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BÍBLICA LOYOLA

Sob a responsabilidade da Faculdade de Teologia do CES,


Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus
Belo Horizonte — MG

1. Barbaglio, G., Fabris, R., Maggioni, B., Os Evangelhos I


2. Fabris, R. e Maggioni, B., Os Evangelhos II, 3“ ed.
3. Fabris, R., Os Atos dos Apóstolos
4. Fabris, R. e Barbaglio G., Cartas de Paulo I
5. Fabris, R. e Barbaglio G., Cartas de Paulo II
6. Fabris, R. e Barbaglio G., Cartas de Paulo III
7a. Vouga, F., A Carta de Tiago
7b. Thevissen, G. et al., As Cartas de Pedro, João e Judas
8. Prigent, R, O Apocalipse
9. Alonso Schökel, L., A Palavra inspirada
10. Gabel, J. B. e Wheeler, C. B., A Bíblia como literatura
11. Stadelmann, 1. L., Cântico dos Cânticos, 2a ed.
12. Egger, W., Metodologia do Novo Testamento
13.
14.
Léon-Dufour,
Léon-Dufour,
X.,Leiturado
X.,Leiturado
Evangelhosegundo João
Evangelhosegundo João
I
II
Entre os dois Testamentos
15. Léon-Dufour, X.,Leiturado Evangelhosegundo João III
16. Léon-Dufour, X.,Leiturado Evangelhosegundo João IV História e religião na época do Segundo Templo
17. Vermès, G., Jesus e o mundo do judaísmo
18.
19.
Freyne, S., A Galiléia, Jesus e os Evangelhos
Pesce, M., As duas fases da pregação de Paulo
Johann Maier
20. Overman, J. A., O Evangelho de Mateus e o judaísmo formativo
21. Fitzmyer, J. A., A Bíblia na Igreja
22. Schmidt, F., O Pensamento do Templo. De Jerusalém a Qumran
23. Berger, K., As formas literárias do Novo Testamento
24. Zuurmond, R., Procurais o Jesus histórico?
25. Vílchez Líndez, J., Sabedoria e sábios em Israel
26. Baumert, N., Mulher e Homem em Paulo
27. Schnelle, U , A evolução do pensamento paulino
28. Simian-Yofre, H. (org.), Metodologia do Antigo Testamento
29. Horsley, R. A. e Silbermann, N. A., A Mensagem e o Reino
30. Vogels, W., Abraão e sua lenda
31. Gradl, F. e Stendebach, F. J., Israel e seu Deus
32. Willi-Plein, I., Sacrifício e culto no Israel do Antigo Testamento
33. Theissen, G. e Merz, A., O Jesus histórico
34. Söding, T., A triade fé, esperança e amor em Paulo
35. Marguerat, D., A primeira história do cristianismo
36. Zenger, E. et alii, Introdução ao Antigo Testamento
37. Ska, J. L., Introdução à leitura do Pentateuco Tradução
38.
39.
Rendtorff, R., A “fórmula da aliança"
Gourgues, M., As parábolas de Jesus em Marcos e Mateus
Fredericus Stein
40. Sachot, M., A invenção do Cristo
41. Miller, John W., Origens da Biblia
42. Gourgues, M. e Talbot, M., Naquele Tempo
43. Schnelle, li., Introdução à exegese do Novo Testamento
44. Müller, U. B., A encarnação do Filho de Deus
45. Konings, J., Sinopse dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas e da Fonte Q
46. Maier, J., Entre os dois Testamentos. História e religião na época do Segundo Templo

Bdlçõos Loyola
Titulo Original:
Zwischen den Testamenten: G eschichte und Religion in der Z eit des zweiten Tempels
© 1990 Echter Verlag Würzburg
ISBN 3-429-01292-9

Sumário

P repara ção: Carlos Alberto Bárbaro


D ia g r a m a ç à o : So Wai Tam
R e v i s ã o : Maurício B. Leal
S u p e r v is ã o e x e g é t ic a : Johan Konings

P re fá c io ......................................................................................................... 11

1. I n tr o d u ç ã o ........................................................................................ 13
A . O QUE H Á “E NTR E” OS DOIS “TESTAM ENTOS”? ................................ 13
1. Canonização, cânon, canônico................................................. 13
2. Os fundamentos da revelação, segundo os rabinos................ 15
3. Apreciações pré-rabínicas......................................................... 18
4. Canonicidade e valor histórico.................................................. 22
5. Entre os dois testamentos, como partes da Bíblia cristã 22
Edições Loyola 6. A Torá em seus diversos mandamentos e proibições e
Rua 1822 n° 347 - Ipiranga em sua função teológica global................................................ 24
04216-000 São Paulo, SP
Caixa Postal 42.335 - 04218-970 - São Paulo, SP 7. “Um cânon dentro do cânon” .................................................... 24
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B. O PROBLEM A D A S “IN FLU ÊNC IAS EX T E R N A S”
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E SU A IM P O R T Â N C IA ..................................................................... 27
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Editorial: loyola@loyola.com.br 1. Pressupostos da história das teologias e das ideologias 27
Vendas: vendas@loyola.com.br 2. Conseqüências............................................................................ 31
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode 3. Influência irânica (persa/zoroástrica)....................................... 32
ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindofotocópia
4. Judaísmo e helenism o............................................................... 35
e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de
dados sem permissão escrita da Editora. C. O PERÍODO...................................................................................... 38
ISBN: 85-15-02739-9 1. A terminologia............................................................................ 38
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2005 2. Comunidade cultual ou Estado centrado no Tem plo? 40
Entre os dois Testamentos Introdução

7.3. “A té Jesus” ou “em direção ao Cristo”? mente, como motor da história, levar à salvação; se, portanto, a Torá deve ser
imposta, mesmo pela força, como ordem divina da vida e do mundo, como o
O cristianismo reivindicar uma salvação universal supõe que o particula-
“Reino de Deus”, isto é, como alternativa “messiânica” contra a tirania dos
rismo judaico ou israelita tem uma função positiva “em direção a Jesus Cris­
“gentios”. O cristianismo ofereceu como alternativa a mensagem do crucifi-
to”. Mudando-se isso em “até que Jesus chegou”, o tem vira teve, e ocorre um
cado-ressuscitado. Embora a cristandade, em suas manifestações organizatórias,
estreitamento, no sentido de uma rigorosa delimitação de períodos. No lugar
não poucas vezes tenha sucumbido à tentação do poder, a história prova que
da decisão individual da fé, temos então uma condenação coletiva, que abran­
aquela alternativa continuou a ser a preocupação central do cristianismo. E
ge todas as gerações da “sinagoga incrédula”, sendo o “Jesus histórico” ou o
tarefa da cristologia formular sempre essa realidade de tal maneira que ela
“judeu Jesus” o critério cronológico. Mas se Cristo, no sentido do apóstolo
possa se efetuar o mais plenamente possível, mas sem discriminação moral.
Paulo, se encontra naqueles que vivem “em Cristo” então isso exclui tal deli­
mitação no tempo, e o “velho” caminho salvífico da Torá ainda conduz ao
Cristo. Para Paulo, conseqüentemente, o Jesus histórico (“Cristo segundo a 7.4. “Entre os dois testam entos” — entre a “A n tiga” e a “Nova A liança”
carne”) não tinha grande importância teológica, desse ponto de vista. Ade­
mais, o apelo ao “Jesus histórico”, como argumento teologicamente decisivo, O estudo deste período sob o título “entre os dois testamentos” levaria a
fica submetido à avaliação histórico-filológica e, devido à situação das fontes, sérias dificuldades, inclusive teológicas, se por “testamentos” entendêssemos
permanece discutível como biografia científica. Hoje em dia, a desastrosa simplesmente as duas partes da Bíblia escrita. Para a consciência teológico-
história da relação entre o cristianismo e o judaísmo às vezes é imputada uni- soteriológica, seja judaica, seja cristã, o “Antigo Testamento”, como funda­
lateralmente à cristologia eclesiástica, sendo essa então mais ou menos aban­ mento da fé, não pode ser definido nem pela redação de suas últimas partes,
donada, para se realçar “o judeu Jesus”, mas com isso não se ganha uma base nem pela coleção de todas as suas partes, nem pela data de sua canonização
teologicamente mais confiável. Pelo contrário, o que resulta é uma variante do como um todo. Por um lado, foi e é decisiva a avaliação do conjunto do AT
dilema da teologia protestante liberal dos séculos XIX e XX, que na “perso­ como revelação do Sinai, como “Torá”, e, por outro, a avaliação do NT como
nalidade moral” de Jesus via o sublime exemplo de sua própria religiosidade “Nova Aliança”, no sentido das palavras da instituição da Eucaristia. Nesta
ou ética, devendo modelar uma “vida de Jesus” de acordo, pondo-o em con­ perspectiva, a atribuição de um texto a um dos testamentos (Alianças) não
traste com seu ambiente. Em conseqüência disso, porém, tal teologia foi re­ depende da datação de tal texto, e sim, teologicamente, da fé no que aconteceu
provada pela Leben-Jesu-Forschung (pesquisas sobre a vida de Jesus). Se hoje no Sinai e no Gólgota.
é tentada, às vezes, uma apreciação contrária, acentuando-se o fato de Jesus
ter sido um judeu, em detrimento da cristologia, isso não contorna o problema.
De um lado, o critério decisivo seria, então, a questão se o conteúdo da dou­ B. O PROBLEMA DAS “INFLUÊNCIAS EXTERNAS” E SUA IMPORTÂNCIA
trina de Jesus pode ser demonstrado, e isso o método histórico-filológico não
faz satisfatoriamente. De outro lado, ficaria aberta a questão: “Em que consis­ 1. Pressupostos da história das teologias e das ideologias
tiu, então, o conteúdo próprio da pregação cristã?”
1.1. A “originalidade” da “essência”
Todavia, o anúncio do “Jesus histórico” como “o judeu Jesus” correspon­
de a uma preocupação teológica fundamental do cristianismo; na Antiguidade No século XIX e no início do século XX, não raro as origens primordiais
servia como defesa contra o docetismo e contra a gnose; nos tempos moder­ de grupos inteiros eram consideradas o estágio decisivo de sua história. Jul-
nos, como remédio contra o racismo. Dando-se-lhe, porém, um valor absolu­ gava-se, então, que a “essência”24 da religião israelita ou do cristianismo
to, como a um “cânon dentro do cânon”, isso toma-se um problema teológico, poderia ser reconstruída, em sua forma mais “pura”, pela pesquisa de seus
porque aí não se enxerga mais a cristologia. Escamoteia-se, então, que o cris­
tianismo primitivo queria, com sua cristologia, dar uma solução para o proble­ 24. H. Wagenhammer, Das Wesen des Christentums, Tübingen, 1986 (para a história do conceito);
ma fundamental do judaísmo: se o fato de Israel cumprir a Torá podia real­ cf., para o âmbito judaico, D. Baile, Gershom Scholem, Cambridge/Mass., 1979, 79ss.

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Entre os dois Testamentos Introdução

períodos mais remotos, e que nessa base mudanças posterioros, e especial­ ponde ao período do NT canonizado, e a ela se segue ainda o tempo dos “Pa­
mente influências externas, poderiam ser constatadas e avaliadas. A investi­ dres da Igreja”, considerado um grupo de autores com dignidade especial.
gação de tais influências serviria, pois, para trazer à luz a suposta “essência”,
em sua forma mais “pura”, e dava-se, assim, uma grande importância teoló­
gica e histórica aos esforços por verificar de onde tudo viera25. Os pressupos­ 1.3. “Canônico” e “clássico”
tos para esse modo de ver costumam ser bem complexos e, além disso, em Na época da reforma protestante, o esforço para se basear na Bíblia como
parte contraditórios. sendo “a Revelação” combinou-se com o lema humanista da “volta às fontes”.
Os humanistas, porém, valorizavam essas fontes não simplesmente por sua
1.2. A s provas de antiguidade como referência aos documentos originais da antiguidade, mas sobretudo em razão de sua suposta qualidade “clássica”, como
Revelação produtos de supremo valor cultural.

Numa religião que se diz revelada, com base escrita e por conseguinte
também até certo ponto datada (“Sagrada Escritura”), existe naturalmente a 1.4. A f é no progresso e na evolução
necessidade de referência constante à sua base autoritativa. Para o judaísmo, Em direção oposta apontava a fé moderna no progresso e na evolução,
isso significa antes de mais nada uma referência à Torá, à revelação do Sinai, incluindo uma decidida depreciação do velho e do “primitivo”, e dando um
como sendo a expressão, desde então para sempre válida, da vontade de Deus. valor mais alto ao historicamente mais recente. Na medida em que a teologia
Revelações posteriores, como aquelas dadas por intermédio dos profetas, são de fundo protestante foi partidária dessa fé moderna no progresso, podia-se
subordinadas a essa Revelação mais antiga, mais fundamental; em conseqüên­ apresentar o protestantismo como progresso em comparação com o catolicis­
cia disso, compete à prova da antiguidade uma importância preferencial. A mo. Mas, ao mesmo tempo, a autoridade do cânon bíblico devia ser salvaguar­
época da redação como critério para se verificar a autoridade de um escrito dada contra o veredicto de ser historicamente ultrapassada. Para isso, então,
como Revelação teve também certa influência no judaísmo rabínico, com re­ alegava-se que se tratava dos fundamentos da Revelação, e aplicava-se o lema
lação aos Hagiógrafos: aos últimos profetas do tempo pós-exílico teria segui­ humanista da “volta às fontes”. Dessa maneira era possível citar a Bíblia, es­
do um período sem inspiração profética comparável. pecialmente os profetas, em defesa das próprias idéias “modernas”, apresen­
O cristianismo e o islamismo, embora adotando em princípio a base judai­ tando entretanto o NT como “progresso” em comparação com o AT, e o
ca da revelação, avaliaram-na diferentemente e além disso de duas maneiras cristianismo como “progresso” em comparação com o judaísmo.
totalmente divergentes entre si. Ademais, partem de uma convicção oposta à
judaica, pois atribuem à sua própria revelação, que é mais recente (NT, Alco­
1.5. Elementos de racismo
rão), uma importância superior, que encerra e ultrapassa a revelação antiga e
em parte a revoga. As duas religiões filhas do judaísmo consideram o momen­ Os documentos da Revelação eram considerados normativos por ser “canô­
to de sua própria revelação a grande virada na história da salvação, e a partir nicos”; as “fontes”, tão valorizadas pelos humanistas, o eram por ser “clás­
daí tudo é avaliado e em certo sentido invertido. Para o tempo anterior à sua sicas”. De outra natureza são as idéias modernas, pseudocientíficas, que partem
própria revelação, fazem valer diante dos pagãos o argumento da antiguidade; igualmente de uma “originalidade” da “essência” das coisas nos primórdios
diante do judaísmo, porém, tal argumento é suprimido: valoriza-se mais o que históricos (1.1) e supõem uma progressiva decadência e a contínua deteriora­
está mais perto de Cristo (ou de Maomé). Para si mesmos alegam novamente ção desse caráter peculiar original, mas agora em combinação com uma su­
o argumento da antiguidade, atribuindo maior autoridade às suas tradições posta pureza original de tal caráter em raças de origem “pura”, possuidoras de
mais antigas, contra as inovações. No cristianismo, a “era apostólica” corres­ um modo de pensar, sentir, reagir etc. ligado à sua raça ou à sua índole.
A contaminação dos pressupostos de 1.1-4 com essa ideologia do “original”
25. J. Barr, The Question o f Religious Influence, in: JARR 53, 1985, 201-235. como sendo o autêntico, o genuíno, o verdadeiro, o certo, o puro, em
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Entre os dois Testamentos Introdução

contraste com o falsificado por “sincretismos” e, afinal, pela mistura racial, mo assim, dedicou-se durante muito tempo mais espaço ao tempo das origens,
foi um dos processos mais perniciosos dos séculos XIX e XX. Com relação ao supostamente o tempo ideal, do que à história de Israel durante e após o cati­
judaísmo, foi decisivo ter surgido a idéia de uma diferenciação fundamental veiro, em que, no entanto, o AT em sua forma atual realmente foi composto.
entre “semitas” e arianos. Houve duas tendências paralelas: uma procurava a Além disso, a suposição de que o javismo “original”, “nomádico” teria
distinção e a separação das “raças” no sentido de uma “purificação” que se sido falsificado pelas influências do ambiente na terra cultivada encontrou um
supunha uma necessidade da natureza, de acordo com a Criação; a segunda maciço apoio bíblico numa correspondente interpretação das polêmicas dos
presumia também desigualdades fundamentais de valor. A ponte entre as duas profetas contra os cultos estranhos. Em todos os julgamentos desse tipo, po­
tendências foi a necessidade, às vezes afirmada, de se desfazer essa evolução rém, ocorreu uma redução dos critérios, no sentido do “fenômeno do cânon
defeituosa da mistura racial. dentro do cânon”, que abriu as portas para critérios ideológicos — como hoje
Finalmente, a perniciosa ideologia apresentou-se também numa forma apa­ a vaga noção de “identidade”.
rentemente simpática, por exemplo (em combinação com os ideais herdados do Os resultados dessa infiltração ideológica não foram uniformes, mas de
humanismo) como um entusiasmo por tudo quanto é “helénico”, escondendo- uma maneira ou de outra quase todos os pressupostos acima mencionados se
se atrás da solidariedade política com a luta grega por liberdade e independên­ fizeram sentir. Jesus e o cristianismo podiam ser apresentados ora como su­
cia. Os termos “helenismo” e “parsismo”, portanto, disfarçavam não raramente peração do antigo, no sentido das idéias do progresso, ora como o ressurgimen­
o sentido ideológico de “arianos”, com correspondente avaliação negativa do to do autêntico, do original. Em todo caso, o judaísmo antigo sofreu uma ava­
“semítico”, visto como representado pelo judaísmo — enquanto uma espécie liação negativa, de forma alguma fundamentada apenas teologicamente (isto é,
de romantismo orientalista podia muito bem correr paralelamente a isso. com relação à questão do verdadeiro caminho de salvação: a Torá ou o Cristo).

1.6. Conseqüências para a história da teologia 2. Conseqüências


Foi sobretudo em conseqüência de adaptações dessa ideologia feitas pela Subestimou-se a periculosidade das misturas, acima descritas, do pen­
“teologia da Criação” que a teologia e as Igrejas não tiveram mentalidade samento teológico com tendências ideológicas, e isso teve no século XX con­
suficientemente crítica para poderem rejeitar univocamente as tendências ra­ seqüências fatais. O fato de o senso crítico diante desses perigos não ter po­
cistas. Por isso, elementos daquela ideologia penetraram também na avaliação dido tornar-se realmente eficaz deve-se em boa parte à enorme influência que
teológica do judaísmo antigo e, pela mistura com idéias cristãs tradicionais, essas mesmas suposições ideológicas, e teologicamente alienadas, exerceram
não puderam mais ser reconhecidas por qualquer um, sem mais nem menos, sobre a historiografia dos séculos XIX e XX26.
como acristãs ou anticristãs. As graduações dessa infiltração foram muito sutis
Ao se eliminar os mencionados pressupostos ideologicamente fundados,
e muitas vezes o perigo foi quase imperceptível. Por exemplo, quando na ciên­
a questão das influências estranhas se reduz automaticamente a um problema
cia do AT a religião dos primórdios de Israel era descrita como a fase do
de menor peso, tanto para a história das religiões como para a teologia. E o
javismo genuíno, ainda não deformado pelos cultos cananeus (pela religião
princípio da canonicidade aparece então como um instrumento crítico no tra­
dos sedentários) e pela realeza, o fundo ideológico não era facilmente percep­
balho teológico. Porém, seria falta de realismo considerarmos o conteúdo dos
tível, porque estava em jogo também o lugar atribuído, no cânon, à revelação
escritos canônicos, por si só, base suficiente para uma história da religião
do Sinai e até à dos patriarcas. Entretanto, freqüentemente a opinião de que a
judaica, supondo que a imagem do Israel antigo, ou do judaísmo, apresentada
fé javista “original” podia ser encontrada na época em que Israel ainda não era
um Estado supunha de fato a teoria acima mencionada a respeito do original,
26. G. G. Iggers, Deutsche Geschichtswissenschaft. Eine Kritik der traditionellen Geschicht­
do primitivo como sendo o “autêntico”, o não alterado. A pesquisa da história sauffassung von Herder bis zur Gegenwart, M ünchen, 1971; H. Liebeschütz, Das Judentum im
das religiões, pelo contrário, constatou que foi somente durante e após o exílio deutschen Geschichtsbild von Hegel bis Max Weber, Tübingen, 1967; L. Perlitt, Vatke und Wellhausen,
que a religião de Javé chegou à sua forma mais livre de compromissos. Mes­ Berlin, 1965.

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Entre os dois Testamentos Introdução

nos textos canonizados pudesse revelar cabalmente a realidade daquele tempo. neste período aparecem como discussões com reis da Babilônia. Se é que houve
A escolha canonizada não visava mesmo transformar a realidade inteira em alguma assimilação, dificilmente provocaria resistência, já que a religião dos
conteúdo de tradição. Seria, pois, um engano se adotássemos essas tradições novos soberanos se destacou positivamente dos cultos ligados a imagens. Às
canonizadas como único critério do ponto de vista da história das religiões, vezes, coloca-se até a pergunta oposta: Quanto deve a religião iraniana a uma
declarando “estranho” todo o resto. eventual influência judaica? Qualquer que seja a resposta, as possibilidades
A noção de canonicidade, como dizíamos, tem uma função integrante, da práticas de contatos mais íntimos com a cultura da camada mais alta dos con­
qual resulta, também na questão das influências estranhas, uma certa liber­ quistadores persas eram bastante limitadas, na Babilônia, por causa da estru­
dade, que nos dispensa do trabalho de selecionar o mais valioso, já que se tra­ tura estatal e social do reino e, do lado judaico, porque eram pequenos os
ta de entender um texto como expressão adequada da mensagem bíblica, e não círculos dos que tiveram relacionamentos mais estreitos com a camada reinan­
de investigar o que é “original” e o que é posterior. Relativiza-se, pois, a im­ te. Isso pode ter sido importante para as idéias religiosas em semelhantes cír­
culos, mas é difícil admitir uma influência mais ampla. É provável uma in­
portância das “influências estranhas” para a teologia dos textos canônicos,
fluência a longo prazo, no sentido de uma aplicação teologicamente atualizan-
mas continua a existir a tarefa de esclarecer sua importância concreta na his­
tória das religiões. Via de regra, simplesmente afirmar ou negar as influências te de tais idéias adotadas, numa situação posterior de conflito, como realmente
aconteceu na época helenista. Se isso, então, pôde exercer uma influência mais
não reflete a complexa realidade histórica.
ampla, foi porque havia muito tempo essas coisas “estranhas” já eram experi­
mentadas como fazendo parte não discutida da tradição própria. Aliás, de modo
3. Influência irânica (persa/zoroástrica) geral semelhantes adaptações ocorrem somente quando uma predisposição
correspondente já está de fato ancorada no imaginário próprio.
A . Hultgard, Das Judentum in der hellenistisch-röm ischen Zeit und die iranische Re­
ligion — ein religionsgeschichtliches Problem, A N R W W , 19/1, Berlin, 1979, 512- Mas não devia o judaísmo babilónico apresentar traços bem claros de
590. — F. K önig, Zarathustras Jenseitsvorstellungen und d a s A lte Testament, W ien, influência iraniana? Um olhar para o período posterior, talmúdico, nos dá uma
1964. — K. G. Kuhn, D ie Sektenschrift und die iranische R eligion, ZTK 49, 1952, imagem surpreendente28. No decurso de um milênio inteiro a influência ira­
296-316. — S. Shaked (org.), frano — Judaica. Studies R elatin g to Jewish C ontacts
niana não chegou a ser mais forte do que a helenística! E geralmente a in­
with Persian Culture Throughout th e A g e s, Jerusalem, 1982. — id., Iranian Influence
on Judaism: First Century B. C. to Second Century C. E., The C am bridge H isto ry o f fluência iraniana parece ter sido eficaz sobretudo quando intermediada pelo
Judaism 1 , 1 9 8 4 ,3 0 8 -3 2 5 . — G. W idengren, Iran and Israel in ParthianTimes Special helenismo29, e por isso principalmente no judaísmo palestinense dos séculos
Regard to the Ethiopic B ook o f Enoch, Temenos 2, 1 9 6 6 ,1 3 9 -1 7 7 . — D. W inston, The II-I a.C. Em última análise, não se tratava mais de influência, e sim de formas
Iranian C om ponent in the B ible, Apocrypha, and Qumran, HR 5, 1966, 183-216.
extremas de auto-representação por meios que anteriormente já se tinham con­
cretizado, não necessariamente de modo exclusivo, por um encontro com idéias
3.1. Pressupostos iranianas helenisticamente intermediadas. Na situação de crise, elas foram
utilizadas de maneira tanto especulativa como militante, e ganharam uma
A datação dos testemunhos literários a respeito da religião persa ou zo- qualidade nova, isto é, como componentes de uma nova imagem judaica do
roástrica27 tem nos colocado diante de sérios enigmas, o que tem dificultado mundo e da história.
consideravelmente a resposta às perguntas acerca de eventuais influências sobre
a religião israelita-judaica. A primeira grande potência pós-exílica, o império
persa, não praticou nenhuma política religiosa ofensiva; não houve, pois, muito
ensejo para conflitos religiosos. Os conflitos religiosos tratados literariamente
28. J. Neusner, Jews and Judaism under Iranian Rule, HR 8, 1968, 159-177.
29. C. Colpe, Irans Anteil an Entstehung und Ausgang des antiken Synkretismus. Zum Stand der
27. Para orientação: G. Lanczkowski, Iranische Religion, TER 16, 1987, 258; J. Boyce, Zoroas- Forschung, in: K.-W. Träger, Altes Testament — Frühjudentum — Gnosis, Berlin 1980, 327-343. Cf.
trians. Their Religious Beliefs and Practices, London, 19842; id., A History o f Zorastrianism, I-II, também as instrutivas observações sobre o “cântico da pérola” (geralmente caracterizada como iraniana)
Leiden, 1975/1982 (Handbuch der Orientalistik Abt. 1, VIII, Fase. 2, 2A). dos Atos de Tomé de R. Merkelbach, Roman und Mysterium in der Antike, München, 1962, 299ss.

32 33
Entre os dois Testamentos Introdução

3.2. Escatologia e apocalíptica É digno de nota observar que ainda levaria muito tempo até esse dualismo
ganhar no judaísmo uma representação sobre-humana. Também não foi no
Muitas vezes atribui-se a uma influência iraniana que a imagem linear,
sentido de duas instâncias divinas com funções opostas, e sim num nível mais
deuteronomista, da história tenha acabado por levar à idéia de uma reviravol­
baixo (anjos e demônios) e no começo de maneira nada unívoca: Mastema,
ta escatológica e de um fim catastrófico deste mundo como condição prévia
Belial, Satanás ganharam apenas paulatinamente seu perfil de “Diabo”. Os
para a era da salvação. Mas foi exatamente nesse caso que foram decisivos
significados mais antigos dessas denominações ficam na esfera de relações
tanto os pressupostos internos do judaísmo como a própria situação de crise
inter-humanas e conflitos sociais. O Satanás do prólogo de Jó, porém, já foi
em que se chegou com a elaboração dessas idéias “apocalípticas” . Aliás, a
um bom começo. A origem do mal era sentida como um problema, mas textos
história das origens da chamada “apocalíptica” (v. infra) parece basear-se em
de teor ontológico só aparecem tardiamente. A forma mais crassa de dualismo
outros antecedentes.
judaico — mesmo assim ainda apenas ético — encontra-se em alguns textos
de Qumran do século I a.C., provenientes de um ambiente em que o contras­
3.3. Dualismo30 te de grupos dentro do judaísmo e os ressentimentos antagônicos se expressa­
ram de maneira mais veemente.
As definições do que seja dualismo partem de modelos que geralmente só
podem ser apontados na história das religiões como pontos finais de evolu­
ções, ou que são apenas postulados. Isso levou a avaliações contraditórias do 3.4. Anjos e demônios
suposto dualismo no judaísmo, e os pressupostos intrajudaicos têm recebido
Foi exatamente com relação às idéias sobre anjos e demônios que já houve
interpretações bem divergentes. Sem dúvida, houve uma base, pois a religião
uma tendência de atribuí-las a influências persas. Hoje, porém, sabemos que
do antigo Israel, na forma em que é representada pela escolha de tradições
esteve em jogo também uma herança siro-cananéia. Também o cenário das
posteriormente canonizadas, apresenta traços militantes. Cioso, o Deus de Israel
cortes ajudou a moldar as fantasias a respeito de Deus e do mundo celeste, e
exige a monolatria; só ele pode ser adorado; ele reivindica seus direitos; outros
a corte persa, com seu cerimonial característico, deve ter fornecido elementos
cultos são castigados. Durante e após o exílio, com a formulação explícita da
decisivos. Mas aí não se trata propriamente de influências da religião, mas
exigência monoteísta, a tendência à intolerância, sem alternativas, reforçou-se
antes de experiências concretas na corte, como atestadas, por exemplo, no
ainda mais e chegou a ter dimensões universais. Também nas sentenças do
Livro de Ester. A crescente demonização da história e da Criação já é mais
Deuteronômio e da escola deuteronomista, que tanto dominaram a história de
notável. Todavia, a evolução dentro do judaísmo, como já observamos tam­
Israel, encontram-se pressupostos fundamentais para elementos dualistas: à
bém com relação ao dualismo, não partiu, a bem dizer, de uma posição irani­
alternativa “obediência/desobediência” correspondem antíteses como “vida e
ana; ela foi antes ao encontro de posições do tipo iraniano.
morte”, “bênção e maldição”, “prosperidade e perdição”, e isso tanto no des­
tino do indivíduo como no curso da natureza e na sorte da coletividade dos
eleitos. A metáfora corriqueira de “luz e trevas” pertence igualmente a esse 4. Judaísmo e helenismo
quadro. Aliás, também o ambiente helenístico tinha esse colorido dualista,
M. H en gel, Judentum und H ellen ism u s, T übingen, 1969 (1 9 8 8 3). — id., Juden,
correspondente a uma tendência da época31.
G riechen und B arbaren, Stuttgart, 1976. — O. Kaiser, Judentum und H ellenism us,
VF 27, 1982, 68-88.
30. Para orientação: G. Lanczkowski, Dualismus, TER 9, 1982, 199-202; R. Bergmeier, Glaube
als Gabe nach Johannes, Stuttgart, 1980, 48 ss.; E. Brandenburger, Fleisch und Geist, Neukirchen, Com a conquista do Oriente por Alexandre Magno, começou na história
1968; H. Kloss, Gnostizismus und "Erkenntnispfad”, Leiden, 1983; P. von der Osten-Sacken, Gott
judaica uma época claramente delimitável, não apenas política mas também
und Belial, Göttingen, 1968.
31. P. F. M. Fontaine, The Light and the Dark. A Cultural History o f Dualism. I-III, Leiden, culturalmente. Com a conquista árabe no século VII d.C., esse período termi­
1986-1988. nou, mas mesmo depois ainda fez sentir seus efeitos. O judaísmo foi um dos

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Entre os dois Testamentos Introdução

poucos grupos que passaram para a Idade Média com suas antigas tradições também a disposição para ter contato, além do inevitável, com o grego como
intatas. Com a redescoberta da “Antiguidade clássica”, no decurso da renas­ modo de viver e como cultura, ou até mesmo como língua.
cença árabe-judaica, ele foi confrontado novamente com a herança grega, e Nas avaliações da relação entre o helenismo e o judaísmo encontram-
desta vez de uma maneira intelectualmente ainda mais importante. se freqüentemente suposições ideológicas que, quase todas, se pode demons­
O encontro cultural com os inícios do helenismo, e de um modo geral trar serem componentes duvidosas da problemática acima descrita do “cânon
toda a helenização do Oriente, começou antes da conquista do Oriente por dentro do cânon” (1.5). Muitas vezes tem-se partido da suposição de uma
Alexandre Magno. Esse processo não foi unilateral, não foi unicamente uma religião javista “original”, de acordo com os escritos canônicos do AT, postu-
assimilação ao que era grego. O fenômeno cultural do “helenismo” sincré- lando-se então uma oposição fundamental ao “grego”, entendido sobretudo
tico resulta antes de uma paulatina compenetração dos diversos fatores re­ como filosofia grega32. Isso, pois, corresponde amplamente ao chavão que
gionais, de modo que o período persa em muitos setores já apresenta as estabelecia um contraste fundamental entre “semitas” e “arianos”. Às vezes,
características do chamado “helenismo”, isto é, daquela tendência interna­ entretanto, inverteram-se as avaliações, e o “hebraico” aparecia como positi­
cional que em todo o mundo antigo, e especialmente no Oriente, deu um vo, o “grego” como negativo. É grande a tentação de aproveitar isso teologi­
novo cunho grego, de alcance mais ou menos profundo, às tradicionais cul­ camente, pois tal procedimento parece favorecer o conhecimento do conteúdo
turas, civilizações e estruturas sociais, mas em grande parte deu continuida­ “puro”, “original” da Revelação. Além disso, essa avaliação pode parecer ne­
de no que tange ao conteúdo. cessária e acertada, exatamente como reação à depreciação racista do “semí­
A situação conflituosa sob Antíoco IV Epífanes impressionou de tal maneira tico”. Quanto à relação entre o cristianismo e o judaísmo, resulta ainda o ponto
a literatura teológica que parecia ter existido uma posição fundamental contra de vista segundo o qual a helenização do cristianismo33 pode ser classificada
o judaísmo. Todavia, nada prova que tenha havido inicialmente no judaísmo como evolução malograda, a fim de sublinhar a continuidade entre a Antiga
uma atitude de resistência contra o helenismo (no sentido acima descrito). Aliança e a Nova. Poucos percebem que aí também se trata, no fundo, de um
Também politicamente não houve no começo qualquer motivo para conflitos, clichê, porém invertido.
pois os soberanos helenistas respeitavam o status quo do fim da época persa, Será que se pode provar, mesmo, a existência de diferenças estruturais
e foi exatamente nesse tempo que os privilégios judaicos lograram as primei­ tão fundamentais que se deva postular que a língua hebraica reflete um modo
ras definições de que fala a tradição. Houve motivos para conflitos onde esses de pensar especificamente hebraico, totalmente distinto do grego? A ten­
privilégios não conseguiram garantir uma convivência e uma colaboração sem dência a semelhantes teorias está amplamente difundida na teologia34. As
atritos com os demais. Esse foi o caso sobretudo em que os direitos dos cidadãos diferenças postuladas, no entanto, são em grande parte conclusões tiradas
de uma polis e os privilégios judaicos entraram em choque; por essa razão, as de testemunhos inadequados quanto a linguagem e conteúdo. Sua base filo­
normas para o relacionamento entre judeus e não-judeus ficaram controverti­ lógica está longe de ser sólida, pois não se consideram suficientemente os
das. Neste quadro, também aspectos religiosos e cultuais estiveram em jogo, dados da história das línguas, nem os critérios literários, nem as diferenças
os quais deviam levar a uma confrontação entre helenismo e judaísmo, inde­ de nível cultural.
pendentemente do grau em que o helenismo já se tivesse realizado como cultura Com base em suposições ideológicas semelhantes, gostava-se antigamen­
e civilização. Bem diferentes da religião dos soberanos persas, os cultos hele- te de estabelecer uma divisão rigorosa entre o judaísmo “palestinense” e um
nísticos apresentavam-se ostensivamente ligados a imagens; para judeus, portan­ judaísmo “helenístico”. Em contrapartida, M. Hengel tentou desfazer esse
to, uma patente idolatria, o que repercutiu sobre a avaliação da arte e da cul­
tura pelos judeus, confrontados com isso. Isso esclarece um dos pressupostos 32. J. Hessen, Platonismus und Prophetismus. D ie antike und biblische G eistesw elt in
mais importantes para a situação conflituosa posterior. O volume de cultura e strukturvergleichender Betrachtung, München, 1939 (19552).
civilização helenizantes que pode ser demonstrado ter existido não reflete de 33. J. Hessen, Griechische oder biblische Theologie?, München/Basel, 19622.
34. Th. Boman, Das hebräische Denken im Vergleich mit dem grieschischen, Göttingen, 19837.
forma alguma a real atitude dos judeus diante do “grego” como novo símbolo Na quinta edição apareceu uma discussão com uma minuciosa crítica dessa posição por J. Barr, além
de idolatria, e quando essa atitude era suficientemente negativa reduzia-se de um ensaio sobre “Linguagem e pensamento”.

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Entre os dois Testamentos Introdução

contraste, mostrando o mais possível que também o judaísmo palestinense foi do-se tudo o que é posterior como “pós-exílico”, ainda mais porque a época do
helenizado; nessa forma, porém, a tese foi criticada35. domínio persa era considerada o último período pertencente àquela disciplina.
Evidentemente, não é possível dar uma definição unívoca da relação entre Porém, o termo, em si neutro, “pós-exílico” ganhou conotações negativas,
o judaísmo e o helenismo. É preciso julgar de acordo com cada época e cada porquanto a avaliação acima descrita do tempo anterior como o período da fé
lugar. E, como no caso da questão da influência iraniana, vale também aqui j avista “original” estabeleceu para o tempo posterior o veredicto da decadên­
que uma simples alternativa não corresponde à realidade, pois conforme a cia, sendo que por “pós-exílico” entendia-se toda a história judaica após o
situação foi exatamente nesta época que o judaísmo teve de afirmar-se de ma­ exílio. Quanto a isso, é instrutivo o tratamento dado ao período pós-exílico nos
neira “helenística”. Mas, em casos extremos e de conflitos, tentou às vezes estudos sobre a “história de Israel” e a “história da religião israelita”, bem
afirmar-se também contra tudo o que era grego, sendo que conflitos internos como nas “teologias do AT”; isso tanto pelo volume desses estudos como pelo
sempre desempenharam também algum papel. período tratado, e por seu conteúdo. Foi somente nestes últimos decênios que
se iniciou aí uma mudança perceptível.
De qualquer maneira, porém, existiram e existem motivos reais, baseados
C. O PERÍODO em argumentos sérios, para uma nítida distinção entre o Israel de antes e o de
depois do exílio. Durante e após o exílio nasceram coisas tão decisivamente
Para a bibliografia: certas exp osições da história e da religião do Israel A ntigo vão
além do período persa (M. A . Beek; M. Claus, A. H. J. Gunneweg; J. A . H ayes - J. M.
novas36, que neste contexto já se falou muitas vezes (mesmo sem intenção de
Miller; S. Herrmann; H. Ringgren; J. A. Soggin). pronunciar um julgamento sobre o valor) da “origem do judaísmo”37. A distin­
Para introdução: B. R eicke, N eutestam entliche Zeitgeschichte. D ie biblisch e Welt 500 ção, pois, entre a “antiga religião de Israel” e a “religião judaica” tem sentido,
v. - 1 0 0 n.Chr., Berlin, 19823. — J. Maier, G rundzüge d e r G eschichte d es Judentum s sem dúvida nenhuma. Nisso o termo “judaísmo” substituiu simplesmente “pós-
im A ltertum , Darmstadt, 19892. — S. Saffai, D a s jü d isch e Volk im Z eitalter des Zweiten exílico”, de modo que “judaísmo primitivo” acabou por indicar o tempo persa,
Tempels, Neukirchen, 1978. — G. Strecker - J. Maier, N eu es Testam ent — Antikes
e “judaísmo tardio” o período helenístico-romano, tendo o judaísmo rabínico
Judentum , Stuttgart, 1988.
como eco. Isso, porém, significa uma avaliação negativa, na teologia da histó­
Para aprofundamento: M. Avi-Yonah, Z. Barash (orgs.), S o ciety a n d R eligion in the
Second Temple P eriod, Jerusalem, 1977 (World History o f the Jewish People 1/8). —
ria38, de toda a história posterior do judaísmo, pois essa, a não ser nas discus­
R. L. Cate, A H isto ry o f the B ible L ands in the In terbiblical Period, N ashville, 1989. sões teológicas, polêmicas, contra a “sinagoga”, sumiu da perspectiva do in­
— D. E. Gowan, B rid g e betw een the Testaments, Pittsburgh, 1976. — W. S. Green teresse teológico.
(org.), A p p ro a ch es to A n cien t J u daism , 5 v o ls., M issou la 19 7 8 -1 9 8 5 . — W. S.
Para isso contribuiu também um interesse preferencial (em si muito justo)
M cCullough, The H isto ry a n d L iterature o f the Palestinian J ew s fro m Cyrus to H erod,
Toronto, 19722. — P. Sacchi, Storia d e l mondo giu daico, Torino, 1976. — J. Weingreen, das ciências do NT por este período, por se tratar — pelo menos quanto ao
From B ible to M ishna. The C ontinuity o f Tradition, M anchester, 1976. — H. Zucker, tempo helenístico-romano — do terreno da chamada “história da época do
Studien zu r jü disch en S elbstverw altu n g in d e r Antike, Berlin, 1936. NT”. Nos séculos XIX e XX, especialmente devido à “escola da história das
religiões”39, alcançaram-se consideráveis resultados; por outro lado, o produto
1. A terminologia teológico desses trabalhos da história das religiões deixou uma impressão de
• ambigüidade. Uma das causas disso está no próprio papel da história das
Com o título Entre os dois testamentos designamos conscientemente uma
problemática especificamente cristã, que se manifesta também nos demais ter­ 36. N. P. Lemche, Ancient Israel. A New History o f Israelite Society, Sheffield, 1988.
mos que costumam ser usados para indicar esse período. Para os estudiosos do 37. Uma vívida discussão sobre isso se seguiu ao estudo de E. Meyer, Die Entstehung des Ju­
AT, era óbvio ver o exílio babilónico como uma espécie de guinada, etiquetan- dentums, Halle, 1896 (reimpressão em 1965); cf. também C. Hoffman, Juden und Judentum im Werk
deutscher Althistoriker des 19. und 20. Jahrhunderts, Leiden, 1988.
38. Cf. a esse respeito K. Müller, Das Judentum in der religionsgeschichtlichen Arbeit am Neuen
35. Ver sobretudo L. H. Feldman, Hengel’s Judaism and Hellenism in Retrospect, JBL 96, 1977, Testament, Frankfurt/Bern, 1983, 102ss.
371-382; id., How much Hellenism in Jewish Palestine?, HUCA 57, 1986, 83-111. 39. C. Colpe, Die religionsgeschichtliche Schule, Göttingen, 1961.

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