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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO

CAMPUS ENGENHEIRO COELHO

DAVI CORRÊA BUENO

O USO DA GRAFOSCOPIA NA IDENTIFICAÇÃO DA AUTORIA DA ESCRITA DE


UMA PARTITURA DE JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA

ENGENHEIRO COELHO
2012
DAVI CORRÊA BUENO

O USO DA GRAFOSCOPIA NA IDENTIFICAÇÃO DA AUTORIA DA ESCRITA DE


UMA PARTITURA DE JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA

Trabalho de Conclusão de Curso do Centro


Universitário Adventista de São Paulo do curso de
Educação Artística – Licenciatura em Música, sob
orientação do prof. Dr. Jetro Meira de Oliveira

ENGENHEIRO COELHO
2012
Dedico esse trabalho a todas as pessoas que
lerem esse TCC. A princípio pode parecer pura
delicadeza dedicar esse trabalho aos leitores,
entretanto vários trabalhos ficam por vários
anos guardados em uma estante. Durante esses
anos, é como se esses trabalhos estivessem
“mortos”, portanto é o leitor quem dá vida a
um texto. Muito obrigado, leitor, por retirar
meu trabalho da estante e “revivê-lo”.

Davi Corrêa Bueno – davicorreabueno@gmail.com


AGRADECIMENTOS

• Agradeço a Deus.
• Ao Dr. Jetro Meira de Oliveira, por ter me orientado nesse trabalho.
• A minha namorada, Priscila Varussa, por ter me auxiliado nas correções desse
trabalho e ter me ajudado durante todo o curso da faculdade.
• A minha família por ter me apoiado a fazer o curso de Música.
• Ao Ronaldo Domingos que criou o “folclore” matinal de tomar café com os amigos
Raphael de Araujo e Murilo Begnami. Esse café sempre nos trouxe importantes
conversas que agregaram conhecimento a nossa vida acadêmica.

Davi Corrêa Bueno – davicorreabueno@gmail.com


RESUMO

É muito importante para pesquisadores de acervos de música antiga a identificação de


autoria de um manuscrito musical. Por isso, o presente estudo verificará a possibilidade de
identificar o autor de uma partitura manuscrita através da análise de sua grafia, com
embasamento teórico da técnica da grafoscopia. A grafoscopia é uma ciência forense, usada
para verificar a autoria de textos manuscritos, por isso, nossa pesquisa, identificará quais os
conhecimentos dessa técnica podem ser aplicados na identificação do autor de uma
partitura manuscrita. Em alguns casos, a técnica de grafoscopia deverá sofrer adaptações
para que possa ser usada na análise da notação musical. No “Acervo Musical do Cabido
Metropolitano do Rio de Janeiro” (ACMERJ) existe uma partitura que pretendemos
questionar sua autoria. Dessa forma poderemos verificar a eficácia da grafoscopia quando
aplicada na análise de partituras. A partitura questionada é um exemplar de Contrabaixo que
faz parte da obra Te Deum Laudamus (CPM92) de José Maurício. Essa partitura está
catalogada, no ACMERJ, como autografa a José Maurício, entretanto a grafia presente nesse
manuscrito possui características distintas da grafia do padre José Maurício. A análise desse
manuscrito musical será essencial para compreendermos quais as técnicas da grafoscopia
podem ser aplicadas para identificar o autor de uma partitura.

Palavras-Chave: Grafia musical; Acervo; Musicologia; José Maurício.

Davi Corrêa Bueno – davicorreabueno@gmail.com


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – PARTITURA QUE FRANZ VAN MOSEL ENVIOU PARA ANÁLISE ................................................... 18
FIGURA 2 – EXEMPLO DE ESCRITA “VERTICAL”, DEMONSTRANDO “SENTIDO ASCENDENTE” E “SENTIDO
DESCENDENTE”. ............................................................................................................. 22
FIGURA 3 – EXEMPLO DE ESCRITA “DEXTRÓGIRA”, DEMONSTRANDO “SENTIDO DEXTROASCENDENTE” E SENTIDO
“SINISTRODESCENDENTE”. ................................................................................................ 22
FIGURA 4 – EXEMPLO DE ESCRITA “SINISTRÓGIRA”, DEMONSTRANDO “SENTIDO SINISTROASCENDENTE” E
SENTIDO “DEXTRODESCENDENTE”. ..................................................................................... 23
FIGURA 5 - CALIGRAFIA ENCONTRADA NO “EXEMPLAR 1 DE CONTRABAIXO DO CONJUNTO 1”. DOCUMENTO
CUJA AUTORIA ESTAMOS QUESTIONANDO. PÁGINA 1 COMPASSO 1. ......................................... 27
FIGURA 6 - CALIGRAFIA ENCONTRADA NO “EXEMPLAR 1 DE CONTRABAIXO DO CONJUNTO 1”. DOCUMENTO
CUJA AUTORIA ESTAMOS QUESTIONANDO. PÁGINA 1 COMPASSO 6. ......................................... 28
FIGURA 7 - PRIMEIRA UNIDADE GRÁFICA GERA O CORPO DA LETRA “F”. .................................................... 29
FIGURA 8 - SEGUNDA UNIDADE GRÁFICA GERA O CORTE DA LETRA “F”. ..................................................... 29
FIGURA 9 - TRECHO DO “EXEMPLAR 1 DE CONTRABAIXO DO CONJUNTO 1”, DOCUMENTO CUJA AUTORIA
ESTAMOS QUESTIONANDO. ............................................................................................... 29
FIGURA 10 - TRECHO DO “EXEMPLAR 1 DE CONTRABAIXO DO CONJUNTO 1”, DOCUMENTO CUJA AUTORIA
ESTAMOS QUESTIONANDO. ............................................................................................... 30
FIGURA 11 - CALIGRAFIA DO PADRE JOSÉ MAURÍCIO. DOCUMENTO CRI-SM18. GRADE DE REGÊNCIA –
DINÂMICA RETIRADA DA LINHA DO VIOLONCELO. COMPASSO 1 DA PÁGINA 1 ............................. 31
FIGURA 12 - A PRIMEIRA “UNIDADE GRÁFICA” INICIA-SE NA “ZONA INICIAL”. O TRAÇADO VAI PARA CIMA ATÉ
FAZER UMA PEQUENA PAUSA PARA MUDAR DE DIREÇÃO. ........................................................ 31
FIGURA 13 - A SEGUNDA “UNIDADE GRÁFICA”. ................................................................................... 31
FIGURA 14 - A TERCEIRA “UNIDADE GRÁFICA” ..................................................................................... 32
FIGURA 15 - A QUARTA UNIDADE GRÁFICA ......................................................................................... 32
FIGURA 16 - TRECHO DO “EXEMPLAR 2 DE CONTRABAIXO DO CONJUNTO 1”, DOCUMENTO AUTÓGRAFO DE JOSÉ
MAURÍCIO..................................................................................................................... 38
FIGURA 17 - TRECHO DO “EXEMPLAR 2 DE CONTRABAIXO DO CONJUNTO 1”, DOCUMENTO AUTÓGRAFO DE JOSÉ
MAURÍCIO..................................................................................................................... 38

Davi Corrêa Bueno – davicorreabueno@gmail.com


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 8
2 METODOLOGIA ..................................................................................................... 10
3 DESENVOLVIMENTO - MONOGRAFIA..................................................................... 11
3.1 Formas conhecidas de identificar o autor de um manuscrito .................................. 11
3.2 A Grafoscopia........................................................................................................ 14
3.2.1 O processo de análise pela grafoscopia .............................................................. 18
3.2.2 A unidade gráfica ............................................................................................... 20
3.2.3 Inclinação axial .................................................................................................. 21
3.2.4 Espaçamento ..................................................................................................... 23
3.3 O “Te Deum Laudamus (CPM 92)” e seus manuscritos ........................................... 23
3.4 Análise da caligrafia encontrada no “Conjunto 1 de Contrabaixo” .......................... 27
3.4.1 A dinâmica “piano” ............................................................................................ 27
3.4.2 A dinâmica “forte” ............................................................................................. 28
3.4.3 O espaçamento entre notas ............................................................................... 29
3.4.4 As hastes das notas musicais .............................................................................. 30
3.5 Análise da caligrafia de José Maurício .................................................................... 30
3.5.1 A dinâmica “piano” ............................................................................................ 30
3.5.2 A dinâmica “forte” ............................................................................................. 32
3.5.3 O espaçamento entre notas ............................................................................... 37
3.5.4 As hastes das notas musicais .............................................................................. 38
3.6 Comparação entre a caligrafia presente no “Conjunto 1 de Contrabaixo” e a
caligrafia de José Maurício............................................................................................... 39
3.6.1 A dinâmica “piano” ............................................................................................ 39
3.6.2 A dinâmica “forte” ............................................................................................. 40
3.6.3 O espaçamento entre notas ............................................................................... 41
3.6.4 A posição das hastes .......................................................................................... 41
4 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 43
5 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 46
6 ANEXO .................................................................................................................. 48

Davi Corrêa Bueno – davicorreabueno@gmail.com


8

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo principal identificar se o padre José Maurício
Nunes Garcia é o autor de uma partitura manuscrita que se encontra no “Acervo Musical do
Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro” (ACMERJ1). O manuscrito que analisaremos é uma
partitura de contrabaixo2 que pertence ao “Te Deum Laudamus - Hino de Ação de Graças
para Matinas de São Pedro”, em Lá Maior, 1809 (CPM 92)3.
Existem várias partituras da obra CPM 92 algumas delas são originais do próprio
compositor José Maurício e outras partituras são cópias produzidas por copistas não
identificados. Nesse acervo a partitura de cada instrumento é chamada de exemplar e cada
exemplar é guardado em um conjunto de partitura, cada conjunto une todas as partituras
que foram escritas pela mesma pessoa, sendo que para organizar as partituras da obra CPM
92 foram criados nove conjuntos diferentes. Por isso no Conjunto 1 só existem partituras do
próprio José Maurício, no Conjunto 2 estão partituras que foram produzidas parcialmente
por José Maurício e concluída por algum copista, do Conjunto 3 em diante são apenas cópias
produzidas por copista, cada conjunto desses foi feito por um copista diferente (ACMERJ,
2012, s.p.).
A problemática de nossa pesquisa surgiu durante o processo de transcrição do
manuscrito da obra CPM 92 para formato digital, através do programa Finale, que está
sendo executada pelo Grupo de Pesquisa em Linguagem Musical Brasileira do curso de
Licenciatura em Música do UNASP-EC.
Ao transcrever e comparar as partes de contrabaixo, verificamos que o “Exemplar 1
do Conjunto 1” possuía muitos erros e também notamos que o “Exemplar 2 do Conjunto 1”
era mais confiável. Segundo o ACMERJ (2012), o “Exemplar 1 do Conjunto 1” teria sido
escrito por José Maurício. Entretanto, devido à quantidade de erros encontrados nesse
manuscrito, levantamos a hipótese de esse exemplar ser apenas uma cópia feita por um
copista. Ao comparar a caligrafia presente nesse documento, verificamos que ela é distinta
da caligrafia encontrada em outros documentos autógrafos de José Maurício. Portanto

1
ACMERJ – Todas as partituras do “Acervo Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro” estão
disponíveis para consulta no site: http://www.acmerj.com.br/
2
Veja a primeira folha da partitura no anexo.
3
Todas as partituras do CPM 92 estão no site: http://www.acmerj.com.br/CMRJ_CRI_SM46.htm

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nosso objetivo é analisar o “Exemplar 1 do Conjunto 1” e determinar se essa partitura foi


escrita pelo padre José Maurício ou se ela é apenas uma cópia produzida por algum copista.
Precisamos deixar claro que não estamos questionando a autoria da música “Te
Deum Laudamus - Hino de Ação de Graças para Matinas de São Pedro”, em Lá Maior. O que
estamos questionando é se uma das partituras dessa obra é uma cópia manuscrita feita por
algum copista.
Nossa pesquisa será baseada nos conceitos da grafoscopia, esta é uma ciência
forense que afirma que existem peculiaridades na escrita de cada pessoa, dessa forma é
possível observar essas peculiaridades para identificar o autor de um documento (NICKEL e
FISCHER, 1999, p. 169).
Nosso objetivo principal é analisar e encontrar as peculiaridades de escrita presente
na notação musical, como notas (mínimas, semínimas, colcheias), dinâmicas (forte, piano,
mezzo-forte) e claves. Decidimos fazer esse tipo de pesquisa porque em uma partitura
existem mais elementos musicais do que textos. Assim sendo, podemos afirmar com maior
precisão quem escreveu a partitura e também se houve adição de marcações feitas
posteriormente por outra pessoa.
Constará em nossa pesquisa uma breve explicação sobre as formas atuais de se
identificar a autoria de uma partitura manuscrita. Posteriormente, esclareceremos o que é a
grafoscopia e como ela pode ser útil para conseguir identificar o autor de uma grafia
presente em alguma partitura. Posteriormente, falaremos um pouco sobre os manuscritos
da obra “Te Deum Laudamus (CPM 92)”, de José Maurício. Logo após, analisaremos as
características do manuscrito que pretendemos questionar a autoria. Em seguida,
examinaremos a caligrafia de José Maurício, descrevendo as características dessa caligrafia
sob a visão da grafoscopia. Por fim, serão comparadas as características da grafia de José
Maurício com a grafia encontrada no documento que questionamos a autoria, com a
finalidade de concluir se José Maurício produziu ou não esse documento.
Acreditamos que nossa pesquisa possa trazer benefícios para pesquisadores,
professores e alunos de musicologia. Conteúdos abordados e explicados nesta pesquisa
poderão ser usados em aulas de História da Música e em aulas de Musicologia.

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2 METODOLOGIA

A presente pesquisa tem como objetivo verificar quais os conceitos da grafoscopia


podem ser usados para analisar e identificar a autoria de uma partitura manuscrita.
Usaremos o método dedutivo para separar e listar os conceitos grafoscópicos que
podem ser aplicáveis à análise de partituras.
Serão usados livros e artigos como materiais de pesquisa para conhecermos os
conceitos de grafoscopia.
A presente pesquisa está dividida nas seguintes fases: levantamento de conteúdo de
grafoscopia, separar técnicas da grafoscopia que podem ser usadas na análise de partituras,
aplicação das técnicas separadas para identificar a autoria de um manuscrito, identificar os
conceitos que deram certo na prática, exposição das conclusões.

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3 DESENVOLVIMENTO - MONOGRAFIA

O desenvolvimento se iniciará com a explicação de diferentes abordagens usadas


para se identificar a autoria de uma partitura. Em seguida, explicaremos o que é a
grafoscopia e como podemos utilizá-la para analisar uma partitura. Posteriormente
falaremos um pouco sobre os manuscritos da obra “Te Deum Laudamus (CPM 92)”, de José
Maurício. Logo após, analisaremos as características do manuscrito do qual pretendemos
questionar a autoria. Em seguida, examinaremos a caligrafia de José Maurício, descrevendo
as características dessa caligrafia sob a visão da grafoscopia. Por fim, serão comparadas as
características da grafia de José Maurício com a grafia encontrada no documento que
questionamos a autoria, com a finalidade de concluir se José Maurício produziu ou não esse
documento.

3.1 Formas conhecidas de identificar o autor de um manuscrito

Existem alguns métodos simples para identificar a autoria de um documento. Alguns


desses métodos seguem ideias tão óbvias que, a princípio, pode parecer inútil discutir sobre
o assunto. Entretanto, se alguém ignorar alguns detalhes, pode catalogar de forma
equivocada um manuscrito, identificando erroneamente o autor do manuscrito.
O modo mais óbvio de se identificar o autor de uma partitura é buscar por algum
nome inscrito na capa ou na primeira página da partitura. Entretanto, como veremos a
seguir, nem sempre as informações contidas na partitura são suficientes para poder concluir
a autoria do manuscrito.
Muitas vezes, encontramos, na capa de uma partitura, apenas nomes. Dessa forma,
não é possível compreender se esse é o nome do compositor, do copista ou do dono da
partitura. Quando não existe uma informação suficiente a respeito do nome encontrado na
partitura, é preciso que o pesquisador pressuponha se o nome representa o compositor da
obra ou o copista ou ainda o dono da partitura manuscrita.
Para esclarecer nosso ponto de vista, daremos um exemplo fictício. Imagine uma
partitura com parte vocal e que em sua capa esteja a inscrição “João Silva“. Logo adiante,
está escrito “Primavera” e posteriormente está escrito em letras menores “Marcos Correa”.
Ao olhar os textos, as pessoas suporão que “João Silva” seja o compositor e o letrista da

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música e que “Marcos Correa” seja o copista. Outras pessoas suporão que “João Silva” seja
apenas o compositor e que “Marcos Correa” seja o letrista da música. É possível também
imaginar que “João Silva” seja o compositor, o letrista e que ele mesmo tenha escrito a
partitura; e que “Marcos Correa” tenha adquirido a partitura e feito posteriormente a
inscrição na capa.
Podemos perceber, com esse simples exemplo, que a ausência de informações
explícitas leva a conclusões muito distintas e, em muitos casos, a uma conclusão errada a
respeito da partitura.
Uma inscrição explícita para o nosso exemplo seria: “Compositor e Letrista: João Silva
/ Música: Primavera / Essa partitura pertence a: Marcos Correa”. Tal inscrição não deixa
nenhuma dúvida da relação existente entre a partitura e cada um dos nomes que aparece
nela.
Quando encontramos um nome marcado em uma partitura, mas não há nada
descrevendo esse nome, é possível dizer que este nome pode representar uma dentre três
coisas distintas. Esse nome pode representar “o autor da peça”, “quem copiou a peça” ou “o
dono da partitura” (BIASON, 2001, p. 355).
Podemos ver que o ACMERJ (2012) também questiona algumas inscrições
encontradas em partituras de seu acervo. No ACMERJ (2012), encontramos a obra “Kyrie e
Gloria da Missa, em Fá maior (CT 119)” de José Maurício. No “Conjunto 1” desse Kyrie, a
seguinte observação:
a partitura e as partes foram encapadas e etiquetadas; as etiquetas trazem,
respectivamente, as indicações “Copia do Originál por Miguel / 1892” e
“Copia do Miguel / 1892”, porém é arriscado concluir se pela mão do
copista ou por mão posterior, podendo caracterizar propriedade e não
cópia em um ou ambos os casos; seja como for, partitura e partes são
manuscritos elaborados por copistas nitidamente diferentes (ACMERJ,
2012).

Segundo ACMERJ (2012), nas partes de S1, S2, A1, A2, T1, T2, B1, B24 e órgão, está
escrito “Copia do Miguel / 1892”. Nós acreditamos que essa frase é ambígua, uma vez que
pode dar a entender que a partitura pertencia a Miguel e também pode dar a entender que
a cópia foi feita por Miguel.

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Soprano 1, Soprano 2, Contralto 1, Contralto 2, Tenor 1, Tenor 2, Baixo 1 e Baixo 2.

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Na partitura contendo “SCTB / cb / org”, está escrito “Copia do Original por Miguel /
1892” (ACMERJ, 2012). De acordo com esse texto, é possível que esse manuscrito realmente
teria sido feito por Miguel.
O ACMERJ (2012) concluiu que os textos das etiquetas podem “caracterizar
propriedade e não cópia em um ou ambos os casos; seja como for, partitura e partes são
manuscritos elaborados por copistas nitidamente diferentes”.
Percebemos, portanto, que um texto que deveria informar com precisão a respeito
de um manuscrito pode conter informações equivocadas.
No mesmo acervo, encontramos outro caso em que o texto na etiqueta, de uma
partitura, não contém informações suficientes para compreender se o manuscrito foi
copiado por Miguel ou se pertencia a Miguel.
A etiqueta em questão encontra-se na obra “Kyrie e Gloria da Missa de São Pedro de
Alcântara, em Si bemol Maior”, de José Maurício. Na etiqueta, está escrito, em letras
pequenas, “copiado 1892” e na linha abaixo está escrito “Miguel” (ACMERJ, 2012). Olhando
apenas o texto, nós deduziríamos que a cópia foi feita em 1892, por Miguel. Entretanto,
mais uma vez, o ACMERJ (2012) indica essa partitura como “cópia e/ou propriedade de
Miguel”. Ou seja, para o ACMERJ (2012), é questionável se a cópia teria sido feita por Miguel
ou se a cópia apenas pertenceu a ele.
SOBRINHO (2004, p. 26), por outro lado, demonstra que deposita grande
credibilidade nas anotações encontradas nas partituras, uma vez que ele diz:
Sobre a questão da autoria, chegamos à conclusão que o autógrafo do
compositor é o que está presente em alguns manuscritos do Inventário
João Mohana com a indicação de “por Leocádio Rayol”. Esse fato por si só
corrobora a autoria, pois a prática corrente na época era a de indicar a
autoria pela preposição “por” e somente a posse da obra pela preposição
“de”.

Mesmo Sobrinho demonstrando grande credibilidade nas marcações contidas nas


partituras, pode-se notar que, em seu texto, não é mencionada a possibilidade de uma
“preposição” para determinar um copista. Sobrinho apenas demonstra as preposições “por”
(indicando “autoria”) e “de” (indicando “posse de obra”).
Precisamos levar em conta que o texto de Sobrinho afirma que essas preposições
eram comuns na época de Leocádio Rayol, que viveu entre 1849 e 1909. Portanto, pode ser

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que essa prática foi comum e muito respeitada nessa época e na região de Leocádio,
podendo não ter sido uma prática comum em outros períodos ou outras regiões.
Já Biason (2001, p. 365) tem uma visão diferente, por isso é afirmado que:
As páginas de rosto são ricas em informações, onde se pode colher, pelo
menos, o nome do autor e o proprietário do manuscrito. Alguns termos são
explícitos; por exemplo, para definir a autoria encontra-se: seu autor…,
composto por…, para o proprietário: de uso de…, pertence a…, de posse
de…, seu proprietário…, seu dono…, e para o copista: copiado por…. Este
último termo, em geral, é encontrado quando a cópia foi encomendada,
mas, deve-se levar em conta que os nomes definidos como proprietários,
podem ser eles mesmos, os copistas. Outros termos não definem a origem
do nome encontrado, são eles: por…, de…, pelo…, dando margem a
atribuições equivocadas.

Biason afirma que as proposições “por”, “de” e “pelo” não definem a origem do
nome encontrado. Essa visão é oposta à de Sobrinho (2004), que acredita que o termo “por”
indica autoria e o termo “de” indica posse de obra.
Já Araújo (citado por CASTAGNA, 2000, p.23), demonstra a dificuldade em se definir a
autoria de um documento, ao dizer:
Sabe-se como é difícil esse problema de autenticidade, com relação aos
manuscritos musicais de nossos arquivos. Nem sempre basta encontrar na
partitura ou, mais freqüentemente, nas partes da obra o nome do autor.
Pode ser o verdadeiro, mas poderá ser falso. Ser o nome de um copista. De
um proprietário da obra [...]

Podemos concluir, através do texto de Araújo (1970), que não é possível confiar
totalmente no que está anotado em uma partitura. Vimos que Biason (2001) também
acredita que, muitas vezes, são imprecisas as informações sobre compositor/copista que
estão anotadas nas partituras dos acervos.
Devido a esse problema de identificar com precisão o autor de um manuscrito,
buscamos estudar a grafoscopia, com o objetivo de encontrar uma forma mais confiável de
determinar o autor de um manuscrito.

3.2 A Grafoscopia

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A grafoscopia é um campo da ciência forense, sua principal finalidade dentro da área


jurídica é de identificar a autoria de um texto escrito. As características individuais na escrita
formam a base para a identificação do autor do documento (NICKEL e FISCHER, 1999, p.
169).
Nós optamos pelo termo “grafoscopia”. Entretanto, existem diversas formas de
denominar a disciplina que regula os exames da caligrafia, tais como: “grafística”,
“grafotécnica”, “grafocrítica”, “grafotecnia”, “perícia gráfica”, “perícia caligráfica”,
“grafodocumentoscopia”, dentre outras (GOMIDE & GOMIDE, 2005, p. 17).
A grafoscopia oferece embasamento para verificar e analisar a caligrafia de um
compositor e, através dessa análise, é possível determinar quais documentos foram escritos
por este compositor e quais documentos foram feitos por copistas.
A análise caligráfica também é útil para verificar se alguém adicionou alguma
anotação na partitura. É comum que partituras contenham erros ou que nela fiquem
faltando alguns símbolos. Por isso, é normal encontrarmos, em partituras, correções feitas
por terceiros.
Existem diversas características que podem ser analisadas em um documento
manuscrito. As características mais comuns são: “espaço entre letras”, “espaço entre
palavras”, “proporção entre letras”, “traços de conexão”, “traços iniciais e traços finais”,
“pressão da caneta” (HOUCK; SIEGEL, 2010, p. 506; GOMIDE & GOMIDE, 2005, p. 34).
Na área jurídica, é comum a grafoscopia ser usada para analisar se alguém tentou
imitar a letra de outra pessoa, com a finalidade de se passar por essa outra pessoa. No nosso
trabalho, como não acreditamos que alguém tenha tentado imitar a letra de José Maurício,
descartamos a área da grafoscopia, que analisa se um traço foi forjado ou não.
Existem alguns pesquisadores que fizeram algum tipo de pesquisa que possua alguma
semelhança com o nosso trabalho. Goldberg (2002) fez um trabalho sobre “As Valsas
Humorísticas” de Alberto Nepomuceno. Nesse trabalho, o autor afirma que uma das
partituras analisadas é autógrafa de Alberto Nepomuceno, sendo que, nessa partitura,
apenas o texto “Partitura original autógrafo do autor” não teria sido feita pelo próprio
compositor.
Sobre a pesquisa de autenticidade dessa partitura, Goldberg (2002, p. 86) diz:
Foram analisadas a forma e a semelhança entre determinadas letras, como
c, a, o, t, m, n, além de peculiaridades nas claves de sol, dó e fá, pausas de

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semínima, entre outras indicações. Também o tipo de tinta, sua densidade


e espessura, foram observadas. Assim foi possível constatar a autenticidade
e separar termos ou indicações acrescentadas posteriormente.

Também temos conhecimento de que Sobrinho (2004) fez uma análise com as
partituras de Loecádio Rayol. Em sua pesquisa, Sobrinho afirma que verificou duas partituras
de Leocádio e encontrou semelhanças na caligrafia, tipo de papel, marca do fabricante e
folhas de rosto das partes instrumentais e capa de encadernação.
Nogueira (2004) escreveu sobre a peça “Progresso” de Carlos Gomes. Em sua
pesquisa, Nogueira (2004, p. 44) afirma:
A peça (versão para coro, orquestra e fanfarra) foi restaurada a partir de
manuscritos estão no Museu Carlos Gomes de Campinas. As partes da
orquestra são de copista desconhecido, mas as partes de banda trazem a
caligrafia inconfundível de Sant’Anna Gomes e são seguramente do século
XIX.

Os trabalhos de Goldberg (2002), Sobrinho (2004) e Nogueira (2004) assemelham-se


à nossa pesquisa por usarem a comparação da caligrafia nos manuscritos encontrados.
Entretanto, nenhum desses trabalhos tem como objetivo principal descrever as
características da caligrafia do compositor que estão estudando. Por isso, os 3 trabalhos
apresentam poucas informações a respeito do que foi analisado e de qual a técnica utilizada
para analisar a grafia de cada compositor.
Nosso trabalho também se distingue pelo fato de pretender usar a grafoscopia para
analisar os sinais da escrita musical, ou seja, notas, claves, dinâmicas, etc. Apenas Goldberg
(2002) deixa claro que fez alguma análise baseada nos símbolos musicais. Em seu trabalho
houve análise das claves de Sol, Dó e Fá e também das pausas de semínima. No trabalho de
Sobrinho (2004) e de Nogueira (2004), encontramos a informação de que eles pesquisaram a
“caligrafia” dos compositores. Entretanto, não fica claro se esses autores fizeram análises
baseadas em textos encontrados nos manuscritos ou se analisaram a escrita musical (notas e
claves).
Nosso objetivo principal é analisar a notação musical, como notas (mínimas,
semínimas, colcheias), dinâmicas (forte, piano, mezzo-forte) e claves. Decidimos fazer esse
tipo de pesquisa porque em uma partitura existem mais elementos musicais do que textos.
Assim sendo, podemos afirmar com maior precisão quem escreveu a partitura e também se
houve adição de marcações feitas posteriormente por outra pessoa.

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Assim que mencionamos o uso da grafoscopia para identificar autoria de uma


partitura, é natural que muitas pessoas fiquem em dúvida se existe embasamento teórico
para poder prosseguir com essa ideia. Nosso embasamento teórico é sustentado por Nickell
(2005) e por uma pesquisa de Franz van Mosel, que foi descrita por Dewitt (2012, s.p.).
Joe Nickell fala sobre o caso de um examinador que fez um trabalho na análise de um
manuscrito da língua alemã e que esse examinador não teve problemas na análise porque a
tanto a língua alemã quanto a língua inglesa utilizam as letras do alfabeto latino. O alemão
possui algumas letras que não existem em inglês, entretanto a grande maioria das letras é
idêntica nas duas línguas. Em seguida, Joe Nickell questiona se seria possível fazer uma
análise de um manuscrito em russo, já que o alfabeto russo usa o alfabeto cirílico, ou seja,
um alfabeto diferente daquele usado pela língua inglesa. Por fim, Joe Nickell afirma que é
possível fazer uso das regras da grafoscopia para analisar um manuscrito russo, mesmo que
haja diferença entre o alfabeto russo e o alfabeto inglês. Entretanto, ele alerta que é preciso
que o examinador colete vários exemplares com escrita nessa língua para se familiarizar com
as características da escrita. Após isso, seria possível identificar a autoria de um documento,
mesmo sem saber falar uma única palavra em russo (NICKELL, 2005, p. 29).
A grafoscopia identifica o autor de um documento através das peculiaridades
encontradas em sua escrita (GOMIDE & GOMIDE, 2005, p. 40). Portanto, podemos fazer a
mesma análise com partituras após identificar as peculiaridades na grafia do compositor e
dos copistas.
Uma prova mais concreta a respeito do uso da grafoscopia na análise da caligrafia
musical surge através de um bibliotecário chamado Franz van Mosel. Ele teria visto uma
partitura que aparentava possuir caligrafia de mais de uma pessoa. Mosel teria ficado
curioso com esse fato e enviou a partitura para um grafotécnico analisar. A análise do
grafotécnico revelou a grafia de 3 pessoas (DEWITT, 2012).

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18

Figura 1 – Partitura que Franz van Mosel enviou para análise

FONTE: DEWITT (2012, s.p.)

O fato de um grafotécnico ter feito uma análise de partitura e dado seu parecer a
respeito da grafia musical demonstra que é possível analisar e identificar o autor de uma
partitura usando conceitos da grafoscopia.
Através de Nickel (2005) e de Dewitt (2012) podemos concluir que é possível usar a
grafoscopia para analisar a escrita musical.

3.2.1 O processo de análise pela grafoscopia

Os conceitos de análise da grafoscopia podem ser usados com a finalidade de


determinar o autor de um documento. Para identificar a autoria do documento questionado,
deve-se analisar a caligrafia presente no manuscrito. Depois, é preciso comparar com a
caligrafia da pessoa que imaginamos ser o autor do manuscrito.

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19

GOMIDE & GOMIDE (2005, p. 74) explicam que: “Os exames para a determinação das
identidades gráficas dos lançamentos são realizados através de cotejos entre peça de exame
e respectivos paradigmas”.
O termo “peça de exame” refere-se ao documento que se deseja identificar a autoria.
E “paradigmas” seriam documentos contendo a caligrafia da pessoa que imaginamos ser o
autor do documento questionado.
Sabemos que a grafoscopia prova a autoria através da comparação entre caligrafias.
Por isso, é preciso ter em mente pelo menos um possível autor para o documento
questionado, pois somente assim será possível recolher paradigmas para comparar com a
peça de exame.
Nickell (2005, p. 43) afirma que o primeiro passo é analisar isoladamente as
características da caligrafia da peça questionada, ou seja, sem possuir qualquer caligrafia
para comparação.
Isso deve ser feito porque, segundo Nickell (2005, p. 43), mesmo pessoas diferentes
podem possuir algumas características caligráficas em comum. Portanto, analisar o
documento questionado ao lado de qualquer outra caligrafia pode influenciar o examinador
a procurar os pontos em comum entre as duas caligrafias e também fazê-lo deixar de
procurar por características divergentes entre os manuscritos. Essa influência pode levar a
uma conclusão errada, fazendo o examinador determinar um falso autor do documento.
Após analisar isoladamente o documento e anotar todas as características
encontradas, é preciso levantar a hipótese de alguém ser autor da peça questionada, então
será necessário recolher amostras da caligrafia da pessoa que imaginamos ser o autor da
peça.
Monteiro (2008, p. 21) chama cada amostra recolhida de “peça padrão”. E diz
também que “A peça padrão é constituída de assinaturas, [...] pois permitem ao examinador
utilizá-los como base de comparação com a peça questionada”. Ele afirma que é
“Recomendável encontrar-se à disposição do conferente o maior número possível de
padrões, no mínimo de três espécimes [...]”.
Para Gomide & Gomide (2005, p. 66), quanto mais peças padrão disponíveis, melhor
será. Para eles, o bom senso é que determina o número máximo de peças padrão, e uma
peça padrão também precisa atender os requisitos de autenticidade, de adequabilidade e de
contemporaneidade (GOMIDE & GOMIDE, 2005, p. 63-65).

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Na visão de Gomide & Gomide (2005, p. 64), para uma peça padrão ser considerada
adequada, é preciso que ela possua: o mesmo tipo de papel que do documento
questionado; tenha sido escrita pelo mesmo instrumento escrevente (caneta, lápis, etc.);
tenha a mesma condição de suporte (pautado ou sem pauta); espaçamentos iguais; deve ser
escrita na mesma posição em que o documento questionado foi escrito (sentado ou em pé).
Se uma dessas condições não for respeitada, poderá ocorrer alteração na caligrafia.
Dessa forma, uma peça padrão pode não conter informações precisas. Todos nós podemos
notar que nossa caligrafia muda quando escrevemos em pé ou sentado, quando usamos
uma caneta diferente, etc.
É quase impossível conseguir uma peça padrão que respeite todas essas regras de
adequabilidade. É por isso que GOMIDE & GOMIDE (2005, p. 65) afirmam que:
É claro que nem sempre o perito consegue contar com padrões
absolutamente adequados, o que, evidentemente, não prejudicará a
realização da perícia, cabendo ao técnico sanar, com sua experiência e
conhecimento, os inconvenientes decorrentes da inadequabilidade desta
ou daquela particularidade.

É importante saber que as variações gráficas podem ocorrer com o passar dos anos,
sendo que elas podem ser normais ou ocasionais. Por outro lado, existem pessoas que
mantêm um tipo de grafismo por anos a fio. Uma peça padrão deve ter a data mais próxima
da peça questionada (GOMIDE & GOMIDE, 2005, p. 65).
Após recolher peças padrão, deve-se analisar isoladamente as características
encontradas nessas peças (NICKELL, 2005, p. 43).
Por fim, é feita a comparação entre peça questionada e peça padrão (NICKELL, 2005,
p. 43). Através das características comuns e incomuns a ambos os documentos, que pode-se
concluir se o autor do documento questionado é a mesma pessoa que produziu a peça
padrão.

3.2.2 A unidade gráfica

A “unidade gráfica”, também chamada de “grama”, é utilizada pela grafoscopia para


verificar quantos “impulsos” o escritor usou para escrever. Monteiro (2007, p. 24) descreve
o grama da seguinte forma: “Grama ou unidade gráfica é o resultado de um gesto gráfico

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(movimentação que o punho escritor faz ao lançar o grafismo) sem mudança brusca de
sentido no seu traçado [...]”.
A “unidade gráfica” é contada sempre que ocorrer uma pequena “pausa” durante a
escrita. Sempre que sucede uma mudança brusca de direção, ocorre uma “pausa”, mesmo
que seja imperceptível para quem escreve. Portanto, uma letra “arredondada” possui uma
quantia menor de “unidade gráfica” do que uma letra com traços “retos”. Isso ocorre porque
na letra “arredondada” não há mudanças bruscas de direção.
VELS (1961, p. 19) utiliza o termo “trazo” (em português “traço”) no lugar do termo
“unidade gráfica”. O “trazo” é todo caminho percorrido pela caneta, usando apenas um
impulso (VELS, 1961, p. 19). O conceito de grama é complementado por GOMIDE & GOMIDE
(2005, p. 43) ao afirmarem: “[...] os gramas podem ser construídos através dos traços
horizontais, inclinados e verticais, bem como através de curvas representativas da
circunferência ou parte desta [...]”.
Conhecer o conceito de grama é fundamental para conseguir identificar quantas
unidades gráficas são usadas na caligrafia de uma pessoa. Somente assim será possível
determinar com precisão as diferenças e semelhanças entre dois manuscritos, podendo
comprovar a autoria de um documento.

3.2.3 Inclinação axial

A inclinação axial classifica a escrita em três tipos básicos: vertical, dextrógira e


sinistrógira (MONTEIRO, 2007, p. 81).
Monteiro (2007, p. 81) explica que a:
[...] análise se dá através da inclinação demonstrada pelo centro dos gramas
em relação à linha basal ou de pauta. Para verificar a inclinação axial basta
colocar uma linha imaginária do tipo vertical passando pelo centro dos
gramas. O resultado será do tipo dextrógira, sinistrógira ou vertical.

Cada uma das inclinações axiais é dividida em duas partes. Elas são divididas de
acordo com sua posição em relação à linha de pauta. Na escrita do tipo vertical, não há
inclinação nas letras. Há uma predominância no sentido ascendente e descendente
(MONTEIRO, 2007, p. 81).

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Para facilitar a compreensão, veja, na imagem abaixo, que existem duas linhas
tracejadas. Uma linha está auxiliando a verificação da inclinação axial na letra “A” e a outra
está auxiliando na verificação da laçada da letra “g”. Perceba que a letra “A” está classificada
como “ascendente”. Isso ocorre porque ela está acima da linha de pauta. A laçada da letra
“g” encontra-se abaixo da linha de pauta, por isso ela é classificada como “descendente”.
Através da inclinação axial, é possível analisar todas as letras de qualquer palavra. No
nosso exemplo, é possível analisar todas as letras da palavra “Angular”. No nosso exemplo,
apenas a laçada da letra “g” seria descendente. Todas as outras letras seriam classificadas
como “ascendente”.

Figura 2 – Exemplo de escrita “vertical”, demonstrando “sentido ascendente” e “sentido


descendente”.

FONTE: Autoria Própria

Na escrita dextrogira, há uma predominância dos sentidos dextroascendente e


sinistrodescendente (MONTEIRO, 2007, p. 82).

Figura 3 – Exemplo de escrita “dextrógira”, demonstrando “sentido dextroascendente” e sentido


“sinistrodescendente”.

FONTE: Autoria Própria

Por fim, temos a escrita sinistrógira, que possui, predominantemente, os sentidos


sinistroascendente e dextrodescendente (MONTEIRO, 2007, p. 83).

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Figura 4 – Exemplo de escrita “sinistrógira”, demonstrando “sentido sinistroascendente” e sentido


“dextrodescendente”.

FONTE: Autoria Própria

3.2.4 Espaçamento

Quando analisamos um texto manuscrito, podemos verificar como estão distribuídas


as letras e palavras. Segundo Nickell (2005, p. 39), a grafoscopia analisa 3 tipos de
espaçamento na escrita. São analisados os espaços entre letras, entre palavras e entre
linhas. Esse último caso acontece apenas quando a folha não possui linhas impressas.
Ao analisar diversos manuscritos, verificamos que o espaçamento entre notas variava
de pessoa para pessoa. Portanto, na escrita musical, também é possível analisar e classificar
o tipo de espaçamento. Quando analisamos uma partitura, podemos verificar o
espaçamento entre notas. O espaçamento entre notas se assemelha ao espaçamento entre
“palavras”. Em textos manuscritos, podemos verificar que o espaçamento entre palavras
pode variar de escritor para escritor. Além disso, ele não precisa ter relação com o
espaçamento entre as letras. Ou seja, é possível que uma pessoa deixe um grande espaço
entre letras e um pequeno espaço entre as palavras (NICKELL, 2005, p. 39; VELS, 1961, p.
34).

3.3 O “Te Deum Laudamus (CPM 92)” e seus manuscritos

Antes de iniciarmos a análise dos documentos, precisamos falar um pouco sobre os


manuscritos disponíveis, sobre a data dos documentos e, também, precisamos explicar por
que chamamos o manuscrito que estamos questionando de “Exemplar 1 do Conjunto 1”.

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24

Iremos analisar, principalmente, a obra Te Deum Laudamus - Hino de Ação de Graças


para Matinas de São Pedro, em Lá Maior, 1809 (CPM 92) e questionaremos a autoria do
“Exemplar 1 do Conjunto 1”. Todas as partituras que pertencem a esse Te Deum podem ser
acessadas no site do ACMERJ (http://acmerj.com.br/CMRJ_CRI_SM46.htm).
As partes desse Te Deum estão organizadas em nove conjuntos de partituras, e a
equipe que organizou o Acervo Musical explica que:
A determinação dos conjuntos foi realizada de acordo com as
características físicas do suporte e conforme as similaridades no processo
de produção de cada documento, estabelecendo-se distinções entre
caligrafias, datas, unidades musicais registradas, etc. Entretanto, algumas
particularidades gráficas de certos documentos representaram um alto grau
de dificuldade para o trabalho de individualização, pois se tratava, em
alguns casos, de trabalho realizado não por um ou dois, como é comum,
mas por vários copistas (NETO e outros, 2006, p. 7-8).

Em outras palavras, uma peça musical pode possuir várias partituras. Essas partituras
são guardadas em um ou mais “conjuntos”. Os conjuntos foram criados para organizar e
separar cada um dos manuscritos, disponíveis no acervo, de acordo com suas características.
Graças a essa separação, em um conjunto ficam apenas as partituras feitas pelo próprio
compositor; em outro conjunto ficam apenas os manuscritos feitos pelo copista “A”; em
outro conjunto ficam apenas as partes feitas pelo copista “B”; etc. O ACMERJ também usa
datas e unidades musicais registradas para organizar os seus conjuntos (NETO e outros,
2006, p. 7-8).
Segundo o ACMERJ (2012), todas as partituras do “Te Deum Laudamus (CPM 92)”,
que estão no “Conjunto 1”, foram escritas por José Maurício, e todas as partituras que
pertencem a outros “conjuntos” foram feitas por copistas não identificados.
Para facilitar a compreensão, elaboramos a tabela 1 de acordo com ACMERJ (2012):

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Número do Conjunto Autor das partituras Instrumentos que pertencem a esse


conjunto
Conjunto 1 José Maurício SCTB / órgão; Violino 1 e 2; Viola 1 e
2; Contrabaixo (2x); Flauta 1 e 2;
Clarinetas 1 e 2; Fagote 1 e 2;
Trompas 1 e 2; Clarino 1 e 2
Conjunto 2 Autógrafo Parcial Violoncelo
Conjunto 3 Copista não identificado Violino 1
(com anotações autógrafas)
Conjunto 4 Copista não identificado Violino 1, Violino 2 e Contrabaixo
(com anotações
possivelmente autógrafas)
Conjunto 5 Copista não identificado Violino 2
(com anotações
possivelmente autógrafas)
Conjunto 6 Copista não identificado Soprano; Contralto; Tenor (2x); Baixo
(3x)
Conjunto 7 Copista não identificado Soprano
Conjunto 8 Copista não identificado Contralto
Conjunto 9 Copista não identificado Tímpano e Percussão
Tabela 1 – Organização dos nove conjuntos de partituras da obra Te Deum Laudamus (CPM 92) de
José Maurício

FONTE: Autoria Própria

Segundo a tabela acima, podemos identificar que todas as partituras do “Conjunto 1”


foram feitas por José Maurício. Nesse mesmo conjunto, existem duas partituras diferentes
de contrabaixo. Cada partitura é chamada de “exemplar” e cada uma recebe uma
numeração diferente durante a catalogação. Portanto, no “Conjunto 1”, temos o “Exemplar
1 de Contrabaixo” e o “Exemplar 2 de Contrabaixo”. Em nosso trabalho, questionamos
justamente a autoria do “Exemplar 1 de Contrabaixo”.
Nosso questionamento surgiu durante o processo de transcrição do manuscrito da
obra CPM 92 para formato digital, através do programa Finale, essa transcrição está sendo

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26

executada pelo Grupo de Pesquisa em Linguagem Musical Brasileira do curso de Licenciatura


em Música do UNASP-EC, sob orientação do Dr. Jetro Meira de Oliveira.
Ao transcrever e comparar as partes de contrabaixo, verificamos que o “Exemplar 1
do Conjunto 1” possuía muitos erros, sendo que o “Exemplar 2 do Conjunto 1” demonstrou
ser o exemplar de contrabaixo mais confiável. Devido à grande quantia de erros encontrados
no “Exemplar 1 do Conjunto 1”, nós levantamos a hipótese de esse manuscrito não ter sido
feito por José Maurício.
Abaixo, segue uma tabela com algumas diferenças entre o Exemplar 1 (que estamos
questionando a autoria) e do Exemplar 2 (que acreditamos ser realmente autógrafo)
encontradas no primeiro movimento dessa peça:

Compasso Exemplar 1 Exemplar 2


94 Não apresenta sinal de dinâmica. Apresenta sinal “p”.
104 e 105 Ligadura em todas as notas do Ligadura do quarto tempo do
compasso 105. compasso 104 ao último tempo do
compasso 105. Parece ser a melhor
opção musical, especialmente
considerando o cresc.
139 Não tem sinal de cresc. Possui sinal de cresc. no primeiro
tempo do compasso.
150 A nota ré está natural. A nota ré está sustenido, correto,
verificado outras partituras.
210 e 211 Partitura apresenta um traço, talvez Possui ligadura.
seja um sinal de ligadura.
229 Apresenta dinâmica “f” no Apresenta dinâmica “p” acima do
compasso. compasso e dinâmica “f” na parte de
baixo do compasso. Correto é “p”.
230 Não apresenta dinâmica. Apresenta um risco, talvez seja um
fragmento de representação de
dinâmica “p”.
256 Nota do segundo tempo está Nota do segundo tempo é um mi.

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incompreensível, talvez seja um fá.


Provavelmente um borrão, nota é
“mi”.
Tabela 2 – Diferenças encontradas no “Exemplar 1” e “Exemplar 2”

FONTE: Autoria Própria

A Tabela 2 lista apenas os erros encontrados no primeiro movimento, outras


incoerências foram encontradas nos movimentos 2 e 3. Devido à grande quantia de erros,
fizemos uma rápida análise na caligrafia do “Conjunto 1 de Contrabaixo” e verificamos que a
caligrafia musical (notas, claves, dinâmicas, etc.) desse documento era bem diferente da
caligrafia musical encontrada em todos os outros manuscritos feitos por José Maurício.
Entretanto, o “Conjunto 1 de Contrabaixo” possui uma capa, sendo que todos os textos da
capa aparentam ser autógrafo a José Maurício.
Decidimos, então, nos aprofundar no estudo da caligrafia de José Maurício, com a
finalidade de verificar se o “Conjunto 1 de Contrabaixo” foi feito por ele.

3.4 Análise da caligrafia encontrada no “Conjunto 1 de Contrabaixo”


3.4.1 A dinâmica “piano”
Podemos analisar duas características diferentes na dinâmica “piano”. Uma das
características é a unidade gráfica, a outra é a inclinação axial. Abaixo, segue um sinal de
dinâmica, coletado do “Conjunto 1 de Contrabaixo”.

Figura 5 - Caligrafia encontrada no “Exemplar 1 de Contrabaixo do Conjunto 1”. Documento cuja


autoria estamos questionando. Página 1 Compasso 1.

FONTE: ACMERJ (2012, s.p.)

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Ao analisar a unidade gráfica, podemos notar que essa letra é arredondada, e que
para produzir essa letra não há a necessidade de mudança brusca de direção. Portanto, essa
letra pode ser produzida com uma única unidade gráfica.
Coletamos todas as letras “p” que estavam na partitura do “Conjunto 1 de
Contrabaixo”, e verificamos que a grande maioria das letras não possuía inclinação.
Portanto, podemos classificar a inclinação axial, da letra “p”, como vertical.
Encontramos algumas letras com um pouco de inclinação, entretanto ela era tão
pequena que achamos mais efetivo manter a classificação axial como vertical. Para tomar
essa decisão, levamos em conta que uma leve variação de escrita pode ter decorrido por
mudança do instrumento escrevente ou por ter sido escrita em outra posição (sentado ou
em pé), ou até mesmo por ter sido escrito com maior pressa.

3.4.2 A dinâmica “forte”

Na dinâmica forte, também é possível analisar a unidade gráfica e a inclinação axial.


Abaixo, segue um sinal de dinâmica coletado do “Conjunto 1 de Contrabaixo”.

Figura 6 - Caligrafia encontrada no “Exemplar 1 de Contrabaixo do Conjunto 1”. Documento cuja


autoria estamos questionando. Página 1 Compasso 6.

FONTE: ACMERJ (2012, s.p.)

Ao analisar a unidade gráfica, podemos ver que essa letra possui duas unidades
gráficas. Com a primeira unidade gráfica, é possível escrever o corpo da letra “f”. A segunda
unidade gráfica é usada para fazer o corte da letra “f”.
Para facilitar a compreensão, fizemos uma representação passo a passo dessa letra.
Veja as figuras abaixo:

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Figura 7 - Primeira unidade gráfica gera o corpo da letra “f”.

FONTE: Autoria Própria

Figura 8 - Segunda unidade gráfica gera o corte da letra “f”.

FONTE: Autoria Própria

A inclinação axial dessa letra é classificada como dextrogira.

3.4.3 O espaçamento entre notas

Na escrita do “Exemplar 1 de Contrabaixo do Conjunto 1” (partitura cuja autoria


estamos questionando), geralmente vemos um pequeno espaçamento entre as notas, e
também que é muito comum a barra de compasso estar próxima da nota escrita. Veja um
trecho desse manuscrito:

Figura 9 - Trecho do “Exemplar 1 de Contrabaixo do conjunto 1”, documento cuja autoria estamos
questionando.

FONTE: ACMERJ (2012, s.p.)

Como o espaçamento entre notas é pequeno, se em algum momento o escritor


errasse, não colocando um acidente (sustenido ou bemol), dificilmente conseguiria fazer a
notação desse acidente posteriormente.

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3.4.4 As hastes das notas musicais

No manuscrito do “Exemplar 1 de Contrabaixo do Conjunto 1”, vemos que as hastes


das semínimas e colcheias ficam à esquerda quando posicionadas para baixo e ficam à
direita quando posicionadas para cima.
Entretanto, podemos perceber que, na notação das mínimas, as hastes sempre se
encontram à direita.

Figura 10 - Trecho do “Exemplar 1 de Contrabaixo do Conjunto 1”, documento cuja autoria estamos
questionando.

FONTE: ACMERJ (2012, s.p.)

Também é possível analisar a inclinação axial das hastes. As hastes presentes nesse
manuscrito são todas verticais.

3.5 Análise da caligrafia de José Maurício


3.5.1 A dinâmica “piano”

Para escrever a dinâmica piano, José Maurício utilizou 4 unidades gráficas. A figura
abaixo demonstra um exemplar coletado da caligrafia de José Maurício.

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Figura 11 - Caligrafia do Padre José Maurício. Documento CRI-SM18. Grade de Regência – Dinâmica
retirada da linha do violoncelo. Compasso 1 da Página 1

FONTE: ACMERJ (2012, s.p.)

Para que seja possível compreender com clareza cada uma das unidades gráficas,
fizemos uma sequência de imagens para representar cada momento em que uma unidade
gráfica é gerada. Veja as imagens abaixo:

Representação da escrita de José Maurício:

Figura 12 - A primeira “unidade gráfica” inicia-se na “zona inicial”. O traçado vai para cima até fazer
uma pequena pausa para mudar de direção.

FONTE: Autoria Própria

Figura 13 - A segunda “unidade gráfica”.

FONTE: Autoria Própria

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32

Figura 14 - A terceira “unidade gráfica”

FONTE: Autoria Própria

Figura 15 - A quarta unidade gráfica

FONTE: Autoria Própria

Podemos notar com facilidade as quatro unidades gráficas presentes na letra “p”.
Devido à inclinação presente na letra “p”, nós classificamos a sua inclinação axial como
dextrogira. Todos os registros da letra “p”, de José Maurício, estão claramente inclinados.
Em nenhum momento, encontramos uma escrita sem essa inclinação.

3.5.2 A dinâmica “forte”

Ao analisarmos a dinâmica “forte” no “Exemplar 2 de Contrabaixo do Conjunto 1”,


que é um manuscrito autógrafo de José Maurício, percebemos que algumas vezes a
dinâmica “forte” era grafada de uma maneira e em outros momentos de outra forma. Essas
duas grafias possuíam algumas características diferentes, o que sugeria que teriam sido
feitas por pessoas diferentes. Por outro lado, também possuíam características em comum,
que indicava a possibilidade de ter sido feita pela mesma pessoa.
Joe Nickell (2005, p. 25) afirma que podemos encontrar semelhanças na escrita de
pessoas diferentes e, portanto, algumas semelhanças entre dois documentos não são
suficientes para provar que tenham sido escritos pelo mesmo autor.
Por outro lado, a Quarta Lei da Grafoscopia (ou Lei de Solange Pellat) indica que, se
em um momento o ato de escrever se tornar difícil, a pessoa poderá alterar sua forma de

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33

escrever buscando uma grafia mais simples, prevalecendo, assim, a “lei do mínimo esforço”.
Essa mudança na escrita pode ocorrer ao usar um suporte inadequado, posições
desfavoráveis, situações que demandem urgência, dentre outros casos (GOMIDE & GOMIDE,
2005, p. 42-43; MONTEIRO, 2007, p. 20).
Percebemos que precisávamos pesquisar mais para poder concluir se as duas escritas
eram de José Maurício ou se apenas uma das escritas pertencia a ele. Analisamos as grafias e
vimos que possuíam dois pontos em comum. O primeiro ponto é o uso das letras “Fr” juntas
para representar “forte”, sendo o mais comum grafar apenas a letra “F”. O segundo ponto
em comum é a forma da letra “r”, que tem características semelhantes nas duas grafias
encontradas.
Por outro lado, existem três características que se contrastam. A primeira
característica é que em uma grafia a letra “F” é arredondada, e na outra grafia a letra “F”
possui diversos traços retos. O segundo ponto contrastante é o fato do escritor ter feito o
“Fr” sem tirar a caneta do papel. Já no outro caso, o escritor teria feito um traço do “F”,
retirando a caneta do papel, e só depois iniciou o corte da letra “F”. Por fim, ele retirou a
caneta somente depois de terminar a letra “r”. O terceiro ponto contrastante é com relação
ao ornamento após a letra “r”. Na primeira grafia, existe ornamento após a letra “r” e na
segunda forma de grafar não há esse ornamento.
A tabela abaixo mostra um exemplar de cada tipo de grafia:

Caligrafia encontrada no “Exemplar 2


de Contrabaixo do Conjunto 1”.
Página 1 - Compasso 1.
Característica da escrita:
1. Letra “F” possui traços retos.
2. A caneta só foi retirada do papel
após ter concluído a escrita das letras “Fr”.
3. Possui ornamento após a letra “r”.

Observação:
Não encontramos ornamento após a

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34

letra “r” nos seguintes compassos:


“Movimento 1 - Página 3 - Compasso
200”;
“Movimento 2 – Página 4 - Compasso
1” “Movimento 2 – Página 5 – Compasso 54”;
“Movimento 3 – Página 7 – Compasso
171”.

Pelo que verificamos, há um total de


17 marcações, de “Fr” nesse exemplar que
seguem o estilo da imagem ao lado. Dessas
17 marcações apenas 4 delas não continham
ornamento após a letra “r”.
Caligrafia encontrada no “Exemplar 2
de Contrabaixo do Conjunto 1”.
Página 3 - Compasso 233.

Possui ornamento em:


“Movimento 1 – Página 3 – Compasso
193”;
“Movimento 1 – Página 4 – Compasso
259”.

Pelo que verificamos, há um total de


15 marcações de “Fr” nesse exemplar, que
seguem o estilo da imagem ao lado. Dessas
15 marcações, apenas 2 delas continham
ornamento após a letra “r”.
Tabela 3 – Características das dinâmicas “f” de José Maurício5

FONTE: Autoria Própria

5
Fonte das imagens da Tabela 3: ACMERJ (2012, s.p.)

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35

O mais comum é que uma pessoa use uma única forma para escrever. Por isso, a
primeira coisa que fizemos foi levantar a possibilidade de alguma outra pessoa ter revisado a
partitura e por isso teria adicionado marcações na partitura.
Para podermos questionar essa linha de raciocínio, primeiro precisávamos descobrir
qual das grafias pertence a José Maurício e qual teria sido feita por outra pessoa.
Se José Maurício escrevia as partituras, o mais provável é que a sua caligrafia esteja
mais presente do que a caligrafia de quem revisa suas partituras. Por isso, decidimos analisar
diversos outros documentos autógrafos de José Maurício e ver qual a grafia está mais
presente em seus documentos.
Iniciamos nossa pesquisa com a partitura de “SCTB e Órgão” (pertence ao Conjunto
1) da peça “Novena de Santa Bárbara, em Ré maior” (CT65 – CRI-SM22 – Ano 1810).

Movimento 1 - Compasso S, T, B e Órgão


1
Compasso 19 Contralto e Órgão
Compasso 46 Órgão
Compasso 47 S, C e T
Compasso 72 Órgão
Compasso 83 Órgão S, T e B
Compasso 99 S, C, T e Órgão
Movimento 3 – Compasso S, T, B e Órgão
1
Compasso 10 S, C, T, B e Órgão
Compasso 20 C, T, B e Órgão Soprano
Compasso 32 S, C, T, B e Órgão
Compasso 56 S, C, T, B e Órgão
Compasso 64 S, C, B Órgão

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36

Compasso 70 S, C, T, B e Órgão
Compasso 74 Órgão S, C, T
Compasso 88 Órgão B
Tabela 4 – Dinâmica “f” encontrada na obra “Novena de Santa Bárbara” de José Maurício6

FONTE: Autoria Própria

Prosseguimos nossa pesquisa com a partitura de “SCTB e Órgão” (pertence ao


Conjunto 1) da peça “Antífona de Nossa Senhora para o Tempo Pascoal, em Ré maior” (CT10
– CRI-SM23 – Data não especificada pelo ACMRJ).

Movimento 1 - Compasso S, C, T, B e Órgão


9
Compasso 44 C, T e Órgão
Compasso 79 S, C, T e Órgão
Tabela 5 – Dinâmica “f” encontrada na obra “Antífona de Nossa Senhora para o Tempo Pascoal” de
José Maurício7

FONTE: Autoria Própria

Verificamos, também, outros documentos, entretanto eles não puderam contribuir


para nossa pesquisa com relação à dinâmica forte. Os documentos analisados foram:
Partitura de Tímpano (pertence ao Conjunto 1) da peça “Ordinário da Missa de Natal,
em Dó maior” (CT108 – CRI-SM18 – Ano 1808). A grafia nessa partitura está “trêmula”, por
isso não consideramos essa partitura confiável para ser usada em um trabalho de análise
grafoscópica.
Partitura de Soprano, Contralto, Tenor, Baixo e Órgão (todas pertencem ao Conjunto
1) da peça “Antífona de Nossa Senhora para o Tempo Quaresmal, em Si bemol Maior” (CT24
– CRI-SM26 – Data não especificada pelo ACMRJ). Difícil ler a partitura com precisão, devido

6
Fonte das imagens da Tabela 4: ACMERJ (2012, s.p.)
7
Fonte das imagens da Tabela 5: ACMERJ (2012, s.p.)

Davi Corrêa Bueno – davicorreabueno@gmail.com


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à digitalização estar muito pequena e em diversos trechos a dinâmica estar escrita dentro do
compasso (inclusive é comum a haste da nota cruzar com a notação da dinâmica).
Partitura de Soprano; Contralto; Tenor; Baixo e Órgão (todas pertencem ao Conjunto
1) da peça “Hino para Vésperas II e Matinas de Reis, cantochão / Lá maior” (CT24 – CRI-SM26
– Data não especificada pelo ACMRJ). Não encontramos nenhuma notação de dinâmica
nessas partituras.
Após a análise dessas partituras, verificamos que uma das grafias aparece em 13
compassos diferentes, e a outra grafia aparece em 12 compassos. Uma grafia não autógrafa
certamente apareceria com uma frequência bem menor que uma grafia autógrafa. Por isso,
acreditamos que as duas grafias pertencem a José Maurício. Acreditamos que uma das
grafias era empregada em momentos que demandassem urgência ou em outras situações
desfavoráveis. Monteiro (2007, p. 20) afirma que uma grafia mais simples exige menos
esforço e uma pessoa com pressa, ou que tenha que assinar muitos documentos, pode
optar, inconscientemente, por uma grafia mais simples.
Como acreditamos que as duas notações pertencem a José Maurício, analisamos a
unidade gráfica e inclinação axial nas duas notações.

Unidade Gráfica Cinco Três


Inclinação Axial Dextrogira Dextrogira
Tabela 6 – Características da grafia de dinâmica “forte” de José Maurício8

FONTE: Autoria Própria

3.5.3 O espaçamento entre notas

Na escrita de José Maurício, é comum encontrarmos um espaçamento razoável entre


a nota final do compasso e a barra de compasso. José Maurício também costuma deixar
espaço entre a cabeça das notas. Nesse espaço, é possível colocar algum acidente (sustenido

8
Fonte das imagens da Tabela 6: ACMERJ (2012, s.p.)

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ou bemol) que possa ter esquecido de pôr na hora de escrever as notas. Veja um trecho do
manuscrito de José Maurício:

Figura 16 - Trecho do “Exemplar 2 de Contrabaixo do Conjunto 1”, documento autógrafo de José


Maurício

Fonte: ACMERJ (2012, s.p.)

3.5.4 As hastes das notas musicais

Nos manuscritos autógrafos de José Maurício, encontramos todas as hastes escritas


ao lado direito da nota. Entretanto, segundo a teoria musical, somente quando a haste for
desenhada para cima é que deverá ser colocada do lado direito da nota. Quando a haste for
desenhada para baixo, deverá ser colocada à esquerda da nota (BOHUMIL, 1996, p. 21).
Na época de José Maurício, ainda não existia essa regra da posição das hastes.
Entretanto, essa regra nos permite observar que José Maurício seguia alguma forma de
escrever as hastes, afinal encontramos um padrão em sua escrita. José Maurício sempre
coloca as hastes ao lado direito da nota.

Figura 17 - Trecho do “Exemplar 2 de Contrabaixo do Conjunto 1”, documento autógrafo de José


Maurício

FONTE: ACMERJ (2012, s.p.)

As hastes possuem uma leve inclinação axial de sentido sinistrógira. Percebemos que
é comum surgir uma pequena curva no final da anotação das hastes, quando a haste está
para baixo. Entretanto, quando as hastes estão para cima, são raras as vezes que
apresentam alguma curva no final dessas hastes.

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3.6 Comparação entre a caligrafia presente no “Conjunto 1 de Contrabaixo” e a caligrafia


de José Maurício

3.6.1 A dinâmica “piano”

Segundo nossa análise, a caligrafia “piano” presente no “Exemplar 1” possui uma


unidade gráfica e inclinação axial vertical, enquanto que a caligrafia de José Maurício possui
4 unidades gráficas e inclinação axial dextrogira.
Portanto, não existem características comuns às duas caligrafias e, para a caligrafia
do “Exemplar 1” pertencer a José Maurício, seria necessário que ele tivesse modificado
completamente sua caligrafia. Essa mudança pode ocorrer, por isso buscamos outros
documentos autógrafos a José Maurício, com a finalidade de encontrar uma possível
mudança de caligrafia ao longo dos anos.
Segue, abaixo, uma tabela com figuras coletadas de diversos manuscritos autógrafos
de José Maurício:

Unidade Documental (usada pelo Posição (pág. e


cabido) compasso)
CRI-SM18 Compasso 1 da
Grade de Regência – Dinâmica retirada da Página 1
linha do violoncelo
CRI-SM22 Compasso 13 da
Partitura de Coral com Orgão – Dinâmica Página 1
retirada da linha do Tenor
CRI-SM23 Compasso 32 da
Partitura de Coral com Baixo Contínuo – Página 1
Dinâmica retirada da linha do Baixo
Contínuo
CRI-SM24 Compasso 48 da
Partitura de Soprano Página 1

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CRI-SM29 Compasso 14 de
Partitura de Soprano Página 1
Tabela 7 – Exemplares da grafia da dinâmica “p” de José Maurício9

FONTE: Autoria Própria

Ao examinarmos a tabela, vemos pequenas alterações na caligrafia de José Maurício,


entretanto, nenhuma delas tem as mesmas características da caligrafia encontrada no
“Exemplar 1”.
Portanto, a dinâmica “piano”, que está no “Exemplar 1”, não pertence a José
Maurício.

3.6.2 A dinâmica “forte”

Quando analisamos os documentos autógrafos a José Maurício, encontramos duas


caligrafias distintas para escrever a dinâmica “forte”. Após analisarmos com calma,
concluímos que as duas grafias pertencem a José Maurício.
José Maurício possui duas grafias distintas, entretanto a única semelhança entre
essas caligrafias e a caligrafia do “Exemplar 1” é a inclinação axial, já que todas elas são
dextrogiras.
Abaixo, segue uma tabela comparativa com as características das grafias
encontradas:

Caligrafia José Maurício José Maurício Questionada


Inclinação Axial Dextrogira Dextrogira Dextrogira
Unidade Gráfica Três Cinco Duas
Tabela 8 – Comparação da dinâmica “f”de José Maurício e a dinâmica “f” presente no “Exemplar
1”.

FONTE: Autoria Própria

9
Fonte das imagens da Tabela 7: ACMERJ (2012, s.p.)

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Segundo a tabela, vemos que a quantia de unidade gráfica presente nas caligrafias de
José Maurício é diferente da quantia de unidade gráfica presente no “Exemplar 1”. Também
fica claro que a forma da escrita de José Maurício é muito distinta da grafia presente no
“Exemplar 1”.
Portanto, a caligrafia de dinâmica “forte” presente no “Exemplar 1” não pertence a
José Maurício.

3.6.3 O espaçamento entre notas

No manuscrito “Exemplar 1”, encontramos um pequeno espaçamento entre as notas,


enquanto que nos manuscritos autógrafos a José Maurício pode-se ver um espaço maior
entre as notas.
Essa é mais uma característica que distingue a caligrafia do “Exemplar 1” da caligrafia
de José Maurício.

3.6.4 A posição das hastes

A posição das hastes deixa clara uma das características da grafia de José Maurício.
Nos manuscritos que analisamos, encontramos todas as hastes escritas ao lado direito da
nota. Já no “Exemplar 1”, vemos que as hastes das semínimas e colcheias ficam à esquerda
quando posicionadas para baixo e ficam à direita quando posicionadas para cima.
Pode-se ver que a característica de escrita de José Maurício é diferente da escrita
presente no “Exemplar 1”. Também podemos ver que nenhuma delas segue a regra atual de
posição das hastes.
Mesmo com a diferença clara em relação as hastes, levantamos a possibilidade de
José Maurício ter mudado a forma de escrever, com o objetivo de seguir alguma regra de
escrita musical. Por isso, analisamos diversos documentos, para verificar se José Maurício
alterou o padrão em sua escrita. Analisamos as partituras de “Violino 1 e 2” e de “Viola 1 e
2” (ambas pertencem ao conjunto 1 de partituras) da peça “Hino de Ação de Graças, em Dó
maior” (CT93 – CRI-SM45 – Ano 1811); partitura de “Coral e Órgão” (pertence ao Conjunto 1)
da peça “Novena de Santa Bárbara, em Ré maior” (CT65 – CRI-SM22 – Ano 1810); “Grade de
Regência” (pertence ao Conjunto 1) da peça “Matinas de Nossa Senhora da Assunção, em Si

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bemol maior” (CT172 – CRI-SM50 – Ano 1813). Verificamos que José Maurício manteve o seu
padrão de escrita em todos esses documentos, portanto acreditamos que em nenhum
período de sua vida houve alteração no seu padrão de escrever as hastes.

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4 CONCLUSÃO

O presente estudo propôs uma pesquisa sobre a possibilidade de analisar a grafia


musical através das técnicas de grafoscopia. Segundo a grafoscopia, nenhuma pessoa tem a
grafia igual à de outra pessoa, em muitos casos é possível que a grafia seja parecida,
entretanto a grafia de alguém nunca será totalmente idêntica a de outra pessoa (NICKELL,
2005). Se uma caligrafia é única, então é possível analisar e identificar suas peculiaridades.
Se analisarmos a grafia presente em diversos manuscritos e todas as grafias possuírem as
mesmas características, poderemos então deduzir que todos os documentos foram escritos
pela mesma pessoa.
Nosso trabalho propôs fazer adaptações da técnica da grafoscopia para que fosse
possível verificar as particularidades da escrita musical de cada pessoa. Com a análise da
caligrafia de cada pessoa, é possível identificar todas as partituras que possuem um mesmo
autor. Dessa forma torna-se mais fácil conseguir identificar o autor de várias partituras
manuscritas. Os resultados de nossa pesquisa serão de grande utilidade para pessoas que
organizam acervos e arquivos musicais, facilitando o processo de identificação do autor do
manuscrito, ajudando na catalogação das partituras desses acervos e arquivos musicais.
Segundo nossa pesquisa, é possível adaptar a grafoscopia para analisar partituras.
Pudemos verificar que as notações de dinâmica podem ser analisadas com base na
grafoscopia, podemos chegar facilmente a essa conclusão porque as notações de dinâmica
são apenas letras, que é justamente o que a grafoscopia analisa. Entretanto, várias
dinâmicas são formadas por uma única letra, nesses casos torna-se impossível verificar
espaçamento entre letras, espaçamento entre palavras, alinhamento gráfico. Mesmo em
dinâmicas com mais de uma letra, como, por exemplo, “ff” ou “fmo”10, torna-se difícil
analisar com precisão essas mesmas características, quanto menos letras existem menos
informação está contida no papel, limitando e dificultando o trabalho de análise.
Nosso grande desafio nesse trabalho era conseguir adaptar as técnicas da
grafoscopia para fazer análise de notas musicais. Percebemos que nem todas as técnicas da
grafoscopia podem ser usadas para analisar a grafia de notas musicais. O calibre, por
exemplo, que é a técnica análise do tamanho da letra, fica difícil de ser adaptada, isso ocorre

10
Fmo = uma grafia de dinâmica usada por José Maurício, significa fortíssimo.

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porque, os espaçamentos das linhas do pentagrama geram grande influência na grafia das
cabeças das notas. Uma pessoa que normalmente faria uma grande cabeça de nota, acaba
sendo obrigado a diminuir o tamanho dessa cabeça para que a partitura fique legível.
Vimos que é possível analisar o espaçamento entre notas e a inclinação axial
presente nas hastes das notas e que essas análises podem auxiliar na comprovação da
autoria de um manuscrito.
O presente estudo também se propôs a analisar se o manuscrito “Exemplar 1 de
Contrabaixo 1” foi escrito por José Maurício ou por um copista. Essa análise era importante
para podermos testar a eficácia do nosso estudo da grafoscopia.
Segundo nossa análise, a caligrafia “piano” presente no “Exemplar 1” possui uma
unidade gráfica e inclinação axial vertical, enquanto que a caligrafia de José Maurício possui
4 unidades gráficas e inclinação axial dextrogira. Portanto, nenhuma notação de “piano”
presente no “Exemplar 1” foi feito por José Maurício.
A dinâmica forte presente no “Exemplar 1” tem a mesma inclinação axial da grafia de
José Maurício, ambas são dextrogiras. Entretanto essa é a única característica em comum
com a grafia do Padre José Maurício, fica evidente que não há qualquer semelhança quanto
ao número de unidades gráficas e a forma da letra produzida.
Com relação às notas musicais pudemos analisar o espaçamento entre as notas e a
posição das hastes. No manuscrito “Exemplar 1”, encontramos um pequeno espaçamento
entre as notas, enquanto que nos manuscritos autógrafos a José Maurício pode-se ver um
espaço maior entre as notas. E a posição das hastes deixa clara uma das características da
grafia de José Maurício. Nos manuscritos que analisamos, encontramos todas as hastes
escritas ao lado direito da nota. Já no “Exemplar 1”, vemos que as hastes das semínimas e
colcheias ficam à esquerda quando posicionadas para baixo e ficam à direita quando
posicionadas para cima. Pode-se ver que a característica de escrita de José Maurício é
diferente da escrita presente no “Exemplar 1”. Também podemos ver que nenhuma delas
segue a regra atual de posição das hastes.
Conseguimos comprovar que o Exemplar 1 foi feito por um copista, sendo que a
grafia musical presente nesse documento é muito distinta da grafia de José Maurício.
Concluímos, portanto, que é possível fazer uso da grafoscopia para encontrar o autor
de uma partitura manuscrita. Também podemos concluir que um estudo futuro e
aprofundado, colhendo diversas partituras manuscritas, pode ajudar a encontrar outras

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características da grafoscopia para serem utilizadas na análise de grafia musical e, dessa


maneira, esse estudo futuro poderá mostrar formas mais precisas de se identificar o autor
de uma partitura manuscrita.

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Disponível em: < http://acmerj.com.br/CMRJ_CRI_SM19.htm >. Acesso em 16/05/2012.

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Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro. Disponível em: <
http://acmerj.com.br/CMRJ_CRI_SM21.htm >. Acesso em 17/05/2012.

ACMERJ. Te Deum CPM 92. Manuscrito digitalizado disponível no Acervo Musical do Cabido
Metropolitano do Rio de Janeiro. Disponível em: <
http://acmerj.com.br/CMRJ_CRI_SM46.htm >. Acesso em 09/05/2012.

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Fora, v. 1, n. 1, p. 1-39, 2006.

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VELS, Augusto. Escritura y personalidad: las bases científicas de la grafologia. 3. ed.


Barcelona - Espanha: Luis Miracle, 1961.

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6 ANEXO

Primeira página do “Exemplar 1 de Contrabaixo do Conjunto 1”, documento que estamos


questionando a autoria.

FONTE: ACMERJ (2012, s.p.)

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