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O que o cessacionismo não é

Por Nathan Busenitz

Muito barulho foi feito (nesse blog e em outro lugar) sobre os recentes comentários
anticessacionistas feitos por um pastor popular de Seattle.  Não desejo começar uma guerra de
palavras ou me envolver numa polêmica online.  Apenas espero fazer uma contribuição útil a
esse tema.

Nos últimos anos, investiguei o registro histórico sobre os dons carismáticos, especialmente o
dom de línguas.  Espero que o pastor citado, e seu coautor, tratem o material de forma
responsável em seus futuros trabalhos sobre o assunto (Quem sabe, talvez eles poderiam
estar abertos a um livro com dois pontos de vista?)

Além disso, também espero que, ao criticar a posição cessacionista, os autores não criem uma
caricatura do cessacionismo.  (Vou admitir que, com base no que li até agora, tenho medo de
que a caricatura já esteja em construção.)

Contudo, em um esforço para desmantelar uma deturpação falaciosa antes de ser construída,
ofereço os quatro seguintes esclarecimentos sobre o que o cessacionismo não é:

1. Cessacionismo não é contra o sobrenatural e nem nega a possibilidade dos


milagres.
Quando se trata de compreender a posição cessacionista, a questão não é se Deus continua a
fazer milagres hoje?  Cessacionistas reconheceriam prontamente que Deus pode agir a
qualquer momento e da maneira que Ele escolher. John MacArthur explica que:

Milagres na Bíblia (primariamente) ocorreram em três grandes períodos de tempo. O tempo de Moisés e
Josué, o tempo de Elias e Eliseu, e o tempo de Cristo e os apóstolos.   . . . E durante esses três breves
períodos de tempo, e somente neles, os milagres proliferaram; eles eram a norma, eram em
abundância. Agora, Deus pode interpor-Se no fluxo humano sobrenaturalmente a qualquer hora
que Ele quiser. Nós não o limitamos. O que simplesmente dizemos é que Ele escolheu limitar a Si
mesmo em grande medida àqueles três períodos de tempo.
Assim, o cessacionismo não nega a realidade de que Deus pode fazer o que Ele quiser,
sempre que Ele quiser. (Sl 115:3). O cessacionismo não coloca Deus numa caixa ou limita sua
prerrogativa soberana.

Ele reconhece que havia algo único e especial sobre o período e realização de milagres que
definiu os ministérios de Moisés e Josué, Elias e Eliseu, e Cristo e seus apóstolos. Além disso,
ele reconhece o fato aparentemente óbvio que esses tipos de milagres (como a divisão do mar,
a interrupção da chuva, a ressurreição dos mortos, o andar sobre a água, ou a cura instantânea
tanto de coxos como de cegos) não estão ocorrendo hoje.

Assim, os cessacionistas concluem que:

A era apostólica foi maravilhosamente única e está finalizada. E o que aconteceu nesse tempo, portanto,
não é o paradigma para a vida cristã. O paradigma para a vida cristã é estudar a Palavra de Deus, que é
capaz de nos tornar sábios e perfeitos. (Isto) é viver pela fé e não por vista.  (Ibid.)
Mas, será que Deus ainda pode fazer coisas extraordinárias no mundo de
hoje?   Certamente que sim, se Ele escolher. Na verdade, cada vez que os olhos de um
pecador são abertos para evangelho, e uma nova vida em Cristo é criada, isto nada mais é do
que um milagre.
Em seu útil livro, Continua? Samuel Waldron habilmente expressa a posição cessacionista
desta forma: 102):

Não estou negando os milagres no mundo de hoje no sentido mais amplo de ocorrências sobrenaturais e
providências extraordinárias. Estou apenas dizendo que não existem milagres no sentido mais estrito dos
operadores de milagres, que se utilizam de sinais miraculosos para atestar a revelação redentora de Deus.
Embora Deus nunca tenha se colocado para fora do Seu mundo, e ainda tenha liberdade para fazer o que
Lhe apraz, quando Lhe apraz, como Lhe apraz, e onde Lhe apraz, Ele deixou claro que o progresso da
revelação redentora, atestada por sinais miraculosos feitos por operadores de milagres, terminou na
revelação apresentada no Novo Testamento.
Portanto, a questão não é: Deus ainda faz milagres?  

Em vez disso, a questão definitiva deve ser esta: Os dons miraculosos do Novo Testamento
continuam operando hoje na igreja de tal forma que o que era norma nos dias de Cristo e
dos apóstolos deva ser esperado hoje?

A isso, todo cessacionista responderia que “não”.

2. O Cessacionismo não é fundamentado em uma única interpretação do “perfeito”


em 1 Coríntios 13:10.
Com relação a esse assunto, parece que existe tantas abordagens sobre “o perfeito” entre os
eruditos cessacionistas quanto existem comentaristas que escrevem a respeito de 1 Co 13:8-
13. O espaço desse artigo não permite uma investigação completa sobre o tema, mas somente
uma rápida explanação das principais posições.

As diferentes visões

(1) Alguns (como F.F. Bruce) argumentam que o próprio amor é o perfeito. Assim, quando a
plenitude do amor vier, os coríntios deixarão seus desejos infantis.

(2) Alguns (como B.B. Warfield) afirmam que o cânon completo da Escritura é o perfeito. A
Escritura é descrita como “perfeita em Tg 1:25, um texto em que a mesma palavra para
“espelho” (como no v. 12) é encontrada (em Tg 1:23). Assim, a revelação parcial será
aniquilada quando chegar a plena revelação da Escritura.

(3) Alguns (como Robert Thomas) afirmam que a maturidade da igreja é o perfeito.  Esta
abordagem é baseada na ilustração do verso 11 e a conexão entre esta passagem e Ef 4:11–
13. O momento exato da “maturidade” da igreja é desconhecido, embora esteja muito
associada ao fechamento do cânon e o fim da era apostólica (cf. Ef 2:20).

(4) Alguns (como Thomas Edgar) veem a condução do crente à presença de Cristo (no
momento da morte) como o perfeito. Esta perspectiva considera o aspecto pessoal da
afirmação paulina no verso 12. A experiência pessoal de Paulo do pleno conhecimento quando
ele for conduzido a presença de Cristo em sua morte. (cf. 2 Co. 5:8).

(5) Alguns (como Richard Gaffin) veem o retorno de Cristo (e o fim desta era) como o perfeito.
Este é o mesmo ponto de vista da maioria dos continuístas. Assim, quando Cristo voltar (como
descrito no capítulo 15), a revelação parcial, como nós conhecemos agora, será completada.

(6) Alguns (como John MacArthur) compreendem O estado eterno (no sentido geral) como o
perfeito. Esta posição interpreta o neutro de to teleion como uma referência ao sentido geral
dos eventos e não ao retorno pessoal de Cristo. Esta perspectiva combina as posições 4 e 5,
citadas acima. De acordo com esta perspectiva: “Para os cristãos, o estado eterno inicia na
morte, quando se encontram com o Senhor ou no arrebatamento, quando o Senhor o tomar
para Si. (John MacArthur, Primeira Coríntios, p. 366).
Destas perspectivas, eu acho as três ultimas mais convincentes do que as três primeiras. Isto
se deve principalmente, (eu confesso) ao testemunho da história da igreja. Dr. Gary Shogren,
após um profundo estudo de mais de 169 referências patrísticas a esta passagem, conclui que
a vasta maioria dos Pais da Igreja entendiam o perfeito  como algo que está além desta vida
(normalmente associando-o com o retorno de Cristo ou ao retorno de Cristo no céu.  Até
mesmo João Crisóstomo (que era claramente um cessacionista) via desta maneira.  Embora
não seja determinante, tal evidência histórica é de difícil rejeição.

Em todo caso, meu ponto aqui é simplesmente este: O intérprete pode tomar qualquer
uma das posições acima e ainda permanecer cessacionista.  De fato, existem
cessacionistas sustentando cada uma das posições listadas (como os nomes listados
indicavam)

Deste modo, Anthony Thiselton observa em seu comentário sobre esta passagem: “O único
ponto importante aqui é que poucos ou nenhum dos argumentos dos “cessacionistas” sérios
dependem de uma exegese específica de 1 Co 13:8-11 . . . Estes versos não devem ser
usados como polêmica em nenhum dos lados neste debate “(NIGTC, pp 1063-1064).

3. Cessacionismo não é um ataque à Pessoa ou à obra do Espírito Santo.


Na verdade, apenas o oposto é verdadeiro.  Cessacionistas são motivados pelo desejo de ver o
Espírito Santo glorificado Eles estão preocupados que, ao redefinir os dons, a posição
continuísta barateie a natureza extraordinária dos dons, diminuindo a verdadeira obra
miraculosa do Espírito nos estágios iniciais da igreja.

Cessacionistas estão convencidos de que, redefinindo a cura, a posição carismática apresenta


um mau testemunho para o mundo ao ver que o doente não está curado. Redefinindo o dom de
línguas, a posição carismática promove um tipo de jargão absurdo que vai contra tudo o que
sabemos sobre o dom bíblico. Redefinindo o dom de profecia, a posição carismática dá
credibilidade para aqueles que afirmam falar as palavras de Deus e ainda incorrem em erro.

Portanto, esta é a principal preocupação dos cessacionistas: Que a honra do Deus


Triúno e Sua Palavra sejam exaltadas – e que ela não seja banalizada por fracos
substitutos.

E o que fazemos para saber se algo é autêntico ou não?  Através de sua comparação com o
testemunho escrito das Escrituras. Será que ao irmos para a Bíblia para definirmos os dons
significa que estamos desprezando o Espírito Santo? Muito pelo contrário. Quando
examinamos as Escrituras, estamos indo ao próprio testemunho do Espírito Santo para
descobrir que Ele revelou os dons que Ele concedeu.

Como cessacionista, eu amo o Espírito Santo. Nunca iria querer fazer qualquer coisa para
desacreditar sua obra, diminuir os seus atributos, ou minimizar o seu ministério. Nem iria querer
perder nada do que Ele esteja fazendo na igreja de hoje.  E eu não sou o único cessacionista
que se sente assim.

Porque amamos o Espírito Santo pela incrível e contínua obra do Espírito no corpo de Cristo.
Suas obras de regeneração, habitação, batismo, selo, segurança iluminação, convencimento,
confrontamento, confirmação, enchimento, e capacitação são todos os aspectos indispensáveis
de seu ministério.

Porque amamos o Espírito Santo, somos motivados a estudar as Escrituras que Ele inspirou
para aprender a andar de modo digno, sendo caracterizado pelo seu fruto.  Ansiamos ser
cheios pelo Espírito (Ef 5:18) o que começa por sermos cheios de Sua Palavra (Cl 3:16-17) e
ser equipados com Sua espada, que é a Palavra de Deus (Ef 6:17).

Finalmente, por causa do amor que temos pelo Espírito Santo, o apresentamos de forma justa,
para entender e apreciar seus propósitos (como ele no-lo revelou em Sua Palavra), e alinhar-
nos com o que Ele tem feito no mundo. Isto mais do que tudo nos dá razão para estudar a
questão dos dons carismáticos (cf. 1 Co 12:7-11). Nosso objetivo neste estudo tem que ser
mais do que mera correção doutrinária.  Nossa motivação deve ser de obter uma compreensão
mais precisa da obra do Espírito Santo, de tal forma que possamos melhorar o nosso
rendimento no serviço a Cristo, para glória de Deus.

4. Cessacionismo não é um produto do Iluminismo.


Talvez a maneira mais fácil de demonstrar este ponto final é citar os líderes pré-Iluministas
cristãos que sustentavam uma posição cessacionista.  Afinal, é difícil argumentar que a teologia
de João Crisóstomo no século IV foi um resultado do racionalismo europeu do século XVIII.

Finalizando o assunto deste post, aqui estão dez líderes da história da Igreja a se considerar:

1. João Crisóstomo (c. 344–407):


A passagem inteira (falando sobre 1 Coríntios 12) é muito obscura, mas a obscuridade é produzida por
nossa ignorância dos fatos referidos e por sua cessação, fatos que ocorriam, mas agora não tem mais
lugar.
(fonte: João Crisóstomo, Homilias em 1 Coríntios, 36.7 Crisóstomo está comentando 1 Co 12:1-
2 como introdução ao capítulo inteiro. Citado de 1-2 Coríntios in: Ancient Christian Commentary
Series, 146.)

2. Agostinho (354-430):
Nos tempos antigos o Espírito Santo veio sobre os crentes e eles falaram em línguas, que não haviam
aprendido, conforme o Espírito concedia que falassem. Estes foram sinais adaptados ao tempo. Pois
aquilo foi o sinal do Espírito Santo em todas as línguas [idiomas] para mostrar que o Evangelho de Deus
era para ser espalhado a todas as línguas sobre a terra.  Isto foi feito por um sinal, e o sinal findou.
(Fonte: Agostinho. Homilias sobre a Primeira Epístola de João, 6.10. Cf. Schaff, NPNF, First
Series, 7:497-98)

3. Teodoreto de Ciro (c. 393 c. 466):


Em tempos antigos, aqueles que aceitaram a divina pregação e que foram batizados para a sua salvação,
receberam sinais visíveis da graça do Espírito Santo trabalhando neles. Alguns falaram em línguas que
eles não sabiam e que ninguém lhes havia ensinado, enquanto outros realizaram milagres ou
profetizaram.  Os coríntios também fizeram essas coisas, mas não usaram os dons como deveriam ter
usado. Eles estavam mais interessados em se mostrar do que em usar os dons para a edificação da
igreja . . . Mesmo no nosso tempo a graça é dada para aqueles que são julgados dignos do santo batismo,
mas não pode assumir a mesma forma que possuía naqueles dias.
(Fonte: Teodoreto de Ciro. Comentário sobra a primeira epístola aos Coríntios, 240, 43; em
referência à 1Co 12:1,7.  Citado de 1-2 Coríntios, ACCS, 117).

Nota: Os defensores do continuísmo, como Jon Ruthven (em seu trabalho, sobre a Cessação
dos charismata), também reconhece pontos de vista cessacionistas em outros Pais da Igreja
(como Orígenes, no século 3, e Ambrósio no século 4).

Além disso, a esta lista, podemos incluir o nome mais conhecido da Idade Média, o escolástico
do século 13, Tomás de Aquino.

Mas, vamos avançar para a Reforma e a era Puritana.

4. Martinho Lutero (1483-1546)


Na Igreja primitiva, o Espírito Santo foi enviado de forma visível.  Ele desceu sobre Cristo na forma de
uma pomba (Mt 3:16), e à semelhança de fogo sobre os apóstolos e outros crentes.  (At 2:3) Esse
derramamento visível do Espírito Santo foi necessário para o estabelecimento da Igreja primitiva, como
também foram necessários os milagres que acompanharam o dom do Espírito Santo. Paulo explicou o
propósito destes dons miraculosos do Espírito em 1 Co 14:22 “as línguas são um sinal, não para os que
creem, mas para os que não creem”.  Uma vez que a Igreja tinha sido estabelecida e devidamente
anunciada por estes milagres, a aparência visível do Espírito Santo cessou.
(Fonte: Martinho Lutero, traduzido por Theodore Graebner [Grand Rapids, Michigan:
Zondervan, 1949], pp  150-172. A respeito do comentário de Lutero sobre Gálatas 4:6.)

5. João Calvino (1509-1564):


Embora Cristo não declare expressamente se Ele pretende que esse dom [de milagres] seja temporário ou
a permaneça perpetuamente na Igreja, é mais provável que os milagres tenham sido prometidos apenas
por um tempo, para dar brilho ao evangelho enquanto ele era novo ou em estado de obscuridade.
(Fonte: João Calvino, Comentário sobre os Evangelhos Sinóticos,  III:389.)

O dom de cura, como o resto dos milagres, os quais o Senhor quis que fossem trazidos à luz por um
tempo, desapareceu, a fim de tornar a pregação do Evangelho maravilhosa para sempre.
(Fonte: João Calvino, Institutas da Religião Cristã, IV.19.18.)

6. John Owen (1616-1683):


Dons que em sua própria natureza excederam completamente o poder de todas as nossas habilidades, essa
dispensação do Espírito há muito cessou e onde ela agora é simulada por alguém, pode ser justamente
presumida como um delírio entusiasmado.
(Fonte: John Owen, Obras, IV:518.)

7. Thomas Watson (1620-1686):


Claro, há tanta necessidade de ordenação hoje como no tempo de Cristo e no tempo dos apóstolos,
quando então havia dons extraordinários na igreja, os quais agora cessaram.
(Fonte: Thomas Watson, As Bem-Aventuranças, 140.)

8. Mattew Henry (1662-1714):


O que eram esses dons nos é largamente dito no corpo do capítulo [1 Coríntios 12], ou seja, ofícios e
poderes extraordinários, concedidos a ministros e cristãos nos primeiros séculos, para a convicção dos
descrentes, e propagação do evangelho.
(Fonte: Mattew Henry, Comentário Completo, em referência a 1 Coríntios 12

O dom de línguas foi um novo produto do espírito de profecia e dado por uma razão particular, retirar o
judeu e demonstrar que todas as nações podem ser conduzidas à igreja. Estes e outros sinais da profecia,
começaram como sinais, e há muito cessaram e foram deixados para trás, e nós não temos nenhum
incentivo para esperar um avivamento deles; mas, pelo contrário, somos direcionados para o chamado das
Escrituras a mais certa palavra de profecia, mais certa que vozes dos céus, e ela nos orienta a tomar
cuidado, a busca-la e se firmar nela., 2 Pedro 1:29.
(Fonte: Mattew Henry, Prefácio ao Vol IV de sua Exposição do At e NT, vii.)

9. John Gill (1697-1771):


[Comentando 1 Coríntios 12:9 e 30,].

Agora esses dons foram concedidos comumente, pelo Espírito, aos apóstolos, profetas e pastores, ou
anciãos da igreja, naqueles primeiros tempos: a cópia de Alexandria, e a versão Latina da Vulgata, dizem,
“por um só Espírito”.
(Fonte: Comentário de John Gill de 1 Coríntios 12:9.)

Não; quando estes dons estavam presentes, nem todos os possuíam.  Quando a unção com óleo, a fim de
curar o doente, estava em uso, ela só foi executada pelos anciãos da igreja, e não pelos seus membros
comuns, que deveriam buscar o doente nesta ocasião.
(Fonte: Comentário de John Gill de 1 Coríntios 12:30.)

10. Jonathan Edwards (1703-1758):


Nos dias de sua [Jesus] encarnação, os seus discípulos tinham uma medida dos dons miraculosos do
Espírito, sendo habilitados desta forma para ensinar e fazer milagres.  Mas, depois da ressurreição e
ascensão, ocorreu o mais completo e notável derramamento do Espírito em seus dons milagrosos que já
existiu, começando com o dia de Pentecostes, depois da ressurreição Cristo e Sua ascensão ao céu.  E, em
consequência disto, não somente aqui e ali uma pessoa extraordinária era dotada de dons extraordinários,
mas eles eram comuns na igreja, e assim continuou durante a vida dos apóstolos, ou até a morte do último
deles, mesmo o apóstolo João, que viveu por cerca de cem anos desde nascimento de Cristo, de modo que
os primeiros cem anos da era cristã, ou o primeiro século, foi a era dos milagres.

Mas, logo após a finalização do cânon da Escritura quando o apóstolo João escreveu o livro do
Apocalipse, não muito antes de sua morte, os dons miraculosos tiveram seu fim na igreja. Pois, agora, a
revelação escrita da mente e da vontade de Deus estava completa e estabelecida. Revelação na qual Deus
havia perfeitamente gravado uma regra permanente e totalmente suficiente para Sua igreja em todas as
eras.  Com a igreja e a nação judaica derrotadas, e a igreja cristã e a última dispensação da igreja de Deus
estabelecidas, os dons miraculosos do Espírito já não eram mais necessários e, portanto, eles cessaram;
pois embora eles tenham continuado na igreja por tantas eras, eles se extinguiram, e Deus fez com que
fossem extintos porque já não havia ocasião favorável a eles.  E assim foi cumprido o que está dito no
texto: “Havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão. Havendo ciência,
desaparecerá”.  E agora parece ser o fim para todos os frutos do Espírito tais como estes, e não temos
mais razão de esperar que voltem.
(Fonte: Jonathan Edwards, sermão intitulado “O Espírito Santo deve ser comunicado aos
santos para sempre, na graça da caridade, ou amor divino”, em 1 Coríntios 13:8).

Os dons extraordinários foram dados para a fundação e o estabelecimento da igreja no mundo. Mas,
depois que o cânon das Escrituras foi concluído e a igreja cristã foi plenamente fundada e estabelecida, os
dons extraordinários cessaram.
(Fonte: Jonathan Edwards, Caridade e seus frutos, 29.)

*****

Poderíamos adicionar a esta lista outros nomes: James Buchanan, R.L. Dabney, Charles
Spurgeon, George Smeaton, Abraham Kuyper, William G.T. Shedd, B. B. Warfield. A.W. Pink, e
assim por diante. Mas, tem que se admitir, eles são figuras históricas pós-iluministas.

Então, acho que é melhor usar seu testemunho numa outra postagem.

O que dizer sobre profecias e línguas hoje?


Por Richard B. Gaffin, Jr.

A Confissão de Fé de Westminster, insistindo que a Escritura é suficiente em nossos dias,


afirma que “aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo” como “tendo
cessado” (I.1). Nós, que aderimos a essa doutrina somos assim chamados frequentemente de
“cessacionistas”. Esse rótulo carrega muita bagagem. Por si só, soa negativo. Nos debates
atuais sobre os dons do Espírito Santo, ele sugere algo que é contra. De início, então,
precisamos corrigir alguns equívocos sobre o “cessacionismo”.

Nós não afirmamos que o Espírito de Deus não está trabalhando ativamente em formas
dinâmicas e dramáticas. Nós sinceramente acreditamos que ele está. O que, por exemplo,
pode ser mais poderoso e impressionante, mesmo milagroso, do que a reversão de 180 graus
que ocorre quando o Espírito transforma os mortos em seus pecados, naqueles vivos para as
boas obras? Trata-se de nada menos do que uma obra de ressurreição, de (re) criação (Ef 2:1-
10). Isto é realmente incrível!
Nem acreditamos que todos os dons espirituais cessaram e não estão mais presentes na
igreja. Em causa está a cessação de um número limitado de tais dons. A continuação do
grande restante não está em discussão.

As pessoas às vezes me dizem: “Você está colocando o Espírito Santo dentro de uma caixinha
de fósforos”. Pelo menos duas respostas vêm à mente. Em primeiro lugar, eu tomo esta carga
para o coração. É de nenhuma maneira um perigo imaginário que possamos limitar
indevidamente as nossas expectativas de trabalho do Espírito em nossa teologia. Devemos
sempre lembrar o fator de imprevisibilidade que Jesus observa em João 3.8 (o Espírito é como
um vento imprevisível). Qualquer sã doutrina da obra do Espírito Santo vai se contentar com
um resto não contabilizado, uma área de mistério.

Em segundo lugar, no entanto, como tentarei mostrar, o próprio Espírito Santo “falando na
Escritura” (Confissão de Fé de Westminster, I.10), coloca sua atividade “em uma caixa”, se
você quiser – uma caixa tomada de sua própria soberania. A Bíblia não trata de um puro
capricho do Espírito. O Espírito é de fato o Espírito de ardor, mas ele é também, e não menos,
o Espírito de ordem (1 Coríntios. 14.33, 40). É impressionante o fato de a Escritura enfatizar
particularmente a ordem numa discussão dos dons espirituais! Um desafio perene para a igreja
é buscar este ardor ordenado, ou, se você preferir, este ardor-infundido do Espírito.

Primeiro, a fundação; depois, a superestrutura

De acordo com o Credo Niceno, a Igreja “santa e católica” também é “apostólica”. O que isso
significa? O que constitui a apostolicidade da igreja? A obtenção de uma resposta bíblica a
essa pergunta é o primeiro passo importante para vermos que a Palavra de Deus ensina que
certos dons do Espírito, de fato, cumpriram seu propósito e cessaram.

Efésios 2.11-22 fornece um panorama tão compreensivo sobre a igreja do Novo Testamento
quanto qualquer passagem nos escritos de Paulo ou, por falar nisso, no resto das Escrituras.
Usando uma metáfora bíblica favorita (cf. 1 Pedro 2.4-8), Paulo diz que a igreja ― composta
agora de gentios bem como de judeus ― é o grande projeto de construção que Deus, o mestre
arquiteto-construtor, está edificando dentro do período compreendido entre a exaltação de
Cristo e seu retorno. A igreja é “a família de Deus, edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” (vs. 19-20).

Duas considerações intimamente relacionadas são dignas de nota nesta descrição. Primeiro,
observe que o fundamento em vista está terminado. É uma entidade historicamente completa.
Quando um construtor sabe o que está fazendo (como podemos assumir que Deus faz!), ele
estabelece as bases uma vez somente, no início do projeto. A base não precisa ser transposta
repetidamente. Depois que ele estabelece os alicerces, ele constrói a superestrutura sobre
essa base. Do nosso ponto de vista, hoje, estamos no período de construção da
superestrutura. Cristo lançou as bases de sua igreja. Agora, ele está construindo sobre elas.

Em segundo lugar, esta conclusão é reforçada quando consideramos exatamente como os


apóstolos e profetas, juntamente com Cristo, são o fundamento da igreja.  “Porque ninguém
pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Co 3.11; cf.
15.3,4), o que claramente consiste na sua obra de salvação, em sua crucificação e
ressurreição. Mas os apóstolos também pertencem à fundação. Isso não é porque a obra
salvadora de Cristo é de alguma forma incompleta. É, antes, por causa do testemunho deles,
um testemunho ― autorizado pelo próprio Cristo exaltado ― que é totalmente revelacional (por
exemplo, At 1.22; Gl 1.1; 1Ts 2.13).

This unique role of the apostles in God’s historical unfolding of his saving plan comes to light in
Ephesians 2:20. We find a correlation all through the history of salvation to its consummation in
Christ (Heb. 1:1-2)—God’s word focuses on God’s deeds. And so the situation is this: to the
foundational once-for-all, finished work of Christ, God joined the foundational once-for-all,
finished apostolic witness to that work. God’s word focuses on God’s deeds. This was the matrix
for the eventual emergence of the books of the New Testament.
Este papel único dos apóstolos no desenvolvimento histórico do plano redentivo de Deus vem à
tona em Efésios 2.20. Encontramos uma correlação durante toda a história da salvação até sua
consumação em Cristo (Hb 1.1-2) ― a Palavra de Deus tem seu foco nas obras de Deus. E
assim, a situação é esta: Deus juntou, uma vez por todas, o testemunho apostólico com a obra
consumada de Cristo para estabelecer o fundamento de uma vez por todas, para essa
finalidade. A palavra de Deus tem seu foco nas obras de Deus. Esta foi a matriz para o
eventual surgimento dos livros do Novo Testamento.

Efésios 2.20 indica, então, que os apóstolos tiveram um papel temporário e não contínuo na
vida da igreja. Seu lugar esteve na importante fase de lançamento da fundação da história da
igreja. Sua função foi providenciar um testemunho canônico, autoritativo, infalível e revelatório
da consumação da história da salvação na obra consumada de Cristo. Aquela função foi
cumprida. Ela não pertence ao período de edificação da superestrutura que se seguiria. Antes,
isso prove a fundação completada  sobre a qual Cristo continua a edificar a superestrutura da
igreja.

Várias outras linhas de ensino do Novo Testamento confirmam que o ofício apostólico foi
temporário. Para alguém ser um apóstolo, um pré-requisito necessário era ter sido uma
testemunha ocular e ouvido o testemunho de Cristo antes de sua ascensão (At 1.21-26). Paulo
― em 1 Coríntios 15.7-9 (cf. 9:1) ― se via como alguém que atendia a essa exigência como
uma exceção. Junto com isso, ele parece claramente dizer aqui que ele era o último dos
apóstolos.

As Epístolas Pastorais estiveram em grande parte preocupadas em fazer a preparação


apostólica para o futuro da igreja após o tempo dos apóstolos. Duas dessas cartas são
dirigidas a Timóteo, a quem Paulo tinha visto mais do que ninguém no Novo Testamento, como
seu sucessor pessoal. No entanto, Paulo nunca o chamou de apóstolo. À luz da lógica
histórico-redentiva já observada, a “sucessão apostólica”, num sentido pessoal, é uma
contradição em seus termos. A apostolicidade da igreja não é garantida por uma sucessão
inquebrável e ininterrupta, de forma que homens sejam rastreados numa sucessão inversa até
chegar nos apóstolos. É algo que consiste na firme fidelidade à doutrina dos apóstolos ou na
tradição (2Ts 2.15) como está firmada nas Escrituras do Novo Testamento.

Muitos no movimento carismático concordam que os apóstolos ― no sentido daqueles que


estão “em primeiro lugar” entre os dons concedidos à igreja (1 Coríntios 12.28; Ef 4.11), como
os Doze e Paulo ― não estão mais presentes na igreja de hoje. A esse respeito, pelo menos,
entendendo assim ou não, a grande maioria dos carismáticos de hoje são, de fato,
“cessacionistas”. Qualquer um que reconheça a natureza temporária do apostolado, então,
precisa pensar ― à luz de outros ensinos do Novo Testamento ― quais outras implicações
podem ser acarretadas desta posição cessacionista básica.

O que dizer das profecias?

Efésios 2.20 afirma uma implicação, um passo muito importante. Essa passagem afirma que os
profetas, juntamente com os apóstolos, têm um papel fundamental. Quem são estes profetas?
Claramente, eles não são os profetas do Antigo Testamento. Em primeiro lugar, observe a
ordem das palavras: “apóstolos e profetas”, e não “profetas e apóstolos”. Mais importante
ainda, apenas alguns versos mais tarde e em palavras quase idênticas, os profetas em vista
são ditos pertencer ao “agora” da nova aliança, em contraste com as “outras gerações” da
história da aliança do passado (Ef 3.5). Alguns têm argumentado recentemente que esses
profetas são idênticos aos apóstolos (“os apóstolos que também são profetas”). Este ponto de
vista é pouco plausível em vista da próxima referência de Paulo aos apóstolos e profetas para
além deste contexto (Ef 4.11: “uns para apóstolos, outros para profetas”). Efésios 2.20 indica
claramente que a profecia era um dom temporário, dado para o período de estabelecimento da
fundação da igreja. Portanto, juntamente com os apóstolos, os profetas do Novo Testamento
não são mais parte integrante do momento presente da vida da igreja.

 
O que dizer das línguas?

1 Coríntios 14 trata da profecia e das línguas com muito mais detalhes do que qualquer outra
passagem do Novo Testamento. Uma leitura rápida mostrará que um contraste entre profecia e
línguas estrutura o capítulo inteiro como uma espinha dorsal (começando nos versos 2-3,
continuando por toda parte e culminando no versículo 39). A ampla preocupação do argumento
do apóstolo é mostrar a relativa superioridade ou preferência da profecia sobre as línguas. A
profecia é “maior” porque (como fala inteligível para os outros) edifica a igreja, enquanto
línguas (incompreensíveis para os outros) não traz edificação. A condição imediata, porém, é
que, quando as línguas são interpretadas, estão em pé de igualdade com a profecia para
edificar os outros (vs. 4-5). As línguas, quando não interpretadas, são eclipsadas pela profecia.
Mas as línguas interpretadas são funcionalmente equivalentes à profecia. E assim a Palavra de
Deus traça um laço estreito entre profecia e línguas. Podemos até dizer que as línguas, quando
interpretáveis e devendo ser interpretadas (vs. 13, 27), são um modo de profecia.

O que estes dois dons têm em comum, e a razão pela qual eles podem ser contrastados desta
forma, é que ambos são dons da Palavra. Especificamente, ambos são revelacionais. Ambos
trazem a palavra de Deus para a igreja no sentido primário original, não derivado.

O versículo 30 estabelece explicitamente que a profecia é revelação. Isto também é claro, entre
outras considerações, a partir dos únicos exemplos de profecia no Novo Testamento, aqueles
de Ágabo (veja Atos 11.27-28; 21.10-11) e do livro de Apocalipse (ver Apocalipse 1.1-3).

Que as línguas são revelação, isto é claro nos versos 14-19. Elas são discursos inspirados da
espécie mais imediata ― de fato, praticamente sem mediação. Em seu exercício, o dom de
línguas ignora completamente a “mente”, no sentido de que o intelecto do orador não produz o
que é dito. O Espírito Santo então assume a capacidade da fala e os órgãos de tal forma que
as palavras faladas não são próprias do orador, em qualquer sentido. Além disso, ao falar do
seu conteúdo como “mistérios” (v. 2), Paulo confirma o carácter plenamente revelador das
línguas (assim como a sua ligação com a profecia, veja 13.2). Em outras partes do Novo
Testamento, pelo menos, sem quaisquer exceções claras, esta palavra sempre se refere à
revelação, mais especificamente, ao conteúdo histórico-redentivo da revelação (por exemplo,
Mt 13.11; Rm 16.25-26; 1Tm 3.16).

Então, a partir dessas passagens que são mais pertinentes e decisivas, emerge uma
explicação básica para a cessação da profecia e das línguas. Pelo projeto sábio e gracioso de
Deus, apóstolos e profetas desempenharam um papel temporário na história da igreja. Eles
não continuaram existindo na igreja depois que a sua fundação foi lançada. Os “discursos”
histórico-redentivos para a edificação da igreja de Deus são como o fato dos apóstolos e
profetas não serem equipamentos permanentes (Ef 2.20). Nem o são as línguas, uma vez que
elas estão ligadas, como vimos, à profecia (1 Co 14). Eles, também, não permaneceram na
vida da Igreja, juntamente com o passar dos apóstolos e dos profetas (e outros meios de trazer
a palavra de Deus).

O que dizer sobre 1 Coríntios 13.8-13?

Muitos, no entanto, julgam que 1 Coríntios 13.8-13 ensina claramente que a profecia e as
línguas não cessarão até à segunda vinda de Cristo. Para eles, este é um texto “te peguei!” que
por si só resolve o problema. Mas será que esta passagem realmente implica nessa
conclusão?

Olhe atentamente para 1 Coríntios 13.8-13. Observe que o seu principal intento é comparar os
conhecimentos presente e futuro do crente. O conhecimento atual é parcial e obscuro (vs. 8-9),
em contraste com o conhecimento completo “face-a-face”, que será nosso (v. 12) com a
chegada “do que é perfeito” ou do conhecimento perfeito (vs. 10). Esta “perfeição” quase
certamente chegará quando Cristo voltar em poder e glória. Isso significa que esses dons não
cessarão até que a Segunda Vinda?
Esta conclusão vai além do objetivo deste texto. O ponto chave deste texto está no o caráter de
nosso conhecimento atual em particular, sobre a sua qualidade parcial. Os meios de
comunicação particular daquele conhecimento não é o ponto. Paulo tinha claramente uma
preocupação pastoral com o bom exercício de profecia e línguas na igreja de Corinto (capítulos
12-14). Portanto, é compreensível que ele os tenha mencionado neste contexto. Ele não
estava, no entanto, endereçando a questão do momento em que cessaria. Ao contrário, ele
estava enfatizando o caráter parcial, opaco de todo nosso conhecimento, até à volta de Cristo.
Isto é verdade, não importa por qual meio revelador o conhecimento vem (incluindo, por
implicação, mesmo a escrituração). Isto também é verdade, não importa quando esses meios
podem cessar.

Efésios 4.11-13 reforça essa interpretação. O Cristo exaltado “concedeu uns para apóstolos,
outros para profetas, … até que todos cheguemos à unidade da fé … à perfeita varonilidade
[ou, “o que é perfeito”], atingindo a medida da plenitude de Cristo”. É quase certo que a
“unidade” e “plenitude” do versículo 13 é o mesmo estado de coisas como a “perfeição” em 1
Coríntios 13.10. Efésios 4.13 talvez ecoa 1 Coríntios 13.10 também pelo uso da palavra
“perfeito” ou “maduro”. Esta é a situação que Cristo traz por seu retorno. Desde que é assim, se
lermos Efésios 4 como os não-cessacionistas insistem que devemos ler 1 Coríntios 13,
ficaríamos com a conclusão inevitável de que haverá apóstolos, bem como profecias e línguas,
até a segunda vinda de Cristo. Até mesmo muitos não-cessacionistas, no entanto, rejeitam
justamente esta conclusão.

Mas como eles podem fazê-lo de forma consistente? No que diz respeito aos dons, em relação
ao objetivo final em vista, de que maneira essa passagem difere de 1 Coríntios 13.8-13? Não-
cessacionistas que corretamente reconhecem que não existem apóstolos no sentido de Efésios
2.20 e 4.11 hoje não podem ter esses dois caminhos. Se essas passagens ensinam que a
profecia/profetas e línguas continuam até a Segunda Vinda, então elas também ensinam o
mesmo quanto aos apóstolos. Mas uma compreensão mais sã é simplesmente reconhecer que
essas passagens nem sequer abordam a questão sobre se profecia ou línguas (ou qualquer
outro dom) cessarão ou não antes da Segunda Vinda. Eles deixam a questão em aberto, a ser
resolvida por outras passagens.

Um dilema confronta os não-cessacionistas. Se a profecia e línguas (como eles funcionam no


Novo Testamento) continuam hoje, então os não-cessacionistas são confrontados com a
implicação totalmente prática e preocupante de a Escritura somente não é uma revelação
verbal suficiente de Deus. Na melhor das hipóteses, o cânon é relativamente fechado.
Alternativamente, se “profecia” e “línguas” de hoje não são revelacionais ou menos que
totalmente revelacionais ― como a maioria dos não-cessacionistas insistem ― em seguida,
esses fenômenos contemporâneos são incorretamente nominados. Eles são outra coisa que
não os dons de profecia e línguas que encontramos no Novo Testamento. Não-cessacionistas
estão presos em um anacronismo histórico-redentivo. Eles estão buscando dentro da fase de
construção da superestrutura da história da igreja a que pertencia à sua fase de lançamento da
fundação. Eles estão envolvidos no esforço contraditório de tentar manter que o cânon do Novo
Testamento está completo e fechado e, no entanto, ao mesmo tempo que os dons
revelacionais do período em que o cânon estava aberto ― para quando os documentos do
Novo Testamento ainda estavam sendo escritos ― continuar.

Mas a Palavra de Deus nos tira desse dilema. Ela nos mostra que pelo projeto sábio e gracioso
de Deus, profecia e línguas completaram seu papel e cessaram. O que permanece com
autoridade suprema e unicamente suficiente até Jesus voltar, é “o Espírito Santo falando nas
Escrituras” (Confissão de Fé de Westminster, I,10).

O autor é ministro da Orthodox Presbyterian Church, professor de Teologia Bíblica e


Sistemática no Westminster Theological Seminary em Philadelphia.

Traduzido por Charles Melo de Oliveira


Revisado por Ewerton B. Tokashiki

Cessaram os dons espirituais?


Por Donald MacLoad

Até aqui não temos falado nada acerca da mais controversa das afirmações pentecostais, a
saber, que a prova do batismo com o Espírito é a possessão de certos dons espirituais,
especialmente o dom de línguas. O protestantismo, tradicionalmente mantém a opinião de que
os dons miraculosos cessaram com a era apostólica. Todavia, Edward Irving (1792-1834)
afirmou que os dons eram para todas as épocas da igreja e sob a sua influência um grupo de
cristãos em Londres formaram a Igreja Católica Apostólica completa com apóstolos, profetas,
curas e o falar em línguas. O movimento de Irving se petrificou. Mas no século XX, do seio do
movimento wesleyano derivado do movimento da santidade se levantaram as igrejas
pentecostais, mantendo, segundo um de seus porta-vozes representativos que “na Bíblia o
falar em línguas é a única evidência do batismo com o Espírito.” Desde a Segunda Guerra
Mundial os aderentes desta opinião se multiplicaram dentro das principais denominações,
dando lugar ao neopentecostalismo. As igrejas reformadas não ficaram isentas desta influência
e muitas das igrejas independentes da Inglaterra e do País de Gales se dividiram tragicamente
sobre este tema.

Qualquer resposta bíblica a este movimento deve insistir em dois pontos fundamentais:
primeiro, que alguns dos dons cessaram; e segundo, que a Igreja de hoje permanece como
uma instituição completamente carismática. Este capítulo se limita somente ao primeiro ponto,
mas devemos ter em mente que, a longo prazo, a preocupação pela natureza carismática
positiva da igreja é mais importante que a negação das modernas pretensões carismáticas.

O APOSTOLADO

A posição pentecostal requer a perpetuação da exata situação que prevalecia na igreja


apostólica. Em particular requer que tenhamos todos os dons, todas as experiências e todos os
ofícios de que gozava a igreja primitiva. Todavia, a desesperança desta exigência chega a ser
evidente quando refletimos no ofício do apostolado. Que os seus dons tinham o claro propósito
de serem temporais fica demonstrado pelo fato de que um requisito essencial para o seu
apostolado era que tivessem visto a Cristo ressuscitado. Por isso, Pedro estabelece em At
1:21-22 que a pessoa escolhida para substituir Judas deveria ser “testemunha conosco de sua
ressurreição”. Paulo relacionou claramente o seu apostolado com este fato “e o último de
todos, como um nascido fora do tempo, me apareceu” (1 Co 15:8-9). Quando os gálatas
negaram o apostolado de Paulo, o assunto estava relacionado com este fato, que Paulo não
era um verdadeiro apóstolo porque nunca teria visto a Cristo e teria recebido o seu evangelho
de segunda mão. Paulo protesta vigorosamente que ele não recebeu o seu evangelho da parte
dos homens, mas por revelação de Jesus Cristo (Gl 1:12). O seu chamado para ser apóstolo
estava intimamente ligado ao fato de ter visto ao Filho de Deus (Gl 1:16).

O argumento de que não se repete os requisitos do apostolado é reforçado com o fato de que
os apóstolos nunca designaram sucessores, nem estabeleceram os requisitos que deveriam ter
tais sucessores. Eles estiveram contentes em deixar os evangelistas para a implantação de
novas igrejas, e o cuidado das existentes sob os cuidados dos pastores e mestres. O mais
próximo sucessor de um apóstolo que temos é Timóteo, mas ele é descrito como um
evangelista cuja autoridade não vai além de implementar, nas igrejas, as ordenanças que
Paulo estabeleceu.

A natureza temporal do apostolado está implícita em sua própria natureza. Era fundacional, a
igreja é edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e profetas” (Ef 2:20). A mesma ideia
ocorre em Ap 21:14, onde nos declara que os muros dos doze apóstolos. Claro que é verdade
que a edificação do templo espiritual continua em nossa era cristã (1 Pe 2:5), quando cada
pedra é escolhida e preparada. Mas o lançar das bases ou fundamentos, teve lugar de uma vez
para sempre na encarnação. Cristo era a pedra angular. Os apóstolos são os fundamentos. Isto
é de uma vez para sempre visto claramente no Novo Testamento. Assim como Cristo se
ofereceu uma única vez para sempre, da mesma maneira o é a fé, uma vez por todas entregue
aos santos (Jd 3). Consequentemente a atitude correta frente à tradição apostólica não é
desenvolvê-la e acrescer-lhe, senão que é de preservá-la (2 Ts 2:15). É uma herança sagrada
que deve ser conservada (1 Tm 6:20).

A unicidade[1] do período durante o estabelecimento da autoridade dos fundamentos é inerente


ao Novo Testamento, por isso, Oscar Cullmann está correto ao afirmar que “o escândalo do
Cristianismo é crer que nestes poucos anos, que para a história secular não tem nem maior,
nem menor significação que outros períodos, são o centro e a norma da totalidade do tempo.”

PROFECIA

Com a mesma confiança podemos sustentar que o dom de profecia cessou. No Novo
Testamento a profecia não era meramente um dom expositivo que capacitava um homem para
extrair o significado de uma vasta revelação, como o era no Antigo Testamento. Os profetas
eram instrumentos de revelação, homens a quem Deus lhes dava a conhecer a sua vontade e
a quem Ele autorizou atuar como seus porta-vozes. Na igreja de Corinto, por exemplo, os
profetas eram homens que tiveram revelações e “entenderam todos os mistérios”. Algumas
vezes, a revelação era uma pregação, e em outras era uma diretiva, e em outras ocasiões
(como no Apocalipse de João), era uma complexa revelação da mente de Deus que abrangia
uma ampla variedade de temas doutrinários, exortativos e escatológicos.

Portanto, temos o direito de esperar dos profetas “mistérios e revelações”. Quando aplicamos
este critério às profecias modernas, fica evidente, bem dolorosamente que o dom de profecia
cessou. As razões não estão longe de ser verificadas.

Em primeiro lugar, assim como o apostolado, a profecia era fundacional. O fundamento a que
se refere Ef 2:20 é o dos apóstolos e profetas. Durante o tempo de lançar os fundamentos,
assim como os seus predecessores do Antigo Testamento, os profetas estavam produzindo
material que mais tarde seria incorporado na Bíblia. Além disso, estes profetas estavam
resolvendo a urgente necessidade de instrução e guia para as responsabilidades diárias, até
que a igreja tivesse suficiente Escritura. Mas estas responsabilidades não poderiam prolongar-
se além da época de lançar os fundamentos.

Em segundo lugar, incluso dentro do Novo Testamento há a evidência de que o


restabelecimento do ofício profético (depois de um longo período de silêncio desde Malaquias a
João Batista) foi somente transacional. Enquanto se apresenta de forma proeminente na vida
da igreja conforme relatado em 1 Coríntios 12 a 14, se encontra quase ausente nas últimas
epístolas de Paulo, ou seja, as pastorais (Timóteo e Tito). Também está ausente em outros
livros tardios do Novo Testamento, tais como em 1 Jo. Isto fortemente sugere que o ministério
dos profetas estava suprimindo-se, inclusive antes que o cânon se fechasse.

Em terceiro lugar, sendo o ministério profético revelacional, estava intimamente relacionado ao


desenvolvimento do cânon. Enquanto o cânon estava incompleto, a igreja tinha que possuir
outros meios de acesso à mente de Deus, principalmente mediante a profecia. Agora que o
cânon está completo, tudo o que é necessário para a salvação, ou está claramente expresso
na Bíblia, ou pode-se deduzir dela por boa e necessária consequência, tal como nos recorda a
Confissão de Fé de Westminster (CFW I.6). Afirmar que a profecia ainda é necessária, é o que
mesmo que afirmar que a Bíblia está incompleta e imperfeita e que, portanto, necessita
suplementá-la. E se esta suplementação é oferecida pelos profetas pentecostais ou por
decretos papais, o princípio é o mesmo: a consciência da Igreja está atada mediante algo que é
adicional à Bíblia.

 
FALAR EM LÍNGUAS

O falar em línguas tem um lugar especial no pentecostalismo, não só como o comum dos dons,
senão como o sinal inicial do batismo com o Espírito Santo, o meio de manifestar profunda
devoção, e como sendo o supremo objetivo do anelo cristão. Apesar de todos os argumentos
avançados pelos carismáticos, não vemos razão alguma para abandonar o ponto de vista
tradicional de que o dom de línguas cessou com os apóstolos.

Por exemplo, parece indiscutível que como questão de fato este dom desapareceu. Isso não
significa que durante os séculos I a XX não existiram pretensões reclamando que este dom
ainda existe. Mas estas pretensões foram esporádicas, localizadas e duvidosas. Michael
Harper cita Justino, o mártir, em apoio a perpetuidade dos dons. Cullmann, com a mesma
confiança também cita Justino, o mártir, contra. Ainda mais significativo, durante o longo
período entre o Novo Testamento e Edward Irving, o dom de línguas nunca foi reclamado por
nenhum dos líderes mais proeminentes da Igreja. Isto é certo dos Pais da Igreja, tais como
Atanásio e Santo Agostinho, Bernardo e Crisóstomo, é verdadeiro também dos reformadores
como Martinho Lutero, Zwínglio, Calvino e Knox, e ainda o é de proeminentes pregadores
modernos como Whitefield, Chalmers, Spurgeon e Lloyd-Jones.

O fato de que este dom não foi concedido a estes grandes homens de Deus, com toda certeza,
é a resposta total à pretensão de Wesley (e com frequência repetida pelos pentecostais), que a
razão pela qual estes e outros dons declinaram era porque “os cristãos se tornaram pagãos e
somente tinham uma forma morta de Cristianismo.” É um absurdo depreciar como mortos, ou
como a caracóis inertes do Cristianismo homens como Chalmers ou Spurgeon, ou as igrejas
que eles representaram.

Outro fato que pesa fortemente contra o ponto de vista pentecostal é que atualmente é
extremamente difícil estar seguro em que consiste exatamente o dom de línguas. Seria
realmente temerário a quem empreender a tarefa de provar mediante exegese do Novo
Testamento que o que se entende hoje por dom de línguas corresponda ao dom que
prevaleceu no tempo dos apóstolos.

Pelo menos existem dois níveis de incerteza. Em primeiro lugar, está longe de ser claro que o
fenômeno descrito em At 2 seja o mesmo que de 1 Co 14. O primeiro descreve como “falar em
outras línguas”, enquanto o outro como “falar em línguas”. No livro de Atos os que falaram em
outras línguas foram facilmente entendidos pela multidão, mas em Corinto somente poderiam
ser entendidos por aqueles que tinham o dom especial de interpretação. Em Corinto os que
falavam línguas eram um sinal do juízo de Deus sobre os incrédulos, do qual não há registro
algum no livro de Atos. Em vista dessas dificuldades, não podemos assumir levianamente que
os dois fenômenos foram iguais.

Em segundo lugar, há incerteza quanto à natureza das línguas, e não somente há


discrepâncias quanto ao que ocorreu com as línguas do Novo Testamento, senão que também
há desacordo quanto ao que ocorre nas reuniões pentecostais hoje em dia. Segundo alguns
carismáticos, as línguas são línguas estrangeiras que podem reconhecer, e que a princípio,
podem ser traduzidas. Segundo outros, as línguas são uma forma de discurso extático, no qual
o cristão expressa conceitos e emoções que transcendem a linguagem, é o que Donald Gee
chama de “uma expressão quase espontânea, de algo que de outra maneira indizível.” Tais
expressões não somente seriam impossíveis de traduzir, senão também impossíveis de
interpretar. Segundo outros, o falar em línguas é “uma manifestação do Espírito de Deus
empregando os órgãos da fala humana.” De acordo com esta opinião, ainda que as expressões
tenham um padrão de linguagem, as cordas vocais são controladas não pelo intelecto humano
(o que permanece imóvel? 1 Co 14:14), senão pelo Espírito Santo.

No momento não é importante definir esta questão de identificação. Somente necessitamos


notar que não há acordo entre os eruditos de Novo Testamento, ou entre os próprios
pentecostais quanto ao que era, ou é o falar em línguas. Se o dom de línguas deveria ser um
sinal inicial para o batismo com o Espírito esta situação é estranha. Como posso saber que falo
em línguas, quando não sei o que era o falar em línguas?
 

IMPORTÂNCIA DECRESCENTE

Quanto ao problema de identificação devemos acrescentar que, no próprio Novo Testamento,


podemos ver uma decrescente importância do falar em línguas. No livro de Atos que nos leva
até o primeiro encarceramento de Paulo em Roma, o dom de línguas ainda é proeminente.
Todavia, este dom estava em evidência quando Paulo escreve a sua primeira carta aos
Corintos. Mas nas cartas pastorais não se menciona este dom, mesmo quando Paulo está
preocupado em estabelecer os requisitos para o ofício (o que inclui o dom de falar em línguas),
e em dar instruções detalhadas quanto à conduta no Culto e na Adoração e o comportamento
dos cristãos nas reuniões públicas. Além do mais, o dom de línguas não é mencionado
inclusive em ocasiões de desordem, nas epístolas do Senhor às sete igrejas da Ásia (Ap 2 e 3).
Tampouco é mencionado o dom de línguas nas epístolas de João apesar de que estas
epístolas mostram um considerável interesse no ministério do Espírito.

Estes fatos demonstram enfaticamente que o conceito de transição que temos aplicado ao dom
da profecia, pode-se aplicar igualmente ao dom de línguas. No tempo do cânon estava
completo, o dom de línguas havia, virtualmente desaparecido.

Este não é um argumento que os pentecostais aceitam facilmente. Eles afirmam que isso
equivale a meter tesouras na Bíblia e retirar grandes porções dela. Parte da resposta a isto é
que as porções cortadas não são tão grandes assim, porque as referências ao dom de línguas
são notavelmente poucas. Além do mais, afirmar que o dom de línguas não mais existe na
Igreja, não significa que as referências bíblicas digam que não tenham nada mais o que nos
ensinar hoje. Por exemplo, o comer comida oferecida aos ídolos, assim, não é um tema vivo
(até sabemos). Mas os princípios que Paulo estabelece no transcurso da discussão acerca
disso, são mais relevantes para a vida e prática cristã. Do mesmo modo, apesar do dom de
línguas ter cessado, o ensino de Paulo em 1 Co 14 tem ainda mais para nos dizer acerca da
natureza da adoração, e do uso dos dons que ainda continuam na igreja.

Mais importante ainda, na prática, cada cristão aceita que algumas partes da Bíblia foram
abolidas. Não mais oferecemos sacrifícios que foram prescritos em Levíticos, e não mais
limpamos os leprosos segundo o ritual do Antigo Testamento. Nem sequer os teonomistas
apedrejariam aos adúlteros e aos quebraram o dia do repouso, nem administram a circuncisão,
nem celebram a páscoa.

Mas, estas coisas não deixariam o Novo Testamento ainda mais completo, de tal modo que
para cada coisa que reclamamos precedente no Novo Testamento continuaria sendo a norma?
Desde o momento em que aceitamos que não temos mais apóstolos, então, rompemos com
este princípio. Reconhecemos que a Igreja do Novo Testamento tinha algo que não teremos.
Na realidade o conjunto de princípios e práticas abolidas é muito mais amplo do que numa
simples leitura esperaríamos. Hoje em dia os missionários não estão regidos pela diretiva de Lc
10:4 “não leveis bolsa, nem alforja, nem calçado e a ninguém saudeis pelo caminho”.
Tampouco estão sob as ordens de confinar a sua evangelização às ovelhas perdidas da casa
de Israel (Mt 10:6). Do mesmo modo, não estamos obrigados as decisões eclesiásticas de Atos
2 a 5, pelas quais os apóstolos se encarregavam de todo o ensino e toda a administração, e os
cristãos praticavam uma propriedade comum dos bens. Inclusive quando olhamos o
testemunho do Batismo com o Espírito Santo somente encontramos o que é uma vergonha
para o pentecostalismo, porque o sinal em At 2:2-3 não era somente o falar em línguas, senão
“um vento impetuoso e línguas distribuídas entre eles, como de fogo”. Se o dom de línguas é
normativo e perpétuo, então, por que não o são os outros sinais?

A verdade é que simplesmente não podemos congelar a revelação de At 2:4 ou em 1 Co 14:26,


como tampouco podemos congelá-la em Lc 10:4, ou Lv 17. A revelação é progressiva e
acumulativa, e ainda que Deus nunca negue a verdade do que Ele revelou anteriormente, Ele
decreta que algumas estruturas e instituições sejam abolidas. A segunda epístola de Paulo a
Timóteo não somente tem o mesmo direito de ser nossa norma, como a primeira escrita aos
Coríntios, mas resguardadas as diferenças, a primeira epístola a Timóteo, tem maior direito de
ser nossa norma porque se encontra mais distante da linha da revelação acumulativa.
A razão para o desaparecimento gradativo do dom de línguas é exatamente o mesmo que se
aplica a da profecia. O dom de línguas era um dom revelacional. Como os próprios teólogos
pentecostais o admitem, o falar em línguas somado à interpretação equivale à profecia, pois
“no Espírito ele falou em mistérios”. Como tal, satisfez as necessidades da Igreja enquanto o
cânon estava em formação, e daria lugar ao ministério expositivo do mestre quando a
revelação estivesse completa.

UM ESQUEMA NÃO BÍBLICO

O limite deste capítulo nos permite uma breve menção de outro argumento, todo o esquema
em que o pentecostalismo coloca o dom de línguas é antibíblico. A pretensão não somente é
que o falar em línguas persiste na Igreja, mas que é o indispensável sinal inicial de um batismo
especial com o Espírito Santo depois da conversão, o qual eleva aos que o experimentam a
uma “vida superior”, ou mais profunda devoção, poder grandioso e o encontro de um novo
gozo. Esta perspectiva é totalmente falsa. Como temos visto anteriormente, algumas das
maiores figuras da Igreja pós-apostólica nunca falaram em línguas e, e por isso, teriam que ser
classificados como cristãos de segunda categoria, se a doutrina pentecostal fosse verdadeira.
Além do mais, há uma considerável ambiguidade na doutrina. O batismo/falar em línguas é
algo que se alcança por nossa santidade? Ou é a causa da nossa santidade? Logicamente
esperamos que seja o segundo, que o batismo com o Espírito Santo é a precondição da “vida
superior”. Com efeito, a ordem é comumente invertida pelos pentecostais. Os “sete passos
fáceis” de Torrey incluem a renúncia a todo pecado conhecido, e faz com que a santidade seja
a condição do batismo com o Espírito. O lamento de Wesley, no sentido de que a Igreja não
tem dons espirituais porque está espiritualmente morta, pertence à própria perspectiva
pentecostal. Se a própria Igreja pudesse reviver, então, o Espírito retornaria.

Dois pontos a serem considerados.

É muito difícil defender que o falar em línguas do modo que prevalece hoje, seja um sinal
especial de espiritualidade cristã quando, segundo muitos observadores, o próprio fenômeno
pode ser encontrado entre as religiões não cristãs, tais como a religião muçulmana. O mesmo
problema é inerente na incidência do falar em línguas entre os católicos romanos carismáticos.
Não vamos ofender negando que muitos católicos romanos são devotos, ainda que cristãos
mal orientados, mas é difícil de se crer que qualquer um deles desfrute de uma grande medida
da plenitude do Espírito, ou possa até mesmo ter algum entendimento da Bíblia, ou até mesmo
algum entendimento da experiência da salvação, como para adorar imagens, render
homenagem à virgem, e também o distanciar-se (mediante um anátema) da doutrina de Lutero
acerca da justificação.

Finalmente, não há no Novo Testamento a mínima sugestão de que o falar em línguas seja um
sinal de especial espiritualidade. A igreja em Corinto não tinha falta de nenhum dom (1 Co 1:7).
Todavia, estava rodeada de uma multidão de problemas que iam desde desunião até a heresia
e imoralidade. Certamente não era uma igreja com “vida superior”. Além do mais, em 1 Co 13,
Paulo deixa claramente esclarecido que é possível falar em línguas humanas e angelicais,
todavia, sem ter amor. O próprio Cristo ensinou no mesmo sentido em Mt 7:22. Os homens
podem reivindicar que profetizaram, expulsaram demônios e realizaram milagres (todos em
nome de Cristo), e, todavia, serem totalmente estranhos à comunhão do Salvador. E quando
Paulo pergunta “todos falam em línguas?”, claramente espera uma resposta: “não!” Paulo não
dá a menor ideia de que isto fosse uma grande omissão que deveria ser remediada
instantaneamente.

NOTAS:
Você, provavelmente, também é um cessacionista!
Por Phillip Johnson

Se você crê que algum dos dons espirituais miraculosos foram operantes somente na era
apostólica, e que alguns ou todos aqueles dons cessaram gradualmente antes do final do
primeiro século, então, você é um cessacionista.

Se você crê que todos os dons espirituais descritos no Novo Testamento têm continuado com
toda a sua intensidade, sem mudança ou alteração desde o derramamento inicial de línguas
em Pentecoste, então você é um continuísta.

É muito difícil encontrar um continuísta real. Não-cessacionistas absolutos existem somente no


segmento bizarro do movimento carismático. Eles são o tipo de pessoas que gostam de
declarar outras como sendo “apóstolos”, reivindicando (e inevitavelmente abusando de) todas
as prerrogativas apostólicas, algumas vezes inventados histórias fantásticas sobre pessoas
ressuscitando dentre os mortos, torcendo e corrompendo virtualmente quase toda categoria de
doutrina relacionada ao evangelho, à expiação, ou ao discipulado e autonegação cristã.

Mas os carismáticos evangélicos (especialmente a variedade Reformada) não creem realmente


que haja apóstolos hoje que tenham a mesma autoridade que os Apóstolos na igreja primitiva.
Alguns podem usar o termo apóstolo, mas eles invariavelmente insistem que o apostolado que
eles reconhecem hoje é um tipo de apostolado inferior ao ofício e dom que pertenceram aos
apóstolos no primeiro século.

Agora, considere as implicações dessa posição: ao argumentar a favor de um tipo de


apostolado inferior, eles estão realmente concordando que o dom de apostolado autêntico e
original do Novo Testamento (Efésios 4:11) cessou. Eles mesmo têm, de fato, abraçado um
tipo de cessacionismo.

Nota: Não há uma garantia bíblica maior ou menor para essa visão do que para qualquer outro tipo de
cessacionismo.
Apesar de tudo, todo verdadeiro evangélico sustenta alguma forma de cessacionismo. Todos
nós cremos que o cânon da Escritura está fechado, correto? Nós não cremos que devemos
procurar adicionar novos materiais inspirados ao cânon do Novo Testamento. Nós sustentamos
a fé que foi de uma vez por todos entregue aos santos (Judas 3) – entregue na pessoa de
Cristo, através do ensino dos seus apóstolos, e escrituralizada no Novo Testamento. Cremos
que a Escritura, como a temos, está completa. E aqueles que não creem que ela está, não são
realmente evangélicos. Eles são hereges e falsos mestres, que querem adicionar algo à
Palavra de Deus.

Mas note isso: se você reconhece que o cânon está fechado e que o dom de apostolado
cessou, você já concordou com o cerne do argumento cessacionista.

De qualquer forma, isso não é tudo. A maioria dos “carismáticos reformados” famosos vão mais
adiante ainda. Eles livremente admitem que todos os dons carismáticos em operação hoje são
de uma qualidade inferior àqueles dons sobre os quais lemos no Novo Testamento.

Por exemplo, no livro o The Gift of Prophecy in the New Testament and Today (O Dom da
Profecia no Novo Testamento e Hoje)[1] de Wayne Grudem – provavelmente a obra mais
importante e influente escrita para defender a profecia moderna – Grudem escreve que
“nenhum carismático responsável sustenta” a visão de que a profecia hoje é a revelação
infalível e inerrante de Deus (p. 111). Ele diz que os carismáticos estão argumentando a favor
de um “tipo inferior de profecia” (112), que não é do mesmo nível que as profecias inspiradas
dos profetas do Antigo Testamento ou dos apóstolos do Novo Testamento – e que podem até
mesmo ser (e mui frequentemente são) falíveis.
Grudem escreve, há quase um testemunho uniforme a partir de todas as seções do movimento
carismático de que a profecia [de hoje] é impura, e contém elementos que não devem ser
obedecidos ou confiados.

Jack Deere, anterior professor do Seminário de Dallas, que se tornou um advogado do


movimento carismático, admite da mesma forma em seu livro Surprised by the Power of the
Holy Spirit  (Surpreendido pelo Poder do Espírito Santo),[2] que ele não tem visto ninguém hoje
realizando milagres ou possuindo dons da mesma qualidade que os sinais e maravilhas da era
apostólica. De fato, Deere argumenta veementemente por todo o seu livro que os carismáticos
modernos nem mesmo reivindicam ter dons de qualidade apostólica e capacidades de operar
milagres. Uma das principais linhas de defesa de Deere contra os críticos do movimento
carismático é sua insistência que os dons carismáticos modernos são realmente inferiores
àqueles disponíveis na era apostólica, e, portanto, ele sugere, eles não devem ser sustentados
como padrões apostólicos.

Novamente, considere as implicações dessa reivindicação: Deere e Grudem têm, com efeito,
concordado com todo o argumento cessacionista. Eles têm admitido que eles mesmo são um
tipo diferente de cessacionistas. Eles creem que os verdadeiros dons apostólicos e milagres
cessaram, e eles estão admitindo que o que eles estão reivindicando hoje não é o
mesmo charismata descrito no Novo Testamento.

Em outras palavras, os carismáticos modernos já têm adotado uma posição cessacionista.


Quando pressionados sobre o assunto, todos os carismáticos honestos são forçados a admitir
que os “dons” que eles recebem hoje são de qualidade inferior àqueles da era apostólica.

Aqueles que falam em línguas hoje não falam em dialetos inteligíveis ou traduzíveis, da forma
como os apóstolos e seus seguidores fizeram em Pentecoste. Os carismáticos que ministram
em campos missionários estrangeiros não são tipicamente capazes de pregar o evangelho
miraculosamente nas línguas dos seus ouvintes. Os missionários carismáticos têm que entrar
na escola de idioma como qualquer outra pessoa.

Se todos os lados já reconhecem que não há operadores modernos de sinais e maravilhas que
possam realmente duplicar o poder apostólico, então não temos nenhum argumento real sobre
o princípio do cessacionismo, e, portanto, todas as demandas histéricas para o suporte bíblico
e exegético para o cessacionismo são supérfluas. O ponto real de nossa discordância se reduz
somente a uma questão de grau.

Num livro muito útil, Satisfied by the Promise of the Spirit (Satisfeito pela Promessa do Espírito),
Thomas Edgar escreve

O movimento carismático ganhou credibilidade e aceitação inicial ao reivindicar que seus dons eram os
mesmos daqueles de Atos. Para a maioria este é o porquê eles são confiáveis hoje. Todavia, agora, umas
das suas defesas primárias é a reivindicação de que [os dons] não são os mesmos [que aqueles no Novo
Testamento]. Confrontados com os fatos, eles têm tido que revogar a própria fundação da sua razão
original de existência. (p. 32)
Quanto aos argumentos bíblicos, na própria Escritura, há ampla evidência de que os milagres
eram eventos extraordinários e raros, usualmente associados de alguma forma significante
com as pessoas que pronunciavam discursos inspirados e infalíveis. É óbvio a partir da
narrativa bíblica que os milagres foram declinando na frequência mesmo antes da era
apostólica aproximar-se do fim. A Escritura diz que os milagres foram sinais apostólicos (2
Coríntios 12:12), e, portanto, por definição, eles pertenceram especificamente e unicamente à
era apostólica.

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