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Publicadora das Assembléias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina.

Preparação dos originais: Gláucia V icter


Revisão: Alexandre Coelho
Capa: Flamir A m bró sio
Projeto gráfico e editoração: Flamir A m bró sio

CDD: 250 - Teologia

Casa Publicadora das Assembléias de Deus


Caixa Postal 331
20001-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Ia e d içã o/20 00
Dedicatória

alguém que> prima facie,


pareceu ser diferente de
m uitos que eu encontrei na
estrada da vida. E, à medida
que fu i tendo o privilégio de
desfrutar de sua amizade,
descobri que se tratava
de um "amigão".
Indice

Prefácio.......................................................................................... 9
Esclarecimento...............................................................................11
Introdução.................................................................................... 13

1. O que está por trás do G-12....................................................25


2. A prática da regressão psicológica e seus perigos.................. 45
3. A louca mania de querer mandar em Deus............................ 49
4. Confissão positiva....................................................................57
5. Teologia da prosperidade......................................................... 65
ó.Triunfalismo: o sofisma do supercrente.................................... 71
7. Guerra espiritual...................................................................... 77
8. Cura interior.............................................................................83
9. Maldição hereditária................................................................ 89
10. Caí no poder! O que me aconteceu?!................................... 101

Apêndices.................................................................................... 115
1. Oração por dentes de ouro..................................................... 115
2. Soteriologia de mercado......................................................... 120
3. Deus pesa a mão?.................................................................... 129
4. A prática da diabolização....................................................... 137

Bibliografia, 143
o meu prim eiro mandato com o presidente do C on­
selho de D outrina, assentei no meu coração fazer
uma cruzada de ensino em âm bito nacional. Expus
meu projeto para todos os conselheiros, que, p o r
unanimidade, aquiesceram em nos ajudar. Dando
concreção à visão de trabalho que Deus nos deu,
fizemos o Ia Simpósio de Doutrina no Rio de Janeiro,
na sede da Convenção Geral das Assembléias de Deus no
Brasil — CGADB.
Na o ca s iã o , fo i a b o rd a d o o te m a " D is to r ç õ e s
Contemporâneas". A p a rtir desse tema, foram estudados
assuntos como: teologia da prosperidade, maldição hereditária,
cair no poder, confissão positiva, triunfalism o etc.
Após o simpósio,o Conselho de Doutrina deu o seu parecer
em relação aos assuntos discutidos. N o documento entregue
à CPAD para ser editado em um de seus periódicos, o Conselho
de Doutrina deixou bem claro que tais modismos eram heresias
e as Assembléias de Deus não os admitiam em suas igrejas.
Porém, as distorções teológicas que pareciam ter arrefecido,
voltam agora dentro de um "pacote" maquiado por um"podero-
so método" de crescimento da igreja, cujo nome é G-12.

9
Portanto, mais do que nunca precisamos reafirmar as
doutrinas fundamentais da Bíblia Sagrada porque a crença
de muita gente está sendo abalada por esse Brasil afora,
pelos modismos que vêm desembarcando nas praias de nossa
nação, via mídia, livros, internet, acampamentos, encontros,
celebrações etc. A lg u n s, inclusive, trazendo verdadeiras
falsificações das verdades bíblicas.
Creio, po r isso e p o r outras razões sobejas, que este livro
é o contraponto de que precisamos para combater as heresias
atuais que gravitam sobre nossas igrejas.
O que está p o r detrás do G-12 possibilita ao le ito r fazer
uma análise de todos os modismos em voga e se certificar
da distorção doutrinária presente em cada um deles.
A s Assembléias de Deus no Brasil certam ente serão
beneficiadas p o r este trabalho, que visa fundamentalmente
esclarecer e explicitar pontos doutrinários divergentes das
Escrituras Sagradas.
Na introdução do livro, o autor, pr. Paulo Cesar Lima da
Silva, nos dá variadas pistas para discernirm os se um
m ovimento religioso é verdadeiro ou falso.
Na seqiiência do livro, o leito r terá a oportunidade de
estudar matérias tais como o m ovim ento G-12, regressão
psicológica, a louca mania de querer mandar em Deus,
confissão positiva, teologia da prosperidade, triunfalism o,
maldição hereditária, cura interior, cair no poder e tantos
outros assuntos pertinentes ao tema proposto pelo autor.
O autor deste livro ■ —■probo intérprete bíblico e crítico-
exegético — tem se esmerado em sempre denunciar
movimentos que fazem leituras bíblicas distorcidas.
Peço, portanto,ao le ito r que faça desta leitura uma forma
de ajudar pessoas que estão pressas a essas armadilhas
denominadas "nova revelação".

C am pin as, SP, 0 4 de a b ril de 2 0 0 0


Pr. Paulo R. Freire da C osta
P residente d o C o n s e lh o de D o u trin a da C G A D B

10
nEsclarecimento

o ler os assuntos que colocamos em tela neste livro,


lembre o leitor que não estamos julgando, de forma
nenhuma, a subjetividade de qualquer um e nem
tampouco a legitimidade da fé de quem quer que
seja, mas, p o r desencargo de consciência, sentimo-
nos impelidos a invocar a razão dos fatos.
Se de um lado somos admoestados pelo Mestre da
Galiléia a não em itir juízo de valor sobre a individualidade
das pessoas, de o u tro , somos informados peio mesmo Jesus
que o falso — pelo menos aquele que fica exposto à
percepção concreta, aquele que não pode mais se esconder
— deve ser combatido.
Perdoe-me o leitor por se sentir constrangido lendo sobre
este assunto, mas não podemos co n fu n dir o bem com o
mal, o certo com o errado, mesmo que haja, algumas vezes,
aparente semelhança.
Os equívocos,as discrepâncias doutrinário-teológicas que
vêm proliferando a olhos vistos, sem que ninguém tom e
providência, têm se constituído verdadeiro acinte contra
aqueles que buscam a coerência e o bom senso bíblico.

II
Entenda o le ito r que o nosso posicionamento aqui não é
d irig id o a nenhum grupo religioso em especial, nem a
nenhuma pessoa, mas com batem os idéias que tentam
manipular a fé ingênua do povo, levando-o a práticas cristãs
catastróficas.
Criticamos, sim, m étodos objetivamente falsos, fórmulas
mágicas, meios exageradamente apelativos etc., que alguns
grupos vêm utilizando para te r crescimento rápido, com o se
isso fosse a condição sine qua non da obra de Deus. Isso
porque o p ró p rio Jesus C risto, o Filho de Deus, condenou
vorazmente as formas, o s métodos e os meios que os fariseus
utilizavam para levar o povo a Deus, definindo-as como
práticas enganosas, mentirosas e passivas de juízo.
Por o u tro lado, entendo também que Jesus deixou claro
em João 7.24 que devemos julgar "segundo a reta justiça",
deixando sempre as aparências de lado.
O teólogo — tanto o que faz teologia de dentro para
fora, como o que faz teologia de fora para dentro — tem
papel preponderante na condução de uma análise imparcial
sobre toda a sorte de métodos utilizados pelo povo em
relação a Deus,ao sagrado,a fim de dar o seu veredicto à luz
da Bíblia Sagrada.
O m ovim ento G-12 é analisado sob esse critério, bem
como algumas outras tendências que nada têm a ver com o
G-12, mas que verdadeiram ente influenciaram , e ainda
influenciam, muitos cristãos neófitos.

12
cautelai-vos, porém , dos falsos profetas, que vêm até vós
vestidos em ovelhas, mas interiorm ente são lobos de­
voradores. Pelos seus frutos os conhecereis. Porventura,
colhem-se uvas dos espinheiros ou figo dos abrolhos?
Assim, toda ávore boa produz bons fru to s, e toda árvore
má produz fru to s maus. Não pode a árvore boa dar maus
fru to s, nem a árvore má dar fru to s bons. Toda árvore
que não dá bom fru to corta-se e Iança-se no fogo. Por­
tanto, pelos seus fru to s os conhecereis. Nem to d o o que me diz:
Senhor! Senhor! entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a
vontade de meu Pai, que está nos céus (M t 7.15-21] - Bíblia de
Estudo Pentecostal.

Esta advertência de Jesus sobre os falsos profetas,


utilizando-se das figuras (mãshãí] ovelhas e lobos e árvores
boas e más, não nos dá absolutamente autoridade para julgar
a subjetividade de quem quer que seja, mas, po r o u tro lado,
tira aquela visão simples e ingênua de quem acredita em
tu d o e em todos, sem o mínimo de discernimento.
Temo profundamente por aqueles que andam confundindo
o bem com o mal, o verdadeiro com o falso, por causa do

13
nível de semelhança que, às vezes, há entre um e outro. Mas
temo também p o r aqueles que julgam as coisas e as pessoas
só pela aparência, através de uma visão preconceituosa.
A s aberrações, as contradições, as discrepâncias, os
absurdos que vêm proliferando no contexto cristão hodierno
têm se constituído uma afronta àqueles que lutam e se
esforçam pelo cum prim ento da verdade e da coerência.
É certo que não devemos ser juízes de ninguém, mas, por
o u tro lado, não devemos ser uns tolos facilmente enganados.
Há, segundo o que nos ensina Jesus neste mãshãl [figura]
meios de se reduzirem os riscos de engano a níveis bem
menores do que aqueles com os quais em geral trabalhamos
para estabelecer a diferença entre o falso e o verdadeiro.
C ontudo, não obstante todas essas recomendações para
que não se cometa o pecado de fazer juízos temerários,
preconceituosos,aleatórios e definitivos sobre alguém,a Bíblia,
a Palavra de Deus, não nos deixa entregues às oscilações das
marés nem entregues a um tip o de relativismo irreversível.
Há alguns princípios bíblicos que, se forem entendidos
e aplicados com sabedoria e precisão em algumas dessas
"novas" interpretações das Escrituras, certamente coibirão
o avanço dos exageros e dos equívocos teológicos da
atualidade.
Por isso,e mesmo por razões de desencargo de consciência,
é que exponho ao le ito r alguns princípios que servirão de
parâmetros para uma interpretação bíblica fundamentada.
Nisso o ensinador bíblico exerce papel extremamente
preponderante. É ele quem analisa, no exercício da sua função
de homem de Deus e estudioso da Palavra, todos os objetos
que são alvos da fé cristã, uma vez que aceitamos como
sendo de Deus muita coisa herética e sem nenhum apoio
bíblico. Por isso o papel do ensinador com prom etido com
Deus e com sua Palavra é extremamente im portante, pois é
o discernim ento bíblico que lança luz sobre assuntos
eminentemente duvidosos. Detalhe: o critério de julgamento

14
do ensinador bíblico coerente e justo não pode ser subjetivo.
Não. A Bíblia Sagrada deve ser rigorosamente o seu parâmetro.
Assentado isso, vamos discorrer sobre alguns princípios que
nos levam a juízos absolutamente coerentes em relação a variadas
manifestações do sobrenatural no meio cristão hodierno.
1. Deus não fala sempre que falamos p o r Ele. Ninguém tem
garantias de que o fato de estar falando em nome de Deus e
de estar defendendo hoje uma causa que Ele já defendeu
esteja fazendo a vontade de Deus. A razão para isso é simples:
Deus nem sempre defende as mesmas causas. Esta asseveração
parece paradoxal. Todavia, através de um estudo mais
aprofundado da Bíblia Sagrada, nota-se que tal declaração é
fato incontestável. Um caso clássico que serve de exemplo foi
o episódio vivenciado pelo profeta Jeremias,quando denunciou
os falsos profetas de Israel Qr 27.1-22; 28.1-17], Nessa ocasião,o
profeta das lamentações, como ficou conhecido na história
bíblica, acusava os profetas palacianos, criticando a maneira
pela qual interpretavam os acontecimentos que permeavam a
história do povo de Deus. Eles profetizavam com uma visão
historicamente correta, baseados no fato de que o Deus que
operou no passado opera também no presente. O que há de
errado nisso? Do ponto de vista cristão não existe nenhuma
incoerência nessa afirmativa. Porém, para cada momento da
nossa história, Deus tem uma maneira de tratar conosco. E o
faz quase sempre de forma diferente. Destarte, a razão da
assertiva "Deus nem sempre defende as mesmas coisas" está
estritamente ligada a este âmbito da nossa experiência de
aprender com Deus a partir da sua forma de agir e pensar
cada momento da história.
2. Deus nem sempre fala e faz as mesmas coisas. Isso
porque "nada é mais falso do que o idêntico" e a sua repetição.
Significa dizer que a Palavra de Deus tem a ver com o dizer
o que Deus está dizendo naquela situação. Por isso ficar em
silêncio pelo fato de não saber o que dizer porque Deus
ainda não disse nada é melhor do que falar por conta própria

15
ou falar como se Deus estivesse falando. Falar em nome de
Deus quando Deus não está falando c o n s titu i perigo
incalculável. Pior: fazer isso sempre e convenientemente é
verdadeira loucura,e o mesmo que brincar com fogo. Assim
diz a Bíblia no livro de Provérbios: "Pode alguém brincar
com fogo sem se queimar?" [6.27,28, paráfrase], Foram, sem
dúvida, incontáveis as vezes que já ouvi pessoas falando por
Deus e em nome de Deus com o objetivo pura e simplesmente
de demonstrar espiritualidade superior.
3. Nem tudo que tem sobrevivência histórica é de Deus.
Nenhum m ovim ento, p o r mais que possua aparência de
monumental, grandioso, pode ser julgado — se verdadeiro
ou falso — a pa rtir do grandiloquente crité rio de Gamaliel
em A to s 5.3-39: se fo r de Deus vai continuar. Isso porque se
adm itirm os esse critério, o que dizer de algumas religiões
milenares que até hoje estão entre nós e nem p o r isso deixam
de ser heréticas, comparadas com a Palavra de Deus?
Nesse ponto, é preciso ressaltar que estamos pensando o
sucesso de maneira absolutamente secular. Para muitos, o
sucesso é visto com características rigorosamente estéticas,
ou seja, a p a rtir de uma visão quantitativa. Todavia, à luz da
Bíblia Sagrada, sucesso está intrinsecamente ligado ao aspecto
qualitativo, ou seja, ao ser, podendo também abranger o
lado quantitativo. E p o r que não? Por o u tro lado, não é o
glam our da multidão que explica o êxito de um trabalho,
nem tampouco a carência numérica sinaliza a ausência de
sucesso. Evidentemente que, assim com o não podemos
criticar os grandes números com o sendo sempre duvidosos,
não podemos jamais advogar a idéia de que os pequenos
números são sempre sinal de espiritualidade. Isso seria
mediocrizar. O justo julgamento é analisar a situação a partir
dos métodos que estão sendo empregados no grupo dos
grandes números e nos grupos dos pequenos números. Sim,
porque há m étodos de crescim ento da igreja que são
absolutamente extrabíblicos, mas que estão sendo usados, à

16
revelia das Escrituras, com o forma de evangelização. Em
contrapartida, há igrejas que também estão estacionadas,
utilizando métodos anacrônicos, retrógrados para o mo­
m e n to ^ p o r isso experimentam o esvaziamento. A s igrejas,
todas elas, precisam renovar seus métodos de evangelismo
porque o mundo mudou. Não é mais aquela sociedade de
50 anos atrás. Todavia, não podemos, para nos proteger de
possível esvaziamento, fazer o que os outros grupos estão
fazendo de errado só para não perder a competição. Com o
igreja pentecostal histórica, agora com 9 0 anos de existência,
a Assembléia de Deus tem crescido usando métodos simples
de evangelismo pessoal e culto nos lares sem precisar im itar
a maneira errada de qualquer grupo. Não podemos abandonar
os referenciais bíblicos, pois, do ponto de vista de Deus, os
fins não justificam os meios.
4. A verdade não é nova. Isso quer dizer que não existe
uma nova verdade, mas, sim, a descoberta da "velha" verdade.
N o entanto, toda e qualquer verdade experimental é apenas
uma verdade subjetiva e, portanto, não deve ser encarada como
universal. Digo assim porque as heresias mais famosas no campo
religioso sempre nascem de uma verdade empírica que se
transforma em norma e lei espiritual. A história é a mesma.
Só as personagens mudam. Alguém diz te r tido "nova visão",
"nova revelação","nova mensagem vinda do céu", e começa a
despejar isso sobre o povo incauto. A s heresias sempre
começam com as"novas verdades",que são as velhas mentiras.
5. O que é falso sempre ganha visibilidade, pois, segundo
Jesus, "a árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má
produz fru to s maus". Isso quer dizer que a essência de uma
pessoa, p o r mais que ela tente esconder, um dia vem à tona.
Mas que tip o de ensino pode ser caracterizado com o
falso, segundo a Palavra de Deus?
A Bíblia Sagrada tem m uito a dizer sobre isso, justamente
porque Jesus lidou com esse problema to d o o tem po de seu
ministério, que foi uma verdadeira cruzada contra o farisaísmo

17
institucionalizado, ou seja, um tip o de prática religiosa
distorcida [M t 23].
Do ponto de vista bíblico podemos objetivam ente,definir
um ensino como falso se nele existem os elementos que
abaixo passamos a elencar:
1. Se ele p ro d u zir uma prática cristã que consista, exclusiva
e principalmente, na observação de exterioridades [M t 23].
jesus foi bem incisivo em m ostrar que o farisaísmo é uma
distorção de caráter, e que não ficou apenas atrelado às duas
personagens mais trágicas do N ovo Testamento: os escribas
e os fariseus hipócritas. A té porque as invectivas pronunciadas
p o r Jesus contra os escribas e fariseus hipócritas ainda hoje
servem de alerta para que, em nossas atitudes, não venhamos
a ser o que eles foram. Nenhuma igreja deve fundamentar
sua ética na estética. Isso porque, a rigor, nós não somos o
que as pessoas pensam que somos; nós não somos o que as
pessoas dizem que somos; e nós não somos o que as pessoas
querem que sejamos.
2. Se ele p ro d u zir uma religião que se estribe tão-somente
em proibições [Cl 2.10-23]. A essência do cristianismo é a
graça de Deus, que, é lógico, não pode ser banalizada,
vilipendiada nem interpretada com o permissão para fazer
tu d o o que queremos, mas graça é liberdade de poder fazer
tu d o o que devemos para a glória de Deus.
3. Se ele p roduz uma religião fácil [Jd 4], Se a construção
de um cristianismo com bases no rigor da lei da reciprocidade
já não é algo recomendável,afrouxar limites morais é desastre
maior. Um Deus banalizado, com perdas do seu senhorio, é
bem p io r do que um Deus fogo consumidor.
4. Se ele separa a religião da vida. Qualquer ensino que
separe o cristão da vida e da atividade do mundo deve ser
considerado falso. A razão dessa assertiva tão veemente é
em razão de entender que Jesus C risto, o Filho de Deus,
sempre valorizou a vida. A o co n trário, hoje alguns dos seus
seguidores fazem a vida ser absolutamente traumática. Aliás,

18
quando passamos a enxergar o mundo à nossa volta a p artir
de Cristo,começamos verdadeiramente a entender sua beleza
e seu propósito, pois compreendemos que Deus criou todas
as coisas boas para nós, seus filhos, para vivermos alegremente
a vida que Ele nos outorgou.
5. Se ele p roduz um tip o de religião que se expressa
como uma piedade superior [M t 6.6-9], Jesus combateu
severamente aqueles que se utilizam da religião e da
espiritualidade para pisotear, desmerecer e combater pessoas.
Do ponto de vista bíblico, ninguém tem o direito de dizer-se
ou fazer-se m elhor do que quem quer que seja. M u ito pelo
contrário, as pessoas que se aproximam de Deus têm outra
atitude, o u tro com portam ento. Jesus nos ensinou que tudo
o que deseja rm os que as pessoas nos façam , que
prim eiram ente façamos a elas. Espiritualidade que não
desemboca em atos de aproximação,carinho,cuidado, respeito
com o ser humano, está no mínimo equivocada.
6. Se ele p ro d u z um c o m p o rta m e n to a scé tico e
enclausurado (Jo 17.15], O montanismo foi o m ovim ento de
maior repercussão de to d o o prim eiro século depois de
Cristo. Seu lema era obedecer somente a Deus. Com isso
não se submetia a ninguém. Seus adeptos eram dados ao
ascetismo e à clausura, com portam ento que o p ró p rio Jesus
condenou.Toda a vida de Jesus, ao co n trário do que muitos
ensinam, foi transform ar em comum o sagrado construído
pelos homens, e to rn a r o comum sagrado. Fazia isso porque
a tendência do religioso é sempre se separar e fazer para si
uma redoma espiritual na qual tenta se abrigar dos pecados
do mundo. A o contrário, Jesus orou ao Pai dizendo: "N ã o
peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal". [O
grifo é meu.] Nota-se aqui que a preocupação de Jesus não
era o contato com pessoas diferentes, mas era dar uma face
à espiritualidade e ao sagrado rigorosamente diferente de
tudo o que até então fora ensinado. O sagrado para os
religiosos da época tinha sempre con to rno s ascéticos e

19
excludentes. Para Jesus, o sagrado é o que viabiliza a
aproximação dos homens,e não o seu afastamento. O sagrado
de Jesus era sem p re c o n c e ito , sem fro n te ira s , sem
superioridade. Por isso mesmo Ele passava do sagrado para
o profano sem qualquer consternação. Muitas vezes conseguia
fundi-los, e de tal maneira, que era imperceptível estabelecer
a diferença. A razão é simples: Jesus conseguia transform ar
o profano em sagrado e o sagrado em ponte de acesso a
todos os seres humanos. De sorte que aprender com Jesus é
sem dúvida o maior desafio de todos nós, cristãos.
7. Se ele produz uma religião arrogante e separatista. Porque
o ensino genuinamente bíblico tem p o r finalidade aproximar
os homens entre si, não separá-los. Jesus diz: "Bem-aventurados
os pacificadores [Fazedores, construtores de pontes], porque
serão chamados filhos de Deus". Não podemos criar barreiras,
muralhas; devemos, sim ,construir pontes de acesso às pessoas.
Isto posto, qualquer ensino que passe deste limite deve ser
considerado, no mínimo, extrabíblico.
8. Se ele p roduz uma religião de estilo oligárquico, onde
uma família tenta se fazer dona da ekkiesia de Deus (Jz 17.1­
6], Ninguém pode se assenhorear da obra de Deus e da sua
vocação para a liberdade. Deus tem os seus meios de chamar,
escolher, preparar, mudar, colocar etc. Nenhum líder tem o
d ire ito de querer m udar isso, pois estará entrando na
contramão da vontade de Deus.

Os ardis dos falsos profetas

Em Mateus capítulo 7, versículos 15-23, Jesus usa de


uma figura extremamente pragmática para nos advertir
contra o perigo de nos deixarmos enganar pelas aparên­
cias, e nos avisa acerca dos ardis dos quais se utilizam os
falsos pregadores, a saber:
A sutileza. O prim eiro ardil acerca do qual Jesus nos
adverte como precaução contra os falsos arautos é a sutileza.

20
Sobre isso o Filho de Deus d iz :"... vêm até vós vestidos
com o ovelhas, mas interiorm ente são lobos devoradores"
(M t 7.15, g rifo meu]. A q u i Jesus não está falando apenas de
um disfarce estético, mas usa essa expressão a fim de indicar
a natureza da ovelha, isto é, que ela é gentil e mansa. O
falso pregador, apoiado no seu engano, vive literalm ente
das ovelhas, comendo a sua carne e vestindo-se com a sua
lã [Ez 34.2-5],
N ão enfatiza as coisas necessárias. O segundo ardil
comumente usado pelos falsos pregadores está no fato de
não enfatizarem as coisas realmente necessárias. N otem que
eu não estou declarando que os falsos profetas não falam
sobre o que é certo, apenas disse que não enfatizam. Ora,
não enfatizar a verdade é omissão; é desvio; é mau hábito; é
to rn a r a verdade mentira, pois uma verdade dita pela metade
constitui-se a pior mentira. Não dar ênfase à verdade é ocultar
ao povo o modo correto de viver, agir, fazer, ser; não enfatizar
o que é certo é chamar Jesus p o r apelido; é fazer o povo
entrar pela porta dos fundos; é deixar o povo à mercê dos
seus próprios conselhos. Portanto, ocultar a verdade é tão
ou mais condenável do que divulgar heresias.
Procura agradar a todos. O terceiro ardil frequentemente
utilizado pelos falsos pregadores é procurar agradar a todos.
É o convite à conveniência, ao "faça fácil", ao atalho, à
barganha,ao prazer imediato e irresponsável,ao sucesso sem
lágrimas, à glória sem cruz, ao céu sem arrependimento, à
graça sem exigência.
Segundo o que Jesus fala no versículo 16 do capítulo 7
de Mateus, é possível que haja uma semelhança superficial
entre o verdadeiro e o falso pregador, exem plo dos
espinheiros que tinham um fru to negro, redondo e pequeno,
m uito parecido com pequenas uvas. C o n tu d o , o que é falso
— repito — não fica m uito tem po sem m ostrar a sua
natureza, pois "toda árvore má produz maus fru to s", assevera
o Filho de Deus.

21
O perfil de um falso profeta

À luz das Escrituras, um falso pregador tem sempre no


seu perfil algumas características bem sintomáticas. Mas a
Bíblia aponta com o defeito principal do falso profeta o
interesse pessoal []o 10.10,12,13]. Aliás, há pelo menos três
tendências bem acentuadas na vida de um falso arauto:
Prega p o r ganância. Ele transforma o Evangelho de jesus
em objeto de liquidação.Vende às pessoas um lugar no céu;
não tem nenhum escrúpulo de cobrar quantias vultuosas
p o r uma oração de libertação e cura. Praticam a simonia da
forma mais gritante e escandalosa possível, e negociam os
carismas de Deus para auferirem lucro financeiro. De acordo
com o apóstolo Paulo,os que assim agem se tornam inimigos
da cruz de C risto, porquanto o seu Deus é o ventre, e a sua
glória é a vergonha [Fp 3.18,19].
Prega p o r prestígio, porque visa apenas a projeção pessoal,
o estrelato e a publicidade, não se im portando em dar glória
a Deus em tudo. Não se preocupa em beneficiar os seus
ouvintes, mas, sim, com o que pode tira r de vantagem de
cada um deles. Geralmente, não se im porta com ninguém,a
não ser consigo mesmo. Instrumentaliza a Palavra de Deus
para proveito pessoal, roubando todos os méritos de Deus
para si próprio.
Prega para tra n s m itir as p ró pria s idéias. Não se coloca
na presença de Deus apenas com o p o rta -vo z de sua
mensagem, deixando-a flu ir com o Palavra de Deus para o
coração humano. Mas faz questão de se colocar com o co-
a u to r dessa mensagem. Aliás, to d o falso pregador começa
d ifundindo as suas próprias idéias a p a rtir do que ele chama
de uma "no va " revelação de Deus. A maioria das seitas e
religiões falsas existentes usa dessa mesma estratégia para
conseguir adeptos. Começam p o r uma visão que alguém
diz te r recebido de Deus ou de um anjo, e depois saem
apregoando o o co rrid o pelos quatro cantos. Daí para a

22
frente, o que era até então apenas uma “ experiência" fictícia,
passa a ser a verdade de todos.
De uma vez p o r todas, entendamos que a verdade não é
nova, e tu d o o que parece ser novo trata-se apenas de uma
descoberta daquilo que sempre existiu.
Do exposto, term ino dizendo que Jesus deixou claro em
João 7.24 que devemos julgar com reta justiça, deixando as
aparências de lado. Isso quer dizer que só aquilo que fo r
objetiva e comprovadamente mostrado como algo concreto,
vale para juízo.

O A u to r
N ite ró i, 10 de março de 2 0 0 0

23
0 que está por trás do G-12

assou a ser comum nas culturas neopentecostais, em


termos de Brasil,a permanente adesão a movimentos
de revitalização espiritual e crescimento da igreja vindos
do exterior. Parece até que não conseguimos construir
as nossas próprias experiências a partir do nosso ponto
de vista cultural, pois, repetindo o que disse certo
escritor, "to d o ponto de vista é a vista de um p o nto".
Esta não é,absolutamente, uma visão exclusivista,xenófoba,
mas hoje, inegavelmente, com todas as nossas limitações,
somos o país do m aior m ovim ento pentecostal do mundo.
Só as Assembléias de Deus no Brasil têm, na atualidade,
mais de 3 0 0 mil tem plos espalhados pelo Brasil. Detalhe:
esse número cresce a cada dia. De sorte que achamos
absolutamente temerária a atitude de aceitar qualquer idéia,
p o r mais impressionante que ela seja, sem o c rité rio de
analisá-la à luz da Bíblia Sagrada, uma vez que a obra de
Deus, p o r definição, não é algo fácil, mágico, com o hoje
está sendo imaginada.

25
Um o u tro ponto a ressaltar é o fato de que, embora
ainda nos falte muita coisa, reconheço, não há no mundo
avivamento maior do que o do Brasil. Nem Seul, A rgentina,
Toronto ou Colômbia tiveram o crescimento numérico que
nos últim os 20 anos invadiu o Brasil.
O utra coisa que nos prova que na obra de Deus não tem
mágica é a realidade esmagadora de que nenhum pastor que
adotou o método de"congregações familiares",do rev.Cho,o
"sopro do poder", de Benny Hinn, e a "guerra espiritual", de
Peter Wagner, conseguiu te r o crescimento espantoso que
imaginaram. Isso p o r uma razão simples: Deus trabalha de
forma diferente com cada um. É por isso que não há des­
cobridor da roda. A obra de Deus é feita a partir de revelação
divina. E cada líder recebe a sua sem imitação. Porque usar a
visão do o utro é semelhante à experiência vivida p o r Davi
quando lhe colocaram a armadura de Saul. Não dá certo.
Mas o que assola as igrejas neopentecostais é a imaturidade
doutrinária que elas possuem. Além disso, p o r serem igrejas
novas, não conseguem te r um corpus doutrinarius ordenado,
sistemático, coerente; por não terem sua própria idéia formada,
pegam qualquer uma; querem ser alguma coisa que nem
mesmo sabem. Em razão disso, acabam se tornando campo
fé r til para q u a lq u e r tip o de "sem eadura"; tornam -se
hospedeiras de heresia.
Dos estudos que fizemos, ficaram detectadas pelo menos
seis tendências com o as causadoras dos grandes males
doutrinários em algumas igrejas no Brasil. Analisemos com
cuidado:
1. E m p irism o . A palavra o rig in a ria m e n te s ig n ific a
"experiência". Como a própria expressão sugere, hoje a maioria
das igrejas brasileiras está dando ênfase infinitamente maior à
experiência do que ao ensino, com prom etendo, assim, o
princípio que diz que é sempre a p artir da Palavra de Deus
que devemos determinar se uma experiência pode ser ou não
aceitável. N o entanto, a experiência, que vem se desenhando
como fundamento de espiritualidade, está tomando o lugar
da Palavra em muitas igrejas evangélicas e pentecostais. Por
isso devemos tom ar cuidado em dar o nosso aval a qualquer
movimento que acentue mais a experiência individual do que
o ensino bíblico.
O que eu quero dizer é que passamos m uito tem po
enfatizando a experiência como forma de evidenciar a presença
de Deus. Com isso, abrimos portas enormes para a entrada de
heresias, sobretudo as que se fundamentam nas experiências
místico-supersticiosas. E agora, para reverter essa situação, só
um retorno ao ensino sistemático da Palavra de Deus.
2. Pragmatismo: pragma, em grego, são os assuntos da
vida prática. A qui a palavra de ordem é o funcional.Concebida
a idéia de que a prática é a coisa mais im portante, então o
critério não é perguntar se o método que se está usando é
certo ou errado, desde que o que se está praticando leve a
algum lugar. Devido a essa nova leitura de espiritualidade, a
reflexão e o rig o r da análise foram total e completamente
esvaziados, abrindo espaço para uma práxis cristã voltada
tão-só para o funcional, resultando daí a ausência quase que
completa de reflexão.
3. Ativism o. Pior do que as duas tendências já comentadas
é o ativismo.Veja o leito r que eu não falei atividade, mas sim
ativismo. Este, sem sombra de dúvida, é sub-reptício e acaba
p o r solapar nossa koinonia [com unhão], pois nos leva a
colocar a obra de Deus com o o fator mais im portante da
vida cristã. Essa foi a grande e maior de todas as tentações
pelas quais Jesus passou, razão p o r que para Ele Deus é
sempre mais im portante do que a sua obra. Isso em razão
do fato de que, p o r vezes, nos fascinamos tanto com a obra
de Deus que nos esquecemos do Deus da obra.
4. Utilitarism o. Este conceito faz os valores espirituais
parecerem descartáveis. A cada culto você tem que produzir
mais e mais receitas de auto-ajuda para a solução de problemas.
Daí p o r que as pessoas procuram a paz em vez do Deus da

27
paz; procuram solução em vez do Deus que é a solução. O
utilitarism o transforma Deus num quebra-galho, um tip o de
gênio da lâmpada. "É só jejuar que as coisas acontecem",
dizem alguns. "É só orar que as coisas aparecem", outros
ensinam. A o co n trário de tu d o isso, a Bíblia Sagrada nos
orienta que Deus não tem nenhum compromisso de agir
segundo a nossa direção, porque Deus não tem forma
específica de agir. Na verdade, suas incursões na história
humana são variadas, usando m eios e in s tru m e n to s
extremamente imprevisíveis. Do po nto de vista bíblico, é
temerária e equivocada a leitura de um Deus previsível,
m anipulado, dom esticado pelo novo estilo cristão do
amordaçamento do divino.
5. Instrumentalismo. A q u i as coisas já não acontecem
p o r obra e graça do Espírito Santo; não é mais a terra que
gira em to rn o do sol, mas é o sol que gira em to rn o da
terra. Não é o homem quem obedece a Deus, mas é Deus
quem se sujeita aos caprichos e desejos do homem.Tudo no
instrumentalism o é pré-organizado, preestabelecido pelo
próprio homem. Muitas igrejas estão se utilizando de métodos
que colocam Deus em posição servil diante do homem. Nessa
tendência, o im portante não é saber se o que se vai fazer é
da vontade de Deus,porque"Deus"faz tudo quanto o homem
determinar.
6. Consumo do divino. Em algumas culturas pentecostais
e mesmo em algumas evangélicas, o consumo do divino vem
tom ando proporções alarmantes. A indústria da adoração
construída p o r algumas igrejas tem sido geradora de uma
guia de Deus;e guia se trata de apetite desordenado. Poucos
estão percebendo o perigo que estamos correndo. Os males
decorrentes dessa usina geradora de adoradores esporádicos
são inimagináveis.O convívio com Deus de forma consumista
cria em pouco tem po pessoas insensíveis e apáticas com
relação à sublimidade de Deus. Para muita gente, Deus não
passa de mais um dos ingredientes de seu consumo. A

28
familiaridade com o divino nos faz perder o aroma e a beleza
de sua visitação. E a presença de Deus deve sempre ser algo
novo, inusitado, com sabor de primeira vez. Infelizmente, a
gula de Deus está nos tirando isso.
Essas são apenas algumas das tendências que têm se apresen­
tado de forma mais frequente no meio de algumas igrejas
evangélicas, pentecostais e neopentecostais. Em razão disso é
que podemos dizer que as igrejas brasileiras [não todas,é lógico]
formam terreno propício para a adesão a qualquer tipo de
modismo.

A razão da adesão aos modismos

Sem levar em conta a adesão aos modismos mais esdrú­


xulos, a qual sempre acontece pelo fato de eles atenderem a
demanda da necessidade p o r coisas novas que a maioria
tem, acrescente-se a isso a idéia de que qualquer visão nova
se trata — pelo menos para algumas pessoas — de algo
rigorosamente afastado de toda e qualquer hipótese de
pertencer à categoria dos heréticos e mágicos, que fazem
alguém im aginar que a obra de Deus cresce p o r um
"abracadabra".
A credito, p o r isso, que o ponto nevrálgico do avanço de
modismos do tip o G-12 e tantos outros que invadem o
Brasil é o fato do esvaziamento quase que com pleto de
projetos concretos no meio cristão brasileiro com respeito
ao crescimento da igreja,abrindo, dessa forma, espaço para a
adesão de novidades. Evidentemente, estão excluídas dessa
configuração aquelas igrejas que experimentam m om ento
de grande avivamento.
Depois dos congressos e das confraternizações, qual o
projeto novo que foi criado para a juventude? Respondo:
nenhum.
Tudo que fazemos hoje é lu g a r c o m u m , mesmice
esmagadoramente anacrônica,ciclo vicioso,que já não atendem

2?
às expectativas do jovem cristão brasileiro. Não percebemos,
mas in stitu cio n a liza m o s nossos congressos e c o n fra ­
ternizações que, ano após ano, vão formando seus vícios de
linguagem, comportamentos e leitura alienados da necessidade
real do mundo.
Toda essa co n juntura ajuda, e m uito, o processo de
aceitação da nossa juventude a qualquer tip o de modismo,
sobretudo aquele que Iltes proponha mudanças no status
quo religioso.

O momento é de alerta

O m om ento atual da Igreja de Jesus C risto impõe ur­


gência no tratar as doutrinas fundamentais da Bíblia Sagrada
com prioridade inegociável. É preciso escrevê-las, discuti-
las, ensiná-las com mais profundidade e dedicação para que
possam ser aprendidas, lembradas, divulgadas com o tarefa
sine qua non da igreja.
N o passado, gastamos m uito tem po falando mais de
costumes do que de doutrina. Hoje, infelizmente, não falamos
nem de uma coisa nem de outra. M u ito s dos nossos púlpitos
estão indefinidos porque cederam à tentação dos avivamentos
coreográficos,da exibição dos grandes números e da cultura
imediatista, as quais flagelam os que procuram seriedade no
servir a Deus.
Algum as igrejas, p o r causa disso, tornaram -se patro­
cinadoras de espetáculos e locais onde o ego humano é
"massageado", com o nítido objetivo de crescimento rápido
e vantajoso. Resultado: vulnerabilidade doutrinária e frenesi
pelas novidades [ A t 17.21].
Com a falta de ensino bíblico em m uitos de nossos
púlpitos, criou-se no povo um fascínio desesperadamente
ambicioso pela experiência, que acabou se tornando a pedra
de to q u e da vida da esmagadora maioria dos crentes
pentecostais. A s profecias, sem nenhum ensino, acabaram

30
tom ando o primeiro lugar na preferência da maioria nos
nossos cultos, valendo, para muitos, mais uma profecia do
que um ensino bíblico.
Não esqueçamos que o nascedouro de heresias é sempre
a ausência de estudo bíblico sistemático. Ademais, o povo
de Deus precisa te r conhecimento das doutrinas cardeais
das Sagradas Escrituras para poder se defender das heresias.
Precisamos,portanto,e com muita urgência,fazer uma nova
leitura das necessidades reais do nosso povo e da sociedade
ao nosso redor e pensar num meio de tornar as Boas Novas
do Evangelho mais convincentes para o homem atual.

O q u e é o G -1 2

O G-12 é um m ovim ento extremamente antigo, mas


rebuscado com novos contornos. Ele propõe um crescimento
mágico e milagroso das Igrejas através de células, com reuniões
nas casas a p a rtir de 12 pessoas, que, segundo o p ró prio
m entor da idéia, "é baseada na reprodução do caráter dos
12 apóstolos com os quais Jesus trabalhou".
O m ovim ento G-12 surgiu, como não poderia deixar de
ser, de uma "visão" que o seu fundador diz te r recebido de
Deus, em 1991. De acordo com o"gedozista", Deus o orientou
para que ele levasse ao m undo o "n o v o m o d e lo " de
crescimento de igreja. Segundo o que está disposto na cartilha
do movimento, o mais produtivo é sempre conquistar pessoas
"que não tenham visão alguma". [Se é um m odelo de
crescimento para as igrejas, p o r que trabalhar com neófitos
e não com líderes maduros?]
N o livro Sonha e ganharás o mundo, o fundador do
G-12, citado pela jornalista Sílvia Gadelha, conta a sua
"maravilhosa experiência":

Em várias oportunidades encontrei-m e com alguns dos


convertidos em diferentes lugares, que me diziam: "Pastor, eu
conheci o senhor na missão, mas estou congregando em tal

31
igreja". Eu dizia:"Amém, glória a Deus, esta alma não se perdeu,
está sendo edificada!" N o entanto, chegou o dia em que Deus
chamou minha atenção, dizendo-me: "Estás errado; essa alma
eu a trouxe à tua igreja. Se tivesse querido mandá-la a outra
igreja tê-lo-ia feito. Enviei-a para ti para que cuides dela e
espero que me respondas". [O grifo é nosso.]

Como se pode observar das palavras grifadas, o movimento


é tendencioso e tem uma dose grotesca de narcisismo
incubado, algo totalm ente contra a visão bíblica, que nos
admoesta em to d o o tem po a tomarmos cuidado com o
mal da auto-glorificação.
Não podemos esquecer ainda que o m inistério de evange­
lista, pastor, mestre, profeta, apóstolo, como mostra a Bíblia,
é um "dom de Deus à Igreja", no sentido mais amplo da
palavra altruísmo.
A gora imagine se cada pregador fosse reivindicar para si
as pessoas que receberam e recebem a C risto a p a rtir de
suas pregações. O utra: que"D eus"é esse que usa a expressão
"tua igreja", como se a igreja fosse propriedade de algum
mortal? Isso é equívoco da p io r espécie.

O embuste do profeta único

A tendência do "profeta ú n ic o "— a vulnerabilidade dos


m ovim entos de renovação — tem alavancado as mais
dantescas heresias. Isso fica m uito evidente quando se observa
o com portam ento daquele que se diz possuidor de uma
"visão de Deus". Evidentemente, o problema não está no
fato de a pessoa te r uma "visão" de Deus, mas sim com o ele
lida com essa sagrada visitação. Pois toda graça recebida de
Deus que não redunde rigorosamente no bem comum do
grupo não passa de narcisismo intolerante.
Joseph Smith, Helen W hite, Kenneth Hagin, Peter Wagner,
César Castellanos e tantos outros têm sempre a mesma leitura

32
distorcida: arrogam-se donos de uma visão única para a
restauração do mundo; propalam sua visão com o última e
impõem o novo projeto como a grande solução para a Igreja.
Isso pode ser observado na declaração do próprio Castellanos.

A colheita só poderá ser alcançada por aquelas igrejas que


tenham entrado na visão celular. Não há alternativa: a igreja
celular é a igreja do século XXI

Um neófito que ouve essas coisas imagina que está lidando


com o supra-sumo da verdade sobre crescimento da Igreja,
do qual não pode prescindir.
Mas o que me causa espécie nisso tudo não são os cristãos
hebefrênicos estarem aderindo ao modismo, mas sim líderes
que estão à procura de uma fórm ula mágica de crescimento
para as suas igrejas.
Ora, cada um de nós vive em realidades, mundos diferentes,
e deve, p o r isso, buscar, dentro do seu p ró p rio quintal,
métodos não antibíblicos para o crescimento da obra de
Deus. Isso é absolutamente legítimo.
Mas quero que fique bem claro aqui que não estamos
criticando o método de crescimento através de culto nos
lares, que é feito sob a supervisão pastoral e com toda a
organização necessária, pois trata-se de um trabalho que a
maioria das igrejas já faz há muitos anos. Criticamos, sim, a
idéia herética que cria falsas expectativas nas pessoas.

O mito de Narciso

A releitura do M ito de Narciso, dentro de uma visão


co n tem porânea, denuncia o que, p rim a facie, parece
absolutamente inofensivo.
Primeiro de tudo, gostaria de contar, em síntese, sobre o
m ito de Narciso para os que não o conhecem.
Conta-se que havia um jovem lindíssimo chamado Narciso
que despertou a paixão de uma ninfa chamada Eco. N o

33
entanto,N arciso ignorou o am or da ninfa e esta,desgostosa,
retirou-se para as montanhas, onde passou a viver isolada.
Após o desaparecimento de Eco, Narciso descobre a si mesmo
olhando sua imagem numa fonte de água. A contemplação
do reflexo de sua própria face na água fez Narciso apaixonar-
se profundamente p o r seu rosto, e ele permaneceu ali se
olhando,até desfalecer, vindo posteriorm ente a transformar-
se numa planta que ganhou seu nome.
O m ito de Narciso é um dos mitos psicológicos mais
significativos, especialmente pela sua ligação com a história
de muitos líderes que, pelo fato de amarem a si mesmos,
caem de seu estado de graça diante de Deus. A lém do que
a conexão espiritual também é facilmente perceptível: o amor
p ró p rio excessivo entorpece os sentidos, impedindo que a
realidade seja percebida em sua plenitude, fora de nós.
O narcisista, do p o n to de vista psicológico, é aquele
incapaz de manter relações do tip o eu-tu. Isso porque o
narcisista é incapaz de reconhecer e aceitar o o u tro com o
sendo um o u tro , diferente dele, ou seja, " tu ". N o entanto,
mesmo quando é capaz de reconhecer a existência do o u tro
[com seu d ire ito a ser " tu " ], quase sempre transform a o
o u tro não em " tu " , mas em "ele" ou "eles". O u seja, o
narcisista imediatamente transform a o o u tro , diferente, no
inimigo: "ele" ou "eles". Dessa form a, o narcisista só é capaz
de ver o o u tro na perspectiva do "e u " versus "eles" ou
"n ó s" versus"eIes". Só aceita ou tro s que se tornem "dele",
ou seja, que se tornem "e u ", absorvidos e uniform izados
pela sua própria [do narcisista] aparência. A lém disso, o
narcisista sempre se vê com o sendo maioria. Sua opinião,
percepção, vontade e insig h t é sempre maioria.
O lhando para muitos líderes evangélicos nos dias de hoje,
especialmente para a atitude e a maneira como tratam uns
aos o u tro s, parece-me que já há m uitos sinais de um
narcisismo crescente em suas vidas. E mais: percebo que tais
sinais estão presentes nos grupos e nas tendências teológicas

34
mais diferentes. Tenho visto líderes "bem-sucedidos" cheios
de narcisismo tanto quanto tenho visto líderes mal-sucedidos
[com dor-de-cotovelo pelo sucesso dos outros], manifestando
seu narcisismo na forma de um individualismo excessivamente
c rític o , cheio de razões e incapaz de buscar diálogo,
com preensão e reconciliação com os "bem -sucedidos
diferentes".1

A linha de organização do movimento G-12

O processo para a implantação do G-12 é, segundo o


seu fundador, a "alm a" do m ovim ento. Todavia, de acordo
com o Pr. Paulo Romeiro, um dos problemas em relação ao
G-12 é a "in se rçã o de p ráticas, c o n c e ito s e ensinos
antibíblicos, tais com o mapeamento espiritual, regressão
psicológica, cura interior, quebra de maldição, escrever os
pecados em pedaços de papel e queimá-los na fogueira,
revelações extrabíblicas e o utros".
O G-12 peca em pelo menos quatro fundamentos: a]
dão ao número 12 sentido m ágico-espiritual, quando se
trata de um número comum na Bíblia; b] esvaziam a doutrina
bíblica da regeneração e da justificação, fazendo as pessoas
confessarem pecados dos quais já foram perdoados pelo
sacrifício do Calvário; c] deturpam o conceito bíblico de
igreja ao p o n to de uma das suas maiores propagadoras no
Brasil dizer que "o diabo está induzindo os crentes a irem
à igreja para fazê-los abandonar as células"; e d] dão ênfase
às expressões "n o v o " e "nova", com o nova unção e nova
visão, na tentativa de criar aversão na mente dos seus
participantes em relação a tu d o quanto aprenderam.
Estrategicamente, o G-12 trabalha com dois elementos
que puxam to d o o seu arsenal de heresias: a] a auto-
realização pessoal [sucesso] à custa de regressão, quebra de
vínculo, eliminação da legalidade dada ao diabo, o perdão
dado a Deus;e b] o crescimento mágico e rápido da igreja.

35
C om o se pode observar, a proposta do G-12 pega a veia da
necessidade de alguns líderes que preferem trilh a r os atalhos
da vida e "transform ar pedras em pães".
Uma outra coisa a salientar sobre o G-12 é a sua estratégia
de segurar o participante com a idéia de que ele precisa
fechar o ciclo para que possa definitivamente chegar à"nova
unção". Com isso, o que participa de um pré-encontro é
induzido a participar também do encontro, do pós-encontro
e do reencontro. Após passar por todas essas fases de lavagem
cerebral, o incauto realmente nunca mais será o mesmo.

O pacote doutrinário do G-12 aparece


nos pré-encontros

C om o o le ito r já pôde perceber, o G-12 tem só aparência


inofensiva, mas é absolutamente perigoso.Seu apelo imperdível
por uma"nova visão"cede logo lugar a um conteúdo maciço
da velha estratégia das meias verdades, que são as piores
mentiras.
Uma outra coisa que eu não posso deixar de ressaltar é o
dualismo que foi criado entre o G-12 do Brasil e o da Colômbia.
Alguns insistem em dizer que no Brasil é totalmente diferente
da Colômbia. Absolutamente. Pode até haver alguns/muitos
exageros no G-12 brasileiro em relação ao colombiano.Todavia,
nem um nem outro é bíblico. O pensamento teológico do
fundador do G-12 não é tão inocente assim como dizem, uma
vez que o seu material didático está eivado de erros doutrinários
e de diversas heresias. De modo que tanto o G-12 brasileiro
quanto o colombiano são divulgadores de heresias.
N ão que sejamos preconceituosos ou c o n trá rio s à
revelação de Deus para os dias atuais no que tange ao
crescimento da Igreja. Todavia, a própria Bíblia exige cautela
e investigação séria em se tratando de analisar qualquer
fenômeno de contornos espirituais.
Para ratificar o que estamos falando sobre esse movimento

3<5
apócrifo, colocamos abaixo o parecer ipsis literis d o Conselho
de Doutrina da C GADB sobre o G-12. Se não, vejamos:

Em face do avanço da mais nova heresia, que invalida o caráter


cristão adquirido através da regeneração em Cristo, baseando-
se na auto-realização e na mudança de conceitos bíblicos, nós,
do Conselho de Doutrina da Convenção Geral das Assembléias
de Deus no Brasil, na pessoa do seu Presidente, vimos a público
para dar um parecer oficial sobre o que chamam de G-12.
Por vezes,aparecem no cenário evangélico brasileiro alguns mo­
vimentos de características eminentemente flutuantes. Nestes
dias, o mais novo deles é o G-12. Sutilmente promove um novo
estilo de vida cristã, calcado na visão de um sucesso rápido e
fácil, e de um crescimento mágico e milagroso da Igreja.Através
de uma suposta revelação de Deus recebida pelo líder do G-12,
que sonha em ter a maior igreja do mundo, fazendo assim
qualquer coisa para alcançar os seus intentos de autopromover-
se como líder mundial interdenominacional, propõe um "novo
conceito" religioso,com mudanças na liturgia, nos bons costumes,
na doutrina sagrada, no conceito real da Igreja de Cristo, na
linguagem genuína da pregação do Evangelho, na conduta cristã,
no comportamento ético-estético do crente, com uma dose
excessiva de estímulo à busca frenética por prosperidade
instantânea, libertação auto-suficiente,unção mágica e perfeição
absoluta, utilizando-se para tanto de desavisados e inocentes
para espalharem suas heresias.
Portanto, para maior esclarecimento,enfocamos alguns pontos
dessa suposta e milagrosa fórmula de crescimento, com as
devidas refutações.
Ia - G-12

A o contrário do que muitos imaginam, o G-12 não é um


grupo evangelicamente sério: não trabalha para o bem comum
do Evangelho e nem vem para somar com as outras igrejas já
existentes. Trata-se de uma organização herética que visa
arrebanhar membros de igrejas já constituídas com fins
declaradamente financeiros. O exemplo do que estamos falando
é a solicitação de donativos de toda e qualquer denominação
para a sua obra faraônica intitulada "Canaã aqui na terra",

37
tipificando suas reais intenções. Mais: a prática configura-se
numa velha tática de "caça-níqueis", visando realizar os seus
planos alternativos em nome do Evangelho.

2a - M étodo

Seu m étodo apoia-se nos pré-encontros, pós-encontros e


reencontros com o forma de lavagem cerebral, onde são
inculcadas idéias supersticiosas com relação ao número 12,
numa nítida prática de numerologia, fazendo o número 12
parecer um número da sorte, que abre supostos caminhos
para o sucesso e o crescimento instantâneo da igreja, em
detrim ento de todos os demais números existentes na Bíblia
Sagrada, como o 1 ,2 ,3 ,4 , 6 ,7 ,1 0 ,1 2 ,2 4 . Objetiva-se, assim,
criar uma expectativa em to rn o do número 12, dando-lhe magia
e atributos supersticiosos. Inclusive as células não podem
ultrapassar o número 12. Ultra passando, cria-se uma nova célula
para chegar ao número 12.
Refutação. Biblicamente,o número 12,apesar da sua simbologia
no livro de Apocalipse, é um número comum como qualquer
o utro. Na escala de im portância, o número 12 é menos
importante do que o número 7.

3a — Visão

O G-12 apresenta-se ainda como uma nova revelação divina,


que supervaloriza a visão dos doze como solução última para
a igreja dos dias atuais. A palavra " n o v o " , u tiliza da
ininterruptam ente pelo G-12, carrega intenções malignas
objetivando desestabilizar igrejas que já existem, como se o
G-12 fosse a "últim a revelação de Deus" para o momento. Pior:
os líderes do G-12 dizem que caso as igrejas não participem
desta "nova visão", serão substituídas por outras. Nesse sentido,
o G-12 em nada difere das chamadas seitas proféticas.
Refutação. Toda a revelação de Deus ao homem já se encontra
registrada no A n tig o e no Novo Testamento, não nos cabendo
acrescentar mais nada [Is 8.20; Ap 22.19],

4a — Unção

Acentuam que somente a pessoa aderindo à nova visão de


Evangelho criada pelo G-12 tem acesso a uma suposta "nova

38
unção" que, na linguagem dos participantes do G-12, é chamada
de "tremenda". Alegam ainda que somente essa "unção" pode
trazer o sucesso.
Refutação. De acordo com a Bíblia, a unção não envelhece
nem é substituível. Isso quer dizer que não existe uma "nova
unção" [1 Jo 2.20],

5fi — Quebra de maldição

Os encontros exigem das pessoas a confissão de pecados até


mesmo cometidos no ventre materno a fim de que quebrem
todos os vínculos do passado, bons e maus, até mesmo
ministérios e credos, para dar início a uma nova vida. Para isso
submetem os participantes a uma oração dirigida chamada
"quebra de vínculo".
Refutação. Essa prática invalida o te xto bíblico que diz que
"se alguém está em C risto é uma nova criatura: as coisas
velhas já passaram; eis que tudo se fez n o v o " (Jr 31.29,30; Ez
18.2,3,20; 2 Co 5.12].

6e — Libertação e cura interior

Nos pós-encontros ensina-se que o indivíduo deve guardar o


ensinamento que teve no pré-encontro. Pois é nessa condição
— afirmam — que a sua salvação [chamada de cobertura
espiritual] está garantida. Segundo eles, a salvação é aquela
conquistada pela regressão, quebra de maldição, cura interior,
invalidando dessa forma o sacrifício perfeito, completo e final
do Senhor Jesus Cristo no Calvário, criando "novas salvações"
com supostas promessas em nome de Deus,dizendo que agora
sim, a salvação chegou, levando os cristãos a duvidarem da sua
própria salvação em Cristo. Como, por exemplo, o fato de
algumas pessoas que participaram do G-12, crentes de muitos
anos, asseverarem, de público, que tudo quanto aprenderam ao
longo dos anos, nos cultos públicos, nas escolas dominicais, nos
seminários bíblicos e tc, não era verdade, porque só depois do
G-12 encontraram a "verdade".
Refutação.Toda e qualquer tentativa de cancelamento de pecados
por regressão, quebra de maldição, cura interior, como prática
de auto-patrocinar uma "salvação perfeita", invalida o sacrifício
vicário de Jesus Cristo no Calvário [A t 3.19; 4.12; Hb 7.27J.

39
72 — R e n ú n c ia

A renúncia é pregada nos encontros do G-12 como forma de


rejeição aos conceitos, hábitos e costumes da vida cristã que até
então se professava. Como na maioria dos casos os participantes
dos encontros são compostos de pessoas oriundas das mais
variadas confissões religiosas e denominacionais,o produto final
desses encontros gera o enfraquecimento das igrejas de ensino
sério e histórico, pelo fato de apresentarem propostas milagrosas
e mágicas de crescimento, substituindo liturgias, criando nova
linguagem de pregação e transformando os cultos de adoração
em verdadeiros espetáculos mundanos e antibíblicos.
Refutação. Renunciar,à luz da Bíblia, é o ato de deixar, repudiar,
abdicar alguma coisa, mas nunca o que é bíblico, e sim o que
é antibíblico e herético.

8a — C ulto de aproximação [ou célula]

O G-12, na sua formação celular,descaracteriza o modelo bíblico


de igreja, em alguns pontos, a saber: a] as células não podem
passar do número 12; b] as células fazem o recolhimento de
ofertas e dízimos; c] as células têm autonomia de batizar os
novos cidadãos do grupo, dentro de algumas situações,como:
distância e tempo; d] nas células não há liberdade de pregação
livre, pelo fato de o líder estar obrigado a usar a linguagem do
seu fundador, a qual está no manual do G-12.
Refutação. Biblicamente, o culto no lar é uma prática antiga,
mas o grupo que o faz não recebe o títu lo de igreja, como na
acepção herética do G-12.

Do exposto, fazemos nossas as palavras do apóstolo João:


"Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que vem o
anticristo, também agora muitos anticristos têm surgido, pelo
que conhecemos que é a última hora" [1 Jo 2.18],

O m ovimento G-12,embora fale do pecado,sua confissão


e seu cancelamento pelo sacrifício de Jesus Cristo no Calvário,
usa métodos que,à luz da pertinência bíblica, são tipificados
como heresias, a saber:

40
1. É sub-reptício. Ninguém pode revelar o que acontece
nos pré-encontros. Só dizem que é "trem endo".
2. É de conteúdo doutrinário inaceitável, pois incorpora
práticas expressamente antibíblicas.
3. Exacerba a confissão de pecado como meio para uma
segunda purificação.
4. Faz da experiência individual meio universal de bênção,
indo de encontro a todos os princípios exarados nas Escrituras.
5. Pré-induz o novo convertido a pensar a igreja só a
pa rtir das células.
6. É extremamente exclusivista, pois imagina-se a grande
tábua de salvação para a igreja,o últim o m ovim ento de Deus
na terra, o único meio de crescimento para a igreja. Essa
conclusão baseia-se numa das declarações do p ró p rio
fundador do G-12:

A frutificação neste milênio será tão incalculável, que a colheita


só poderá ser alcançada por aquelas igrejas que tenham entrado
na visão celular. Não há alternativa: a igreja celular é a igreja do
século XXI.

Além de todos esses senões doutrinários, outras coisas


absolutamente antibíblicas acontecem em seus "badalados"
pré-encontros, como:
a. Mapeamento espiritual. A pessoa é levada a responder
a um questionário chamado mapeamento espiritual, com
uma variedade de 52 perguntas sobre o passado da pessoa e
de seus familiares. A s respostas dão ao líder da célula ou ao
d iscipulador uma visão da jornada espiritual do novo
discípulo.
Refutação: Para que saber do passado de alguém que é
nova criatura? [2 Co 5.12). Isso, no m ínim o, é equivocado.
b. Regressão psicológica. Essa prática traz um grande perigo
para os que dela participam. Isso porque a regressão, tanto a
inconsciente com o a consciente, mesmo realizada p o r
profissionais competentes, tem os seus riscos imprevisíveis.

4/
Imagine quando é feita por incautos. Detalhe: para levar o
participante — geralmente novo co n ve rtid o — a uma
consciência de pecado, preparam to d o o ambiente com
representações bizarras: alguém se passa pelo diabo e acusa
os participantes de supostos pecados que um ou outro
podem estar cometendo, num ambiente de total coação
psicológica. [Fazer o papel de advogado do diabo para im por
culpa ao povo é algo reprovado pela Bíblia Sagrada.] A gora,
o que o le ito r precisa saber é que tudo isso é feito dentro
de um c o n te x to sórdido de acusações pesadas, com o
prostituição, aborto, onanismo, adultério etc.
R efutação. Segundo o que a Bíblia nos ensina, a
consciência dos nossos pecados é resultante da ação única
e direta do Espírito Santo, que nos convence do pecado,
da justiça e do juízo. Isso quer dizer que não precisamos de
nenhum o u tro agente. Ademais, a Palavra de Deus diz que
"... se andarmos na luz, com o ele [Jesus] na luz está, temos
comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus C risto,
seu Filho, nos purifica de to d o pecado" [1 Jo 1.7]. Mais: as
Escrituras nos informam que os nossos pecados foram
lançados no mar do esquecimento e deles o Senhor não se
lembrará mais. O ra, se quando aceitamos a Jesus somos
justificados, ou seja, somos absolvidos de toda culpa, p o r
que então ficar lembrando de algo que Deus já nos perdoou?
A té porque a Bíblia declara que"...se alguém está em C risto,
nova criatura é: as coisas velhas já passaram; eis que tu d o
se fez novo" [2 Co 5.17].
c. Quebra de maldição [o u quebra de vínculo]. Esse é o
segundo passo a ser tom ado depois que é ministrada a
regressão. A idéia aqui é que as nossas tendências
co m p ortam e n ta is, insucessos, problem as pessoais, são
resultado de um vínculo sanguíneo maldito que precisa ser
quebrado.
Refutação. Se a idéia acima fosse verdadeira, José, Maria e
Jesus teriam sido as pessoas mais afetadas e problemáticas,

42
p o r conta da sua genealogia. Na árvore genealógica de Jesus,
aparecem prostituta, adúltero, incestuoso, perverso: pessoas
de toda qualidade. Mas, mesmo assim, Jesus não deixou de
ser o Salvador do mundo e José e Maria seus pais terrenos.
[Se o le ito r quiser saber mais sobre o assunto em tela, leia o
livro Quebra de maldição, uma prática supersticiosa?, do
mesmo autor, lançado pela CPAD.J
d. Confissão regressiva. Isso se dá na primeira palestra
ministrada no pré-encontro, quando as pessoas, deitadas ao
chão sob o foco de luzes, gritam de desespero pelos seus
pecados. Eles dizem que a pessoa tem que sentir d o r pelos
seus pecados. Os pré-encontros utilizados na implantação
do novo método de crescimento da igreja — o G-12 — vem
praticando infantilmente o m étodo de regressão consciente
através de confissões induzidas. Por sugestionamento, as
pessoas vão pondo à descoberta seus traumas e pecados
passados.
Refutação. Em que lugar, na Bíblia, nós encontramos essa
recomendação estapafúrdia de que devemos sentir d o r pelo
pecado que cometemos? A Bíblia, m uito pelo contrário, diz:
"Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo para que não pequeis;
e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai,
Jesus C risto, o Justo [1 Jo 2.1].
e. Sopro espiritual. Os participantes do pré-encontro são
constantemente soprados para cair. O u seja, a presença do
velho modismo do "cair no poder" encontra-se presente
também.
f. Cura interior. De fato precisamos curar nosso interior,
segundo o que Jesus nos ensinou:"Se,pois,o Filho [aVerdade]
vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (Jo 8.36]. Mas do
jeito que se está fazendo é contrário a tudo o que a Bíblia
ensina.
A linha d o u trin á rio -te o ló g ic a do fu n d a do r do G-12
passa pela influência de Kenneth Hagin [confissão positiva,
teologia da prosperidade]. Um dos exemplos é o emprego

43
do te rm o rhema com o uma palavra que os crentes usam
para "de cre ta r" ou "declarar", um tip o de "abracadabra"
espiritual. Faz parada também nas idéias de Peter Wagner,
o pai da "guerra e spiritual", e Rebeca Brown, ambos com
conceitos exagerados sobre o diabo e, p o r isso mesmo,
inaceitáveis à luz da Bíblia.

E o pós-G-12?

De acordo com estudos já realizados sobre a influência e


as seqüelas que vão ser deixadas p o r esse m ovim ento, pelo
menos quatro problemas foram observados, a saber:
1. Formação de um novo conceito. A s pessoas que
participaram do G-12 nunca mais aceitarão os ensinamentos
de suas igrejas e nunca mais verão a igreja-templo com bons
olhos. Vão particularizar a vida, p o r conta de uma visão
independente.
2. Mudança de hábitos. Ganharão novos hábitos e por
isso nunca mais se conformarão com qualquer coisa que
seja para eles menos interessante do que sua "nova visão".
3. Retorno à velha natureza. A s pessoas perderão totalmente
o lim ite com relação às coisas profanas. Terão para sempre
dificuldades de aceitarem o padrão de suas "antigas" igrejas;
serão anti-dogmáticos.
4. Frustração. O pós-G-12 fará uma multidão de frustrados
porque,ao final, concluirão que a vida cristã não tem mágica;
deve, sim, ser vivida com todos os seus enfrentamentos diários.
Não há o que inventar; tu d o o que devia ser feito para
vivermos vida vitoriosa já foi realizado por Jesus.
Em vista de tu d o o que foi com entado acima, fica aqui a
pergunta: Será que precisamos ainda dizer alguma coisa
sobre o assunto, ou tu d o o que foi apresentado até aqui é
suficiente para asseverar que estamos lidando com a velha
heresia de se criar métodos onipotentes e mágicos para o
crescimento da igreja?

44
A prática da regressão psicológica
e os seus perigos

rimeiramente7é preciso ficar bem claro que a regressão


é prática psicoterapêutica e não um meio espiritual de
libertação. Isso porque até hoje os cientistas do
com portam ento humano não concluíram a que tipo
de pessoa a regressão, co m o terapia, pode ser
ministrada.Todas essas precauções existem em função
dessa prática apresentar riscos imprevisíveis.
De forma simples, pode-se dizer que a prática da regressão,
como terapia, nada mais é do que evocar sentimentos,traumas,
tensões, que ficaram retidos no inconsciente. A explicação
para isso é que, a cada experiência forte p o r que passamos
— traumas, perdas, tensões — despendemos energia [libido],
mas em função do mecanismo de defesa denominado p o r
Freud de repressão ser acionado, essa energia é retida. Mas é
quase certo que um dia essa energia retida se desprenda,
causando males irreparáveis. É justamente para evitar que

45
esses sentimentos venham a público de forma irracional e
descontrolada que a regressão é praticada. Seria mais ou
menos como dizer que a regressão dá alívio às tensões, mas
de forma controlada e orientada.
Tecnicamente, a explicação é perfeita e até convincente.
Todavia,quando se lida com a mente humana, se está pisando
em terreno absolutamente misterioso. Por isso mesmo,
ninguém tem o direito de fazer desse m om ento delicado
p o r que passa uma pessoa, algo menor. Mais: associar esses
sentimentos retidos com o pecado do qual temos que nos
libertar é erro grotesco.
A s primeiras experiências no campo da regressão foram
feitas pelo pai da Psicanálise, Sigmund Freud. Ele observou
atentamente, em vários laboratórios, que a prática poderia
ajudar, e m uito, pacientes com histórias traumáticas. Freud
deu início a esse tip o de terapia através da hipnose, onde o
paciente, uma vez inconsciente, é conduzido a uma viagem
insólita e extremamente perigosa ao seu passado.
Após aplicar uma e outra vez o m étodo de regressão
inconsciente, po r hipnose, Freud constatou que a condução
inconsciente dos pacientes era m uito perigosa. Isto posto, o
pai da Psicanálise passou a utilizar uma metodologia diferente
e menos perigosa. Depois de algumas experiências no uso
desse novo m étodo, Freud começou a chamada regressão
consciente. Esta, p o r sua vez bem mais eficiente, trouxe
resultados extremamente satisfatórios.
A regressão, tanto inconsciente quanto consciente, é
prática psicoterapêutica e só profissionais da área devem
fazê-la. Nenhum neófito deve se atrever a fazer regressão e
sequer associá-la ao pecado.
É ato absolutamente irresponsável brincar com o que
não se conhece. O ra, convenhamos, se a mente do homem é
mistério para os grandes especialistas da área, imagine para
aqueles que, cientificamente, não sabem discernir entre a
mão esquerda e a direita que possuem.

46
Fazer regressão com qualquer pessoa — recurso que só
os profissionais devem utilizar — não é da alçada de nenhum
grupo evangélico, porque não pertence ao âm bito espiritual.
É prática essencialmente psicoterapêutica e, p o rta n to ,
absolutam ente técnica. De sorte que, qualquer cultura
evangélica ou neopentecostal que agir irresponsavelmente
dessa forma, deve ser apenada.
Se essa p rá tic a , m esm o adotada p o r re n om a d o s
profissionais, exige cautela e extremo cuidado, o que deve
acontecer com aqueles que lidam com a mente humana
reprovada e levianamente?
A s igrejas que estão se utilizando desse expediente deviam
ser rigorosamente responsabilizadas p o r praticarem m étodo
acerca do qual não têm nenhum conhecimento.
Causa-me espécie ver alguns grupos evangélicos praticando
coisa tão desconexa com os objetivos reais e fundamentais
da igreja. A fo ra isso, na Bíblia Sagrada, a Palavra de Deus, não
há qualquer alusão a tal método. Isso porque, segundo o
que nos ensina Jesus Cristo, é o Espírito Santo quem convence
o homem do pecado, da justiça e do juízo, sem necessitar
qualquer ação humana com respeito à consciência que todos
devem te r do seu p ró p rio pecado.

Os riscos da prática da regressão psicológica

Um dos riscos permanentes da regressão feita p o r grupos


neopentecostais é que a pessoa regredida pode ficar "presa"
ao passado e não querer nem poder retornar mais ao presente.
Um dia depois de termos participado do 4aSimpósio de
Doutrina em Taguatinga, DF, soubemos que uma senhora de
classe média, em Brasília, membro de igreja tradicional, ao
participar de uma sessão de regressão num pré-encontro do
G-12 ficou presa ao passado e teve que ser internada.
Fatos assim podem ocorrer, e geralmente ocorrem. A razão
para isso é m uito simples: se a regressão promovida p o r

47
profissionais da área já tem os seus riscos,quanto mais quando
é feita p o r elementos que desconhecem p o r com pleto onde
estão pisando.
Biblicam ente falando, nenhum cristã o necessita de
regressão, à semelhança do que acontece nos G-12 da vida,
nem de terapia de vidas passadas, nem de coisa assim parecida.
Nossos pecados foram perdoados e purificados pelo sangue
de Jesus C risto [Cl 2.13; 1 Jo 1.7].
Traumas — repito — devem ser tratados sim, mas com
psicoterapêutas,psicólogos formados,que sabem o que estão
fazendo porque estudaram e se prepararam para isso.
Ninguém tem o direito de usar pessoas com o “ cobaias"
em seus complicados brinquedos espirituais. Isso deveria ser
rigorosamente proibido,além de responsabilizar o elemento
que assim age p o r todos os danos psíquicos que possa vir a
causar.
O que nós recomendamos aos leitores deste livro é que
evitem participar de qualquer coisa que se assemelhe ao que
foi aqui comentado, pelo perigo que representa.
É melhor ficar com os princípios irremovíveis das Escrituras
Sagradas, pois são eles que nos dão os instrumentos certos
para lutarmos o bom combate, acabar a carreira e guardar a
fé. Qualquer coisa que passar disso é invenção,criação humana
e sem nenhuma eficácia.
V o lto a repetir que a salvação trazida a nós p o r Jesus
C risto é perfeita, completa e total. Q uando somos salvos em
C risto, essa salvação se estende a toda a nossa história. O
que precisamos realmente é do conhecimento da Palavra de
Deus, para que possamos aplicar suas verdades a todas as
áreas e particularidades da vida.

48
A louca mania de
querer mandar em Deus

ssa forma arrogante de tratar com Deus é percebida


na a bertura de alguns c u lto s evangélicos hoje,
m orm ente os neopentecostais. Nessas reuniões, a
palavra de ordem é:"Eu determino...", "Eu declaro...,
ou "Eu ordeno... em nome de jesus C risto". Nas mais
calorosas reuniões neopentecostais, isso virou rotina
antes, durante e depois dos cultos.
Essa maneira desaforada de lidar com Deus — embora pareça
mostrar uma grande intimidade p o r parte daquele que ora
pelo fato de se acreditar que Deus está obrigado aos homens
— é nada mais nada menos que o germe de uma louca
mania de querer mandar em Deus.
Segundo certo escritor, "toda a estrutura do animismo,
feitiçaria e demonismo consiste exatamente na busca de
controlar, manipular, domesticar forças sobrenaturais".

49
O que está acontecendo hoje em algumas de nossas
reuniões e em todos os ajuntamentos neopentecostais deve
nos levar a uma reflexão mais aprofundada da palavra profética
dita p o r Samuel a Saul, quando este desobedeceu às ordens
dadas p o r Deus,através do profeta — guardadas, é lógico,as
devidas proporções.

Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria,


e o porfiar é como iniqüidade e idolatria (1 Sm 15.23a).

Por que o texto bíblico acima associa rebelião à feitiçaria


como sendo a mesma coisa? Para responder a esta pergunta
devemos, em primeiríssimo lugar, partir daquilo que se define
como feitiçaria. Alguém a definiu como o meio que os homens
chamados “ prim itivos" usavam para influenciar as forças da
natureza, utilizando-as para o bem ou para o mal. Feitiço é um
meio para se manipular a situação com a ajuda do poder
sobrenatural. Pode-se definir a feitiçaria também com o a
tentativa de manipular realidades — passadas, presentes e
futuras — por qualquer técnica mental, mística ou religiosa.
Observe o leitor que a rebelião de Saul deu-se exatamente
pelo fato de ele tentar manipular o sobrenatural. E,para compensar
sua desobediência, trouxe vários animais para serem sacrificados,
entendendo que assim aplacaria a ira de Deus. O ato impensado
de Saul se parece muito com o comportamento cristão hodierno:
as pessoas tentam manipular a agenda de Deus em proveito
próprio, ou se tomam credoras de Deus por conta de suas
penitências: jejum, oração etc., pensando que dessa forma
encontrarão apoio divino. Absolutamente. O critério bíblico é
imutáveI:"Obedecer é melhor do que sacrificar", diz a Escritura.

Eis que te tenho posto por Deus sobre Faraó

Na apresentação bíblica dessa história, é Deus quem


provoca, em última instância, todos os grandes acontecimen­

50
tos milagrosos, mas Moisés tem tanto controle sobre o timing,
a execução e o drama dos milagres que, mais ainda que José,
tem de lembrar rapidamente ao povo que é Deus e não ele
quem está fazendo essas coisas acontecerem.
Pouco depois de fugirem do E gito, os israelitas se
queixam das agruras do deserto, e Moisés precisa então
lhes dizer: "A s vossas murmurações não são contra nós
[Moisés e A rã o ], mas sim contra o Senhor" [Êx 16.8b]. E,
mais tarde, quando há uma rebelião no deserto em desafio
à liderança, Moisés mais uma vez declara:"... o Senhor me
enviou a fazer todos estes feitos, que de meu [p ró p rio ]
coração não procedem " [N m 16.28],
É compreensível que os israelitas [e provavelmente boa
parte dos leitores] fiquem tão presos à figura de Moisés.
Desde o início, é enfatizado justamente o papel dele na
execução dos milagres. A narrativa chega a indicar que
algumas pragas do Egito são iniciadas p o r Deus (Êx 9.15,18],
mas o que ele retrata com m uito mais freqüência é Moisés
controlando a apresentação e a duração das pragas (Êx
8.27; 9.22,33; 10.12,18,21,22]. M u ito embora o escolha e guie,
Deus dá tanta autoridade e poder a Moisés que chega
mesmo a lhe dizer:

Eis que te tenho posto por Deus sobre Faraó (Êx 7.1; cf. 4.16],

Essas palavras são espantosas sob qualquer p o n to de


vista, mas devem ser interpretadas a p a rtir do p o n to de
vista da mediação.
O que acontece dentro de um homem que está tão
p erto da divindade com o Moisés e que comanda tantos
poderes?
Em princípio, Moisés parece um pouco temeroso do
papel de que o Senhor o encarrega. Moisés é pastor em
M idiã, tendo fu gido do Egito para lá depois de te r matado
um senhor de escravos egípcio para ajudar um escravo

51
israelita. E então, de repente, o Deus de A b ra ão , Isaque e
Jacó lhe aparece num arbusto que arde num fogo milagroso
e manda que ele volte para o Egito para libertar os israelitas.
Moisés, porém , não vê essa oportunidade com o, digamos,
uma o p ortu n id a d e caída dos céus. Na verdade, ele tenta
de cinco maneiras diferentes escapar do encargo. E quando
Deus lhe concede a sua prim eira habilidade milagrosa —
a vara de M oisés se transform a em cobra — a sua reação
ao vê-la metamorfoseada é fu g ir [Êx 4.2,3]. A lém disso,
antes de seu p rim e iro e n con tro com Faraó, M oisés p o r
duas vezes protesta com Deus, dizendo que achava que
Faraó não iria o u v i-lo [Êx 6.12,30]. Por ocasião de seu
ú ltim o e n con tro com Faraó, no entanto, depois de já te r
realizado os prodígios de Jeová, aquele M oisés tem eroso
já não existe mais. Em seu lugar, encontram os um Moisés
que, em sua cólera, chega a desviar a atenção da co rte
egípcia: de Deus para ele p ró p rio . Transcrevo abaixo o
te x to da últim a e irada fala de M oisés a Faraó, quando ele
anuncia a décima praga. O bserve que M oisés começa
citando as palavras de Deus a Faraó, mas, no d ecorrer de
sua fala, pára de cita r Deus e term ina deixando claro que
está falando de si mesmo:

Disse mais Moisés: Assim o Senhor tem dito: À meia-noite eu


sairei pelo meio do Egito; e todo primogênito da terra do Egito
morrerá, desde o primogênito de Faraó, que se assenta com ele
sobre o seu trono,até ao primogênito da serva que está detrás
da mó, e todo primogênito dos animais. E haverá grande clamor
em toda a terra do Egito,qual nunca houve semelhante e nunca
haverá; mas contra todos os filhos de Israel nem ainda um cão
moverá a sua língua,desde os homens até aos animais, para que
saibais que o Senhor fez diferença entre os egípcios e os israelitas.
Então, todos estes teus servos descerão a mim e se inclinarão
diante de mim, dizendo: Sai tu e todo o povo que te segue as
pisadas; e, depois, eu sairei. E saiu de Faraó em ardor de ira [Êx
11.4-8]. [Os g rifo s são nossos.]

52
A palavra "e u " se refere a Deus na primeira linha, mas a
Moisés nas últimas linhas. Moisés não está se confundindo
com Deus, mas faz um salto gramatical que torna difícil
perceber em que mom ento do te xto ele pára de citar a
divindade e começa a falar de si mesmo. Moisés de fato
passou a ser como um deus para Faraó; e, ao que parece, já
está começando a se sentir mais confortável no papel pessoal
que lhe coube no exercício do poder divino.
Considerando o texto acima, a idéia presente não é que
Moisés era Deus, mas que, diante de Faraó, faria o lugar de
Deus. O exercício do poder divino deve ser feito com muita
cautela, reverência e humildade para que o coração não se
ensoberbeça e nos leve à ruína.

A lição do monte da transfiguração

Em meio a toda aquela fo rte manifestação da glória de


C risto, onde o rosto transfigurado de jesus resplandeceu
como o sol, e as suas vestes se tornaram brancas com o a
luz, lá apareceram Moisés e Elias, representando a Lei e os
Profetas. Pedro, tom ado de profunda emoção, disse ao
Mestre da Galiléia:

Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, façamos aqui três


tabernáculos: um para ti, um para Moisés e um para Elias
[M t 17.4],

A rigor, os homens, quando podem, tentam sempre se


tornar divinos ou, na p io r das hipóteses, tentam to rn a r o
divino em humano. O pedido de Pedro é extremamente
sintomático. Sim, porque a idéia de fazer tabernáculo para
cada um,embora demonstre profunda espiritualidade e visão
nobre, é a forma mais com um de querer m anipular o
sobrenatural e o divino.

53
Pedro, talvez inconscientemente, estava tentando trans­
form ar o divino em humano e o humano em divino. Essa
proposta de Pedro indica que, lá no fundo, todos os que
lidam com o poder de Deus acham que podem manipulá-io,
pois pensam que têm direito sobre ele. Ledo engano.

A diferença entre "pedir" (aiteo) e "pedir" (erotao)

Segundo o grupo que lida com Deus de forma onipotente,


expressões como pedir, rogar e suplicar são a mesma coisa
que "exigir, decretar, determinar, reivindicar". [A truculenta
interpretação de João 14.13,14.]
N o N ovo Testamento grego, entretanto, há duas palavras
para o verbo "pedir":
a] aiteo,que sugere a atitude de um suplicante, uma petição
de alguém que está em posição m enor que a daquele a
quem suplica, é como uma criança pedindo a seu pai [M t
7.11] ou um vassalo fazendo um pedido ao rei [ A t 12.20] e
b] erotao,cujo uso sugere que o suplicante está no mesmo
pé de igualdade ou familiaridade com a pessoa a quem é
feito o pedido. É aplicado, p o r exemplo,a um rei que faz um
pedido a um o u tro rei [Lc 14.32]. Segundo Vine, o Senhor
Jesus nunca usou aiteo para fazer um pedido ao Pai. A
consciência de sua igual dignidade,de sua intercessão potente
e vitoriosa, é demonstrada nisto: sempre que Ele pedia ou
declarava que pediria qualquer coisa ao Pai, sempre usava
erotao, isto é, um pedido que deixava implícita a idéia de
igualdade (Jo 14.16; 17.9; 15.20]; nunca aiteo.

"Vós sois deuses" (SI 82.1,6]

A primeira impressão que fica ao lermos um te xto como


esse é que o sentido não é bem o que estamos realmente
lendo. Mas esse susto é dem ovido quando nos reportamos
ao contexto histórico em que ele foi produzido.

54
Tanto o rei Davi com o os juízes de Israel são chamados
de "E lo h im " (Êx 21.6; 22.8,9,28; cf. SI 45.6], Isso p o r uma
razão simples: tanto um quanto o o u tro representavam a
Deus. Por exemplo, a solenidade de chegar-se diante de um
juiz era comparável com o chegar-se diante de Deus.
Nos salmos, não somente o ofício de rei é identificado
com a deidade, mas também a própria pessoa do rei, e sua
dinastia, regeria como Deus para sempre [SI 45.2,16,17].
O salmo 82.1,6 chama os juízes de "deuses" p o r causa de
sua representação da deidade.
Todavia, pegar um texto como esse e interpretá-lo fora
do seu contexto histórico é pura temeridade.
Termino esta parte, citando as palavras de um escritor
evangélico:

Frases,sentenças e ordens do tipo"E u decreto"e"Tá amarrado"


não podem representar uma vaidade espiritual autônoma de
Deus. Se Deus não aprovar, ordenar,decretar ou amarrar, torna­
se inútil qualquer esforço de tentar alterar realidades.

55
Confissão positiva

fé — o elemento teológico de maior importância


para a prática da comunhão com Deus através de
Jesus C risto , já que, segundo a Bíblia, sem eia é
impossível agradar a Deus [H b 11.6] — tem sido
corrompida nos pruridos de semântica de má prag­
mática para o pejorativo "confissão positiva". A expres­
são "confissão positiva"pode ser interpretada de várias
maneiras. O mais significativo de tu d o é que a expressão se
refere literalmente a "trazer à existência o que declaramos
com nossa boca", uma vez que a fé é uma confissão.
Os defensores da nova idéia, que vem travestindo a fé
com os ingredientes da psicologia do bem viver e da auto-
ajuda, não estão sendo capazes de enxergar o mal que estão
fazendo ao povo, que mais uma vez é lesado e, agora, no
único componente puro que ainda existe no coração do
homem: a fé.

57
A"confissão positiva"peca quando conceitua erradamente
a fé,que deve ser entendida como um estado da personalidade
humana que consiste em firme assentimento que uma pessoa
faz à realidade de Deus, de sua Palavra com o revelação e às
suas promessas contidas nessa revelação. Firme assentimento
quer dizer aceitação sem qualquer dúvida. Esse estado de
permanente atitude de assentimento envolve o exercício da
vontade, isto é, a pessoa que tem fé deliberou crer.
Além da fé religiosa, existe também a fé geral e filosófica,
que consiste na determinação da vontade para confiar em
pessoas, em enunciados, em intenções, em conceitos, em
ciências, em ideologias etc. Aliás, nesse sentido, podemos
dizer que a fé é o elemento que permeia todos os atos da
vida humana em seu relacionam ento com as coisas e
convivência com as pessoas.
Pasma-me so b re m a n e ira c o m o algum as c u ltu ra s
evangélicas estão adm itindo a fé na atualidade. Em relação
a isso é que a teologia tem m uito trabalho a fazer. Porque
somente ela, mais ninguém , pode inte rpre ta r os novos
símbolos da fé. É a teologia que vai dizer se o sím bolo que
a fé está usando é realmente bíblico. Isso p o r uma razão
simples. Explico. Hoje, m uito do que a maioria das pessoas
admite com o fé é apenas uma distorção da verdade. Q uanto
a essas questões formais relacionadas ao com portam ento e
à prática cristã em term os de fé, a teologia desempenha
papel preponderante e decisivo. Isso porque nada tem sido
mais d istorcido e falsificado com o a fé, que vem sendo
confundida e,às vezes, falsificada. Analisemos abaixo algumas
dessas distorções.

As distorções da fé

• A confissão positiva privilegia a fé "para te r " em


detrim ento da fé "para viver". Depois que a fé "para te r"
tom ou o lugar da fé "para viver", nunca mais os cristãos

58
conseguiram experienciar a fidelidade da fé em Deus, mas
sim, a fé que pela fé se consegue. Porque viver pela fé não é
apenas acreditar que Deus existe, mas é te r certeza que existi­
mos para Deus. Por isso, originalmente, a frase em Habacuque
"... mas o justo viverá pela fé" deve ser lida da seguinte
maneira:"... mas as pessoas corretas viverão p o r serem fiéis a
Deus".
• A confissão positiva coloca a emoção com o fonte da fé.
É do pai da teologia moderna, Schleiermacher, a conceituação
de religião como o sentimento de dependência condiciona­
do. Mas se a religião não é mais que sentimento, é inócua. É
bem verdade que a fé como ato de toda pessoa contém em
seu bojo fortes elementos emocionais. Mas a emoção não é
a fonte da fé. Se isso fo r adm itido,a fé se torna um elemento
eminentemente subjetivo.
• A confissão positiva idolatra a fé p o r gerar ansiedade
peio ter. A ansiedade causada p o r não se te r é uma forma de
idolatrar a fé; isso porque interpreta o êxito com o graça, e a
sua falta como condenação. A q u i, o mais to rturante não é o
fato de não se te r fé, mas sim o de não te r a fé que consegue
as coisas.
• A confissão positiva coloca to d o o peso da realização
nas palavras pronunciadas e na atitude mental rigorosamente
mantida, em vez de apoiar-se no fato de que a fé que temos
vem de Deus [A t 3.16; Hb 12.1,2]. Fé é o abandono à revelação
de Deus,e o descanso nela. A palavra hebraica para "confiança"
traz a idéia de a pessoa desabar o rosto no chão, sem apoio
nenhum. O que estou dizendo é que a fé não se origina do
homem, mas acontece quando Deus abre seu coração para
nós. Nesse sentido, a primeira reação da fé é abrir a porta a
fim de perm itir que Deus em C risto seja tu d o quanto Ele
prometeu; é deixar Deus ser o Deus que Ele afirma ser em
sua Palavra.
• A confissão positiva obriga Deus a fazer nossa vontade,
baseada na idéia de que a fé é um p o d e r que podemos

59
utilizar a fim de influenciá-lo. Quem concebe a fé dessa
maneira imagina que pode mover a mão de Deus na direção
que quiser. Se na teoria não pensamos assim, na prática é o
que estamos fazendo.

Equívocos sobre a fé

Dentre os vários equívocos sobre a fé que vêm sendo


cometidos no âm bito evangélico, acerca dos quais gostaria
de comentar, pelo menos três destacam-se com o os mais
presentes: superstição, temeridade e fanatismo. A idéia de
passar esses três equívocos em revista é a de que consigamos
de alguma maneira reverter as distorções teológicas que
vêm permeando algumas igrejas na atualidade. Analisemos:
• Superstição. Deposita a confiança em coisas e objetos
inexistentes ou que existem materialmente, mas são ine­
ficazes. Uma imagem, p o r exemplo, existe, mas é ineficaz,
ou seja, nenhuma virtude tem , nada pode realizar. Um o u tro
elemento de cunho eminentemente supersticioso é confiar
em objetos, em coisas e em elementos, atribuindo-lhes o
p o de r de operar maravilhas. Exemplos: acreditar num
sabonete ungido, óleo ungido, água ungida, enfim , seja lá o
que for, é superstição, e não fé.
• Temeridade. Consiste em a pessoa querer realizar coisas
descabidas,despropositadas, incoerentes e absurdas,alegando
te r fé para fazê-las. Eu conheci uma pessoa que orava todos
os dias para fazer o sol parar.
• Fanatismo. Gera um estado de fé que faz a pessoa
depositar sua confiança em que receberá aquilo que Deus
nunca prometeu, como, por exemplo, curar qualquer tipo
de doença sempre ou dar prosperidade e riquezas materiais
a todos. O u tra manifestação dessa distorção, confundida
com fé, está em a pessoa querer usar de poderes emanados
de Deus para a realização de prodígios que Deus nunca
mandou fazer.

60
A te o lo g ia q u e o r ig in a a co n fissão p o s itiv a

Analisemos, agora, a teologia equivocada da confissão


positiva, para que o leitor compare cada caso com a Palavra
de Deus. Segundo os adeptos da confissão positiva,
• o cristão tem que ser próspero financeiramente e livre
de qualquer enfermidade. Se isso não estiver acontecendo, é
porque ele deve estar vivendo em pecado ou porque não
tem fé suficiente.
• é danoso declarar algo negativo, porque se concretiza,
resultando numa espécie de automaldição.
• os vocábulos iogos e rhema são distintos. Entretanto,
há pouca diferença entre esses dois termos no original. Seria
com o "e n orm e "e"im en so "e m português.[l Pe 1.23-25.A q u i
Pedro tanto usa um term o quanto o o u tro como sinônimos.]
• N o texto de lsaías 5 3 .4 ,5 Deus prom ete curar todas as
enfermidades. Não podemos esquecer também que, quando
Jesus curou a sogra de Pedro (M t 8.14-17], a expiação de
C risto ainda não havia acontecido. P ortanto, usar essa
passagem para dizer que a cura divina, total e perfeita está
garantida na expiação com base em Isaías 53.4,5 é forçar o
texto e não reflete uma boa exegese.
• Toda enfermidade procede do diabo e é conseqüência da
falta de fé ou do pecado na vida do crente [Êx 4.11; 2 Rs 15.5;
2 C r 26.19,20; N e 12.10], Basta examinar a Bíblia para
concluirmos que grandes servos de Deus passaram privações
e dificuldades em suas trajetórias a serviço do Senhor. Exemplos:
Eliseu [morreu de uma enfermidade — 2 Rs 13.14-21]; Jó [o
próprio Deus dá testemunho da integridade dele]; Paulo [tinha
um problema sério nos olhos — A t 23.3-5; Gl 4.15; 6.11];
Timóteo [tinha uma enfermidade no estômago — 1Tm 5.23].

Teorias da confissão positiva

• Incubação [visualização], Uma imagem mental direcionada


a um alvo desejado. Assim, se desejamos receber algo de

61
Deus, devemos ficar “ grávidos" do que desejamos até que o
recebamos. [A Bíblia fala de visão, e não de visualização.)
• Poder criativo da palavra falada. Segundo essa teoria,
nossa palavra é o material que o Espírito Santo usa para
criar. Mas de acordo com a Bíblia, somente Deus tem poder
para criar e mais ninguém.
• A neurose de especificar os pedidos de oração. Creio
que qualquer cristão tem toda a liberdade de especificar
seus pedidos quando ora a Deus, com p artilh an d o com
Ele seus desejos e aspirações nos m ínim os detalhes. Isso,
p o ré m , não garante que Deus vá re sp o n d e r a tu d o
exatamente com o pedimos. Deus sabe o que é m elhor
para nós mesmos. Se Deus respondesse todas as nossas
orações, seria uma tragédia. Foi a esposa de Billy Graham
quem disse certa vez: "Se Deus tivesse respondido todas
as minhas orações, eu não teria me casado com Billy
Graham".
• Divinização humana. A gora virou moda para alguns
pregadores da confissão positiva tornar o homem em divinda­
de ou semideus. Não faz m uito tem po, Benny Hinn levou os
membros de sua igreja a repetir depois dele a seguinte frase:
"Eu sou um homem-Deus".
• M igu e l  n g e lo , apóstolo da Igreja C ris to Vive, no
Rio de Janeiro, vem equivocadamente ensinando com base
em Jeremias 1.5 — "A nte s que eu te formasse no ventre,
eu te conheci; e, antes que saísses da madre, te santifiquei
e às nações te dei p o r p ro fe ta " — sobre a preexistência
do ser humano. Isso porque a passagem de Jeremias citada
acima não está falando da preexistência do profeta, mas,
sim, da presciência de Deus. Crem os, p o r exem plo, que
Deus já sabia ou já conhecia tu d o sobre a cidade do Rio
de Janeiro. N em p o r isso ela já existia antes de ser
construída.
É de Kenneth Hagin,o sistematizador da confissão positiva,
as seguintes frases estapafúrdias:

<52
"Você é tanto uma encarnação de Deus quanto Jesus Cristo
foi. Cada homem que nasceu de Deus é uma encarnação e o
cristianismo é um milagre. O crente é uma encarnação tanto
quanto o foi Jesus de Nazaré".
"Você não tem um deus dentro de você. Você é um Deus".
"Cachorros geram cachorros, gatos geram gatos, e Deus gera
deuses".
"M ediante o novo nascimento, tornamo-nos membros bona
fide da família cósmica original [Ef 3.15], verdadeiros filhos
gerados de Deus (1 Jo 3.2], co-participantes da natureza divina'
(2 Pe 1.4], gerados de Deus, impregnados de seus 'genes' [não
está implícita nenhuma relação física],chamados a semente ou
'esperma' de Deus [1 Jo 5.1,18; 1 Pe 1.3,23], trazendo a
hereditariedade divina. Assim, mediante o novo nascimento
— e falo reverentemente — tornam o-nos o 'parente' da
Trindade, uma espécie de'extensão'da Divindade".
"Jesus foi primeiramente divino e depois humano. E, na carne,
Ele foi um ser divino-humano.Quanto a mim, fui primeiramente
humano como você, mas eu nasci de Deus. E, dessa maneira,
tornei-me num ser humano-divino!"

A maioria destas declarações está no livro Zoe: a própria


vida de Deus, escrito p o r Kenneth Hagin.

Tragédias causadas pela confissão positiva

Os fatos aqui exibidos são documentos contidos em alguns


jornais. Vejamos:
• Um menino diabético que morreu nos Estados Unidos
porque seus pais não lhe deram insulina [ We ie t o u rs o n die
— Deixamos nosso filho morrer].
• O exemplo de H obert Freeman, que começou a chamar
a atenção da mídia devido às mortes de crianças de sua
igreja que foram proibidas de receber tratam ento médico.
• O escândalo em Portugal sobre o m ovim ento liderado
peio Sr. Jorge Tadeu, pastor da Igreja Maná.

63
A c o n fis s ã o p o s itiv a p re s e n te na h in o lo g ia cristã

A hinologia é te rm ô m e tro que dem onstra as tendências


teológicas de um determ inado m om ento. Ela reflete as
interpretações das experiências vividas pela igreja numa
determ inada época. A liá s, nossa hin o log ia passou p o r
bruscas tra n sfo rm a çõ e s nos ú ltim o s anos. De hinos
extremamente Iitú rg icos, passamos a ritm o s populares.
Geralm ente, as letras desses novos hinos contêm erros
d o u trin á rio s antigos, com o uma letra de h ino evangélico
que coloca o arcanjo M igu e l com o maestro do coral de
Deus. O u tra s, cheias de confissão positiva, incitam as
pessoas a mergulharem numa aventura de fé, p o r conta
de que Deus vai fazê-las vencedoras. Não são poucas as
experiências que ouvim os de pessoas que embarcaram
nessa "canoa furada" e, no final das contas, ficaram sozinhas.
Precisamos ficar atentos com relação ao que estamos
cantando, pois letras de hinos sempre refletem posições
doutrinárias. Além disso, virou costume ro tu la r os hinos.
Não existe hino de guerra ou de adoração. H ino é sempre
hino, um lou vo r a Deus e nada mais.

64
Teologia da prosperidade

ênfase no te r como objetivo da fé, e não no ser, tem

Â
suas fontes básicas em determ inadas ideologias
americanas, já entre nós há muitos anos. Não são
ideologias de todo erradas. Há muitas coisas positivas
nelas. A teologia da prosperidade tem aspectos e
elementos que julgo fazerem falta na nossa vivência de
fé. Por exemplo: o estímulo a viver pela fé, a te r mente
positiva, a ser confiante, a viver com coragem, a não desistir
facilmente,a ambicionar na vida,para que a existência humana
seja algo que quebre o círculo da mediocridade imediata.Todos
esses estímulos ■ — a meu ver eminentemente bíblicos —
todo crente deveria vivê-los. N o entanto,quando essa teologia
se sistematiza, torna-se reducionista, unilateral, obcecante,
"enfraquecedora do ser, na medida em que o grande ser que
se enfatiza é o ser, sobretudo, próspero materialmente, o
que implica não ser, mas ter".

65
Há duas portas largas na teologia da prosperidade: a da
frente, que enche as igrejas de supercrentes,e a detrás, po r
onde saem os supercrentes transform ados em superincré-
dulos.
Esse fenômeno vem ocorrendo em todas as igrejas que
decidiram p o r esse tip o de pregação. Nessas culturas
evangélicas,a prosperidade passa a ser sinal de espiritualidade
e sucesso. O u seja: quem não tem prosperidade e sucesso
não é espiritual, ou pelo menos não é abençoado p o r Deus.

Equívocos da teologia da prosperidade

• A teologia da prosperidade declara que Deus não diz


"não" às orações de seus filhos.
Equívoco. Moisés im plorou ao Senhor permissão para
passar o Jordão e ver a terra da promessa, e Deus lhe disse:
"Basta; não me fales mais neste negócio"[D t 3.23-29].Apesar
de ser um homem de oração, Davi orou de forma sentida
pelo filho recém-nascido, gravemente enfermo, e Deus levou
a criança após uma semana de intensa oração e jejum [2 Sm
12.15-23], Paulo conta que em três ocasiões diferentes implorou
a Deus para ficar livre do "espinho na carne" e, cada vez que
orava, o Senhor lhe dizia "nã o " [2 Co 12.7-9]. O mesmo
apóstolo deve te r orado pela saúde de Tim óteo e de Tró-
fimo,mas não há indicação de que eles tenham sido curados
[1 Tm 5.23; 2 Tm 4.20].
• A teologia da prosperidade diz que devemos orar apenas
uma vez p o r alguma coisa. A oração repetida significa falta
de fé.
Equívoco. Jesus orou três vezes pelo mesmo assunto no
Getsêmani: "E, deixando-os de novo, foi orar pela terceira
vez, dizendo as mesmas palavras" [M t 26.44]. Paulo fez o
mesmo:"Acerca do qual [o espinho na carne] três vezes orei
ao Senhor, para que se desviasse de m im " [2 Co 12.8], Cer­
tamente, nem Isaque nem Zacarias oraram apenas uma vez

63
para que suas esposas Rebeca [G n 25.21] e Isabel [Lc 1.13]
engravidassem. Os salmos de Davi estão cheios de súplicas
repetidas. A s parábolas do amigo im po rtu n o [Lc 11.5-8] e do
juiz iníquo [Lc 18.1-8] estimulam a insistência da oração sobre
o mesmo assunto até v ir a resposta de Deus.
• A teologia da prosperidade ensina que sofrim ento
significa falta de fé.
Equívoco. Q uanto mais consagrados ao Senhor, quanto
mais santos e mais cheios de fé, mais sofrem os ministros de
Deus, como se pode ver a vida de José, de Jeremias e de
Paulo. Basta ler o relatório deste últim o: ele fala de prisões,
açoites sem medida, perigos de m orte, varadas, apedreja­
mento, naufrágios, fadigas, fome, sede, frio , nudez, preocu­
pação com todas as igrejas e uma variedade de outros perigos
entre salteadores, entre patrícios, entre gentios, entre falsos
irmãos, nos rios, na cidade, no deserto e no mar [2 Co 11.23­
29]. Na mesma epístola, o apóstolo declara-se atribulado,
mas não angustiado; perplexo, mas não desanimado; per­
seguido, mas não desamparado; abatido, mas não destruído
[2 Co 4.8, 9],
• A teologia da prosperidade afirma que pobreza não
combina com nossa posição de filhos do Rei.
Equívoco. O p ró p rio Jesus, sendo rico, se fez pobre p o r
amor de nós, para que pela sua pobreza nos tornássemos
ricos [2 Co 8.9], A riqueza não é estimulada no N ovo
Testamento,e os ricos são freqüentemente advertidos quan­
to à origem [Tg 5.1,6] e ao emprego [2 Tm 6.9,10,17-19] de
seus m u ito s bens. São tam bém e x o rta d o s a não se
preocuparem demasiadamente com eles [M t 6.19-21].

Os erros da teologia da prosperidade

Por desencargo de consciência, passo agora a analisar os


erros fundamentais da teologia da prosperidade. Se não,
vejamos:

67
• Erra ao dar ênfase demasiada ao ter. Do po nto de vista
bíblico, a grande prosperidade humana é a prosperidade do
ser. [Ler as bem-aventuranças.]
• Erra ao reduzir a perspectiva ética da prosperidade à
mesquinhez das coisas terrenas. [Ler Colossenses 3.1-4; 5-18.]
• Erra ao associar sucesso à espiritualidade. Pense em
Abraão: ele deixou de te r para passar a ser. E em Elias: sempre
foi e nunca teve [2 Co 8.1,2; 9.8-11], A bênção de Deus sem­
pre é a riqueza do ser, e algumas vezes enriquece também
materialmente.
Segundo 1Tim óteo 6.9-19, a prosperidade só tem chance
de ser bênção: a] quando não é buscada obsessivamente [v.
9]; b] quando não se transforma na segurança da vida [v. 17];
c] quando existe para estimular a espiritualidade [v. 18]; d]
quando aponta na direção de outra riqueza [v. 19].
Há vários outros equívocos na teologia da prosperidade.
Se todos fossem relatados, este texto seria com prido demais.
Os que foram aqui mencionados servem de amostragem e
de exortação, para que as igrejas de Deus se portem como
os bereanos e examinem as Escrituras cuidadosamente para
não abraçar qualquer novidade, p o r mais atraente que ela
seja [ A t 17.11],

A teologia da prosperidade na sua


versão monárquica

Foi a teologia da prosperidade [em sua versão monárquica]


que transform ou a Igreja Primitiva em igreja do estado
romano, com sua consequente corrupção moral e espiritual.
Foi a teologia da prosperidade que corrom peu todos os
m ovim entos de fé genuína e simples que aconteceram na
história da Igreja. É a teologia da prosperidade que tem
hoje o poder de desvirtuar o início de um grande aviva-
mento que está na iminência de acontecer. Isso porque a
teologia da prosperidade é m u ito interessante no início

68
[afinal ela é cheia de ím peto e chocantes demonstrações de
fé]. N o entanto, no seu triunfalism o ela se torna agressiva
e perde a singeleza da vida com Cristo. A teologia da prospe­
ridade, em todas as suas expressões nesses dois mil anos
de história da igreja, nunca foi capaz de gerar uma igreja
rica e solidária. O que ela sempre gera é uma igreja triu n -
falista, obcecada pelo poder e alienada da infelicidade do
resto do planeta.
Ora, com tu d o isso não estou dizendo que a teologia da
prosperidade não tenha aspectos positivos. A o contrário:
penso que sempre surge no vazio de fé ativa e construtiva
da igreja. E é sempre depois de períodos de p ro fu n d o
pessimismo e rendição dela à mediocridade e ao pensar
pequeno, que aparece no h o riz o n te da sua h is tó ria .
Pessoalmente, acredito que Deus não quer seu povo como
cauda, e sim como cabeça. N o entanto, a liderança do povo
de Deus na história só é positiva quando é uma liderança de
fé, e fundamentada num projeto de vida genuíno, ousado,
mas concentrado no exercício do poder espiritual, e não no
terreno. A Igreja é tanto mais relevante na história quanto
mais seja sinal do Reino p o r vir. Seu grande poder deve ser
o poder da solidariedade social e do exercício dos dons do
Espírito no mundo. Ela é realmente poderosa quando cura
doentes, expulsa demônios, prega o Reino, sinaliza o am or
fraternal, socorre os necessitados e cultua a Deus através de
seu sacerdócio santo e Iúcido.n)
Enquanto a confissão positiva cria uma maneira irreal de
conceber a fé,e o triunfalism o nos faz negar to d o o tem po
a realidade humana,o Evangelho da prosperidade confunde
uma igreja rica em solidariedade com uma igreja rica e
solitária,totalm ente desencarnada da d o r e dos sofrim entos
humanos.

1,1 Fábio, Caio - Batalha Espiritual. Ed.Vinde.

69
Triunfalismo: o sofisma
do supercrente

s dois braços de sustentação da teologia da prospe­


ridade são a confissão positiva e o triunfalismo. Estes
vêm form ando conceitos distorcidos e trazendo
perspectivas absolutamente discrepantes ao Evangelho
de Jesus Cristo. Enquanto a confissão positiva cuida
de inverter os valores mais sagrados da fé em C risto,
o triunfalism o faz a sua parte ocultando excessivamente as
ordinárias ambiguidades humanas.
O triunfalismo, em geral, faz as pessoas pensarem de si mesmas
além do que realmente são. Cria uma espécie de superestima
falsa, baseada em confissões positivas. É por isso que há
tanto escândalo em nosso meio.
Assumimos demais a fachada de super-heróis carismáticos,
esquecendo-nos de que eia é totalm ente contrária à fragili­
dade da natureza humana. Desenvolvemos uma suposta vida
impermeável,inatingível, intocável,para lá de toda ambiguidade

7/
e acima de toda situação; algo sobranceiro, absoluto,
divinizado... p o r acharmos que somos em inentem ente
espirituais. “ Construímos toda uma fachada de perfeição,que
é a própria testa, o pé direito da tumba moral que habita
nosso interior, com nossas podridões, idiossincrasias, manias,
taras, enfermidades, carências". E quando acontece de um
desses deuses de pé de barro desmoronar, ficamos de queixo
caído. Isso certamente não aconteceria se fizéssemos o possível
para que ninguém visse em nós além daquilo que realmente
somos [2 Co 12.6]. E para que se veja em nós tu d o o que em
nós há é preciso que não tenhamos dois estilos de vida.
É comum pensar que a vida do "hom em de fé" não passa
pelas mesmas necessidades neurofisiológicas de qualquer
m ortal. Encontro às vezes pessoas que imaginam que o
"hom em de Deus" está acima dessas necessidades, como,
por exemplo, livre da precisão de uma parada, um descanso.
Acreditam ser possível a ele pregar, indefinidamente, sem
tréguas, uma mensagem atrás da outra. Segundo elas, "os
que descansam no Senhor renovam suas forças..." E há quem,
inclusive, assuma que é bom que os outros pensem dessa
maneira a seu respeito. A té que um dia algo desagradável
acontece inesperadamente, e são flagrados com o simples
seres humanos, com o qualquer um — obrigados a atender
a necessidades não só biológicas, como emocionais, espirituais
e morais. É em razão disso que Paulo ■ — não obstante sua
incrível fortaleza — confessa-se capaz da mais profunda
tristeza.
Certas publicações sobre "vida vitoriosa", do tip o que diz
que você pode conseguir tu d o — a m aior parte delas
provenientes de países com realidade social bem diferente
da nossa — são uma versão capitalista da nossa teologia.
Há alguns equívocos bem salientes na exposição da tese
triunfalista, a saber:
1. Macrovaloriza o sucesso em detrim ento da coerência e
da profundidade, e mede a espiritualidade pelo sucesso

72
financeiro que se tem, passando a idéia de que a vitória
cristã está sempre no ter.
Conceito bíblico. Do ponto de vista de Deus, sucesso não
é tanto você ter, mas você ser.
ZDesumaniza o homem,transformando-o num super-homem.
Conceito bíbiico.O homem é apresentado na Bíblia como
alguém frágil, lim itado,am bíguo, fin ito , carente, im perfeito e
dado a to d o tip o de tendências. A Bíblia é um dos únicos
livros que falam das fraquezas dos seus heróis. Os salmos de
Davi, p o r exemplo, mostram o lado humano, frágil, ame­
drontado, temeroso, mesquinho e acovardado do homem
segundo o coração de Deus.
3. Elimina virtudes cristãs intransferíveis, tais como perseve­
rança, submissão, paciência e contrição, pela obsessiva visão
de vitória.
Conceito bíblico. O ensino bíblico deixa claro que nem
sempre Deus responde às nossas orações, nem sempre as coisas
saem como gostaríamos, enfim, nem sempre a vida cristã é
um mar de rosas. Todavia, a d o r e a tribulação nos ensinam
lições que jamais aprenderíamos se não passássemos p o r tais
situações. Queremos sempre que Deus nos livre das tribula­
ções, mas às vezes precisamos passar pela experiência de vê-lo
nos livrar nas aflições.
4. Postula a idéia da ambição com o forma de cu lto ,
confundindo prosperidade com propriedade.
Conceito bíblico. Segundo a Bíblia Sagrada, prosperidade
não é você te r tudo, mas sim te r o suficiente para sobreviver.
Prosperidade, à luz da Palavra de Deus, é você te r harmonia
no lar; é você te r saúde; é você te r paz com todos; é você
te r sempre para sobreviver. Portanto, essa forma distorcida
de ambicionar pelo te r — p o r exempIo:"É só pensar numa
bicicleta " x " e você consegue; um Mercedes, e ele é seu; um
colar de pérolas, uma igreja com torre, sino... Basta você
pensar e o o b je to desejado surge..." — no m ínim o é
extrabíbiica.

73
Os livros de Paulo são anti qualquer perspectiva de marke­
tin g de venda. Numa carta aos filipenses, onde o apóstolo
fala sobre vida vitoriosa e pretende elevar o moral dos crentes
— “ Regozijai-vos... regozijai-vos" [cap. 4 ] — ele, antes disso,
confessa haver experimentado tristeza sobre tristeza pelo
fato de Hepafrodito, seu "irm ão, cooperador e companheiro",
haver adoecido mortalm ente [Fp 2.25-27],
O u ainda em 2 C oríntios 1.8,quando diz:"... não queremos,
irmãos,que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na Ásia,
pois que fom os sobremaneira agravados mais do que
p o d ía m o s s u p o rta r, de m o d o ta l que até da vida
desesperamos".
Observe como em Gálatas 4.12,13 ele faz referência a ficar
doente. Isso não é m uito recomendável para o indivíduo
que tem o compromisso de orar pelos enfermos. Q uanto
mais o cristão é do tipo dos que estão sempre colocando a
mão na cabeça dos outros e orando p o r eles, mais julga que
precisa ocultar suas enfermidades — caso contrário, pode
parecer uma contradição! A s pessoas são capazes de dizer:
"Irm ão, antes de p ô r a mão na minha cabeça, ponha na sua!"
Paulo, entretanto, assume a sua doença:"... vos preguei o
evangelho... por causa de uma enfermidade física", diz ele no
verso 13 [AR A], E mais: ele se refere às suas angústias ministeriais
[2 Co 11.28,29]. Faz alusão também às aflições que lhe brotam
do peito, ao abrasamento que lhe sobe à alma quando vê
acontecerem escândalos, traições, ingratidões, fraquezas. Em 2
C oríntios 11.26 ele lembra acidentes enfrentados. Em contras­
te com essa naturalidade e abertura do apóstolo, o que nos
surpreende é que, quando o carro do líder triunfalista bate,
há uma ausência de revelação — ele talvez o conserte es­
condido,evitando,assim,que o povo pense que,se ele estivesse
em sintonia com Deus, com certeza Deus o teria prevenido
uma esquina antes... O u quem sabe o teria avisado de não
passar por ali... Mas Paulo parece te r embarcado no navio
errado — não uma, mas quatro vezes! Paulo não tinha a menor

74
obrigação de saber qual era a melhor companhia, quem iria
fazer a melhor assessoria ministerial, se iria chover ou fazer
sol, se viria o vento norte e o inverno seria bravo. Nada disso
ele sabia. Era capaz de sofrer o acidente.
Em 2 Timóteo, ele fala dos abandonos sofridos. N o capítulo
1, verso 15,ele diz:"... os que estão na Ásia, todos se apartaram
de mim; entre os quais foram Fígelo e Hermógenes". N o
capítulo 4, verso 10, ele conta que Demas o abandonou. Diz
ainda, no verso 16,que a própria igreja, na sua primeira defesa,
não foi solidária com ele; todos o abandonaram.
Que maneira mais terrível de term inar a vida! Tendo que
dar testemunho e, no fim, dizer que está se sentindo só!
Em 2 C oríntios 11.27, ele fala das suas privações. Em 2
Timóteo 4.13, ele fala do seu tédio, pedindo a Tim óteo que
lhe leve os livros e os pergaminhos que esquecera em Trôade.
Passar horas inteiras preso num cubículo, sem te r o que
fazer,o que estudar ou ler, era um horror. A mente precisaria
ser tocada, estimulada, caso contrário acabaria caindo numa
paralisia total.
Com o o perfil do cristão é diferente daquele pintado
pelos triunfalistas!

75
Guerra espiritual

ste assunto tem-se transformado no grande fascínio


dos movimentos de renovação. Alguns o têm colo­
cado em lugar de relevância nas suas pregações e
exposições. O utros, de forma mais comedida, porém
omissa, vêm esperando o resultado de toda essa
manifestação para exibirem sua posição.Vários outros
grupos vêem a questão com o mais um m om ento
febril que enfrenta a dura realidade de ser apenas uma daquelas
"ondas"que vêm e vão,um megatrendsdos grupos renovados
nesta virada de século.
O tema realmente desperta fascínio e até uma certa histeria.
Mas acredito que o grande problema desse m ovim ento —
como o de outros iguais — repousa na ênfase exagerada
que se dá a apenas um lado da verdade, o que deixa m uito a
desejar em termos teológicos.
Sem sombra de dúvida, vivemos uma batalha espiritual
intensa e ininterrupta. Hoje, mais do que nunca, precisamos

77
estar atentos às astutas ciladas do diabo, tendo constante
discernimento para não sermos surpreendidos lutando contra
nós mesmos, em vez de lutar contra ele.

Sem exageros

Tirados os exageros, o m ovim ento de guerra espiritual


tem aspectos positivos. Vejamos:
1. É extremamente responsivo, porque faz a igreja enfrentar
os problemas sociais com coragem.
2. É estimulador, porque torna a vida cristã um constante
desafio.
3. É re fle x iv o , p o rqu e faz uma re le itu ra da Bíblia,
principalmente daqueles textos que estavam empilhados em
alguma prateleira e abandonados.
4. É combativo, porque vai à luta, fazendo passeatas,shows
e evangelismos de forma incansável.
5. É estratégico, porque vê alguns setores da cidade como
fortalezas satânicas que devem ser submetidas.
6. É sensível, porque trata das coisas espirituais com
seriedade e responsabilidade.
Mas aquilo que poderia ser satisfatoriamente uma abertura
para o avivamento cristão na virada do século, tem-se consti­
tuído em "ferm ento ruim " por causa das distorções, inversões
e exageros.
A o comentar os aspectos negativos do m ovim ento de
guerra espiritual, não quero ser m órbido nem cair na tolice
de criticar apenas por criticar, mas pretendo p ro p o r alter­
nativas equilibradas em relação às nossas interpretações até
aqui sobre o assunto.

A guerra entre Miguel e o príncipe da Pérsia (Dn 10-12)

N ã o é possíve l p e n s a r um te x to de e s tr u tu r a
eminentemente apocalíptica de forma literal,porque aquilo
que parece ser é sempre mais do que se compreende. Por

78
conta disso, observe o le ito r o v. 14 do cap. 10 de Daniel,
onde lemos: "... porque a visão se refere a dias ainda
distantes" [A R A ]. N o te que, p a rtind o da compreensão
dessa ressalva feita pelo anjo a Daniel, está absolutam ente
descartada a interpretação de uma suposta estratégia
contra os poderes do mal. O u seja: a visão que o profeta
está recebendo é uma antevisão da história e das sucessões
dos im p é rio s , e tu d o se associa com a h is tó ria de
so frim e n to e d o r do povo de Israel, desde o presente até
o mais distante fu tu ro .
O que estou tentando dizer é que essa visão de Daniel é
uma profecia/história, isto é,toda a história de d o r do povo
de Israel está sendo contada a partir da ótica de Deus. Gabriel,
o anjo emissário, está revelando que a história de sofrim ento
do povo de Israel vai te r um final feliz, porque Deus está no
controle de tu d o [Dn 12.1].
Por hora, Israel está debaixo do poder persa, que, todavia,
será sucedido pelo grego e este passará p o r diversos confli­
tos e sucessões. C ontudo, Israel será preservado em meio a
todas as sucessões, porque Deus não sai de cena na história
como o guardião do povo judeu [Dn 10.13].
Dessa revelação podemos tira r algumas conclusões. Se não,
analisemos:
1. O te xto em tela não admite a interpretação de que
cada país, cada cidade, cada m unicípio, cada bairro, tem um
"dem ônio oficial"com o qual a igreja tem que se co n fro nta r
para conquistar o seu espaço. Isso p o r uma razão m uito
simples: G abriel não está dando uma visão estratégica de
"guerra e sp iritu a l" para o profeta, mas uma antevisão
histórica, onde os episódios previstos na revelação aconte­
cerão, mesmo que Daniel passe mais 21 dias orando. A lém
disso, ele, o anjo, diz que, nessa batalha, só tem M iguel para
ajudá-lo [Dn 10.20,21], ressaltando que aquela batalha não é
para os humanos,embora eles sejam os grandes e desejados
troféus.

19
O que a revelação realmente quer sublinhar é a soberania
de Deus, que conta a história antes que aconteça.
Permita-me dizer ao le ito r que Daniel não recebeu
nenhuma orientação para com bater os poderes espirituais
da maldade. Na continuação da revelação, Gabriel diz que
"ainda três reis estarão na Pérsia" e, no final, manda Daniel
não contar a ninguém o que vira, além de exigir que a visão
fosse fechada e selada. O ra, se o te xto revelasse a forma
como Satanás domina os países, estados, cidades, bairros, e
com o poderíamos neutralizá-lo, Daniel não teria sido o
prim eiro a "amarrar o diabo"?
2. Q uanto às expressões "príncipe da Pérsia" e "príncipe
da Grécia", elas não sugerem demônios que se exorcizam
através de um "Tá amarrado" ou um "Sai em nome de Jesus",
porque, segundo o relato bíblico, só M iguel tem poder para
lutar contra eles [Dn 10.13,21].

Alguns equívocos dos que fazem guerra espiritual

• Associam as pessoas reais às estruturas espirituais. A


p a rtir dessa concepção, o im portante passa a ser expulsar
os demônios da cidade, do mar, do ar, do que perder tempo
em expulsar demônios de indivíduos.
• Rejeitam tudo o que é visível. Não adianta expulsar o
espírito de prostituição e se esquecer das prostitutas. Não
adianta orar para Deus erradicar a injustiça no país e pagar
baixos salários aos empregados.
• Dão mais ênfase aos inim igos explícitos de Deus e se
esquecem de discernir as ações malignas p o r trás das fo r ­
mas de santidade. É preciso estabelecer diferença entre os
demônios que atuam na cidade e as ações malignas que
atuam nas denominações cristãs. Jesus foi bem enfático ao
dizer que há muitos que expulsam demônios em seu nome,
curam enfermos e pregam inflamadamente dos púlpitos e,
mesmo assim, não são conhecidos por Ele [M t 7.21].

80
• São extremamente freudianos ao tra ta r as questões
humanas. Segundo eles, o que rouba não é o ladrão, mas o
espírito de roubo; o que adultera não é o adúltero, mas o
espírito de adultério. O u seja: o m ovim ento de guerra
espiritual transfere a responsabilidade moral e social do ser
humano para o diabo, que termina fazendo o papel de bode
expiatório.
• Interpretam todas as desgraças com o conseqüência de
uma maldição que precisa ser quebrada. Qualquer anorma­
lidade, com o falta de sucesso, angústia, depressão, mau
relacionamento, problemas de temperamento etc. é indício
da presença de um espírito mau.
• Criam a neurose da sensibilidade extrasensorial. O que
tem de gente discernindo os variados com portam entos
humanos como agentes malignos não dá para contar. São
verdadeiros"caça-fantasmas".Vêem demônio em tudo quanto
é lugar. É preciso equilíbrio para poder enxergar que o Espírito
Santo está mais ativo no mundo do que o próprio diabo.
• Fazem das orações verdadeiros fliperamas mentais.
"Participar de um m ovim ento de guerra espiritual é de fato
emocionante. Você amarra o diabo, o demônio da corrupção,
da mentira, da desgraça, do ódio, vai amarrando tudo. Dá a
impressão de que quando você sair de dentro da igreja,
todos os problemas, do lado de fora, já estarão resolvidos".
Ledo engano.
Lembrei-me de um pastor que, para tira r o diabo da
cidade em que estava, começou a ir de madrugada para a
entrada da cidade e ali passava horas e horas expulsando e
amarrando o diabo. Expulsando para que o diabo saísse da
cidade, e amarrando para que ele não entrasse de novo.
Isso é absurdo.
Enquanto não ficar claro para nós que o diabo não apenas
atua nas áreas que, comumente, demarcamos com o áreas de
sua atuação, mas que também — e isso é absolutamente
possível — atua nos lugares que imaginamos mais improváveis,

81
continuaremos coando m osquito e deixando passar gordos
camelos pela malha da nossa ortodoxia.
Isto posto, gostaria de fazer algumas ponderações (ad
argumentandum tantum] porque acredito que a teologia
neopentecostal do tema "guerra espiritual" é completamente
equivocada.
Prim eiro. Ela enfatiza m u ito a visão do invisível em
detrim ento da visão do visível. O pregadores de batalha
espiritual insistem que devemos nos especializar em ver o
invisível, levando-nos a uma cegueira quase que total com
relação ao visível.
Segundo. Por ressaltar exaustivamente a ação do diabo,
termina criando inúmeras neuroses. Uma delas é a que leva
a pessoa a pensar que tu d o o que acontece de ruim em sua
vida provém do diabo.
Terceiro.Todo o tem po, vê o diabo mais ativo no mundo
do que Deus. Isso pode criar paranóias indescritíveis entre
nós.
Q uarto. Os pregadores de batalha espiritual têm uma
visão histórico-maniqueísta, onde o diabo é colocado em pé
de igualdade com Deus.
Q uinto. Elimina a responsabilidade histórica, moral e social
de cada indivíduo.
Sexto. Os pregadores de batalha espiritual persistem com
a idéia de que devemos enfrentar a luta espiritual com os
olhos fechados para a história, numa total alienação dos
fatos concretos que nos rodeiam.
C om o o leito r pode notar, esse m ovim ento de "guerra
espiritual" é completamente paranóico e com tendências
maniqueístas alarmantes.

82
Cura interior

e todos os assuntos até aqui estudados, a “ cura

D
in te rio r", como prática distorcida, tem sido a mais
devastadora de todas — pois é absoluta na promoção
de males e adoecimentos irreparáveis no meio do
povo evangélico, que ainda não consegue fazer
diferença entre fantasia e realidade. Com isso, todavia,
não estamos tirando os méritos da prática em si,
que faz a interioridade humana novamente ser alvo de
investigações,estudos e aprofundamentos. Logo, nossa leitura
do assunto em tela não é preconceituosa, mas cautelosa. O
que desejamos ressaltar tem a ver com os excessos, exageros
e com a má pragmática dos q u e,equivocadamente,aplicam a
"cura in te rio r" como forma mágica de resolver os proble­
mas do homem moderno.
Conquanto a nossa análise procure trilh a r pelos meandros
do equilíbrio, não podemos deixar de dizer que a "cura
in te rio r"— tiradas as excrescências — restaurou a visão "de

83
d e ntro" no m om ento em que o discurso evangélico só se
preocupava com os aspectos externos da salvação, quando
ser liberto do fum o e da bebida tornou-se mais im portante
do que a restauração das interioridades viciadas e dos
psiquismos corrom pidos pelo pecado. Não estou dizendo
— entenda-me o le ito r — que a libertação do vício do
fum o e do álcool não seja im portante, só que a libertação
em C risto não é só isso, uma vez que ela vai além do
com portam ental e chega às partes mais profundas das
emoções e dos sentimentos humanos.

O que é a "cura interior"

A "cura in te rio r" pressupõe a saúde das estruturas


psíquicas e pneumáticas do ser hum ano, com o a cura da
sua inte rioridade possuída e cauterizada p o r culturas ex­
tre m a m e n te d e m onizadas; a cura das m e n ta lid a de s
estruturalm ente com prom etidas com os exemplos e as
manias sociais, e a libertação das concepções e s tra tifi­
cadas pela herança psicossocial que povoam o coração
humano. Infelizmente, pelo fato de ser entendida de o u tro
m odo, a "cura in te rio r" cria m itos e, em vez de ser bênção
para o povo de Deus, pode se tra nsform ar em tremenda
maldição.
A o contrário do que estão apregoando os adeptos da
"cura in te rio r" [ou libertação in te rio r] instantânea, ela
acontece ao longo da vida cristã e não como efeito mágico
milagroso através de uma simples oração.
A "c u ra in t e r io r " aplicada de fo rm a in c o rre ta é
terrivelmente abortiva e traumática, pois gera uma série de
neuroses, psicoses e, o p io r de tu d o , frustrações. A forma
antibíblica com que esse assunto vem sendo m inistrado é
bastante caótica, a começar pela sua prática equivocada,
limítrofe e absolutamente infeccionada pelo vírus da maldição
hereditária.

84
Os equívocos da moderna "cura interior"

O que desejamos salientar neste subponto são as múltiplas


distorções e manipulações de textos bíblicos contidas na
maioria dos escritos sobre "cura inte rio r". Para tanto, estarei
exibindo os erros mais comuns daqueles que estão envolvidos
mais de perto com esse trabalho. Se não, analisemos:
• Confundem herança fam iliar com espíritos familiares.
O que uma pessoa é tem m uito a ver com o patrim ônio
psicológico que ela recebe do meio social em que vive —
família, igreja, escola, amigos etc. — embora isso não seja
uma verdade absoluta. O que estou tentando dizer é que
não é nenhuma maldição alguém te r gênio forte, uma vez
que se deixe controlar peio Espírito Santo de Deus [G I 5.16],
Parece que estamos voltando à época antes de Hipócrates,o
"pai da M edicina", quando os antigos supunham que os
comportamentos dos homens,como as maneiras de as pessoas
sentirem, eram diretamente determinados pelos deuses. A ex­
troversão e a introversão, o comportamentalismo,tudo, enfim,
era atribuído a influências de divindades. Por incrível que pareça,
alguns grupos evangélicos ainda agem assim, interpretam
qualquer comportam ento não convencional como ação do
diabo. Alguns pais tratam seus filhos como predestinados por
um temperamento ruim. Mas devemos tom ar cuidado para
não nos valer do temperamento dos filhos para justificar seus
erros, falhas, manias e pecados. É importante que não nos
prevaleçamos da desculpa de um presumível temperamento
para desnudar ou para justificar tais fraquezas.
• Confundem "cura in te rio r" com novo nascimento, que
é o recebimento de uma nova natureza. A gora, com o se
pode dizer que "cura in te rio r" é novo nascimento se a p ró ­
pria Bíblia afirma que a regeneração [o novo nascimento]
não é obra do homem, mas de Deus somente? [jo 3.6].
• Confundem perdão com regressão. O perdão de Deus
não nos faz esquecer dos traumas vividos no passado, mas

85
nos dá a capacidade de interpretá-los com outros olhos e
nos faz conviver com eles no presente sem que interfiram
no nosso existir. A cura propiciada a nós pelo perdão de Deus
não é o cancelamento das memórias passadas, mas a virtude
da tolerância,que é a pedagogia do am or. luz das Escrituras
Sagradas, a salvação em C risto já prevê, ou m elhor dizendo,
já inclui a "cura inte rio r". O u seja, to d o salvo p o r C risto, em
tese, é alguém curado interiorm ente, porque foi perdoado e
liberto de todos os seus pecados,que foram cancelados pela
expiação do sangue de Jesus C risto [Cl 2.13-15],
• C onfundem contingências humanas com maldições
hereditárias. Imagine só se to d o problema de saúde,acidentes,
insucesso, separação conjugal etc. fosse apenas manifestação
de um elo hereditário. Isso seria deprimente.
• Confundem as fobias humanas com agentes de distorção
de personalidade. Nesse discurso, a maior to rtu ra não é o
medo em si, mas sim, o medo de te r medo.
• Confundem relaxamento muscular (cair no poder) com
bem-estar espiritual. Os que advogam a "cura in te rio r" dizem
que no relaxamento profundo do corpo, o arrebatamento, o
Espírito Santo atua sobre a alma ministrando a "cura interior".
A b so lu to equívoco.
• Confundem hipnose com ação do Espírito Santo. Os
pregadores de "cura in te rio r" fazem a hipnose parecer obra
do Espírito Santo. Isso é coisa m uito séria, e os seus
laboratórios não têm sido m uito bons. A regressão como
terapia pode até ser utilizada, desde que feita p o r profissionais
maduros. Mesmo assim,seus resultados ainda são imprevisíveis.
O inadmissível é ver pessoas ineptas Iançando-se a fazer o
que desconhecem.

A salvação curadora de Cristo

Devemos entender, de uma vez por todas, que a salvação


em Jesus C risto é plena, mas às vezes a aplicação dessa salva­

86
ção,no seu sentido histórico, não é plena. Resulta que muitos
cristãos estão convivendo com amarguras psicológicas
terríveis, p o r desconhecerem alguns fatos ligados à salvação.
Na tentativa de elucidar alguns pontos deste assunto,
colocamos abaixo vários aspectos da abrangência da salvação.
Analisemos sem delongas:
• A salvação em C risto cura o homem de todos os
problemas psicossomáticos. Não podemos esquecer que a
palavra salvação (no grego, soteria) tem no N ovo Testamento
a acepção também de curar. Portanto, não estamos incorrendo
em nenhum erro hermenêutico ao dizer que a salvação
oferecida a nós através de Jesus nos cura dos problemas
psicossomáticos.
• A salvação em C risto cura o homem de todos os seus
traumas psicológicos. É Jesus quem diz que o conhecimento
da verdade nos torna livres. Há uma coisa que é incontes­
tável na vida daqueles que são tocados pelo am or de Deus:
todas as outras coisas ficam pequenas diante da grandeza do
cuidado de Deus p o r nós.
• A salvação em C risto nos garante o cancelamento de
toda a culpa. Em C risto, todas as dívidas foram pagas e toda
a culpa cancelada. Segundo Paulo, Jesus rasgou a cédula de
condenação que era contra nós, cancelando de uma vez p o r
todas a nossa culpa. Não entender isso é ficar se penitenciando
to d o o tempo numa interminável busca pelo perdão.
Os que vivem a vida cristã com o se estivessem pagando
a lg u m a d ív id a a D e u s, c e rta m e n te a in d a não
experimentaram a paz de saber que toda a nossa culpa foi
cancelada no sacrifício com pleto, p e rfe ito e final de Jesus
C risto p o r nós.
• A salvação em C risto nos cura da auto-imagem negativa.
A primeira coisa que acontece com aquele que é salvo por
C risto é te r uma imagem positiva de si mesmo, deixando de
lado o pessimismo e a visão fatalista que vinha tendo da sua
história.

87
Maldição hereditária

os últim os anos, as igrejas brasileiras foram invadidas


p o r uma literatura repleta de senões teológicos,
porém m uito convincente. E com o nós estamos nu­
ma época em que a maioria das pessoas não pensa e
p o r isso mesmo não quer saber de onde é o "santo"
e quem ele é, mas deseja apenas o milagre que ele
faz, essas "novas descobertas teológicas" foram bem
aceitas em nosso meio sem discussão. Uma delas foi a
"maldição hereditária", seguida de "as palavras têm poder"
desembocando na giamourosa "quebra de maldição". A
proposta da maioria dos livros de "quebra de maldição" é de
fato irrecusável. Portanto, continuo asseverando que o maior
problema do povo de Deus é a falta de conhecimento bíblico.
" O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhe­
cim ento", debiaterava Oséias.
Ainda que sejam abomináveis em seu conteúdo, o nosso
maior problema não são "as novas teologias" que invadiram

89
os ares das igrejas brasileiras, mas sim a cultura do imediatismo
que persiste entre nós, alimentando-se continuamente dos
novos modismos. Todavia, se conseguirm os d e s tru ir o
monstro feroz de mil cabeças — a ignorância bíblica — que
sobrevive da nossa irracionalidade, será fácil rejeitar tu d o o
que fo r contrário aos valores reais da vida cristã.
É no mínimo irracional, para não dizer catastrófico,aceitar,
por exemplo, que a "maldição"consiste em palavras carregadas
de autoridade ou de um poder sobrenatural, que fazem as
coisas acontecerem, e cujas tendências passem de geração a
geração, seja para o bem, seja para o mal. Algumas pessoas
definem maldição com o autorização dada ao diabo p o r
alguém para causar dano à vida do amaldiçoado.

Esclarecimentos

Definições estapafúrdias e equivocadas com o essas não


podem gerar outra coisa senão um povo de com portam ento
amedrontado, esquizofrenizado e de tendências patológicas
acentuadas. Primeiro, porque quando se admite que uma
palavra tenha em si mesma potencialidades definitivas para
fazer e criar o bem ou o mal,admite-se também que qualquer
um tem a possibilidade de criar e fazer maldades e bondades
sem limites, apenas jogando expressões de grandeza ou
execrando alguém. Segundo, porque essas definições precárias
dão à bênção e à maldição poderes autônom os de se
concretizarem nas vidas das pessoas. Terceiro, porque traz a
desastrosa tendência de se pensar que para abençoar é só
proferir palavras de grandeza sobre alguém, e amaldiçoar
significa fazer apenas o inverso.
Isso mostra que qualquer ser humano tem poderes
ilim itados para amaldiçoar e para abençoar, o que é um
grande disparate teológico. A lém do mais, não se abençoa
alguém apenas com palavras de o tim ism o e bondade.
Abençoa-se uma pessoa ensinando-lhe um viver mais

90
p ró x im o do Senhor. Também não se am aldiçoa com
execração, mas levando as pessoas a rejeitarem a Deus, fonte
de bênção. Q u a rto , porque na Bíblia não há preocupação
de Deus com o que amaldiçoa. A razão é m uito simples: as
palavras de maldição sempre se originam de um coração
azedo,amargurado, perverso, cheio de ódio. De sorte que a
preocupação de Deus é sempre no sentido de livrar o que
amaldiçoa, e não o amaldiçoado; isso porque, do p o n to de
vista divino, nenhuma maldição verbalizada,vindo de quem
vier, pega. Além do que, Jesus, no N ovo Testamento, nos
manda am ar nossos in im ig o s e o ra r pelos que nos
perseguem [M t 5.44], fechando, assim, o cerco a to d o
sentim ento colérico que origina a maldição verbalizada.
O que está realmente acontecendo com este assunto é
que se está confundindo juízo [maldição] de Deus,que já foi
cancelado pela m orte expiatória de Jesus C risto no Calvário,
com fetiches humanos resultantes de superstição, o que é
bem diferente. À luz da Bíblia, a m elhor definição para a
palavra "maldição" é uma sentença que vem da quebra da lei
moral de Deus. O que está escrito em Êxodo 20.5,6 é o
juízo previsto na lei para os desobedientes, enquanto
permanecerem na desobediência. O leito r precisa saber que
toda maldição prevista na lei de Moisés foi cancelada de
uma vez p o r todas p o r Jesus C risto, que se fez maldição em
nosso lugar [Rm 8.1; GI 3.13,14].
Assim, quando Deus pronuncia uma maldição, é em
primeiro lugar uma denúncia contra o pecado [N m 5.21,33;
Dt 29.19,20]. Em segundo lugar, a maldição é o julgamento
de Deus contra o pecado [N m 5.22,24,27; Is 24.6].Terceiro,
a pessoa que está sofrendo as conseqüências do pecado p o r
motivo do julgamento de Deus,é chamada de maldição [N m
5.21,27; Jr 29.18]. Isso quer dizer também que,se a pessoa fo r
recebida p o r Jesus numa entrega absolutamente consciente
de vida, o juízo [maldição], previsto pela lei sobre todos os
transgressores, não mais atingirá.

91
Falta de conhecimento

M u ito s cristãos, estranha e absurdamente, têm vivido à


margem da vida vitoriosa outorgada p o r Jesus C risto pelo
fato de estarem adm itindo em suas vidas maldições que o
sacrifício de Jesus já cancelou de uma vez p o r todas [Cl
2.14,15]. Tem gente vivendo uma dramática história de dor,
angústia e sofrim ento, por achar que tudo o que lhe acontece
é em função de um laço sanguíneo m aldito contra o qual
não pode lutar e do qual não pode escapar. Eu conheço
pessoas que, mesmo sendo cristãs, vivem a fatídica perspectiva
de que estão sob maldição. M u ito s outros vivem a síndrome
de Proteus, rolando a pedra da sua maldição imaginária dia
após dia, subindo e descendo a montanha de sua existência
miserável. Ainda há os que vivem de braços dados com a
superstição: não deixam chinelo virado dentro de casa; têm
medo de mau olhado, de pragas pronunciadas; não saem de
casa nas sextas-feiras treze; não pulam fios e vigiam dia e
noite p o r medo do diabo.
Por essas e outras tristes realidades no meio evangélico é
que escrevo sobre o assunto, a fim de d irim ir dúvidas que
porventura vêm tirando o sono de pessoas que ainda não
conseguiram entender a esmagadora vitória de Jesus no
Calvário,anulando em definitivo toda a maldição do pecado
que pesava sobre nós.

Maldição hereditária existe?

Absolutamente. Mas com a m orte do últim o descendente


do sexo masculino da família Kennedy,a famigerada idéia de
uma maldição hereditária voltou com força total a algumas
reuniões neopentecostais. Pregações eloquentes avisando que
as pessoas ■
— evangélicas ou não — estão correndo perigo
de algo para além do natural, do qual têm que se livrar, é o
que mais se ouve nesses lugares.

92
A massificação da idéia de que qualquer insucesso na
vida resulta de uma provável transferência congênita vem
fazendo muita gente acreditar que a Bíblia apóia o ensino
acerca da maldição hereditária, ou seja, que o pecado de uma
pessoa vai se transferindo para outra em família, numa linha
seminal interminável. Mas, pasme o leitor, alguns grupos
neopentecostais estão apregoando que até mesmo um cristão
precisa da "oração de desligamento" para poder se livrar dos
espíritos familiares que lhe prendem.
Conquanto o ensino sobre maldição hereditária tenha
tid o repercussões fora do comum no meio evangélico e se
tornado tema de vasta literatura, as evidências bíblicas se
exacerbam diante de nós, provando-nos to ta lm e nte o
contrário.
Eu g o sta ria , p rim e ira m e n te e p o r desencargo de
consciência, de citar os dois textos bíblicos mais utilizados
para respaldar a tão badalada idéia de maldição hereditária,
que vem criando expectativas inexistentes e irresponsáveis
nas pessoas.
1. O prim eiro texto encontra-se em Levítico 19.31; 20.6
[versão King James]:

Não vos voltareis para os que têm espíritos familiares, para


serdes contaminados por eles. Eu sou o Senhor. E a alma que
se voltar para os espíritos familiares, eu me voltarei contra ela,
e a eliminarei do meio do meu povo.

O erro com etido pela versão inglesa King James [ou do


Rei Tiago], que usa as palavras "espíritos familiares" em lugar
de"os que consultam os m ortos [necromantes] nem para os
feiticeiros", dá imaginação aos intérpretes da maldição
hereditária para fazerem a Bíblia dizer o que ela nunca disse.
[A s versões em português mais conhecidas não contêm essa
expressão.] N o entanto, Levítico não está falando de "espíritos
familiares" que passam, por exemplo, de um avô para um

93
neto, mas sim da adivinhação, da consulta aos m ortos e da
feitiçaria, que são práticas abomináveis a Deus. O capítulo 19,
verso 31 fala tão-somente de algumas leis já proferidas e que
agora ganham forma de reiteração divina, para que o povo
não se contamine com as abominações das outras nações ao
seu redor, porque Deus os chamou para serem diferentes dos
outros povos, em termos de vida, atitudes e comportamentos.
Por outro lado, Levítico 20.6 salienta a questão das diversas
penas que Deus instituiu para punir os que, porventura,
desobedecem aos seus mandamentos.
2. O segundo texto-prova dos adeptos da maldição
hereditária é Êxodo 20.5,6:

Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor,


teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais nos
filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem
e faço misericórdia em milhares aos que me amam e guardam
os meus mandamentos.

Nota-se que o texto em tela serve de antítese à teoria da


maldição hereditária. Analisemos:
N o v. 5, onde lemos:"... até à terceira e quarta geração
daqueles que me aborrecem", não se refere a netos e trinetos.
O sentido é de continuidade da ira, da sua durabilidade, e
não de sua extensão biológica. Em contrapartida, no verso
6 lemos que a misericórdia divina é para com milhares.
Milhares aqui também não é uma figura matemática, mas
designa a extensão ilimitada do am or de Deus. De m odo
que Êxodo 20.5,6 não está falando em transferência
congênita, mas sim — repito — da durabilidade do juízo
divino, ou seja, sempre que houver necessidade de juízo,
haverá juízo. Assim com o a misericórdia de Deus sempre
se manifestará na vida dos fiéis.
O t e x to su p ra está a s s e v e ra n d o , c a te g ó ric a e
determinantemente, que o agente punidor da transgressão
da lei é o p ró p rio Deus, que julga aqueles que praticam atos

94
abomináveis, e não algo que passa de geração a geração
como um tip o de encantamento.
O texto também deixa m uito claro que o juízo de Deus só
cai sobre os transgressores da lei, mas enquanto eles forem
transgressores, pois,ao deixarem de sê-lo — o que só é possível
através de expiação do sangue de Jesus — , deixam de estar
sob a punição de Deus. Logo, deixam de ser amaldiçoados,
como está escrito em Romanos 8.1: "Portanto,agora, nenhuma
condenação [maldição, punição, juízo] há para os que estão
em Cristo Jesus".
A maldição a que o texto se refere trata-se do juízo moral
p re v is to na lei so b re os d e s o b e d ie n te s , e n q u a n to
desobedientes. O texto não está aludindo absolutamente à
maldição congênita, mas ao fato de que a desobediência
impertinente, persistente e incontinente é sempre razão para
o juízo de Deus, apareça ela onde aparecer e em qualquer
geração. Assim como a obediência será sempre m otivo para
a misericórdia de Deus se manifestar. A té porque não po­
demos nos esquecer do princípio bíblico de que sob a lei
todos os homens estão condenados, mas sob a graça todos
podem ser salvos.
Finalmente, o te xto de Êxodo não associa o juízo de Deus
à possessão demoníaca, em bora tenham os a absoluta
consciência de que isso eventualmente possa até acontecer
na vida de quem vive em desobediência. Mas ela não tem
nada a ver com possessão demoníaca. Pelo contrário, fala do
juízo de Deus previsto na lei sobre os desobedientes.
Ora, convenhamos, se a maldição a que o texto se refere
trata-se do juízo sobre aqueles que transgridem a lei, pergunto:
de que forma uma oração de desligamento pode cancelar
uma maldição divina? Mais: com o uma regressão pode livrar
uma pessoa que está debaixo do juízo da lei de Deus?
A conclusão é simples: essa prática, com base na Palavra
de Deus, é pura temeridade e inconseqüência de quem a
ensina. Além disso, a Bíblia também afirma que Deus não

95
condena o filho p o r causa do erro do pai nem vice-versa.
Assim pontifica o profeta:

Mas dizeis: Por que não levará o filho a maldade do pai?


Porque o filho fez juízo e justiça, e guardou todos os meus
estatutos, e os praticou, por isso, certamente viverá. A alma
que pecar, essa morrerá; o filho não levará a maldade do pai,
nem o pai levará a maldade do filho; a justiça do justo ficará
sobre ele [Ez 18.19,20).

Estamos confundindo duas coisas completamente diferentes:


consequências de ordem meramente natural e juízo moral de
Deus. Enquanto as consequências naturais quase sempre
acontecem p o r conta da própria imprevidência humana, o
juízo legal de Deus acontece na vida dos transgressores e de
forma bem individual. Jesus, no entanto, diz:
E o julgam ento é este: a luz veio ao m undo, mas os
homens amaram mais as trevas do que a luz porque suas
obras eram más.

Palavras não têm poder de encantamento

A s palavras influenciam e m uito a vida de uma pessoa e,


algumas vezes — isso varia de pessoa para pessoa — , de
forma definitiva.Todavia, conquanto as palavras tenham o poder
de formar e deformar personalidades,elas não são ingrediente
absoluto na construção ou destruição do caráter de uma
pessoa. Uma palavra maldita só pode influenciar realmente
alguém quando sustentada p o r uma sucessão de gestos e
atitudes. Mas nem isso pode ser entendido como algo definitivo,
porquanto as reações,às vezes,tomam caminhos imprevisíveis.
O caso, por exemplo, de jefté [Jz 11.1-40), que foi preterido e
achincalhado p o r seus irmãos pelo fato de ser filho de
prostituta. Seguindo a idéia corrente da maldição oral, Jefté
deveria se transformar num pária da sociedade. A o contrário,
tornou-se um dos libertadores do povo de Israel.

%
Mas se as palavras não podem dar definição absoluta
ao destino de alguém — p o r isso mesmo a Bíblia não põe
acento sobre o que as recebe, mas sim em quem as
pronuncia ■ — elas têm sempre o poder de influenciar
psicologicamente.
Deixe-me explicar isso de uma forma bem clara ao leitor,
porque é exatamente nesse ponto que acontecem as maiores
e mais absurdas distorções.
Q uando eu digo que as palavras têm sempre o poder
de in flu e n c ia r p s ic o lo g ic a m e n te alguém , não estou
a d m itin d o em hipótese alguma que elas sejam entidades
isoladas de poder sobrenatural, com o adm ite a maioria
dos escritores do tema "bênção e maldição". Estes chegam
ao absurdo de dizer que uma praga lançada em condições
absolutamente circunstanciais tem o poder de destruir,
mesmo que venha de um pai e de uma mãe circunstanci­
alm ente aborrecidos. Essa idéia é absolutam ente falsa
porque não tem apoio bíblico. Mais: se a dm itirm os que
uma palavra proferida tem o poder de amaldiçoar alguém:
a] estamos aceitando a infeliz idéia de que uma pessoa
pode criar e fazer maldades sem lim ites apenas execrando
alguém; e b] qualquer um pode c o n s tru ir e d e s tru ir uma
vida com simples palavras.

Maldição sob tom profético

N enhum homem, p o r mais espiritual que seja, é capaz


de a b e n ç o a r ou a m a ld iç o a r alg u é m co m palavras
circunstanciais. Isso porque uma maldição proferida,segundo
a Palavra de Deus,é sempre o cum prim ento de uma sentença
prevista na lei de Deus. Razão p o r que o porta-voz da sen­
tença divina não pode modificá-la, retê-la ou desfazê-la. O
episódio o c o rrid o na vida do profeta Samuel demonstra
essa verdade. Após te r pronunciado palavra de juízo sobre
a vida de Saul [1 Sm 17], ele começou a penalizar-se face à

97
sorte do rei de Israel. Mas Deus disse não a Samuel: "A té
quando terás dó de Saul, havendo-o eu rejeitado, para que
não reine sobre Israel?" [1 Sm 16.1].
Quando um profeta proferia maldição sobre alguém, não
o fazia com o resultado de impulso pessoal, e sim num
pronunciamento absolutamente profético. O u seja,algo para
além dos mesquinhos sentimentos humanos. Assim acon­
teceu quando Josué proferiu o juízo divino sobre quem
tentasse reedificar Jericó [Js 6.26] e quando um profeta
anônimo deu a sentença divina sobre a casa de Eli [1 Sm
2.27-36],
Todos os pronunciamentos que foram feitos de forma
acidental,caso tenham exercido influência psicológica, nunca
ultrapassaram esse limite.
Temos que entender bem essa parte do assunto para
prosseguirmos o estudo.
Algumas palavras de bênção e maldição proferidas no
A n tig o Testamento foram p o r vingança, raiva e,às vezes, por
mera projeção psicológica de um olhar que só estava vendo
o presente, o previsível. N oé é um exemplo clássico para
ilustrar o prim eiro fato. A o ver-se envergonhado p o r Cam,
seu filho, desferiu raivosamente sobre seus descendentes uma
palavra de cunho eminentemente pessoal [G n 9.22-27]; isso
porque não há base bíblica nenhuma para a suposição de
que os descendentes de Canaã foram amaldiçoados como
consequência imediata da transgressão de Cam.
Sobre o segundo fato bíblico, temos o o co rrid o com o
patriarca Jacó, que, cansado e trôpego, coloca os filhos
enfileirados e, impondo-lhes as mãos, profere sobre eles
palavras proféticas, algumas das quais revelam apenas a sua
impressão pessoal e psicológica [G n 49.1-27].
As palavras exercem,sim, influência na vida de uma pessoa.
Aliás, ninguém consegue viver sem elas. Mas não são apenas
as palavras que influenciam alguém — repito — mas um
som atório de fatos.

98
Ninguém nasce sob a influência de uma
maldição hereditária

O te x to de Êxodo 20.5,6 não se refere à suposta


contaminação biológica apregoada p o r alguns. Menciona
apenas a extensão da ira divina, que pune o pecado sempre
que ele se apresenta. A mesma regra hermenêutica aplica-se
à expressão "com milhares", do verso 6; isso p o r dois mo­
tivos básicos. Primeiro, porque se aceitarmos a teoria da
contaminação espiritual, temos que aceitar também a da sal­
vação espiritual; logo, teríamos que adm itir que to d o filho
nascido de pais santos é santo também, e to d o filho nascido
de pais ímpios é ímpio; o que, à luz da Bíblia, é inconcebível.
Segundo, porque a maldição origina-se de uma sentença
prevista na lei de Deus; não acontece p o r prossecução bio­
lógica. Assim como o caso das doenças comprovadamente
congênitas não é um problema ético-espiritual, mas sim
genético-biológico. A lg o totalm ente diferente.

2?
Caí no poder!
O que me aconteceu?!
modismo é antigo, mas os nomes são modificados, a
rigor, para não dar a idéia de plágio ou coisa parecida.
Isso geralmente acontece porque o grupo que adota
a experiência, não querendo receber a denominação
de plagiador, coloca novo nome no fenômeno para
dar a impressão de que se trata de algo diferente.
Em razão disso, a lista vem crescendo, além das
importações dos enlatados estrangeiros que sempre chegam
com a marca de um famoso evangelista. Hoje, os nomes
alcançam o número de seis, a saber: fanerosis [palavra grega
que significa “ manifestação"], "c a ir no p o de r", "c a ir no
bálsamo", "repouso no Espírito", "arrebatamentos espirituais"
e"sono no Espírito".
Suponho que algo está faltando em nossa busca de meios
para renovar a igreja. Infelizmente, temos tid o mais sucesso

101
em oferecer diversões momentâneas ao nosso povo do que
uma renovação contínua da igreja através do que é essencial.
Temo p o r aqueles que estão aplicando o nefasto princípio
reoboônico aos seus métodos de renovação: "N ã o tem
o uro, vai prata mesmo". O u seja:"quem não tem cão, caça
com gato".
Eu preciso esclarecer, antes de dar prosseguimento a este
arrazoado teológico, que não negamos absolutamente a pos­
sibilidade de uma pessoa te r uma experiência desse tip o
com Deus e ficar totalm ente arrebatada. Apenas discorda­
mos do modo e do com o está-se fazendo.

Trabalho de indução

Inicialmente, o neófito passa p o r longa lavagem cere­


bral, onde tu d o é m u ito valorizado, associado a um
massageamento do seu eu. Depois disso, é colocado em
contato com alguma personagem emergente na área do
"cair no poder". Esta lhe sopra, ora, joga paletó, profetiza,
fala ao seu ouvido. Pronto. A p a rtir daí o elemento, coagido
e influenciado, começa a cair.
A s pessoas que geralmente caem vivem caindo às custas
de palavras persuasivas, c o e rc itiv a s ou através de
sugestionamentos e instigações. Isso é semelhante a injetar
LSD na veia de alguém e esperar que tenha com portam entos
espontâneos.
Alguns acham que essa colocação não procede. Mas espere
um momento. Se o fenômeno de "cair no poder" não acontece
p o r indução, p o r que, então, chamar as pessoas à frente?
Por que, então, há seminários para incentivá-las a cair, ao
invés de ensiná-las, biblicam ente,como permanecer de pé na
presença de Deus? E p o r que não informá-las que essa
experiência é raridade e, se tiver de acontecer, acontecerá
sempre sem as"ajudinhas" humanas? Por que,insisto, induzir
o povo a buscar esse tip o de experiência, quando sabemos

102
que, à luz das Escrituras, não é coisa essencial para a vida
cristã? Será que os advogados desse novo modismo ainda
não se deram conta de que estão desviando o povo do
fundamental?
Ninguém cai no poder,como experiência com Deus,caindo,
como se fosse algo produzido pelo p ró prio ato de cair. O
que eu estou tentando dizer é que, quando alguém cai, está
caindo não como fru to da experiência com Deus, mas cai
p o r cair, manifestando absoluta imaturidade. Porque Deus
não é encontrado dessa forma. Isso é forçar uma situação. E
mais: se alguém está cansado, tenso, não é caindo a toda hora
e dessa forma "oba, oba!" que encontrará descanso, mas é
buscando a Jesus, que dá alívio ao fardo humano. N o profeta
lemos: "O s que me buscam me acharão, quando me buscarem
de todo o coração".
Esse cair no poder é extremamente previsível, forjado,
engendrado e adaptado às circunstâncias. Isso p o r uma razão
simples: Deus não está nesse negócio. Deixe eu tentar dizer
isso de uma outra maneira.
A premissa de onde partem os que caem é o estar caindo
"n o poder" e não "pelo poder". Daí as pessoas caírem à
procura de alguma coisa. Mas raciocinemos se essas pessoas
que estão caindo não estão caindo "pelo poder de Deus", o
que estão fazendo é fabricar suas próprias quedas.
Os santos homens da Bíblia, ao contrário dos que caem
"no poder" na atualidade, caíram realmente em razão da
presença do poder de Deus, embora a postura de cair não
tenha sido algo realizado p o r Deus. Isto é, não caíram
procurando o poder, mas porque estavam debaixo do poder.
Portanto, temos razões absolutamente pertinentes para
criticar tal modismo — pois, com o fica facilmente provado
através de argumentos bíblicos, a prática é verdadeiramente
antibíblica e resultado de coação.
Lembro-me de te r sido visitado uma vez p o r um grupo
praticante do "cair no poder". Não tiveram m uito "sucesso"

103
em nossa igreja, porque cuidei de ensinar ao povo que não
se cai p o r manipulação, influência, indução ou persuasão
humana, mas quando isso nos ocorre é sempre fru to de
experiência sobrenatural com Deus. Não precisamos de
imposição de mãos, sopro, batidas de paletó na cabeça.
Resultado: ninguém de nossa igreja caiu com a instigação
do grupo.
O problema está aí. Geralmente os que caem à frente
do p ú lp ito de uma igreja são aqueles que foram induzidos,
persuadidos, sugestionados, instigados a experim entar tal
prática com o se fosse o fim-meta para resolver todos os
problemas da vida.
São indesculpáveis os que estão fazendo do povo
evangélico o b jeto de experiências laboratoriais.

O ponto de vista bíblico

Primeiramente, devemos compreender que, no A n tig o


Testamento, a atitude de p ro stra r-se tratava-se de um
estereótipo religioso no tocante à adoração, presumindo
respeito, reverência, saudação deferente, submissão, ênfase para
um pedido e humildade. [Leia Gn 17.3,17; 44.14; Rt 2.10; 2 Sm
1.2; SI 95.6; Ez 11.13; M t 18.26; 26.39; Lc 17.16; Jo 11.32; 1 Co 14.25;
A p 4.10.] Segundo, porque Deus nunca exige de seus
adoradores algo além da sinceridade e contrição. Logo, os que
caem o fazem p o r conta p ró p ria , e não porque Deus
deliberadamente os "jogue" ao chão [Ez 1.28; 2.1]. O caso de
A b ra ã o , Ezequiel, Daniel, João etc., seguiu o m odelo
estereotipado de "prostrar-se" com todos os seus pressupostos.
Jesus, p o r exemplo, não perm itiu que a adoração de Maria
Madalena fosse estática Qo 20.16,17]. A s palavras usadas no
te xto do Evangelho de João sugerem que a versão grega é
uma tradução errada do aramaico. Jesus falava o aramaico e
não o grego. João, no entanto, traduziu as palavras de Jesus
em grego. Assim, alguns especialistas chegam à conclusão

m
que o que Jesus disse realmente foi: "N ão ocupes tanto
tem po em adorar-me na alegria de teu novo descobrimento.
V ê e dá a boa nova aos outros discípulos". Essa parece a
mais provável explicação do texto. N o grego, o imperativo é
um presente imperativo. O sentido estrito das palavras seria:
"Deixa de tocar-me". O u seja: "N ão siga ficando comigo de
maneira egoísta. Dentro de pouco tem po voltarei para o
meu Pai. Q uero encontrar-me com meus discípulos tantas
vezes quanto seja possível antes que ocorra minha partida.
Veja e lhes dê a boa nova para que não se perca nenhum
momento do tempo que podemos estar juntos".
Trata-se de uma ordem a Maria para que não aja egois-
ticamente na adoração, mas que chame os demais e os faça
participantes da comunhão.
Qualquer adoração,seja ela a mais sagrada,obrigatoriamente
tem que resultar em atos de devoção aos outros, onde os
gestos de amor pelo irmão não sejam os rotineiros "V ou orar
por você", "Deus vai ajudá-lo", "Vamos jejuar", mas que se
transformem em atos de esbanjamento de caridade e gene­
rosidade.
A fora isso, tanto no Velho com o no N ovo Testamento
não é mencionado uma vez sequer que alguém tenha caído
para trás [com portam ento comum dos que hoje caem]. Os
que caíam o faziam sempre para a frente, com o rosto em pó
[ou entre as pernas].

O mal da simplificação

Alguém ousou dizer numa reunião que o seu m inistério


estava cansativo, infrutífero, pesado, sua igreja vazia, sem vida,
quando, de repente, foi "ilum inado" para te r a experiência do
"repouso no Espírito", e, a partir daí,todos os seus problemas
foram resolvidos.
Será que o problema de uma igreja vazia se resolve à base
dessa nova fórmula?

105
O ra , co n ve n h a m o s , isso é uma a titu d e de pura
simplificação do sagrado. Aliás, esse é um fenômeno acerca
do qual precisamos falar, porque vem trazendo males
irreparáveis para o povo de Deus. O mais sério na simplifica­
ção é o seu poder de re stringir e substituir. Primeiramente,
restringe to d o o ensinamento de Jesus a um ato im aturo
de c a ir e levantar, d a nd o um falso s e n tim e n to de
espiritualidade e de presença de Deus. E, em segundo lugar,
porque substitui furtivam ente o essencial da vida cristã
p o r um falso bem-estar. N o caso aqui tratado, as pessoas
são levadas a pensar que o fato de estarem caindo é o
suficiente para provar que sua vida cristã está indo m uito
bem. Ledo engano.
Os que estão preterindo os ensinamentos de Jesus C risto
às custas de uma igreja cheia estão praticando ato realmente
imperdoável. A lguns líderes, preocupados com suas igrejas
vazias, estão lançando mão de modismos a fim de enchê-
las. Mas esses meios de"renovação" terminam saindo m uito
caro para quem os adota, porque, a c u rto prazo, viram
tendências patológicas. Prim eiro, porque acostumam as
pessoas a não mais desejarem ficar de pé para enfrentar os
desafios da vida. Segundo, porque essa prática, além de ser
extremamente alienante e escapista, nutre uma falsa idéia
de espiritualidade; isso porque os que oram pensam estar
em perfeita sintonia com Deus, p o r conta das pessoas
estarem caindo sob suas orações. Os que caem, p o r sua
vez, imaginam-se aceitos p o r Deus porque estão caindo.
Estranhamente, há líderes que não mais conseguem
conter o seu povo de pé. O u tro s há que já não se preocupam
tanto em preparar uma mensagem bíblica para o seu povo,
porquanto já sabem o que vão fazer nos seus púlpitos.
A lguns há que, em vez de levarem a Bíblia para a igreja,
estão levando colchões, travesseiros, cobertores etc. Pior:
alguns grupos estão levando tão a sério o assunto que não
mais esperam a hora da mensagem e da oração para caírem.

106
Caem p o r qualquer m otivo e a qualquer hora. O fenômeno
está ficando tremendamente incontrolável.
O esvaziamento dos princípios fundamentais da fé cristã
é tão grande no meio dos grupos que admitem essas "novas
regras" de renovação para a igreja que assistimos, pasmados,
à solvência quase que to ta l dos valores cristãos mais
elementares contidos nos Evangelhos.
A d m itir esses m odism os em nossas igrejas é com o
co n s tru ir "castelos" na areia, que, ao m enor indício de
tempestade, desabam sem im por qualquer resistência.

O suposto dom de fazer cair

Já existem pessoas acreditando profundamente que fazer


alguém cair é um dom de Deus. Mas não existe esse dom na
Bíblia Sagrada. Isso é absurdo!
Há grupos especializando-se na prática de levar pessoas a
caírem "n o bálsamo". A influência é tão nefasta que tem
gente já se arrogando capacitadas p o r Deus para "jo g a r"
pessoas no chão, ao invés de ajudá-las a se erguer.
O p io r disso tu d o é que o fenômeno tem se tornado
term ôm etro para medir espiritualidade. Por exemplo, o que
ora e impõe as mãos é o que tem o "d o m ", o poder; o que
cai e recebe a oração trata-se de um subproduto espiritual.
Se isso não é verdade teoricamente, na prática e na "cabeça"
das pessoas é assim que funciona. Aliás, não podemos nos
esquecer de que quando uma m ultidão cai sob a oração e
batida de paletó de algum "po d e roso " evangelista, isto não
é sinal de superpoderes, mas sim de concreta imaturidade.
Porque só o fato de alguém buscar uma experiência dessa
para descobrir qual o "n o v o " m ovim ento de Deus, revela
imaturidade e falta de entendim ento bíblico. Não é preciso
ser exegeta nem hermenêuta bíblico para descobrir que o
assunto se trata de mais um m odism o que vem e vai de
forma meteórica.

107
Imagine, leitor, se Deus vai ser cúmplice de prática tão
equivocada como essa, sob o pretexto de estar sendo adorado.
Antes era a profecia que estava presente em todas as reuniões;
agora o fenômeno do "cair no poder". Pergunto: O que vem
depois disso?
Mas será que alguém é tão im aturo assim que se deixe
levar p o r esse engodo, essa forma equivocada de medir e
separar espiritualidades?
Por o u tro Iado,é necessário invocar um dos fundamentos
da hermenêutica que diz que a Bíblia interpreta a própria
Bíblia, a fim de dizer que as experiências dos homens mais
santos que já passaram pela história e que deixaram rastro
de fé e devoção não podem servir de elemento-prova para
afirmar que uma prática cristã é realmente bíblica, uma vez
que a igreja no passado passou p o r essa ou aquela experiência.
Isso porque nem tu d o que a história conta — embora tenha
conteúdos riquíssimos — serve de orientação e padrão para
nós. A nossa orientação vai além de uma experiência qualquer.
Pois não somos nós que determinamos o que a Bíblia tem
ou pode nos dizer, mas é a Bíblia que determina o que
podemos e devemos dizer.
Uma o u tra coisa que devemos salientar é que as
experiências pelas quais a igreja já passou com a visitação
de Deus são reações humanas à manifestação de Deus. O u
seja: uma manifestação pode ser — e quase sempre é —
seguida pelas reações as mais variadas. Isto posto, podemos
dizer que o que é inquestionável nesses episódios é a
manifestação de Deus. Todavia, as reações — esta é a parte
humana — devem ser analisadas com o com portam entos
individualizados.
Eu não consigo aceitar que isso tenha influenciado tanta
gente, m orm ente o povo de Deus — povo ao qual Deus
faz sérias recomendações no sentido de que não aceite
qualquer tip o de experiência sem antes com parar com as
Escrituras Sagradas.

108
Assim já dizia o apóstolo João:"Amados, não creiais em
to d o espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus"
[1 João 4.1].

Esquecendo o essencial

Os que já experimentaram "repousar" no Espírito, quando


inquiridos sobre o que sentem ao caírem, dizem te r uma
forte sensação de paz e leveza no coração, resultado do
efeito do forte sugestionamento sob o qual estão. Mas quem
disse que sentir paz é condição essencial e comum dos que
passaram pela experiência de cair pelo poder na Bíblia?
O que a Palavra de Deus nos exibe é coisa diametralmente
oposta. Os santos homens da Bíblia que passaram pela
experiência de "cair pelo poder de Deus" ficaram debaixo de
profunda convicção de pecado, não tendo capacidade sequer
de olhar para Aquele que lhes falava.
A o co n trá rio , hoje as pessoas caem e se levantam e
continuam as mesmas, sempre caindo e levantando, sem
qualquer transformação. E mais: p o r que é que a pessoa para
"cair no poder" tem de necessariamente receber imposição
de mãos, sopro, paletó na cabeça ou palavras de oração?
Digo isso porque em algumas reuniões onde presenciei
essa prática, observei que os da linha de frente, após
terminarem seu "trabalho exaustivo", preparavam-se, ao final,
para caírem também. Começavam orando e im pondo as mãos
uns sobre os outros. Alguns até exibindo certas preferências
na hora de receberem a oração. De repente, todos estavam
no chão, provando que a prática não tem nada a ver com o
sobrenatural, mas é fabricação genuinamente humana.
O que o le ito r deve entender nesta exposição é que
essa frenética busca de "ca ir no p o de r" desvia a atenção
das pessoas de Deus para a experiência em si. Isso quer
dizer que as pessoas estão buscando alguma coisa que
imaginam fazê-las chegar a Deus. Estão enganando a si

109
mesmas, pela própria comodidade dessa prática, que traz a
falsa idéia de que tu d o está bem. Porque se todos estão
caindo e sentindo paz, tu d o está em perfeita ordem. Não.
Não. Isso está absolutamente errado.
Fundamentalmente, essas pessoas estão sendo enganadas
em dois pontos principais. O prim eiro é no que se refere à
essencialidade. Porque o essencial à vida cristã não é ficar
caindo para te r paz, mas sim buscar o Deus de paz. O segundo
é no que se refere à substancialidade. Cair no poder da
forma praticada, atualmente, não dá a ninguém substância
espiritual. Ninguém fica cheio do Espírito Santo dessa forma.
Isso só acontece através de exercício espiritual acompanhado
de uma vida de comunhão com Deus, uma vida de coerência,
profundidade, compromisso, doação, devoção, uma vida de
aprendizado, através do qual começamos verdadeiramente a
descansar na soberania de Deus.
Um terrível erro a ser salientado nessa prática é o que
tem a ver com a sua forma programada de acontecer. Estranha­
mente, as pessoas estão sendo convidadas para essas reuniões
para caírem, ao invés de serem convidadas para cultuarem a
Deus e para ouvirem a sua Palavra.
Será que não acreditamos mais na eficácia da Palavra de
Deus para transform ar o homem? Será que precisamos de
apelações, "ganchos", para que as pessoas sejam atraídas
ao Evangelho? Será que não estamos vendo que todos
esses modismos levam as pessoas a se afastarem do que é
essencial?
Q uando damos nome a um culto, por exemplo, de "cu lto
de libertação", "cu lto de cura divina", ou ainda "c u lto de
imposição de mãos", será que não nos damos conta de que
estamos encabrestando e instrumentalizando a Deus? Pois
quem é que pode preestabelecer o que Deus quer realizar
num culto?
Com isso, não estou declarando que não se deva mais
orar pelos enfermos nem expulsar os demônios. Apenas

110
ressalvo que, para fazer isso,devemos estar realmente sob a
direção de Deus, a fim de não to rn a r o sublime com um , e
assim evitar que o poder de Deus seja instrum ento da
autoglorificação humana.

Princípios bíblicos

Que o le ito r atente para os componentes que se fizeram


presentes em todas as experiências que os santos homens
bíblicos tiveram quando caíram peia presença de Deus e tire
suas próprias conclusões ao compará-los com o que hoje
vem acontecendo em algumas igrejas pentecostais.
Espontaneidade.Sempre foi um dos elementos fundamentais
na experiência que os santos homens da Bíblia tiveram com
Deus. Por exemplo, Abraão. A Bíblia refere-se ao ocorrido
com o patriarca, usando as seguintes palavras: "Então caiu
A brão sobre o seu rosto, e falou Deus com ele..." Observe o
leitor que Abraão não foi sugestionado nem tampouco ins­
tigado a cair. O fato lhe aconteceu espontaneamente. Ninguém
estava lá para lhe soprar, bater com uma túnica; ninguém
colocou as mãos sobre a sua cabeça.
Inesperado. Nenhum homem da Bíblia caiu diante de Deus
p o r estar programado, pré-ordenado. A visita de Deus foi
algo inesperado. Daniel, p o r exemplo, quando caiu foi em
razão de te r tid o uma visão desconcertante. Ele não estava
ali programado para cair, mas caiu em função da visão
inesperada e surpreendente que recebeu [Dn 10.7-10].
Raridade. Cair para frente e com o rosto em terra era
algo comum para qualquer adorador no A n tig o Testamento.
O que não era comum, no entanto, era a manifestação de
Deus. Poucos homens da Bíblia passaram pela experiência de
vivenciar a presença de Deus, alguns dos quais só a tiveram
uma vez em toda a sua vida. Hoje, infelizmente, um contingente
enorme de pessoas vai à igreja programado para cair, numa
total vulgarização do sagrado.

///
Tem or. A sensação de estar sendo in va d id o pelo
sobrenatural, algo completamente diferente, espiritual, gera
um pouco de assombro, estranheza. Daniel, p o r exemplo,
ficou assombrado com as revelações de Deus [Dn 8.17,18].
Convicção de pecados. A o co n trário do que ocorre hoje,
os homens da Bíblia sentiam-se,ao serem surpreendidos pela
presença majestosa de Deus,sob uma esmagadora consciência
de seus pecados [Is 6.5].
Propósito. Deus não faz nada inutilmente. A s poucas vezes
em que a Bíblia fala de uma manifestação sobrenatural de
Deus na vida de um indivíduo, foi sempre em razão de algum
elevado propósito. De sorte que, fazer alguém cair como
demonstração de força e espiritualidade, é totalm ente fora
de propósito [1 Co 12.7].
Transformação. Todos os homens bíblicos que passaram
pela experiência de vivenciar a presença de Deus, consta da
Bíblia que, após a experiência, foram transformados. Todavia,
isso não quer dizer que devamos viver atrás de experiências
mágicas com Deus, como se elas pudessem mudar nossa vida,
em vez de viver a vida cristã no seu dia a dia, aprofundada no
conhecimento da Palavra de Deus e da pessoa de Jesus Cristo.
Missão. Qualquer experiência sobrenatural com Deus que
não redunde em missão, transforma-se em autoglorificação
e causa deslumbramento. Por isso mesmo, Deus sempre
cuidou para que as suas revelações não se tornassem troféus
para ninguém, mas se tornassem compromissos missionários.
[Leia Êx 3.2-16; ls 6.1-9; Ez 2.1-3; Dn 10.8-12; A p 1.17-19.]

Atitudes corretas a serem tomadas


em relação ao modismo

Eu desejo, antes de term inar esta exposição, exibir, para o


leitor, algumas atitudes equilibradas e maduras que devem
ser tomadas a fim de salvaguardar as pessoas sérias e as que
desejam viver uma vida pautada na coerência da Palavra de

112
Deus mas que ainda não têm a devida maturidade bíblica. Se
não, vamos à amostragem, sem delongas:
1. Evite freqüentar reuniões em que pessoas estejam caindo
indiscriminadamente sugestionadas p o r alguém. Corretamente
nos chama a atenção para isso o escritor G ondim . Diz ele:

Ora, se arrebatamentos [cair no poder] acontecem como ato


soberano de Deus, é lógico que não podem ser manipulados,
produzidos por vontade humana ou incentivados.

2. Procure não te r contato com pessoas que estão ficando


" famosas" p o r praticarem o "cair no bálsamo", com o se
fosse uma experiência de toda hora e de todo dia. Não se
esqueça que, segundo a Bíblia, esse fenômeno é excepcional.
3. Não faça parte da m ultidão perdida, que vive atrás de
" novas experiências", porque, quase sempre, os que vivem
no "oba, oba!" da vida não se definiram e só vivem sob o
estímulo de novos modismos.
4. Compare, de forma madura e equilibrada, as chamadas
"novas experiências" com 1 Coríntios 12.7, onde se lê. " A
manifestação do Espírito é dada a cada um para o que fo r útil".
Assim assevera de forma muito precisa certo escritor: "O
testemunho de quem experimenta 'arrebatamentos' não pode
ser apenas:" Senti uma grande paz". Primeiro, porque nem tudo
o que produz uma grande paz é, necessariamente, de Deus.
Segundo, porque Deus sempre age com desígnio e propósito.
"O ra ", continua o escritor, "quando a glória de Deus se
manifesta a alguém,sempre há arrependimento,compromisso
com santidade, novo ardor missionário, e acima de tudo
uma reavivada percepção de Deus. Parece que uma pessoa
ser visitada p o r Deus para sentir uma sensação de leveza soa
incoerente e im aturo".
5. Não se deixe levar pelas notícias exóticas e sensa­
cionalistas de que Deus está "operando" em tal lugar. Isso é
falsa propaganda. Jesus disse que os seus sinais seguiriam
aos que cressem, e não o contrário [M c 16.17]. Além do mais,

113
segundo as Escrituras, o que devemos buscar não é um
“ novo m étodo" ou uma "nova fórm ula", mas sim sintonia
com o que a Bíblia nos exibe.
6. Prove, com o estudo analítico da Palavra de Deus> o
que está ocorrendo ao seu redor. Você, p o r isso, não estará
lutando contra a obra de Deus; pelo contrário, será menos
um a ser enganado. João, o apóstolo do amor, pontifica:"...
não creiais em to d o espírito, mas provai se os espíritos vêm
de Deu<T [1 João 4.1].
7. Não entre na fila dos que recebem oração para cair a
fim de saber se a prática é de Deus ou não. Isso se traduz
como pura imaturidade cristã e falta de conteúdo bíblico,
uma vez que a Palavra de Deus nos fornece to dos os
ingredientes necessários para concluirm os que a prática do
"cair no poder" é, sem sombra de dúvida, um modismo
equivocado. Por isso, Paulo adverte os imaturos coríntios:

Quando eu era menino, falava como menino, pensava como


menino, raciocinava como menino. Mas, logo que cheguei a ser
homem, acabei com as coisas de menino [1 Co 13.11],

Falando em imaturidade, não posso deixar de citar também


a epístola aos Hebreus, capítulo 5, versículos 11 a 14:

Do qual m uito temos que dizer, de difícil interpretação,


porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo
já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos
torne a ensinar quais sejam os prim eiros rudim entos das
palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite
e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se
alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça,
porque é menino. Mas o mantimento sólido é para os perfeitos,
os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados
para discernir tanto o bem como o mal (Grifo nosso].

Im porta que nós, o povo de Deus, sejamos um pouco


mais "bereanos" quanto à verdade, para não sermos ima­
turamente levados p o r to d o vento de doutrina.

m
A p ê nd ice I

Oração por dentes de ouro

ão há com o duvidar de Deus e do seu poder. Ele


pode fazer qualquer coisa: do mais d ifícil ao mais
impossível. Essa é uma verdade incontestável. Logo,
é um erro teológico dizer que Deus pode "algumas"
coisas e "o u tra s " não. Aliás, a pergunta que cabe
aqui não é se Deus pode, mas se é co rre to in stru -
mentalizá-Io. Por isso, neste arrazoado, a intenção
não é m ostrar que Deus não pode dar dente de o u ro a
alguém através da oração. O problema não é esse, mas
sim, o fato de se dar ênfase demasiada a um milagre, com o
alguma coisa especial em d e trim e n to de todas as outras
coisas que Deus faz. Dizer que Deus pode tu d o para provar
que Ele é capaz de fazer tu d o que lhe pedim os,até mesmo
os absurdos, aplica-se a uma o utra situação. Para começar,

115
nem tudo que pedimos a Deus é da vontade de Deus. Assim
já dizia João, o velho apóstolo:“ Esta é a confiança que temos
diante dele: Se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade,
ele nos ouve"[l Jo 5.14]. Uma outra questão a sublinhar é que
a forma como pedimos a Deus não deve ser no sentido de
forçá-lo, obrigá-lo, por conta da oração. Jesus nos ensinou:“ E
quando orares não uses de vãs repetições, como os gentios;
que pensam que pelo m uito falar serão ouvidos. Não vos
assemelheis a eles, pois vosso Pai sabe do que necessitais antes
de lhe pedirdes a e Ie "[M t 6.7,8].

Nem sempre milagres previstos são


milagres para todos

À s vezes temos visão errada dos milagres de Deus por


acharmos que Deus tem obrigação de fazer tu d o quanto
promete fazer. Deus quando realiza seus milagres não é para
mostrar a sua força, mas sim que Ele é o Deus da vida. Não
há na Bíblia uma lista dizendo o que Deus pode e o que Ele
não pode. Por isso mesmo qualquer milagre invocado deve
ser feito sob total submissão ao Senhorio de Deus e não
uma coisa manipulável. Por exemplo, não é porque a Bíblia
fala que Deus ressuscitou Lázaro que vamos sair por aí orando
nos cemitérios para que os m ortos ressuscitem. Embora
acreditemos que Deus possa fazer esse milagre, não pode­
mos transform ar isso em m arketing evangelístico, porque
isso é brincar com a Soberania de Deus.
Não se discute que Deus pode dar vida a alguém ressus­
citando um m o rto que morreu fisicamente ou ressuscitan­
do um vivi-m orto.
O ra r p o r dente de ouro ou p o r qualquer coisa que resulte
na manipulação e na redução dos milagres de Deus é
te m eridade. N in g u é m pode saber cem p o r c e n to a
necessidade real de cada pessoa ou de uma igreja, uma vez
que varia de pessoa para pessoa e de igreja para igreja.

116
Uma coisa é você orar para que Deus manifeste seus
milagres na igreja e de repente aparecer alguém com os
dentes completamente restaurados. O utra coisa totalm ente
diferente é você forçar uma situação.

Por que os dentes têm que ser de ouro?

Alguma coisa começou a não bater nos milagres dos dentes


de ouro. Primeiro, por que tinham que ser necessariamente
de ouro? Segundo, por que as pessoas que os receberam não
eram, via de regra,as que mais precisavam de dentes de graça?
É lógico que essas duas perguntas podem ser facilmente
respondidas com a palavra p ro p ó s ito de Deus. Todavia,
raciocinemos: O dente necessariamente de o uro provoca
uma série de questionamentos. Uma delas é a seguinte:
Terá Deus realmente a necessidade de exibir seu poder
desta forma tão indiscreta, uma vez que o p ró p rio jesus fez
seus maiores milagres de forma discreta e, p o r vezes, silen­
ciosa? Q ue maneira exagerada é essa de e xib ir o poder de
Deus, já que a teologia dos milagres é absolutam ente
consciente do perigo que há em a pessoa passar a acreditar
mais em um Deus que faz do que num Deus que é?
Embora tenhamos consciência do grande poder de Deus,
também sabemos que Deus não faz nada que fira a sua
Palavra. Então, p o r que agora Deus estaria tentando chamar
a nossa atenção, se sabemos que o maior milagre de Deus
mostrado e exibido nas Escrituras Sagradas é a salvação em
Jesus Cristo? Além do que o mais im portante não é o que
nós fazemos para Deus, mas o que Ele já fez p o r nós.
A outra questão também preocupante é a que tem a ver
com as pessoas que são beneficiadas p o r esse milagre. Quase
sempre se trata de gente que tem plano de saúde, pertencente
a classe média alta ou a classe alta. Pessoas, inclusive, que
gostariam de receber dentes naturais para não destoar o seu
visual. E os realmente necessitados, onde estão?

117
É indiscutível quando escutamos o testemunho de alguém
que, numa oração absolutamente imprevisível, pede a Deus,
pelo fato de não te r a mínima condição de se tratar, uma
bênção de te r os seus dentes de volta, já que não possui
nenhum, e Deus realiza o milagre.
Observe que é diferente. Não é alguma coisa premeditada,
forçada, com características eminentemente personalísticas.
Não está em voga a oração de um "evangelista", mas a oração
até mal feita de alguém que pede p o r absoluta necessidade,
porque sabe que só Deus pode lhe dar o que necessita;
ninguém mais. Esse milagre é incontestável, mas a Bíblia exige
cautela para com o milagre forjado, premeditado, que acontece
ao sabor de uma prepotente exibição de poder.

Os milagres de Deus não são para a


auto-glorificação humana

Felizmente, passou a onda dos "dentes de ouro", já estava


trazendo contradições no meio evangélico porque algumas
pessoas achavam-se preteridas p o r Deus em razão de não
receberem dentes de ouro.
Agora que tu d o é passado, podemos, pelo menos, tira r
algumas lições dos equívocos que estavam cometendo os
que admitiram essa nova prática. Se não, vejamos:
. Equivocaram-se p o r terem tentado se p ro je ta rá s custas
de uma coisa incomum. Nenhum evangelista precisa fazer
" p o r" Deus alguma coisa. As"ajudinhas"com um ente atrapa­
lham, porque trazem a falsa idéia de que estamos sendo
abençoados por Deus porque as coisas estão acontecendo.
A partir desta concepção passamos a não mais nos preocupar
com o nosso caráter,com a nossa espiritualidade e coerência,
componentes indispensáveis à vida cristã, dos quais jamais
podemos prescindir.
Equivocaram-se porque pensaram que os milagres de
Deus são manipuláveis. Quando somos usados p o r Deus

118
não podemos esquecer de que nós não somos a fonte do
poder, mas apenas um instrumento. Um princípio tão simples
com o este é, p o r vezes, esquecido para dar lug a r a
manipulações.
Equivocaram-se p o rq u e tentaram negociar com os
impossíveis de Deus. Jesus disse que há algumas coisas que
são absolutamente impossíveis aos homens. Mas para Deus
nada é impossível. O milagre é uma dessas coisas. Por isso
que tentar colocar dentes de ouro na boca de to d o mundo
é super-estimar-se além da conta e uma tentativa de manipular
algo que não é da alçada humana.
. Equivocaram-se pelo fato de preverem a agenda de Deus.
Ninguém pode arrogar-se capaz de poder fazer qualquer
milagre. Ninguém tem esse direito e ninguém tem esse poder.
Só Deus. Ele é o único que pode determ inar o que vai
acontecer e o que realmente acontecerá, conform e a sua
vontade. O homem, coitado, nada pode fazer. Então, é uma
tremenda tolice humana querer prever ou determinar o que
Deus vai fazer. A questão é simples: Se o homem é capaz de
prescrever as ações divinas e como elas ocorrerão, é o homem
e não Deus que está no controle da história. E isso é
absolutamente impossível.

119
Apêndice II

Soteriologia de mercado
Antes nossa soteriologia01 afirmava correntemente que
só em C ris to há salvação. Depois, a c ris to lo g ia virou
eclesiologia e passou a pregar que a salvação só podia
acontecer dentro da Igreja. Com o passar do tem po, este
segundo pensamento, aliás extremamente equivocado, cedeu
completa e totalmente aos apelos consumistas. Hoje,a salvação
vem acontecendo dentro do Mercado.121
Na atualidade, algumas igrejas transform aram -se em
verdadeiros "balcões de milagres", e a salvação passou a te r
um custo e virou p roduto "caro" em algumas igrejas.
O alvo, na soteriologia de mercado, não é mais o homem
perdido e pecador, mas a m ultidão sem identidade, raízes,
vínculo. Esta mudança de propósito faz as pessoas virarem
números estatísticos; a salvação é apresentada com o meio
de consumo.
Essa tendência de fazer acontecer a salvação dentro do
âmbito do mercado trouxe a nefasta massificaçãa o indivíduo
é arrastado pela massa; os direitos e valores pessoais não
mais contam. Prevalecem sobre ele as estruturas e as exigências
sociais. O que conta é a lei dos grandes números, a vontade
da maioria, a produção em série, etc.
Um o u tro p ro d u to dessa socialização do sagrado é
anonímia.O indivíduo desaparece na massa. Para a sociedade
não conta mais com o Pedro, Paulo, João, mas apenas como
unidade no sistema de produção, no corpo eleitoral, na
classe dos estudantes etc. Por o u tro lado, cada um se dis-

m Soteriologia. co m o sim ples definição, é o estudo que envolve,a salvação trazida a nós p o r C risto lesus.
m M e rca d o aqui está sendo tratado teologicam ente c o m o o sistema de desumanização d o hom em .

120
tin g ue bem pouco dos demais. C om o excelentemente
m ostrou Heidegger, filósofo e ícone do existencialismo
alemão, o homem m oderno tende a tornar-se não mais um
eu ou um tu , mas uma terceira pessoa sem nome, que faz o
que os ou tro s fazem, lê e escreve com o os outros Iêem e
escrevem, canta o que os outros cantam, diverte-se com o
os outros se divertem , adora com o os outros adoram etc.
O indivíduo move-se na sujeição aos outros. Não é ele
mesmo. Os ou tro s o esvaziam do seu ser.
A s igrejas que vêm entrando nesta onda da megalomania
numérica e da obsessão estatística, não estão dando conta
da banalização a que estão submetendo o Evangelho, que
vem perdendo suas características vitais e sua razão de ser.
A Igreja, que deveria ser uma comunidade-alternativa, p o r
sua proposta de vida absolutamente diferente da vivida em
nossa sociedade, vem se entregando a um tip o de conivência
na base do "faz de c o n ta ". A visão de c u lto hoje é
extremamente imediatista e consumista, pois im prim e nas
pessoas uma cultura de consumo do espiritual. É uma coisa
que afasta cada vez mais as pessoas de virtudes cristãs
como a perseverança,a paciência,a longanimidade etc.,além
de torná-las completamente órfãs de solidariedade.
Suponho que estamos indo longe demais com a nossa
merchandising do sagrado. Já começamos a atravessar a linha
que separa o bom senso da irresponsabilidade. A ratinização
do sagrado está chegando as raias do absurdo. Nossas rádios
evangélicas estão inflacionadas de propagandas exóticas. As
faixas penduradas nos frontes de alguns templos evangélicos
passam a nítida impressão de que estamos vendendo alguma
coisa extremamente descartável. É algo que as pessoas têm de
estar "com prando" sempre e sem parar. É bênção oferecida à
base de liquidação, como: "Venha receber uma bençãd" (a
palavra "bênção" sem o acento circunflexo].
C om o se já não bastasse a breguice de nossas propa­
gandas, tem os, na atualidade, cu lto s com fo rm a to de

121
auto-ajuda, um tip o de camisa-de-força para o d ivin o ,
algo que restringe Deus a ações funcionais programadas.
Este é um desvio sutil e extremamente hipnótico. É sutil,
p o rq u e traz a sensação de dever c u m p rid o , quando
realmente tu d o está p o r terminar. É h ip n ó tico , porque as
pessoas que se envolvem pela proposta da soteriologia de
mercado estão sob o "encanto" da compulsão pelo sagrado,
mas não se apercebem do seu quase que c o m p le to
afastamento do fim-meta do Evangelho — salvar as pessoas
do merca-do a fim de re/humanizá-las, tornando-as, assim,
semelhantes a C risto.

Simonia - comércio do sagrado

A fim de aclarar o assunto e com vistas a dar ao leitor


um pouco mais de profundidade na análise da matéria em/
tela é que lanço mão do trabalho excepcional do escritor
Leonildo Silveira Santos, D o u to r em Filosofia e em Ciências
da Religião. Vamos ao texto:
O cristianismo surgiu numa sociedade já habituada à
"comercialização" do sagrado, porque, no prim eiro século
de nossa era, em muitos santuários religiosos de tradição
asiático-greco-romana praticava-se um intenso comércio ao
redor do espaço sagrado. Mesmo o tem plo de Jerusalém, na
época de Jesus, era controlado p o r uma casta sacerdotal que
ali desenvolvia um comércio regular de animais destinados
ao sacrifício e cambiava moedas trazidas p o r judeus de todo
o Império Romano,proibidas de circularem na área do templo.
C om o não havia um padrão único de moedas, exigia-se a
presença de cambistas, cuja função era trocar o dinheiro do
peregrino pela "moeda do tem plo", conditio sine qua non
para a aceitação das ofertas. Isso, obviamente, era feito em
condições extremamente vantajosas para os sacerdotes.
Foi esse comércio no pátio dos gentios que ocasionou,
segundo os Evangelhos [M c 11.15-17], nos últim os dias da

122
vida de Jesus em Jerusalém, um co nflito com os cambistas e
certamente acelerou as conspirações já então em andamento,
provocando o julgamento e m orte de Jesus. Esse episódio
tornou-se conhecido como a "purificação do tem plo", um
espaço sagrado que, segundo os Evangelhos havia deixado
de ser "casa de oração para todos os povos" e se tornado
apenas um "esconderijo de ladrões".
A in d a nos tem pos neotestam entários, a m istura de
comércio e religião recebeu o nome de"sim onia", p o r causa
de um o u tro episódio narrado nas Escrituras [ A t 8.9-23],
acontecido logo nos p rim e iros anos da expansão do
cristianismo, então uma mera e insignificante seita judaica.
O caso ocorreu em Samaria, onde um mágico chamado
Simão, ao ver os milagres que os apóstolos provocavam
quando impunham as mãos sobre as pessoas, quis com prar
o "segredo" de com o fazer as coisas. Sua oferta escandalizou
a Pedro, um dos apóstolos,que lhe disse: "Q u e Deus mande
você e o seu dinheiro para o inferno! Você pensa que pode
com prar o dom de Deus com dinheiro?
Durante os decênios seguintes, os contatos dos cristãos
com a cultura greco-romana continuaram conflitivos. A
passagem do ambiente judaico para o gentílico gerou
dificuldades quanto à questão da pureza, criando-se toda
uma discussão, já nas primeiras décadas, sobre o consumo
de mercadorias "ofertadas aos ídolos". Em algumas regiões,
p o r exemplo em C o rin to , Sul da Grécia, a carne, antes de
chegar aos açougues, passava pelos te m p lo s pagãos,
provocando entre os cristãos, durante m uitos anos, um
problema de consciência e vários enfrentam entos entre
partidos e facções na comunidade cristã. Esses co n flitos
em C o rin to levaram Paulo a recomendar-lhes a abstinência
do consumo de carne de "origem duvidosa".
Na cidade de Éfeso, na Ásia M enor, houve um o u tro
episódio digno de nota, relacionado com o culto da deusa
Diana,divindade que,segundo aquela crença, era representada

123
p o r uma imagem caída do céu. Réplicas dessa imagem eram
fabricadas e vendidas pelos inúmeros ourives e comerciantes,
que viviam dessa atividade. Demétrio, um deles, liderou seus
companheiros numa campanha contra os primeiros cristãos,
cuja pregação colocava, aos olhos deles, em perigo o fu tu ro
de seus negócios. N um tu m u lto de duas horas, a multidão
enfurecida gritava:"grande é a Diana dos Efésios", chegando
até a colocar em risco a vida de Paulo ( A t 19.22-39].í3)

"Cristo-contra-cultura"

A lg u m a s décadas depois, os cristãos en fre nta ram


tremenda perseguição p o r parte do Im pério Romano. A
decisão de Roma estava fundamentada no costum e de se
e xig ir obediência plena dos cidadãos do Im pério. Mas os
cristãos se opunham , denunciavam e refutavam a forç^
dos deuses pagãos e classificavam com o mágicos todos
os demais cultos concorrentes. Essa atitude provocou o
isolam ento social dos cristãos, realim entou preconceitos
e favoreceu o desencadeam ento de novas ondas de
perseguições, o que fez os cristãos se encastelarem ainda
mais numa postura, caracterizada p o r N ie b u h r, com o
"C risto -co n tra -cu ltu ra .
A postura cristã contra a sociedade e de abandono das
várias instituições culturais, com o arte, forças armadas e
comércio, principalmente p o r cristãos montanistas, entre eles
Tertuliano no final do segundo século, foi-se alterando por
ocasião da oficialização do cristianismo pelo Império Romano,
no Século IV. Desde então, houve uma espécie de adaptação
do culto cristão aos novos lugares de adoração,alguns deles
anteriormente dedicados aos deuses pagãos.Vários santuários
locais foram reconsagrados aos mártires e santos cristãos, e
com o passar dos séculos, um comércio dè imagens, ícones
e relíquias sagradas se estabeleceu ao redor deles, práticas
essas que constituiriam mais de mil anos depois, aos olhos

124
dos reformadores, evidências claras da"paganização"da Igreja
cristã, e que teriam perm itido o surgim ento de um vasto
processo de sincretismo. Evidentemente, o triu n fo teve o
seu preço.
Com a sua oficialização, o cristianismo tornou-se um
produtor hegemônico de símbolos, práticas e rituais religiosos.
Nesse p e río d o , a Igreja a p e rfe iç o o u seus m eios de
comunicação com a sociedade, inventando o sino, a torre, o
confessionário como fonte de poder e de pesquisa, a trilha
musical e outras atividades comunicativas, que facilitavam a
"venda" de seus produtos simbólicos.
Todavia,após a desintegração do poder político do Império
Romano no Ocidente,a Igreja continuou sendo o único centro
capaz de manter o nomos, iniciando-se assim um novo
momento histórico,a Idade Média,que iria term inar somente
com o advento do mundo moderno, no século X V I. Durante
os treze séculos posteriores, houve uma imposição da fé cristã
sobre uma população rural portadora de crenças mágicas e
pagãs, catequese que apenas form ou uma camada de verniz
sobre uma antiga realidade religiosa. A aristocracia eclesiástica
não conseguiu influenciar profundamente as massas populares,
e por toda a parte na Europa multiplicavam-se os cultos às
relíquias sagradas, verdadeiros fetiches milagrosos, aos quais
se atribuíam poder de curar enfermidades e proteger as pessoas
dos perigos. Esses objetos, que pensavam terem pertencido
aos santos ou simplesmente por terem sido usados na missa,
eram tro ca d o s, presenteados, roubados, vendidos ou
comprados. M u ito s deles eram empregados com as mais
diversas finalidades, desde o auxílio no trabalho de parto até
na cura de peste no gado bovino ou para afastar epidemias de
seca, fome ou pragas de gafanhotos. Por isso, a Igreja medieval
mostrava-se como um grande reservatório de poder mágico,
capaz de ser empregado para uma série de finalidades seculares.
A religiosidade dos camponeses, que segundo Weber,
sempre foi propensa à magia, e antes mesmo do surgim ento

125
do utilitarism o dos mercadores, já havia-se estabelecido uma
conexão entre a religião cristã e a prosperidade material, p o r
meio da qual se buscavam nos ritos soluções para estes ou
aqueles problemas práticos da vida. Com a monetarização
crescente da sociedade no final da Idade Média, as relíquias,
sacramentos e até indulgências chegaram a ser trocadas por
moedas. Aliás, a introdução da moeda com o forma de
intermediação nas trocas refletiu-se também na religião,
submetendo movimentos e ações religiosas a um processo
de racionalidade mais amplo.
Segundo Jacques Le G off, citado p o r Leonildo Silveira,
toma corpo nessa época um novo tip o de mentalidade, a
"mentalidade de mercado", cujas características eram as
seguintes: a] utilitarism o; b] valorização dos conhecimentos
práticos e não os teóricos; c] percepção das diversidades
que deveriam ser atendidas, em oposição à idéia teológica
de totalidade; d] busca do concreto, do material e do
mensurável; e] racionalização do tem po p o r meio da
elaboração de um calendário profano,atreIado às necessidades
do orçamento e não mais regulado pelas festas e liturgias da
Igreja; f] introdução do segredo que deve cercar o negócio
da meticulosa contabilidade que registra todas as atividades
de compra e de venda, surgindo "uma moral terra-a-terra,
feita de pendência e senso prático, ligada à preservação do
dinheiro, da propriedade, da família e da saúde."
Somente no século X V I é que as condições históricas
propícias para o surgimento de um sistema de mercado se
solidificaram. Mas é bom lembrarmos te r sido a reforma
protestante desencadeada, entre outras causas, p o r um
escândalo que associava exatamente religião e mercado — à
mercantilização de indulgências. M u ito s católicos, tal como
Lutero, se revoltaram contra esse processo de levantar
recursos financeiros, através da entrega ao fiel da garantia
futura de perdão de pecados, mediante o pagamento de
uma certa quantia em dinheiro.

126
A Igreja Católica, para os protestantes, "mercantilizava"a
fé, aproveitando-se da "ignorância religiosa" das massas, sempre
tendentes à superstição e magia. Todavia, na Inglaterra, esse
processo de eliminação da magia foi tão prolongado, que,
quando surgiram os puritanos, no século X V II, entre os
protestantes ingleses, ainda se respiravam os ares da magia,
segundo K eith Thomas. Nessa época, para expressar o
abandono da magia, houve puritanos que chegaram até a
sepultar seus m ortos sem ritos religiosos, pensando evitar,
dessa forma, quaisquer semelhança com rituais mágicos.

O que acontece, na atualidade

Hoje,o universo simbólico-religioso se expandiu para novas


direções, extrapolando os limites institucionais anteriormente
consagrados.
É ponto pacífico que a religiosidade institucionalizada sofre
hoje um tremendo processo de esvaziamento. Cada vez mais
multidões se afastam das instituições que,até há pouco tempo,
gerenciavam a distribuição dos bens religiosos. Todavia,
renascem p o r todos os lados, novas formas de apropriação
do sagrado, visíveis ou invisíveis,com pretensões de ofertarem
experiências religiosas ou semi-religiosas,fora dos receituários
institucionalizados e tradicionais. Há novas demandas a serem
atendidas que,a despeito da aparente separação traumática
entre prática religiosa e tradição, emergem sob to d o s os
esco m bro s um a la rid o . C o n s e q ü e n te m e n te , usando
metáforas gastronômicas,afirmamos que aumenta o número
de pessoas dispostas a usarem, elas mesmas, um menu
religioso, enquanto preferem uma espécie de um do i t
y o u rs e lfe m term os de religião,segundo Jean-Pau! Willaime
ou em outras palavras, uma religião à la carte. Isto porque
elas se sentem bem onde podem, à semelhança de um
"restaurante p o r q u ilo ", se servem do que quiserem e na
quantidade que desejarem naquele momento.

127
Nessas circunstâncias, o sagrado escapa do co n tro le
tradicional, im igrando para outras áreas com o política,
esportes, instituições prestadoras de serviços, encarregadas
de d istrib u ir os bens simbólicos de uma forma diferente das
tradicionais. Segundo Lenildo Silveira Campos, é justamente
esse deslocamento de áreas cobertas pelo sagrado e de dis­
persão dos crentes que cria espaço para o surgim ento da
disputa pelos "perdidos", entre novos movimentos religiosos,
descompromissados com a tradição anterior. Em outras
palavras, a atomização de agentes e instituições no campo
religioso, a chegada do pluralismo, fez com que o caminho
para o m arketing surgisse com o uma opção prática de
sobrevivência e não, com o resultado de um conjunto de
discussões teóricas e de um cálculo racional.

128
A p ê n d ice III

Deus pesa a mão?


A m aior parte dos cristãos exerce m uito a teologia do
“ Deus vai pesar a mão". A m aioria dos pentecostais
históricos, neopentecostais e carismáticos é impiedosa e
perversa. Vive um tip o de evangelho que lhes dá o poder
para esmagar os que são contrários a suas idéias. A Bíblia
repudia essa noção de poder que só invoca juízo; não invoca
o Espírito.
Penso naqueles que encarnam o fascínio pelo "de u s"
co m p le ta m e n te esmagador, uma espécie de “ fascínio
apavorado" pelo m istério do deus que construíram em sua
mente —,a tal po nto que já não têm tem po para desenvolver
qualquer relacionamento, que se lhes figure desnecessário,
ante a urgência que têm de dar-se absolutamente a um
deus de exigências completamente egoístas.
"Deus pesa a m ão"é uma forma bizarra de falar sobre o
juízo divino, porque vem de uma concepção cristã calcada
na mais árida forma de percepção e é estranha a tu d o
quanto nos foi ensinado p o r Jesus no N ovo Testamento.
Deus pesa a mão transformou-se em arma de defesa e ataque
para lideranças que não se perm item questionar, em açoite
para os que se sentem to rtu ra d o s pela culpa, em desculpa
para os que fogem das confrontações mais elementares,
em ameaça para os que se sentem infringidos e em sen­
tença para os que se acham donos da verdade. Deus pesa a
mão é julgam ento raso, frio e inumano, e se co n stitu i no
mais perverso meio de to rtu ra psicológica im posto sobre
os que já vivem o drama angustiante da culpa p o r verem a
Deus com o um xerife patrulheiro.

129
Medo do inferno

Há de fato muitos salvos do inferno, mas não dá infernal


perseguição do seu "salvador". À s vezes parece que, p io r
que a perseguição do diabo é a perseguição do "c ris to " [entre
aspas] acerca do qual certas pessoas foram "evangelizadas".
Isto porque o "salvador" que lhes foi apresentado só oferece
o céu em troca de uma vida na terra oprimida por cobranças
e culpas.
Se o evangelho que você, leitor,aceitou, não ensinar a perdoar,
e a desfazer amarguras, então não se trata do evangelho de
Cristo. A Bíblia repudia to d o discurso cristão que não vise
antes de tudo o perdão mútuo. Sem desintoxicação de amar­
guras não há manifestação da graça de Deus.
Observe com o Pedro e João, em Samaria, estão com as
mãos impostas sobre os samaritanos, invocando o Espírito.
Tal atitude é m uito diferente da descrita em Lucas 9.55.
Em Lucas, João faz parte de um grupo que preparava
estadas antecipadas para Jesus até Jerusalém. A o passar por
Samaria, não encontrando facilidades imediatas para alojar
Jesus ali — mesmo porque o p ró p rio Jesus já deixava perceber,
pela maneira obstinada como caminhava para Jerusalém, que
não desejava pernoitar naquele lugar. Percebendo isso, os
samaritanos não se preocuparam em preparar-lhe pousada.
João ficou tão contrariado com o fato de seu esquema de
logística não haver funcionado, que disse: "Senhor, queres
que mandemos descer fogo do céu para os consumir?"
Veja o le ito r que o te x to supracitado em m om ento
algum mostra Jesus zombando de seus discípulos, pelo
fato de eles pensarem que seriam capazes de fazer descer
fogo do céu sobre os samaritanos. Isto porque a religião
tem o p o de r de d e s tru ir e c o n stru ir, de matar e dar vida,
de absolver e condenar, de levar para o céu e lançar no
in fe rn o .A história nos dá exemplos clássicos do que estou
dizendo. A In q u isiçã o , pelo lado c a tó lic o , co n de n o u

130
milhares de protestantes ao inferno. Em contrapartida, o
calvinismo não foi menos inclemente.
Penso ser extremamente significativo o fato de o Espírito
Santo só te r sido derramado em Samaria depois de Pedro e
João terem ido para lá invocar o Espírito Santo sobre aqueles
acerca dos quais tinham desejado invocar juízo.

"Saivai-vos desta geração perversa" (A t 2.40)

Não se trata apenas de ser salvo nesta geração perversa,


mas ser salvo desta geração. Na maioria das vezes a nossa
ênfase é em ser salvo nesta, mas não em ser salvo desta. A í
nós somos salvos nesta e continuamos os perversos desta.
Não somos salvos desta geração perversa. Não somos os
perversos salvos em meio a ela. O u seja: trata-se de ser salvo
de viver a mesma perversidade da sociedade que nos cerca.
Cabe agora a pergunta: Tem a Igreja vivido sem per­
versidade? A maneira com o disciplinamos ou excluímos
pessoas é ou não é perversa?
Penso na desgraça que alguns dos chamados movimentos
renovados dos 20 anos passados, promoveram em centenas
de famílias que se destroçaram. Entraram de cabeça em
algumas expressões de Iegalismo, ficando tão "fascinado"
pelo "deus" completamente esmagador que lhes colocaram
adiante deles - e eu não diria "fascinado", mas dominados
p o r uma espécie de "fascínio apavorado" pelo m istério do
deus que construíram em sua mente —, a tal p o n to que já
não tinham tem po para desenvolver qualquer relacio­
namento, que se lhes figurava desnecessário ante a urgência
que tinham de dar-se absolutamente a um deus de exigências
completamente egoístas.

Textos bíblicos distorcidos

Há alguns textos - para não dizer vários - do N ovo


Testamento que têm sido mal interpretados e utilizados de

131
forma perversa e com bastante requinte de crueldade. Se
não, vejamos:
Mateus 18.15-18 - Com base neste te xto , muita gente boa
se perdeu, outras foram feridas de m orte e alguns até hoje
vivem a angústia de se acharem irrecuperáveis e sem
esperança. A expressão " co n sid e ra -o co m o g e n tio e
p u b lic a n o ” não se tra ta de que alguns hom ens são
irrecuperáveis e devem p o r isso ser abandonados; isso
porque Jesus jamais estabeleceu lim ites para o perdão
humano. Trata-se de um desafio de ganhar com o am or
que pode chegar até o coração mais duro, os mais difíceis
seres humanos, com o Jesus chegou ao coração de Mateus
e Zaqueu,ambos publicanos. Em essência,a passagem explica
que jamais devemos to le rar nenhuma situação em que haja
ruptura das relações pessoais entre nós e o u tro membro
da comunidade cristã.
Por ú ltim o , nos deparamos com a afirmação acerca de
"lig a r"e "d e slig a r".Trata-se de uma frase difícil. Não significa
que a igreja pode reter e perdoar pecados e estabelecer,
dessa form a, o destino das pessoas no tem po ou na
eternidade. O significado do te xto , analisando-o a p a rtir
do seu co n te xto , é que as relações que estabelecemos com
nosso p ró xim o valem, não somente no aqui e agora da
história, mas continuam na eternidade; p o r isso, devemos
solucioná-las já.
Mateus 5.21-26 - Este é mais um te x to impiedosamente,
utilizado para inibir, re stringir e atorm entar pessoas com
culpas imaginárias. A frase"... e aí te lembrares de que teu
irm ão tem alguma coisa co ntra ti..!' que é freqüentemente
utilizada nas prévias de santa ceia, não pode ser interpretada
fora do seu contexto para que não venha significar algo
que jamais Jesus ensinou. Em tese, a frase reporta-nos ao
A n tig o Testamento e especificamente para os sacrifícios
substitutivos feitos diante do altar. O que não podemos
esquecer, no entanto, é que aquele que lembra tem todos

132
os m otivos para tal, uma vez que se irou, desprezou e
caluniou o seu próxim o. Isto fica evidente quando lemos o
te xto seguinte:"C ondliâ-te depressa com o teu adversário,
enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça
que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na
prisão". P o rta n to , não devemos nos to r tu r a r p sico lo ­
gicamente procurando alguém imaginário que tenha alguma
coisa contra nós.

O juízo de Deus

Há algumas coisas que precisam ser observadas quando


se estuda o juízo de Deus. Se não, analisemos:
1. O juízo de Deus é a maneira inversa de enxergar o seu
am or; isso porque a responsabilidade é a outra face do
privilégio. O u seja: o juízo de Deus é questão da sua
competência como um Deus que ama. Logo, Deus só pode
ser um Deus de am or porque é justo.
2. Todos os mandamentos de Deus, p o r questão de
previsão, trazem im butidos dois elementos: o negativo, para
a visão dos que se perdem, e o positivo, para a visão dos
que os cumprem.
3. Esse juízo previsto nas palavras de vida da parte de
Deus estava sobre todos os homens, pelo fato de ninguém
te r capacidade de cum prir todos os mandamentos. Foi então
que Jesus vem e, m orrendo, leva sobre si todas as maldições
[juízos] previstas na lei, ficando para sempre com o o nosso
Fiador diante de Deus.
4. A lg u n s fatos o co rrid o s no A n tig o Testamento que
deixam transparecer que Deus condena os que não fazem
a sua vontade, devem ser lidos com alguns cuidados, a
saber:
a. Primeiramente devemos sempre levar em conta,ao fazer
a leitura bíblica, os elementos culturais, psicológicos e as
crenças da época que exerceram influência sobre os

133
hagiógrafos. N o A n tig o Testamento, p o r exemplo, pensava­
se que tudo vinha de Deus, tanto o bem, o mal como qualquer
coisa inexplicável (jó 2.10].
b. Uma outra coisa a ressaltar tem a ver com as palavras
originais e seu significado. Por exemplo, na narrativa em
Êxodo da recusa de Faraó de lib e rta r o povo israelita,
empregam-se três verbos diferentes para e x p rim ir sua
obstinação perante dez pragas.

. hãzaq e hizzêq — tornar-se fo rte ou atrevido.


. hiqshah •— endurecer.
. h ib id •— tornar-se lerdo ou insensível.

Essas ex p re ss õ e s d e s cr ev e m o e n d u r e c i m e n t o
progressivo do coração de faraó, prim eiram ente com o
resultado da sua recusa voluntária, e depois com o resultado
da sua cegueira obstinada, p o r se colocar com o inim igo
refratário de Moisés.
A g o ra , quanto as questões secundárias, com o: Deus
"pesa a m ão" sobre os que lhe desobedecem?, Deus "pesa
a mão" sobre os que não fazem a sua vontade?, tenho a
dizer o seguinte:
A primeira questão certamente é formulada a p a rtir de
uma percepção radical sobre a obediência. Primeiro de tudo
eu quero ressaltar que a noção de obediência à luz da
Bíblia, não é restrita a um obedecer absoluto — coisa que
nenhum ser humano consegue — mas a um obedecer-
tentando-obedecer. O u seja: Deus não castiga os que lhe
desobedecem tentando lhe obedecer, mas a previsão do
c a s ti g o d i v i n o recai s o b r e os que d e s o b e d e c e m -
desobedecendo. Só o fato de as pessoas terem medo de
estarem desobedecendo prova a sua obediência, embora
seja uma obediência oriunda do te m o r e não do amor.
C on tud o , não se obedece a Deus deixando apenas de fazer
o que é errado, mas fazendo o que é certo. Há muitas

134
pessoas tão preocupadas em não fazer o mal que se
esquecem de fazer o bem.
À segunda questão em tela respondo a p a rtir do que a
Bíblia define p o r correção. C o rrig ir, segundo a língua grega,
significa reconciliar facções, e ndireitar ossos quebrados,
c o rrig ir torceduras, consertar redes, equipar ou preparar.
A idéia de castigo com requintes de crueldade, não pro­
vém do Espírito da graça do N ovo Testamento, porque
"Deus co rrig e ao que ama" [H b 12.6],
O que precisamos entender sobre a vontade de Deus é
que ela não nos livra dos riscos circunstanciais de uma
tentativa. O u seja: quando Deus nos manda fazer a sua vontade
não quer dizer que, em fazendo-a, não corremos nenhum
risco. Pelo contrário. O fato mesmo de fazê-la nos coloca
diante de todos os riscos que dela advêm. Paulo, por exemplo,
antes de ir a Jerusalém foi avisado pelo profeta Á gabo que
seria preso e m o rto neste lugar. O apóstolo, no entanto,
ouviu as palavras do profeta, mas não deixou de ir a Jerusalém.

O caso Ananias e Safira

O erro de Ananias e Safira não ocorreu do fato de não


terem dado o seu dinheiro aos apóstolos, mas sim da tentativa
de fazerem a Igreja acreditar que aquela parte dada p o r eles
representava o todo.
Segundo a opinião de alguns biblistas, do te xto de A to s
capítulo 5, compreende-se pelo menos duas coisas. Primeiro
a forma radical com que Pedro tratou o assunto. Segundo,
a m orte súbita, que não ocorreu como algo produzido pelo
juízo de Deus, mas sim pelo choque da vergonha de haver
sido descoberto.
A explicação dada por alguns exegetas para esta conclusão
é que nenhum ser humano tem o poder de matar o outro
com execrações. E nenhum poder saiu de Pedro para matar
Ananias e Safira.

135
Sobre a questão em tela, a maioria dos estudiosos con­
tem porâneos prefere acreditar que a m o rte de Ananias e
Safira resultou de um colapso cardíaco fulm inante, p ro ­
duzido pela sensação de terem sido descobertos perante
toda a Igreja. A culpa aguçada pela revelação do vergo­
nhoso d o lo co m e tido pelo casal contra Deus e contra a
Igreja - argum entam alguns com entaristas - precipitou
num choque anafilático, causando a m o rte do casal. Estas
opiniões são discutíveis.
A verdade é que a maioria dos nossos problemas ocorre
pela nossa própria imprevidência em lidar com as várias
situações que se nos apresenta a vida, de forma desequilibrada
e p o r vezes doentia.
Em termos de julgamento, o que se pode dizer é que
cada vez que o homem se confronta com Jesus, emite um
juízo sobre si mesmo. Se não vê em C risto nada que mereça
ser desejado, admirado ou amado, se condena. Mas se vê no
Filho de Deus algo digno de admiração, algo a que deve
responder, algo que deve tra ta r de alcançar, está no caminho
que o conduzirá a Deus (Jo 9.39]. Segundo o N o vo
Testamento, o julgamento é este:

A luz veio ao mundo, e os homens amaram antes as trevas


que a luz, porque as suas obras eram más [Jo 3.19).

Termino esta parte com as palavras de Paulo dirigidas aos


irmãos em Roma:

Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez


estardes com temor, mas recebestes o espírito de adoção, pelo
qual clamamos: Aba, Pai (Rm 8.15).

136
A p ê nd ice I V

A prática da diabolização
Os séculos 16 e 17 foram os mais afetados pelo desespero,
confronto,preconceito, intolerância religiosa e inquietações
de todos os tamanhos. O medo tom ou o lugar do grotesco.
Durante estes dois séculos,as desgraças pareciam infindáveis:
Guerra dos Cem A n o s, peste negra, decadência do papado,
cisma da Reforma, guerras religiosas, revoltas no campo, a
Fronda [rebelião de pequenos vultos] durante a menoridade
de Luís XIV. Nesta época, a voz corrente era que o m undo
ia acabar. E, em consonância com a interpretação do
Apocalipse, era pensamento comum que, antes da volta de
C risto, o diabo intensificaria a sua ação destruidora no
m undo,com o sendo a sua última cartada. O povo, portanto,
explicava as desgraças da época pela veemência da ação
diabólica. E para ilustrar as suspeitas que estas desgraças
provocaram, começou-se ver o diabo em todos os lugares:
nos hereges, nos judeus, nas mulheres, em todas as camadas
da sociedade. O u seja: o diabo passa a ser adjetivado e a
diabolização serve de instrum ento de repressão a todos os
diferentes e contrários.
Foi exatamente em razão deste perverso expediente — a
diabolização — que, em quase toda a Europa, começou a
caça às bruxas [pessoas inocentes acusadas de cumplicidade
com o diabo], sobretudo nos países atingidos pela Reforma.
A bruxaria era um crime punido com a pena de m orte,
aplicada pela justiça civil, na época totalm ente manipulada
peia autoridade religiosa. Esta procurava estabelecer que o
acusado havia tid o parte com o diabo. Em caso afirm ativo
- e isso era quase certo, já que as confissões eram arrancadas

137
debaixo de to rtu ra s — levava a alcunha de bruxo. Em
seguida, para provar que o elem ento estava possuído,
valiam-se dos manuais de bruxaria, o M o rte a u des Soccières
ou o Boguet, que continham a lista dos sinais de possessão.
O mais infalível dos sinais era a insensibilidade das costas.
O cirurgião do Parlamento picava o acusado. Se nada
s e n tis s e , a p o sse ssã o e sta va c o m p ro v a d a ! Esta
insensibilidade do dorso, que hoje se a trib u i à histeria,
era a rubrica do diabo. O terceiro p o n to de investigação
era o famoso Sabá ou a "sinagoga dos diabos". C onform e
crença da época, pensava-se que os bruxos se reuniam
com suas vassouras nos bosques para se e n con tra r com
o diabo. A li assistiam à missa negra, uma missa com os
sinais às avessas, que, p o r fim , terminava com o " c o ito
diabólico".
Depois de reunidas todas as provas — diga-se de
passagem, forjadas — os "juizes", com toda a tranquilidade
da consciência,enviavam para a fogueira aquele que havia
dado provas de diabolismo. Esta caça às bruxas só term inou
no fim do século 17, quando as vozes conjuntas da razão
e do bom senso conseguiram se fazer entender.

O Mecanismo de Transferência

A perseguição aos supostos bruxos, que lavou de sangue


toda a Europa, põe em evidência uma maneira perversa e
absolutamente execrável de representar o diabo: a de enxergar
o mal apenas no o u tro — um com portam ento pessoal e
social ainda presentes nas culturas humanas hodiernas A
maioria dos historiadores está de pleno acordo em que a
diabolização é mais intensa em épocas de grandes agitações
e quando os problemas sociais vão além da capacidade humana
de respondê-los ou resolvê-los. A saída,então, é culpar alguém.
A história está repleta de exemplos dantescos que apontam
nessa direção, mesmo no contexto religioso: a Santa Inquisição,

138
com o o exemplo mais hediondo de diabolização o c o rrid o
na história; o calvinismo que, na sua versão puritana
radical, na época da colonização americana, resultou na
m o rte de milhares de pessoas. Isto se dá mais ou menos
conform e a explicação das escritoras A n n e Soupa e M arie
M ichèle em seu livro F a ut-il C ro ire au Diable? Segundo
elas, aquele que sabe que pratica o mal tem consciência
de que agiu assim embora não o quisesse, ou de que sua
mão possa te r sido conduzida p o r o u tro . Mas aquele que
não tem consciência dessa duplicidade que existe dentro
de si tem a tendência de acreditar que o malvado forma
uma só coisa com o mal. Ele condena sem apelação a
bruxa porque pensa que ela e o diabo form am uma só
coisa. Ele pensa que pode matar o diabo matando a bruxa.
Estranhamente, de tem pos em tem pos caímos na velha
armadilha da humanidade, pelo fato de não adm itirm os a
nossa culpa. A dão e Eva já haviam caído, um após o o u tro ,
quando disseram:"Foi a m ulher"! e depois:"Foi a serpente"!
Cada um procura tra n s fe rir sua culpa para o o u tro ,
m ostrando to ta l irresponsabilidade quanto ao fato de te r
que assumir seus p ró p rio s erros.
Esse mecanismo da diabolização funcionou muitas vezes
ao longo da história, mesmo recente. O nazismo estava
cim entado nisso."Se o judeu não existisse,seria necessário
inventá-lo", dizia H itle r. Propositadamente, nos textos de
propaganda nazista,as palavras judeu, inferno, diabo, trevas,
caos e destruição estavam sempre juntas,associando judeus
e diabo na mente das pessoas. Há pouco meses ouvim os
estarrecidos as palavras do Presidente dos Estados U nidos
da Am érica do N o rte , Bil! C lin to n , ao pedir perdão à
população norte-americana pelos maus tra to s e abusos
inomináveis in frin g id o s pela K u Klus Klan aos negros
americanos. Por conta de um racismo odioso e v iru le n to ,
chegaram ao cúm ulo de transform ar os negros americanos
em cobaias de la b o ra tó rio , infe cta n d o -o s de vírus e

139
bactérias m ortais para ver até onde iria sua resistência. O
p io r disso tu d o é que a diabolização nunca desaparece
co m pletam ente. Isso pelo fa to de que ela é ú til... É
diabolizando o vizinho, o inim igo , o estranho, enfim , os
que são co n tra , que se mantém o poder e o status quo.
Os p o líticos, os estrategistas comerciais e as religiões
continuam usando esse m étodo perverso e abominável.
Sinto dizer que as atitudes individuais estão também dele
impregnadas. Seria m u ito fácil id e n tific a r traços dessa
diabolização nas conversas aparentem ente inocentes e
banais.
Dizer que a cultura evangélica é elitista e seletivista
não é m ito , mas realidade. Uma realidade fatídica que
acom panha o c ris tia n is m o faz dois m il anos e que,
infelizmente, continua presente em algumas denominações.
Todavia, Jesus C r is to p re g o u um e va ng e lho que é
taxativamente contra a tendência religiosa de to rn a r a
Igreja numa assembléia de alienados. Por esse m o tivo , a
teologia da solidariedade grupai, de um co rp ora tivism o
eclesiástico de tendências exclusivistas que os judeus
encarnavam no p rim e iro sé cu lo , fo i v ig o ro s a m e n te
com batido p o r Jesus em pelo menos três frentes:
P r im e ir o , Jesus c o m b a te ta l id e o lo g ia ao ser
in te rro m p id o enquanto pregava a um g ru p o d e ntro de
uma casa, p o r alguém que lhe avisa das presenças de sua
mãe e seus irmãos. O Filho do Homem não perde tem po
de m ostrar o seu repúdio em relação à ideologia de uma
solidariedade grupai — já que, para Ele, sua mãe e seus
irmãos são aqueles que fazem a vontade do Pai que está
nos céus [Lc 8.20,21]. A q u i Jesus está dizendo não à
solidariedade grupai e a b rin d o espaço ao p ro je to ideal de
Deus: a solidariedade universal.
A o u tra vez, a segunda, foi quando os discípulos,
ufanando-se do seu fe ito de p ro ib ir que c e rto “ hom em "
expulsasse demônios em nome de Jesus, recebem aguda

140
reprimenda do Filho de Deus:"... quem não é contra nós,
é p o r nós" [M c 9.38-40].
A te rce ira e ú ltim a fre n te de oposição c o n tra o
se le tivism o e o e xclu sivism o c ris tã o é q u a n d o Ele,
surpreendido pela fé de um não-judeu, o centurião romano,
declara, num lam pejo de revelação: "m u ito s v irã o do
Ocidente e do O riente e assentar-se-ão à mesa com Abraão,
Isaque e Jacó no reino dos céus". A o passo que os "filh o s
do reino serão lançados para fora, nas trevas, onde haverá
choro e ranger de dentes" [M t 8.11,12].
C om o se pode observar pelos argumentos supracitados,
Jesus repudia veementemente a postura de exclusão p o r
parte do seu povo em relação a qualquer ser hum ano,
grupo, raça, etnia, denominação etc. Isto porque o o u tro ,
embora diferente, não pode ser tachado de diabo.

Diabolização: A mais perversa intolerância

Nem mesmo o cristianism o foi poupado da tendência


à diabolização. Surgiu na época das perseguições e dos
mártires, em oposição violenta à religião romana e judaica.
Foi extremamente difícil para o cristianism o não identificar
Satanás nos adeptos das outras religiões e mais ainda nos
seus adeptos acusados com o hereges. Numerosas foram
as vítimas: pagãos da A n tig ü id a d e , cátaros, albingenses,
huguenotes, judeus, negros, indígenas das Am éricas e
tantos outros.
Os judeus, desde o século IV, sob a influência de alguns
escritos de certos pais da Igreja, e mais tarde durante o
período da cristandade, foram os que mais sofreram com
o mal o riu n d o da intolerância religiosa - uma vertente
cristã da diabolização. Eles foram violentam ente acusados
de serem os responsáveis pela m o rte de C risto . Isso até o
C oncílio Vaticano II, quando a Igreja Católica em 1965
numa tentativa hercúlea de se penitenciar aos olhos do

141
m undo pelo grande mal que fez aos judeus. Eles foram
im putados da mais terrível acusação que pode e xistir: a
de povo deicida. E carregaram este estigma p o r vários
séculos.
D ia n te da e xp o siçã o , uma coisa fica e v id e n te : a
diabolização é possível numa m icro ou macro situação. É
um recurso extremamente execrável que,aplicado a alguém
ou a qualquer cultura,deixa marcas inapagáveis. P ortanto,
que nunca mais venhamos colocar sobre os om bros de
alguma cultura, raça ou alguém a marca diabólico, pois
isto nos rem eteria a um passado que ainda estamos
tentando esquecer.

142
Bibliografia

ALBRIGHT, R. Estudo sobre o A n tig o


Testamento. Ed. América, SA.
CAMPOS, L. Silveira. Teatro, templo e
mercado. Ed. Vozes.
G O N D IM , Ricardo. O Evangelho da
nova era. Ed.Vida.
GOPELD, Hans. Teologia do Novo
Testamento. Ed. Vozes.
GREEN, Caren. Maldição hereditária.
Ed.Vida.
LINHARES, Jorge. Bênção e maldição.
Ed.Vida.
M ACALISTER, Roberto. Benção e
maldição. Ed. Carisma
H A G IN , Kenneth. O nome de Jesus.
Ed.Vida.
RODOVALHO, Robson. Quebrando as
maldições hereditárias. Ed.Vida.
L IM A , Paulo Cesar. Q u e b ra de
maldição — uma prática supersticiosa?
CPAD
Jornal Mensageiro da Paz/março/
2000 .
Jornal V inde/janeiro/1993
Fábio, Caio — Batalha Espiritual.
Ed. Vinde

143
Paulo Cesar Lima

0 que esta
por trás do

(ßqrptSo
aflg

ma nova unção. O verdadeiro método de cres­

U cimento da igreja em nossa geração. Grupos de


santos feitos por 12 pessoas, à semelhança dos
discípulos de Jesus. Essas são idéias defendidas por
pessoas que se envolveram nos chamados encontros
do G -12, as quais consideram-no como “tremendo”.
O que realmente está por trás desse movimento
chamado G -12: a edificação da igreja ou sua divisão
pelo divulgar de idéias erradas acerca do evangelho?
Neste livro, o Pr. Paulo Cesar Lima trata desse
modismo que tem dividido a opinião de verdadeiros
cristãos, além de alguns métodos usados por eles
como a regressão espiritual e o relembrar pecados
passados. O autor destaca ainda alguns modismos
recentes e também a necessidade que temos de co­
nhecer profundamente a Palavra de Deus, para que
não sejamos levados por ventos de doutrinas.

Autor
Ministro do Evangelho, conferencista,
doutor em teologia, secretário do
Conselho de Doutrina da CGADB,
professor de diversas matérias em
cursos de pós-graduação em teologia
e autor dos livros Os temas mais
dificeis da Bíblia, Dizimista, eu? e
Quebra de maldição: uma prática
supersticiosa, editados pela CPAD.

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