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PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA REFORMADA

THIAGO DA MATA DE OLIVEIRA

A SOBERANIA DE DEUS DIANTE DA EXISTÊNCIA DE CONFLITOS INTERNOS


NA IGREJA MEDIEVAL ENTRE OS SÉCULOS XIII E XIV

PANORAMA - SP
PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA REFORMADA

2019

THIAGO DA MATA DE OLIVEIRA

A SOBERANIA DE DEUS DIANTE DA EXISTÊNCIA DE CONFLITOS INTERNOS


NA IGREJA MEDIEVAL ENTRE OS SÉCULOS XIII E XIV

Monografia apresentada à Pró-Reitoria de Pesquisa e


Especialização, Faterge - Faculdade de Teologia
Reformada Genebra, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Especialista em Teologia
Reformada – Área de Concentração: História da
Igreja Cristã.

Orientadora:
Dra. Angélica Maria Lima Mansano Garcia

PANORAMA - SP
2019
OliveirOliveira, Thiago da Mata de
O48s A soberania de Deus diante da existência de conflitos
internos na Igreja Medieval entre os séculos XIII e XIV / Thiago
da Mata de Oliveira. Panorama, 2019.
19 f.

Monografia – Faterge – Faculdade de Teologia Reformada


Genebra.
Bibliografia.
Orientadora: Dra. Angélica Maria Lima Mansano Garcia

1. História da Igreja. 2. Soberania. 3. Conflitos. I. Título.

CDD 270

Catalogação na Fonte: Valéria Dias Jorge Arifi – CRB/8 – 4794


THIAGO DA MATA DE OLIVEIRA

A SOBERANIA DE DEUS DIANTE DA EXISTÊNCIA DE CONFLITOS INTERNOS


NA IGREJA MEDIEVAL ENTRE OS SÉCULOS XIII E XIV

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________
Profa. Orientadora: Dra. Angélica Maria Lima Mansano Garcia
Faterge – Faculdade de Teologia Reformada Genebra
Panorama - SP
DEDICATÓRIA

Ao Deus Único e Soberano, Criador dos céus e da terra;


À minha amada esposa Pâmela Lazzaretti da Silva Oliveira;
Ao meu amado filho Thomas.
AGRADECIMENTOS

A Deus Pai, amado Senhor Jesus e ao Espírito Santo, pela eterna fonte de
inspiração e verdade. Foi Ele quem me deu vida, salvação e o ministério.

Sou grato à minha esposa Pâmela, companheira fiel nas vitórias, alegrias, lutas e
tribulações. Quem pacientemente compreendeu e soube dar o devido tempo e
espaço para produção desta monografia. É a maior incentivadora para o meu
ministério.

À Dra. Angélica Mansano Garcia pelas considerações feitas.

À Valéria Dias Jorge que aceitou cordialmente o desafio de revisar esta monografia,
investindo tempo e amor. Deus seja louvado por sua vida.

À Organização Palavra da Vida Sul pelo acolhimento, apoio, incentivo e por


acreditarem no meu ministério.

À FATERGE pela oportunidade de estudar e aprender mais sobre a Palavra de


Deus. Louvo a Deus por esta instituição séria.

Aos pastores Batistas Reformados e à igreja Bíblica Unidos no Senhor pelo incentivo
aos estudos.

E também a você que lerá esta monografia. Que toda honra e glória sejam dadas ao
nosso Deus.
Louvado seja o Senhor, que me nutre desde a infância, que alimenta todas as
criaturas. Enche nossos corações de alegria e gozo, assim que sempre vivamos vida
plena sejamos ricos para toda boa obra em Cristo Jesus, nosso Senhor, ao qual
contigo e o Espírito Santo, sejam a glória, honra e poder em eternidade. Amém.
João Crisóstomo, 340-407
RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo apresentar as possíveis causas dos conflitos
existentes dentro da igreja nos séculos XIII e XIV, também conhecida como a igreja
papal no período das trevas, escolástico ou medieval. Essas causas caminharam no
âmbito doutrinário e relacional, onde resultaram no declínio da mesma nesse
período conduzindo desta forma para a reforma que se concretizou no século XVI
com Martinho Lutero e outros reformadores. Nesse período de conflito Deus
levantou homens, entre eles João Wycliffe e João Huss, conhecidos na história
cristã como os pré-reformadores. Estes confrontaram as práticas e os ensinos
errôneos da igreja, o que levou ao afastamento da Palavra de Deus, e deixaram um
grande legado para a futura reforma que só se concretizaria séculos após suas
mortes. Todos os acontecimentos fazem parte dos planos soberanos de Deus, por
isso, o presente trabalho tem por objetivo mostrar a Soberania de Deus.

Palavras-chave: Soberania; Conflitos; Pré-reformadores; Igreja.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 08
2 CAUSAS DOS CONFLITOS NA IGREJA ............................................................. 09
2.1 ÂMBITO DOUTRINÁRIO.................................................................................... 09
2.2 ÂMBITO RELACIONAL ...................................................................................... 09
2.2.1 Corrupção do clero .......................................................................................... 10
2.2.2 Degradação da religião ................................................................................... 10
2.2.3 O povo abandonado ........................................................................................ 10
2.3 A QUEDA DO PAPADO (1309 – 1439) .............................................................. 11
2.3.1 Bonifácio VIII ................................................................................................... 11
2.3.2 O cativeiro Babilônico (1309 – 1377) .............................................................. 11
2.3.3 O grande cisma (1378 – 1417) ........................................................................ 12
3 OS PRECURSORES DA REFORMA – HOMENS PIEDOSOS ............................. 13
3.1 JOÃO WYCLIFFE (1324 – 1384) ........................................................................ 13
3.2 JOÃO HUSS (1369 – 1414) ................................................................................ 15
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 19
8

1 INTRODUÇÃO

O período conhecido na história cristã como idade das trevas está entre os
séculos V a XV. A igreja nesse período andou em trevas e uma das evidências que
marcou esse tempo foi o abandono da doutrina apostólica, isto é a Palavra de Deus.
No entanto, apesar de andar por caminhos escuros, ocorreram situações bem
positivas ao longo desse período como por exemplo: a produção literária.
Esse abandono da Palavra levou a igreja a descaminhos bíblicos que foram
observados por irmãos piedosos, o que paulatinamente acabaram levando às
discordâncias doutrinárias. Desta forma, os conflitos dentro da igreja foram
inevitáveis, o que de certa forma corroborou para a reforma no século XVI.
O objetivo deste trabalho é mostrar as causas e consequências dos
descaminhos bíblicos da igreja.
De forma didática, esse trabalho está dividido em quatro capítulos. O
primeiro capítulo apresenta o objetivo e conteúdo do documento.
O segundo capítulo apresenta as causas e resultados dos conflitos
existentes na igreja nos séculos XIII e XIV. O terceiro capítulo apresenta dois
homens, dentre outros, desse período que foram relevantes na história e entraram
em conflito com a igreja pelas suas doutrinas erradas e práticas equivocadas ao
longo do tempo. Por fim, o quarto capítulo onde são apresentadas as considerações
finais e algumas aplicações práticas para os cristãos dos dias de hoje.
9

2 CAUSAS DOS CONFLITOS NA IGREJA

A história eclesiástica demonstra de forma clara que dentro da igreja,


independentemente do século, existiram conflitos. Os conflitos especificamente nos
séculos XIII e XIV tiveram algumas causas que revelaram os descaminhos bíblicos
da igreja. A primeira causa nesse período foi no âmbito doutrinário.

2.1 ÂMBITO DOUTRINÁRIO

Neste âmbito, fica evidente que os religiosos que dirigiam a igreja medieval
tomaram decisões à parte da Palavra de Deus, o que a levaram às doutrinas
heréticas. Para ter uma noção dessas práticas e ensinos o Reverendo Hernandes
Dias Lopes1 escreveu:

Foi um tempo de ascensão e fortalecimento do papado. O papa tornou-se


soberano na economia, na política e na religião. A igreja corrompeu-se e
apartou-se da simplicidade e pureza do evangelho. Heresias gritantes foram
introduzidas na igreja, tais como a oração pelos mortos; o sinal da cruz; o
uso de velas; a veneração dos anjos e santos falecidos; o uso de imagens
de escultura como objetos de veneração; a missa como sacrifício incruento
de Cristo; a exaltação de Maria como mãe de Deus, imaculada,
intercessora, mediadora, corredentora, rainha do céu; extrema unção; o
purgatório; a adoração da cruz, de imagens e relíquias; a água benta; a
canonização dos santos mortos; o celibato; o rosário; a inquisição; a venda
de indulgências; a transubstanciação; a confissão auricular; a adoração da
hóstia; a proibição da Bíblia aos leigos; a proibição do cálice ao povo na
comunhão; a doutrina dos sete sacramentos e muitos outros desvios
doutrinários.

Desta forma, não é difícil compreender que em algum momento viriam


conflitos dentro da igreja, afinal suas doutrinas falsas e heréticas estavam
dominando o meio da mesma. Essas por sua vez naturalmente acabaram causando
problemas de relacionamento pessoal entre os membros da igreja o que demonstrou
que as causas dos conflitos estavam também no âmbito relacional.

2.2 ÂMBITO RELACIONAL

1 Lopes, p.43.
10

Nesse âmbito, três questões cooperaram para o aumento dos conflitos e


declínio interno na igreja:

2.2.1 Corrupção do clero

A corrupção mostrou que a “igreja falhou ruinosa e vergonhosamente na


queda do caráter do clero”2. Duas causas marcaram a corrupção: o abuso de
autoridade e a enorme riqueza material que a igreja possuía, que era usufruída pelo
seu clero, particularmente pelos elementos da alta hierarquia. Dr. Nichols 3 afirmou
que devido a essas causas, o egoísmo dominava a vida da maioria do clero, levando
às práticas da simonia, da avareza e da imoralidade.
Essa corrupção de certo modo mostrou que o relacionamento dentro do clero
estava voltado para os desejos pessoais.

2.2.2 Degradação da religião

Este é outro grande motivo de aviltamento da igreja medieval ou papal – o


evangelho foi substituído por uma religião de ritos sacramentais que outorgavam
uma salvação mágica. De certa forma, esse ponto explica de forma simples a
degradação doutrinária dentro da igreja.
Essa degradação mostra a falha no relacionamento dos “homens de Deus”
com o próprio Deus. Estava pautado nos desejos pessoais, o que por sinal fez da
religião aproveitamento pessoal.

2.2.3 O povo abandonado

A igreja estava sendo dirigida por um clero negligente e egoísta, o que


redundou na falha em não atender às necessidades espirituais do próprio povo4.
Não houve o cuidado de organizar novas igrejas e de preparar sacerdotes para as
cidades. Segundo o Dr. Nichols, “em muitas delas, cheias de imundície e de

2 Nichols, p.139.
3 Idem, p.140.
4 Idem, p.141.
11

ignorância, milhares de pessoas pobres viviam sem assistência cristã tanto em


relação ao corpo como à alma”5. O relacionamento dos líderes eclesiásticos para
com o povo era apenas uma fachada. Isso geralmente acontece quando os líderes
estão com a mente somente em si mesmo.

2.3 A QUEDA DO PAPADO (1309 – 1439)

O papado teve na idade média três momentos: Crescimento (590 – 1073),


Culminância (1073 – 1216) e Decadência (1216 – 1453). As práticas doutrinárias e
relacionais erradas encontram-se nesses três momentos que culminam com o
declínio da igreja.

2.3.1 Bonifácio VIII

Após o papado ter sofrido alguma perda de influência durante os fracos


pontificados de alguns papas, Bonifácio VIII subiu ao trono. O professor de História
da Igreja do Instituto Bíblico Peniel selecionou alguns acontecimentos na vida deste
homem6:
Ele tinha as mesmas pretensões que os outros Papas, porém não era
obedecido; proibiu o rei da Inglaterra de ditar leis que cobravam impostos
das propriedades da Igreja e sobre as receitas dos sacerdotes, porém foi
obrigado a recuar; questionou com Felipe, rei da França, o qual declarou
guerra. O rei apoderou-se do Papa e o encarcerou. Foi libertado e logo
depois morreu de tristeza.

A partir de 1305, durante 70 anos, todos os Papas foram escolhidos pelo rei
da França e ficaram submissos a ele. A queda aconteceu de fato, afinal “o poder que
governava o mundo fora publicamente envergonhado, e não houve ninguém que
levantasse a mão para defendê-lo”7.

2.3.2 O cativeiro Babilônico (1309 – 1377)

5 Idem.
6 Ishy, p.25.
7 Nichols, p.144.
12

A sede do Papa foi transferida de Roma para Avignon, sul da França (1305-
1377) e por isso foram submissos ao Imperador, isto é, ao rei da França. O fato de
mudar-se de Roma constituiu uma queda irreparável de autoridade. Até mesmo os
mais ignorantes sentiram isso. As ordens papais eram desrespeitadas, inclusive a
excomunhão.

2.3.3 O grande cisma (1378 – 1417)

Como se o cativeiro não fosse suficiente, aconteceu o Grande Cisma no


papado. Este não deve ser confundido com o Grande Cisma ocorrido em 1054. Em
1377, o Papa Gregório XI, voltou a Roma. Por mais de trinta anos8 haviam dois
papas, um em Avignon e outro em Roma. Uns aceitavam o de Avignon e outros o de
Roma, portanto havia uma divisão clara na igreja.
A situação era tão deplorável que os cardeais de ambos os papas
convocaram um concílio geral para acabar com o Cisma, concílio este que se reuniu
em Pisa, em 1409, e escolheu um novo papa. Todavia, desde que os dois já
existentes se recusavam a renunciar, ficaram três papas.
Cinco anos depois em 1414 houve o Concílio de Constança a fim de decidir
as reclamações de quatro Papas existentes. O Concílio depôs os quatro e escolheu
um novo Papa chamado Martinho V, todavia o papado jamais voltou a ser o que fora
antes. O historiador Blainey conta que o:

Grande cisma havia chegado ao fim. Sua longa duração, porém, abalara
seriamente a autoridade papal. Assim, quando talentosos sacerdotes
reformistas, como Wycliffe, questionaram a atuação da igreja, apenas
repetiam a estratégia dos cardeais e bispos que, ao permitir que a situação
chegasse ao ponto de haver tres papas ao mesmo tempo, tinham provado
que nenhum deles possuía autoridade divina9.

Com isso, como explanou Dr. Cairns: “O cativeiro e o Grande Cisma


fomentaram o clamor cada vez maior por reforma da Igreja Romana.”10 Nessa linha
de pensamento aparece os precursores da reforma, homens piedosos – João
Wycliffe e João Huss.

8 Idem, p.145.
9 Blainey, p.157.
10 Cairns, p.221.
13

3 OS PRECURSORES DA REFORMA – HOMENS PIEDOSOS

Nesse mesmo período apareceram os pré-reformadores, João Wycliffe e João


Huss que diante dos conflitos existentes e desordem no cerne da igreja,
empenharam-se mais em uma tentativa de retorno ao ideal de igreja representado
no Novo Testamento com base da Palavra de Deus. Inclusive, eles foram capazes
de capitalizar o sentimento nacionalista antipapal durante o período do Cativeiro
Babilônico quando o papa residia em Avignon.

3.1 JOÃO WYCLIFFE (1324 – 1384)

Nasceu na Inglaterra em meados do século XIV, filho de camponeses, viveu


durante a época do “cativeiro Babilônico” do papado. Erudito, formou-se em teologia
em Oxford, onde se tornou doutor em teologia e chefe do Conselho da Universidade.
Além disso, o mesmo era um polemista demolidor, escritor fluente, pregador
ungido11 e crítico de quase tudo que poderia razoavelmente ou não ser criticado,
incluindo os mosteiros e suas propriedades, a liberdade sexual de muitos padres e
monges12.
Iniciou um movimento pela libertação do domínio romano e a reforma da
Igreja, além de atacar o monacato e recusar a autoridade papal. Por isso foi
chamado de A estrela da Alva da Reforma13. De fato, afirmou que Cristo, e não o
papa, era o chefe da Igreja. Era um homem respeitado em todas as classes sociais,
pois se identificava com os pobres, interessando-se pelos seus problemas. Inclusive
nessa época da vida, ele era padre de Lutterworth14. Expunha-lhes as Escrituras em
linguagem simples, o que o fez mais admirado.
Seu primeiro embate foi contra o suposto direito do papa de cobrar impostos
ou taxas da Inglaterra, afinal desagradava ao povo inglês enviar dinheiro para um
papa em Avignon que estava a sob influência do inimigo da Inglaterra, o rei
Francês15. O cisma papal contribuiu muito para espalhar os pontos de vista de

11 Lopes, p.48.
12 Blainey, p.154.
13 Idem.
14 Nichols, p.146.
15 Cairns, p.225.
14

Wycliffe. Desta forma ele denunciou o papado e toda a organização clerical,


sustentando a tese de que não deveria haver distinções de classes dentro do clero.
Nesse ínterim, em uma obra de 1376 intitulada Of Civil Dominion (Sobre o
Senhorio Civil), ele exigia uma base moral para a liderança eclesiástica. Deus
concedia aos líderes eclesiásticos o uso e a posse dos bens, mas não a
propriedade, como um depósito a ser usado para a glória Dele.
Além disso, como ressaltou o professor Tiago Ishy16:

Escreveu contra a doutrina da transubstanciação, considerando o pão e o


vinho meros símbolos, além de querer serviços mais simples na Igreja
(como no Novo Testamento). Só não foi martirizado porque tinha a proteção
dos nobres e influentes da Inglaterra.

Wycliffe defendia a ideia de que todo o mundo deveria poder ler as Escrituras
na própria língua. Afirmou: “Visto que a Bíblia contém Cristo – tudo o que é
necessário para a salvação – ela é necessária para todos os homens, e não apenas
para os sacerdotes”17. Ele cria piamente na suficiência das Escrituras. James C.
Robertson18 diz:

Quando Wycliffe estava muito doente, e supostamente estava morrendo,


alguns frades foram até ele na esperança de fazê-lo confessar que se
arrependeu do que ele tinha falado, escrito e feito contra eles. Mas Wycliffe,
reunindo todas as suas forças, levantou-se em sua cama e disse, em
palavras que foram parcialmente tiradas do 118º Salmo: "Eu não morrerei,
mas viverei e declararei as más ações dos frades".

Com isso é importante salientar que de forma errônea muitos acreditam que o
retorno à Bíblia começou com João Calvino e, ou Martinho Lutero, mas não é
verdade. Antes da reforma, houve tentativas de fazer a igreja e o próprio papa
caminhar no sentido do retorno às Escrituras para sair do declínio do prestígio e do
poder do papa através de reformas de várias espécies, inclusive interna. Dentro
dessas reformas os conflitos estavam ocorrendo e como ressaltou o Dr. Earle E.
Cairns19:

O papado corrupto e extravagante que residia na França e não em Roma e


o cisma que resultou das tentativas de fazer o papa voltar para Roma
forneceram o ímpeto que levou [...] os reformadores, também conhecidos na

16 Ishy, p.33.
17 Idem.
18 Robertson, cap.51.
19 Cairns, p.219.
15

história como pré-reformadores [...] a procurarem formas de produzir um


reavivamento da vida espiritual dentro da igreja Católica Romana.

Por causa desses ensinos, Wycliffe foi condenado como herege pelo concílio
eclesiástico de Constança20 em Londres (1382). Desta forma, foi obrigado a
abandonador seu pastorado em Lutterworth. Diante disso, ele fez o seu grande
apelo ao povo inglês. Em muitos tratados, escritos em linguagem acessível ao povo
comum, atacou todo o sistema da igreja medieval e declarou que a Bíblia é a única
verdadeira regra de fé e prática.
Seu maior trabalho foi traduzir A Bíblia da Vulgata latina para o Inglês, o Novo
Testamento em 1380 e em 1384, com ajuda de outros e sobretudo de Nicolau de
Hereford21, o Velho Testamento.
O interessante como bem colocou Nichols é que antes de falecer:

Ele fundou e organizou a ordem dos sacerdotes pobres, conhecidos como


os lolardos, muitos dos quais eram estudantes de Oxford; a maioria porém
era constituída de pessoas de sua paróquia. Usando roupas grosseiras, de
pés descalços e de cajado na mão, dependendo de esmolas para o seu
sustento, eles percorreram toda a Inglaterra. Conduziam manuscritos dos
tratados de Wicliffe, sermões e porções bíblicas, e pregavam por toda
parte22.

Os discípulos de Wycliffe que foram chamados de “lolardos” chegaram a ser


numerosos. Mas, apesar de tudo que fizeram no tempo de Henrique IV e Henrique V
foram intensamente perseguidos e, por fim, exterminados.
É possível afirmar que tudo o que João Wycliffe fez influenciou na preparação
do caminho para a reforma. Ele deu aos ingleses sua primeira Bíblia no vernáculo e
criou o grupo dos lolardos para proclamar ideias evangélicas entre o povo comum na
Inglaterra. O interessante é que os estudantes boêmios que estudavam na Inglaterra
levaram suas ideias para a Boêmia, onde lançaram os fundamentos dos ensinos de
João Huss.

3.2 JOÃO HUSS (1369 – 1414)

20 Lopes, p.49.
21 Cairns, p.226.
22 Idem, p.14.
16

João Huss, homem piedoso, nasceu na Boêmia e ingressou na Universidade


de Praga aos 16 anos. A partir daí segundo Lopes, Huss passou o restante da sua
vida na capital, exceto seus dois últimos anos de encarceramento em Constança, de
onde saiu para ser queimado vivo 23. Era um homem muito culto, além de ser
sacerdote24 pelo que foi escolhido para um lugar de destaque25. Lá ensinou
brilhantemente a Palavra de Deus e com apenas 20 e poucos anos traduziu as
críticas de Wycliffe para o povo26. De fato, foi um dos leitores e seguidores de
Wycliffe, pregando as mesmas doutrinas, aliás, quando caíram em suas mãos as
obras deste outro homem de Deus, foi fortemente influenciado na sua forma de
pensar e agir.
Desta forma, proclamou a necessidade de se libertarem da autoridade papal,
afinal defendia que nenhum papa ou bispo poderia estabelecer doutrinas contrárias
à Bíblia, e que nenhum cristão verdadeiro poderia obedecer às ordens de um clérigo
se elas estivessem claramente equivocadas.
Por ser reitor da Universidade de Praga ao longo do tempo exerceu uma
grande influência no meio da massa, menos entre os líderes da igreja. Por isso,
Huss foi excomungado pelo Papa e a cidade de Praga recebeu censura eclesiástica
enquanto ele morasse ali. Apesar de ser excomungado, ao sair dali continuou
firmando seus ideais através de cartas.
Sobre as cartas escritas por Huss, o Dr. Thiago Borges27 afirma que pelo
menos dois motivos fizeram com que ele escrevesse essas cartas. O primeiro é sua
ausência de Praga, uma vez que fora censurado de estar ali, escreveu cartas, pois,
era o melhor caminho para continuar se comunicando com o povo, com o objetivo de
pastorear corações. O segundo motivo é sua querela com o Arcebispo Zbynek
causada pela acusação contra Huss por criticar de modo severo a moral do clero.
Desta forma, ele não parou de confrontar a igreja até que viesse a mudar.
Ele foi preso imediatamente após a sua chegada ao Concílio, o mesmo que
condenou os ensinamentos de Wycliffe e os seus.
Afirmou momentos antes da morte: “Deus é minha testemunha de que as
evidências contra mim são falsas. Eu nunca pensei nem tampouco preguei nada que

23 Lopes, p.49.
24 Cairns, p.227.
25 Nichols, p.146-147.
26 Blainey, p.155.
27 Aguiar, p.102-103.
17

não tivesse a intenção de, se possível, livrar os homens dos seus pecados. Hoje
morrerei satisfeito28” e profetizou: Hoje vocês estão matando um ganso (Huss), mas
em breve Deus levantará uma águia (Lutero), e a ela vocês não poderão matar.
Assim foi condenado e queimado em 1415.
Os perseguidores podem destruir o corpo dos homens, mas não podem
destruir ideias, e as de Huss foram disseminadas por seus seguidores. Não foi sem
motivo que os ensinos e o exemplo de Huss foram uma inspiração para Lutero
quando enfrentou problemas semelhantes na Alemanha de seus dias29.

28 Ishy, p.34.
29 Cairns, p.227.
18

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, ao analisar essa fração de tempo na história da igreja, fica evidente


a ação soberana de Deus e o quanto os conflitos que ocorreram foram fundamentais
para apontar a tão necessária reforma.
Algumas aplicações práticas para o cristão do século XXI são possíveis
extrair agora. A primeira é entender a importância de olhar para a história e aprender
com ela. A soberania de Deus é vista biblicamente na expressão do conselho de
Sua vontade (Filipenses 2.13).
A segunda aplicação é entender que é importante crer na suficiência das
Escrituras. Afinal ela é inspirada pelo próprio Deus (Deuteronômio 4.2; 2 Samuel
23.2; Isaías 1.10; Jeremias 1.2,9; Ezequiel 3.1,4; Oséias 1.1; Amós 3.1; 2 Timóteo
3.16; 2 Pedro 1.20-21). Isso não é sobre falar da suficiência, mas no dia a dia
mostrar essa crença de forma prática.
A terceira aplicação prática é entender que os conflitos existirão, mas, a
resolução sempre estará nas Escrituras e não no coração, afinal o coração é
corrupto (Jeremias 17.9).
Que Deus em sua infinita graça e misericórdia possa aplicar esse trabalho no
coração daqueles que após lê-lo se sintam encorajados a crer na soberania de Deus
e na suficiência das Escrituras.
Sola Scriptura
Sola Gratia
Sola Fide
Solus Christus
Soli Deo Gloria
19

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Thiago Borges de. Jan Hus: cartas de um educador e seu legado imortal.
São Paulo: Annablume; Fapesp; Consulado Geral da República Tcheca, 2012.

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do cristianismo. Tradução Neuza Maria


Simões Capelo. São Paulo: Fundamento Educacional, 2012.

CAIRNS, Earle Edwin. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja
cristã. Tradução Israel Belo de Azevedo, Valdemar Kroker. 3. ed. São Paulo: Vida
Nova, 2008.

ISHY, Tiago. Apostila de história da igreja. Instituto Bíblico Peniel. Jacutinga:


Missão Novas Tribos do Brasil, 2013.

LOPES, Hernandes Dias. Panorama da história cristã: a intervenção divina na


história. 3.ed. rev. e at. São Paulo: Hagnos, 2018.

NICHOLS, Robert Hastings. História da igreja cristã. Tradução J. Maurício


Wanderley. 14. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.

ROBERTSON, James Craigie. Apostila de História da Igreja. Tradução da Faterge


da obra original History of the christian church. Panorama: Faculdade de Teologia
Reformada Genebra.

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