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História da Infância e

Multiculturalismo
Professora Mestra Maria Helena Azevedo
Professora Mestra Laís Azevedo Fialho
Diretor Geral
Gilmar de Oliveira

Diretor de Ensino e Pós-graduação


Daniel de Lima

Diretor Administrativo
Eduardo Santini

Coordenador NEAD - Núcleo


de Educação a Distância
Jorge Van Dal

Coordenador do Núcleo de Pesquisa


Victor Biazon
UNIFATECIE Unidade 1
Rua Getúlio Vargas, 333,
Secretário Acadêmico Centro, Paranavaí-PR
Tiago Pereira da Silva (44) 3045 9898

Projeto Gráfico e Editoração UNIFATECIE Unidade 2


André Dudatt Rua Candido Berthier
Fortes, 2177, Centro
Revisão Textual Paranavaí-PR
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UNIFATECIE Unidade 3
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UNIFATECIE Unidade 4
FICHA CATALOGRÁFICA BR-376 , km 102,
FACULDADE DE TECNOLOGIA E Saída para Nova Londrina
CIÊNCIAS DO NORTE DO PARANÁ. Paranavaí-PR
Núcleo de Educação a Distância; (44) 3045 9898
FIALHO, L. A.
AZEVEDO, Maria Helena.

www.fatecie.edu.br
História da Infância e Multiculturalismo.
Maria Helena Azevedo Ferreira
Laís Azevedo Fialho.
Paranavaí - PR.: Fatecie, 2020. 102 p. As imagens utilizadas neste
livro foram obtidas a partir
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária do site ShutterStock
Zineide Pereira dos Santos.
AUTORES

Professora Ma. Maria Helena Azevedo Ferreira

● Mestra em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).


● Licenciada em História pela Universidade Estadual de Maringá.

Desenvolveu pesquisa em História das Ideias e Crenças. Já atuou na área da


educação como professora orientadora em cursos lato-sensu da Unicesumar. Possui expe-
riência em faculdades públicas e privadas no âmbito da educação a distância.

Professora Ma. Laís Azevedo Fialho

● Mestra em História, Cultura e Narrativas (PPH-Universidade Estadual de


● Maringá).
● Especialista em História da África e Cultura Afro-brasileira (DCS-
Universidade
● Estadual de Maringá).
● Licenciada em História (DHI-Universidade Estadual de Maringá).
● Tutora Educacional no Centro Universitário Cidade Verde (UniFCV).
● Professora Conteudista na UniFatecie.
● Experiência como professora de História da Rede básica de Educação
● em 2016.
● Atuou como Pesquisadora Bolsista Capes em 2018 e 2019.
● Coordenou e organizou diversos Projetos de Extensão abordando as
● Religiões e Religiosidades Afro-brasileiras, na Universidade Estadual de
● Maringá, entre 2015 e 2019.
● É integrante do Laboratório de Religiões e Religiosidades da
● Universidade Estadual de Maringá (LERR/UEM).
● É integrante do Coletivo Yalodê-badá.

Áreas de concentração: História das Religiões e Religiosidades com ênfase


nas Práticas Afro-brasileira; História Cultural, Epistemologias decoloniais.
Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/8724898233397030
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Caros (as) alunos (as), esta é uma oportunidade para que você descubra um pouco
mais sobre as vicissitudes do ser criança. Tudo o que conhecemos hoje nossa hábitos,
nossa forma de nos relacionarmos, como olhamos para as crianças, enfim, tudo é histórico!
Relacionar temas como infância, educação e multiculturalismo, nos permite um olhar mais
abrangente de um tema que foi por muito tempo esquecido.
Para começar, iniciamos nossa discussão com a seguinte questão: como foi cons-
truída a imagem de infância que temos hoje? Nem sempre prevaleceu a ideia de que as
crianças precisavam ser amadas e cuidadas, eram tratadas como um ser substituível em
períodos de alta mortalidade infantil. Alinhado à isso, discutiremos o próprio conceito de
infância, o que caracteriza esta fase tão especial da vida humana? Tudo isso, sem perder
o foco da inserção das crianças na família e na sociedade.
A unidade II será dedicada exclusivamente em pensar as políticas públicas para as
crianças e adolescentes. Diante de um cenário de diversos abusos e violências contra o
infante, qual o papel do Estado? Veremos que o Estado e sociedade civil se comportaram
de diferentes formas no decorrer do tempo para sanar a problemática da criança carente.
Após isso, já em nossa terceira unidade estudaremos algumas das normativas le-
gais na educação infantil, compreendendo as principais legislações para esta estruturação.
Abarcaremos o papel do educador enquanto um dos responsáveis para a formação plural
da criança, bem como salientaremos o importante papel da escola, principalmente diante
de questões que ameacem o bem-estar do infante.
Por fim, na unidade IV você verá alguns saberes e fazeres da educação multicul-
tural, de forma que o docente possa lançar de metodologias e teorias que o possibilitem
trabalhar com pluralidade, tendo em vista a complexa realidade brasileira. Esperamos que
você possa aproveitar as discussões aqui iniciadas!

Bons Estudos!
SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 6
Conceito de Infância, Família e Suas Historicidades

UNIDADE II.................................................................................................... 36
Atendimento às Crianças: Papel do Estado e as Políticas Sociais

UNIDADE III................................................................................................... 55
Organização do Espaço Infantil

UNIDADE IV................................................................................................... 73
O Multiculturalismo
UNIDADE I
Conceito de Infância, Família e Suas
Historicidades
Professora Mestra Maria Helena Azevedo

Professora Mestra Laís Azevedo Fialho

Plano de Estudo:
● Introdução e conceitos
● O conceito de infância
● História da infância
● Infância, família e categoria social: discutindo o conceito

Objetivos da Aprendizagem:
● Introduzir noções básicas acerca da infância e abordagem histórica
● Discutir o conceito de infância e suas implicações
● Apresentar a história da infância
● Refletir acerca do papel da família e sociedade

6
INTRODUÇÃO

Atualmente é consenso de que as crianças devem ser protegidas, amadas e cui-


dadas, mas você sabia que nem sempre foi assim? O olhar histórico sobre a infância nos
permite ver como através dos tempos os olhares do adulto sobre o infante se modificou
radicalmente. Você saberia dizer como a criança passou de um ser substituível e ignorado
a praticamente o “rei” da casa em nossos tempos modernos? Pois então, a investigação
histórica nos dá pistas de como este processo pode ter acontecido.
Para começarmos, vamos nos permear pela abordagem histórica sobre a infância,
compreendendo que é um campo de estudo relativamente recente aqui no Brasil. Iremos
entender também que a visão que conservamos sobre infância é construída e que é
necessário desnaturalizar. Parte desta visão foi elaborada com base no olhar do adulto
sobre criança, com pouco ou nenhum espaço para que houvesse uma representação mais
próxima de fato do mundo infantil.
Em seguida, vamos nos adentrar no conceito de infância articulado com suas
complexidades. Além da definição legal do que se compreende infância, levantamos ques-
tionamentos sobre as linguagens próprias deste universo. Veremos que entender as com-
preensões que se faz sobre a infância diz respeito a refletir em quais condições contextuais
esta infância ressurge e quais são as suas conexões com o mundo social.
No terceiro tópico, o mais denso de todos, apresentamos um breve histórico da
infância, focando principalmente na realidade brasileira. Entretanto, traçaremos um cenário
referente a infância na antiguidade, na Idade Média e na Modernidade, para depois falarmos
da particularidade do ser criança no Brasil no decorrer do tempo e em diferentes classes
sociais.
Por fim, nos dedicaremos a pensar o papel da família e sociedade na constituição
da criança. Mostraremos a multiplicidade de famílias, que fogem da definição de família
nuclear ou tradicional, mas que além de estarem amparadas pela legislação como tais,
também exercem influência significativa na construção do sujeito.

Bons estudos!

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 7


1. INTRODUÇÃO E CONCEITOS

Quando falamos em infância nos dias atuais, evoca-se a noção de direitos, proteção
e cuidado, principalmente no que se refere ao papel da família e sociedade na educação
das crianças. É bem verdade que nem sempre foi assim, esta fase da vida humana não
era tratada de forma especial e mesmo as investigações científicas não tomavam a in-
fância como objeto de estudo. Esse movimento de transformação no olhar para a criança
obedece, sobretudo, ao desenvolvimento histórico que permitiu que hoje várias instâncias
da sociedade estejam comprometidas com a proteção, educação e investigação acerca da
infância.
Falar em história da infância e suas diversas manifestações no seio cultural, exige
que entendamos a operação histórica. Poderíamos fazer uma longa discussão sobre quais
elementos recaem na construção do conhecimento histórico, no entanto, este não é nosso
objetivo central. Cabe dizer, em primeiro lugar, o que não é da alçada da história. O senso
comum insiste em apresentar a História como uma narrativa cronológica de eventos históri-
cos considerados importantes, normalmente encabeçados por grandes personagens.
Certamente, essa visão acerca da história predominou por muito tempo no horizon-
te da disciplina. Porém, a história não se trata apenas de narrar as informações de grandes
personagens e eventos. A própria possibilidade do estudo histórico da infância nos revela
isso. Burke (1992, p. 11) salienta que tudo passou a ser objeto da história: “a infância, a
morte, a loucura, o clima, os odores, a sujeira e a limpeza, os gestos e o corpo”. A amplia-

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 8


ção do campo de estudos da história acontece por volta de 1970 e reafirma a perspectiva
não estudar apenas os eventos políticos, diplomáticos ou religiosos, mas também de olhar
para o cotidiano e para os marginalizados, ou seja, investigar as mentalidades em um olhar
histórico.
É neste sentido que o historiador francês Philippe Ariès publica, ainda na década
de 1960, a obra “História social da infância e da família”, que é uma das referências no
estudo da história da infância. Em um recorte que passa pelo período medieval até a época
Moderna, Ariès (1978), procurou demonstrar na sua obra como a concepção de infância foi
construída e ela não existia no período medieval vindo a existir apenas no período moderno.
Del Priore (2013) chama atenção que antes de publicar uma obra voltada exclusivamente à
história da infância, Ariès já começava a esboçar suas ideia acerca da abordagem histórica
da criança em 1948, no capítulo dedicado à história da criança e da família, em seu livro
“História das populações francesas e de suas atitudes face à vida desde o século XVII”.
No Brasil, a história da infância ainda tem sido pouco estudada, ainda que haja um
crescimento nas últimas décadas. Podemos aqui pontuar trabalhos importantes tais como
de Mary Del Priore, organizadora e escritora da obra “História da criança no Brasil”, com
a primeira publicação em 1991, bem como o livro “História social da infância no Brasil” de
1996, organizado por Marcos Cezar de Freitas e que faz parte de uma trilogia de outras
obras dedicadas a pensar o tema. No caso de Freitas (2016), o interesse surgiu ainda em
1990 quando o Instituto Franciscano de Antropologia – IFAN buscou estimular o debate em
torno da questão social da criança, do “ser criança” no Brasil.
Coube a história, como demonstrou Ariès (1978), desnaturalizar a visão que a
sociedade contemporânea possui sobre a infância. Isso começa pela própria importância
que damos em registrar uma criança, contabilizar sua idade e imputar um registro de nas-
cimento, representado por números. Não era comum que uma pessoa da Idade Média, ou
mesmo do início da Idade Moderna lembrasse de sua idade corretamente. Já indicando
que a nossa facilidade e esforços para deixar claro a idade da criança, seja no seio familiar
e comunitário, como para questões legais, era radicalmente diferente do que em épocas
antecessoras.
Além de desnaturalizar a visão de infância que carregamos, abordagem histórica
ainda cumpre uma função de desnudar a realidade, como nos chama atenção Del Priore
(2010):
Para começar, a história sobre a criança feita no Brasil, assim como no resto
do mundo, vem mostrando que existe uma enorme distância entre o mundo
infantil descrito pelas organizações internacionais, pelas não governamentais
e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-se cotidianamente
imersa. O mundo que a “criança deveria ser” ou “ter” é diferente daquele onde
ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive. (DEL PRIORE, 2010, p. 8).

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A vertente histórica, portanto, versa pelo estudo das práticas infantis, para além das
designações ideais da infância. Além disso, existem diferenças entre falar de uma história
da infância europeia e uma história da infância brasileira. Se na tese de Ariès (1978) encon-
tramos a ausência de um sentido da infância que vai se transfigurar na época moderna, no
Brasil a realidade é outra. Del Priore (2010), sustenta que no Brasil a marcas da escravidão
e maciça falta de escolarização, colocou a criança seja em um processo de normatização
dos corpos ou largados à violência e desamparados pelo Estado.
No entanto, na concepção de Del Priore (2013) entender historicamente a infância
não consiste apenas em olhar para o passado como abusivo em direção às crianças, como
sustentou Demause (1989). O autor, se valendo dos métodos da psico-história, compreen-
de que “quanto mais se retrocede ao passado mais baixo é o nível de puericultura e mais
expostos estão à morte violenta, ao abandono, aos golpes, ao terror e aos abusos sexuais”
(DEMAUSE, 1989, p. 15). Contextualizando a história da infância em uma perspectiva
brasileira, Del Priore (2013) leva em consideração os episódios de terríveis sofrimentos das
crianças, mas relata que não se pode resumir a história da infância a isso. A autora, através
de sólida documentação, encontra relatos de afeto materno no século XVII, tanto entre as
mães livres quanto entre as escravizadas. Por isso, Del Priore (2010) tem como objetivo:
[...] resgatar a história da criança brasileira não apenas enfrentando um pas-
sado e um presente cheio de tragédias anônimas – como a venda de crianças
escravas, a sobrevida nas instituições, as violências sexuais, a exploração de
sua mão de obra –, mas tentando também perceber para além do lado escu-
ro. A história da criança simplesmente criança, suas formas de existência co-
tidiana, as mutações de seus vínculos sociais e afetivos, sua aprendizagem
da vida através de uma história que, no mais das vezes, não nos é contada
diretamente por ela. (DEL PRIORE, 2010, p. 16).

Conceber historicamente a infância perpassa, portanto, em colher testemunhos


que não são necessariamente os das crianças, mas analisa-se os relatos de viajantes,
de médicos sanitaristas, de cartas jesuíticas, enfim tudo que possa revelar um pouco do
cotidiano e sobre as relações sociais. Para isso, a história adota uma perspectiva social,
que busca entender como a criança foi representada em cada época. Essa situação implica
na própria construção que fazemos sobre infância:
Podemos compreender a infância como a concepção ou a representação
que os adultos fazem sobre o período inicial da vida, ou como o próprio pe-
ríodo vivido pela criança, o sujeito real que vive essa fase da vida. A história
da infância seria então a história da relação da sociedade, da cultura, dos
adultos, com essa classe de idade e a história da criança seria a história da
relação das crianças entre si e com os adultos, com a cultura e a sociedade.
Mas a opção por uma ou outra perspectiva é algo circunscrito ao mundo dos
adultos, os que escrevem as histórias, os responsáveis pela formulação dos
problemas e pela definição das fontes a investigar. (FREITAS; KUHLMANN
JR; 2002, p. 7 apud FREITAS, 2016, p. 9-10).

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O que a citação acima indica é que falar sobre a história das crianças incide em
buscar as representações que os adultos fazem desta fase, ainda que haja o esforço ge-
nuíno para compreender o mundo infantil. Inclusive, a imputação de adjetivos em torno
das crianças em uma dada época indica o posicionamento daquela sociedade em torno do
infante, permitindo traçar imagens acerca das práticas desta:
Os adjetivos que acompanham a palavra criança são indícios da construção
da “autoridade” de quem se pronuncia. A criança tem sido acompanhada de
palavras como “normal” ou “anormal”, “saudável”, “deficiente”, “hiperativa”,
“agressiva”, “inteligente” etc., e essa adjetivação faz parte, como diria Ray-
mond Williams, do repertório de palavras-chave com o qual também pode-
mos ler a ação dos homens no tempo e no espaço. (FREITAS, 2016, p. 11)

Assim, as palavras são apenas um dos indicativos que mostram como cada época
representa a infância, seja por fontes médicas, jurídicas, governamentais, dentre outras, ou
mesmo de relatos que evidenciem o caráter cotidiano da vida das crianças. É importante
salientar, como lembra Dourado (2009), que o conceito histórico de infância, deixa de ser
um dado meramente biológico, de estágio da vida humana, e passa a ser objeto de preocu-
pação de vários âmbitos sociais que projetam sobre o futuro, isto é, busca potencializar-se
o presente, focando na vivência das crianças, para a perpetuação de determinados valores.
Com isso, podemos perceber algumas diretrizes que guiam o estudo da criança
por viés histórico. O primeiro deles é que a visão de criança que temos hoje, como sujeito
de direitos, com necessidade de uma formação institucionalizada por meio de escola, e
sujeito digno de proteção, não é algo naturalmente dado, mas é produto de uma construção
histórica. Em segundo lugar, é possível notar que as vozes das crianças por meio da docu-
mentação histórica muitas vezes é difícil de ser ouvida, por isso, como defende Del Priore
(2010), são necessários esforços para que estas vozes sejam ouvidas e possamos tirá-las
do anonimato histórico.

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2. O CONCEITO DE INFÂNCIA

Para compreender o conceito de infância, que é múltiplo e complexo, é necessá-


rio que compreendamos que existem diferenças entre infância e criança. De acordo com
Heywood (2004), infância designa uma categoria abstrata referente a um estágio da vida,
enquanto que crianças se refere ao grupo de indivíduos. Por isso, a seguir vamos discutir
acerca desta primeira etapa da vida humana.
O interesse científico pela infância não ficou apenas no campo da história, mas a
sociologia, a psicologia, a psicanálise e outros âmbitos do conhecimento procuraram definir
esta etapa da vida. O que é esta fase tão particular de nosso desenvolvimento e por quê
hoje ela nos parece tão distante e incompreensível? A compreensão sobre a infância está
sujeita a modificações de acordo com tempo e espaço em que são enunciadas, porém, a
palavra infância em sentido etimológico vem do latim infantia, como explicam Ferreira e
Sarat (2013):
Um exemplo concreto acerca da dimensão de tais representações pode ser
aferido na etimologia da palavra infância, que vem do verbo fari e que sig-
nifica falar, ter a faculdade e o uso da fala; infans, antis (que não fala, que
tem pouca idade, infantil, criança). Infantia, portanto, significa dificuldade ou
incapacidade de falar, mudez. (FERREIRA; SARAT, 2013, p. 237)

A definição desta fase da vida ainda encontra subsídios legais. Diante do processo
de redemocratização do cenário político brasileiro, nasce a Constituição Federal em 1988,
em linhas gerais, o documento retrata a criança e o adolescente como sujeitos de direito,
especialmente nos artigos 227, 228 e 229. Já com o Estatuto da Criança e do Adolescente

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de 1990, de acordo com Freitas (2016) materializa o conteúdo da Constituição. O ECA
considera criança todo e qualquer indivíduo até os doze anos de idade. Já nesta definição
jurídica vemos a intenção em definir a criança como ser que necessita de proteção não
apenas da família, mas do Estado e da sociedade em geral. Esboça-se, portanto, a infância
como fase onde se tem pleno direito à vida e saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade,
à convivência familiar e social, à educação, ao esporte, à cultura, ao lazer, à proteção no
trabalho, dentre outros. A questão da proteção à infância colocada pelo ECA esteve sujeita
aos movimentos que advogavam pela causa, que estiveram subsidiados, para além da
observação empírica da realidade, pelo amplo suporte teórico que buscou definir o que é
infância.
Já vimos que a partir do viés histórico, que a infância pode ser entendida como
“a concepção ou a representação que os adultos fazem sobre o período inicial da vida,
ou como o próprio período vivido pela criança, o sujeito real que vive essa fase da vida”
(KUHLMANN; FERNANDES, 2004, p. 15). Como lembram Ferreira e Sarat (2013, p. 238)
as representações históricas da infância incorrem o risco de se pautar em uma perspectiva
“adultocêntrica”, assim “prevalece a visão do adulto como responsável pela criança que não
sabe se defender e não pensa adequadamente.” Isso não quer dizer que a relação entre
infância e vida adulta não é legítima, mas sim perpassa em entender as linguagens infantis:
Os seres humanos não só podem, mas também devem aprender com ou-
tras formas preexistentes de linguagens de uma sociedade específica. Eles
devem aprendê-las não só para se comunicar com os outros, mas também
para se tornarem indivíduos totalmente funcionais (ELIAS, 2009, p. 27 apud
FERREIRA; SARAT, 2013, p. 238-239).

Inferimos, portanto, que compreender o mundo infantil diz respeito a conhecer uma
linguagem que lhe é própria, mas também reside em compreender a infância como cate-
goria social, isto é, reconhecer os aspectos particulares que designam infância e também
perceber as interações sociais destes indivíduos com relação a outras categorias sociais.
Kramer (2006) esclarece que a ideia de infância, enquanto categoria social, nasce
com base na percepção da classe média e no tratamento direcionado às crianças. Neste
sentido, a autora concorda com Ariès (1978), para quem a infância, retratada no sentido
de cuidado e proteção, seria um produto da sociedade burguesa moderna. Porém, dada a
diversidade de contextos, a infância é representada de formas diferentes, de acordo com
os recortes de classe, econômicos, dentre outros.
Por muito tempo ainda, os pobres vão encarar a mortalidade infantil como
fatalidade a ser aceita na ordem natural das coisas. Para os ricos, no entanto,
esse fenômeno torna-se um inimigo a ser combatido, a fim de preservar os
futuros cidadãos que deverão ocupar-se dos rumos da sociedade. (DOURA-
DO, 2009, p. 3)

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Perceba que, as ideias que são construídas sobre a infância são múltiplas e se
inserem não apenas nas diferenciações impostas pelo tempo e espaço, mas também crité-
rios socioculturais devem ser levados em consideração. Isso leva, de acordo com Kramer
(2006) a seguinte questão: de qual infância estamos falando? Para além da sua diversidade
de representações, especialistas discutem se a infância estaria desaparecendo. Não es-
tamos a falar aqui sobre a infância como fase biológica da vida, a qual todos temos que
passar, mas sim a ideia de pureza, ingenuidade e proteção que sofre constantes abalos no
mundo contemporâneo.
Vemos com frequência crianças vivendo na extrema pobreza, vítimas de trabalho
infantil e diversos abusos. Isso seria suficiente para afirmar que a ideia idílica com sorrisos,
brincadeiras e cuidados de infância teria desaparecido? Na concepção de Postman, citado
por Kramer (2006), com a era pós-industrial essa concepção, como criação humanitária da
modernidade, de criança teria desaparecido. Com o advento da mídia e internet e o acesso
irrestrito das crianças ao mundo adulto, essa ideia de pureza infantil teria sumido.
Entender que dentro da categoria social da infância, existem crianças que são
sujeitos históricos e sociais, e que, por isso, compartilham das questões sociais do seu
tempo é importante neste quesito. Entretanto, é importante pontuar o que é específico
desta fase da vida, que são as brincadeiras. As brincadeiras, neste sentido, não são apenas
um modo de distração infantil, são formas que os indivíduos nesta fase produzem cultura e
são produzidos por ela. (KRAMER, 2006).
A infância, mais que estágio, é uma categoria da história: existe uma história
humana porque o homem tem infância. As crianças brincam, isso é o que
as caracteriza. Construindo com pedaços, refazendo a partir de resíduos ou
sobras [...], na brincadeira, elas estabelecem novas relações e combinações.
(KRAMER, 2006, p.15, grifo nosso).

No âmbito das brincadeiras e dos jogos, Benjamin (2017) nos alerta para o fator
geracional envolvido, ou seja, da relação entre mundo infantil e mundo dos adultos. Os
brinquedos são sempre uma imposição do mundo adulto, ainda que não sejam imitações de
instrumentos deste mundo, “pois, quem senão o adulto oferece primeiramente às crianças
os seus brinquedos?” (BENJAMIN, 2017, p. 96). No entanto, é graças a imaginação infantil
que estes objetos impostos se tornam, de fato, brinquedos.
Kramer (2006) retifica a propensão lúdica própria da infância para as brincadeiras
ao dizer que as crianças se utilizam de “restos da história”, isto é, podem manipular e criar
narrativas através daquilo que não há muito valor para a sociedade em geral, criando uma
cultura:

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 14


Elas reconstroem das ruínas; refazem dos pedaços. Interessadas em brin-
quedos e bonecas, atraídas por contos de fadas, mitos, lendas, querendo
aprender e criar, as crianças estão mais próximas do artista, do colecionador
e do mágico, do que de pedagogos bem intencionados. A cultura infantil é,
pois, produção e criação. (KRAMER, 2006, p. 16)

A constituição da infância e a sua cultura está ligada ao seio social da qual as


crianças fazem parte. É preciso entender, que estes indivíduos são sujeitos sociais, que
são produzidos pelo seu contexto, mas também agem sobre ele. Toda carga de tradições
e valores, as práticas sociais e as experiências que essas crianças passarão durante essa
fase vida, influenciam as suas ações e na gama de significados que dão às coisas, às
pessoas e também às relações sociais. (KRAMER, 2006).
As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres
que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações
que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe são próximas e com o
meio que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o
mundo em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio
das brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e
seus anseios e desejos. (BRASIL, 1998, p. 21)

É necessário entender, portanto, que o conceito de infância é amplo e dinâmico e


não está submetido a explicações simplistas. O caráter de infância que possuímos hoje é
construído e essa construção obedece a nossas próprias configurações sociais. Assim, se
quisermos compreender de forma mais apurada o conceito de infância é sempre necessário
entender o contexto em que suas práticas sociais estão colocadas.

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 15


3. HISTÓRIA DA INFÂNCIA

Atualmente, compartilhamos da visão de que a infância é uma fase especial, de-


dicada às brincadeiras e aos primeiros anos de formação, porém, nem sempre foi assim.
Veremos a seguir que as concepções acerca da infância se modificaram muito no decorrer
da história. Começaremos na Antiguidade greco-romana, perpassando pela Idade Média,
pela Modernidade, até a contemporaneidade focando na realidade brasileira.
Na Roma Antiga, podemos perceber que a criança desde seu nascimento precisava
ser aceita pelo pai, assim o nascimento não era apenas um fator biológico. Segundo Veyne
(1989) quando o pai erguia a criança do chão indicava que este ente paterno estava acei-
tando criá-la. Assim, era comum que o pai não aceitasse a criança, simplesmente porque
não havia interesse ou mesmo porque a criança era considerada “defeituosa”. Com isso,
abundam testemunhos de aborto, de morte de crianças e abandono, que eram considera-
das aceitáveis:
A criança que o pai não levantar será exposta diante da casa ou num monturo
público; quem quiser que a recolha. Igualmente será enjeitada se o pai estiver
ausente, o tive ordenado à mulher grávida [...] Enjeitavam ou afogavam crian-
ças malformadas (nisso não havia raiva, e sim razão, diz Sêneca: É preciso
separar o que é bom do que não pode servir para nada), ou ainda os filhos
de sua filha que “cometeu uma falta”. Entretanto, o abandono dos filhos legí-
timos tinha como causa principal a miséria de uns e a política patrimonial de
outros. [...] Contudo mesmo os mais ricos podiam enjeitar um filho indesejado
cujo nascimento pudesse perturbar disposições testamentárias já estabeleci-
das (VEYNE, 1989, p. 24).

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 16


A citação acima aponta que a nível de costumes, na Roma Antiga, a criança tinha
pouco valor, mas a tradição helênica (grega) tem a dizer sobre o infante? Platão (IV a.C.)
foi um filósofo, que dentre uma vasta obra, versou sobre a criança e o que acreditava ser
seu papel na sociedade. Platão tinha em mente um problema primordial: como “entender,
enfrentar e reverter a degradação da Atenas de seu tempo.”? (KOHAN, 2003, p. 13). Esta
pergunta se ligava ao fato de que para o filósofo existiria uma conexão entre as virtudes
da polis e as virtudes dos indivíduos, por isso, era necessário e urgente discutir sobre a
formação do cidadão desde o seu berço. (KOHAN, 2003).
A corrupção dos jovens, para Platão, se explicaria pela falta de instrução na in-
fância, por isso, seria necessário pensar em novo modelo de criança e de educação, que
agiriam em favor do bem comum. A partir disso, podemos perceber que a infância em si
não era um problema filosófico, mas sim a questão da conservação do bem estar da polis.
(KOHAN, 2003).
Kohan (2003) sustenta que nos escritos de Platão é possível enxergar algumas
marcas centrais:
a) a primeira marca que distinguimos no conceito platônico de infância é a
possibilidade quase total e, enquanto tal, a ausência de uma marca específi-
ca; a infância pode ser quase tudo; essa é a marca do sem marca, a presença
de uma ausência; b) a segunda marca é a inferioridade em face do homem
adulto, do cidadão, e sua conseqüente equiparação com outros grupos so-
ciais, como as mulheres, os ébrios, os anciãos, os animais; essa é a marca
do ser menos, do ser desvalorizado, hierarquicamente inferior;4 c) em uma
terceira marca, ligada à anterior, a infância é a marca do não importante, o
acessório, o supérfluo e do que se pode prescindir, portanto, o que merece
ser excluído da pólis, o que não tem nela lugar, o outro depreciado; d) final-
mente, a infância tem a marca instaurada pelo poder: ela é o material de so-
nhos políticos; sobre a infância recai um discurso de necessidade e o sentido
de uma política que necessita da infância para erigir-se em perspectiva de um
futuro melhor. (KOHAN, 2003, p. 16).

Para Platão, é na educação que se construiria o caráter de um indivíduo. Primeiro


as crianças deveriam ser iniciadas na música, logo em seguida na ginástica, mas também
havia o conhecimento das fábulas, que era ensinado desde a mais tenra idade. Contudo, o
que as crianças poderiam ou não ouvir também era objeto de preocupação do filósofo, por
isso, a intenção era que se evitassem histórias cujo teor viesse de encontro com os valores
da nova polis, ou mesmo que contenha mentiras, que poderiam comprometer sua formação
no futuro. Este posicionamento se dava pelo fato de que Platão acreditava que tudo o que
acontecia na vida adulta seria resultado direto de uma semente plantada na infância, na
medida que depois do caráter formado, este era incorrigível. (KOHAN, 2003).
Kohan (2003) nos chama atenção ao dizer que em um primeiro momento esta visão
parece extremamente positiva, mas:

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 17


[…] essa potencialidade, esse ser potencial, esconde, como contrapartida,
uma negatividade em ato, uma visão não afirmativa da infância. Ela poderá
ser qualquer coisa. O futuro esconde um não ser nada no presente. Não se
trata de que as crianças já são, em estado de latência ou virtualidade, o que
irá devir; na verdade, elas não têm forma alguma, são completamente sem
forma, maleáveis e, enquanto tais, podemos fazer delas o que quisermos.
(KOHAN, 2003, p.18)

Platão coloca as crianças em posição de inferioridade com relação aos homens


adultos no aspecto espiritual e físico. Em seu texto “As Leis”, o filósofo retrata as crianças
como impulsivas, inaptas para quietude corporal e da voz, propensas à desordem e sem
harmonia, características que seriam próprias do homem adulto. Com isso, as crianças
eram igualadas às mulheres e aos escravos, que eram igualmente vistas como inferiores e
incapazes de versar opiniões. (KOHAN, 2003).
O sentimento de desprezo com relação à infância perdurou durante a Idade Média.
Heywood (2004) aponta que havia um sentimento de insensibilidade na criação dos filhos,
assim considerava-se que não valia a pena despender tamanha energia para um ser tão
pequeno que tinha poucas chances de sobrevivência. Essa visão também foi percebida
por Ariès (1978, p.10), que observou que, ao longos dos séculos XII ao XVII, enquanto a
criança ainda era pequena era vista como uma “coisinha engraçadinha” ou mesmo como
“um animalzinho, um macaquinho impudico”, mas sua morte não causava comoção, porque
logo viria outra criança que a substituiria.
A visão sobre a criança obedecia a um critério utilitarista, ou seja, o infante quando
bem pequeno poderia ser facilmente substituído e ao chegar aos sete anos poderia exercer
funções semelhantes ao adulto. Assim, a criança após esta idade era vista como útil à
economia familiar, partilhando dos ofícios exercidos pelos pais. Isso quando a criança não
era enviada para que outra família a criasse e era devolvida ao seio familiar aos sete anos
para ajudar nos afazeres de sua família e comunidade. (ARIÈS, 1978).
Cabe lembrar também que eram diferentes os tratamentos para com os meninos
e as meninas. As meninas “costumavam ser consideradas como o produto de relações
sexuais corrompidas pela enfermidade, libertinagem ou a desobediência a uma proibição”.
(HEYWOOD, 2004, p. 76). Mas de maneira geral, a criança era invisibilizada na Idade
Média, chegando ao ponto de sequer ser retratada nas artes, sendo retratada como um
adulto de porte menor. O que fica claro para Ariès (1978) é que neste período havia uma
ausência de sentimento de infância. Contudo, esta posição tem sido confrontada por outros
estudiosos do tema.
Desta forma, os sentimentos de afeição e cuidado raramente eram percebidos,
estes ficam, sobretudo, nas mãos das mulheres ou mesmo das amas. A visão acerca dos

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 18


cuidados para com a infância começou a mudar sensivelmente graças ao papel da Igreja
Católica. A valorização da família e dos laços de sangue, baseadas nas narrativas bíblicas,
foram força motriz para que a Igreja no século XVIII considerasse ato de bruxaria quem
tentasse matar crianças. Dada a larga influência da Igreja Católica durante a Idade Média,
percebemos que a narrativa bíblica do culto ao menino Jesus, juntamente com a história do
massacre de crianças por Herodes, reforçaram a ideia de que a criança era uma mediadora
da terra com o céu. (ARIÈS, 1978); (HEYWOOD, 2004).
Ariès (1978) destaca que durante a Idade Média não haviam festas religiosas di-
recionadas para as crianças, a não ser as de caráter pagão. Apenas a partir do século XVI
que foi criada a primeira comunhão, que progressivamente foi se tornando a maior festa
religiosa infantil e continua a ser até os dias atuais. A importância da primeira comunhão
enquanto evento histórico, reside no fato que pela primeira vez a vida da criança passou a
ser registrada e observada, na medida em que não se permitia a utilização deste rito para
crianças muito pequenas e “especialmente [para] aquelas que forem travessas, levianas a
algum defeito considerável.” (ARIÈS, 1978, p. 97)
É no alvorecer da Idade Moderna, quando as condições de higiene foram melhora-
das e a burguesia começou a se formar, que a preservação da infância começa ser objeto
de preocupação não apenas da Igreja. Isso perdurou durante os séculos XV, XVI e XVII,
quando foi reconhecida a importância da formação para a vida adulta. A partir disso, os pais
passaram a se interessar pela vida dos filhos. Dourado (2009) acrescenta que esta preo-
cupação com a formação e preservação da vida das crianças, veio acompanhada de um
próprio sentido de preservação dos bens da família. Neste sentido, sob a ótica burguesa,
formara-se a ideia de que era na criança que se deveria depositar a ideia de um futuro.
Instaurou-se, portanto, o sentimento de afeto e de apego entre os séculos XVII
e XVIII, período no qual a infância passou a ser entendida como momento de fragilidade
e ingenuidade. Com isso, Ariès (1978) observa que dá-se início a um comportamento de
“paparicação”, especialmente nas classes mais abastadas, que diz respeito a mimar os
infantes e tratá-los como um meio de entretenimento dos adultos. A partir disso, a morte
prematura da criança começa a ser acompanhada de dor e sofrimento.
Ainda neste período, sob influência da Igreja e do Estado, a perspectiva educacio-
nal ganha terreno, ainda que seja no sentido disciplinador. Trata-se de um movimento que
buscava colocar a criança no que se acreditava ser seu devido lugar, assim como se fazia
com outros segmentos marginalizados da sociedade, tais como os loucos, os pobres, as
prostitutas, dentre outros. (ARIÈS, 1978). Para a nossa sociedade contemporânea pode

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 19


soar estranho criar um paralelo entre as crianças e os grupos citados, contudo, é necessá-
rio entender, como já pontuamos, que a sociedade medieval e em transição para a época
moderna, entendia a criança como ser pertencente a uma camada inferior da sociedade.
E é neste ínterim que as instituições educacionais infantis nascem, com uma proposta
moralizadora, disciplinadora e de controle.
As escolas não eram propriamente direcionadas às crianças, na verdade estas
instituições estavam vinculadas à Igreja e buscavam formar clérigos, portanto, acolhia não
apenas crianças, como também jovens e adultos. Com a criação de escolas voltadas para
crianças na Idade Moderna, o que vemos é a introdução da disciplina, inspirada nos mo-
delos eclesiásticos: “A disciplina escolar teve origem na disciplina eclesiástica ou religiosa;
ela era menos um instrumento de coerção do que de aperfeiçoamento moral e espiritual.”
(ARIÈS, 1978, p. 126). Vale ressaltar também que este tipo de educação não era destinada
às meninas, enquanto os meninos de uma família poderiam frequentar a escola, às meninas
cabia pouca ou nenhuma instrução formal.
Heywood (2004), considera que a criação paulatina de instituições formais de ensino
para crianças, representou a “descoberta” da infância na Idade Moderna. Tratou-se de um
movimento de diferenciação entre o mundo infantil e o mundo adulto, no qual as crianças
deveriam passar por uma espécie de quarentena, a escola, para que assim pudessem
ingressar no mundo adulto.
A história da infância a qual nos dedicamos até agora versa sobre uma condição
europeia, porém, esta história é sensivelmente diferente em terras brasileiras. Del Priore
(2010) explica a distância em falar de uma história da infância europeia e uma história da
infância no Brasil:
Em primeiro lugar, entre nós, tanto a escolarização quanto a emergência da
vida privada chegaram com grande atraso. Comparado aos países ocidentais
onde o capitalismo instalou-se no alvorecer da Idade Moderna, o Brasil, país
pobre, apoiado inicialmente no antigo sistema colonial e, posteriormente,
numa tardia industrialização, não deixou muito espaço para que tais ques-
tões florescessem. Sem a presença de um sistema econômico que exigisse
a adequação física e mental dos indivíduos a esta nova realidade, não foram
implementados os instrumentos que permitiria a adaptação a este novo cená-
rio. (DEL PRIORE, 2010, p. 10-11)

Enquanto a Europa vivia o início da Idade Moderna, nós éramos colônia e os valo-
res burgueses de cuidado e proteção para com o infante não haviam chegado. A educação
era realizada de forma esparsa, por meio das escolas jesuíticas e não eram acessíveis aos
pobres e muito menos às crianças escravizadas. Até o século XIX, no Brasil, o trabalho
ainda era visto pelas famílias menos abastadas como a “melhor escola”. (DEL PRIORE,
2010). Aqui, não se trata de fazer um paralelo como se a realidade europeia fosse a ideal

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 20


e o Brasil mais atrasado. Pelo contrário, devemos entender que a situação das crianças
brasileiras está intimamente ligada com o modelo econômico colonial, aqui imposto após a
invasão de Portugal em 1500, que gerou novas realidades e consequência para todos os
âmbitos da vida social. Assim, a condição de pobreza e escravidão nos primeiros séculos
do Brasil, pesaram de maneira significativa nos ombros dos pequenos.
Há um consenso entre historiadores que apesar do Brasil ter sido “descoberto” em
1500, sua colonização foi de fato empreendida após 15301. Nas embarcações lusitanas
não vinham apenas os homens, mas também mulheres – em menor número – e crianças
que muitas vezes serviam de grumetes e pajens. Os grumetes eram meninos entre nove
e dezesseis anos responsáveis pela limpeza das embarcações e auxílio dos marinheiros
e normalmente estes eram recrutados entre órfãos ou famílias de pedintes em Portugal.
Entregar o filho para desempenhar esta função era na maioria das vezes vista com bons
olhos por estas famílias, já que poderiam aproveitar-se do soldo recebido pelo trabalho dos
meninos, ou, pelo menos, livrar-se de uma boca a mais para alimentar. (RAMOS, 2010).
O recrutamento de meninos para trabalhar nas embarcações era comum e em
alguns casos o número de crianças era igual ao número de adultos, já que as condições
sanitárias da Europa levavam a uma alta mortalidade e, consequentemente, a uma baixa
disponibilidade de mão de obra adulta. Mas os grumetes desempenhavam funções tão ou
mais perigosas que os marujos, como demonstra o relato de uma viagem de 1560
[...] aos dezenove de julho, que foi um sábado sobre a noite, [...] fazendo com
o vento muito, por serem de través, estando o gajeiro da gávea em pé em
cima para descer, bem descuidado, deu a nau um balanço grande, com que
meteu, e lançou o pobre grumete por cima da gávea, que veio pelo ar cair ao
mar, dando com as pernas e partes do corpo em os pés de um homem que
a bordo estava pegado, o qual consigo houvera de levar ao mar, deixando-o
aleijado da grande pancada que lhe deu de um deles, e desfazendo a cabeça
em pedaços, com os miolos fora dela, nas vergas, que todas ficaram tinta do
seu sangue. (BRITO, 1971 [1735] apud RAMOS, 2010, p. 26)

Não apenas isso, aos grumetes eram impostas as piores condições de acomoda-
ção e alimentação. Acomodados perto dos doentes e expostos as condições climáticas, as
crianças também viviam com menos comidas do que os demais tripulantes, sobrevivendo
com bolachas apodrecidas, ratos, baratas e água, que também não se encontrava no me-
lhor estado. Essa situação fazia com que os infantes fossem sistematicamente sucumbidos
pela inanição e pelo escorbuto, causado pela falta de vitamina C. (RAMOS, 2010).

1 Os anos entre 1500 e 1530 são considerados “anos perdidos” e a historiografia (a escrita da história)
tem dificuldades em narrar os fatos que antecederam 1530 pela falta de documentação relativa ao período.
Contudo, sabe-se que o Brasil foi rota para diversos marginalizados pela história, que são ignorados pela
narrativa oficial. São viajantes, náufragos e pessoas deixadas para trás ou enviadas para cumprir pena em
terras brasileiras, que podem também ser considerados os primeiros brasileiros. (BUENO, 1998)

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 21


Já para os pajens, designados a servir um membro da nobreza, o cotidiano era
um pouco menos difícil. A estas crianças era imputada a tarefa de servir mesas, arrumar
os aposentos e proporcionar todo o conforto para o seu oficial. Os pajens, ao contrário
dos grumetes, não sofriam castigos severos e também eram considerados superiores aos
grumetes. Eles também tinham uma alimentação melhor, já que seus oficiais eram autoriza-
dos a trazerem alimentos mais diversificados, aumentando a chance de sobrevivência dos
pajens em caso de doenças. (RAMOS, 2010).
Além dos grumetes e pajens, haviam as “órfãs” menores de dezesseis anos, as
quais, na verdade, eram sequestradas de famílias mais pobres. Essas meninas eram ex-
postas a situações de assédio e abuso sexual de forma constante:
Como o estupro de meninas pobres, maiores de 14 anos, dificilmente era
punido – o que estava bem de acordo com a tradição medieval que só punia
o estupro se “as vítimas tivessem de 12 a 14 anos” – as meninas embarcadas
como órfãs poderiam ser violadas por grupos de marinheiros mal-intenciona-
dos que ficavam dias à espreita em busca dessa oportunidade. Por medo de
serem depreciadas no mercado matrimonial para o qual estavam direciona-
das, ou por vergonha, terminavam ocultando o fato, de modo que os relatos a
respeito são praticamente inexistentes. (RAMOS, 2010, p. 37)

Enfim, o cotidiano das crianças que embarcavam para as terras brasileiras era
extremamente penoso. Neste cenário, o universo infantil e o ser criança não tinham espaço,
já que a utilização da mão de obra e do corpo das crianças era regra. Assim, estas crianças
forçosamente eram integradas ao mundo adulto. Por isso, raramente chegavam ilesas ao
local de destino, seja fisicamente ou emocionalmente. (RAMOS, 2010).
Nas primeiras décadas de colonização portuguesa no Brasil, uma das ordens que
teve maior influência foi a Companhia de Jesus. A ordem jesuítica era missionária e visava
converter o gentil para a fé cristã e aqui no Brasil isso se cristalizou através do ensino.
Acreditava que juntamente com o ensino moralizante, disciplinador e inspirado pela palavra
de Deus, todo o povo poderia se converter. Cabe lembrar que para os jesuítas o principal
alvo de conversão eram os índios, considerados como um “papel em branco”, sob o qual
poderia imprimir-se qualquer doutrina. (CHAMBOULEYRON, 2010).
A Companhia de Jesus no Brasil escolheu o caminho do ensino das crianças, mas
existia uma preocupação docente no cerne da ordem, pois havia uma preocupação em
formar não apenas seus membros, mas também a juventude para que estes pudessem
propagar os valores de cristandade. Com este intuito e observando que os índios adultos,
em geral, eram arredios aos ensinamentos dos padres, os jesuítas focavam o ensino para
as crianças, consideradas mais maleáveis. (CHAMBOULEYRON, 2010).

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 22


As crianças indígenas eram consideradas o meio pelo qual o cristianismo chegaria
até ao restante da população. Com isso, a intenção dos jesuítas era que essa geração,
formada sob o embasamento cristão, substituiria a geração dos seus pais, cujos compor-
tamentos eram considerados inapropriados, tais como nudez, poligamia e antropofagia.
(CHAMBOULEYRON, 2010).
Os jesuítas se dedicavam a ensinar o português, a leitura, a escrita, músicas,
além de prezar pela disciplina. Neste sentido, os castigos físicos eram comuns, ainda que
os padres propriamente ditos fossem impedidos de aplicá-los e tivessem que designar a
outrem. A persistência dos castigos físicos na educação vinha da convicção por parte dos
jesuítas de que as crianças aprenderiam mais facilmente pelo temor do que pelo amor.
(CHAMBOULEYRON, 2010).
Um receio comum era de que estas crianças ao entrarem na puberdade esqueces-
sem do aprendizado durante o período de catequização, ou mesmo, depois que casassem
mudassem da aldeia onde cresceram – o que era uma tradição indígena – e voltassem
para o que os padres entendiam como degradação dos costumes. Essa situação apenas
fortalecia a ideia de que os índios deveriam ser submetidos à autoridade para se converter
realmente, calcados na ideia de vigilância constante e de castigos físicos. (CHAMBOU-
LEYRON, 2010).
Além dessa tentativa de catequização por meio do ensino, a opção de educação
formal para as crianças ficava restrita às crianças da elite e isso ficou mais claro durante
o período imperial, por volta do século XIX. A maioria dos relatos deste período são de
professores e professoras que chegaram ao Brasil, após a abertura dos portos em 1808,
que chegavam para lecionar em escolas particulares.
Era muito comum que reclamassem não apenas do clima tropical, mas também do
comportamento das crianças brasileiras, bem diferentes do que presenciavam na Europa.
Um dos professores estrangeiros chegou a dizer que “uma criança brasileira é pior que
mosquito hostil [...] crianças no sentido inglês não existem no Brasil” (EDGECUMBE, 1886
apud MAUAD, 2010, p. 168).
Os registros históricos das crianças no Brasil imperial podem ser vistos por meio
das fotografias. É claro que este recurso era limitado à elite e as fotografias, portanto,
revelam como as classes mais endinheiradas olhavam para o infante . As crianças eram
vestidas com seus melhores trajes, normalmente inspirados em modelos franceses, muitas
vezes inadequados ao clima brasileiro. (MAUAD, 2010).

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 23


FIGURA 1: MENINAS COM INDUMENTÁRIAS
INSPIRADAS EM MODELOS FRANCESES

Fonte: MAUAD (2010)

No que se refere ao ensino, as escolas formais se orgulhavam em fornecer uma


aprendizagem enciclopédica, ou seja, pautada na memorização. A educação também ficava
a cargo da família, que deveria ser o eixo moralizador da criança. Neste sentido, havia diferen-
ciações bem claras entre o ensino de meninos e de meninas, enquanto os primeiros deveriam
desenvolver atributos intelectuais, as meninas ficariam a par das habilidade manuais:
Os meninos da elite iam para a escola aos sete anos e só terminavam sua
instrução, dentro ou fora do Brasil, com um diploma de doutor, geralmente de
advogado. Num colégio conceituado como o Externato Pedro II, frequentado
por quase todos os filhos da aristocracia cafeicultora imperial e pela elite ur-
bana, havia um rol exaustivo de disciplinas que englobava: filosofia, retórica,
poética, religião, matemática, geografia, astrologia, cronologia, história natu-
ral, geologia, ciências físicas, história, geografia descritiva, latinidade, língua
alemã, língua inglesa, língua francesa, gramática geral e nacional, latim, de-
senho caligráfico, linear e figurado e música vocal, distribuídas ao longo de
sete anos. (MAUAD, 2010, p. 184-185)

À revelia da educação fornecida aos meninos, a educação feminina era articulada


em outros moldes:

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 24


O mesmo observador apontava para o fato de que a educação feminina, inicia-
da aos sete anos e terminada na porta da igreja, aos 14 anos, supervalorizava
o desempenho feminino na vida social. Na Corte imperial, das meninas da alta
sociedade, exigia-se perfeição no piano, destreza em língua inglesa e france-
sa, e habilidade no desenho, além de bordar e tricotar. (MAUAD, 2010, p.187)

A preocupação dos pais da elite com a educação dos filhos revela um aspecto
importante que marca nossa sociedade até os dias atuais, que é a preocupação com a vida
futura dos filhos. Assim, a morte prematura passa a ser motivo de tristeza em um contexto
em que não haviam vacinas, doenças contagiosas eram pouco conhecidas e as condições
de higiene eram precárias. É a partir disso que nascem os mecanismos de cuidados na
primeira infância para evitar a mortalidade infantil, que ficou a cargo das mulheres. As mães
tinham uma árdua tarefa na criação dos filhos, especialmente porque os nascimentos eram
consecutivos. As mulheres da elite, visando atenuar-se do fardo da amamentação, designa-
vam amas de leite, normalmente escravas, para cumprir tal função. (MAUAD, 2010).
A situação das crianças escravizadas, caso chegassem com vida na travessia do
Atlântico, era completamente oposta das crianças da elite. A morte de crianças escravas
com menos de dez anos chegou a representar até um terço das mortes entre os escravos,
dentre estes dois terços morriam antes dos dois anos e 80% antes de completar cinco anos
de idade. Além disso, muitas destas crianças perdiam os pais muito cedo. Estima-se que na
capital fluminense no século XIX, metade das crianças até cinco anos eram órfãs. (GOÉS;
FLORENTINO, 2010)
Em determinadas situações a criança órfã ficava ligada à sua rede parental, irmãos,
tias, tios, avós ou mesmo padrinhos e madrinhas sem ligação de sangue. Como estratégia
de sobrevivência em comunidade, os escravizados utilizavam-se de um sacramento da
Igreja para fortalecer seus vínculos sociais e proteger seus filhos:
Os escravos puseram o catolicismo a seu serviço para fazer parentes e fa-
mílias. O batismo e a irmandade, mais do que incorporá-los ao rebanho de
um Deus-Pai de filho branco, possibilitava refazer a vida pela criação de uma
comunidade africana como não havia na própria África. (GOÉS; FLORENTI-
NO, 2010, p. 222)

Apesar disso, as crianças escravizadas passavam pelo o que se chamava “ades-


tramento” que ia até os doze anos de idade. Eram introduzidas em diversos serviços como
pastoreio, remendos de roupas, trabalho com marcenaria, nas lavouras e em afazeres do-
mésticos e o tipo de especialidade indicava seu preço no mercado de escravos. À medida
que se aprendia um ofício também assimilavam o ser escravo pela ótica senhorial. Diferente
dos homens e mulheres escravizados, para os quais eram dirigidos suplícios públicos, às

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 25


rianças eram destinadas pequenas humilhações com grandes consequências, tanto pelos
senhores como pelos seus filhos. (GOÉS; FLORENTINO, 2010).
Com a abolição da escravidão e a instauração da República no final do século XIX,
uma nova realidade se tornou presente na vida do pequenos brasileiros: a criminalidade.
Com a falta de políticas públicas para a população escrava recém-liberta e a falta de opor-
tunidade para ingressar no novo modelo de trabalho assalariado, as crianças sofriam com
o estigma da marginalização. Essa associação entre malandragem e a criança pobre foi
recorrente no século XX – e continua a povoar o imaginário social até os dias atuais.
A modificação paulatina da estrutura econômica da sociedade brasileira, com novos
padrões de consumo e outra dinâmica do trabalho, fez inchar as cidades e as contradições
sociais ficaram mais evidentes. Nesta nova configuração, o mundo do trabalho e “vadiagem”
eram colocadas em dicotomia. Enquanto o mundo do trabalho era vinculado ao imigrante
estrangeiro, a alcunha da vagabundagem era inferido aos brasileiros, principalmente à
população ex-escrava. (SANTOS, 2010)
A infância era vista como a “semente do futuro” e a delinquência era vista como um
problema sério a ser combatido. De acordo com o Código Penal de 1890, os maiores de 14
já poderiam ser criminalmente imputáveis, os mais novos até os nove anos de idade, pode-
riam ser enquadrados como criminosos desde que tivessem discernimento dos seus atos,
ainda que fosse questionável o que enquadraria como discernimento. A grande maioria dos
“crimes” eram relativos a vadiagem e baderna e as crianças e adolescentes poderiam ficar
reclusos, sob um regime pautado no trabalho como disciplinador. (SANTOS, 2010).
Nas primeiras décadas do século XX houve o processo de industrialização do
Brasil, que até então era predominantemente agrário, este cenário tornou-se mais evidente
em São Paulo. As crianças neste contexto, assim como os adultos, eram utilizadas como
mão-de-obra barata e acidentes de trabalho e mortes prematuras eram comuns nas fábri-
cas. É claro que a situação das crianças no ambiente de trabalho causava revolta entre os
membros da classe operária:
A implantação da indústria e sua consequente expansão norteou o destino
de parcela significativa de crianças e também de adolescentes das camadas
economicamente oprimidas em São Paulo, como havia norteado em outras
partes do mundo. E, como em outras partes do mundo, o trabalho infantoju-
venil em São Paulo imprimiria, talvez mais do que qualquer outra questão,
legitimidade ao movimento operário. Nos pequenos trabalhadores, as lide-
ranças saberiam identificar a causa preciosa, capaz de revelar aos olhos dos
contemporâneos e também da posteridade, a condição da classe operária no
que esta tinha de mais miserável. (MOURA, 2010, p.315)

Essa classe operária era sobretudo estrangeira, normalmente vinda da Itália, fugin-
do da fome e do frio. Desde o fim do século XIX até as primeiras décadas do séculos XX

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 26


abundavam anúncios procurando crianças e adolescentes para trabalhar na indústria têxtil.
Era de interesse do empresariado que as crianças fossem inseridas precocemente nas
atividades laborais, pois o salário pago era menor em comparação aos homens adultos.
Além disso, as cargas horárias eram extremamente exaustivas, variando entre 12 e 14
horas diárias, impossibilitando ou criando dificuldades para a frequência escolar. (MOURA,
2010).
As legislações vigentes até procuravam limitar o trabalho até os doze anos de idade,
ou mesmo proibir a jornada noturna ou funções insalubres. Contudo, na prática, com a falta
de fiscalização, o trabalho infantil foi utilizado largamente no processo de industrialização
brasileiro, gerando marcas que vemos até os dias atuais.
A partir dos anos 1920, mediante a este cenário, surgem as primeiras políticas pú-
blicas. Diante de um grande número de crianças desamparadas, marcadas pela violência,
negligenciadas pela família e exploradas no trabalho, o Estado procurou assumir posição
com relação aos infantes:
A partir dos anos 20, a caridade misericordiosa e privada praticada priorita-
riamente por instituições religiosas tanto nas capitais como nas pequenas
cidades cede lugar às ações governamentais como políticas sociais. A sua
expansão ocorrerá entre as duas ditaduras (Estado Novo, de 1937 a 1945
e a Ditadura Militar, de 1964 a 1984), quando aparecem os dois primeiros
códigos de menores: o de 1927 e o de 1979. Todavia, com a restauração das
eleições presidenciais e a retomada do regime político democrático – mes-
mo com as limitações impostas pelo voto obrigatório –, surge o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990, pela lei no 8.069.
Uma nova dimensão da caridade será concretizada combinando, com espe-
cial equilíbrio, ações privadas e governamentais. (PASSETTI, 2010, p. 424).

Um exemplo de política pública voltada para infância nas primeiras décadas do


século XX, foi o Código dos Menores de 1927, que articula o caráter assistencial público e
privado em direção às crianças. Esse Código denota uma crescente preocupação com os
chamados delinquentes e se volta para a devida punição, de forma que se regenerem a
integrem a sociedade regida pela nova ótica capitalista brasileira, se tornando assim, bons
trabalhadores. (LONGO, 2007).
Mais tarde, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, o ideário de adequação das
crianças e adolescentes no projeto capitalista se torna mais evidente, apostando sobretudo,
no caráter pedagógico do trabalho. Os ditos menores improdutivos – nesta categoria estão
dos chamados vadios, delinquentes ou mendigos – eram direcionados para instituições
correcionais, sob a égide do judiciário e com o braço do executivo. (LONGO, 2007).
Depois de um breve período de democracia, entre a ditadura de Vargas e a ditadura
militar, em 1964 a criança e o adolescente marginalizado é enquadrado como “menor em

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 27


situação irregular”, em condições como “I - privado de condições sócio econômicas; II -
vítimas de maus-tratos; III- perigo moral; IV - privado dos pais ou responsáveis; V - desvio
de conduta; VI - autor de infração penal.” (LONGO, 2007, p. 5). Dentre os aspectos citados,
qualquer um poderia tornar a criança/adolescente passível de institucionalização, ou seja,
de confinamento em instituições estatais.
Isso só vai mudar com o ECA, do qual falaremos em mais detalhes na próxima
unidade. Com o exposto acima acerca da história da infância, pudemos perceber que é
uma história de sujeitos marginalizados do seio da sociedade e que a preocupação com
o cuidado e proteção da infância é recente. A discussão em torno da infância engloba
diferentes instâncias da sociedade, mas principalmente debate-se sobre o papel da família
na construção da infância, tópico que explanaremos a seguir.

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 28


4. INFÂNCIA, FAMÍLIA E CATEGORIA SOCIAL: DISCUTINDO O CONCEITO

Como salientou Ariès (1978), o sentimento de cuidado e atenção à criança é relati-


vamente novo, faz parte da cultura moderna a preocupação hodierna que a família tem com
os pequenos. A família hoje se organiza em torno da vida da criança, dos seus estudos,
ensinamentos morais e bem-estar físico e mental. É verdade que esta configuração de
família “estruturada” não corresponde à realidade em muitos lares, onde a crianças, seja
por questões estruturalmente construídas ou situações particulares, continua sendo negli-
genciada.
Ariès (1978) destaca que é a partir da passagem da época medieval para o período
moderno que a responsabilidade sobre a formação do sujeito recai sobre a família e essa
formação estava também sobre o resguardo da religião, provedora de instruções morais
para a família, que deveria transmitir à criança. É claro que os contornos da família se mo-
dificam durante o tempo, assim pode-se dizer que família é uma construção social, assim
como a infância – que está correlacionada com a família – também o é.
Cabe dizer que as definições acerca da família são múltiplas e não dizem respeito
apenas ao recorte do que se diz “tradicional”, ou seja, homem, mulher e filhos. A concepção
de multiplicidade do que se considera família encontra respaldo, em primeiro lugar, na
Constituição Federal de 1988, conforme dispõem Paschoal e Marta (2012):
O § 4º do Art. 226 da Constituição de 1988 dispõe que “[...] entende-se, tam-
bém, como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e
seus descendentes”, estamos nos referindo à família monoparental, que é o

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 29


campo, por excelência, da mãe solteira, das mães ou, excepcionalmente dos
pais, que pretendem assumir sozinhos, sua maternidade ou paternidade, dos
divorciados, dos separados, dos viúvos, dos filhos sem pai, enfim, de tudo
aquilo que nega as situações de normalidade previstas pelo antigo Código Ci-
vil, quando se referia à família legítima. (PASCHOAL; MARTA, 2012, p. 232)

A citação deixa claro que o conceito que família estende-se desde as relações
parentais, isto é, pai e mãe criando o (a) filho (a), até a as relações monoparentais, que
dizem respeito ao pai ou a mãe sozinhos criando a criança. Não apenas isso, a Constituição
define família também as relações anaparentais, na qual não há a presença dos genitores,
mas pode se constituir na criação pelos irmãos ou mesmo “por famílias distintas que se
unem formando uma família comum; a família homoafetiva, se forma em torno da união
conjugal entre pessoas do mesmo sexo [...]”. (PASCHOAL; MARTA, 2012, p. 232).
Contudo, o reconhecimento jurídico de famílias monoparentais e anaparentais é
fenômeno recente na história do Brasil:
A história da proteção à infância no Brasil é marcada pela emergência do mo-
delo de família nuclear, baseada nos moldes burgueses e ditada pelo saber
especialista que logo ganha espaço no meio jurídico, justificando a interven-
ção do Estado junto àqueles considerados desviantes. (SILVA Jr; ANDRADE,
2007, 426).

Em virtude disso, muitos comportamentos infantis considerados problemáticos eram


justificados na origem de uma família “desestruturada”, ou seja, que não correspondiam ao
modelo parental. Desde a história recente do Brasil vê-se por parte de organizações, com
a tutela do Estado, a insistência em proteger a infância, baseada na defesa dita família
tradicional brasileira. (SILVA Jr; ANDRADE, 2007).
Como dissemos, família, enquanto categoria social, é construída e essa construção
depende da comunidade na qual está inserida. Sendo assim, a família tem importância
máxima no que diz respeito a formação da criança, é nela que o infante tem seu primeiro
contato com o seio social. Não é por acaso, portanto, que a Constituição dirija também à
família a responsabilidade da proteção e cuidado da criança.

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 30


SAIBA MAIS

Os meninos e as guerras

Durante esta unidade você viu que a noção de infância, enquanto fase especial da vida
humana é recente na história da humanidade. A separação entre mundo adulto e mundo
infantil veio apenas no século XIX na Europa e foi marcada por estudos no âmbito da
pedagogia, psicologia e pediatria, que ajudaram a demarcar este estágio da vida en-
quanto particular. Mas antes disso, os meninos entre 14 anos engrossavam as frentes
de batalha nas guerras, lado a lado com os homens. No Brasil não foi diferente, as crian-
ças eram recrutadas pela Marinha e também foram chamadas a combater na Guerra do
Paraguai, um dos mais sangrentos conflitos na história brasileira.

Fonte: VENANCIO, 2010

REFLITA

“[...] querer conhecer mais sobre a trajetória histórica dos comportamentos, das formas
de ser e de pensar das nossas crianças, é também uma forma de amá-las todas, indis-
tintamente melhor.”

(DEL PRIORE, p. 19, 2010).

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 31


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Você acabou de ver que nem sempre a vida das crianças foi muito fácil e pode ser
que tenha percebido o contraste com as crianças da atualidade. Mesmo assim, é importante
compreender que mesmo nos tempos contemporâneos existem crianças desprovidas do
mínimo para sobrevivência. Este olhar, de reconhecimento de multiplicidades – sejam dife-
renças entre passado e presente ou dentro do presente – é graças a percepção histórica,
que nos ajuda e muito a compreender a quantas anda a situação da criança no presente.
Neste sentido, no primeiro tópico você reconheceu como opera a abordagem histó-
rica acerca do tema infância, entendendo que este tipo de estudo ainda é recente no Brasil.
Viu também sobre a necessidade de nos destituir de pré-concepções sobre a infância, pois
entendemos que tais noções foram sendo construídas ao longo do tempo. Além disso,
pudemos averiguar que boa parte do que se diz sobre a criança está baseado apenas na
concepção do adulto, dando pouco ou nenhum valor na representação que a criança faz
de si mesma.
No tópico seguinte, falamos sobre o conceito de infância e suas facetas. Primeiro
começamos pelas definições legais do que se compreende infância e também adentramos
em discussões sobre a relevância da compreensão das linguagens infantis na definição
deste conceito. Pudemos compreender também como são importantes as diferenças con-
textuais ao falarmos de infância a fim de que possamos enquadrá-la em um cenário amplo
e diverso.
No terceiro tópico, fizemos uma considerável apresentação da história da infância,
que não pretendeu esgotar a discussão, que introduziu alguns panoramas centrais. Co-
meçamos pela Antiguidade, pela Idade Média e pela Idade Moderna, mas nosso foco foi
a história da infância no Brasil, compreender sua extensão e multiplicidades de contextos.
Por fim, nos dedicamos a pensar a constituição da família no seio social e sua cor-
relação com a infância. Abordamos a diversidade de famílias, que não atendem ao modelo
construído de família tradicional, mas isso não retira seu caráter de família, inclusive no
âmbito legal.

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 32


LEITURA COMPLEMENTAR

BREVE HISTÓRICO DA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

Gilmar de Jesus Pereira

Ao tratar da questão histórica do trabalho infantil, pretende-se de maneira geral


apresentar alguns registros do emprego da mão-de-obra do grupo, para uma compreensão
geral da evolução cultural, social e legislativa.

Primeiros registros históricos

Desde os tempos antigos da humanidade, é possível verificar o trabalho das crian-


ças junto às famílias e tribos. Oliva (2006, p. 29) afirma que “é quase certo que o emprego
de crianças e jovens no trabalho existe desde que o mundo é mundo”.
Encontra-se também na antiguidade sementes legislativas de proteção aos meno-
res trabalhadores. O código de Hamurábi previa que, se um artesão adotasse um menor,
deveria ensinar-lhe seu ofício.
Oliveira, ao comentar a forma de trabalho na fase arqueológica, esclarece:
O trabalho humano era desenvolvido de forma primitiva, com a utilização de instru-
mentos rudimentares, destinando-se apenas à subsistência do homem. Não se encontra
referências expressas ao labor de crianças, sendo possível, porém, a exemplo de mulheres,
ficassem com a tarefa de colher frutos espontâneos da natureza, enquanto os homens se
ocupavam com os trabalhos de maior risco (caça por exemplo) (OLIVEIRA, 1997, apud
OLIVA, 2006, p.30).
Já entre os egípcios, registros históricos mostram que os filhos aprendiam o ofício
com os pais.
No período Romano, o contrato de aprendizagem era firmado de três modos: o
mestre obtinha a remuneração pelo ensino ministrado, poderia pagar os serviços do menor
ou ser compensado pelo ensino com os serviços.
Ensina Oliva (2006, p. 31) que para os Gregos e os Romanos, os escravos, que
não eram reconhecidos como pessoas e sim como coisas, eram de propriedade dos seus
senhores. Todos os filhos nascidos dos escravos passavam a ser propriedade dos possui-

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 33


dores de seus pais e eram obrigados a trabalharem para os seus donos ou para terceiros
em benefícios de seus dominadores.
O período do século XI ao século XV é marcado pelas corporações de ofício e pela
aprendizagem no período medieval. As Corporações de Ofício marcaram o denominado
corporativismo, já que era caracterizado por trabalho livre e artesanal urbano.
Em virtude do êxodo dos trabalhadores da zona rural, provocado pela exploração
dos antigos senhores feudais, bem como da ativação do movimento comercial nas cidades,
artesãos (não exclusivamente, mas de forma predominante) se agrupavam, jungidos pela
identidade de profissão e como o fito de defender seus interesses, concentrando-se na
zona urbana. (OLIVA, 2006, p. 37).
A contribuição de Montoya Melgar (1997, p. 112) é relevante: “o aprendiz celebrava
o contrato por volta dos doze anos de idade e a aprendizagem tinha duração variável, que
podia oscilar entre dois e dez anos, de acordo com a dificuldade do ofício”.
As jornadas de trabalho eram longas e o regime era autoritário, o que se estendia
aos aprendizes. Oliva comenta sobre alguns motivos que levaram à decadência das corpo-
rações de ofício, destacando o descontentamento dos aprendizes em relação aos mestres.
A demorada aprendizagem, a dificuldade cada vez maior de acesso à condição
de mestre, o despotismo e uma série de outros problemas, dentre os quais o início da
formação de novas corporações por companheiros rebelados (as companhias), com o fito
de combater entrasse definitivamente em declínio. (2003, p. 39).
Com efeito, as corporações de ofício entram em declínio, oportunizando outras
formas de trabalho dos menores. [...]

Fonte: PEREIRA, 2017.

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 34


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Pensando a família no Brasil: da colônia à modernidade.
Autora: Angela Mendes de Almeida (organizadora)
Editora: da UFRRJ
Sinopse: O livro é composto de três partes, sendo que na primeira
parte discute-se a construção do modelo patriarcal de família du-
rante o período colonial brasileiro, este modelo foi sedimentado na
obra do intelectual Gilberto Freyre e até os dias atuais possui força
ideológica. Na segunda parte, o livro retoma o papel da família
frente a construção da subjetividade do indivíduo, tomando como
pressuposto também um olhar psicanalítico. Por fim, “Pensando a
Família no Brasil” se desdobra em pensar uma possível crise na
família brasileira e como isto pode significar uma mudança signifi-
cativa do que até então tem-se identificado como família.

FILME/VÍDEO
Título: A vida é bela.
Ano: 1998
Sinopse: O filme começa na Itália contexto da Segunda Guerra
Mundial. Um pai o judeu Guido e seu filho Giosué são capturados e
levados para um campo de concentração nazista. Em meio a tanto
caos e violência, o pai resolve preservar a infância do seu filho,
fazendo parecer que tudo aquilo não passa de uma brincadeira.

UNIDADE I Conceito de Infância, Família e suas Historicidades 35


UNIDADE II
Atendimento às Crianças: Papel do
Estado e as Políticas Sociais
Professora Mestra Maria Helena Azevedo

Professora Mestra Laís Azevedo Fialho

Plano de Estudo:
● Análise histórica das políticas sociais voltadas à criança suas raízes históricas
● Estatuto da Criança e do Adolescente: avanços e desafios
● A política social contemporânea, o neoliberalismo, a Reforma do Estado,
o repasse das responsabilidades para a sociedade civil

Objetivos da Aprendizagem:
● Contextualizar as premissas das políticas públicas voltadas à criança
● Compreender os antecedentes históricos e impacto do ECA
● Analisar os preceitos neoliberais frente às políticas públicas

36
INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo muitas foram as abordagens frente ao atendimento às crianças.


Reconhecia-se o papel fundamental que o Estado e sociedade teriam à frente se quisessem
romper com o longo histórico de abusos e violências, por isso a importância das políticas
sociais dirigidas especificamente para este público, para que crianças e adolescentes tives-
sem o direito não apenas de viver, mas viver com dignidade.
Para que você compreenda como se deu este processo, apresentaremos no pri-
meiro tópico desta unidade uma discussão que versa sobre as premissas históricas do
atendimento à crianças e adolescentes. Você verá que a primeira preocupação do Estado
era com a delinquência e é com base nisso que são desenhadas as primeiras ações para
combater a família desestruturada – considerada o motivo da criminalidade. É neste con-
texto que surge o Código dos Menores de 1927, cujo teor você verá que estava voltado
muito mais pelo caráter punitivo, do que necessariamente de integração. Durante a Dita-
dura Militar outras providências neste sentido serão tomadas, o que mudará apenas com o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ECA ou Estatuto da Criança e do Adolescente, uma das mais importantes legis-
lações sobre a temática, será assunto do nosso próximo tópico. Primeiro, você verá alguns
antecedentes históricos do Estatuto e como este estava alinhava a instâncias mundiais,
que preconizavam o direito universal da criança a vida, saúde, educação, dentre outros. A
discussão sobre o ECA se funde com as reivindicações no contexto da Constituinte e por
isso apresenta premissas altamente democráticas. Sua estruturação e difusão por todo o
território brasileiro foi fundamental para promover mudanças em âmbitos institucionais, a
fim de proteger a criança e o adolescente.
Por fim, no último tópico falaremos de maneira breve sobre a intersecção entre
as necessárias políticas públicas, as quais discutimos durante a unidade e as ações de
governos pautados pela ideologia neoliberal, que imperou no Brasil nas últimas décadas
do século XX e parece querer emergir novamente. Estas políticas, pautadas no ideário de
austeridade fiscal, desconsideram a responsabilidade do Estado em fornecer os instru-
mentos necessários para a efetivação das políticas públicas, causando graves ameaças
conquistadas a duras penas.

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 37


1. ANÁLISE HISTÓRICA DAS POLÍTICAS SOCIAIS VOLTADAS À CRIANÇA E
SUAS RAÍZES HISTÓRICAS

Como vimos na unidade anterior, nem sempre o sentimento de cuidado e proteção


para com as crianças foram presentes na história. Com o avanço do braço do Estado nos
problemas sociais, podemos ver breves avanços no que diz respeito às políticas sociais.
Ainda que nos dias de hoje muitas destas políticas sejam deficitárias, elas são importantes
como garantias legais para a proteção do infante.
A nova realidade que despontou no Brasil República, com a vinda de imigrantes e a
situação dos escravos libertos, gerou um problema social sem precedentes. A pobreza e a
fome levaram muitos pais a abandonarem seus filhos e desde então o que ficava a cargo da
filantropia de entes privados passou a ser visto como um problema do Estado. (PASSETTI,
2010).
A preocupação central do Estado era a delinquência, vista como proveniente de
famílias desestruturadas. Diante de um cenário no qual agitadores políticos cobravam do
Estado melhores condições de trabalho, saúde e educação, o Estado passou a chamar
para si esta responsabilidade. Com isso, havia a intenção de integrar as crianças destas
famílias à sociedade, para que no futuro não caíssem na criminalidade. (PASSETTI, 2010).
Alguns fatos, como o abandono crescente de crianças à santas casas a fim de
que estas pudessem ter um futuro melhor, bem como as intensas greves do proletariado

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 38


cobrando melhores condições para as crianças; tornaram evidente a demanda por políticas
sociais voltadas aos menores. (PASSETTI, 2010).
Com a greve de 1917, as autoridades governamentais são despertadas para
a situação social dos operários e de suas famílias e tanto a plataforma de Rui
Barbosa à presidência, em 1919, quanto a de Washington Luis candidatando-
-se ao governo de São Paulo, em 1920, passaram a tratar o problema não mais
como caso de polícia mas como questão social. (PASSETTI, 2010, p. 426)

Pode-se dizer que o século XX trouxe à tona inúmeras contradições sociais e o


Estado logo nas primeiras décadas começa a esboçar algumas políticas públicas. Primeiro,
por meio do decreto de 20 de dezembro de 1923, que regulamentou a proteção aos meno-
res abandonados, ligando esse quadro à pobreza e delinquência:
O já citado decreto no 16.272, de 20 de dezembro de 1923, dizia em seu ar-
tigo 24, § 2o: se o menor for abandonado, pervertido ou estiver em perigo de
o ser, a autoridade competente promoverá a sua colocação em asilo, casa de
educação, escola de preservação, ou o confiará a pessoa idônea, por todo o
tempo necessário à sua educação, contanto que não ultrapasse a idade de
21 anos. (PASSETTI, 2010, p. 431).

Mais tarde, em 1927, surge o Código dos Menores, o qual já citamos brevemente,
que tratava a internação como medida eficaz para redução de delinquência entre crianças
e adolescentes. Havia uma abordagem multidisciplinar, que articulava preceitos médicos e
jurídicos, no tratamento da criança e do adolescente dentro do âmbito das instituições de
reclusão. A partir desta abordagem, instaurou-se a disciplina a norma como eixos educati-
vos destes jovens, a fim de atender a reprodução do sistema capitalista, que no alvorecer
da década de 1930 começava a se fortalecer nas grandes cidades. (LONGO, 2007).
Esta prática, sustentada pelo Código dos Menores, possuía um caráter controver-
so, já que a delinquência era e é fruto da desigualdade social e ainda recebia a punição do
sistema que gerou essa desigualdade. Algumas instituições dedicadas a cuidar exclusiva-
mente deste problema social foram criadas, como foi o caso do SAM (Serviço de Assistência
ao Menor) criado durante o governo de Getúlio Vargas e mais tarde a FUNABEM – hoje
conhecida como Fundação CASA – fundada durante o regime militar. (LONGO, 2007).
A emergência do populismo de Vargas, a conquista dos direitos trabalhistas em
1943, não consegue tirar da marginalidade um grande contingente populacional, fazendo
perpetuar o problema da criança e do adolescente delinquente. Com isso, a questão dos
menores volta para o centro dos debates ainda em 1943 na forma da Lei de Emergência:
Esta lei promoverá uma mudança no Código de Menores de 1927, com os
trabalhos de uma comissão revisora do mesmo, que definirá o critério de ‘pe-
riculosidade’ manifesta na personalidade do adolescente como determinante
para a decisão dos encaminhamentos do juiz. (LONGO, 2007, p. 3).

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 39


As decisões em torno do destino do menor dito delinquente foram colocadas nas
mãos do judiciário, com a assistência do comissário de menores e de um médico. Após o
fim da era Vargas em 1945, a SAM foi alvo de denúncias de maus-tratos e violência contra
os internos. Mas mesmo com estas denúncias, pouco foi feito em termos de políticas sociais
para melhorar as condições destas crianças e adolescentes.
Após um breve período de democracia, eclode a ditadura militar em 1964 e com ela
se instaura a Política Nacional do Bem- Estar do Menor (PNBM). Essa política não é tomada
como uma garantia de direitos, mas sim uma forma de garantir o crescimento econômico
e o controle de uma população miserável. É a partir da PNBM que é criada a FUNABEM:
Neste contexto, a FUNABEM é criada para conter o avanço da marginalidade
infanto-juvenil, mas com um verniz de modernidade no atendimento. O novo
enfoque assistencialista de atendimento coloca para a criança e o adolescente
pobres o feixe de carências bio-psico-sócio-culturais. O padrão de desenvolvi-
mento normal seria o jovem da classe média e, portanto, mais uma vez o es-
tigma da marginalização dos pobres estaria preservado. (LONGO, 2007, p. 4)

Esta nova política tinha a pretensão de modificar comportamentos não apenas


pela reclusão, mas considerava fundamental a educação na reclusão, voltada a correção
de desvios comportamentais. (LONGO, 2007). Sob a gestão de Médici, terceiro militar do
regime, entendia-se que o Brasil deveria passar não apenas pelo “milagre econômico”, mas
também pelo “milagre social”, sob o qual o ideário da FUNABEM estava assentado.
É neste período também que se incorpora a expressão “menor” de uma vez por
todos no âmbito das políticas públicas. Essa expressão já fazia parte do sistema jurídico,
mas começa a ocupar a nível nacional e dos estados uma importância na esfera adminis-
trativa. Mediante a isso, se empreende não apenas uma expressão dirigida à crianças e
adolescentes, mas também um arcabouço de práticas circunscritas ao “menor”. (MIRANDA,
2016).
Como já pontuamos, houve uma alteração do Código dos Menores de 1927 no ano
de 1979, que instaura a nomenclatura de “menor em situação irregular”:
Ao redefinir a situação de abandono material e moral, o Código de Meno-
res de 1979 considerava a expressão “situação irregular” a melhor forma de
abranger aqueles estados de “marginalização” que caracterizavam o “me-
nor”, mantendo, no entanto, uma postura de diferenciação em relação a um
destinatário considerado desajustado e não integrado, reiterando-se ainda
que essas condições se devem à situação de irregularidade da própria família
do ‘menor’. (FRONTANA, 1999 apud MIRANDA, 2016, p. 62)

O Código dos Menores de 1979 reconhecia o problema do abandono como principal


gerador de insegurança nas grandes cidades e para sanar isso contava com o mecanismo
da vigilância das crianças e das famílias. É importante frisar que neste contexto, a criança
e o adolescente em situação de vulnerabilidade social, tornaram-se objeto de preocupação

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 40


nacional permanente, ou seja, um problema alinhado à doutrina de Segurança Nacional.
Assim, a correção comportamental destes menores acontecia sob as vias da pedagogia do
trabalho nas instituições, como a FUNABEM. (MIRANDA, 2016).
Cabe lembrar que a partir da abertura política da década de 1970/1980, a socie-
dade civil passa a ter mais voz ativa em torno dos problemas sociais, inclusive acerca
das políticas públicas que envolvem a criança e o adolescente. Outro aspecto importante
é que estamos a falar de um contexto extremamente delicado com relação aos direitos
humanos e isso será discutido nas legislações posteriores. Por isso, os avanços, em termos
de políticas públicas, acontecem em 1988 com a Constituição Federal e mais tarde com o
Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, o qual trataremos a seguir.

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 41


2. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: AVANÇOS E DESAFIOS

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das mais importantes legislações


que tratam das particularidades desta categoria social no Brasil. Promulgado em 1990, o
ECA tentou varrer os últimos vestígios que mais de vinte anos de autoritarismo trouxeram
para as políticas sociais dirigidas à crianças e adolescentes. Por isso, o Estatuto é fruto da
luta de movimentos sociais que buscavam efetivar os direitos universais das crianças e dos
adolescentes.
Você viu que no que diz respeito ao tratamento da criança e do adolescente vigora-
va o Código dos Menores, mas assim que houve sinais de reabertura política, a sociedade
civil se organizou para cobrar a revisão imediata deste Código para que este estivesse
alinhado com a Declaração dos Direitos Universais da Criança de 1959. Mas o que pregava
essa Declaração?
A Declaração dos Direitos da Criança da ONU em 1959 provocou discussão
mundial em torno das demandas da população infantil. A Declaração cobrou dos
Estados Nacionais o compromisso com a defesa da proteção especial às crian-
ças, a garantia da universalização dos direitos a todas as crianças, bem como a
garantia da educação primária gratuita e obrigatória. (LONGO, 2007, p. 6)

Mediante a pressão dos órgãos internacionais, foi instaurada em 1975, a “CPI do


Menor”. A Comissão Parlamentar, que presidia a CPI, tinha o intuito de investigar as pro-
blemáticas da criança e do adolescente carente no país. Após algum tempo, os resultados
da CPI apontaram para a necessidade de criar melhores instrumentos capazes de sanar

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 42


a carência de políticas públicas dirigidas a este público, visando diminuir o abandono e a
crescente criminalidade. (LONGO, 2007).
Houve reações também da sociedade civil frente ao problema, como foi o caso da
Igreja Católica. A Arquidiocese de São Paulo fundou, em 1978, a Pastoral do Menor, com
essa fundação, emerge a figura do “educador de rua”, que acompanhava os menores em
situação de vulnerabilidade social e tinha como compromisso denunciar essa situação.
Essa abordagem por parte da Igreja Católica, alinhava-se com uma vertente progressista
da Igreja, demonstrando apoio aos marginalizados da sociedade. (LONGO, 2007).
Nos anos 1980 fundou-se o Projeto “Alternativas de Atendimento a Meninos de
Rua”, uma parceria da UNICEF1, do Ministério da Previdência e Assistência Social e da FU-
NABEM. Longo (2007) afirma que tratou-se de um momento de “criatividade institucional”,
no qual ideias e lideranças de movimentos sociais foram articuladas a fim de pensar solu-
ções para o atendimento de crianças e adolescentes. Este projeto identificava, registrava
e divulgava iniciativas comunitárias bem sucedidas no tratamento de crianças de rua. Isso,
de certa maneira, fortalecia o repasse da responsabilidade do Estado para a sociedade
civil – tema que veremos mais adiante.
Em 1985, durante o I Encontro Nacional das Comissões Locais, referente ao Projeto
Alternativas Comunitárias de Atendimento a Meninos de Rua, emergiu o Movimento Nacio-
nal de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). Este movimento procurava maior intervenção
do Estado frente às políticas públicas para crianças e adolescentes, ou seja, buscando
apoio político para a defesa do infante. (LONGO, 2007).
No ano seguinte, em 1986, o MNMMR realizou o I Encontro Nacional de Meninos
e Meninas de Rua, deixando claro o teor político e progressista do movimento. Ainda neste
ano, foi criado o movimento “Criança Constituinte”, Comissão Nacional que tinha por obje-
tivo sensibilizar a opinião pública frente à realidade enfrentada por crianças e adolescentes
por todo o país. (LONGO, 2007). Cabe lembrar que estamos a falar de um contexto que
antecede a Constituição de 1988 e diversos movimentos sociais expunham suas pautas, a
fim de que estas pudessem ser contempladas no âmbito político institucional. Com isso, a
Comissão Nacional Criança na Constituinte, a Pastoral do Menor e o MNMMR se uniram
para elaborar uma “Carta Aberta aos Constituintes e à Nação Brasileira” em 1987:
A Emenda apresentada reivindica a inserção, na Constituição Brasileira, dos
sete direitos capitais da Declaração Universal dos Direitos da Criança da
ONU; menciona a parceria do Estado com as entidades não governamentais,
incluindo a necessidade de lei ordinária detalhadora do ‘alcance e das formas

1 Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância, em inglês United Nations
Internacional Children’s Emergency Fund.

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 43


de participação das comunidades locais na gestão, no controle e na avalia-
ção das políticas e programas de atendimento aos direitos da criança e do
adolescente’; e acentua a preocupação com a defesa dos meninos acusados
por infração penal (TOMMASI, 1997, p. 65 apud LONGO, 2007, p. 9).

Já em 1988 foi criado o Fórum DCA, que aglomerava entidades não-governamen-


tais em defesa dos direitos da criança e do adolescente e os tornava objeto de preocupação
permanente a nível nacional. O Fórum buscava fazer pressão na sociedade e nos parla-
mentares responsáveis pela nova Constituição para uma mudança efetiva na legislação e
chamar a atenção para a violência contra crianças e adolescentes.

SAIBA MAIS

O extermínio de crianças de rua no Brasil

A matança de crianças e adolescentes de rua no Brasil corresponde a um problema es-


trutural que vem desde o período colonial, no qual deseja-se o desaparecimento físico
do problema social. A presença de meninos de ruas sempre foi vista como algo incômo-
do aos olhos da sociedade, especialmente nas grandes cidades, onde o extermínio tor-
nou-se problema de ordem pública. O passado autoritário do Brasil, fez e faz que muitos
agentes públicos abusem de seu lugar de poder e entendam que as crianças invisíveis
para o Estado, família e sociedade sejam passíveis de todo o tipo de violência, inclusive
aquelas que levam à morte.

Fonte: Sudbrack (2004)

No ano de 1988 a Constituição Federal foi promulgada e


[…] incorporou as reivindicações das duas Emendas de iniciativa popular,
numa votação de 435 votos a favor e somente 8 votos contrários. A garantia
da participação popular nas políticas sociais foi prevista conforme o artigo
204 e o princípio da criança prioridade absoluta ficou previsto conforme o
artigo 227 da Constituição. (LONGO, 2007, p. 9).

Mesmo com as mudanças constitucionais, as entidades não-governamentais e as


próprias crianças e adolescentes continuavam a denunciar episódios de violência, princi-
palmente com relação à criança pobre e periférica. Neste sentido, o II Encontro Nacional
do MNMMR causou impacto em endossar tais denúncias, o que desdobrou na criação da
Frente Parlamentar pelos Direitos da Infância e da Juventude. Essa Frente se mostrou for-

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 44


temente comprometida em levar a cabo o Estatuto da Criança e do Adolescente. (LONGO,
2007).
É importante observar a constante mobilização social para que o ECA fosse
empreendido, que tinham como ponto em comum concretizar os direitos humanos para
as crianças e adolescentes, mesmo em meio à divergências ideológicas das entidades
não-governamentais.
Com a redação concluída, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi apre-
sentado ao mesmo tempo na Câmara e no Senado Federal e, ao ser apro-
vado pelo Congresso Nacional, foi sancionado pelo Executivo, na Lei 8.069,
de 13 de julho de 1990. Aprovada a nova lei, o desafio posterior seria a sua
concretização. No âmbito do imaginário social, a radicalidade do Estatuto da
Criança e do Adolescente estava e está em romper com o estigma dos me-
nores, mediante a universalização do direito à infância e à adolescência, para
todos os sujeitos entre 0 e 18 anos. Os direitos contidos no ECA não admitem
a discriminação por classe, gênero ou etnia, entre os ‘menores’ enquanto
filhos dos pobres e as crianças e adolescentes enquanto filhos da classe
média e dos ricos. (LONGO, 2007, p. 11).

O ECA trouxe mudanças significativas no tratamento de crianças e adolescentes,


principalmente no que se refere à Doutrina de Proteção Integral. Com isso, o Estatuto
garante a proteção integral da família, da sociedade e do Estado, rompendo com as práti-
cas repressivas no “Menor em Situação Irregular”, vigente durante a ditadura, e adotando
medidas socioeducativas no lugar. (LONGO, 2007).
A Proteção Integral do Infante foi ainda objeto de discussão na Lei nº 13.010 de
junho de 2014, apelidada de “lei da palmada”, essa lei inclui alguns itens ao Estatuto da
Criança e Adolescente e se posiciona claramente quanto ao uso de meios violentos. O
artigo 18 da referida lei expõe que:
A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o
uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de
correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos
integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos
executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada
de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. (BRASIL, 2014, online).

ção à criança e ao adolescente, desde o ECA, preconizou também uma alteração


no aparato institucional. Houve a extinção da FUNABEM e a criação do Centro Brasileiro
da Infância e Adolescência, que tinha a pretensão de implantar as premissas do ECA no
país. As políticas públicas passam a se pautar por alguns novos princípios que iam desde
a implantação de políticas sociais básicas, até o atendimento especial para crianças e
adolescentes em situação de risco. (LONGO, 2007).
Para que as premissas do ECA pudessem se concretizar havia e há um longo
caminho a se percorrer, como o caso das FEBEM’s podem exemplificar – leia o material

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 45


complementar para entender mais. Ainda que o histórico da FEBEM continue, algumas
mudanças básicas foram feitas, como a inserção de atendimento médico, psicossocial
e jurídico. No caso dos orfanatos, os espaços foram reordenados para a convivência de
meninos e meninas de várias faixas etárias e a preferência pela permanência de contato
entre irmãos. (LONGO, 2007).
Outro aspecto importante derivado das preposições do ECA, foi a criação dos Con-
selhos Tutelares. Cada município ficou incumbido de criar seu próprio Conselho Tutelar, de
caráter autônomo e independente, composto por 5 membros, eleitos pela comunidade local.
Longo (2007), cita o especialista em direito Wilson Liberati, para quem os Conselhos são
a expressão genuína da democracia e constituem uma das mais representativas esferas
comunicativas entre povo e poder público.
Podemos compreender que o ECA, mediante a um histórico de violações dos direi-
tos das crianças e dos adolescentes, representou importante avanço em termos de políticas
públicas. No entanto, ainda há muito a ser feito, principalmente para aquelas crianças que
se encontram em situação de vulnerabilidade, causada pela desigualdade social. A partir
deste cenário contemporâneo, vamos ver em seguida como o âmbito público tem lidado
com a questão.

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 46


3. A POLÍTICA SOCIAL CONTEMPORÂNEA, O NEOLIBERALISMO, A REFORMA
DO ESTADO, O REPASSE DAS RESPONSABILIDADES PARA A SOCIEDADE CIVIL

Como vimos, houve profunda participação da sociedade civil para a concretização


do Estatuto da Criança e do Adolescente, documento importantíssimo no que se refere à
garantia de direitos para este público é fundamental para a melhoria institucional no atendi-
mento do infante. Desde os primeiros anos de 1970 o que vemos é repasse de várias das
responsabilidades estatais para a sociedade civil, em um projeto neoliberal que começa a
se delinear e que preconizava uma menor participação do Estado no âmbito das políticas
públicas e a primazia do mercado em conceber direitos inalienáveis às crianças.
Em primeiro lugar, a situação da criança carente e tomada sob uma ótica diferenciada:
A questão dos meninos de rua é tratada simplesmente como um problema
social, que pode ser resolvido através de medidas de fácil alcance, e não
como consequência de uma estrutura social desigual e excludente. A solu-
ção, portanto, pode e deve ser encontrada e assumida pela comunidade,
sem precisar provocar mudanças estruturais para atacar as causas, sociais e
econômicas, do problema (TOMMASI, 1997, p.57 apud LONGO, 2007, p. 8).

A Constituição Federal de 1988 garante direitos intransferíveis, como direito ao


acesso à vida, saúde, educação, lazer, dentre outros, retificados mais tarde pelo ECA.
Porém, também abre precedentes para parcerias entre o setor público e privado, no qual
compete às entidades sem fins lucrativos uma alçada compartilhada com o Estado na
prestação de serviços essenciais. Ainda que os mecanismos de controle e fiscalização,
especialmente no repasse de verbas, não fossem efetivos. (VIDIGAL; SUGUIHIRO, 2017)

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 47


Esse esvaziamento do Estado de suas responsabilidades aconteceu em um con-
texto muito mais amplo do final da década de 1970 de esgotamento do capitalismo em
seus moldes clássicos, que se estendeu por três décadas após o fim da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Essa crise gerou estagnação econômica e fez com que muitos países
diminuíssem de forma drástica o investimento em políticas sociais, o que gerou a “mercan-
tilização dos direitos sociais” e por isso “direitos [...] de responsabilidade estatal como a
saúde, a educação, a previdência entre outros, passaram a ser adquiridos como produtos
a serem comercializados.” (VIDIGAL; SUGUIHIRO, 2017, p. 3).
A ação do Estado, sob esta perspectiva, chegava ao seu limite, o tamanho do Esta-
do deveria ser repensado e o modelo para a superação da crise agora era o neoliberalismo.
É após 1973 que a ideologia neoliberal começa a ganhar espaço, primeiro na Inglaterra
de Margareth Thatcher, na década de 1970, depois nos EUA, com Reagan em 1980. O
neoliberalismo chegou na América Latina na década de 1980 como resposta ao déficit
fiscal, visando diminuir o gasto público, por meio de privatizações e políticas de teor liberal,
alinhado ao que se designou mais tarde como Reforma do Estado. (VIDIGAL; SUGUIHIRO,
2017).
Foi um golpe brutal para as políticas públicas, já que o intuito do Estado passa a
ser cada vez, ao adotar políticas de austeridade, de transferir as responsabilidades sociais:
O recuo das políticas públicas e a admissão de esgotamento dos Estados na-
cionais em sua missão de mediar, pelo exercício da política, as crescentes
tensões sociais fruto dos efeitos negativos do capitalismo global, levaram as
grandes corporações – por sua vez – a descobrirem um novo espaço que está
rendendo altos dividendos de imagem pública e social: o desejo dos governos
de empurrar para o âmbito privado as responsabilidades e os destinos da desi-
gualdade (DUPAS, 2003, p. 75 apud VIDIGAL; SUGUIHIRO, 2017, p. 4).

O projeto neoliberal no Brasil teve início em finais da década de 1980 e mostrou-se


mais efetivamente a partir de 1990. É importante lembrar, conforme vimos no tópico anterior,
que muitos pontos da Constituição foram discutidos com a participação ativa de diversos
setores da sociedade civil, que buscavam um país democrático, que prezasse pela proteção
social, especialmente de grupos mais vulneráveis, como é o caso das crianças. Todavia, por
mais que a Constituição deixe claro esse teor democrático e de proteção social, o projeto
neoliberal apontava para a sua impraticável realização. (VIDIGAL; SUGUIHIRO, 2017).
O neoliberalismo brasileiro teve início durante o governo Collor, mas foi durante
a gestão de Fernando Henrique Cardoso e seu Ministro da Fazenda Luís Carlos Bresser-
-Pereira, que ele ganhou forma e acompanhou a Reforma do Estado. Para o ministro a
Constituição representava uma “volta ao passado”, pois o país necessitava modernizar a
sua administração pública, de forma a aproximá-la do mercado privado de trabalho. Mas o

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 48


que a Constituição fazia, na visão de Bresser-Pereira, era burocratizar a máquina pública,
gerando ineficiência administrativa e problemas financeiros. (VIDIGAL; SUGUIHIRO, 2017).
Esta reforma da administração pública [priorizou] a redução dos custos do se-
tor público e o aumento de sua produtividade, bem como reduzir a esfera de
atuação do estado em favor do mercado e reduzir a ineficiência do estado ba-
seando-se no “gerencialismo puro”. Desta forma, tal reforma foi inspirada nas
ideias neoliberais de flexibilização, terceirização e de parcerias entre o setor
público e o privado, trazendo consequências profundas para o desenvolvimen-
to das políticas sociais públicas. (VIDIGAL; SUGUIHIRO, 2017, p. 6).

Esta reforma, que acaba por se desdobrar em um enxugamento dos gastos públi-
cos com políticas sociais, desfere grandes consequências para a sociedade. Apontou-se,
assim, para uma queda no oferecimento de serviços públicos e na qualidades destes
serviços. (VIDIGAL; SUGUIHIRO, 2017). Em virtude disso, é possível entender que os
atuais problemas no oferecimento de serviços públicos não é algo recente, ele é, além de
um problema estrutural, fruto das escolhas dos governantes em oferecer ou não serviços
públicos de qualidade.
As políticas sociais, como já dissemos, foram tratadas como mais um elemento
do mercado e não mais como um direito conquistado. Em consequência disso, ações de
entes privados foram cada vez mais ganhando espaço e houve um desmantelamento dos
serviços sociais, o que gerou um discurso de retorno de responsabilidade das famílias e
outros órgãos da sociedade civil, tais como Igrejas, ONG’s, empresas interessadas em
filantropia, dentre outros. (VIDIGAL; SUGUIHIRO, 2017).
Até os dias atuais ouvimos dizer sobre o problema das crianças carentes, não
que a preocupação de proteção e cuidado não se estenda às crianças das classes mais
abastadas, pois as políticas públicas são para todos. No entanto, é preciso entender que
dentro de um país extremamente desigual como o nosso, a existência de políticas públicas
que visem minar esta desigualdade é fundamental. A pobreza, a fome, a violência e o
abandono são frutos perversos de um sistema que cada vez mais gera essa situação e se
exime da responsabilidade de combatê-lo ao tratar não mais como direito, mas sim como
prerrogativa de mercado. Assim, “essas crianças empobrecidas pelo próprio sistema são
carentes: carentes de políticas públicas eficazes e emancipatórias, carentes de justiça,
sobretudo, de respeito e cumprimento dos direitos, constitucionalmente, a elas destinados.”
(SILVA, 2005, p. 43).
Você viu durante nossa discussão, o quão grave foi o tratamento para com as
crianças ao longo dos anos e como foram feitos esforços para tentar sanar este problema.
É de suma importância lembrar que muitas vezes a sociedade fecha os olhos para uma
realidade que está muita próxima, preferindo marginalizar crianças de certos estamentos

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 49


sociais, sem compreender a complexidade do problema estrutural ali exposto. O que muitas
vezes sustenta o discurso de alguns governantes, desconhecedores de tais complexida-
des, que em uma aparente desconexão com a realidade preferem dizer que o trabalho
infantil não atrapalha a vida de ninguém. É preciso muito mais que um breve olhar, antes
de instigar preconcepções desinformadas. É preciso ter um olhar histórico, que se faça
presente no presente.

REFLITA

“Estas crianças e jovens, mais do que legislação adequada, instrução pública ou polí-
ticas sociais, merecem a liberdade de viver para, talvez, criar seus filhos distantes das
punições, inventando prazeres”

(PASSETTI, 2010).

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 50


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Você viu que ao longo do tempo foram várias as abordagens com relação ao
atendimento à criança e ao adolescente, certo? Esta unidade teve como intuito central
em lhe fazer compreender sobre a necessidade do braço do Estado em políticas públicas
eficientes para crianças e adolescentes e chamar a atenção para o esforço da sociedade
civil em fazer frente aos vários tipos de abuso e violência.
Por isso, no primeiro tópico, procurando fazer com que entenda este processo,
mostramos algumas das premissas históricas das políticas públicas no atendimento de
crianças e adolescentes. Você viu que em um primeiro momento a preocupação do Es-
tado era com a delinquência e tomando este ponto de vista, procurou combater a família
desestruturada, que naquele contexto era considerada motivo da criminalidade. Com isso,
surgiu uma das primeiras legislações sobre a criança e adolescente, que foi o Código dos
Menores de 1927, voltado para um caráter punitivo, assim como o Código dos Menores
de 1979, feito durante o regime militar. Deixamos claro que este caráter punitivista só será
abandonado com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi o tema de nosso segundo tópico. Pri-
meiro você observou os antecedentes históricos à promulgação do Estatuto, e de que forma
este se alinhava aos preceitos dos direitos universais da criança, como o direito à vida, à
saúde, à educação, dentre outros. Falamos sobre como tais reivindicações estiveram a par
da confecção da Constituição, apresentando um teor bastante democrático. Vimos também
que a sua estruturação no Brasil foi de suma importância para promoção de mudanças nos
âmbitos institucionais de proteção à criança e ao adolescente.
No último tópico, ressaltamos o tratamento que as políticas públicas, tema de nossa
unidade, tem sofrido desde a década de 1970. Tais ações, como você viu, se pautaram por
uma ideologia neoliberal nas últimas décadas do XX, e buscavam transferir o papel do
Estado, como aquele capaz de prover os direitos básicos, para a sociedade civil, fazendo
aprofundar ainda mais as carências das crianças e adolescentes do país.

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 51


LEITURA COMPLEMENTAR

A FEBEM NÃO MORREU: TRABALHADORES E EX-INTERNOS DENUNCIAM


VIOLÊNCIA COTIDIANA E AFIRMAM QUE INSTITUIÇÃO “SÓ MUDOU DE NOME”

Lu Sodré

Dezembro de 2018. Numa sala de 25 metros quadrados, 66 adolescentes são


espancados por agentes da Fundação Casa da unidade Casa Nogueira, do Complexo
Raposo Tavares, zona oeste de São Paulo. Após a sessão de espancamento, cinco deles
precisaram levar pontos na cabeça.
Oito meses depois, em agosto de 2019, um jovem de 16 anos perde o baço e
parte do pâncreas após ser espancado por dois funcionários da unidade de São José dos
Campos, no Vale do Paraíba, sudeste do estado.
Os casos recentes de violência nas unidades da Fundação Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente remontam o ambiente da antiga Fundação Estadual para o
Bem-Estar do Menor de São Paulo (Febem), extinta em 2006 justamente por seu histórico
de violência contra menores, conflitos e rebeliões.
Criada em 1976 para atender adolescentes em conflito com a lei, durante décadas
a Febem foi palco de levantes e alvo de denúncias que ganharam o noticiário nacional e
internacional entre o fim da década de 1990 e início dos anos 2000. Trinta anos após sua
criação, em 22 de dezembro de 2006, o então governador Cláudio Lembo sancionou a lei
12.469/06, que criou a Fundação Casa.
“Era o início de uma nova história”, registra o site oficial da instituição.
O primeiro capítulo da “nova história” se deu com a criação de unidades no inte-
rior que descentralizaram os complexos da capital paulista. A reestruturação tinha como
propósito o cumprimento das medidas socioeducativas em conformidade com os direitos
garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Uma tentativa de desvenci-
lhar-se da imagem manchada da Febem.
No entanto, a política de contenção de rebeliões, assim como mudanças metodo-
lógicas e organizacionais, não vieram acompanhadas da interrupção da violência contra os
adolescentes de 12 a 21 anos internados nas 143 unidades espalhadas pelo estado. [...]
“Só mudou de nome”.
A frase acima foi dita por quatro funcionários da Fundação Casa que concederam
entrevista ao Brasil de Fato em momentos diferentes e sob condição de anonimato. Isso

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 52


porque, segundo eles, quem questiona ou se posiciona contra as violências é perseguido
ou transferido como forma de retaliação.
Renato, agente educacional há mais de dez anos em uma unidade da capital, res-
salta que os recorrentes maus tratos contrariam o regimento interno da instituição.
O artigo 3º do documento, por exemplo, determina que entre os princípios do aten-
dimento socioeducativo ao adolescente estão o respeito aos direitos humanos, assim como
incolumidade, integridade física e segurança.
“A agressão é a regra para disciplinar. Uma disciplina comparada ao presídio de
adultos. Falamos para o adolescente que ele está cumprindo uma medida socioeducativa,
mas quando eles conversam com o funcionário da segurança, eles dizem: ‘Você está em
uma cadeia, tem que se comportar como ladrão’. Todo um trabalho, uma construção, é
derrubada”, afirma Renato.
O diagnóstico é enfático: “É o modelo antigo da Febem. A Febem não morreu, está
mais viva do que nunca. Só mudou o nome. Se tiver um afastamento da mídia e dos direitos
humanos, volta tudo”, denuncia.
Ele conta que, além de receberem frequentes socos no peito e pisões no pé, os ga-
rotos permanecem de ‘castigo’ sentados no chão ou de pé olhando para a parede por horas.
Frequentemente o profissional é impedido de entrar nas salas onde os outros funcionários
levam os adolescentes “para conversar” – locais onde geralmente ocorrem as agressões.
O educador também relata que os agentes provocam os adolescentes para que
eles “percam a linha” e a agressão seja “justificada”.
A assistente social Carla, que trabalha há quase duas décadas na instituição, desde
a época da Febem, confirma que a represália é constante e que o medo de falar toma conta
tanto das vítimas quanto dos funcionários que discordam do uso da violência.
Segundo ela, na internação provisória as agressões são mais veladas, mas, nas
unidades onde os adolescentes cumprem as medidas sentenciadas, “o coro come”.
“A Corregedoria da Fundação demora muito pra verificar o caso de violência. Aí, de-
pois o próprio servidor coage o garoto para mudar a versão. Existe muito isso. A represália é
direta. O funcionário fala que o menino foi pra cima, que ele foi se defender dele.. Tem uma
série de desculpas. São agressões que ficam o hematoma, o menino mostra. Às vezes,
quando mostra, já tem três, quatro dias. E os próprios meninos falam que se denunciar,
piora”, detalha a assistente social. [...]

Fonte: Brasil de Fato (2019).

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 53


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Endereço Desconhecido: Crianças e Adolescentes em
Situação de Rua
Autores: Normanda Araújo de Morais; Lucas Neiva-Silva; Silvia
Helena Koller
Editora: Casa do Psicólogo
Sinopse: Pensar a infância e adolescência em situação de rua é,
sobretudo, trabalhar com a infância em situação de vulnerabilidade
social e com famílias e contextos sociais em situação de vulnera-
bilidade. É preciso, portanto, voltar... Voltar as nossas pesquisas e
propostas de intervenções para as comunidades de baixa renda,
voltar para as famílias negligenciadas pelas políticas públicas,
voltar para as escolas... Portanto, voltar-se para toda a diversidade
de atores, programas e políticas sociais, localizados em diferentes
endereços desconhecidos, os quais estão em diferentes níveis,
relacionados ao fato de que crianças e adolescentes continuam
a fazer da rua o seu principal (ou um dos principais) contextos de
desenvolvimento. Junto a estes podemos contribuir para o fortale-
cimento e desenvolvimento de alternativas mais viáveis e sadias
de projetos de vida para essas crianças e adolescentes.

Texto retirado de: https://livrariadopsicanalista.com.br/endereco-desconhecido-


---criancas-e-adolescentes-em-situacao-de-rua Acesso: set. 2020

FILME/VÍDEO
Título: O contador de histórias
Ano: 2009
Sinopse: Baseado na história real de Roberto Carlos Ramos, O
Contador de Histórias mostra a inocência ultrajada de uma mãe
que entrega seu filho, de 6 anos, aos “cuidados” da Febem, le-
vada por uma propaganda da ditadura (1964-1985). O anúncio
mostra a prisão de crianças e jovens “infratores” como um local
acolhedor e educacional. O menino, porém, se depara com uma
realidade bem diferente e aprende a sobreviver nesse mundo-cão,
juntando-se a outros meninos e fugindo dos castigos da instituição
repressora. Escapa dessa vida ao se encontrar e ser “adotado” por
uma pedagoga francesa que desenvolveu uma pesquisa sobre a
vida das crianças brasileiras. Comovente e revelador, o filme relata
as consequências da desinformação sobre a vida das pessoas,
mesmo as bem-intencionadas.
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?time_conti-
nue=1&v=XXGPAFp3PC0&feature=emb_logo

Texto retirado de: https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/nove-filmes-para-


-refletir-sobre-o-que-estamos-fazendo-com-as-criancas/ Acesso: set. 2020

UNIDADE II Atendimento às Crianças : Papel do Estado e Políticas Sociais 54


UNIDADE III
Organização do Espaço Infantil
Professora Mestra Maria Helena Azevedo

Professora Mestra Laís Azevedo Fialho

Plano de Estudo:
● Histórico sobre as políticas de regulamentação para educação infantil.
● O papel do educador para o atendimento a criança.
● O papel da escola frente à violência contra crianças.

Objetivos da Aprendizagem:
● Compreender o conceito de educação infantil, creche e pré-escola.
● Apresentar e analisar os objetivos da educação infantil
para o desenvolvimento da criança.
● Conhecer alguns desafios e dificuldades para este componente curricular.

55
INTRODUÇÃO

Olá, estudante da disciplina História da Infância e Multiculturalismo. Nesta terceira


Unidade abordaremos as normativas legais para a educação em creches e pré-escolas, sua
historicidade no Brasil, bem como contextualizaremos seus principais objetivos e práticas
quanto ao desenvolvimento da criança.
Para iniciar nossos estudos, abordaremos de modo introdutório as principais leis
que organizam a educação infantil, observando na Constituição, na Lei de Diretrizes e
bases da educação, e nas Diretrizes para educação Infantil, o papel legal do Estado e sua
responsabilidade na formação dos pequenos de 0 a 6 anos e de que maneira este trabalho
deve ser desenvolvido.
Em seguida, nos debruçaremos sobre a formação do educador entendendo sua
função neste processo de construção de saberes na infância. Compreendendo as princi-
pais necessidades da criança, e por sua vez a importância de um preparo especializado e
contínuo para esta atuação.
Por fim, falaremos sobre o papel da escola frente à violência contra crianças e
como a instituição deve se estruturar e se comportar diante de situações que ameaçam o
desenvolvimento adequado neste primeiros anos que são fundamentais na formação do
ser humano e que correspondem a primeira etapa da educação básica.
Destacamos que não temos por objetivo esgotar o tema proposto, por outro lado,
esses estudos apresentados são algumas ferramentas que você pode utilizar para ampliar
seus conhecimentos, e continuar realizando suas pesquisas a partir de uma base introdu-
tória conceitual e teórico-metodológica.

Bons estudos!

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 56


1. BREVE HISTÓRICO SOBRE A EDUCAÇÃO EM CRECHES E PRÉ-ESCOLAS NO BRASIL

Neste capítulo vamos realizar um breve histórico sobre a educação em pré-escolas


e creches no Brasil. Entendendo que este serviço é recente devido a mudanças culturais
significativas nas décadas de 1970 e 1980, como a urbanização, a industrialização, a par-
ticipação da mulher no mercado de trabalho e as modificações na organização e estrutura
da família contemporânea. (MEC, 1998).
Outros marcos para esta nova concepção sobre os direitos da criança foram a
Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 e a Convenção Mundial dos Direitos
da Criança de 1989.
Também apresentaremos os principais objetivos das instituições responsáveis pela
educação das crianças de 0 a 6 anos, suas demandas fundamentais e alguns desafios
enfrentados neste componente da educação básica.
A partir dos anos 1980, fica mais evidente a preocupação do estado com a assis-
tência educacional para as crianças pequenas. A constituição de 1988 reconhece que a
educação é um direito de todos, e a educação infantil como direito da criança, assumindo
para si esta responsabilidade, como percebemos no art. 277, que diz:
[...] dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao ado-
lescente, com absoluta prioridade, o direito a vida, a saúde, a alimentação, a
educação, ao lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a
liberdade e convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão. (BRASIL, 1988).

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 57


Avanços legais também foram propostos neste sentido pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação em 1996, promovendo a educação infantil novos direitos e respaldos
legais, colocando a educação infantil como uma das etapas da educação básica.
O termo educação infantil é utilizado pela primeira vez na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação. Este direito também é reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente.
No entanto, quem é responsável por oferecer essa assistência? Conforme a constituição
declara no art. 30 inciso VI “compete ao município(...) manter com a cooperação técnica e
financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino funda-
mental”. A LDB art.11, inciso V estabelece:
Os municípios incumbir-se-ão de (...) oferecer a educação infantil em cre-
ches e pré-escolas e com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atua-
ção em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidos plena-
mente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima
de percentuais mínimos vinculados pela Constituição federal a manutenção e
desenvolvimento do ensino (BRASIL. Lei nº 9.394/96, de 20/12/96, art. 11, V).

Conforme Barreto (1998), embora estas conquistas legais demonstram avanços


significativos quanto a educação da criança de 0 a 6 anos, o acesso a este serviço e a
qualidade do atendimento precisam de ajustes significativos. Embora o Censo Educacional
realizado pelo MEC apresenta dados sobre os estabelecimentos, alunos matriculados e
professores, ainda há evidências de que muitas instituições não tenham feito a integração
junto ao sistema nacional de educação, funcionando de forma irregular.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD) indicam que:
A taxa de escolarização das crianças de 0 a 1 ano passou de 12,5% em 2018
para 14,4% em 2019, com grande variação regional: enquanto no Norte a
taxa foi de 2,2%, em 2019, no Sul era de 25,8%. Já entre a crianças de 2 e 3
anos, a taxa salta para 55,4% em 2019, tendo aumentado 1,6 p.p em relação
a 2018. A faixa etária mais velha da educação infantil, de 4 a 5 anos, regis-
trou um percentual bastante elevado de escolarização, porém sem alcançar
a universalização. (IBGE, 2019).

Por meio da pesquisa nota-se que, em sua maioria, as crianças com acesso à
educação são aquelas de famílias com renda alta e privilégios sociais, ou seja, as crianças
de famílias com baixa renda têm menos acessos a este direito. Neste sentido as pesquisas
de Campos (1991) mostram que as crianças que frequentam creches e pré-escolas apre-
sentam resultados mais satisfatórios ao realizarem testes nos primeiros anos de educação
formal. Resultado este avaliado em diferentes países como Grã-Bretanha, Estados Unidos
e América Latina. Sendo que as crianças mais beneficiadas foram as mais pobres. Para o
mesmo autor a educação infantil é a modalidade que mais traz retornos a sociedade dos
recursos nela investidos.

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 58


Os maiores beneficiados seriam as crianças de baixa renda, visto que na escola
poderiam ter um enriquecimento de seu mundo social e o desenvolvimento mais amplo de
suas faculdades, para elas seria benéfica esta interação. (DÍAS, 2012).
Ainda quanto aos direitos da criança, estes são os objetivos para educação infantil
segundo a LDB: o desenvolvimento integral da criança de 0 a 6 anos em seus aspectos físi-
cos, psicológicos, intelectuais, sociais, complementando a ação da família e da comunidade.
O papel da educação infantil é complementar ao da família, mas de maneira específica está
relacionado ao conhecimento e ampliação das experiências e competências da criança.
A educação voltada à crianças pequenas assumiu funções de assistencialismo
(cuidado) e de caráter educacional (ensino). Tradicionalmente as crianças de 0 a 3 anos
recebem os cuidados em relação a saúde, higiene e alimentação. Enquanto o das crianças
de 4 a 6 anos tem sido voltada ao ensino e preparo para o ensino fundamental.
Por sua vez, uma nova concepção de criança como criatura e criadora, como ser
histórico, capaz de estabelecer múltiplas relações, apresenta uma nova configuração as-
sociando “educar e cuidar” de forma concomitante. O cuidado é indispensável em todas as
esferas da educação, porém na educação infantil ele apresenta dimensões mais relevantes
visto que as crianças pequenas estão em processo de aprendizagem do cuidado de si
mesmas. Neste sentido cabe um planejamento pedagógico que favoreça esta autonomia e
que relacione cuidado e ensino.
Nos dias atuais, o modo de olhar para a criança e percebê-la a partir do seu contex-
to social e histórico, dialoga com um reconhecimento da sociedade em relação a infância,
sua formação, necessidades e construção. Citando Kramer lemos:
As crianças são seres sociais, têm uma história, pertencem a uma classe so-
cial, estabelecem relações segundo seu contexto de origem, têm uma lingua-
gem, ocupam espaço geográfico e são valorizadas de acordo com os padrões
do seu contexto familiar e com sua própria inserção neste contexto. Elas são
pessoas, enraizadas, num todo social que as envolve e que nelas imprime pa-
drões de autoridade, linguagem, costumes” (KRAMER, 1998, p. 25).

Desta forma, as crianças necessitam de um espaço rico em experiências culturais,


que favoreçam seu desenvolvimento físico, intelectual e moral. É por meio da educação
infantil que se pode organizar um trabalho no qual as atividades ofertadas reconhecem os
saberes da criança e os desenvolve.
Neste sentido ainda, Kramer (1998) destaca a importância de a criança criar, cons-
truir e desconstruir. Para isso, é necessário espaços com areia, água, terra, brinquedos,
diversos objetos, livros, revistas, tecido, entre outros. No entanto, nem sempre é assim que
a criança é percebida e o trabalho desenvolvido. Falta investimento em brinquedotecas,

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 59


espaços para arte, praças, parques para que nestes ambientes tenham oportunidade de
ampliar suas habilidades e conhecimentos.
Os dados do MEC revelam que, quanto ao atendimento e sua qualidade nas insti-
tuições de educação infantil, há uma inadequação nos espaços físicos, os materiais peda-
gógicos como livros e brinquedos são insuficientes. Ainda existe a separação entre cuidar
e educar. Falta de currículo e propostas pedagógicas que sejam efetivadas representam
alguns dos desafios para o ensino na educação infantil (MEC, 1994).
Muito se tem avançado sobre a infância no que diz respeito ao desenvolvimento
infantil e as demandas do âmbito teórico. No entanto, existe uma dificuldade de lidar com o
público infanto-juvenil. O desafio continua relacionado a formação de professores nas áreas
básicas do conhecimento (língua, matemática, ciências naturais e sociais), formação para
a melhoria do trabalho, para constituir identidades, que seja contínua para que possamos
oferecer a tão almejada qualidade de ensino na educação infantil (KRAMER, 1998)
Um aspecto fundamental na organização dos programas de educação é o currículo.
Diante do aumento das instituições de educação infantil e a procura por este serviço, faz-se
necessário de tempos em tempos analisar o modo como este trabalho se organiza.
No âmbito pedagógico o currículo é definido muitas vezes como uma listagem de
conteúdos a serem trabalhados. No entanto é necessário que esta proposta considere a
criança e o contexto que ela está inserida, como cita Kramer (1998, p. 12): “currículo é
uma palavra polissêmica carregada de sentidos construídos em tempos e espaços sociais
distintos”.
Conforme a citação, a elaboração do currículo demanda o reconhecimento da
criança em seu contexto social e temporal, desta maneira não deve ser estático. Ele se
configura como instrumento de apoio a organização da ação educativa. Barbosa e Quadros
(2017, p. 48) pontuam que currículo na educação infantil precisa ser um “artefato educativo
proposto e concretizado no diálogo e na reinvenção das relações entre a sociedade e a
escola e as diferentes gerações, entre adultos e crianças”.
Este princípio dialógico também está presente nas Diretrizes Nacionais da Educa-
ção Infantil (DCNEI) (Resolução CNE/CEB 1/99), em que o currículo aparece como:
[...] conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes
das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural,
artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvol-
vimento integral de crianças (BRASIL, 2009).

Nesta direção, cabe às instituições e aos professores fazerem esta relação, aco-
lhendo o saber da criança e ampliando-o por meio das práticas do brincar, nos passeios, nas

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 60


relações interpessoais, na escola, com a comunidade e a família. Desta forma, o currículo
norteará as experiências que precisam ser significadas.
Segundo as mesmas diretrizes legais, o currículo define que as práticas pedagógi-
cas na educação infantil devem respeitar a integralidade e indivisibilidade das dimensões
expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sócio-cultural das crian-
ças. Além disso, deve ser elaborado e avaliado de maneira coletiva pelos profissionais
envolvidos no processo pela comunidade e pela família.
A educação infantil tem como sujeito principal a criança. Ela deve ser percebida em
seu contexto histórico para elaboração do currículo escolar. As pesquisas científicas com-
provam hoje que desde o nascimento as experiências e interações da criança em diversos
ambientes definem como a criança vai construir seus sentidos sobre o mundo. À medida
que é permeada por experiências com diferentes situações, ambientes e materiais esta
construção se amplia e ganha significado.
Os primeiros anos da criança são marcados por conquistas relevantes para sua
história de vida. No período da educação infantil, a criança adquire a marcha, a fala, o
controle esfincteriano, a formação da imaginação, o faz de conta. Embora algumas destas
questões sejam de ordem biológica, as interações com os pares e as intervenções a que é
submetida são fatores muito relevantes em sua capacidade de construir estas aquisições
e conhecimentos.
Sabendo deste processo e de quão pessoal ele se desenrola em cada criança, é
importante compreender que cada uma tem seu ritmo, uma maneira de expressar suas
emoções, um modo próprio de lidar com sensações agradáveis e desagradáveis e neste
processo de interação contínua com adultos e crianças suas, permeado por descobertas
vão possibilitando o conhecimento de si, do outro e do mundo que a rodeia.
Uma das atividades que favorecem este desenvolvimento é o brincar. Por meio da
brincadeira a criança imita, constrói e reconstrói, experimenta, observa as relações de cau-
sa e feito e desta forma vai ampliando sua capacidade de conhecer, descobrir e participar
das diversas situações a que é submetida. (MEC, 1994)
Para Vygotsky (1984, p. 177), a brincadeira traz vantagens sociais, cognitivas e
afetivas.
é na brincadeira que além do comportamento habitual de sua idade, além de
seu comportamento diário: no brinquedo é como se ela fosse maior do que
é na realidade...o brinquedo fornece estrutura básica para mudanças das
necessidades e consciência. A ação na esfera imaginativa, numa situação
imaginária, a criação das intenções voluntárias e a formação dos planos de
vida real e motivações volitivas, tudo aparece no brinquedo, que se constitui
no mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar.

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 61


Permeando todas as propostas de práticas pedagógicas alguns princípios básicos
norteiam o trabalho na educação infantil. Princípios éticos, políticos e estéticos, propostos
pelas diretrizes governamentais para educação infantil.
Os princípios éticos dizem respeito ao desenvolvimento da responsabilidade, da
autonomia, da solidariedade e do respeito ao bem comum. Atividades que envolvam o
brincar, se alimentar, se lavar estimulam a autonomia. Brincadeiras de roda e manipulação
de jogos auxiliam no respeito entre os pares e no cuidado pelo bem comum. Atividades
estas, frequentes na educação infantil.
Quanto aos princípios políticos, são aqueles que envolvem a cidadania, a impor-
tância de promover experiências de aprendizagem para formação participativa e crítica
das crianças. Aprendizagem que ajuda a perceber a perspectiva do outro, suas ideias,
sentimentos e opiniões.
Por fim, os princípios estéticos que dizem respeito às produções artísticas e cultu-
rais, a criatividade e sensibilidade. Na educação infantil é importante valorizar e estimular o
ato criador e a construção dos pequenos. É preciso organizar práticas pedagógicas agra-
dáveis, estimulantes, situações para expressar, comunicar e criar.

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 62


2. A FORMAÇÃO DO EDUCADOR PARA O ATENDIMENTO A CRIANÇA

O professor na atualidade assume um papel de mediação em suas práticas es-


colares. E esta função foi se delineando por meio de vários estudiosos e pesquisadores
como Piaget, Vygotsky e Wallon. No entanto, em 1746 Rousseau já dizia que ensinar não
consiste em incubar ideias, mas em fornecer à criança as oportunidades para o funciona-
mento das atividades que são naturais em cada fase. Este autor foi pioneiro em estabelecer
o desenvolvimento por etapas, posteriormente apresentado por Piaget.
A partir destes pesquisadores esta nova concepção do trabalho do professor foi se
ampliando e atualmente lhe cabe mediar os saberes. Sua prática deverá propiciar situações,
brincadeiras e atividades que possibilitem o desenvolvimento da criança a fim de promover
sua interação com diversos materiais, ambientes, espaços e possibilidades culturais. Desta
forma o professor organiza as propostas de ensino-aprendizagem, respeitando a nova
concepção de criança que vem historicamente sendo construída.
O professor é mediador entre as crianças e os objetos de conhecimento,
organizando e propiciando espaços e situações de aprendizagens que articu-
lem os recursos e capacidades afetivas, 40 emocionais, sociais e cognitivas
de cada criança aos seus conhecimentos prévios e aos conteúdos referentes
aos diferentes campos de conhecimento humano (BRASIL, 1998, p. 30, v. 1).

Dentre os maiores desafios para a educação infantil Scarr e Eisenberg (1993) des-
tacam a formação e valorização dos profissionais que atuam diretamente com as crianças
como fator prioritário de atenção e investimento. Isso porque os estudos indicam que a ca-

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 63


pacitação profissional é fundamental para a qualidade do atendimento à criança pequena.
Segundo a LDB os professores devem ser formados em nível superior ou ter uma formação
de no mínimo nível médio.
Conforme Barreto (1998) um dos maiores desafios observados em visitas às se-
cretarias de educação e instituições de educação infantil foi a dificuldade dos docentes em
colocar os conteúdos teóricos apresentados nos documentos em prática. Ou seja, transfor-
má-los em atividades para de fato favorecer o desenvolvimento infantil. Christine Pascal e
Anthony Bertron citados por Sanches (2003, p. 57) dizem que:
Há clara evidência de que a qualidade do professor é um determinante cen-
tral na qualidade e eficiência dos programas de educação infantil (...)se qui-
sermos melhorar a qualidade da educação de crianças pequenas devemos
nos preocupar com a qualidade seus professores. Em toda a Europa os paí-
ses estão reconhecendo isso e tomando medidas para melhorar os cursos de
formação de professor da educação infantil.

Em pesquisa realizada em 12 países europeus, 5 não exigiam nível superior para


formação docente nos programas de educação infantil, mesmo que os dados indiquem que
a formação profissional está diretamente relacionada à qualidade do trabalho.
Um dos debates sobre formação de professores para educação infantil é a neces-
sidade de especificidade nos conhecimentos quanto às necessidades e desenvolvimento
das crianças pequenas em ambientes coletivos. É necessário entender os objetivos que
pretendemos alcançar com as crianças, além de promover a integralidade entre “cuidar e
educar”.
No Brasil ainda existe esta diferença entre as profissionais da educação infantil. As
“cuidadoras” têm a função de limpar, alimentar e evitar acidentes. Recebem uma remune-
ração mais baixa e sua formação superior não é exigida. As professoras são responsáveis
pelas práticas pedagógicas, recebem melhores salários e condições de trabalho como plano
de carreira. Porém, como ressalta, não é possível lidar com um ser complexo e dinâmico
como é a criança e diferenciar sua influência sobre a mesma. Quem cuida acaba educando
e quem educa mantém os cuidados.
Vejamos a lista de necessidades atribuídas a criança entre 0 e 6 anos de Donohue
Colleta (apud Evans, 1993, p. 3):

Crianças de 0 a 1 ano necessitam de:


● Proteção para perigos físicos;
● Cuidados de saúde adequados;
● Adultos com os quais desenvolvem apego;

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 64


● Adultos que entendam e respondam a seus sinais,
● Coisas para olhar, tocar, escutar, cheirar e provar;
● Oportunidades para explorar o mundo;
● Estimulação adequada para o desenvolvimento da linguagem.
● Crianças entre 1 e 3 anos necessitam todas as condições acima e mais:
● Apoio na aquisição de novas habilidades motoras, de linguagem e pensamento,
● Oportunidade para desenvolver alguma independência;
● Ajuda para aprender a controlar seu próprio comportamento;
● Oportunidades para começar a aprender a cuidar de si próprias;
● Oportunidades diárias para brincar com uma variedade de objetos.

Crianças entre 3 e 6 anos (e acima desta idade) necessitam todas as condi-


ções acima e mais:

● Oportunidade para desenvolver habilidades motoras finas;


● Encorajamento para exercitar a linguagem, através da feia, da leitura, e do canto;
● Atividades que desenvolvam um senso de competência positivo;
● Oportunidades para aprender a cooperar, ajudar, compartilhar;
● Experimentação com habilidades de pré-escrita e pré-leitura.

A psicóloga norte-americana Bettye Caldwell definiu a fusão entre educar e cuidar


com a expressão “educare”. (Rosemberg, 1994). Nesta direção de integridade é fundamen-
tal um investimento na formação de professores, por meio de treinamentos para atualiza-
ção e aperfeiçoamento quanto ao conhecimento sobre o desenvolvimento infantil e suas
particularidades. Possibilitando assim o desenvolvimento individual como relata Almy.
Adultos e crianças aprendem fazendo. Indivíduos em todos os níveis podem
ser ajudados na aquisição de uma plena consciência de seu próprio poten-
cial. Eles podem fazer isto através da leitura de livros, da assistência a aulas
e observar bons professores em sua prática. Mas ouvir as idéias e observar
bons modelos não é suficiente. Eles precisam colocar em prática e avaliar
suas próprias versões do que aprendem. Eles podem desenvolver novas e
melhores práticas a partir de sua própria experiência, assim como do conhe-
cimento obtido dos outros. Quando quem está trabalhando com crianças pe-
quenas é encorajado a ir além da prática direta com crianças pode aprender
a atuar como defensor das crianças e de suas famílias, assim como de si
próprio enquanto professor”. (ALMY, 1988, p. 53, tradução de Campos)

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 65


3. O PAPEL DA ESCOLA FRENTE À VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS

Desde o final do século XVIII, movimentos sociais pela cidadania e a consciência


moral da humanidade lutam pela conservação dos direitos dos cidadãos, de modo espe-
cífico com o recorte infantil. Desse modo, há algumas décadas, é considerado violência a
omissão dos pais ou responsáveis, das instituições, e da sociedade em geral, que resultam
em prejuízos físicos, emocionais, sexuais e morais para a criança.
Oriundo de “violentia”, do latim, cujo significado é constrangimento exercido sobre
uma pessoa para levá-la a praticar algo contra sua vontade, violência pode ser um cons-
trangimento praticado de forma física, moral, uso da força ou coação”. (FERREIRA, 1986).
O termo violência, não raramente, é abordado de maneira distorcida. Geralmente
está associado somente à agressões físicas, descrição muito praticada e disseminada nos
meios de comunicação, corroborando para uma construção errônea e limitante, de que
apenas o que é enquadrado como crime é de fato uma violência.
No entanto, a violência pode ser psicológica, quando causa um padrão de com-
portamentos destrutivos, provocando conflitos emocionais e traumas. Pode também ser de
origem sexual, quando envolvem estímulos físicos, os quais as crianças e adolescentes
não compreendem, por isso não podem consentir. Ou ainda, negligência, quando falta
o devido cuidado para com a criança que depende de seus pais, ou responsáveis, para
suprir suas necessidades básicas, sejam elas de alimentação, higiene, segurança e afeto.
(MOTTA, 2004).

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 66


Em nosso país, a legislação para proteger a criança é avançada, porém nem sem-
pre cumprida ou validada. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado pela lei
8069/90 em seu artigo 5º assegura que:
nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligên-
cia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na
forma da lei qualquer atentado por ação ou omissão aos seus direitos funda-
mentais (BRASIL, 1990, Tít. I, art.V).

Porém, é notado um aumento alarmante de violências contra a criança. Sintomas


como analfabetismo, evasão escolar, a negligência e a mortalidade infantil indicam uma
problemática social.
Os educadores têm um papel fundamental na observação e proteção destas crian-
ças, assim como qualquer outro cidadão que se relacione com ela. É dever de todo cidadão
proteger a criança e defender seus direitos diante da sociedade.
Nesta direção, mas em relação a observação da criança no ambiente escolar ZAMO
(2004) aponta alguns indicadores de violência física a serem observados. Tais como lesões
físicas como equimoses, hematomas, fraturas, traumatismos, abdominais, queimaduras,
baixo peso, aparência descuidada e suja, distúrbios do sono, enurese e tristeza. Quanto
a violência sexual podemos observar dificuldade de caminhar, urinar ou deglutir, edema
ou sangramento nas genitais, infecções urinárias, perda do controle esfincteriano, dor ou
coceira na região genital ou na garganta.
Os comportamentos também apresentam alterações significativas como: vergonha
excessiva, regressão aos estágios inferiores do desenvolvimento, fugas de casa, alterações
de humor, resistência a participar de atividades físicas ou grupais, comportamento sexual
inadequado para a idade e interesse incomum por assuntos de cunho sexual.
Diante desta realidade, e ao perceber qualquer alteração nestes comportamentos
da criança, é fundamental que os professores busquem o órgão competente para tomar as
devidas providências. No Brasil, o Conselho Tutelar é o responsável por fiscalizar e fazer
cumprir todos os direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente e cabe a seus
representantes atender e encaminhar os casos denunciados.
Dentre os tipos de violência mais recorrentes está a negligência. As crianças
pequenas ainda são dependentes dos pais para suprir suas necessidades básicas e em
situações de pobreza, vícios e distúrbios emocionais, muitas vezes os pais abandonam a
criança privando-a de um desenvolvimento saudável.

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 67


Sabendo deste contexto social que reflete diretamente na postura das crianças na
escola, entendemos que a instituição escolar tem um papel decisivo na prevenção da violência,
especialmente os professores que estão em contato direto com os alunos. Segundo Royer:
(...) os professores, no decorrer de sua formação inicial ou mais adiante, tem
que desenvolver a capacidade de intervir e de evitar comportamentos agres-
sivos nas escolas. Sejamos mais claros: a capacidade de ensinar a ler, es-
crever e fazer operações matemáticas não é mais suficiente para educar os
jovens que hoje frequentam nossas salas de aula. (ROYER, 2003, p. 253).

escola é um grande desafio para os professores, sua origem é multifatorial e


complexa. Neste caso somente um conjunto de ações interdependentes poderiam auxiliar
nesta busca pela não violência. A escola em parceria com a família, a comunidade e ações
governamentais necessitam agir em parceria para combater esta situação.

SAIBA MAIS

Na educação infantil, algumas habilidades são fundamentais no trato com as crianças.


A lista abaixo apresenta algumas que lhe ajudarão a desenvolver um trabalho de quali-
dade junto às crianças pequenas em creches ou pré-escolas.
● empatia — buscar compreender emoções e sentimentos de outro indivíduo ao se
esforçar para experimentar a situação de forma objetiva e racional, ou seja, “se colocar
no lugar do outro”;
● felicidade — viver o presente com plenitude, tentando não se estressar com o
passado ou o futuro, ou seja, ser feliz “aqui e agora”, estando em paz com o seu corpo,
mente e espírito;
● autoestima — gostar de si e estar satisfeito com a apreciação que se faz de si
mesmo;
● ética — ter a capacidade de avaliar a sua própria conduta e/ou a de outras pessoas
com base nos valores da sociedade e no que é melhor para a comunidade em que se
vive;
● paciência — suportar situações desagradáveis, injustas ou incômodas sem perder
a razão, a concentração e a calma. É uma virtude cujas bases estão na noção de auto-
controle emocional;
● autoconhecimento — conhecer-se bem em sua essência, ter domínio dos seus
próprios pensamentos, frustrações, esperanças, crenças e desejos. A partir desse con-
ceito, é possível traçar um mapa pessoal a fim de interpretar seus focos e propósitos;

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 68


● confiança — estar seguro de si e do outro, ter uma convicção esperançosa de que
os resultados desejados serão alcançados. Trata-se de agir com firmeza, apesar de
ainda não ter uma certeza empírica sobre os acontecimentos;
● responsabilidade — cumprir com os seus deveres e obrigações e assumir as de-
corrências dos seus atos, sejam elas positivas ou negativas. Agir de forma consciente e
intencionada;
● autonomia — ter capacidade e segurança para tomar suas próprias decisões de
maneira independente, ou seja, sem a ajuda ou interferência de outros. Empoderar-se
da oportunidade de se decidir de forma espontânea e livre;
● criatividade — usar seu conhecimento e habilidades para criar ferramentas de ino-
vação ou adaptar-se ao meio. Descobrir novas maneiras de fazer alguma coisa ou in-
ventar algo novo a fim de resolver um problema ou melhorar a vida cotidiana.

Fonte: Saiba como aplicar as competências socioemocionais na educação infantil, Educação Infantil de-
senvolvido por Aixsistemas, 12 de dez. de 2018. Disponível em: https://educacaoinfantil.aix.com.br/com-
petencias-socioemocionais-na-educacao-infantil/ Acesso em: 02 de out. de 2020.

REFLITA

“A infância é o tempo de maior criatividade na vida de um ser humano”.


Jean Piaget.

Sendo um dos maiores pesquisadores do desenvolvimento da criança, Jean Piaget es-


creve sobre umas das temáticas mais importantes no desenvolvimento infantil, a cria-
tividade. Cabe a todos nós, pais, professores, diretores e cidadãos contribuirmos para
que nossas crianças se desenvolvam de tal maneira que façam a diferença em diversas
áreas do saber como tem potencial para realizar.

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 69


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro (a) estudante, no decorrer deste capítulo podemos ver como a educação em
creches e pré-escolas é organizada pelas principais normativas do país. Entendemos que
as leis auxiliam na garantia de uma educação que possibilite o desenvolvimento integral
da criança. No entanto, parte fundamental desta tarefa ainda é negligenciada por falta de
compreensão sobre o desenvolvimento infantil e preparo dos professores para exercerem
de fato seu papel neste processo.
Também ressaltamos o papel do educador como mediador do processo de en-
sino-aprendizagem e as necessidades principais da criança entre 0 e 6 anos. A criança
hoje, assume um papel mais participativo no processo e deve ser considerada em suas
características pessoais, saberes e contextos culturais que conforme inserida. O desafio da
formação profissional também foi considerado, bem como a necessidade de atualização e
preparo contínuo para o atendimento de qualidade.
Em seguida, realizamos uma breve reflexão sobre a violência e suas implicações
na escola. Compreendemos que a criança pode sofrer violência física e emocional e como
elas se manifestam em seu comportamento. Por fim, pontuamos que os educadores têm
papel fundamental na observação e prevenção da mesma no cotidiano escolar. Concluímos
apontando que apenas uma ação conjunta da família, da comunidade, escola e governo
poderiam auxiliar no combate à violência.

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 70


LEITURA COMPLEMENTAR

O papel do professor e do ensino na educação infantil: a perspectiva de Vigotski,


Leontiev e Elkonin Juliana Campregher Pasqualini
Disponível em: http://books.scielo.org/id/ysnm8/pdf/martins-9788579831034-10.pdf

Práticas pedagógicas na educação infantil: o currículo como instrumento de go-


verno dos pequenos. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S2176-66812020000100217&lang=pt

Conhecimento do educador sobre seu papel perante a criança que sofre de violên-
cia doméstica. Disponível em:
http://www.uel.br/eventos/congressomultidisciplinar/pages/arquivos/anais/2011/
FORMACAO/220-2011.pdf

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 71


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Rotinas na educação infantil
Autor: Maria Carmen Silveira Barbosa
Editora: Artmed
Sinopse: O livro apresenta as práticas cotidianas na educação
infantil no Brasil e em outros lugares do mundo, refletindo sobre
as mesmas e promovendo mudanças. Levando em consideração
que o ser humano, especificamente a criança deve ser valorizada
e participativa nesta construção de saberes.

FILME/VÍDEO
Título: Como estrelas na terra: toda criança é especial
Ano: 2007
Sinopse: Ishaan Awasthi é um garotinho de oito anos de idade
cheio de imaginação, mas ninguém parece dar muita atenção aos
seus sonhos. Ele gosta de cores, peixes de aquário, cães e pipas.
Tudo o que não é “importante para o mundo dos adultos”, mais
preocupados com o trabalho e ordem. Ocorre que Ishaan, por ser
muito sonhador, acaba não prestando atenção nas aulas da esco-
la. Os pais, preocupados, acham que ele deve ser disciplinado e o
mudam de escola. Num primeiro momento o garoto sofre o trauma
da separação. Até que ele conhece seu novo professor de artes,
Ram Shankar Nikumbh, um homem que traz alegria e otimismo
a todas as crianças. Menos Ishaan. Este professor fará de tudo
para descobrir os motivos da infelicidade do menino e assim abrir
caminho para que ele realize seus sonhos.

UNIDADE III Organização do Espaço Infantil 72


UNIDADE IV
O Multiculturalismo
Professora Mestra Maria Helena Azevedo

Professora Mestra Laís Azevedo Fialho

Plano de Estudo:
● A herança cultural brasileira.
● Os saberes e fazeres da educação das crianças.
● Diversidade étnico-cultural e suas implicações na organização escolar.

Objetivos da Aprendizagem:
● stabelecer as múltiplas heranças culturais que incidem sobre a formação brasileira;
● Compreender aspectos dos saberes e fazeres da educação infantil;
● Apreender os debates sobre a diversidade étnico-cultural
e suas implicações na organização escolar.
● Compreender que a educação não é neutra, está vinculada à cultura e sociedade.

73
INTRODUÇÃO

Olá, estudante da História da Infância e Multiculturalismo. Nesta quarta Unidade


abordaremos a herança cultural brasileira, os saberes e fazeres da educação das crianças
e a diversidade étnico-cultural e suas implicações na organização escolar. Nosso objetivo
é relacionar a questão multicultural à educação, refletindo sobre os importantes e urgentes
arranjos educacionais, que busquem combater as diferentes opressões e discriminações
sociais a grupos historicamente desprivilegiados no Brasil..
Para iniciar nossos estudos, demonstraremos a importância para os educadores
conhecerem a formação e heranças que incidem na cultura brasileira para atuarem com
mais ferramentas teóricas e metodológicas, na construção e aplicação de pedagogias que
dialogam de fato com a realidade das nossa educação, e que não se pautem somente em
teorias exteriores aos fenômenos históricos, culturais e sociais que constituem a nossa
sociedade.
Em seguida, nos debruçaremos sobre saberes e fazeres da educação das crianças
que possibilitem uma formação multicultural. Nesse sentido pensaremos a importância de
uma postura ética-política dos docentes para criação de imaginários positivos sobre as
histórias e as heranças culturais de minorias estigmatizadas e marginalizadas no currículo
da educação infantil.
Por fim, vamos tratar da diversidade étnico-cultural e suas implicações na organiza-
ção escolar. Isso quer dizer que nós buscaremos abordar algumas discussões teóricas que
relacionem categorias étnicas-culturais à práticas da educação infantil que contribuam para
a compreensão e valorização da diversidade étnico-racial brasileira.
Os trabalhos apresentados oportunizam reflexões sobre a importância de uma
educação infantil anti-racista, emancipatória, plural e multicultural. Podem ser utilizados
como ferramentas para ampliar seus conhecimentos, para você continuar realizando suas
pesquisas a partir de uma base introdutória conceitual e teórico-metodológica.

Bons estudos!

UNIDADE IV O Multiculturalismo 74
1. A HERANÇA CULTURAL BRASILEIRA

Olá caro(a) estudante, neste tópico refletiremos sobre A herança cultural brasilei-
ra, pelo viés do multiculturalismo. Em diversos campos do conhecimento, já se tem dado
atenção especial a esse tema, desde as últimas décadas. Esse recorte tem emergido como
mais uma possibilidade de compreender as complexidades culturais das sociedades e de
sistematizar estratégias de como transpor tais referenciais teórico-metodológicos para a
educação básica, com a elaboração de ações pedagógicas que tenham como propósito a
construção de uma educação plural e democrática.
É muito importante para os educadores conhecerem a formação e heranças que
incidem na cultura brasileira para atuarem com mais ferramentas teóricas e metodológicas.
Buscando construir pedagogias que dialoguem de fato com a realidade da nossa educação,
e que não se pautem somente em teorias exteriores aos fenômenos históricos, culturais e
sociais que constituem a nossa sociedade.
Cabe realizar uma breve introdução acerca da questão multicultural e relacioná-
-la com a História do Brasil e com os campos educacionais. Para isso, iniciaremos esta
Unidade com reflexões presentes na obra Multiculturalismo Diferenças culturais e práticas
pedagógicas, organizada por Moreira e Candau (2008).
Trata-se de uma coletânea de artigos que debatem questões de identidade, raça,
gênero, sexualidade, religião, cultura juvenil e saberes. Os trabalhos relacionam tais recor-
tes com a escola, o currículo, estudantes e docentes, ou seja, com a prática pedagógica. Os

UNIDADE IV O Multiculturalismo 75
textos presentes no livro buscam contrapor as representações normativas e hegemônicas.
Ou seja, não consideram somente realidades que correspondem a regra, e que exclua
identidades marginalizadas em nosso país. Esses trabalhos apontam aspectos teóricos e
práticos do multiculturalismo que podem
Na introdução da obra encontramos uma interessante definição de multiculturalismo
e suas possibilidades de uso como meta, conceito, atitude, estratégia ou valor:
Para Joe Kincheloe e Shirley Steinberg (1997), o multiculturalismo pode signi-
ficar tudo e, ao mesmo tempo, nada. Daí a necessidade, ao se enforcá-lo, de
se especificar o sentido do que se está pretendendo dizer. Quer usado como
meta, conceito, atitude, estratégia ou valor, o multiculturalismo costuma refe-
rir-se às intensas mudanças demográficas e culturais que têm “conturbado”
as sociedades contemporâneas. Por conta da complexa diversidade cultural
que marca o mundo de hoje, há significativos efeitos (positivos e negativos),
que se evidenciam em todos os espaços sociais, decorrentes de diferenças
relativas à raça, etnia, gênero, sexualidade, cultura, religião, classe social,
idade, necessidades especiais ou a outras dinâmicas sociais (MOREIRA,
CANDAU, 2008, p. 7).

Relacionando a questão multicultural à educação, nos deparamos com a neces-


sidade de arranjos educacionais, tanto no que tange às práticas, como às políticas que
busquem combater as diferentes opressões e discriminações sociais a grupos historica-
mente desprivilegiados no Brasil. “Nesse sentido, multiculturalismo em educação envolve,
necessariamente, além de estudos e pesquisas, ações politicamente comprometidas”
(MOREIRA; CANDAU, 2008, p. 7).
Assim, caro(a) estudante, o multiculturalismo pode ser compreendido também
como uma noção e postura teórico-metodológica que se origina a partir da urgência em se
reelaborar a educação escolar.
O objetivo em adotar tal categoria é oportunizar um processo de ensino-aprendiza-
gem significativo e satisfatório para os contextos sociopolíticos e culturais atuais, e para as
inquietudes resultantes deles (MOREIRA; CANDAU, 2008).
Conforme Candau (2008), não há uma separação estanque entre a educação e
os processos culturais em que esta se localiza. Assim, não é plausível admitir uma prática
pedagógica “desculturizada”, ou seja, separada ou sem influências, das questões culturais
da sociedade.
Existe uma relação intrínseca entre educação e cultura (s). Estes universos
estão profundamente entrelaçados e não podem ser analisados a não ser a
partir de sua íntima articulação. No entanto, há momentos históricos em que
se experimenta um descompasso, um estranhamento e mesmo um confronto
intenso nestas relações (CANDAU, in MOREIRA, CANDAU, 2008).

UNIDADE IV O Multiculturalismo 76
Uma das questões problematizadas nesse contexto é o traço normatizador e ho-
mogeneizador da educação, em especial do que é classificado como “cultura escolar” e”
cultura de escola”. Sobre isso Sacristán (2001, 123-124) postula que:
A diversidade na educação é ambivalência, porque é desafio a satisfazer,
realidade com a qual devemos contar e problema para o qual há respostas
contrapostas. É uma chamada a respeitar a condição da realidade humana
e da cultura, forma parte de um programa defendido pela perspectiva demo-
crática, é uma pretensão das políticas de inclusão social e se opõe ao do-
mínio das totalidades únicas do pensamento moderno. Uma das aspirações
básicas do programa prodiversidade nasce da rebelião ou da resistência às
tendências homogeneizadoras provocadas pelas instituições modernas regi-
das pela pulsão de estender um projeto com fins de universalidade que, ao
mesmo tempo, tende a provocar a submissão do que é diverso e contínuo
“normalizando-o” e distribuindo-o em categorias próprias de algum tipo de
classificação. Ordem e caos, unidade e diferença, inclusão e exclusão em
educação são condições contraditórias da orientação moderna. [...] E, se a
ordem é o que mais nos ocupa, a ambivalência é o que mais nos preocupa.
A modernidade abordou a diversidade de duas formas básicas: assimilando
tudo que é diferente a padrões unitários ou “segregando-o” em categorias
fora da “normalidade” dominante.

Não seria possível nos deter nesse tema sem localizar a educação brasileira em
um contexto de profundas desigualdades raciais, e de sistemático apagamento e negação
de culturas minoritárias. É sabido que o Brasil foi construído historicamente como um país
com relações de poder assimétricas entre as diferentes matrizes culturais e raciais que
deram origem à cultura nacional.
Desse modo, falar de multiculturalismo é também falar de valorização da herança
cultural africana e indígena. É também buscar trazer para a educação, perspectivas que
valorizem a diversidade cultural e combatam os preconceitos na educação e na formação
de professores (GOMES; SILVA, 2002).
Para estudiosos dessa questão, como Nilma Lino Gomes (2002), historicamente
não houveram problematizações suficientes nas instituições educacionais brasileiras no
que tange o “mito da democracia racial”. Isso é sintomático de uma sociedade marcada
pelo racismo estrutural.
No entanto, seria possível afirmar que há igualdade de oportunidades para todos
os grupos raciais no Brasil, se a maioria dos índices nos apontam outra realidade? “De fato,
negros e negras são considerados o conjunto da população brasileira, que apresentam
um menor índice de escolaridade e, sim o sistema político e econômico privilegia pessoas
consideradas brancas” (ALMEIDA, 2018, p. 48).
Na obra O que é racismo estrutural? O intelectual Silvio Almeida esclarece-nos que:
Não se resume o racismo a comportamentos individuais, mas é tratado como
resultado do funcionamento das instituições que passam atuar em uma dinâ-
mica que confere ainda que indiretamente desvantagens e privilégios a partir
da raça. (ALMEIDA, 2018, p. 40).

UNIDADE IV O Multiculturalismo 77
Desse modo, negar a existência do racismo estrutural e corroborar a ideologia
da democracia racial não raramente culmina na reprodução do discurso da meritocracia.
Quando uma sociedade não admite que há desigualdades raciais que estruturam as re-
lações de poder e acessos às benesses sociais, como a educação, pode eximir-se da
responsabilidade das mazelas sociais, e culpabilizar os indivíduos, apontando que eles não
fizeram por merecer melhores condições de vida (ALMEIDA, 2018, p. 63).
Assim, o mito da democracia racial diz respeito ao processo social de reprodução,
aceitação e naturalização da noção de que todos os “brasileiros” são constituídos por uma
mesma identidade e gozam dos mesmos direitos sociais, políticos, econômicos e culturais.
Mas isso é problemático para construção de uma educação crítica. Essa perspectiva im-
pede o reconhecimento das diferenças e das desigualdades no que tange às condições às
quais a população negra foi relegada desde o período pós-abolição.
Conforme Gomes (2005, p. 57)
[...] Se seguirmos a lógica desse mito, ou seja, de que todas as raças e/ou et-
nias existentes no Brasil estão em pé de igualdade sociorracial e que tiveram
as mesmas oportunidades desde o início da formação do Brasil, poderemos
ser levados a pensar que as desiguais posições hierárquicas existentes entre
elas devem-se a uma incapacidade inerente aos grupos raciais que estão em
desvantagem, como os negros e os indígenas.

Cabe ainda apontar, caro(a) leitor(a), que nem todo discurso que considera a im-
portância de promover a diversidade, realmente apresenta reflexões suficientes e caminhos
oportunos para tal construção.
Ana Canen (2007) problematiza o que chama de multiculturalismo liberal, classifi-
cando-o como conservador, e não transformador. Ela afirma que a diversidade defendida
por essa vertente é folclórica e superficial. Estamos dizendo então, que nem todo discurso
que fala de multiculturalismo é de fato inclusivo, alguns só versam sobre conceitos que não
são de fato possibilidades de reformular as noções de educação.
Essa pesquisadora indica o multiculturalismo pós-colonial crítico como uma alter-
nativa possível e potente, cuja abordagem seria capaz de
[...] analisar suas identidades étnicas, criticar mitos sociais que os oprimem,
gerar conhecimento baseado na pluralidade de verdades, e construir redes
de solidariedade sob os princípios da liberdade, prática social e democracia
ativista” (CANEN, 2007, p. 521).

No que tange a História do Brasil, cabe destacar que não há minorias nacionais
de origem europeia. Por outro lado, se olharmos a história dos grupos indígenas que já
ocupavam terras brasileiras antes da formação moderna do país, como os Tupi, os Terena,
e os Potiguara, identificamos uma realidade social bastante diferente, de resistência e luta

UNIDADE IV O Multiculturalismo 78
para manter uma autonomia ainda que bastante limitada de seus territórios e sua cultura
(PAIVA; SCOTT; GERELUK, 2018).
Cabe ainda assinalar no que tange as heranças culturais do Brasil, que os grupos
franceses e holandeses que vieram para o país no período colonial não permaneceram
muito tempo. Tanto os descendentes desses, quanto os imigrantes do início do século XX
(alemães, espanhóis, suíços, sírios, japoneses, e ucranianos) passaram por um processo
de integração à cultura luso-brasileira.
No Brasil os imigrantes do século XX foram forçados a se integrar cultural-
mente, de modo que não existem escolas bilíngues exceto as escolas indí-
genas. Os membros das comunidades imigrantes que quiserem aprender ou
desenvolver a língua de seus ancestrais devem procurar escolas especiais
de línguas, todas privadas, sem subvenção ou auxílio do governo (PAIVA;
SCOTT; GERELUK, 2008).

Diversos intelectuais das mais diferentes áreas da humanidade, a exemplo de


Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Fernando de Azevedo e, mais recentemente,
Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Roberto da Matta e Renato Ortiz, buscaram analisar
a cultura brasileira em suas múltiplas dimensões. Independente de suas especificidades
de pesquisa, e de suas posturas teórico-metodológicas, todos concordam que o caráter
marcante de nossa cultura é a riqueza de sua diversidade, resultante de nosso processo
histórico-social e das dimensões continentais de nossa territorialidade.
Assim, o ideal seria falarmos no plural, “culturas brasileiras”, e não no singular, “cul-
tura brasileira”, dada a multiplicidade étnica que constitui sua formação. Sobre o assunto
Darcy Ribeiro diz o seguinte:
Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor por-
tuguês com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e
outros aliciados como escravos. (...) A sociedade e a cultura brasileiras são
conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória euro-
péia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos.
(RIBEIRO, 1995).

Ainda pensando em uma herança cultural brasileira, ou a construção de uma noção


de povo, Darcy Ribeiro (1995) conceitua as nações da América Latina como frutos de pro-
cessos de desindianização do índio, de desafricanização do negro e de deseuropereização
do europeu, portanto sem identidade até que se constituem-se como identidades nacionais,
“dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais
delas oriundos” (RIBEIRO, 1995). Adelia Miglievich Ribeiro (2011) em Darcy Ribeiro e o
enigma Brasil: um exercício de descolonização epistemológica diz o seguinte:
É verdadeiro que o nacionalismo é a declaração de pertencimento a um lugar,
a um povo, a uma herança cultural, é a afirmação de uma pátria criada por
uma comunidade de língua, cultura e costumes. Todos os nacionalismos têm

UNIDADE IV O Multiculturalismo 79
seus pais fundadores, seus textos básicos, quase sagrados, seus marcos
históricos e geográficos, seus inimigos e heróis oficiais que garantem a legi-
timidade da retórica do pertencimento. Com o tempo, os nacionalismos bem
sucedidos experimentaram práticas colonizadoras ao relegar à ilegitimidade
e à inferioridade os outros povos. Noutro aspecto, para o povo colonizado,
sua afirmação como nação é, muitas vezes, um modo de autodeterminação
em sua luta por reconhecimento (RIBEIRO, 2011, s.p.).

Desse modo, podemos compreender que o Brasil é constituído por inúmeras heran-
ças de grande valor histórico e social de diferentes povos. Tais heranças representam tradi-
ções e legados históricos e culturais transmitidos de geração para geração. Reatualizadas
cotidianamente e operadas como práticas e saberes do passado no presente, tais como as
técnicas de trabalho, a religiosidade, o lazer, a culinária, a musicalidade, a linguagem e os
modos de fazer.
Essas heranças resistiram às mudanças no tempo e no espaço e, por este motivo,
devem ser reconhecidas como pilares da nossa construção enquanto brasileiros. Por isso
devem estar nos horizontes educacionais que almejam a valorização da pluralidade.

UNIDADE IV O Multiculturalismo 80
2. OS SABERES E FAZERES DA EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS

Agora que já aprendemos um pouco sobre as heranças culturais que incidem na


formação do nosso país, e também sobre as compreensões acerca do multiculturalismo,
passaremos para uma abordagem sobre os saberes e fazeres na educação infantil. Será
que é possível construir pedagogias multiculturais e inclusivas desde a educação infantil?
Vamos demostrar neste tópico que sim. Que além de possível, tal fundamento se coloca
como de suma importância.
Iremos explorar alguns trabalhos teóricos, iniciando o estudo reflexivo da bibliogra-
fia especializada, com o artigo Formação de professores, educação infantil e diversidade
étnico-racial: saberes e fazeres nesse processo da pesquisadora Lucimar Rosa Dias (2012).
Neste trabalho é dado enfoque a importância da ludicidade nos processos de edu-
cação infantil. Isso seria nesse contexto como importantes modos de fazer. Considera-se
que o lúdico é indispensável ao tipo de trabalho que deve-se desenvolver com crianças
pequenas.
Diversas teorias corroboram esse fundamento metodológico, como as presentes
em Piaget (1974) e Vigotski (1997), dois intelectuais influentes nas teorias educacionais no
Brasil. Eles apontam a importância do jogo no processo de aprendizagem da criança, seja
ele simbólico ou com regras. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
também apontam a importância desse elemento para os modos de fazer pedagógicos:

UNIDADE IV O Multiculturalismo 81
As propostas curriculares da Educação Infantil devem garantir que as crianças
tenham experiências variadas com as diversas linguagens, reconhecendo que
o mundo no qual estão inseridas, por força da própria cultura, é amplamente
marcado por imagens, sons, falas e escritas. Nesse processo, é preciso valori-
zar o lúdico, as brincadeiras e as culturas infantis. (BRASIL, 2012, p. 14).

Se o lúdico é uma dimensão importante no processo de ensino e aprendizagem


infantil, também é fundamental para tratar a diversidade na educação infantil. Claro que não
caberia aos docentes explicar para crianças pequenas no que consistiu a escravidão no
Brasil, ou como se conceitua discriminação, mas é possível encontrar no patrimônio cultural
brasileiro elementos que busquem familiarizar os pequenos com a história e a cultura de
diferentes populações, de modo a valorizá-las (DIAS, 2012).
Para Dias (2012), abarcar esse patrimônio em sua pluralidade, ainda na educação
infantil, é uma forma de contribuir para a construção de novos olhares e imaginários sobre
as histórias e as heranças culturais de minorias estigmatizadas e marginalizadas no currí-
culo da educação infantil.
Desse modo, a diferença passa a ser construída desde a tenra idade como um
valor positivo, e não como algo necessariamente hierárquico. Ou seja, busca-se construir
a diferença como um valor relacional. Você é diferente de mim, porque eu sou diferente de
você. O que é mais interessante, do ponto de vista da pluralidade, do que pensar que você
representa a norma, e eu sou o outro, porque sou diferente de você.
Construir entre as crianças pequenas a concepção de que as diferenças ob-
servadas na convivência entre seus pares é algo positivo está na contramão
da política de identidade que deseja estabelecer hierarquias entre as pes-
soas. Uma instituição de educação infantil, sempre que pautar seu trabalho
por esse princípio, estará interrogando a si mesma e os outros espaços so-
ciais sobre o tratamento dado a essa questão, possibilitando que as crianças
pensem nas diferenças como uma experiência ao mesmo tempo particular
e coletiva, que se estabelece na relação entre os sujeitos e não se constitui
numa marca determinada de algum grupo específico (DIAS, 2012, p. 667).

Buscar a não hierarquização da diferença é colaborar para a formação do simbó-


lico na criança. Esse é um fazer desejado para a construção didático-pedagógica. Essas
práticas podem ser consideradas uma alternativa ao que Giroux (1995, p. 71) chama de
disneyzação da cultura infantil. Conforme o autor, “não existe nada de inocente naquilo
que as crianças aprendem sobre raça, tal como retratada no ‘mundo mágico’ da Disney”.
Ou seja, não é uma coincidência ou um fato isolado a que as histórias infantis apresentem,
exclusivamente, um tipo físico como o portador da beleza, da bondade, da riqueza ou da
magia.
Assim, cada vez que a escola promove atividades em que as crianças conheçam
histórias com outras representações e identidades, constrói-se um arcabouço imaginário

UNIDADE IV O Multiculturalismo 82
alternativo aos discursos dominantes e normativos sobre os modos como as crianças devem
identificar a si mesmas e os outros.
Fazendo isso, rompe-se com hierarquias em que somente o branco europeu é
valorizado e as outras representações de identidades são apagadas ou sistematicamente
silenciadas.
Já um saber importante que se relaciona ao fazer citado é referente a positivação
da construção identitária. Ao conhecimento do professor e de toda equipe pedagógica em
relação à complexidade desse processo de se identificar e afirmar como pertencente a
um grupo minoritário. Visto que essas identidades não estão prontas, nem postas para a
maioria das crianças.
Por exemplo, algumas crianças, por não terem a pele retinta, não se consideram
negras. Demanda um saber e um fazer profissional qualificado contribuir para que essas
crianças aprendam e construam tal noção. Não deve se impor isso, mas deve-se contribuir
para o processo e o entendimento de como essas representações podem ser positivas e
importantes, de um ponto de vista político da afirmação racial. Pois num contexto de tanto
racismo e desigualdades, muitas vezes escolhe-se identificar-se como pardo, ou moreno,
invés de entender-se como negro.
Então, por que não contribuir para elaboração de imaginários positivos sobre modos
de ser negro, para além dos estereótipos estigmatizados? É fundamental que olhemos para
as crianças como sujeitos ativos e reflexivos, capazes de pensar a si mesmas e o seu
mundo. Contudo, não deve-se obrigar que elas assumam uma identidade, seja ela qual
for. Um princípio importante desse saber é considerar saudável que uma criança negra se
aceite. Um princípio importante desse fazer, é contribuir para que ela tenha orgulho de si e
da história dos seus ancestrais. Nunca perdendo de vista que a identidade é socialmente
construída e processual.
Concluindo, alguns fundamentos pedagógicos sobre os quais refletimos aqui e que
são de suma importância para a atuação docente são:
1. O educador tem de ter preparação para trabalhar esses temas.
2. O lúdico é importante no contexto dos fazeres para positivação da diversidade.
3. A ideia de diferença deve ser construída com a criança como algo bom e
relacional.
4. A criança tem de ter elementos que colaborem na construção de sua identida-
de de modo positivo, assim deve-se apontar caminhos, sem impor nada.
Desse modo, concordamos que:
a educação infantil deveria se constituir como um espaço de diáspora, que
não é a pátria idealizada e homogênea, mas uma inflexão territorial e tempo-
rada, operadas pelos coletivos sociais a partir da racialização, do gênero, da
sexualidade, e etnia (BRAMOWICZ; VANDENBROCK, 2014, p. 12).

UNIDADE IV O Multiculturalismo 83
3. DIVERSIDADE ÉTNICO-CULTURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR

Ainda pensando as questões ligadas ao multiculturalismo e suas dimensões no


campo educacional, vamos tratar agora da diversidade étnico-cultural e suas implicações
na organização escolar. Isso quer dizer que nós buscaremos abordar algumas discussões
teóricas que relacionam categorias étnicas-culturais à práticas educativas que contribuam
para a compreensão e valorização da diversidade étnico-racial brasileira.
Apresentamos aqui alguns trabalhos de autores que têm analisado e denunciado
caráter predominante nas escolas, homogeneizando e monocultural da educação. Para
Perez Gómez (1994, p. 2001) “o cruzamento de culturas acontece na escola, cuja respon-
sabilidade é a edição reflexiva daquelas influências plurais e as diferentes culturas”. Já
Moreira e Candau (2003, p. 161) apontam que “a escola sempre teve dificuldade em lidar
com a pluralidade e a diferença, tende a silenciá-las e neutralizá-las”.
Assim contextualizamos tais reflexões em uma sociedade brasileira marcada por
hierarquizações raciais. É nítido o processo histórico em que o que é produzido pelo negro
brasileiro é desumanizado, desvalorizado ou considerado estranho, exótico e folclórico. Ou
vocês costumam perceber que o berimbau é tão valorizado quando o piano/violino? Isso
não é sem importância, e revela sobre processos históricos de hierarquizações culturais.
Tais elementos e semânticas da cultura Afro-brasileira ainda são estigmatizados
e tidos como menos importantes numa hierarquia de patrimônio cultural. No imaginário
social, muitas vezes as religiões Afro-brasileiras, que dialogam intimamente com a cultural

UNIDADE IV O Multiculturalismo 84
Afrobrasileira, nem recebem o signo de religião, mas de “folclore”, de “superstição”, de
“prática primitiva”, ou até “coisa do demônio”. E o que a escola tem a ver com isso? De que
modo uma educação que valoriza a diversidade étnico racial pode lidar com tais problemas
sociais e contribuir para a desconstrução de racismos naturalizados?
A lei 10.639, promulgada em 2003, tornou obrigatório o ensino de história da África
e cultura afro-brasileira na Educação Básica. Essa lei foi resultado de muita persistências
dos movimentos sociais negros, não foi uma política pública “dada de mão beijada” pelos
governantes. Até então, não havia grandes discussões nas escolas sobre as populações
afro-brasileiras, nem sobre suas pertenças culturais e religiosas. O único modo como o
negro aparecia nos livros didático era como escravizado, subjugado.
Como crianças que vêem aquelas imagens estereotipadas, ou vexatórias, de ne-
gros em posição de inferioridade ou subalternidade poderão construir uma autoestima e se
honrar de sua origem e descendência? No caso de serem negras, e no caso de não serem,
como construirão um arcabouço imaginário positivo dessa população se só conhecem tais
referências?
Não estamos querendo dizer que os materiais didáticos deveriam esconder tais
elementos. A escravidão foi realmente muito desumanizadora, violenta, absurdamente cruel
para com os povos africanos, e isso deve sim ser trabalhado, lembrado, problematizado.
Mas não deve ser o único foco dos estudos que busquem ser comprometidas com o fim dos
racismos. Essas, devem buscar apresentar outros elementos de positivação e valorização
da história desses povos no Brasil.
Assim, cabe apontar, que com o advento da lei supracitada, a cultura afro-brasi-
leira passou a ter certa visibilidade no currículo escolar como um elemento construtivo na
reafirmação da cultura brasileira. Isso tem grande relevância, porque conforme postula o
filósofo e historiador camaronês Achille Mbembe (2001), nenhuma democracia pode se
desenvolver sem memória.
Desse modo, se faz necessário reivindicar a difusão e o ensino da história Africana
e Afro-brasileira como respostas aos processos que seguem legitimando o apagamento da
cultura, da religião e das representações simbólicas negras no Brasil.
Mbembe (2001) teoriza sobre esse processo de apagamento como uma violência
de tipo metafísico e ontológico. Para ele, esse tem sido há muito tempo um aspecto da
ficção de desenvolvimento que os colonizadores procuram impor aos que colonizaram. O
autor reflete sobre os impactos subjetivos do poder do Estado no apagamento e morte da
memória social de grupos vulneráveis.

UNIDADE IV O Multiculturalismo 85
Ele entende essa memória social como um campo político, cognitivo, identitário e
performativo. Aponta que ela possui caráter polissêmico, e pode apresentar importantes
informações sobre o campo racial e político no mundo contemporâneo. As estratégias políti-
cas de apagamento coletivo das memórias sociais de um povo constituem a necromemória
(morte da memória). O objetivo na produção de silêncio por grupos dominantes é, muitas
vezes, estabelecer uma perda de ideias; uma perda de afetos que nos leva a questionar
como ele nos afeta socialmente.
Pensando no contexto escolar, apontamos que é responsabilidade dos educadores
negar essa lógica de desumanização e apagamento epistêmico e cultural que, segundo
Mbembe (2018), tem contribuído para a legitimação política de morte dos grupos margina-
lizados.
Aponta-se a importância de se estabelecer modelos educacionais que enfoquem
produções de outras narrativas e olhares sobre a educação, mais especificamente sobre a
formação docente. É o que o pesquisador Reis Neto (2019) aponta como docência desco-
lonizada (REIS NETO, 2019).
O autor compreende uma docência descolonizada aquela que se compromete com
o processo contínuo desconstruir noções racistas e de hierarquização de grupos étnicos
distintos, e que a partir disso buscar construir novos caminhos a partir da diversidade,
de epistemologias e linguagens que não se pautem em uma lógica de poder colonial e
etnocêntrica (REIS NETO, 2019).
Para Reis Neto (2019) é de suma importância que seja considerado no âmbito
escolar a prática da alteridade e a valorização da diversidade, como princípios básicos.
Isso aponta para a urgência em construir processos educacionais de formação múltipla,
que abarquem diferentes saberes e referências epistêmicas, como a filosofia e cosmovisão
afro-brasileira. O autor enquadra tal postura teórico-metodológica como busca de “justiça
cognitiva”.
É importante que o processo de descolonização da docência ultrapasse os já co-
nhecidos e limitados recursos, como apresentar filmes e músicas com temáticas raciais.
Deve-se por outro lado buscar construir outras perspectivas sensíveis, por meio do diálogo,
da superação das desigualdades e das mais diversas formas de discriminação. Descoloni-
zar a docência então, seria um processo ético-político e estético que rompe com a lógica
colonial, e que reconhece a história e cultura africana e afrobrasileira, como nascedouro de
ricos saberes brasileiros (NETO, 2019).

UNIDADE IV O Multiculturalismo 86
Nilma Lino Gomes (1996) também aponta que é dever dos educadores e educado-
ras o trato ético que não segrega e hierarquiza as diferenças no ambiente escolar. Para ela,
lutar contra a discriminação, seja ela de qualquer origem, é um imperativo ético, da própria
natureza do ser.
Para isso é preciso que nos lancemos à descolonização do nosso pensa-
mento pedagógico, na (re)construção das epistemologias, (re)contando as
narrativas, (re)construindo os discursos, combatendo a hegemonia colonial
eurocêntrica na produção do conhecimento, da pesquisa, na formação de
professores. Desse modo, disputar lugares e narrativas na tentativa de ga-
rantir a diversidade de pensamento nos espaços educativos e na formação
de professores (REIS NETO, 2019, p. 30).

Pensando em específico na Educação infantil, destacamos que com a ludicidade,


sensibilidade e posicionamento ético-estético político que valorize a diversidade étnico-
-cultural é possível se aproximar dos objetivos destacados pelas diretrizes presentes nas
Metas de Aprendizagem para a Educação Pré-Escolar:

● Identidade/Auto-estima: “ (…), a criança reconhece laços de pertença a


diferentes grupos (…) que constituem elementos da sua identidade cultural e social”.
● Convivência Democrática/Cidadania: “ (…), a criança manifesta respei-
to pelas necessidades, sentimentos, opiniões culturais e valores dos outros (crianças e
adultos), esperando que respeitem os seus; “(…) identifica algumas manifestações do
património artístico e cultural (local, regional, nacional e mundial) manifestando interesse e
preocupando-se com a sua preservação.”
● Solidariedade/Respeito pela Diferença:” (…) a criança reconhece a diversi-
dade de características e hábitos de outras pessoas e grupos, manifestando o respeito por
crianças e adultos, independentemente de diferenças físicas, de capacidades, de gênero,
etnia, cultura, religião ou outras (…), a criança reconhece que as diferenças contribuem
para enriquecimento da vida em sociedade, identificando esses contributos em situações
do quotidiano; (…), a criança identifica no seu contexto social (grupo, comunidade) algumas
formas de injustiça e discriminação, (por motivos de etnia, (…)), propondo ou reconhecendo
formas de as resolver e minorar.” (Ministério da Educação, 2010)

UNIDADE IV O Multiculturalismo 87
SAIBA MAIS

O conceito “educação multicultural” é definido pelo Ministério da Educação como:

A aceitação da diferença sexual, social e ética é facilitadora da igualdade de oportunida-


des num processo educativo que respeita diferentes maneiras de ser e de saber, para
dar sentido à aquisição de novos saberes e culturas. É numa perspectiva de educação
multicultural que se constrói uma maior igualdade de oportunidades entre mulheres e
homens, entre indivíduos de diferentes classes sociais e de diferentes etnias. (MINISTÉ-
RIO DA EDUCAÇÃO, 1997, p. 54-55).

Fonte: PORTUGAL. Decreto-Lei n. 147, de 11 de junho de 1997. Estabelece o ordenamento jurídico do

desenvolvimento e expansão da rede nacional de educação pré-escolar e define o respectivo sistema de

organização e financiamento. Diário da República n. 133, I Série A, p. 2828-2834, jun. de 1997.

REFLITA

“Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o


mundo.”

(Paulo Freire).

UNIDADE IV O Multiculturalismo 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim dessa jornada em torno dos estudos da História da Infância e


Multiculturalismo. Em todas os tópicos nós tivemos o cuidado metodológico de buscar rela-
cionar a questão multicultural à educação, com enfoque na criança. Nesse sentido refleti-
mos sobre como operar conceitos ligados à educação multicultural que busquem combater
as diferentes opressões e discriminações sociais a grupos historicamente desprivilegiados
no Brasil.
No primeiro tópico nós estudamos sobre as diversas heranças que incidem na cul-
tura brasileira. Demonstramos como essas heranças de diferentes povos têm grande valor
histórico e social. Elas representam tradições e legados históricos e culturais transmitidos
de geração para geração. Por isso, indicamos a importância de se apropriar desses conhe-
cimentos múltiplos, tanto nos currículos, como nas pedagogias.
Em seguida, no tópico dois, nós refletimos sobre saberes e fazeres da educação
das crianças que possibilitem uma formação multicultural. Apontamos a importância de
uma postura ética-política dos docentes para criação de imaginários positivos sobre as
histórias e as heranças culturais de minorias estigmatizadas e marginalizadas no currículo
da educação infantil.
Já no último tópico nós abordamos a diversidade étnico-cultural e suas implicações
na organização escolar. Apresentamos algumas discussões teóricas que relacionem cate-
gorias étnicas-culturais à práticas da educação infantil que contribuam para a compreensão
e valorização da diversidade étnico-racial brasileira.

Bons estudos!

UNIDADE IV O Multiculturalismo 89
LEITURA COMPLEMENTAR

GOMES, Nilma Lino. Educação, raça e gênero: relações imersas na alteridade.


Cadernos Pagu (6-7), 1996, p.67-82.

GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodu-
ção de estereótipos ou ressignificação cultural? Revista Brasileira de Educação, Belo
Horizonte, n.21, p. 40-51, 2002

MARQUES, Eugenia Portela de S. Educação e relações étnico-raciais no Brasil:


as contribuições das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 para a descolonização do currículo
escolar. Revista Educação Pública, Cuiabá, v. 23, n. 53/2, 2014, p.553-571

UNIDADE IV O Multiculturalismo 90
MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: Um olhar além das fronteiras: Educação e relações raciais
Autor: Nilma Lino Gomes
Editora: Autêntica
Sinopse: O diálogo além das fronteiras realizado neste livro está
alicerçado em um dos ensinamentos de Paulo Freire: de que uma
das nossas brigas como seres humanos deva ser dada no sentido
de diminuir as razões objetivas para a desesperança que nos imo-
biliza. Nesse sentido, a recusa ao fatalismo cínico e imobilizante
pregado pelo contexto neoliberal, pela globalização capitalista,
pela desigualdade social e racial deve se pautar em uma postura
epistemológica e política criticamente esperançosa. É o que o
leitor e a leitora encontrarão nas páginas deste livro.

FILME/VÍDEO
Título: Besouro
Ano: 2009
Sinopse: Besouro era o sobrenome do reconhecido capoeirista
Manuel Henrique Pereira. O filme conta a história deste órfão que
se transformou num dos grandes mestres da capoeira, disciplina
criada por escravos africanos que eram proibidos de utilizar armas

UNIDADE IV O Multiculturalismo 91
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99
CONCLUSÃO GERAL

Neste material, buscamos trazer para você os principais conceitos que auxiliem na
sua compreensão do Multiculturalismo e sua relação com infância, para a educação.
Para tanto, demonstrando as recentes abordagens históricas acerca do tema in-
fância, no Brasil. Identificando que a produção teórica do tema está baseada apenas na
concepção do adulto, ainda alheia à representação que a criança constrói de si mesma.
Apontamos algumas definições legais sobre infância e também sobre as linguagens infantis.
Destacamos que existem diferenças contextuais ao falarmos de infância e que é necessário
localizar tal assunto em cenários diversos. Ainda apresentamos trabalhos historiográficos
sobre infância, pensando Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna. Assinalamos a cons-
tituição da família no seio social e sua correlação com a infância, assim como a diversidade
de modelos familiares.
Refletindo sobre sobre a atuação do Estado, demonstramos algumas das premissas
históricas das políticas públicas para crianças e adolescentes. Apontamos que inicialmente
o Estado combatia a delinquência, preocupando-se com famílias desestruturadas, que eram
relacionadas à criminalidade. Até que surgem as primeiras legislações sobre a criança e
adolescente, de caráter punitivo, assim como o Código dos Menores, criado no regime
militar. Buscamos destacar que o caráter punitivista só foi abandonado pelo Estado com o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, trabalhamos o contexto social e histórico de
promulgação do Estatuto. Ressaltamos o tratamento às políticas públicas desde a década
de 1970, e posteriormente, inseridas numa ideologia neoliberal.
Apresentamos como a educação em creches e pré-escolas é organizada pelas
principais normativas do país. Entendemos que as leis auxiliam na defesa de uma educação
que possibilite o desenvolvimento integral da criança, mas ainda negligenciam aspectos
importantes sobre o desenvolvimento infantil e preparo dos professores para exercerem
seu papel neste processo. Ressaltamos também o papel do educador como mediador do
processo de ensino-aprendizagem e as necessidades principais da criança entre 0 e 6
anos. Indicamos o desafio da formação profissional bem como a necessidade de preparo
contínuo para o atendimento de qualidade. Realizamos uma breve reflexão sobre a violên-

100
cia e suas implicações na escola. Pontuamos que os educadores têm papel fundamental
na observação e prevenção da mesma no cotidiano escolar.
Por fim, discutimos sobre multicultarismo, buscando relacioná-lo a à educação,
com enfoque na criança. Nesse sentido refletimos sobre como operar conceitos ligados à
educação multicultural que busquem combater as diferentes opressões e discriminações
sociais a grupos historicamente desprivilegiados no Brasil.
Entendemos que existem diversas heranças que incidem na cultura brasileira.
Demonstramos como essas heranças de diferentes povos têm grande valor histórico e
social. Indicamos a importância de se apropriar desses conhecimentos múltiplos, tanto nos
currículos, como nas pedagogias. Discutimos assim, sobre saberes e fazeres da educação
das crianças que possibilitem uma formação multicultural. Apontamos a importância de
uma postura ética-política dos docentes para criação de imaginários positivos sobre as
histórias e as heranças culturais de minorias estigmatizadas e marginalizadas no currículo
da educação infantil. Abordamos a diversidade étnico-cultural e suas implicações na or-
ganização escolar, com discussões teóricas que relacionem categorias étnicas-culturais à
práticas da educação infantil.
A partir de agora acreditamos que você já está preparado para seguir em frente
aprofundando ainda mais suas capacidades intelectuais e posturas teórico- metodológicas
e pedagógicas, acerca do Multiculturalismo em diálogo com a infância.

Até uma próxima oportunidade. Muito obrigada!

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