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Faculdade de Psicologia
BELO HORIZONTE
2018
Mauro Lúcio de Carvalho
BELO HORIZONTE
2018
Mauro Lúcio de Carvalho
_____________________________________________________
Dra. Maria Ignez Costa Moreira (Orientadora) – PUC- Minas
___________________________________________
Ms. Joana D`Arc Alves (Leitora) – PUC- Minas
À minha família, especialmente aos meus pais, Paulo Rodrigues e Nágila Rodrigues, in
memoriam.
À Arquidiocese de Mariana, na pessoa Dom Geraldo Lyrio Rocha, bispo Emérito da
primaz de Minas Gerais.
Às irmãs Escolápias, pela acolhida e amizade.
À Irmã Alice Malheiros, pela leitura e correção da monografia.
À tantas pessoas que motivaram e acompanharam essa aventura acadêmica: amigos,
parentes e companheiros de Ministério Sacerdotal.
Aos amigos e amigas Michelle Mello, Dayane Guedes, Tiago Costa, Luciana Castro,
Rayane Costa.
À Paróquia de São Sebastião em Ponte Nova, por compreender minhas ausências.
RESUMO
The young people who come to the seminary of the Archdiocese of Mariana, in the
countryside of Minas Gerais, bring the incidences of the conquests and the reveries of
modern culture. They are altruistic but not very resilient. The new family arrangements,
a key feature of these modern times, impact the subjective structure of the seminarians.
The mental conflicts increases, demanding to the psychological sciences several
interpellations. History teaches that priestly formation has never been an easy
undertaking. It is an ongoing, relevant, and fundamental process in the Catholic Church
that extends the attitudes of Jesus Christ through the exercise of the ministerial priesthood.
It is in the meantime that psychology presents itself to the priestly formation, in order to
corroborate with the formative itinerary of the priest, welcoming the demands of the
trainees and trainers. To understand the partnership between psychology and priestly
formation, the present work was conceived, outlining the possible demands of priestly
formation to psychology. In the therapeutic space, the seminarians reveal themselves as
beings of desires, confronting the present self with the ideal-institutional self, which will
always be the person of Jesus Christ. For this reason, the pedagogy of priestly formation,
developed in this monograph, based on the theoretical reference "self-transcendence in
Consistency", proposes the internalization of self-transcendent values as a formative goal.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 15
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 78
APÊNDICE .................................................................................................................... 80
15
1 INTRODUÇÃO
1.1 Os Bandeirantes
O massacre dos povos indígenas teve a bênção da Igreja e de Deus. Mas que Deus?
Que Igreja? Do Deus do capital, do lucro, da ganância!? Da Igreja que se deixou alienar
devido as esmolas e os privilégios recebidos da Coroa portuguesa!? Se no passado a
Igreja não se posicionou a favor dos mais fracos, pressupõe-se que, atualmente, esse erro
não deverá se repetir. A luta dos primórdios tornou-se uma prefiguração do que é hoje a
luta de classe entre os latifundiários e os assalariados. As grandes empreiteiras e seus
“escravos” assalariados que trabalham em péssimas condições e cujos direitos trabalhistas
nem sempre são respeitados; aonde políticos em período eleitoral aproximam-se, roubam
a consciência dos seus eleitores com falas promessas, e desparecem depois de eleitos. De
certo modo, os moradores dessas redondezas continuam sendo saqueados e escravizados.
20
A primeira vila das Minas Gerais, a vila Nossa Senhora do Carmo, foi fundada
por Antônio Albuquerque, em 1745, em cumprimento à ordem expedida por Dom João
V. Posteriormente, a vila Nossa Senhora do Carmo tornou-se a primeira cidade de Minas,
e a sede do bispado. Atendendo ao pedido de Dom João V, o papa Bento XIV criou as
dioceses de Mariana e de São Paulo em 06 de dezembro de 1745. Nomeou-se Dom Frei
Manuel da Cruz como primeiro bispo da diocese de Mariana-MG, deslocando-o da
diocese de São Luiz do Maranhão- MA. O Então nomeado Dom Frei Manuel da Cruz
viajou durante 14 meses para chegar a Mariana.
Viçoso, 1853, que o confiou aos Lazaristas. Em 1967, Dom Oscar de Oliveira retoma a
administração do seminário, confiando-a ao clero diocesano. “Os seminários de Mariana,
denominados Menor e Maior1, foram os pioneiros na formação educacional masculina de
Minas, sendo ainda as primeiras Escolas superiores do Estado.” (CAMÊLLO, 2016, p.
176).
Dom Oscar, preocupado com a formação do povo mineiro, criou em 1969, por
meio da Fundação Marianense de Educação, os cursos superiores de Letras, História e
Geografia. Mais tarde, em 1978, Dom Oscar cedeu esses cursos à Universidade de Ouro
Preto, que pretendia instalar-se na região, mas não havia um número mínimo de cursos
superiores e nem de patrimônio compatível.
1.2 A contemporaneidade
1
Por seminário menor, entendia-se os alunos que cursavam o Ensino Médio. E por seminário maior os
alunos dos cursos de Filosofia e de Teologia. Essa categorização não é mais usada nos documentos
eclesiásticos, apesar de permanecer no discurso popular.
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está localizada numa área essencialmente rural, grandes áreas sem os danos da degradação
antrópica, com poucas indústrias, e, portanto, pouca possibilidade de emprego formal.
Contudo, o cenário não é promissor para os jovens e outros cidadãos e cidadãs que
sonham em firmar-se economicamente nos arredores de sua família, mantendo suas raízes
e vínculos familiares. Dos 79 municípios da Arquidiocese, apenas Barbacena,
Conselheiro Lafaiete, Mariana, Viçosa, Ponte Nova e Ouro Preto têm população superior
a 50 mil habitantes, conforme dados do IBGE-2013, disponíveis no Guia Geral da
Arquidiocese de Mariana 2016/2017.
plausível, a realidade do analfabetismo ou o baixo nível cultural dos que povoam o solo
da Arquidiocese de Mariana, em Minas Gerais:
É possível perceber que no final dos anos 1990 e início do século XXI, com
governos mais populares, preocupados com o bem-estar social, a vida dos homens e
mulheres do campo ganhou novas configurações. Surgiram políticas de incentivo à
permanência das famílias no meio rural. Com o fenômeno da globalização o limite entre
o mundo rural e o mundo urbano foi atenuado. No contexto da Arquidiocese de Mariana,
a diferença entre essas duas zonas vem se estreitando, frente às possibilidades do mundo
globalizado. Sair ou permanecer no meio rural é, em certo sentido, uma opção. É possível
residir no meio rural e ter acesso à tecnologia, sobretudo à internet, à telefonia celular,
TV, veículo particular, maquinário agrícola e luz elétrica. O mundo rural mudou suas
características, apesar de ainda permanecerem algumas dificuldades, como o acesso ao
lazer e a saúde. Sem opções de lazer, o uso abusivo do álcool e os programas televisivos
apresentam-se como alternativas lúdicas. A televisão e o rádio ainda são os meios de
comunicação mais comuns nessas regiões.
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As áreas pastorais ficaram subdividas em região Norte, Sul, Leste, Centro, Oeste.
A região norte abrange os municípios povoados pelo ciclo do ouro, com forte incidência
do Barroco Mineiro. É nessa região que se encontra a primeira capital mineira, a cidade
de Ouro Preto, palco de importantes acontecimentos históricos do país. Nessa região, o
turismo é a maior fonte de renda; é onde está situada a Universidade Federal de Ouro
Preto. Destaca-se também a presença de grandes mineradoras, que perpetuam a
exploração das riquezas do mineiro de ferro e outras, inaugurada pela Coroa Portuguesa,
nos idos da descoberta do ouro.
Por conseguinte, a região oeste, é margeada pela rodovia 040, que liga Brasília-
DF ao Rio de Janeiro- RJ. A cidade polo é Conselheiro Lafaiete, com seus 125 mil
habitantes. A economia da região depende das mineradoras que degradam o meio
ambiente em grande velocidade, provocam inchaço populacional com o elevado número
de operários que chegam à região para a exploração do minério de ferro e a construção
de barragens hidrelétricas. Tem-se a presença da Gerdau, LGA-Mineração e Siderurgia,
a Multinacional Vallourec, e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). As cidades do
entorno sofreram com o inchaço populacional desorganizado, além dos impactos
ambientais a médio e a longo prazo. As mesmas empresas que garantem o trabalho para
milhares de homens e mulheres, também degradam o meio ambiente.
inclusive sexualidade e afetividade, vistas como tabu entre pais e filhos. A educação dos
filhos segue o regime do patriarcado, como aponta Pereira (2004):
A primaz de Minas Gerais, com seus inúmeros desafios, ainda goza de muitas
vocações sacerdotais comprometidas com o trabalho evangelizador. Existem desafios,
como também muitas conquistas em favor do Reino e do Povo de Deus. Os desafios
existem para promover a mudança de mentalidade e de paradigmas. Os novos tempos
exigem novos métodos formativos. Como formar o presbítero diocesano para servir o
povo destas terras mineiras, com suas demandas e expectativas? O presbítero diocesano,
aquele que exerce seu ministério “em comunhão com o seu bispo e os demais
presbíteros.” (CNBB, 2010, n.75) precisará ser um profeta, perito em humanidade,
defensor dos pobres e sofredores do sistema capitalista vigente.
Ser padre nessa Arquidiocese é caminhar com o povo sofrido em suas lutas por
direito e dignidade. Existem muitos movimentos sociais neste solo gentil: Movimento de
Atingidos por Barragens, o grito dos Excluídos, a Escola e o movimento fé e Política, o
Conselho arquidiocesano de Leigos, as Escolas Famílias Agrícolas, os cursos de extensão
em Psicologia, Filosofia e Teologia para leigos e leigas, o departamento de obras socais,
os fóruns sociais em defesa da vida, as romarias do trabalhadores e trabalhadoras, a
romaria da terra e das águas, a pastoral da Criança e do Menor. Esses movimentos são
sinais da resistência evangélica, uma atualização do profetismo de Jesus Cristo que
sempre se colocou ao lado dos pobres e oprimidos.
com motivações inconsistentes, por exemplo, porque acha bonito a missa desse ou
daquele padre. Isso é muito comum numa realidade como a de Mariana, em que a maioria
das vocações vêm das camadas menos abastadas economicamente. O sonho de uma vida
melhor é fator de sobrevivência. Não há nada de anormal nisso. Anormal seria passar por
todas as etapas e experiências formativas e permanecer com as mesmas motivações, isto
é, identificado com outros sacerdotes e não com Jesus Cristo. Se isso ocorrer a lacuna não
é do jovem, mas da equipe de formação que não foi capaz de ajudá-lo nesse processo de
identificação e desmitificação, inserindo-o no real contexto da Arquidiocese.
capítulo, que não se encontram no livro “Antropologia da Vocação Cristã” (Rulla, 1987).
Nesta obra, encontram-se os princípios básicos da teoria em questão. Alguns desses
pressupostos serão abordados a seguir.
Os níveis da vida psíquica são considerados por Rulla (1987) como três níveis de
desejo que tendem o homem para a ação (1987). Na perspectiva psicofisiológica, está a
necessidade humana de alcançar a satisfação orgânica por meio do sono e alimentação.
Esse nível compreende as necessidades fisiológicas de bem-estar ou mal-estar.
Enquadram-se neste âmbito as funções sensoriais e motoras e os déficits fisiológicos. O
corpo tem um déficit e logo busca superá-lo, mesmo sabendo que voltará no momento,
fisiologicamente, demandado pelo organismo. O mundo de quem permaneceu no
primeiro nível, possivelmente, girará em torno das necessidades psicofisiológicas. A
valorização estará nas coisas: apego à paróquia, ao carro e outros. “Onde está o teu
tesouro, estará aí o teu coração.” (Mateus 6, 21).
Sentir-se chamado ao ministério sacerdotal pode ser uma mera idealização do eu;
um desejo de reconhecimento e de emancipação social, por exemplo. Tanto um quanto o
outro podem ser estimuladores vocacionais, utopia do Eu-atual que se quer transcendido
pelo Eu-ideal. Oxalá, o processo formativo consiga ajudar o vocacionado a
metamorfosear-se de uma idealização inconsciente à consciente. A meta ideal da
formação é configurar a vida humana aos princípios cristocêntricos.
2
O Concílio Vaticano II, o XXI Concílio Ecumênico da Igreja, foi convocado pelo Papa João XXIII (1961)
e terminou em 1965. No entendimento de João XXIII, a Igreja precisava de aggiornamento, atualização.
Ela distanciava-se da realidade moderna em que a sociedade estava envolvida. Os resquícios da cristandade,
impregnados nos muros da Igreja de Roma, impossibilitava o diálogo com a sociedade moderna. A Igreja
viu-se afetada pela descredibilidade social e pela crise de fé dos seus adeptos. O Concílio Vaticano II deu
aos leigos o direito de participar ativamente da Igreja, passando de espectadores a protagonistas de uma
nova era.
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por esse Concílio3. Mudou-se de uma Igreja clericalista, hierárquica à Igreja povo de
Deus; do catolicismo ao ecumenismo; da cristandade à modernidade. Ao concluir sua
investigação empírica, valendo-se de diversos instrumentos psicológicos, como
entrevistas e testes projetivos, Luigi Rulla (1987) constatou a necessidade de um
acompanhamento psicológico para os candidatos à vida sacerdotal. Em sua pesquisa,
percebeu que atravessamentos inconscientes, conflitos afetivos e outros fatores psíquicos,
como a inferioridade, a dependência afetiva e uma personalidade patológica, afetam a
vivência dos compromissos vocacionais em diferentes níveis e formas. Essa constatação
foi validada pelos documentos da Igreja, especialmente após o Concílio Vaticano II (1962
-1965).
3
O Concílio é um evento universal da Igreja, convocado pelo Papa, com o intuito de se discutir doutrina,
dogmas de fé e outros assuntos importantes da Igreja que não podem ser deliberados sem a colegialidade
universal dos bispos, padres, o Papa e especialistas no assunto. O Concílio Ecumênico Vaticano II, fora
convocado pelo Papa João XXIII, para unir todos os cristãos e abrir as portas da Igreja à modernidade.
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esse lugar “uterino” para envolver-se com a comunidade e com os sofrimentos do povo,
despido da batina, do autoritarismo defensivo e outros artefatos isolantes.
alguns modelos sacerdotais4. Geralmente os padres midiáticos são os que mais inspiram
os vocacionados. Tal fenômeno, clareia a missão pedagógica da formação, a de ajudar o
jovem a amadurecer suas motivações sacerdotais, tendo como foco que o modelo é
sempre Jesus Cristo. Autores como Cencini e Manenti (1988) afirmam que os modelos
são necessários, mas não um fim em si mesmo.
4
Informação obtida em entrevista semiestruturada, realizada no dia 22 março de 2018, com formadores
do seminário da Arquidiocese de Mariana- MG. É também a minha percepçao do tempo em trablhei na
formação, entre os anos de 2008 a 2014.
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Enfim, a internalização dos valores não deverá ser entendida como uma obrigação,
uma resposta aos formadores e à instituição. Isso seria um caos; não favoreceria o
fortalecimento do ego, que segundo Freud (1937-1939), é frágil, desamparado por
natureza. O seminarista é protagonista da dinâmica formativa, e a valoriza em respeito ao
seu eu, a instituição à qual está vinculado. A internalização dos valores torna-se um
critério norteador ao discernimento vocacional. Como discernir se o seminarista está apto
a continuar no processo formativo, ou não? Está credenciado a responder tal pergunta
quem com ele conviver no processo formativo, a partir dos instrumentos de
acompanhamento e desenvolvimento vocacional. Internalizar os valores cristológicos é
empreender uma ruptura comportamental reflexiva. Mais que uma mudança de
comportamento, é mudança de sentimento, de mentalidade
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5
Sabem os nomes dos paramentos episcopais, conhecem os livros litúrgicos, cumprem as posturas
litúrgicas, as de Roma, sobretudo, mas desconhecem-se a si mesmo, uma possível repressão do seu eu atual.
45
Sobre a vivência dos valores proclamados, Rulla (1987) enfatizou que “os valores
autotranscendentes de Cristo devem ser apresentados como o ideal supremo e mais
importante de viver, ao qual todo o resto deve ser subordinado.” (RULLA, 1987, p. 440).
Ele continua afirmando que
6
Essa percepção é notada por mim nos tempos em que estive à frente de uma comunidade formativa, entre
os anos de 2008 a 2014, bem como o que ouço dos formadores e dos próprios jovens que desejam ingressar
nos seminários. Outros padres formadores, da Igreja no Brasil, constatam, atualmente, a mesma tendência.
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espinhos na carne da Igreja; os afetivos dão mais ibope. Existem outros que causam danos
ao povo de Deus, por exemplo, as questões administrativas, autoritarismo, abuso de
poder, alcoolismo, dependência das redes sociais, padres e leigos afetados por uma
personalidade patológica (Pereira, 2004) ou por inconsistências vocacionais.
7
Existem algumas dioceses que iniciam a formação sacerdotal no Ensino Médio. Essa etapa era chamada
de seminário menor. Essa modalidade é optativa. A Igreja no Brasil propõe o início da formação sacerdotal
com o Propedêutico.
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A Igreja Católica entende que toda vocação é um chamado de Deus; uma iniciativa
Divina que requer a resposta humana. A vocação é uma escuta ao chamado de Deus que
se dá no seio da comunidade, no real da luta do povo crente na libertação salvífica. O
chamado é feito a frágeis homens, que vivem à mercê das lutas psicológicas, comum ao
ser falante e pensante. O padre não é um super-homem, antes é um indivíduo de carne e
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osso, com desejos e sonhos; com potenciais humanos, conflitos e traumas, e desejoso em
fazer o bem.
Cristo que vivem em mim.” (Gálatas, 2, 5). O mesmo Apóstolo recomenda que a
comunidade de Filipos cultive os mesmos sentimentos que há em Jesus Cristo (Filipenses,
2, 5). Dito de outra forma, as recomendações do Apóstolo Paulo são apresentadas na
teoria da transcendência na consistência, quando Rulla (1987) prescreve a internalização
dos valores teocêntricos como a meta e a pedagogia da formação sacerdotal.
Com uma sociedade cada vez mais plural, o diálogo aberto ao diferente torna-se
uma necessidade fundamental, até mesmo nos meandros de uma Igreja mais rural, como
a Arquidiocese de Mariana, em Minas Gerais. Saber dialogar com quem tem o direito de
pensar diferente é o caminho de superação dos conflitos humanitários e da formação da
consciência crítica. O presbítero é um formador de opinião, e, em cidades pequenas, o
padre poderá ajudar o povo a se defender e a lutar pelos seus direitos, geralmente
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sucateados por lideranças políticas, por grandes empreiteiras e pelo mercado financeiro.
Como Jesus, é preciso, às vezes, expulsar os vendilhões do templo. (João 2,13-25)
jovens a segurança da Igreja pode ser um atrativo equivocado à vida sacerdotal. “Muitos
vocacionados e seminaristas buscam, de início, um mundo de certeza a partir da
idealização do “ser padre”, como expressão do eu idealizado.” (CNBB, 2010, n.36).
Assim, as três etapas da formação inicial estão imbricadas. O término de uma não
significa, automaticamente, aprovação à seguinte. A formação acadêmica é uma das
dimensões do itinerário formativo. Não basta êxito acadêmico se o mesmo não é sentido
nas dimensões espiritual, comunitária, humana e pastoral. A ordenação não é um diploma,
mas um serviço ao povo de Deus, sobre o norte das cinco dimensões formativas. Tais
dimensões possibilitam o crescimento integral da pessoa do formando, assim conclui a
PDV (1992).
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São expressões do discurso Cristológico. A omissão das citações bíblicas após cada frase se justifica
pelo fato de serem conhecidas, e facilmente identificadas na Bíblia indicada nas referências.
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3.3 Os formadores
A exclusividade sugerida pela nova Ratio significa ter como prioridade o trabalho
que fora confiado pelo bispo e o presbitério local. A recomendada exclusividade
evidencia o valor e a importância do trabalho formativo, não o colocando acima dos
demais serviços eclesiais. A prioridade de tempo deverá ser para o acompanhamento dos
vocacionados. Na Arquidiocese de Mariana-MG, ainda há um abismo entre o ideal da
exclusividade e o real do exercício da missão formadora. Os que se ocupam desse
ministério, na maioria das vezes, estão envolvidos em outras frentes de trabalho da
Arquidiocese. As razões por envolver-se em outros trabalhos são as mais diversas!
Algumas são por consequência da missão assumida, como é o caso do Reitor, que
participa de muitas outras comissões e de Conselhos Arquidiocesanos. Há o fato de o
presbitério, quase em sua maioria, considerar o trabalho formativo como algo simples de
empreender, não compreendendo, portanto, as minúcias do acompanhamento vocacional.
roubando-lhes as energias que deveriam ser empregadas na formação inicial dos que
almejam o presbiterado. A realidade encontrada nesta Arquidiocese afeta o pressuposto
da cotidianidade, ressaltada nas diretrizes da CNBB (2010), e da exclusividade que a
Ratio (2016), apontou como recomendável. Mais do que uma ausência, constata-se uma
lacuna na dinâmica das casas de formação.
Como a psicologia pode contribuir com a formação sacerdotal? Na eira das novas
demandas do campo formativo sacerdotal, a psicologia se coloca aí, como que num
suposto saber, para ajudar os formadores, talvez mais que os formandos. Ajudá-los a se
correlacionar com as novas realidades juvenis, pois nem sempre é fácil para o formador
perceber as mudanças do mundo juvenil. Há uma distância cronológica e social entre
formandos e formadores que não corrobora com o processo formativo. Isso pode se
agravar quando os formadores não se sentem interpelados a acompanhar esses processos
62
9
Essa temática não será abordada neste trabalho, tendo em vista sua complexidade. As vocações
homossexuais tem sido tema de estudos e debates entre psicólogos, teólogos e pastoralistas.
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experiências, mas ainda fragilizados por uma educação patriarcal, ou por experiências
religiosas muito intimistas, para não dizer alienantes.
É comum, nessa região rural de Minas Gerais, encontrar uma educação familiar
que tende a colocar o jovem rural ou o de baixa renda como um ser de menos valia. Neste
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A compreensão de personalidade adotada coaduna com a concepção de personalidade de Rulla (1987),
que assim a descreve: É um conceito muito discutido em psicologia, com variações de significado que vão
da generalização à negação. Neste livro, entendemos por personalidade os componentes estruturais de um
indivíduo que se manifesta em processos dinâmicos que explicam os comportamentos que o próprio
indivíduo assume na sua vida em relação ao ambiente em que vive. Portanto, é dinâmica a concepção que
propomos da personalidade, em que estão presentes tanto as características inatas do indivíduo como os
comportamentos com que se expressam, como também a realidade ambiental, em cujo relacionamento esses
comportamentos se desvelaram e também modificaram (RULLA, 1987, p. 577).
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Essas hipóteses, identificadas por Pereira (2004), ainda se fazem presentes e foram
diagnosticadas por um dos formadores entrevistados, como uma demanda à psicologia.
“Percebe-se uma fragilidade humana acentuada; eles se desestabilizam na sala de aula e
denotam pouca capacidade de enfrentamento dos desafios.” (Relato do formador B).
Entre os formadores, acredita-se que a psicoterapia contribuirá para que o jovem se torne
cônscio de sua psicodinâmica. Neste espaço entre terapeuta e cliente é que será possível
a este último ressignificar a sua história, aumentando sua liberdade diante do seu Eu-atual
e podendo traçar as metas do Eu-ideal, conforme pontua Rulla (1987).
Como que para suprimir a inferioridade, muitos jovens deixam-se seduzir pela
lógica do consumo, manipulados pela ideia de que o ter empodera o ser. Seduzidos pela
política capitalista que incita o consumo, muitos jovens chegam ao seminário com
aparelhos celulares arrojadíssimos. Estão conectados com o mundo global, mas com
dificuldades de se conectarem à própria realidade, ao próprio eu. São acolhidos e
introduzidos à vida comunitária formativa, com horários para estudo, oração, lazer,
trabalho comunitário e descanso. É um momento complicado para formando e
formadores. Ambos estão sondando uns aos outros, à procura de pactos e alianças que
garantam a sobrevivência do formando e do formador. Estão diante de um universo
desconhecido, pois cada grupo que chega tem suas particularidades. Um formador atento
à diversidade constitucional do ser humano, não incorrerá no erro de impor ao grupo atual
estratégias que foram adotadas com grupos anteriores. “Não se coloca vinho velho em
odres novos.” (Mateus, 9, 16s).
11
Cada seminarista ao ser admitido no processo formativo escolhe um padre ou uma religiosa para
percorrer um itinerário de conversas espirituais. São encontros mensais ou quinzenais, onde se partilha as
experiencias de oração e reflexão, além de outros assuntos que podem surgir. A direção espiritual é do foro
interno do processo formativo, o que é dito ali não pode ser usado, nem a favor nem contra o seminarista,
com risco de punição severa a quem quebrar esta ética normativa o sigilo. É um espaço de verbalização do
sujeito, mas distinta da escuta terapêutica.
12
A Congregação para Educação Católica (2008) afirma no número 6 b: para melhor garantir a integração
com a formação moral e espiritual, evitando nocivas confusões ou divergências, na escolha dos especialistas
aos quais se recorrerá no aconselhamento psicológico, tenha-se presente que estes, além de se distinguirem
pela sólida maturidade humana e espiritual, devem inspirar-se numa antropologia humana, da sexualidade,
da vocação para o sacerdócio e para o celibato, de modo que a sua intervenção tome em conta o mistério
do homem no seu diálogo pessoal com Deus, segunda a visão da Igreja.
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Sobre esse risco Pinto (2016), em artigo publicado, fez uma constatação plausível,
apontando três motivos que inspiram a busca psicoterápica. São esses os três motivos:
por medo de ser afastado do processo formativo. Contudo, não é uma recomendação
simples; ela vem carregada do simbólico “manda quem pode, obedece quem tem juízo.”
Não havendo isenção de conflitos psíquicos também nos formadores, põe-se aqui
outra demanda da formação sacerdotal à psicologia: a de que o formador seja
encaminhado à psicoterapia. Possivelmente esta proposta causará angústia e medo, mas
nem por isso deixará de ser pertinente. Neste sentido, vale recuperar a preocupação de
Rulla (1987) com as inconsistências dos formadores, que criam cisão entre o discurso e a
prática; cisão percebida, com muita indignação, pela comunidade formativa, gestando
descredibilidade com a proposta formativa.
O formador precisa saber que sua função de suposto saber sobre o seminarista
desperta infinitas fantasias, dependências e rivalidades, evidenciando que o trabalho
formativo é bastante desafiador. Há formadores que adoecem, sobretudo se seu
desamparo original permanece um ponto não resolvido, haja vista que os mesmos são
fragilizados, proprietários de uma história de vida marcada por sofrimento e outros
atravessamentos humanos e psíquicos, comuns à constituição humana, dos quais ninguém
está isento.
deixar-se afetar pelo seu sintoma. Não basta a equipe de formadores se implicar com o
sintoma do seminarista, fazer dele a causa sua. Enquanto ele, o sintoma, continuar sendo
uma causa dos formadores, o processo terapêutico será um passatempo.
Toda ciência tem suas fronteiras, e a psicologia não foge à regra. Propriamente,
no escopo da formação sacerdotal, sua inserção enquadra-se no favorecimento, como já
mencionado, do autoconhecimento. Ela difere, quanto ao método e a essência de um
aconselhamento ou autoajuda. Não existe efeito imediato ao início do processo
terapêutico. A psicologia não se apresenta com a promessa de cura. Esse discurso, essa
promessa é da área médica. O propósito psicológico é outro, pois quem tem o saber do o
sujeito é o próprio sujeito. A psicologia acolhe o discurso desse saber subjetivo. Não
existe na psicoterapia o intuito de dizer ao cliente o que ele deve ou não fazer. O que se
faz nesse espaço é implicar o sujeito no seu processo histórico, retirando-o do lugar de
vítima. Neste caso, a escuta psicológica tentará implicar o seminarista no seu processo
formativo, levando-o ao diálogo entre o Eu-atual e o Eu-ideal com o Eu-institucional,
com suas respectivas expectativas.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa cientifica não deve ser tomada como um processo fechado. Geralmente
começa-se com uma pergunta e encerra-se o trabalho com a produção de tantas outras. É
essa a impressão que se exacerba ao término deste trabalho. A percepção de um trabalho
“inacabado” se intensifica quando se põe a pesquisar um tema bastante singular: as
demandas da formação sacerdotal à psicologia. À primeira vista, tem-se a percepção da
impossibilidade de haver uma cooperação entre esses dois campos, distintos e tão comuns
ao mesmo tempo. Comuns, porque visam, por diferentes modos, o autoconhecimento do
sujeito implicado na trama formativa sacerdotal. Distintos, pela especificidade
metodológica de cada.
história pessoal e familiar. Quem os escuta? Apenas Deus! Quisera... São formadores,
missão que a Igreja lhes confiou, mas não são super-heróis ou semideuses.
Vê-se, pela leitura dos documentos eclesiásticos e dos autores citados nessa
monografia, que a Igreja se abriu à psicologia, aceitando sua contribuição e valendo-se
da mesma para, por exemplo, obter, segundo as leis vigentes do Conselho Federal de
Psicologia, informações sobre a saúde psíquica dos que pleiteiam ingressar no seminário.
A Igreja conta, então, com mais um saber capaz de favorecer o crescimento humano e
espiritual dos jovens vocacionados: a Psicologia. E os formandos querem e acreditam na
possibilidade de serem favorecidos com a escuta psicológica?
Por fim, pode-se salientar que tanto a psicologia quanto a formação sacerdotal
estão se entendendo, encontrando os espaços e definido as fronteiras de uma parceria
formativa dos futuros presbíteros da Arquidiocese de Mariana- MG. Existem ofertas e
demandas. As expectativas e as demandas da formação sacerdotal à psicologia ainda
perduram num universo desconhecido, isto é, pouco estudado. Há muito o que se
pesquisar sobre o tema.
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REFERÊNCIAS
BIRMAN, Joel. Estilo e modernidade em psicanálise. São Paulo: Editora 34, 1997.
CARNEIRO, Maria José. Rural como categoria de pensamento. Disponível em:
<https://www.ifch.unicamp.br/ceres/2008-maria_carneiro.pdf> Acesso em: 10 de dez.
2017.
CARTA AOS HEBREUS. In: A Bíblia: Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.
IGREJA CATÓLICA. Código de Direito Canônico. Promulgado por João Paulo II,
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