-se em
aprofundar as correlações entre filosofia e psicologia, sabendo, contudo, que as relações
entre as duas não pode ser entendida como a aplicação mecânica do aparato deste ou
daquele sistema filosófico à Psicologia. É necessário respeitar a autonomia de cada uma
das duas disciplinas.
Para a psicologia de Allport, “as formas de religiosidade individual subjetiva se
apresentam sob infinitas formas e desenhos que não são colhidas psicologicamente por
crivos orientados em sentido único, causal ou não, nem podem ser definidas a partir de
credos, normas e padrões institucionalizados”. Nesta perspectiva, o psicólogo deve passar
da observação do que é externo no comportamento para chegar às motivações que estão
por trás das condutas religiosas. Também é famosa a distinção que Allport faz de
religiosidade extrínseca e intrínseca. Para ele, por religiosidade intrínseca entende-se a
experiência de “um valor supremo, de próprio direito, é um sentimento que flui da vida
como um todo, com suas motivações e seu sentido”, já a religiosidade extrínseca “é
estritamente de utilidade para o self enquanto lhe oferece garantia de segurança, posição
social, consolação e endosso do caminho de vida que a pessoa já escolheu”.
Nascido em Frankfurt, em 1900, Erich Fromm fazia parte de uma família bastante
religiosa, sendo que muitos familiares chegaram a ser rabinos, ofício que chegou a
considerar exercer. No final da década de 20, quando deu início a seus estudos
psicanalíticos no Instituto de Psicanálise de Berlim, abandonou sua formação judia
ortodoxa. Fromm se empenhou por entender porque o ser humano assume atitudes
irracionais, como nas grandes guerras do século XX. Ele via a religião como um elemento
natural da existência humana, mas admitia que nem todas religiões contribuem para o
bem-estar do homem.
Há religiões que cobram uma fé cega e não aceitam questionamentos, ao passo que a
religião humanista estimula o aprimoramento humano, fazendo o ser humano conhecer a
si, ao outro e ao seu lugar na natureza. Também distingue fé racional e fé irracional,
enquanto aquela é equilibrada e estimula cada um a encontrar o melhor caminho para si, a
segunda é agressiva e desvairada. Contudo, o ser humano não prescinde da fé, apenas
escolhe seguir uma fé racional ou desvairada. Parte das reflexões de Erich Fromm giram
em torno do tema da liberdade humana. O ser humano, dentre todos os seres, é o único
que tem consciência de sua existência, condição que desencadeia necessidades humanas
específicas, como: amor, segurança e sentido. É justamente nas tensões existenciais que a
religião encontra lugar de resposta ao sentido último da vida.
Erikson também atuou no campo da psicanálise. Tinha grande interesse em
compreender a dinâmica da adolescência e em produzir biografias de pessoas religiosas, o
que teria contribuído para sua perspectiva de que a vida é um processo dinâmico, de
maneira que o desenvolvimento humano não fica restrito à infância e adolescência. Para
Erikson, a tensão do desenvolvimento resulta no caráter do indivíduo: as dificuldades, uma
vez superadas, geram esperança, força, propósito, capacidade, amor, sabedoria. Se, para
Erikson, a fé pode ser vulnerável a patologias, também acredita ele que pode a fé levar a
pessoa ao amadurecimento.
Para essa perspectiva da Psicologia, a maioria das pessoas procura o sentido para a
vida não numa relação de estímulos e respostas, mas no encadeamento de suas
experiências de vida. Narração supõe ouvinte, que é o próprio narrador que dialoga
consigo mesmo buscando entender melhor a vida.
Faz parte da Psicologia Narrativa, no âmbito da Psicologia da Religião, o sueco
Hjalmar Sundén, para quem a experiência religiosa pode ser entendida com os conceitos
de quadro de referência e de papel, que pode ser papel assumido (o que o sujeito
desempenha) e papel adotado (o papel do outro, em relação ao qual o sujeito assume seu
próprio papel). As várias tradições religiosas estão carregadas de narrativas em que
pessoas e deuses interagem.
No campo religioso, Deus assume o papel de Deus, e o ser humano assume o papel
de ser humano que interage com Deus, crendo que Deus agirá com ele como agiu na
narrativa com o personagem com quem se relacionou. As narrativas religiosas funcionam
como quadro de referência. Van der Lans, da Universidade de Nijmegen, questiona-se
como é possível deslocar o quadro de referência profano, continuamente confirmado na
interação social cotidiana, e induzir um quadro de referência religioso. Para ele,
inadequado para dar conta das estimulações recebidas, o quadro profano pode ceder o
passo ao esquema religioso. Sugere Van der Lans que é característica de uma religião
Proposta por Serge Moscovici, esta teoria visa entender os valores, ideias e práticas
que orientam as pessoas em seu mundo social e material, possibilitando tanto controlar
esse mundo quanto estabelecer comunicação umas com as outras, através de um código
de nomeação e classificação desse mundo, e de sua própria história individual e grupal.
As representações sociais são um processo psicossocial que torna, por meio da
conversação, o estranho familiar e torna concreto o abstrato. Processo que consiste das
operações de ancoragem e objetivação. No processo de ancoragem, novos conteúdos são
assimilados em parte aos já conhecidos; no processo de objetivação, conteúdos abstratos
convertem-se em algo concreto e sensível: ícones, imagens, posições corporais.
A religião é um fenômeno psicossocial compartilhado por pessoas e grupos de vários
tamanhos. Se valores e doutrinas às vezes apresentam alto grau de abstração e elaboração
teológica, a religião vivida é concreta, imagética, icônica, ritual. Essa concretização material
e corporal corresponde ao processo de objetivação. Ao mesmo tempo, todo o conteúdo
doutrinal e a atitude dele decorrente passam a tomar parte na vida cotidiana da pessoa, à
qual são assimilados.
Belzen entende a teoria do self dialógico como uma promessa da Psicologia Cultural
para a Psicologia da Religião. A teoria do self dialógico entende a pessoa não como uma
unidade, mas como uma multiplicidade de posições do Eu, relativamente autônomas, em
um espaço de mundos contemporâneos, passados e futuros, reais e imaginados,
individuais e sociais. A Psicologia Cultural considera que, se uma pessoa é religiosa, está
imbuída de histórias de deuses, espíritos e santos, com as quais poderá ou não interagir.
AULA
03
3- PSICOLOGIA, RELIGIÃO E
CRISTIANISMO
O que é a verdade? “Quid est veritas”? Todas as filosofias têm procurado a resposta
a esta pergunta fundamental para a religiosidade humana. As pessoas têm apresentado a
sua verdade em contraposição àquilo que consideram falsidade; cada uma possui a sua
verdade em matéria de religião. Por isso se diz que religião não se discute. A alternativa
verdade-falsidade é uma das medidas mais primordiais e da qual o ser humano não pode
prescindir nem tampouco a consegue definir.
Outro conceito difícil de definir, mas que importa para a discussão da religiosidade, é
a realidade. O que é real? O que é ilusório? As descobertas científicas têm trazido a lume
algumas realidades. Entretanto, quando são feitas novas descobertas, aquelas já se consi-
deram apenas aparências e não realidade. Hoje não existem respostas científicas
absolutas, pois os cientistas sempre estão descobrindo novas realidades.
Os psicólogos, por sua vez, confrontam-se com outro problema: subjetividade ou
objetividade? Subjetivo seria aquilo que é diretamente vivido e que está, de certo modo,
confinado à própria pessoa. Objetivo seria tudo aquilo que pode ser comprovado e
observado também por outras pessoas. Nem sempre os fatos objetivos interferem do
mesmo modo na vida das pessoas, pois cada uma reage de certa forma aos mesmos fatos;
daí o subjetivo. Em matéria de percepção, todos concordam que varia conforme a
luminosidade, as substâncias, o ângulo da observação, de modo que cada pessoa pode
perceber a realidade de determinada forma.
Por isso, a Psicologia se limita a estabelecer em que condições e de acordo com que
relações ocorrem um determinado fato psíquico, mas não pode estabelecer se tal fato
ocorre ou não realmente: a percepção do movimento ou da causalidade pode ocorrer com
movimentos e relações causais tanto reais quanto aparentes. Um sonho se distingue da
realidade, mas apenas quando estamos acordados, pois quando estamos dormindo, o
sonho parece realidade.
O comportamento emotivo é muito importante para valorizarmos uma situação, pois
podemos nos comportar levados pelos sentimentos e não pela realidade em si. Jung
afirmou que a realidade é tudo aquilo que atua: “es ist wirklich, was wirkt”. O que está
carregado de significado emotivo isso é o real. Daí, o psicólogo não poder afirmar se há ou
não uma realidade distinta da realidade psíquica; ele se limita a estabelecer como se
constrói o real na realidade psíquica. Isso marca os limites das possibilidades do psicólogo
como estudioso dos fatos psíquicos.
Numa visão holística (= da totalidade) ampla se diz tudo a respeito de tudo. De fato, a
mesma realidade pode ser analisada por diferentes pontos de vista, inclusive pelas várias
ciências.
Mesmo assim, nenhuma ciência está tão próxima da Religião quanto a Psicologia. De
fato, nada é mais humano do que a vivência religiosa. A história da humanidade confunde-
se com a história das religiões, nas quais já o homem primitivo ia buscar razões para a
explicação de sua vida. Não consta, na história da civilização, a existência de um único
povo que não tivesse sua religião. Existe, pois, no ser humano um instinto de procura da
divindade, assim como uma obra de arte não assinada parece estar, eternamente, à
procura de seu realizador. Nós somos uma obra de arte assinada, só que temos uma
natural dificuldade de identificar a assinatura do escultor.
Esse instinto de procura da divindade é como um elo escondido na alma de todo ser
humano, um traço que se iniciou com a criação do primeiro homem, que, conservando o
calor do toque da mão de Deus, se perpetua como faísca na alma de todo ser humano à
procura de suas origens divinas. A existência universal de religiões, no tempo e no espaço,
reflete uma necessidade básica, intrínseca do homem, de responder e explicar anseios
internos, complexos, como ansiedade, medo e culpa diante do sentido do mundo, da vida
e do outro. Não são esses sentimentos, entretanto, que criaram as religiões ou a idéia de
Deus, presente na estrutura mental e humana de toda pessoa que termina por criar esses
sentimentos, diante da impossibilidade do homem ter acesso direto e claro à divindade.
Daí, talvez, uma explicação radical para a existência de rituais religiosos de sacrifícios
humanos, como dádiva suprema do homem a Deus, como forma desesperada, ou até
ritualisticamente aprovada, de aplacar ou agradar a divindade por não saber ou poder
atingi-la.
O sacrifício humano é uma forma brutal de veneração e de adoração; mas, segundo
algumas culturas, talvez a única capaz de devolver a Deus o dom da vida e de suplicar a ele
a continuação dessa mesma dádiva.
O homem é naturalmente religioso; traz nele a marca, o selo da propriedade divina.
No estágio atual da evolução do cosmos, o homem é o mais belo exemplar da arte divina.
Os chamados grandes ateus da humanidade - Freud, Marx, Nietzsche e Sartre entre outros
- de tanto negá-lo ou de tanto não prestar atenção a Ele, mas prestar extrema atenção a si
mesmos, terminaram por encontrar, em si mesmos, rastros da criação divina.
É nesse contexto que se insere a Psicologia: psicologia, etimologicamente “estudo da
alma”, como a ciência do invisível que habita o coração humano.
Como pode a Psicologia fingir que as angústias do coração humano, ao procurar seu
sentido último, sua liberdade e seu destino, não lhe dizem respeito?
Psicologia é a ciência que estuda o fenômeno humano na sua plena e dinâmica
relação pessoa-mundo. A ela interessa, por natureza, o pensar, o sentir, o fazer e a
linguagem humana. Como estudo da alma humana nas suas mais complexas
manifestações (ligações e coligações, sejam de ordem física, biológica, emocional, social,
através da vivência do sagrado; e nasce também de uma relação com o mundo humano e
material, na procura de uma harmonia interna que obedece a uma tendência natural para
a totalidade.
Assim, se olharmos Deus como Causa Primeira, Ele é o princípio que torna o mundo
possível; e se O olharmos como um Bem, Ele é fonte e garantia de tudo que existe de bom
e maravilhoso no mundo e no homem.
Podemos ver a relação de Deus com o mundo de quatro modos, que importam em
quatro concepções de Deus:
A. Deus e o Mundo. Deus pode ser considerado como criador da ordem do mundo (=
um intelecto), ou como Natureza do mundo (que seria seu prolongamento), ou como o
“transcendente” que criou o mundo mas é distinto dele.
B. Deus e a Moral. Deus pode ser considerado como Garante da ordem moral (se
não existisse Deus, não haveria moral), ou a Providência que guia o mundo e os homens,
ou a Causa Livre da ordem moral, que respeita a liberdade humana.
em cima, com a chuva que, aparentemente, ninguém sabe de onde vem, com os frutos
que nascem de plantas que aparentemente não são a sua causa, com a barriga da mulher
que vai crescendo e, depois, um dia, sai, de dentro dela, um novo ser, e, assim, ao infinito,
e é, daí que nasce o mistério, o imperscrutável. O homem não consegue conviver com essa
infinitude de informações sem poder explicá-la; ele não agüenta toda essa majestade que
o cerca; daí ele encontra Alguém em quem todas as explicações se encontram e que, pela
sua grandeza e majestade, torna-se, ele mesmo, misterioso. Eis o campo do religioso, do
espiritual, do sagrado.
A inteligência humana é feita para descobrir e lidar com a verdade. Ela passa da
complexidade de mil mistérios, dentro da qual ela se sente impotente, para a síntese de
um único mistério: mistério que produz, ele mesmo, no homem, o instinto do divino. O
homem não inventa Deus, ele descobre Deus.
Esses processo de busca de Deus consome a alma do homem, mesmo daqueles que,
por mil razões, dizem não crer na sua existência. Não é o fato de alguém não crer em algo
que esse algo deixa de existir; como, também, não é o fato de alguém crer ou explicitar
algo que esse algo passa a existir. A experiência religiosa está no cerne da experiência
humana, na sua alma: e a Psicologia torna-se o lugar desse encontro homem-espiritual,
homem-sagrado-mundo.
Mas também invoca Deus aquele que abomina este nome e crê estar sem Deus,
quando invoca com o impulso de todo o seu ser o Tu de sua vida (BUBER, 2003).
A Psicologia, em algumas escolas, tem vivido um longo e calculado silêncio no que diz
respeito à espiritualidade e à religião. Esta atitude corresponde ao mecanismo de defesa
de racionalização: nego aquilo com que não posso lidar.
“Na medida em que o espírito voltado sobre si renuncia a este sentido, ele é obrigado
a colocar no homem aquilo que não é o homem; ele é obrigado a reduzir o mundo e Deus
a um estado de alma. Esta é a ilusão psíquica do espírito” (BUBER, 2003).
É a própria impotência existencial do homem que o leva a pensar e a sentir que ele
não pode ser o todo poderoso, o único, o que dá sentido às coisas, e essa percepção o
levou a se encontrar com Deus, como o absoluto real, o que dá sentido a ele e a todas as
coisas.
Tudo, no universo, o convida a perceber que ele é apenas uma mínima parte desse
concerto cósmico que o rodeia e, ouvindo essa mágica música, entendeu que não era ele
o compositor. Foi, então, procurar, além, o compositor e grande maestro que rege, com
infinita maestria, a ópera da universalidade.
Muitos psicólogos têm visto a religião como expressão de uma vivência sem
fundamento, mistura de fé e de magia, algo substitutivo do esforço pessoal para a auto-
É nesse contexto que a Psicologia encontra seu verdadeiro campo de ação como
ciência do comportamento humano. É pelo pensar, do sentir, do fazer e da linguagem que
o homem se plenifica, isto é, que pode chegar ao máximo de si mesmo; e é, também, pela
perda da conexão entre esses quatro sistemas que ele se perde de si mesmo e do mundo.
O mundo das representações é, ao mesmo tempo, o mundo do humano e da
espiritualidade. É na junção desses dois mundos que ele se descobre como ele mesmo,
como tendo um sentido único, último, não delegável. Se ele perde essa conexão ou se ele
se perde nessa conexão, ele se perde de si mesmo. Sua identidade individual se faz por
meio de uma conexão do processo de socialização e de uma vivência consciente da
realidade, introjetada por suas representações. Isso gera uma cosmovisão, um paradigma
comportamental, pelo qual a pessoa se localiza no mundo. E, dentro dessa cosmovisão, o
conceito de sagrado e de religião ocupa os pilares constitutivos do edifício humano.
A grande função da Psicologia é penetrar no mundo da sensibilidade humana,
penetra no mistério de suas incertezas e da sua angústia, companheira milenar da
caminhada pela busca do que significa viver, ser homem, ou mulher.
De outro lado, na trilha de Santo Agostinho que entende que religião vem de religar,
penetramos no mundo da interdependência, em que nada é solitário, muito menos o
homem.
Assim, quando tentamos entender religião enquanto um reler, entramos na busca de
sua origem, da validade intrínseca da religião; e, quando vemos a religião como religar,
entramos no campo da função, da funcionalidade da religião enquanto prática que garante
a salvação do homem. Atrás do batismo numa igreja cristã, do rolo da Torá numa
sinagoga dos judeus, ou de peregrinos reunidos diante da Caaba em Meca o que há de
comum?
Com certeza há a idéia do sagrado. Todos esses momentos são gestos sagrados e é o
sagrado que, separando-se do profano, religa a criatura ao seu Criador, garantindo a
salvação sobrenatural.
“O sagrado é o inteiramente outro, ou seja, aquilo que é totalmente diferente de
tudo o mais e que, portanto não pode ser descrito em termos comuns...É uma força que,
por um lado, engendra um sentimento de grande espanto, quase temor, mas que, por
outro lado, tem um poder de atração, ao qual é difícil resistir” (HELLERN, V.; NOTAKGR, H.;
GAARDER, J. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2002).
Quando falamos em religião, enquanto uma releitura do mundo, Deus aparece a
posteriori, depois das coisas, depois do homem-mundo. Quando, porém, falamos de
religião enquanto uma religação homem-Deus, estamos falando de um Deus a priori, como
ponto de partida, do qual nascem as esperanças e para o qual caminham todas as coisas,
um Deus que prometeu ser fiel aos que a ele fossem fiéis.
Nessa concepção, o homem tenta “comercializar‟ com Deus seu processo de salvação
pessoal. De algum modo, ele não duvida que, se seus rituais forem feitos adequadamente,
o efeito, por uma questão lógica, se seguirá. Ele acredita, ou espera, que Deus, embora
livre absolutamente, lhe dará uma mão, se ele, homem, fizer sua parte. Se ele não
consegue, tende a dizer que foi porque não fez o que devia, preferindo culpar-se a culpar
Deus de não ter querido ouvi-lo, atendê-lo. Há muitos tipos de gestos ritualísticos pelos
quais ele espera agradar a Deus e receber as graças de que tanto espera, sobretudo a
salvação. Eis alguns: oferenda, sacrifício de purificação, oração, ritos de passagem, jejum,
sacrifício de expiação, serviço divino (Eucaristia, Santa Ceia), serviço social (visita aos
pobres, aos presos; esmolas)...
De uma maneira mais didática essas práticas religiosas podem ser vistas sob dois
aspectos: garantia de salvação e referência às relações humanas.
No primeiro aspecto, a religião oferece ao homem:
1. a garantia de libertá-lo do mundo, considerado um mal;
2. a certeza infalível que ela representa a verdade.
E, no segundo aspecto a religião oferece a garantia de que, ao vivê-la, o homem
pratica os verdadeiros valores morais que regulam a ordem na vida social.
Abbagnano (2000), define Psicologia como disciplina que tem como objeto a alma, a
consciência ou eventos característicos da vida animal e humana, nas várias formas de
caracterização de tais eventos com o fim de determinar sua natureza específica (p. 809).
Vejamos os elementos que compõem essa definição.
A Psicologia tem por objeto:
1. Estudar a alma;
2. Estudar a consciência;
3. Os eventos característicos da vida animal e humana;
4. As várias formas de caracterização de tais eventos;
5. Determinar sua natureza específica.
Trata-se, pois, de Psicologia enquanto estudo da totalidade do ser humano, sem
dicotomizar, sem atomizar as experiências humanas e espirituais, que são o cotidiano de
todas as pessoas.
E uma psicologia que estuda o ser, como uma totalidade dinâmica, eternamente em
processo, não se amedronta diante da idéia de Deus, do sagrado, da espiritualidade, da
religião, até porque são esses processos que constituem a identidade individual e social do
homem e da comunidade.
Se as religiões pertencem, milenarmente, ao inconsciente coletivo da humanidade, se
muitos povos construíram sua identidade a partir de suas crenças religiosas, se a
experiência humana de angústia, medo, temor, assombro, assombro, bem como a vivência
do sentido do destino, da inevitabilidade da morte e a incerteza do além sempre fizeram
com que o homem, por meio de cultos e rituais, aplacasse e agradasse a divindade, por
que a psicologia pode ou precisa passar ao largo da idéia de Deus e, conseqüentemente,
de religião como se nada disso tivesse a ver com o homem?
Encontramos, em ABBAGNANO (2000) a indicação de seis correntes fundamentais da
Psicologia:
1. Psicologia Racional: estuda a alma de forma racional, a partir de princípios
filosóficos e não de forma empírica, a partir dos fatos. Foi usada por Christian
Wolff (1679-1754).
2. Psicologia Psicofísica: é o psicológico atingindo o físico. Por exemplo, um trauma,
uma tensão, atingem o físico (como cegueira, paralisia, perda de fala); ou as
respostas galvânicas da pele (arrepio) provocam um mal-estar psicológico. Foi
proposta por Fechner (1860).
3. Behaviorismo (= comportamentismo), do termo inglês “behavior”(EUA), ou
“behaviour”(Inglaterra). Em 1913, John B. Watson colocou o comportamento no
lugar dos processos mentais como objeto da psicologia e descartou o método
introspectivo. Para ele, a consciência não podia ser objeto da psicologia. O
método devia ser a observação. Também pôs de lado conceitos como inclinações,
forças, tendências, propósitos etc. O comportamento era considerado como o
conjunto de reações musculares e glandulares de um organismo: a soma total de
respostas a estímulos internos e externos (condições ambientais).
4. Gestaltismo (de “Gestalt” = estrutura, forma). O objetivo desta psicoterapia é o
aqui e o agora em contraste com abordagens voltadas ao passado da pessoa. Foi
proposta por Frederick Perls.
5. Psicologia do Profundo, ou psicanálise. Busca as motivações que não afloram ao
nível da consciência do homem que age, mas que, nem por isso, deixam de influir
em seu comportamento: são as forças inconscientes que determinam o
comportamento humano.
AULA
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4- A SIMBOLOGIA RELIGIOSA
A realidade que nos circunda está intimamente ligada ao símbolo. Conhecemos
determinada fruta e a denominamos de maçã, que é um símbolo para aquela fruta. A
palavra é o representante do objeto; não preciso do objeto para referir-me ao mesmo,
pois existe uma palavra, um símbolo que o representa. Quanto nos referimos à altura,
profundidade, luz, indicamos condições que não existem isoladamente, mas sim em
relação aos objetos; são qualidades abstratas. Essas qualidades abstratas também podem
ser atribuídas a pessoas.
Há diferença entre signo, sinal e símbolo. O signo ou sinal indica a presença de algo,
sem revelar a natureza desse algo. A bandeira indica uma nação, mas, não revela as
características do país; o toque de trombeta indica um acontecimento sem explicar seu
sentido. Para os animais, a compreensão dos signos e sinais é inata ou adquirida. No ser
humano, os sinais podem ser convencionais ou variáveis e, portanto, aprendidos. Quando
aprendemos um idioma, mudamos os sinais, mas mantemos o significado. O sinal apenas
indica o que já conhecemos, seja por capacidade inata seja adquirida. Entre o sinal e o
símbolo corre a linha divisória entre as capacidades dos animais e as capacidades próprias
do ser humano.
O símbolo é menos direto do que o sinal, implicando um valor cognoscível e emotivo
em razão do que simboliza. A linguagem poética e religiosa somente é possível através de
símbolos. Há símbolos convencionais, que variam de cultura para cultura ou interesse para
interesse: o branco para os europeus simboliza a paz; para os chineses, o luto. Segundo
Ernst Cassierer, sinais e símbolos pertencem a dois mundos diferentes: o sinal, ao mundo
físico; o símbolo, ao mundo intelectual. Os sinais, quando são compreendidos e adotados
como tais, têm um tipo de existência física e substancial; os símbolos têm somente um
valor funcional. Assim, o símbolo é um meio de expressão do mito e da alegoria. Por isso
existe a desmitologização do mito, que significa uma interpretação existencial do mesmo.
O simbolismo é importante na vida do ser humano porque, sem ele, apenas restariam
às necessidades físicas e os interesses práticos. Não haveria o mundo ideal apresentado
pela religião, pela arte, pela filosofia ou pela ciência. O simbolismo se torna difícil e
embaraçoso para o psicólogo, primeiro porque pode cair no erro de tratar seus próprios
símbolos como objetos concretos. Por outro lado, a psicologia talvez seja a ciência em que
a heterogeneidade dos símbolos seja mais abundante e complexa. Alguns termos
utilizados em outras áreas de estudo, são utilizados pela psicologia de um modo diferente,
Vieira (2009) demonstra que quando falamos na palavra cruz, logo nos vem à mente
a figura de Cristo, de sua Paixão, de seu sangue, de sua crucificação, entre outros aspectos.
Seriam somente esses conceitos de significados aplicados à cruz?
Do ponto de vista histórico e antropológico não, pois como aponta Vieira (2009), a
cruz é um dos símbolos mais antigos presentes na humanidade, sua história é muito
anterior ao Cristianismo. Lurker (2003) explica que a cruz é um símbolo primordialmente
pagão e que aparece em diversas culturas no mundo, como na cultura dos antigos gregos,
germânicos e até mesmo na cultura pré-colombiana, na qual a cruz era dedicada ao deus
da chuva.
Com essa rápida explanação sobre o quão antigo e histórico é o símbolo da cruz,
podemos inferir que um indivíduo ao se questionar sobre tal símbolo e se for levado a
buscar e a descobrir suas origens, inevitavelmente entrará em contato com a história de
várias culturas distintas. São elas que mostrarão a ele que um símbolo não é estático e
único de uma religião, mas que é dinâmico e culturalmente difundido por diversas
civilizações. Assim, o sujeito entra em contato com a história de suas raízes e de como se
dá a construção do conhecimento, ambos essencialmente importantes para o
conhecimento humano.
inconsciente após observar que milhares de símbolos idênticos uns aos outros se
apresentavam em diversas culturas do mundo, independentemente de seu contexto
geográfico ou histórico. O exemplo da cruz, citado acima, é essencial para a explicação
desse conceito junguiano, pois como observamos, a simbólica da cruz aparece não só no
Cristianismo, mas também na cultura grega, germânica e pré-colombiana, que estão
distantes entre si, e que, possivelmente e principalmente entre os pré-colombianos, não
tiveram nenhum contato ou intercâmbio cultural. Esse e outros exemplos levaram Jung
(2008a) a postular não só a existência de um inconsciente que se expressa através dos
símbolos míticos, mas a existência de um inconsciente coletivo (inerente a todos os seres
humanos) que, a partir de sua linguagem simbólica, independentemente da cultura, da
posição geográfica ou do credo religioso, leva todos os seres humanos a estarem
culturalmente interligados a uma coletividade simbólica trazida pelo inconsciente. Eis
como Jung (2008) interpreta o inconsciente coletivo:
O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um
inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não
sendo, portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído
essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e, no entanto desapareceram da
consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente
coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não foram adquiridos
individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o
inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do
inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. (JUNG, 2008).
Diante dessa explicação, devemos compreender o que Jung (2008) entende por
arquétipo. Tal termo é utilizado, dentro da perspectiva da Psicologia Analítica, para
designar ideias e imagens primordiais que são inatos à psique humana e que, portanto,
fazem parte do inconsciente coletivo que projeta os símbolos frutos das atividades
arquetípicas. Lurker (2003) argumenta que Jung (2008) postulou os arquétipos como parte
da instintualidade humana, ou seja, se os símbolos religiosos são produzidos pelo
inconsciente arquetípico e se os arquétipos, que são os “produtores” destes símbolos, são
parte dos instintos, então os símbolos e as religiões são, segundo Jung (2008),
manifestações típicas da natureza humana.
É verídico que as hipóteses de Jung (2008) geraram muitas polêmicas, discussões e
críticas, mas o que também não mais é negado é que seu trabalho foi e ainda é
fundamental para os estudos dos símbolos e das religiões comparadas, dentro de uma
perspectiva filosófica, histórica e psicológica.
Dentro do círculo da Psicanálise, Freud (2006) também escreveu sobre os símbolos de
um modo geral. Embora Freud (2006a) não tivesse uma visão tão amigável como Jung
(2008) tinha das religiões, o pai da Psicanálise estudou o fenômeno das religiões e dos
símbolos com uma lente mais crítica, sempre embasada em seu positivismo. O Positivismo,
como explica Barbour (2004), rejeita qualquer noção de metafísica, dogmas ou crenças,
desta forma, só é válido, para os positivistas aquele conhecimento que possa ser empírico
e verificável. Freud (2006), assim como Jung (2008), teorizou que grande parte dos
símbolos utilizados pelas religiões e pelas culturas em geral é fruto da atividade do
inconsciente que se manifesta, na maioria das vezes, pelo viés onírico. Embora Freud
(2006) tenha rejeitado totalmente a teoria do inconsciente coletivo, ele aceitou a ideia de
que a simbolização das culturas, sobretudo das religiões, é transmitida no que ele chamou
de “resíduos-arcaicos”, que seriam resíduos que sobrevivem na psique inconsciente desde
os tempos imemoriais e que instigam o ser humano, de modo geral, a agir de uma maneira
semelhante a de seus ancestrais e ao seu grupo, principalmente na criação dos símbolos e
rituais religiosos.
A intenção deste estudo é levar o leitor a uma reflexão sobre o tema dos símbolos, de
sua grande importância, que instigou dois dos maiores nomes do século XX, Freud e Jung, a
estudá-los sob uma óptica científica. Por meio de seus trabalhos, comprovaram que o
estudo da simbologia fornece ao pesquisador uma conexão com os estudos de outras
áreas do saber, como a História, a Antropologia, a Filosofia, as religiões comparadas, entre
outras.
Frazer (1982) também observou nos símbolos uma forte manifestação linguística dos
homens da antiguidade e também que esse aspecto por si só comprova a importância
histórica dos símbolos para a humanidade. Esse renomado antropólogo acredita que seja
difícil separar os mitos dos símbolos uma vez que para ele ambos estão intrinsecamente
interligados. Campbell (2008) não tem dúvidas sobre o valor histórico dos símbolos e
aponta a impressionante forma pela qual as imagens simbólicas, sejam elas em mitos ou
imagens, são transmitidas de uma cultura para outra.
D’Alviella (1995) estudou os símbolos religiosos, não dentro de um contexto
psicológico, mas sim histórico e nos mostra como diversos símbolos foram sendo
transmitidos de cultura para cultura, sempre se adequando ao novo contexto. Esse
estudioso pesquisou, sobretudo, a suástica como símbolo amplamente difundido e
cultuado entre diferentes culturas do mundo antigo.
Embora esses estudiosos tenham planos de pesquisa diferenciados, suas conclusões
coincidem no que se refere ao caráter histórico dos símbolos, ou seja, o fato de que todas
as religiões foram se desenvolvendo mediante a introdução das imagens sacras ou
símbolos. Não há como negar que a chamada “linguagem dos símbolos” tenha se
manifestado em praticamente todas as culturas do globo, primeiramente como símbolos
de culto sagrado, depois passando para símbolos dos estados e das cidades que se
contextualizam fora do âmbito sagrado. Seja como for, os símbolos sobreviveram ao
pesado tempo da história, às diversas transformações sociais e continuaram como
linguagem das religiões e motivos de culto e devoção. Antes de aprofundar sobre os
símbolos nas religiões atuais, é necessário argumentar sobre em que consiste a linguagem
dos símbolos.
Por linguagem, entendemos, segundo Cassirer (2004), como sendo uma
manifestação, seja ela - fonética, artística, simbólica, gestual, entre outras -, entre os seres
viventes, como uma tentativa de comunicação. Assim, como apontado, existem muitos
tipos de linguagem, incluindo a própria linguagem simbólica que, segundo Cassirer (2004),
está intimamente atrelada ao surgimento da linguagem tal qual temos hoje. O estudioso
defende que os mitos, com sua linguagem simbólica, foram as primeiras manifestações de
linguagem em forma fonética que se tem registro. Portanto, seguindo o pensamento desse
autor e de outros, como Campbell (2008) e Eliade (2002), chegamos à conclusão de que
além das características históricas, psicológicas e antropológicas existentes nos símbolos,
há ainda a sua característica linguística.
Cada símbolo é carregado de significados - sempre dependendo do ambiente em que
está inserido - para compreender sua linguagem ou seu real significado, é necessário o
conhecimento da história, seja a história de determinada cultura, crença, ideologia,
teologia, entre outros. Frutiger (2001) acrescenta que, além do conhecimento histórico, o
sujeito deve entender que um símbolo nunca é o que realmente demonstra ser, ou seja,
seu significado está ocultado. Essa definição é um tanto quanto confusa, tentaremos
explicá-la de uma forma mais inteligível. O que a autora deseja explicar é que o símbolo
não é como a linguagem dos sinais, que é distinta dos símbolos. Dessa forma, os sinais
refletem uma linguagem mais objetiva. Por exemplo, ao vermos o sinal de um prato entre
talheres, seremos levados a crer que tal sinal se refere a um restaurante, porém, na
perspectiva da simbologia religiosa tal conceito não se aplica. Um símbolo possui uma
linguagem, se assim podemos dizer mais transcendental, que sempre remete a um outro,
como a cruz remete à Jesus para os cristãos, como o quadrante da terra para os pagãos.
Para explanar o conceito de símbolo como linguagem oculta, utilizemos o exemplo
fornecido por Daniélou (1993), que estudou amplamente os símbolos religiosos dos
cristãos no início da cristandade. Ele nos apresenta alguns símbolos que serviram para
ocultar o culto dos cristãos no início do Cristianismo. Esse ocultamento, segundo o autor,
era necessário, pois -, a grande violência exercida por parte dos pagãos contra o culto
cristão fizera com que a única forma de manter os valores da nova religião fosse
ocultando-os sob símbolos, - o símbolo mais utilizado nessa época foi o peixe, o qual era já
bem conhecido no mundo antigo.
Sendo assim, o peixe, que tem como significado cristão do batismo ou o
renascimento nas águas do Espírito Santo, era colocado em lugares comuns, com o
objetivo de indicar as proximidades de um local para culto “secreto” cristão. O
interessante é que o símbolo do peixe, nessa época, estava transmitindo uma mensagem
oculta, somente conhecida por aqueles que tinham o conhecimento do culto cristão e seu
real significado, sendo que, para a maioria dos pagãos, o símbolo tinha um mero
significado de abundância. O’Connell e Airey (2010) complementam que esse símbolo,
além de um significado simbólico mítico, possuía também um significado fonético, pois, -
peixe em grego é escrito ICHTHUS. Essas letras são as iniciais de “Jesus Cristo, o Filho de
Deus e Salvador”, o que revela um eficaz símbolo secreto para o Cristianismo nascente.
Esse exemplo é importante para ilustrar que os símbolos têm a função de fornecer uma
linguagem oculta, ou seja, de trazer consigo o significado de outro, significado este que
necessita ser decodificado para se compreender seu real sentido. Kast (1997) diz que a
linguagem dos símbolos é composta de no mínimo, dois elementos, em que uma imagem
sempre se apresenta no lugar da outra, desse modo, todo símbolo é uma referência a
outro. Um exemplo simples é a cruz no lugar de Jesus Cristo, no âmbito cristão.
Após essa apresentação e a compreensão de que, de fato, os símbolos ainda
continuam a fazer parte das grandes religiões mundiais e que os mesmos possuem uma
conexão histórica e antropológica, e que portanto não são meras imagens decorativas,
passemos a um novo tópico.
Esta é uma questão que não é difícil de ser respondida, visto que já foram expostas
todas as qualidades que um símbolo possui. Estamos longe de fazer qualquer indagação
metafísica ou sobre a existência ou não de poderes divinos entre outras crenças-; iremos
nos preocupar com a investigação da religião como manifestação típica da humanidade.
Vimos que a antropologia está intimamente ligada às questões simbólicas. É a partir
desse pressuposto antropológico que tentaremos responder à questão apresentada. É
bem provável que o leitor já tenha encontrado a resposta para a pergunta, porém,
acreditamos ser necessária uma revisão para justificar cientificamente o uso da linguagem
dos símbolos religiosos.
Os autores que até agora foram citados, como Campbell (2008), Freud (2006), Jung
(2008b), Eliade (2002) e Frazer (1982), são unânimes ao postular que os símbolos foram,
de modo geral, a marca central para o início da crença religiosa, da linguagem e da cultura.
Bettencourt (2003) demonstra que é praticamente impossível encontrar uma civilização
que não tenha tido um tipo de culto religioso na mais afastada das eras. Os considerados
homens das cavernas, que não possuíam um corpo evoluído, com as características que
hoje temos, já apresentavam sinais de cultos simbólicos mesmo antes da criação da
linguagem fonética. O que o autor está demonstrando é que, acima de tudo, as
características da religiosidade humana são de cunho antropológico e histórico e que a
linguagem simbólica é a mais antiga manifestação de comunicação existente.
É cientificamente impossível saber se tais símbolos eram de cunho somente religioso
ou se já eram tidos como meio de comunicação. Alguns autores postulam que esses
símbolos eram muito mais utilizados como meios de comunicação do que para fins
religiosos, porém, as opiniões são muito divergentes.
Após termos voltado para as características antropológicas da simbologia, que são
tão evidentes, podemos responder à questão com base científica e apontar que a religião
é, de modo geral, fundamentalmente baseada em símbolos. Por isso, as linguagens das
religiões são propriamente simbólicas, seja pelas características de imagens ou mesmo
pelos contos míticos.
Agora podemos indagar: será que as religiões da contemporaneidade consideram a
manifestação simbólica primitiva? Ou elas estão demasiadamente empenhadas para
“comprovarem” que todos os seus escritos religiosos são na verdade realidades históricas?
Talvez a segunda questão se encaixe de melhor forma, pois o que hoje podemos observar
é uma verdadeira “guerra” entre religiões que se digladiam entre si em nome da
literalidade de seus deuses, de seus mitos e de seus símbolos e acabam se esquecendo que
a filosofia ,da cultura será condenada a ficar como um estudo morfológico e histórico, sem
nenhuma validade para a condição humana em si. Se as Imagens não fossem ao mesmo
tempo uma «abertura» para o transcendente, acabarse-ia por asfixiar em qualquer cultura
por maior e mais admirável que a possamos supor. A partir de toda a criação espiritual
estilisticamente e historicamente condicionada, pode atingir-se o arquétipo: Kore
Persefone tanto como Hainuwele, revela-nos o mesmo patético mas fecundo destino da
Jovem.
As Imagens constituem «aberturas» para um mundo trans-histórico. Mas não é esse
o seu menor mérito: graças a elas, as diversas «histórias» podem comunicar. Falou-se
muito da unificação da Europa medieval pelo cristianismo. Isto é sobretudo verdadeiro se
se pensar na homologação das tradições religiosas populares.
Foi através da hagiografia cristã que os cultos locais — desde a Trácia à Escandinávia
e do Tejo ao Dnieper — foram reduzidos a um «denominador comum». Devido à sua
cristianização, os deuses e os lugares de culto da Europa inteira receberam não só nomes
comuns como encontraram de certo modo os seus próprios arquétipos e, por conseguinte,
as suas valências universais: uma fonte da Gália, considerada como sagrada desde a pré-
história, mas sagrada pela presença de uma figura divina local ou regional, tornava-se
santa para toda a cristandade, após a sua consagração à Virgem Maria. Todos os
exterminadores de dragões eram assimilados a S. Jorge ou a um outro herói cristão, todos
os deuses da tempestade a S. Elias.
De regional e provinciana, a mitologia popular torna-se ecuménica. É principalmente
pela criação de uma nova linguagem mitológica comum às populações que permaneciam
agarradas às terras, e por isso correndo maior risco de se isolarem nas suas próprias
tradições ancestrais, que o papel civilizador do cristianismo é considerável; porque,
cristianizando a antiga herança religiosa europeia, ele não só purificou, mas fez passar para
nova etapa espiritual da humanidade tudo o que merecia ser «salvo» dentre as velhas
práticas, crenças e esperanças do homem pré-cristão. Sobrevivem hoje no cristianismo
popular, ritos e crenças do neolítico: as papas de sementes em honra ,dos mortos, por
exemplo (a coliva da Europa Ocidentel e egeia). A cristianização das camadas populares da
Europa fez-se sobretudo graças às Imagens: encontravam-se por todo o lado; havia apenas
que revalorizá-las, reintegrá-las e dar-lhes novos nomes.
Que não se espere para amanhã um fenómeno análogo, susceptível de repetir-se à
escala do planeta. Pelo contrário, a entrada dos povos exóticos na história terá em toda a
parte como consequência um aumento do prestígio das religiões autótones. Tal como
dissemos, o Ocidente está atualmente perante um inevitável diálogo com as outras
culturas «exóticas» e «primitivas». Seria lamentável que ele o iniciasse sem ter tirado
alguma lição de todas as revelações fornecidas pelo estudo dos simbolismos.
AULA
05
5- AQUISIÇÃO DO CONHECIMENTO
RELIGIOSO
No conjunto da vida psíquica, os modos vivenciais, diferenciados conceitualmente
das funções da percepção sensorial, da representação mental, do pensamento, do
sentimento, do impulso e da vontade, correspondem a qualidades nucleares simples, que
não podem referir-se a outra qualidade vivencial. Para as ações da vontade, isto somente é
certo com respeito à sua direção ao objetivo, e não a respeito da atualização, mais ou
menos ampla, das possibilidades funcionais psíquicas, provocadas por esta orientação. Por
isso, é necessário estudar as formas de aquisição de conhecimento complexas, as mais im-
portantes para a psicologia da religião, por seu papel na formação da esfera de
representações e convicções religiosas.
Estas formas são as seguintes: apropriação psíquica, relações de comportamento com
o ambiente, experiência e vivência da revelação.
consciência do eu está mais além da consciência extática. Todos os êxtases não devem ser
considerados de natureza mística, indiscriminadamente, porque fora do âmbito místico
também pode haver êxtase. A consciência mística, por sua vez, acontece quando o
"totalmente outro", situado além do cognoscível, intervém. Mesmo assim, nas revelações
experimentadas em consciência mística, pela narrativa dos místicos, comprova-se que a
revelação acontece com bastante claridade da consciência. Isto se percebe no
cumprimento ou realização das ordens reveladas.
Nos sonhos, o estado de consciência é simples, pois a pessoa tem plena consciência
do significado do sonho; às vezes, a revelação acontece já em estado de vigília, logo após o
sonho. Assim ocorreu nos sonhos de José do Egito (Gn 37.40,41), de Samuel, a respeito do
castigo aos filhos de Eli (1 Sm 3) ou de José no Novo Testamento (Mt 1.20; 2.30). Jacó, logo
após despertar do sonho da escada, sentiu medo e expressou em palavras sua numinosa
vivência (Gn 28.17).
C. Autenticidade da Revelação. Quando a pessoa recebe uma revelação, preocupa-se
a respeito do autêntico sentido da comunicação divina. Este pode ser único, mas também
pode ter várias interpretações. Como exemplo de significado único foi a instrução dada a
José, em relação a Jesus e Maria: "Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o
Egito e permanece lá até que eu te avise" (Mt 2.13). A comunicação divina pode ter
diversos sentidos quando se efetuam em forma de metáforas, símbolos e alegorias. Muitas
vezes a própria metáfora fica mais gravada na mente do que o seu significado, como no
caso da parábola das dez virgens: recordamos mais a própria alegoria do que a advertência
de estarmos vigilantes para a volta do Senhor (Mt 25.1-13). A comunicação divina em
metáfora é completamente compreendida quando vem acompanhada da explicação,
como no caso da parábola do semeador (Lc 8.11) ou das mensagens às sete igrejas (Ap
1.20).
É necessário ressaltar ainda que uma comunicação experimentada por uma pessoa
não pode ser qualificada de revelação somente porque seu conteúdo refere-se ao âmbito
religioso. A comunicação pode referir-se a escapar de um perigo, vencer os inimigos, achar
um bom caminho, encontrar algo perdido etc. A vivência de revelação acontece de um
modo sobrenatural e seu conteúdo também é sobrenatural. O caráter do sobrenatural
pode ser em primeiro grau quando o próprio Deus se revela (Dt 31.15; Ex 20.2), isto é,
quando há um auto-testemunho de Deus. Isto também ocorre de forma implícita, como no
caso de Abraão (Gn 11.18).
O caráter do sobrenatural pode ser também em segundo grau, quando Deus utiliza
um mediador que transmite a Palavra de Deus. Nos livros dos profetas repetidamente se
lê: "Assim diz o Senhor". Nos tempos do Antigo Testamento era muito comum a forma de
revelação em sonhos; nos dias do Novo Testamento, esta forma diminuiu em quantidade.
demônio confessa o seu nome e os atos que obrigou a pessoa a cometer; é chamado o
"sermão do demônio", em que se manifesta o seu poder sobre os possessos. No ato da
expulsão do demônio, acontecem movimentos convulsivos, que denotam a resistência do
demônio em deixar o corpo. Quando é expulso, há penetrantes gritos e o corpo se agira
violentamente. Logo a seguir, a pessoa permanece completamente quieta e sua mente
volta funcionar livremente.
A psicologia pode explicar numerosos casos pela ação de causas naturais; a crença na
possessão demoníaca é produzida pela influência do ambiente, do povo, da religião e
resulta em medo dos seres diabólicos. Tudo tem a ver com a história pessoal e com a
anormalidade de seu estado psíquico. Algumas reações podem ser explicadas pelo estado
psicótico. Quando se realiza um ritual de exorcismo, as condições da pessoa perturbada
psiquicamente podem melhorar, mesmo que o seu caso não seja de possessão. É preciso
haver discernimento para reconhecer quando é um problema psíquico e quando é
realmente possessão demoníaca, para que seja efetuada a expulsão e haja uma vivência de
revelação autêntica. Winkhofer afirma: "Aquele que tem o dom do discernimento de
espíritos (l Co 12.10) descobre com muito maior freqüência a oculta e terrível presença de
Satanás numa alma".
Os efeitos do exorcismo é que vão comprovar a sua veracidade. A cura deve ser
imediata e duradoura. O paciente reconhece que foi curado porque tem a consciência de
possuir novamente a liberdade no uso de suas faculdades e que desapareceram as formas
de expressão diabólicas. Qualquer coisa que acontece na vida de uma pessoa que não
pode ser explicada pela psicologia certamente comprova a presença demoníaca, como por
exemplo, a expulsão de areia, pedaços de vidro, ferro, alfinetes e agulhas, como
aconteceram com uma mulher atendida pelo padre J. Chr. Blumhardt, durante um ano e
meio. Na verdade, quanto mais contrárias e prejudiciais à salvação sejam as
manifestações, mais fundamentada é a interpretação de que sua origem é diabólica.
Outro fenômeno, que proporciona a vivência de revelação, são as profecias. As
profecias, as adivinhações de fatos desconhecidos, especialmente os futuros, influem
consideravelmente no mundo de representações e pensamentos religiosos. Sabemos que
as profecias têm originado grandes movimentos religiosos, têm determinado a formação
de grupos religiosos, têm impulsionado a sacrifícios e empreendimentos e também têm
trazido abatimento e desespero. As profecias que nos interessam são as confirmadas pelos
fatos e a possibilidade de terem causas psíquicas naturais. Devemos considerar se o acerto
das predições se deve à intervenção divina ou demoníaca.
Como possíveis causas de predições acertadas devemos considerar alguns fenômenos
parapsíquicos: a telepatia, a clarividência e a precognição, que são percepções
paranormais ou extrasensoriais, isto é, não são sentidas com os órgãos dos sentidos. São
produzidas em estado de transe, isto é, com a consciência diminuída. O transe pode ser
conseqüência do desequilíbrio afetivo ou fisiológico; pode surgir espontaneamente ou ser
sugerido mediante o uso de técnicas, químicas ou do tipo mágico. O conteúdo pode ser
exteriorizado em palavras inconscientes, escrita automática ou sacudidelas de objetos.
Telepatia é a transmissão ou captação de processos psíquicos de uma pessoa a outra, sem
a intervenção dos sentidos. Clarividência é a percepção de fatos ou coisas espaço-
temporais sem a intervenção das funções sensoriais; geralmente se relaciona a fatos
terríveis e alarmantes. Para Amadou, em concordância com a maioria dos investigadores, a
telepatia pode ser melhor comprovada cientificamente do que a clarividência. A
precognição é um fenômeno bem próximo à profecia, mas não tem o mesmo caráter
sobrenatural.
Podemos admitir, mediante pesquisas feitas pelos estudiosos, que não se pode
excluir a possibilidade de existirem faculdades paranormais em pessoas altamente
religiosas, mas não estão relacionadas com o nível de valor moral e religioso. Há a
possibilidade, então, de fenômenos psíquicos intervirem nas vivências de revelação.
Apesar de algumas semelhanças e concordâncias entre as autênticas vivências de
revelação e as vivências devidas à sugestão ou de origem anormal ou patológica, existe
uma independência das primeiras fenomenologicamente manifesta e psicologicamente
comprovável. Isto é certo em especial nas vivências místicas, mas também é válido para as
profecias, visões e audições e inclusive nas curas milagrosas, enquanto se incluem em tais
vivências elementos estruturais da consciência mística. Na consciência mística todo o
conteúdo da vivência se orienta ao divino-sagrado.
Se existe valor relativo nos critérios psicológicos para avaliar a autenticidade mística
das vivências de revelação, por outro lado, os critérios reconhecidos pelos místicos se
baseiam nos efeitos da vivência: piedade religiosa, pureza, amor e liberdade de alma. K.
Rahner assinala, como critérios característicos da autenticidade de uma visão,
determinadas modalidades da relação do sujeito com a visão: que predominem nele a fé, o
amor e demais atitudes cristãs morais sobrenaturais; que receba a visão com espírito de
humildade e gratidão, sem incorrer em exageros, sabendo guardar silêncio; finalmente,
que não apareça como um fenômeno isolado e sim em conexão com o estado de graça
mística daquele que experimenta a vivência.
AULA
06
Em evidente conexão com essas discussões, coloca-se a questão da cura pela religião.
Note-se que essa questão não é apenas psicológica e médica, mas também teológica. Há
religiões essencialmente de cura, como a religião délfica. Há outras, como o budismo, em
que a cura é desnecessária. E outras, como o cristianismo, consideram a cura às vezes fim
em si mesma, embora parcial, e às vezes sinal de outra realidade final.
A psicologia da religião tem de haver-se com essas várias modalidades religiosas: ela
não tem uma palavra única para a relação entre religião e cura porque o comportamento
religioso é variado em sua significação. Em outras palavras, como as formas religiosas são
históricas, a psicologia só se aplicará com competência a uma modalidade religiosa se
apreender seu sentido. Numa cultura, por exemplo, em que saúde e doença são
consideradas holisticamente extensões da relação com a divindade, como na antigüidade
organizada ao redor da religião (Vergote, 2001), a cura só pode ser religiosa, pela definição
dos termos.
Numa cultura moderna, em que se reconhece a autonomia dos diversos segmentos
da vida individual e social, a saúde e a doença não têm de passar pela definição religiosa
ou, se o fazem, é num sentido bastante peculiar. Se tomarmos o caso do cristianismo,
encontraremos entendimentos diversos dessa relação na antigüidade e na modernidade. O
da ordem religiosa para entender a doença e lidar com ela. Freqüentemente as urgências
pessoais ou situacionais são enfrentadas pelas pessoas, ao menos em parte, com o recurso
religioso de orações, promessas, peregrinações, exercícios ascéticos e ações rituais,
conforme as várias religiões, inclusive cristãs. No cristianismo, em particular, uma das
manifestações mais indicativas da presença do reino de Deus foram as curas físicas e
algumas curas que hoje chamaríamos de psíquicas ou de psicossomáticas, curas essas
muitas vezes solicitadas pelo doente ou por outras pessoas. É notável que essas curas
geralmente não terminavam no bem-estar físico ou psicológico, mas apontavam para um
tipo de bem-estar religioso, concretamente a libertação do pecado e a união com Deus.
A pergunta “Será possível à Psicologia estabelecer a existência e a eficácia do
enfrentamento religioso?” tem como ponto de partida o reconhecimento, por parte de
Kenneth Pargament (Pargament, 1996), do extraordinário poder da religião, que o levou a
indagar “se a religião não acrescenta ao enfrentamento algo além do que é fornecido pelo
mundo secular” (Pargament, 1996, p.231). Ele cita, com efeito, alguns estudos que
demonstram efeitos singulares do enfrentamento religioso. Um exemplo é o seu estudo
realizado em 1990, que evidenciou a diferença, pequena mas estatisticamente significante,
no comportamento de esquiva segundo a utilização do enfrentamento profano ou do
enfrentamento religioso (Pargament et al., 1990).
Nesse estudo, o enfrentamento secular levou a uma esquiva que apenas desviou a
atenção de pensamentos penosos, ao passo que o enfrentamento religioso conferiu
sentido, estabilidade e conforto. Pargament se pergunta em que consiste a singularidade
do enfrentamento religioso e responde com duas ordens de argumento. No artigo de 1990
apela para a versatilidade das religiões que as faz “adaptar-se às mudanças do tempo, das
circunstâncias e das necessidades” exatamente graças a seu “caráter abstrato, simbólico e
misterioso” (Pargament, 1990, p.205). O caráter protéico e não trivial da religião tornaria
possível recorrer a ela em qualquer situação. Em texto posterior, de 1996, apela ao que
denomina “a característica mais singular” das religiões, isto é, o sagrado. Do sagrado
detalha alguns componentes: “ligação com os antepassados, mistério, sofrimento,
esperança, finitude, entrega, propósito divino, redenção” (Pargament, 1996, p.232), e
propõe que o sagrado, em virtude de não se subordinar a nenhuma finalidade psicológica
ou social, confere à pessoa religiosa um entendimento e uma capacidade de reação
peculiares frente aos acontecimentos que fogem a seu controle.
Como ciência moderna, a Psicologia tem estabelecido como seu objeto os fenômenos
que ocorrem na faixa da realidade humana situada entre o puramente lógico e o
puramente biológico, ou seja, o psíquico, e tem avançado no entendimento desse objeto
com conceitos, modelos e métodos próprios. No caso do enfrentamento, a psicologia tem
buscado interagir com disciplinas biológicas, como a fisiologia e a psiconeuroimunologia, e
com disciplinas sociais, como a antropologia.
que enxergam o pecado na raiz de toda doença e, como religiosos, habilitam-se a atender
dinâmicas psicológicas. Há psicólogos que não reconhecem autonomia à religião, e
identificam o religioso com o psíquico, freqüentemente patológico. E felizmente há os que
fazem as distinções, adquirem as respectivas competências ou respeitam em outrem a
competência que não possuem, na Psicologia ou na religião. Dessa última forma, será
possível aos religiosos continuar usando os recursos do enfrentamento religioso, aos
religiosos e aos não religiosos usar os recursos do enfrentamento sagrado, aos teólogos e
pastores discriminar a adequação do comportamento religioso e aos psicólogos ajuizar da
adequação psíquica do comportamento, religioso ou não.
7- CONCLUSÃO
A psicologia da religião trata das questões íntimas que ocorrem na vida religiosa da
pessoa. Isto não quer dizer que não se preocupe, também, com os relacionamentos
interpessoais, pois não há pessoa normal que viva completamente isolada dos outros e
esse contato traz suas vantagens e desvantagens para cada uma. No primeiro tópico,
então, foram tratados os temas da psicologia da religião como o símbolo, Deus e religião,
destacando-se o Cristianismo. Abordaram-se as implicações do subjetivo e do objetivo, da
percepção religiosa, da relação entre psicólogo e teólogo, da importância da religião na
vida da pessoa. Finalizando, foram feitas pinceladas na história bíblica e na redenção
oferecida por Deus, através de Jesus Cristo, enfatizando seu significado para a psique da
pessoa.
O tópico segundo versou sobre a aquisição do conhecimento religioso em suas
formas mais complexas, como: apropriação psíquica, relações de comportamento,
experiência e vivência de revelação. Aprendemos que há fatores que prejudicam e fatores
que favorecem a apropriação psíquica do conteúdo religioso. Destacamos alguns aspectos:
o relacionamento da pessoa com o ambiente pode ser objetivo e pessoal; influencia nas
opiniões e nas formas de conduta; o meio pode ser corretivo sobre o conjunto do
pensamento religioso e pode atuar sobre o convencimento ou firmeza da crença; a
experiência religiosa supera as demais, pois inclui o contato com Deus e com a realidade
psíquica interior; o mundo vivencial e o religioso são correspondentes entre si; os não
crentes são mais influenciáveis religiosamente por vivências perturbadoras que pelas
favoráveis. Foram mencionadas as vivências de revelação de Moisés (sarça ardente), Paulo
(caminho de Damasco), Jacó (escada no sonho) e Jesus (batismo).
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
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