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FICHA CATALOGRÁFICA
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Profª. Drª. Adriana Barroso de Azevedo
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora
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Profª. Drª. Alessandra Maria Sabatine Zambone
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por me trazer até aqui e por nortear todos os meus caminhos e encontros
de pesquisa e de vida. Glorifico pelo sustento e por abrir meus olhos e me fazer entender que tudo
é para honra, glória e louvor a Ele, e que em tudo, há um propósito.
Agradeço a Universidade Metodista de São Paulo pela concessão de bolsa funcional a qual
me permitiu a conclusão do Curso de Doutorado em Educação.
Agradeço aos Professores(as) Doutores(as) da Universidade Metodista de São Paulo, que
compartilharam seus conhecimentos em aulas dialogadas e instigantes no percurso do Doutorado.
Agradeço à minha orientadora, Professora Doutora Adriana Barroso de Azevedo, por todo
carinho, dedicação e por me direcionar em todos os momentos que precisei. Eterna gratidão pela
confiança depositada e estímulo para que pudesse me descobrir e desabrochar como pesquisadora.
À minha amiga e parceira de trabalho Cristhiane Lopes Borrego, agradeço as leituras do
meu texto de pesquisa e as contribuições que enriqueceram muito minha trajetória formativa.
Agradeço a paciência, atenção e carinho incondicionais.
Ao Professor Doutor Marcelo Furlin, pelas aulas instigantes e apontamentos inigualáveis
na minha pesquisa desde o mestrado até o doutorado. À Professora Doutora Elizabete Cristina
Costa Renders, por aceitar mais uma vez o convite de participar da minha banca, e por trazer
ensinamentos tão importantes para a inclusão de pessoas com deficiência e para minha pesquisa.
À Professora Doutora Sandra Regina Leite de Campos pela leitura sensível e pelas indicações tão
preciosas compartilhadas na banca de qualificação. À Professora Doutora Marcia Noronha de
Mello, que apareceu na minha vida de maneira inusitada e se tornou um grande presente, agradeço
a parceria, os créditos e reconhecimento depositados no meu trabalho.
Aos colegas do PPGE que estiveram comigo na jornada rumo ao título de doutora: Leliane
Rocha, Nayane Cardoso, César Moraes, Fabiana Anhas, Luanda Fratchesca e Rodrigo Oliveira.
Às minhas amigas e amigos parceiros de todas as horas na alegria e na tristeza que foram:
Monica Benevides, Fabiana Jacopucci, Airton Rodrigues, Janete Menezes, Paula Menezes, Creuza
Rufino, Marciete Albuquerque, Marites Bello, João Navega, Wharlley dos Santos, Marcos
Assunção, Kelly Cristina, Kemellin Graziela, Amin Maria, Cibele Ferreira, Vanessa Fantozzi,
Andréa Perina, Cláudia Quesia e Vanessa Martins.
6
A todos da minha grande família pelo apoio e confiança. Minha mãe Maria José Gomes e
meu pai Arnold Vilela, agradeço a vida e o amor sem medida demonstrados todos os dias. Meus
irmãos que embora distantes sempre me apoiaram: Weverthon Vilela, Arnold Junior e Allan Vilela
e minha irmã sempre de perto Aline Vilela. Em especial agradeço familiares amados que perdi no
percurso do doutorado: minha Vozinha (in memoriam), meus tios Zezé e Cézão (in memoriam) e
por último o meu avô Benício (in memoriam) pelos ensinamentos que guardarei por toda a vida.
Ao meu amor Valmir, agradeço a parceria e apoio em todos os dias, sem você a conclusão
desse trabalho não seria possível. Aos meus filhos, Samuel Vilela e Sara Vilela, agradeço o amor,
a compreensão pela minha ausência, por serem inclusivos em todo o tempo e por narrarem isso de
maneira tão simples e encantadora.
Aos meus amados irmãos em Cristo que me apoiaram, oraram por mim e me encorajaram
a continuar, mesmo quando pareceu que não daria conta.
Em especial agradeço aos participantes dessa pesquisa; guias-intérpretes e pessoas
surdocegas, que me permitiram aprender, compartilhar suas experiências, suas narrativas de vida e
formação. Sem vocês essa pesquisa não existiria. Eterna gratidão a todos.
7
RESUMO
A comunicação social háptica é utilizada no Brasil em âmbito complementar na interação de
pessoas surdocegas adquiridas. É perceptível a desinformação e carência na formação continuada
de profissionais tradutores guias-intérpretes de língua de sinais (LIBRAS) sobre esta comunicação,
tornando-se imprescindível a divulgação para favorecer o entendimento das pessoas surdocegas
em diversas situações da vida em sociedade. Nesse contexto, pretende-se ampliar o olhar sobre a
surdocegueira adquirida e os profissionais Tradutores Guias-Intérpretes de Libras. O objetivo é
evidenciar a lacuna formativa na profissão de Tradutores Guias-Intérpretes de Libras no Brasil,
tendo como base as narrativas que emergiram do curso de extensão para o uso da comunicação
social háptica. Dessa forma, define-se o seguinte problema de pesquisa: Que percepções emergem
de Tradutores Guias-Intérpretes de Libras quando utilizam a comunicação social háptica com
pessoas surdocegas? No campo teórico foram adotados os estudos sobre a surdocegueira de
Ikonomidis (2019), Maia (2008), Viñas (2004) e Rodrigues (2018); e a comunicação social háptica
é explanada com Lathnen (1999;2018), Araújo (2019) e Vilela (2018). O caminho metodológico
utilizado é de natureza qualitativa de caráter investigativo na modalidade narrativa na perspectiva
adotada por Clandinin e Connelly (2015), por meio da pesquisa-formação nos moldes defendidos
por Josso (2004;2010), alicerçado nas experiências dos participantes profissionais tradutores guias-
intérpretes e feedback das pessoas com surdocegueira em consonância às experiências da
pesquisadora. As experiências são apresentadas em formato de textos multimodais com hiperlinks
que direcionam para hipertextos apresentados por cenas. As narrativas evidenciaram a importância
da formação de profissionais Tradutores Guias-Intérpretes de Libras e as lacunas nos cursos
existentes juntamente com a premência de reestruturação nos currículos a fim de promover
qualidade no atendimento de pessoas surdocegas. A comunicação social háptica configura-se como
um complemento essencial para interação e o protagonismo das pessoas com surdocegueira a torna
significativa. A investigação realizada nesta tese pretende abrir caminhos para consolidar bases de
construção de um projeto mais amplo para a inclusão de pessoas surdocegas, com proposições de
estruturação da comunicação social háptica como língua.
ABSTRACT
Haptic social communication is used in Brazil in a complementary context in the interaction of acquired
deafblind people. There is a noticeable lack of information and a lack of continuing education for
professional translators and sign language interpreters (LIBRAS) about this communication, making it
essential to disseminate it to favor the understanding of people with deafblindness in different situations of
life in society. In this context, it is intended to broaden the view on acquired deafblindness and professional
Libras Guide-Interpreter Translators. The objective is to highlight the training gap in the profession of Libras
Guide Translators-Interpreters in Brazil, based on the narratives that emerged from the extension course for
the use of haptic social communication. Thus, the following research problem is defined: What perceptions
emerge from Libras Guide-Interpreter Translators when they use haptic social communication with
deafblind people? In the theoretical field, studies on deafblindness by Ikonomidis (2019), Maia (2008),
Viñas (2004) and Rodrigues (2018) were adopted; and haptic social communication is explained with
Lathnen (1999;2018), Araújo (2019) and Vilela (2018). The methodological path used is of a qualitative
nature with an investigative character in the narrative modality in the perspective adopted by Clandinin and
Connelly (2015), through research-training in the ways advocated by Josso (2004;2010), based on the
experiences of the professional translator guide participants. interpreters and feedback from people with
deafblindness aligned with the researcher's experiences. The experiences are presented in the form of
multimodal texts of hiperlinks that lead to hypertext presented by scenes. The narratives highlighted the
importance of training professional Libras Guide-Interpreter Translators and the gaps in existing courses
along with the urgent need to restructure the curricula in order to promote quality in the care of deafblind
people. Haptic social communication is an essential complement to interaction and the protagonism of
people with deafblindness makes it significant. The investigation carried out in this thesis intends to open
ways to consolidate basis for the construction of a broader project for the inclusion of deafblind people, with
proposals for structuring haptic social communication as a language.
LISTA DE QUADROS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE CENAS
SUMÁRIO
compartilhar conhecimento por meio das minhas pesquisas. Souza (2004) corrobora comigo
quando compartilha sua pesquisa e relata que a pesquisa se insere na vida, história pessoal e
profissional, e trazem marcas de quem sou, pretendo ser e daquilo que talvez não consiga ser.
Para além das histórias de vida e docência, trago nesta pesquisa um pouco de mim em todos
os papéis que exerço na minha existência humana: os papéis que exerço no espaço tridimensional,
a seu tempo; acontecimentos comigo e com o outro; e lugares, intercambiando-se no decurso da
vida.
Sempre quis ser professora e considero que minha trajetória formativa teve início aos três
anos de idade na creche do meu bairro. Tinha aulas particulares em casa com professores de
reforço. Sobre o início do meu percurso, reflito sobre alguns impactos causados pela precocidade
e obrigatoriedade do ler e escrever. No papel de educadora e docente, reflito sobre a importância
primordial do brincar na creche, que fora deixado em segundo plano em detrimento da
alfabetização. Passeggi (2011, p. 149) me auxilia na reflexão e compreensão desse período
vivenciado: “[...] a ressignificação da experiência vivida, durante a formação, implicaria encontrar
uma reflexão biográfica marcas da historicidade do eu para ir além da imediatez do nosso tempo e
compreender o mundo, ao nos compreender [..]”.
Penso sobre os moldes da minha história e nos traços das minhas experiências, a
compreensão pela escolha da docência. Nos cenários entre escola e reforço escolar domiciliar estive
rodeada por professores que me inspiraram e me despertaram para o trabalho educacional. Outro
processo de ensino e aprendizagem no decurso da vida, foi a convivência com o tio Elias que possui
síndrome de Down, neste contato fui sensibilizada para o trabalho de inclusão.
Após concluir o Ensino Médio, realizei uma grande mudança em minha vida. Saí do Estado
de São Paulo e fui morar juntamente com meus pais em uma cidade no interior de Minas Gerais
chamada Ipanema. Estive um período na zona rural, em um terreno arrendado e auxiliava nos
trabalhos advindos do sítio, entre eles: plantar, colher, cozinhar em fogão a lenha, prestar cuidados
a equinos, suínos, bovinos e aviários, produzir derivados de leite e vender produtos em feiras e
comércios da cidade.
Nesse período retomei o sonho antigo de ser professora, recalculei os objetivos no contato
com a zona rural e as classes mistas; a partir de então, persegui nesse propósito. Soube que na
cidade havia um polo universitário onde iniciei o curso Normal Superior. Diante da perspectiva de
formação mudei da zona rural para a cidade e conquistei uma vaga de trabalho como vendedora de
19
roupas. No entanto, com o passar do tempo, as dificuldades financeiras, custos com mensalidade e
materiais, me impediram de permanecer no curso de graduação. Dessa forma, retornei para São
Paulo com meus pais e abandonei o sonho de ser a “professorinha da roça”.
Dois anos depois aconteceu o meu momento “charneira”1. No dia do meu casamento ao
chegar no altar com meu esposo, experienciei de perto pela primeira vez a presença de uma
intérprete de Libras2. Naquele momento mais que especial em minha vida, iniciou também o meu
relacionamento com a Libras e o compromisso com a comunidade Surda. Decidi aprender essa
língua que expressa muito mais que palavras, sentimentos e emoções.
Um anoapós o casamento, em 2007, retomei os estudos com o curso de Pedagogia, na
modalidade EAD, Polo Mauá, pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Paralelo à
graduação em Pedagogia realizei meu primeiro curso de Libras no Senac São Paulo, onde recebi
meu sinal3. Esse processo de formação desencadeou experiências significativas que transporto
atualmente para os estudantes, como sugere Josso (2010, p. 47): “Essas ‘experiências’ são
‘significativas’ em relação ao questionamento que orienta a construção da narrativa, a saber: o que
é minha formação? Como me formei? [...].
Ao narrar, recordo os percursos que justificam o propósito para o qual me destinei. No
estágio supervisionado, em uma escola de educação infantil, aprendi as peculiaridades contidas na
faixa etária de zero a três anos. A professora que acompanhei dispensava às crianças um cuidado
minucioso em relação ao ofício da creche. Em espelho àquela atuação, firmei e alicercei minha
base de formação nos conceitos sobre a criança e a infância, compreendendo os processos de
desenvolvimento infantil.
No rememorar desse espaço de atuação no estágio, trago a experiência do meu primeiro
atendimento à pessoa com deficiência em espaço educacional. Na turma de maternal atendíamos
uma criança com TEA4 e uma criança surda com implante coclear.
1
Momento divisor de águas na vida de uma pessoa
2
No Brasil temos três línguas sinalizadas utilizadas por surdos e ouvintes que se comunicam, são elas: Libras, Cena e
Urubuu Kaapor. A Libras é uma das línguas sinalizadas reconhecida por Lei, as demais ainda não são socialmente
aceitas. Além disso, cada país possui sua própria Língua de sinais; por exemplo: os Estados Unidos os surdos usam a
Língua Americana de Sinais; na França, a Língua francesa de sinais; na Espanha, a Língua espanhola de sinais; em
Portugal, a Língua gestual portuguesa e assim seguem os demais países.
3
O sinal simboliza o batismo e iniciação à comunidade surda. O sinal é símbolo da comunidade surda, onde as
características visuais ou gestuais são destacadas pelo surdo nas pessoas, como um símbolo de identidade.
4
Transtorno do Espectro Autista.
20
No percurso da vida durante o estágio em 2009 engravidei do meu primeiro filho. Passados
dois meses da formatura, em fevereiro de 2010, nasceu meu primeiro filho, Samuel.
Apesar de ter concluído a graduação, assumi o papel de mãe e guardei o diploma na gaveta
por um ano. Ao retornar ao trabalho, não mais no papel de estagiária, e sim no papel de docente,
experimentei por três meses o sabor da sala de aula até que gestei minha segunda descendente,
Sara.
Quando terminou o prazo de licença maternidade de Sara, iniciei efetivamente minha
carreira docente em uma sala de berçário em uma creche, passando depois para as outras etapas de
desenvolvimento da educação infantil, ensino fundamental e médio. Em todas as etapas da
educação tive a oportunidade de experienciar as práticas de inclusão de pessoas com deficiência.
Realizei o curso de especialização em Libras, tradução e interpretação, que foi muito
significativo, trazendo conceitos teóricos e metodológicos importantes em minha formação como
Tradutora Intérprete de Libras-Português (TILSP5). Logo após, realizei a especialização em
Docência no Ensino Superior, ambas pela Unicastelo. Nas especializações estive em contato com
mestres, doutores, pesquisadores e profissionais competentes – esse espaço, me apontou a
possibilidade de atuar como docente no ensino superior.
Em 2014, iniciei a atuação como professora interlocutora de Libras no Ensino Médio e
desempenhei um papel diferente do que havia realizado até então, como professora regente em sala
de aula na educação básica. Auxiliava dois estudantes surdos, e com os demais estudantes da sala
realizei o projeto intitulado “Aprendendo Libras com música”, no intuito de promover a
socialização e interação dos surdos em sala de aula.
No decurso desse trabalho, em contato diário com professores de diversos componentes
curriculares, deparei-me com diversas práticas educativas, algumas notáveis e outras lamentáveis.
Percebi a carência de formação teórica e prática de outros docentes a respeito dos surdos, sua
cultura e sobre Libras. As observações dessas práticas me impulsionaram ao ingresso no Mestrado
em Educação, na linha de formação de educadores.
Em 2015, realizei um trabalho voluntário com três surdos (um homem e duas mulheres) e
uma delas estava perdendo a visão. Quando me coloquei à disposição para esse voluntariado não
5
Essa sigla é utilizada dentro dos Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas Sinalizadas (ETILS), onde se
diferencia a área de formação que é a tradução e interpretação de línguas sinalizadas do profissional que tem o par
linguístico Libras-Português.
21
possuía compreensão sobre o conceito de surdocegueira e suas características. Não sabia que era
uma deficiência singular com perdas auditivas e visuais concomitantes. Não imaginava as
diferentes formas de comunicação adotadas em cada situação e não conhecia as necessidades
específicas de acesso à informação, vida social, educação, trabalho, orientação e mobilidade.
(GRUPO BRASIL, 2003).
Hoje entendo que a partir desse trabalho e encontro com pessoas com surdocegueira, fui
desafiada a desvendar os mistérios dessa singularidade. O voluntariado teve duração de um ano,
mas a pesquisa sobre a surdocegueira tem me acompanhado até os dias atuais.
A primeira formação na área de surdocegueira foi a oficina de “Técnicas de Interpretação
Tátil e Comunicação Háptica para pessoas com surdocegueira” juntamente com Marcos, o primeiro
membro da minha equipe, atualmente composta por mais de dez guias-intérpretes 6.
Na oficina, conheci as diversas formas de comunicação para a surdocegueira, o uso de
Tecnologia Assistiva e adaptações como recursos facilitadores. Também aperfeiçoei a Libras tátil
e conheci a fascinante forma de complemento na comunicação de pessoas com surdocegueira,
denominada comunicação social háptica. Além disso, pude aprender o Braille de forma simples e
prazerosa.
Dois anos depois, em 2018, concluí a formação de guia-intérprete pela AHIMSA,
instituição de referência nacional na formação de profissionais guias-intérpretes no atendimento de
pessoas com surdocegueira adquirida7.
Sobre a questão da inquietação provocada no contato com os professores no ensino médio,
participei do processo seletivo do segundo semestre em 2016 para o ingresso no Mestrado em
Educação da UMESP. Na escolha do orientador para o projeto, pesquisei entre os docentes aquele
que possuía o foco investigativo em inclusão e indiquei a Professora Doutora Adriana Barroso de
Azevedo, que pesquisava sobre inclusão com o uso de tecnologias. Atualmente ela domina não só
a inclusão com a tecnologia digital, mas a tecnologia assistiva e os diversos âmbitos de atendimento
inclusivo nas diversas deficiências.
Aprovada, ingressei dia 02 de agosto de 2016 no Mestrado em Educação com o projeto
intitulado: “Importância do Processo Formativo Docente para o Atendimento ao Aluno Surdo”.
6
Atualmente a equipe é composta por Marcos Henrique Ramos Assunção, Janete Menezes de Souza, Marciete
Albuquerque, Wharlley dos Santos, Ozana Vera Leal, João Paulo Navega Roque, Heloísa Marasc, Maria A. Amin de
Oliveira, Doralice Medina, Marco Medina, Lucimar Bizio, entre outros.
7
Surdocegos adquiridos são pessoas que adquiriram a condição de surdocegueira após aquisição linguística.
22
Havia escolhido esse tema pela inquietação sobre a carência de formação docente percebida na
turma do ensino médio em que lecionei como docente e intérprete, entretanto, diante do fascínio
pelo tema da surdocegueira e comunicação experimentada, juntamente com a minha orientadora
mudamos o tema de pesquisa para: “Surdocegos e os desafios nos processos socioeducativos: os
mediadores e a Tecnologia Assistiva”. Tal mudança de tema acarretou transformações não só à
minha pesquisa como também a trajetória da minha vida.
A pesquisa de mestrado consolidou meu processo formativo e profissional, sobretudo,
desenvolvi um vínculo com os participantes com surdocegueira que transportei para o cotidiano da
minha vida. Embora o tempo tenha sido curto, posso relatar que o trajeto me ensinou muitas coisas.
“Ao narrar sua própria história, a pessoa procura dar sentido às suas experiências e, nesse percurso,
constrói outra representação de si: reinventa-se.” (PASSEGGI 2011, p. 147). O mestrado
possibilitou minha reinvenção.
O propósito do mestrado8 consistiu em observar o que emerge do campo da educação de
pessoas com surdocegueira em contextos atuais e o uso de recursos de Tecnologia Assistiva como
facilitadores no processo de ensino aprendizagem, juntamente com as narrativas de formação de
pessoas com surdocegueira que já concluíram as etapas formativas e narram as experiências dessas
trajetórias.
Na construção desta tese de doutorado, proponho outras finalidades, em que as narrativas e
a formação se entrelaçam na construção da experiência de pessoas com surdocegueira e guias-
intérpretes.
Dessa forma a questão de pesquisa se configura por: “Que percepções emergem de
tradutores guias-intérpretes de Libras quando estes utilizam a comunicação social háptica com
pessoas surdocegas?”. Observei nuances que compartilho ao longo da pesquisa por meio do texto
multimodal onde hiperlinks transportam os leitores para hipertextos apresentados por cenas. As
inquietações consistiram em alcançar e apresentar os seguintes objetivos:
a) Descrever as características das pessoas com surdocegueira adquirida e como ocorre
a sua comunicação.
8
A dissertação de Mestrado com título “ SURDOCEGOS E OS DESAFIOS NOS PROCESSOS
SOCIOEDUCATIVOS: OS MEDIADORES E A TECNOLOGIA ASSISTIVA” foi defendida em 28 de setembro de
2018 sob a orientação da Profa Dra Adriana Barrosos de Azevedo, os membros avaliadores da banca foram Prof. Dr.
Marcelo Furlin e Profa Dra Elisabete Cristina Costa Renders e está disponível em:
http://tede.metodista.br/jspui/handle/tede/1810. Acesso em 03 set. 1022.
23
aprimorar o exercício da sua profissão. Nessa perspectiva, esta tese busca refletir sobre as lacunas
formativas de profissionais guias-intérpretes de Libras no Brasil, tendo como base as narrativas
dos participantes da pesquisa-formação.
Esta tese está organizada em seis seções e as considerações finais. Na seção 2, apresento a
metodologia da pesquisa-formação realizada com o uso das narrativas com as ilustrações e vídeos
contidas no texto multimodal. Trago as implicações decorrentes no percurso advindas pela
pandemia de Covid-19 e sua repercussão na pesquisa e no curso da minha vida. Apresento os
participantes que me acompanharam nesse processo e suas contribuições para a construção deste
trabalho.
Na seção 3, inicio com a experiência dos participantes sobre o processo de empatia no “ser”
pessoa com surdocegueira. Explano sobre a surdocegueira congênita e adquirida e suas
características apontando as particularidades das pessoas com surdocegueira a partir da própria
percepção, seus processos de comunicação, e possibilidades de interação.
Na seção 4, apresento aspectos históricos da comunicação social háptica, seus conceitos e
definições. Realizo um estudo comparativo sobre a utilização da comunicação social háptica na
Finlândia, e na Noruega, cuja vertente é utilizada no Brasil; os processos de implantação e as ofertas
de curso. Além disso, trago algumas perspectivas da comunicação social háptica na atuação do
guia-intérprete.
Na seção 5 apresento a comunicação social háptica em aspectos educacionais, linguísticos
e formativos. Apresento o paradigma da inclusão na surdocegueira, e as perspectivas da Linguística
Aplicada; além de, propor a estruturação da comunicação social háptica como língua a partir dos
pares mínimos em consonância à Língua Portuguesa e Libras.
Na seção 6 trago um panorama sobre a formação do profissional tradutor guia-intérprete e
seus desdobramentos pela história, as bases legais que trazem à tona a necessidade de reflexões
sobre esse tema e políticas voltadas para o público de pessoas com surdocegueira para que sejam
atendidas em suas necessidades comunicacionais. Trago as bases das características do profissional
Tradutor Guia-Intérprete de Libras e a ética de atuação.
Nas considerações finais, reflito sobre a trajetória evidenciada pelas narrativas e as
descobertas no percurso da pesquisa. Compartilho os processos que atravessei: os encontros e
desencontros que possibilitaram a reflexão do caminho percorrido.
25
Assim, o acontecer da pesquisa não somente modifica o que pensa o pesquisador, como
também, ao analisar o caráter e as correlações de seu objeto, em seus eixos de saberes,
poderes e subjetivações, configura-o como entidade contingencialmente produzida e
9
Na pesquisa narrativa evitamos a palavra “dados” pois remetem a informações engessadas ao contrário das narrativas
que transmitem experiências que não podem ser previstas hipoteticamente e nem podem ser avaliadas; mas,
interpretadas. Portanto temos informações que são transmitidas de forma livre, baseadas nas experiências do
participante que são compartilhadas e interpretadas pelo pesquisador.
26
10
Esse termo será explanado posteriormente nessa seção.
27
14
Consiste em uma ferramenta que permite coletar informações de usuários por meio de pesquisa ou formulário
personalizado onde as informações são coletadas e conectadas automaticamente a uma planilha que é preenchida com
as respostas da pesquisa e/ou do formulário.
15
Mais informações sobre formas de comunicação detalhadas no tópico 2.3.1
16
As aulas foram inicialmente programadas para acontecer de maneira presencial; mas, devido à Pandemia por Covid-
19, houve a migração para o modelo remoto.
31
aulas quinzenais aos sábados, com duração de três horas cada uma, computando o
total de 24 horas-aula; e acesso aos materiais conceituais e propostas de atividades
pela plataforma Moodle, totalizando a dedicação de 3 horas de estudos concernentes
a cada aula, com o total de 24h em atividades EAD e 12 horas de atividades
complementares perfazendo 60 horas;
● As pessoas com surdocegueira, atendidos pelos guias-intérpretes participantes do
curso, poderiam participar das aulas conceituais e atividades práticas quando, então,
os guias-intérpretes poderiam desenvolver o conhecimento adquirido no decorrer do
curso;
● As pessoas com surdocegueira poderiam, por meio de narrativas, expor o seu
processo educacional e as formas de comunicação por eles utilizadas e experimentar
a comunicação social háptica.
A seguir, o quadro com o cronograma realizado no curso de extensão:
Na segunda etapa:
● O curso foi reelaborado para atender o público interessado que tivesse contato com pessoas
com surdocegueira sem o pré-requisito da formação e atuação profissional;
● O formulário foi disponibilizado em grupos abertos de Whatsapp e propagado de pessoa
para pessoa;
● O formulário (Apêndice D) foi preenchido por 37 pessoas com o intuito de reunir
informações prévias sobre os participantes, além de trazer em seu corpo o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A). Dentre os 37 respondentes encontrava-
se um público interessado heterogêneo formado por: guias-intérpretes, intérpretes, pessoas
com surdocegueira, familiares e amigos de pessoas com surdocegueira;
● Dos 37 respondentes iniciais, 26 deram continuidade ao curso até sua conclusão;
● Reestruturei os conteúdos a serem ministrados no curso, desde conceitos básicos sobre a
surdocegueira, até práticas de guia-interpretação.
● No percurso das aulas disponibilizei aos participantes a Declaração de responsabilidade da
pesquisadora (Apêndice B). O Termo de Cessão de Direito de Uso de Gravações de Áudio,
Vídeo e Fotografia (Apêndice C);
Na aplicação do curso foi proposta a metodologia da sala de aula invertida em que os
participantes tiveram acesso aos materiais17 contendo os conceitos teóricos que seriam trabalhados
posteriormente na aula síncrona.
Os pesquisadores que promoveram amplo conhecimento sobre a sala de aula invertida,
foram os americanos Jonathan Bergmann e Aaron Sams (2016), que relatam em suas narrativas
autobiográficas as experiências frente às necessidades de seus estudantes.
Bergamann e Sams (2016) compartilham experiências com estudantes em diferentes graus
de aprendizagem. Emergem dos relatos de ambos a percepção da aprendizagem individual e o
protagonismo desses estudantes, enquanto, por outro lado, em atividades síncronas no coletivo, é
notório a troca de saberes e habilidades desenvolvidas. (BERGMANN; SAMS, 2016).
17
Produzi uma apostila como suporte teórico-metodológico para estudos dos participantes aula-a-aula: além de,
disponibilizar outros autores e fontes de consulta.
33
[...] muitas são as discussões sobre metodologias na Formação Continuada que sejam
interessantes aos alunos e tragam subsídios para aplicação profissional. Nesse cenário a
inversão da sala de aula no contexto atual torna-se necessário para que o aprendizado
ocorra de forma efetiva, pois considerando a geração que está conectada com acesso à
Internet, Facebook, Youtube, Wattsapp entre outros, essa mudança torna-se emergente.
(VILELA, AZEVEDO 2020, p.9).
18
Na aprendizagem de línguas é considerada L1 a primeira língua ou língua materna, que geralmente é o primeiro
idioma aprendido e praticado pelos pais. A L2 é a sigla utilizada para denominar uma segunda língua ou segundo
idioma aprendido.
34
Todo professor que optar pela inversão, terá uma maneira distinta de colocá-las em prática.
Com efeito, ainda que tenhamos desenvolvido as salas de aula invertidas juntos e nossas
salas de aula sejam vizinhas, ambas ainda seriam distintas entre si, assim como nossas
personalidades e nossos estilos didáticos se diferenciam em meio às semelhanças.
(BERGMANN; SAMS, 2016 p. 10).
desempenhados por mim e pelos participantes no decorrer do curso tornam-se ofuscados frente ao
texto tradicional, apenas escrito.
Tal modalidade atende aos requisitos solicitados uma vez que, possibilita ampliar o acesso
das informações/resultados relacionados ao contexto da pesquisa. Dessa forma, trago à baila os
conceitos que embasam a construção de um texto multimodal:
[...] é no texto, materialidade dos gêneros, onde os modos (imagem, escrita, som, música,
linhas, cores, tamanho, ângulos, entonação, ritmos, efeitos visuais, melodia etc.) são
realizados. O que faz com que um modo seja multimodal são as combinações com outros
modos para criar sentidos. (DIONÍSIO, 2011, p. 42).
Compreendo que nas mídias digitais, é possível utilizar inúmeras linguagens e recursos por
meio de hiperlink e a hipermídia. Nesta pesquisa, assumo a perspectiva de utilização de hiperlinks
por meio dos quais o leitor terá a possibilidade de escolher adentrar no ambiente de aprendizagem
19
Referência à audiodescrição onde as informações visuais são transportadas por meio de recurso auditivo
beneficiando as pessoas cegas ou com baixa visão.
20
Referência à possibilidade de trazer acessibilidade a textos multimodais com a janela de interpretação em Libras
beneficiando pessoas surdas.
37
Esse tema surgiu em minha mente em uma bela manhã quando eu estava pensando na
estrutura deste capítulo metodológico. Essas palavras ecoaram em minha cabeça, sem nem mesmo
saber o significado de cada uma delas. Na busca do significado desses conceitos, percebi que reflete
o curso da minha trajetória formativa, relatado no início do texto, desmembrando no percurso
metodológico percorrido no processo de pesquisa e o decurso da finalização da pesquisa e as
experiências que me trouxeram.
Penso nos impactos causados pela pandemia na vida de todas as pessoas. Reflito que a vida
passa por processos complexos em todo o tempo. Não é privilégio de uns em detrimento de outros.
Todos enfrentamos desafios em meio à formação ou sem estar em processo de formação.
O doutorado teve início no primeiro semestre de 2019, com a idealização do curso de
extensão para o segundo semestre de 2020. No entanto vários desafios foram enfrentados com a
chegada da pandemia por Covid-19. Tanto as rotinas de vida das pessoas mudaram, quanto as
pesquisas realizadas nesse período.
A proposta inicial estava apoiada em um curso de extensão para profissionais guias-
intérpretes de maneira presencial, contudo, devido a pandemia o curso foi realizado de maneira
remota. Neste contexto, o projeto foi estruturado e reestruturado no decorrer do ano e submetido à
Plataforma Brasil em 13 de maio de 2020, sendo aprovado dois meses depois com o número CAAE
31770920.1.0000.5508, tendo por início previsto o dia 01 de julho de 2020.
O curso iniciou-se em 19 de setembro de 2020 e finalizou em 19 de dezembro de2020 e no
percurso, muitas narrativas de experiências de formação vivenciadas pelos participantes surgiram
38
A técnica e as tecnologias, portanto, são meios, não o fim que se busca. Em nosso trabalho
educativo envolvendo tecnologias, quando elegemos como fim o que era para ser meio,
agregamos grandes possibilidades de realizarmos um trabalho medíocre, de pouco valor e
que resulta em pouca aprendizagem. Segundo as características da aprendizagem as
tecnologias devem possibilitar o desenvolvimento de vários aspectos, por exemplo, que o
ensino seja ativo e participativo, orientado à prática e a resolução de problemas e apoiado
por diferentes recursos técnicos e códigos audiovisuais. (AZEVEDO, 2013, pg.154).
21
Ato ou efeito de percorrer. Dicionário online. Disponível em: https://www.dicio.com.br/percurso/. Acesso em: 19
set. 2021.
22
Prazo terminado; período de tempo já passado: decurso de prazo. Dicionário online. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/decurso/. Acesso em: 19 set. 202.1
39
auxílio de um guia-intérprete de maneira presencial, muitas vezes essa ação não foi possível. Esse
período de pandemia causou muitas barreiras na acessibilidade da pessoa com surdocegueira.
O acesso da pessoa com surdocegueira às informações dependem exclusivamente do
toque23 para que seja efetivado. Para que as pessoas com surdocegueira participassem do curso de
extensão foi necessário que um familiar ou amigo guia-intérprete fizesse essa transposição da
Língua Portuguesa oral usada por mim e pelos professores convidados, para a Língua de Sinais
Tátil24 utilizada pelas pessoas com surdocegueira participantes.
Em algumas aulas tivemos a participação de surdos convidados, fazendo com que nós,
tivéssemos que disponibilizar intérpretes para fazer essa transposição de conteúdo oral para
conteúdo sinalizado em Libras. A participação das pessoas com surdocegueira foi crucial no
andamento do curso, pois elas trouxeram perspectivas sobre si mesmas e os benefícios recebidos
por meio dos conceitos apreendidos em aula. Souza (2004) menciona o termo narrar sobre si,
quando enfatiza que:
23
A importância e a significação do toque na comunicação da pessoa surdocega será abordada no capítulo 3.
24
A Língua de Sinais Tátil é composta pela adaptação da Libras (Língua Brasileira de Sinais) usada pelos surdos
brasileiros, porém na modalidade tátil, onde os surdocegos tateiam cada sinal realizado.
40
Em minhas narrativas trago os papéis que desempenho no cotidiano: mãe, amiga, intérprete,
guia-intérprete, professora e pesquisadora. Esclareci que utilizaria os textos de campo, suas
narrativas e experiências de vida como fontes do texto de pesquisa.
Todo o processo do curso de extensão, no âmbito da pesquisa-formação, gerou fontes e
posteriores textos de campo. Entre eles:
● Formulário de aceitação de participação no curso;
● Aulas gravadas disponibilizadas aos participantes;
● Diário de bordo registrado por mim após as aulas;
● Orientações dialogadas com minha professora orientadora;
● Diálogo com pesquisadores da área;
● Conversas de Whatsapp com os participantes do curso.
Durante o curso estive imersa nessa experiência de falar, escutar, partilhar, compartilhar e
entender esse processo de formação. Desempenhei outros papéis como professora, intérprete,
mediadora e pesquisadora.
Ao final do processo do curso, com os textos de campo em mãos, escolhi o caminho da
hermenêutica; pois, se configura como uma forma de interpretação possível das narrativas
coletadas durante a pesquisa. Richard Palmer (1969) na obra “Hermenêutica”, sugere conceitos
sobre a construção e compreensão da interpretação. A busca do autor situa-se no contexto da
procura pela resolução de problemas concernentes à interpretação literária. Menciona a tarefa de
mergulhar no texto em busca de significações:
Se é preciso ser-se um bom ouvinte para escutar aquilo que é realmente dito, ainda é
preciso ser-se melhor para ouvir o que não foi dito mas que se esclarece ao falar.
Centrarmo-nos exclusivamente na positividade daquilo que é explicitamente dito no texto
é fazer injustiça à tarefa hermenêutica. Temos que ir para além do texto para encontrarmos
aquilo que ele não disse, e que talvez não pudesse dizer. (PALMER 1969, p. 235-236).
do seu entorno e com isso se aproximava a vez do jovem surdocego receber seu certificado. Pude
sentir o tremular do seu corpo na ansiedade de esperar sua vez. Até que ele foi chamado pelo seu
nome. Enquanto isso, toda a escola entrou em grande euforia de palmas, gritos e batidas de pés. A
energia que circulou ali foi de arrepiar e comover aquela grande multidão de convidados. Esse foi
um momento inesquecível que a comunicação social háptica pôde proporcionar. No rememorar
dessa experiência, pude recordar o sentimento que fui tomada naquele instante, e ao relatar aqui,
sinto de novo.
Logo após minha partilha, os demais relataram suas experiências no contato com pessoas
com surdocegueira e o contato com a comunicação social háptica (aqueles que já conheciam e
utilizavam). O quadro 2 traz um panorama geral da caracterização dos participantes. Em
consonância ao que foi apresentado ao Comitê de Ética, julgo importante ressaltar que as
identidades dos participantes foram preservadas. Assim, os nomes contidos nas narrativas do
quadro e no decorrer dos textos narrados foram escolhidos pelos próprios participantes. Nos vídeos
apresentados os nomes dos participantes foram silenciados para que permanecessem no anonimato.
Sendo assim apresento as características dos participantes e suas experiências retratadas conforme
a seguir:
MARCELA Na esfera profissional e Pedagogia e Letras- Igreja e Escola Língua de Sinais Tátil,
círculo de amigos Libras, Pós-graduada Língua de Sinais em
em Neuropsicopeda- campo reduzido, Fala
gogia, Educação oral amplificada, Escrita
Especial com ênfase na palma da mão, Uso
em Deficiência do dedo como lápis,
Auditiva e Educação Alfabeto datilológico
Infantil. Tátil, Alfabeto tátil,
Tadoma, Sistema pró-
tatil, Comunicação
Social Háptica
HILDA Trabalho no AEE mas Neuropsicopedagoga, Aulas de Língua de Sinais Tátil,
não trabalho Coordenadora de dança, Língua de Sinais em
diretamente com aluno programas Encontros campo reduzido, Fala
com surdocegueira educacionais nacionais de oral amplificada,
prefeitura de surdocegos e Tadoma, Comunicação
Guarulhos, Espaços Social Háptica. Não
Guia-Intérprete pela sociais diria que domino, mas
AHIMSA tenho um bom
conhecimento
MERIVANI Sou amiga e intérprete Ensino Médio Antes da Língua de Sinais Tátil
de uma surdocega. Completo pandemia nós
encontrava-
mos de 3 a 4
vezes por
semana.
SILVIA Na tradução de cultos Licenciatura em Igreja e Língua de Sinais Tátil,
religiosos matemática, pós- círculo de Língua de Sinais em
graduação em amigos campo reduzido
Interpretação-
tradução, Docência
em Libras pela
Uníntese.
MARY Tenho duas filhas com Ensino Médio Em casa e Língua de Sinais Tátil,
surdocegueira Completo Igreja Língua de Sinais em
campo reduzido,
Alfabeto datilológico
Tátil, Alfabeto tátil
45
ASHLEE Atuo com um surdocego Pedagoga pela Atendimento Língua de Sinais Tátil,
que utiliza materiais Guia-Intérprete pela educacional e Língua de Sinais em
adaptados concretos que AHIMSA círculo de campo reduzido, Fala
auxiliam e Audiodescritora amigos oral amplificada, Uso
complementam a Libras Pós-graduanda em do dedo como lápis,
tátil utilizada por ele de Educação Especial Tadoma, Comunicação
forma mais Inclusiva Social Háptica
simplificada. Pós-Graduanda em
Design Educacional
SININHO Tenho contato e estou Formação em Atendimento Língua de Sinais Tátil,
desenvolvendo material Pedagogia. educacional e Língua de Sinais em
em relevo, para Igreja campo reduzido, Fala
simulação de conteúdo e oral amplificada, Escrita
contexto. na palma da mão, Uso
do dedo como lápis,
Alfabeto datilológico
Tátil, Alfabeto tátil,
Tadoma, Comunicação
Social Háptica
LETÍCIA Amigos Formada em Igreja e Libras Tátil e
Petróleo-gás, e círculo de Comunicação Social
Licenciatura em amigos Háptica
Química
MILLA Amigos e profissional Cursando o último Atendimento Libras Tátil e
ano em Letras- educacional, Comunicação Social
Libras. Igreja e Háptica
círculo de
amigos
SARAH Amigos Ensino Médio Libras Tátil e Tadoma
completo e alguns Igreja e
cursos de Libras e círculo de
Guia-Interpretação amigos
ACSA Tradução de cultos Letras-Libras Libras Tátil e
religiosos e amigos Igreja e Comunicação Social
círculo de Háptica e Tadoma
amigos
ANA LIS Amigos Formada pelo IEF, Libras Tátil e
técnico de segurança Igreja e Comunicação Social
do trabalho, Amigos Háptica
LILI Meu cunhado é surdo, Pedagogia Pós- Libras, Libras em
foi meu primeiro Graduação em Igreja e campo reduzido
contato. Educação Especial e Trabalho com
Minha irmã ficou cega. Inclusiva, Libras, surdos e
Estou iniciando com as Neuropsicopedagogia adaptação de
pessoas com materiais
surdocegueira
MERIVANI Na tradução de cultos Ensino Médio Igreja e Libras tátil.
religiosos e amigos Completo. Cursando Amigos
o ensino superior
MÁRCIA Na tradução de cultos Graduação em Letras- Igreja e Libras Tátil, Tadoma,
religiosos e amigos Libras amigos Fala Ampliada,
Comunicação Social
Háptica
ERCILLA Na tradução de cultos Assistente Social Todos os Libras Tátil, Libras em
religiosos e amigos espaços campo reduzido,
46
Comunicação Social
Háptica
FERNANDA Na tradução de cultos Ensino Médio Igreja e Libras Tátil, Libras em
religiosos e amigos Completo amigos campo reduzido,
Comunicação Social
Háptica
CRISTINA Sou Surdocega Ensino Médio Todos os Libras Tátil e
Completo cursando espaços Comunicação Social
Pedagogia Háptica
LEANDRO Sou Surdocego Ensino Médio Todos os Libras tátil e Libras em
Completo/ Artesão espaços Campo reduzido
CHICO Sou Surdocego Ensino Médio Todos os Língua de Sinais Tátil,
Completo espaços Língua de Sinais em
campo reduzido, Escrita
na palma da mão,
Alfabeto datilológico
Tátil, Comunicação
Social Háptica
JAPINHA Sou Surdocega Ensino Médio Todos os Libras Tátil e
Completo cursando espaços Comunicação Social
Pedagogia Háptica
Fonte: a pesquisadora
Após a apresentação dos participantes e partilha de suas experiências com as pessoas com
surdocegueira e com as formas de comunicação, alguns explicitaram a falta de conhecimento sobre
o assunto surdocegueira, como no caso de Mary, que possui duas filhas com surdocegueira. Outros
conheciam de maneira superficial a comunicação social háptica e a utilizavam em momentos
pontuais e buscavam no curso um aperfeiçoamento.
As narrativas do curso serão apresentadas por meio do multimodalismo em hipertextos
acionados por meio de hiperlinks. Na versão digital a cada clique sobre o QR Code (CTRL + clique
com botão esquerdo do mouse) o leitor terá a oportunidade de acompanhar e vivenciar cada cena
experienciada pelos participantes desta pesquisa. Na versão física o leitor de QR Code de um
aparelho celular encaminhará para o mesmo recurso.
No primeiro encontro, as narrativas foram carregadas de emoção quando cada participante
rememorou o ponto inicial do trabalho com a inclusão, com a Libras, o contato com surdos e com
as pessoas com surdocegueira.
Fonte: a pesquisadora
25
Pesquisa realizada no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes. Disponível em:
https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/. Acesso em: 09 set. 2022.
49
26
Usarei mais adiante o termo Tradutor guia-intérprete de Libras Português TGILSP. Nas pesquisas relacionadas à
área de educação sempre encontramos o termo guia-intérprete, mas julgo que a profissão abarca ainda outras vertentes:
da tradução e transposição entre línguas de modalidades distintas, que acontece quando o profissional escuta em Língua
Portuguesa na modalidade oral auditiva e transporta para a Libras tátil na modalidade gestual tátil ou Libras em campo
reduzido na modalidade visual gestual.
50
A tese produzida por Almeida (2015) traz o estado da arte na área da surdocegueira no
período de 1999 a 2011 compondo dissertações e teses no total de 20 produções. O autor traça um
panorama teórico conceitual no campo da surdocegueira ressaltando as nomenclaturas e evolução
dos termos utilizados. Ele parte da surdocegueira em âmbito mundial mencionando o Instituto
Perkins27, onde Laura Bridgmann foi a primeira pessoa com surdocegueira a ser alfabetizada no
mundo e anos depois menciona o ingresso de Helen Keller na mesma escola. Menciona a atuação
da professora Anne Sullivan com ambas as estudantes. Após traçar um panorama percorrendo
outros países até chegar ao Brasil, traz as classificações da surdocegueira e suas causas.
Em sua pesquisa relata o processo formativo no âmbito brasileiro e os espaços considerados
referência para aquisição de elementos técnicos para atuação e inserção da pessoa com
surdocegueira em espaços sociais sobretudo no âmbito escolar. Faz um aprofundamento das
atribuições dos profissionais que atendem a criança com surdocegueira congênita28 e as formas de
comunicação que podem ser desenvolvidas.
Almeida (2015) retoma as atribuições dos profissionais guias-intérpretes que atendem as
pessoas com surdocegueira adquirida e as formas de comunicação que podem ser utilizadas de
acordo com a particularidade de cada um. Os processos de mediação na comunicação, interação da
pessoa com surdocegueira com o espaço, o acesso à informação e locomoção são descritos no
decorrer do texto.
O autor realizou uma pesquisa no quadro profissional de guias-intérpretes que atuam no
Estado da Bahia e especificamente na cidade Salvador, mencionando as barreiras de informação
existentes na área de surdocegueira em todos os âmbitos socioeducacionais. Nesse contexto, ele
reflete sobre a desvalorização do profissional guia-intérprete. Constata em seu texto, as barreiras
de ordens: estruturais, programáticas, atitudinais e arquitetônicas que são entraves para a
acessibilidade das pessoas com surdocegueira.
A pesquisa de Almeida (2015) transporta algumas inquietações e perspectivas de práticas
emancipatórias com o intuito de favorecer a inclusão de pessoas com surdocegueira, para romper
com paradigmas propondo mudanças na sociedade para efetiva inclusão.
27
Instituto Perkins para cegos, Waltertown, Massachusetts, EUA.
28
O profissional que atua junto à criança com surdocegueira congênita é denominado instrutor mediador com formação
específica para atendimento a esse público, desenvolvendo a comunicação e a mediação da criança com o meio que a
circunda.
51
A próxima seção explana as características das pessoas com surdocegueira, bem como as
modalidades de comunicação e formas de interação utilizadas por elas em diversos contextos e
espaços. As narrativas da pesquisa-formação em vários momentos refletem as percepções dos
indivíduos com surdocegueira sobre eles mesmos e sobre os encontros com os guias-intérpretes
que os atendem, além do processo de empatia.
maneira prática? Como faria para apresentar um alimento que ela nunca experimentou? Vou dar
um pouco desse alimento para degustar, ou, ofereço antes para ela cheirar?”
O contato com a pessoa com surdocegueira nos desperta essas inquietações, mesmo quando
não estamos com elas. Dessa forma não desvinculo o “eu” do “ela”, acredito que sou “eu” com a
tentativa da percepção “dela” em mim, em ser o melhor para “ela”. A narrativa da participante
Hilda comprova a concepção da compartimentação entre o “eu” e o “ela”:
[...] eu fui para Curitiba com uma pessoa com surdocegueira, gente, é uma maluquice,
ninguém entende nada, no aeroporto, check-in, passagem, embarque, às vezes a própria
família, uma loucura, até que ponto vai a atuação da Hilda como pessoa e a atuação da
Hilda como guia-intérprete? É uma maluquice, no restaurante uma coisa de doido [...]
(HILDA).
Elaine: Vamos preparar a mesa de café, colocando tudo na mesa; café, pão, queijo, bolinho; o que vocês tiverem aí, só que
vocês vão preparar essa mesa de olhos vendados, então assim: amarra um pano de prato, uma toalha de banho, o que vocês
acharem melhor aí. Como tem a dona Mary e a Japinha [pessoa com surdocegueira], quem vai preparar a mesa é a dona Mary
de olhos fechados, a Japinha está acostumada já não precisa disso não... então vou pedir para fazermos o seguinte: vou dar 20
minutinhos para a gente fazer isso, vamos organizar, o Leandro [pessoa com surdocegueira] não vale, tá Charlie? A Cristina
[pessoa com surdocegueira] não vale. Cristina, a Ana Lis é que vai preparar seu café hoje; nem que for um café simples. Você
vai fazer um café simples e você precisa fazer isso, mesmo que você não vá tomar café; mas, você precisa: vendar os olhos, abrir
a geladeira, colocar o café na mesa, colocar o leite no copo. Então, vou pedir para a gente fazer esse exercício hoje, é um
exercício de empatia. Lógico que jamais será como o surdocego sente; jamais, a gente não está na condição deles; mas, vai fazer
um treino de como é ser surdocego.
Fonte: a pesquisadora.
Enquanto a proposta era desempenhada, os participantes compartilharam alguns resultados
com imagens via WhatsApp. Os grupos compartilharam as experiências, e os sentimentos que
emergiram ao realizar uma atividade que geralmente é corriqueira e comum, mas nesses moldes
com os olhos vendados, torna-se um desafio.
Fonte: a pesquisadora.
A partir dessas imagens postadas no WhatsApp, enquanto a participante Mary,mãe da
Japinha, pessoa com surdocegueira, as descrevia, ela relatou entre risos: “Até que enfim eles estão
sentindo como é estar na minha pele”. Nessa perspectiva, compartilho algumas imagens dos
participantes postadas no grupo, e um vídeo dessa experiência como segue na cena 3:
Fonte: a pesquisadora.
A conversa foi se desenrolando pelo WhatsApp, alguns vídeos foram compartilhados,
inclusive da participante Marcela trocando seu bebê com os olhos vendados. Algumas pessoas que
já haviam realizado a atividade anteriormente tiveram mais facilidade, mas a maioria passou por
um processo complicado e meticuloso. No retorno para a aula síncrona a primeira a relatar sua
experiência foi a participante Mary como segue na cena 4:
61
Mary: Eu já tinha feito essa experiência várias vezes na escola onde elas estudam; é bem complicado para a gente que enxerga
né, é bem complicado, eles fazem essa experiência com os pais.
Elaine: Legal, fantástico!
Mary: uma vez o grupo Brasil daí de São Paulo né, eles vieram aqui em Jaboticabal uma vez dar uma palestra de dois dias, se
eu não me engano. E eu participei também e a gente fez essa experiência.
Elaine: É mesmo?
Mary: Fizemos sim com os olhos vendados. A gente teve que subir e descer escadaria, sabe foi muito bom, foi em um lugar
mais amplo. Foi muito bom aquele dia.
Elaine: Mesmo online deu para a gente fazer.
Mary: Japinha perguntando: o que foi que você sentiu? Está perguntando para mim.
Ai Japa. Né fia! É. Não é fácil.
Fonte: a pesquisadora.
Os participantes voltaram aos poucos para a aula e individualmente ou em grupo foram
compartilhando seus relatos sobre a experimentação da condição de surdocegueira. A participante
Sílvia evidenciou sua narrativa particular:
Então, eu estou acostumada com a minha cozinha, e eu costumo dizer que eu sei onde
estão as coisas de olhos fechados; mas, a hora em que vendei os olhos, eu nem me
aventurei muito, porque eu sabia que ia fazer algo errado. É uma sensação de impotência,
de vulnerabilidade, parece que o chão não está ali, conforme você dá os passos, você não
sabe se o chão vai estar ali para você pisar, é uma sensação bem desconfortável para nós
que temos o visual e o auditivo. O máximo que fiz foi tomar um café, beber uma água e
lavar o copo. (SÍLVIA).
No meu caso, eu até falei para as meninas, hoje eu nem consegui fazer, eu me coloco no
lugar do Chico, para mim fica bem difícil; mas, fiz lá no curso [...] me colocaram em um
lugar que eu desconhecia, nos brinquedos; e, eu fui a surdocega, foi desesperador, não foi
bom. É muito difícil. Igual a dona Luciana colocou: sobre o que caiu né: quebrou? Eu vou
me machucar? E ela estava sozinha, então acho que é isso. (NALVA).
[...] eu tenho a facilidade que a minha casa é pequena, então eu não precisei andar muito,
só que eu fiquei bem preocupada, a hora em que eu fui ligar a minha máquina de café na
tomada, medo de tomar um choque; mas, acabei conseguindo fazer certinho. Eu já fiz 3
vezes essa experiência, e eu falei que hoje, ainda tive a vantagem de não estar com os
ouvidos tampados, nas outras vezes eu coloquei o tampão e a venda, por isso eu fico
impressionada como eles [pessoas surdocegas] conseguem. É uma experiência muito boa
eu gosto demais. (MILLA).
A narrativa de Milla traz a recordação de outras vivências com olhos vendados e ouvidos
tampados. Ela ressalta sua admiração pelas pessoas com surdocegueira nesse processo de
apropriação. A participante a seguir estava na casa de uma pessoa com surdocegueira, participante
do curso, e realizou a proposta. Compartilhou pelo grupo de WatssApp uma imagem de outro
momento em que ela estava de olhos vendados e a pessoa com surdocegueira interpretou para ela,
invertendo os papéis:
Ana Lis: [...] Nós temos uma casa de dois andares, como já tínhamos tomado café da manhã, eu falei: vou lá em cima, e Cristina
já tinha me avisado que o banheiro tinha muitas coisas, e eu percebi que é verdade, porque eu derrubei tudo, eu fui andar derrubei
tudo aqui na mesa, derrubei água, então assim; foi uma experiência, de quando se vive se percebe a dificuldade.[...] até coloquei
no grupo uma foto dessa experiência que eu tive com a Cristina, ela até brincou achando que era a Acsa, mas eu falei: - Não!
Fui eu que estava vendada, e ela interpretou um louvor e eu não entendi quase nada, e o Tadoma é horrível de você entender,
então é uma experiência realmente que marca, por que a gente sente pelo menos um pouquinho do que o surdocego passa, então
é uma experiência ótima que eu acho que todas as pessoas precisavam passar.
Fonte: a pesquisadora.
Ana Lis narra a importância de todas as pessoas que trabalham com esse público de pessoas
com surdocegueira experimentarem essas sensações no processo de empatia. Ivonete compartilha
seu relato da realização da atividade proposta.
Ivonete: [...]eu tive vontade de pôr uma toalha na mesa, não tive dificuldade; porque a mesa é pequena. Então é
muito fácil a localização dos armários, da mesa, buffet. Abri a gaveta, peguei a toalha e coloquei, dei uma apalpada
para ver como a toalha tinha ficado mais ou menos. Depois eu me desloquei até a cozinha onde está a geladeira, e
pensei em pegar um queijo que eu tinha no compartimento de frios. Na hora em que eu peguei pensei que tinha
pegado o queijo corretamente, mas a hora em que fui ver era banha de porco. Pelo tato eu percebi que estava muito
mole para ser o queijo. Voltei para cozinha novamente em busca do leite, peguei e levei para a mesa; e pensei, em
como eu ia perceber a quantidade de leite? Pelo peso do copo. [...] Aí coloquei o dedo dentro do copo para não
transbordar e tomei [...] mas, assim, para voltar da cozinha para a copa eu senti mais dificuldade, tive que abrir os
braços e procurar os batentes das portas, localizei a posição das mesas que ficam do lado esquerdo e ficou mais
fácil porque a copa tem mais móveis.
64
Fonte: a pesquisadora.
O relato indica que a participante consegue utilizar o tato percebendo a textura dos
alimentos, ela não menciona o uso do olfato que é um sentido sensorial muito utilizado pela pessoa
com surdocegueira, isso a judaria a perceber a diferença entre o queijo e a banha.
Ercilla: Eu nem consegui colocar a mesa; porque nem é mais a minha mesa de jantar, só final de semana. Eu já
tinha feito exercício assim parecido em outro curso; mas, esse de café não! Quase me queimei claro; porque assim,
eu já estava fazendo café, quando você falou, eu só coloquei a venda e vou colocar na garrafa. Quase queimei a
mão. Eu consegui colocar o café na xicara em uma quantidade adequada, peguei um bolo e coloquei no prato,
consegui cortar direitinho no bolo apesar de ter cortado ele junto com o papel de proteção. Percebi após sentir esse
papel enquanto eu experimentava o bolo. As quantidades consegui direitinho; lavar a xicara; mas, com certeza é
um exercício complexo. Claro que eu fiz a parte mais simples.
Fonte: a pesquisadora.
A participante compartilhou a imagem do bolo depois do corte feito enquanto estava com
os olhos vendados e continua o relato contando a experiência de uma pessoa com surdocegueira
que ela atende:
Eu fico pensando, às vezes ele varre casa, cozinha, ele faz tudo em casa. Ele tem um
vestígio de visão, porém não fica muito claro para ele essa questão de quantidade, não fica
muito claro. Realmente precisa ser um treinamento contínuo até porque, pode acontecer
com todos nós. Na minha casa tem muita gente, então é muito complicado. Um põe num
lugar, outro põe em outro, e fica complicado; mas, uma casa que tem cegos e surdocegos
as coisas têm que ser muito certinhas, não só em casa mas em empresas também, na
empresa que trabalho tem um cego e precisa ser muito certo isso. Se tiver mudanças
precisa ser muito adaptado. (ERCILLA).
65
Sarah: Eu vou falar um pouquinho, aproveitar que o microfone está aberto. Tem que explicar para Cristina! Eu
estou numa casa que não é minha, então fiz tudo olhando e foi terrivelmente difícil só de não saber aonde as coisas
estão, a disponibilidade das coisas. E eu fiz uma água suja de café solúvel com leite em pó, que eu tenho certeza de
que estava azedo; descreva para a Cristina (falando para a guia-intérprete): realmente a água estava bem suja, o leite
em pó deveria estar azedo; porque ficou horrível. A única coisa que eu coloquei foram, as bebidas no copo; mas, o
leite em pó estava azedo; certeza, só por isso que deu errado (rsrsrs).
Fonte: a pesquisadora.
Sarah contou em seu depoimento que estava em uma residência que não era a dela e não
vendou os olhos para fazer a atividade e ainda assim observou vários entraves. Compartilhou sua
experiência com irreverência. Outra narrativa interessante foi da Charlie que é esposa do surdocego
Leandro, que realizou essa proposta de atividade pela primeira vez:
Posso falar? A experiência foi ímpar porque eu nunca tinha feito isso em casa, a sensação
de pegar o pão, de cortar o pão com medo de cortar o dedo, o Leandro queria que
esquentasse o pão na chapa, aí eu falei: Ahhhh não, agora não! Ele ficava dando risada e
a [minha filha] gravou para mim. (CHARLIE).
Leandro, pessoa com surdocegueira, está acostumado com a condição única de privação
sensorial dupla, dessa forma, ele realiza todas essas atividades de rotina de maneira natural. A partir
da sugestão dessa proposta, Sininho, que recebe com frequência pessoas com surdocegueira em
sua casa, pondera que carece de mais atenção.
66
Então eu desisti de tomar o leite porque eu não consegui encontrar o leite. Pensei que eu
tinha colocado o Danone; e eu, tentando tomar na xicara que não tinha nada. Falei: Ai meu
Deus não tenho noção disso! Achei um pãozinho de queijo que já estava em cima da mesa,
ainda bem que a sorte conspirou ao meu favor. Quando eu estava gravando eu percebi
uma coisa que pode acontecer com surdocegos, aqui em casa. É comum colocarmos água
na garrafa; então eu pensei, puxa vida, eu poderia estar tomando água sem querer, por falta
de atenção; ou, os surdocegos da casa, tomarem água sem querer e ter que voltar para
procurar o leite ou o danone, por conta da falta de atenção de uma pessoa que enxerga.
(SININHO).
E para finalizar os relatos dessa proposta, destaco a parceria que se desenvolveu durante o
processo da atividade, as partilhas que foram realizadas e as experiências compartilhadas
evidenciadas por essa narrativa.
A Hilda chamou nossa atenção no grupo, por conta da organização que é fundamental na
vida da pessoa com surdocegueira, e a Ashlee me chamou a atenção de como precisa estar
organizado a casa para receber um surdocego, porque ele está fora da casa dele. Então tem
várias questões que a gente não pensa no dia a dia. É que o grupo quando tenta fazer uma
atividade, percebe que coisas simples, de atenção, de organização, apenas podem facilitar
a vida da pessoa com surdocegueira. Obrigada! (SININHO).
Estamos mudando recentemente, então estava uma bagunça, eu fui lá e organizei toda
biblioteca. Não coloquei nada com defeito não, eu organizei sozinho. Eu uso a furadeira
e faço instalação de mão francesa, instalo prateleiras, monto e desmonto guarda-roupas.
Eu tenho essa habilidade de organizar as coisas. Eu faço instalação de chuveiro, lavo a
louça, não corto a mão nem nada, lavo facas. Tenho habilidades. Vou a geladeira, pego as
coisas, onde eu deixo a minha bolacha, pão, açúcar, eu faço meu próprio café. Eu sinto o
café subindo e eu faço o café, organizo todas as coisas, dobro as roupas. Tenho duas filhas,
elas vão lá bagunçam o armário e eu vou lá e arrumo, organizo tudo certinho. Separo as
roupas, eu tiro o chinelo do pé e passo o pé descalço no chão é onde eu percebo se está
sujo ou não a casa. Eu limpo a casa, passo o pano, é sempre uma troca, eu ajudo a Charlie
e ela me ajuda. (LEANDRO).
Surdocegueira é uma condição que apresenta outras dificuldades além daquelas causadas
pela cegueira e pela surdez. O termo hifenizado indica uma condição que somaria as
dificuldades da surdez e da cegueira. A palavra sem hífen indicaria uma diferença, uma
condição única e o impacto da perda dupla é multiplicativo e não aditivo. (LAGATI 1995,
apud BRASIL 2010, p.8).
A definição de condição única trazida pelo autor fortalece a identidade da pessoa com
surdocegueira com suas características e especificidades. O Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego
(2003) traz a seguinte definição sobre surdocegueira como:
[...] uma deficiência singular que apresenta perdas auditivas e visuais concomitantemente
em diferentes graus, levando a pessoa surdocega a desenvolver diferentes formas de
comunicação para entender e interagir com as pessoas e o meio, proporcionando-lhes o
acesso a informações, uma vida social de qualidade, orientação, mobilidade, educação e
trabalho. (GRUPO BRASIL, 2003, p.1).
68
O Grupo Brasil é uma organização civil, de caráter social e sem fins lucrativos. Possui
envolvimento ativo nas esferas educacionais, políticas e formativas na promoção da qualidade de
vida e interação social da pessoa com surdocegueira29.
A definição que considero mais importante é mencionada na primeira conferência mundial
de surdocegueira “Helen Keller World Conference” 30(2022). A Conferência leva o nome de Hellen
Keller, uma pessoa com surdocegueira mundialmente conhecida por suas realizações sendo:
ativista social, bacharel em filosofia e autora de 14 livros traduzidos para diversos idiomas em todo
o mundo. Ela deixou um legado no conceito que estabelece que não somente as pessoas com perdas
totais dos dois sentidos são consideradas com surdocegueira, mas todas que possuem resíduos que
se enquadram nesse contexto.
Uma pessoa é [surdocega] quando tem um grau de deficiência visual e auditiva grave que
lhe ocasiona sérios problemas na comunicação e mobilidade. Uma pessoa [surdocega]
necessita de ajudas específicas para superar essas dificuldades na vida diária e em
atividades educativas, profissionais e comunitárias. Incluem-se neste grupo, não somente
as pessoas que têm perda total destes sentidos, como também aquelas que possuem
resíduos visuais e/ou auditivos, que devem ser estimulados para que sua “incapacidade”
seja a menor possível. (HKWC, 2022, s/p).
Keller defendia a ideia de que as pessoas com surdocegueira deveriam ser estimuladas para
que tivessem autonomia e suas capacidades fossem desenvolvidas de maneira plena. A autora
Fátima Ali Abdalah Abdel Cader-Nascimento (2021) em sua obra “Surdocegueira e os desafios da
escrita”, relata que há ausência de dados, bem como, dados imprecisos sobre a condição sensorial
e linguística relacionada às pessoas com surdocegueira. A autora conceitua a surdocegueira da
seguinte forma:
29
Mais informações disponíveis no site: https://apoioaosurdocego.com.br/
30
Mais informações disponíveis no site: https://wfdb.eu/helen-keller-world-conference/
69
31
Este conceito será descortinado mais adiante.
70
a comunicação em Libras e sua esposa Charlie faz a interpretação direta, traduzindo para o
Português oral:
Leandro: Eu ainda bebê, com alguns meses eu tive uma otite bem severa, fui para o hospital, então perdi a audição;
mas, ainda enxergava. [...] Na adolescência tentei usar aparelho; mas, não conseguia. Com 15 anos eu tinha dor nos
ouvidos, nos olhos, tinha muita ansiedade, e foi fechando a visão. Fiquei isolado, morava com minha família em
uma chácara. Perdi a visão, não conseguia mais; jogar, assistir jogos e tomava vitaminas. Um dia de manhã acordei,
fui ao banheiro e me olhei no espelho; levei um susto, percebi que não estava enxergando mais. [...] Eu tinha 22
anos [...]. (LEANDRO)
Fonte: a pesquisadora
A narrativa de Leandro apresenta várias características, dentre elas, a causa da surdez e
surdocegueira posterior. Enquanto ouvinte da narrativa imagino o sentimento dele ao olhar-se no
espelho e não se enxergar. Embora eu imagine e tente me colocar no lugar dele, acredito que jamais
poderia me aproximar daquilo que ele sentiu: a tristeza, o isolamento, o desespero, o preconceito e
quantos outros sentimentos que eventualmente podem ter subido à sua mente e ao seu coração.
Leandro destaca a falta de comunicação que a surdocegueira ocasionou em sua própria
família e o quanto isso acarretou o isolamento e a tristeza: “Tinha meus irmãos, mas, ninguém se
comunicava comigo. Eu me sentia muito isolado. As pessoas não sabiam essa nova fase da minha
vida e a comunicação foi muito difícil” (LEANDRO). O desafio da surdocegueira adquirida, passa
pelo processo de acomodação de uma nova condição, não só para a pessoa com surdocegueira, mas
para todas as pessoas que estão ao seu redor.
O relato seguinte conta a história de Chico um jovem que está em fase de transição na
surdocegueira. Antes de conhecer Chico, tive oportunidade de atuar com sua mãe Nalva.
71
Trabalhamos juntas em uma escola em que era intérprete educacional de um estudante surdo no
ensino fundamental I, e ela realizava o atendimento dele no contraturno. Nessa relação profissional
desenvolveu-se também um vínculo de amizade. Nalva e eu procuramos juntas e realizamos o meu
primeiro curso de surdocegueira. Efetuamos alguns trabalhos de estágio e guia-interpretação. É
interessante ressaltar que na ocasião da minha pesquisa de Mestrado, Nalva não participou pelo
fato de não estar preparada para compartilhar a transição da perda visual de Chico. Atualmente ela
consegue relatar as particularidades contidas no processo e o apoio dispensado a ele é nítido em
sua narrativa. A seguir Chico se expressa em Libras e é traduzido para nós pela sua mãe Nalva:
Chico: Vou contar um pouco da minha história. Quando eu era pequeno, eu estava em Minas Gerais. Ia passear
com um grupo da família, a iluminação era fraca, estava escuro e eu tinha dificuldade de andar. A luz era bem fraca
e eu não conseguia ver. Eu andava com muita dificuldade, quando eu chegava na luz forte eu conseguia melhorar;
mas, quando estava escuro, eu parecia bêbado andando. Eu não sabia o que estava acontecendo, então meu pai
também não sabia, e vinham até mim falar: como você não está conseguindo andar? Eu também, não sabia, mal
conseguia ver, não sabia o que estava acontecendo. Nas luzes mais fortes conseguia ver e achava estranho; porque,
com baixa iluminação eu não conseguia, eu tinha mais ou menos uns 11 anos. [...] Foi difícil para mim, fiquei triste,
chorei muito. Eu percebi que a minha visão está se fechando, hoje em dia já está muito ruim. (CHICO)
Fonte: a pesquisadora
A história narrada por Chico compartilha detalhes da transição que ele está atravessando.
Relata os obstáculos e as percepções de luz que norteiam sua visão. Menciona a proximidade da
família nesse processo e os questionamentos que certamente geram desconforto para ele. É
perceptível a angústia dele ao narrar que desconhecia as causas da perda visual, pois, ele repete
várias vezes que não sabia o que estava acontecendo.
72
Sobre Cristina, pessoa com surdocegueira, conheci sua história em redes sociais e
plataformas digitais. O nosso primeiro encontro presencial aconteceu em um evento nacional na
esfera religiosa. Assim que a encontrei me apresentei com a Libras tátil e ela tocou meu cabelo e
naquela ocasião meu cabelo estava longo, dessa forma, ela me apelidou de Rapunzel. A partir de
então, tive oportunidade de interpretar para ela em vários contextos e pude conhecer sua trajetória
de maneira mais aprofundada. Desenvolvi um vínculo com Cristina por me identificar com sua
faixa etária, pois, temos a mesma idade. A narrativa compartilhada foi por meio da fala, as demais
pessoas com surdocegueira receberam as informações por meio da interpretação de quem os
acompanhava:
Cristina: Bom dia a todos vocês. Para quem não me conhece meu Cristina, tenho 38 anos, adquiri a surdocegueira
aos 27 anos, por causa de uma meningite, fácil de ser tratada com medicamentos em casa; porque meningite com
fungo, ela só acontece quando aspira fezes de morcego ou pombo. Não existe outro fungo que causa essa meningite;
mas, por erro médico, pela falta do tratamento, eu fiquei surdocega [...]. Uma semana eu tive dificuldade de enxergar
e de ouvir, dor de cabeça forte; porque meningite dá muita dor de cabeça, foi um momento difícil; porque, eu não
perdi só a visão e a audição eu perdi todos os sentidos: olfato, paladar, corpo, tato, perdi tudo. Fiquei primeiro em
coma induzido. Fiquei igual um vegetal no hospital, muito difícil; porque eu tinha uma vida muito independente;
ou seja, eu vivi muita coisa como vidente e ouvinte.[...] eu fiz faculdade, por um período, segurança do trabalho;
eu trabalhava com vendas no shopping; eu pilotava moto; dirigia carro; viajava de moto; diversas coisas eu fiz; de
repente, tudo mudou, eu senti uma tristeza enorme porque tinha uma vida muito independente, tive depressão
profunda, precisei me tratar com medicamentos vários.[...] Agradeço a oportunidade por falar e agradeço por toda
a maravilhosa experiência que vivi em todos esses anos e agradeço por ter ficado surdocega, só assim entendi o
mundo melhor. (CRISTINA)
Fonte: a pesquisadora
73
Cristina nos conta a sua trajetória e as dificuldades enfrentadas por ela no percurso da
aquisição da surdocegueira. Relata as particularidades de uma pessoa com sentidos preservados
com uma vida independente, ativa, e, repentinamente, torna-se uma pessoa com surdocegueira. Ela
menciona muitos obstáculos enfrentados na transição de ouvinte e vidente para a realidade da
surdocegueira. Encerra a narrativa compartilhando a superação das dificuldades. Conhecendo sua
história no processo de empatia, penso que a história de Cristina, poderia ocorrer com qualquer
pessoa. Infelizmente, o processo de higienização de ruas e praças é precário. Dessa forma aspirar
fezes de pombos e morcegos é uma probabilidade eminente.
A última participante pessoa com surdocegueira a relatar sua experiência foi Japinha. Eu a
conheci no encontro virtual do curso “Estratégias na guia-interpretação e utilização da
comunicação social háptica para pessoas com surdocegueira”, bem como sua mãe, Mary, que fez
mediação da comunicação realizando a interpretação direta da Libras para o Português oral.
Japinha: Comecei com 3 anos na escola, cresci e minha mãe foi observando, foi muito difícil, porque também não
tinha intérprete ainda, apesar da escola, fui aprendendo aos poucos. De início usávamos muito a Libras caseira os
sinais, depois viajamos para o Japão, ficamos um tempo lá, e de repente perdi a visão, de repente não sei o que
aconteceu, eu não enxergava nada, eu gritei e chorei porque eu senti que a morrer, minha mãe me pegou no colo e
falou que eu não ia morrer e que tudo daria certo aos poucos a visão foi voltando. Fomos ao médico e me disse que
eu tinha a Retinose Pigmentar, e que lá seria mais difícil cuidar lá no Japão, porque não falávamos bem o idioma
lá, então tivemos que voltar aqui para o Brasil (JAPINHA)
Fonte: a pesquisadora
O relato de Japinha traz um misto de informações da aquisição da surdocegueira, espaço
escolar, processo de aprendizagem e comunicação utilizada com sua mãe. A voz de Mary altera
74
quando menciona que pegou sua filha no colo e disse a ela que ela não iria morrer que daria tudo
certo enquanto a acalmava.
A classificação sobre a surdocegueira sistematizada pelo surdocego espanhol Daniel
Alvarez Reyes (2004), fundador da Associação de Surdocegos da Espanha (ASOCIDE) menciona
as fases, principais causas, características e classificações da surdocegueira. Sobre as fases estão
divididas em (i) pré-natal, (ii) perinatal e (iii) pós-natal:
i. Pré-natal (período da concepção do feto até o nascimento da criança): causado por
infecções no período de gestação, questões genéticas e cromossômicas e outras
causas como: prematuridade, rubéola congênita, eritroblastose fetal, hidrocefalia,
microcefalia, AIDS, herpes, citomegalovírus, sífilis, toxoplasmose,
incompatibilidade sanguínea, entre outras anomalias como síndromes, uso de
entorpecentes ou álcool;
ii. Perinatal (período do início do trabalho de parto até 30 dias do nascimento): falta de
oxigênio no parto, medicação ototóxica, ou icterícia;
iii. Pós-natal (30 dias após o nascimento até a adolescência): medicação ototóxica,
meningite, otite média crônica, sarampo, caxumba, diabetes, asfixia ou acidentes
como, encefalite, AVC e consanguinidade. (REYES, 2004, HELLER; KENNEDY
1994).
Além dessas causas descritas, apontam para a surdocegueira síndromes, como: trisomia 13,
trisomia 23, Pierre-Robin, Alport, Usher, Goldenhard, Stickler, Charge, Marshall, Duane, KID,
Leber’s, e Norrie’s. (HELLER; KENNEDY, 1994)
Reyes (2004) organiza conceitualmente as pessoas com surdocegueira em quatro grupos,
sendo eles:
• Grupo 1: surdocegueira congênita no período pré-natal ou perinatais.
• Grupo 2: surdocegueira com deficiência auditiva congênita e que adquirem a
deficiência visual.
• Grupo 3: surdocegueira com deficiência visual congênita e que adquirem a deficiência
auditiva.
• Grupo 4: surdocegueira de pessoas que nasceram com os sentidos sensoriais
preservados e adquiriram a surdocegueira posteriormente.
75
[...]Quando cheguei aos 15 anos, fui ao médico, oftalmologista, fiz os exames, e a médica
disse que estava tudo normal. Na mesma época fui a outra médica em São Paulo, ela é
especialista em surdocegueira. Então me disse que eu tinha retinose pigmentar, e no escuro
eu não consigo ver nada, parece que há uma camada preta. Foi difícil para mim, fiquei
triste, chorei muito. Eu percebi que a minha visão está se fechando, hoje em dia já está
muito ruim. (CHICO).
Nalva, mãe de Chico, confirma a narrativa aprofundando outros pontos. Percebo sua voz
embargada ao narrar:
O Chico está nesse processo, ele sempre usou óculos desde os quatro anos, e a médica
sempre falava que ele não tinha nada e eu sempre indagava “Doutor, de noite ele anda
com dificuldade, ele sempre precisava de apoio”. Sempre era a mesma resposta, de que
ele não tinha nada, até seus 15 anos, que cheguei ao seu pediatra e disse que não era normal
e que sim ele tinha algo [...] O médico me indicou a ir a um especialista foi, na primeira
consulta ela falou: retinose pigmentar, no futuro ele vai ficar cego. Isso, Retinose
pigmentar, síndrome de Usher. (Nalva).
A síndrome de Usher, de acordo com Almeida (2019), é uma doença hereditária em que a
pessoa possui a surdez e perde a visão de maneira gradativa. A perda visual acontece devido a
32
O Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego realizou uma pesquisa no ano de 2003 com a estimativa de 583 casos de
surdocegueira sendo 60% causados por Rubéola Congênita (MAIA, 2004)
76
retinose pigmentar que é uma doença degenerativa da retina. Geralmente essa perda visual se
acentua na adolescência. A perda auditiva na síndrome de Usher acontece por uma alteração
genética na célula nervosa da cóclea, órgão localizado no ouvido interno ao qual é responsável pelo
equilíbrio. Essa característica da síndrome de Usher é relatada por Chico. A percepção que ele
teve de si ao andar com dificuldade como se estivesse bêbado, nos remete à questão da falta de
equilíbrio própria da síndrome. Pesquisas norte-americanas atestam que 5% dos surdos têm
síndrome de Usher e perderão a visão em algum período da vida e se tornarão pessoas com
surdocegueira. Almeida (2019) destaca que a síndrome de Usher é dividida em três tipos:
Tipo 1: Pessoas que nascem com perda auditiva severa e possuem problemas com senso de
equilíbrio. Os sinais de retinose pigmentar aparecem na adolescência com a perda de visão noturna
e periférica.
Tipo 2: Pessoas recém-nascidas com deficiência auditiva de moderada a severa sem
alteração. A retinose pigmentar inicia após o período da adolescência. A perda visual acontece
lentamente.
Tipo 3: Pessoas que nascem com perda leve na audição. A perda visual e auditiva acontece
concomitantemente e gradativamente no período da adolescência. Pode haver falta de equilíbrio.
A seguir, imagem que exemplifica a visão de Usher tendo a visão normal como comparativo:
2019 com o tema: “4ª Edição Cenário das doenças raras no Brasil”,33 foram discutidas várias
doenças e dentre elas estava a síndrome de Usher. Acompanhei de perto as singularidades
discutidas por médicos de diversas áreas de atuação. O Grupo Brasil de Apoio aos Surdocego,
AHIMSA e ABRASC - Associação Brasileira de Surdocegos, promovem anualmente o Seminário
Brasileiro da Síndrome de Usher34, que teve sua primeira edição em 2019.
O Dia da Conscientização da síndrome de Usher iniciou no ano de 2015, pela organização
americana “Usher Syndrome Coalition”. A comemoração foi definida para o terceiro sábado do
mês de setembro, desde então a data é comemorada todos os anos em diversos países do mundo. A
data foi escolhida por conta do equinócio de outono no hemisfério norte, onde os dias têm mais
escuridão do que luz.
A sua posição neste encontro, a pré-compreensão do material e da situação a que tem que
chegar, numa palavra, todo o problema da fusão do seu horizonte compreensivo com o
horizonte compreensivo que vem ao encontro dele no texto, nisto consiste a complexa
dinâmica da interpretação. É o ≪problema hermenêutico≫. (PALMER, 1969 p. 36 grifos
da autora)
33
Mais informações em: https://casahunter.org.br/quarta-edicao-cenario-doencas-raras-2019/. Acesso em: 18 set.
2022.
34
Mais informações e trechos das palestras apresentadas no 1º Seminário Brasileiro de Usher. Disponível em:
https://www.sindromedeusherbrasil.com.br/primeiro-seminario-brasileiro-usher. Acesso em 18set. 2022.
78
35
Interpretação do sentido das palavras e textos: exegese, interpretação das palavras, interpretação de textos filosóficos,
interpretação de textos legais, interpretação de textos sagrados, interpretação dos signos, interpretação dos textos.
Disponível em https://www.sinonimos.com.br/hermeneutica/. Acesso em: 24 set. 2022
36
Hermenêutica é uma palavra com origem grega e significa a arte ou técnica de interpretar e explicar um texto ou
discurso. O seu sentido original estava relacionado com a Bíblia, sendo que neste caso consistia na compreensão das
Escrituras, para compreender o sentido das palavras de Deus. Etimologicamente, a palavra está relacionada com o deus
grego Hermes, que era um dos deuses da oratória. Disponível em: https://www.significados.com.br/hermeneutica/
.Acesso em: 24 set. 2022.
79
interpretação, não são somente mãos, mas, todo corpo compartilhando experiências, vivências,
imaginação, criatividade, compreensão do contexto, conhecimento do outro e significação de si
mesmo.
Dessa forma o processo de formação do guia-intérprete acontece em etapas, iniciando pelo
(i) processo de empatia como proposto no curso “Estratégias na guia-interpretação e utilização da
comunicação social háptica para pessoas com surdocegueira”, na terceira aula com o tema
“Características da Pessoa com Surdocegueira”, passando pela etapa de (ii) conhecer o indivíduo
com surdocegueira e suas particularidades (iii) e a partir de então traçar estratégias de comunicação
e compreensão do sujeito a partir do encontro. Sendo assim, Gentil (2011) menciona que a
interpretação está relacionada ao encontro com o texto, e no papel de guia-intérprete sugestiono
esse encontro físico com o indivíduo com surdocegueira:
[...] interpretar/compreender uma obra é, nesse sentido, tomar o rumo de sentido proposto
por ela [...] É habitar o mundo proposto por ela, com “um dos meus possíveis mais
próprios”, um possível ser do leitor, que não está já dado na realidade, anterior ao
encontro do leitor com a obra, mas que se revela nesse encontro, se torna realidade
efetiva, ainda que ao modo de um poder ser e não um ser dado, a partir desse encontro.
(GENTIL 2011, p. 185 grifo da autora).
Elaine: [...] a base falada, a comunicação baseada na fala, [...] nós vamos ressaltar aqui. Tem outras, mas vamos
ressaltar essas: o tadoma e a fala ampliada, são bases de comunicação na fala, então a pessoa [guia-intérprete] vai
falar a mesma língua que o surdocego está falando, que ele conhece. [...] o Tadoma, a pessoa [surdocega] segura no
ponto de articulação que ela sente a vibração da corda vocal que ela consegue entender qual que é o som. Então eu
atendi com essa base, com essa comunicação a uma surdocega e a irmã dela, as duas. Já atendeu outra pessoa que
usa Tadoma, Hilda?
(Hilda reponde não com sinal na cabeça)
Elaine: só as duas também?
81
Hilda: que eu atendi foi só as duas, mas a gente sabe que tem outras pessoas que fazem uso, mas que eu tive
atendimento só as duas.
Elaine: E a Cristina também! A Cristina também, eu já a atendi com o tadoma, então são essas...
Elaine: [...] nessa base falada que é o Tadoma o surdocego precisa ter apreensão disso, então por exemplo, a Cristina
ela aprendeu, ela teve que reaprender a questão da fala, então o que acontece, quando ela vai tocando na garganta
dela e da outra pessoa ela vai medindo essa vibração, e acontece muito com esse surdocego que aprende a falar, que
não sabia falar e aprende a falar, é impossível? Não é impossível, nada é impossível [...]
Fonte: a pesquisadora.
As bases relacionadas à fala carecem de algumas competências do guia-intérprete. Na tese
identifico três competências que julgo principais: (1) armazenamento de informações para posterior
reprodução da fala do interlocutor, (2) controle de deglutição, e (3) fornecimento de maneira oral
(falada) das informações visuais e ambientais.
Quando atendi uma pessoa com surdocegueira e utilizei o tadoma, o maior desafio que
enfrentei foi o receio de salivar na mão dela, pois o ato dela segurar no meu maxilar tirou minha
mobilidade de deglutição. Já na fala ampliada a preocupação estava na altura de reprodução vocal.
A pessoa com surdocegueira adquirida que utilizava a fala na comunicação pode adaptar à
nova condição o uso do tadoma. Essa comunicação exige da pessoa com surdocegueira habilidades
para identificar pela vibração das cordas vocais e movimento dos lábios a assimilação da
fala/discurso. A pessoa com surdocegueira precisa aprender as propriedades vibratórias da fala.
Para desenvolver essa habilidade é preciso treino e persistência. Cristina perdeu a memória sobre
a fala e reaprendeu a falar e atualmente faz uso do tadoma, bem como, a utilização da fala ampliada,
pois recuperou um resíduo auditivo.
A pessoa com surdocegueira que possui resíduo auditivo, geralmente pode optar pela fala
ampliada na comunicação. Geralmente sinaliza para o guia-intérprete o ouvido que possui o
resíduo. O uso de Aparelho de Amplificação Sonora (AASI) na comunicação configura-se como
outra opção. Outro fator é o volume de execução da fala ampliada e o hálito do guia-intérprete.
Essas foram informações que emergiram das narrativas das guias-intérpretes participantes.
Elaine: [...] porque fala ampliada não tem segredo na gente, fala ampliada e tadoma não tem segredo! Mais ou
menos não é! Tem que ter controle de deglutição; se não, você baba na mão do surdocego! Não é Hilda? Isso, não
pode abrir muito, tem que articular bem as palavras, se não o surdocego não entende, né Hilda?
Silvia: Estar com hálito bem jóia também.
Hilda: Você tem que pensar em quem está em volta, se você está num teatro, num cinema, você não pode falar
muito alto para não atrapalhar a outra pessoa também que está ao seu lado, então tem uma técnica também [...] tem
que ter treino né, tem que treinar.
Elaine - isso mesmo! É fala ampliada? Mas não pode ser muito ampliada! Para o teatro inteiro. É isso mesmo.
Menos ampliado, só para ele [surdocego] ouvir. [...]
Fonte: a pesquisadora.
A próxima imagem refere-se à explanação da base escrita, que sempre está ligada à atuação
com pessoas com surdocegueira alfabetizadas que dominam uma língua. Destaco o braille que é a
transposição da Língua Portuguesa para o código de escrita que permite à pessoa com
surdocegueira a leitura por meio do tato configurado pelo braille tátil e o uso de dispositivos de
hardware como o Display Braille37.
A linha braille ou display em braille é uma possibilidade de acesso aos computadores e
dispositivos móveis para acesso à internet e redes sociais. Quanto à escrita em braille permite à
pessoa com surdocegueira a grafia do pensamento.
37
Display Braille: A Linha Braille, ou Display Braille, na verdade é um aparelho muito simples que é capaz de
converter instantaneamente os textos ou dados dos computadores, dispositivos móveis ou de uma memória interna para
uma linha de texto em alto relevo usando o Sistema Braille. Disponível em https://oampliadordeideias.com.br/como-
funciona-uma-linha-braille/ . Acesso em: 25 set. 2022.
83
Tema: Formas de comunicação e estratégias de guia-interpretação (ver vídeo referente à cena 14)
Elaine: A base escrita, vamos falar do braille porque tem a escrita do braille e também porque tem a escrita na
palma da mão, que também é baseada na escrita, então se o surdocego se ele é alfabetizado você pode utilizar a
escrita na palma da mão, que pode ser na palma da mão, as vezes no dorso, no antebraço, aí cada surdocego tem
sensibilidade em um espaço [lugar do corpo] diferente [...]
Elaine: [...] A base escrita, olha lá o Braille, o braille tátil, então cadê o Braille aí dá Ashlee, cadê Ashlee o Braille?
Para mostrar para gente a sela [...]
Elaine: O braille ele não é uma língua, ele é um código de uma escrita, então em qualquer lugar do planeta que
tenha a letra A o código em Braille ele vai ser sempre na mesma posição da letra A, a letra B, a letra B; a letra C;
mostra aí Mary para gente, Celinha do Braille.Fala para Japinha pegar lá para mostrar. Então o código Braille é
composto por seis pontos em relevo. [...] a gente utiliza o Braille tátil usando dois dedos, indicador e o médio, [...]
o Braille ele tem seis pontos, certo? E nós temos seis pedacinhos de dedo olha, que chama falange gente, vocês
sabiam que chamava falange? Cultura meu Deus do céu! Falange, esses “tequinhos” aqui pequenininhos é falange
que chama, então são as falanges. Eu aprendi isso estudando né gente, eu não sabia não, para mim era teco de dedo;
agora eu sei que é falange! Então mostra aí para gente, Mary, então são seis pontos, isso, são seis pontos, ok?
Então a gente conta assim ó: 1,2,3,4,5,6 (faz a demonstração com os dedos), [...] o Braille tátil é muito
importante[...].
Fonte: a pesquisadora.
O braille tátil possibilita que as pessoas com surdocegueira adquiridas, que antes eram
cegas, façam a adequação do braille para a mão, utilizando os dedos indicador e médio.
84
Transportando as celas Braille para as falanges dos dedos, como exemplificado nas imagens. É
imprescindível que o guia-intérprete que atende a pessoa com surdocegueira com essa
especificidade, domine esse código de escrita para realizar um atendimento competente.
A grafestesia possui algumas definições, entre elas: escrita na palma da mão e escrita
usando dedo como lápis. Acrescento outros pontos de percepção cinestésica, nem sempre ligadas
à mão, mas em outras partes do corpo: pernas, nuca, testa, antebraço entre outros. Cada pessoa com
surdocegueira possui sensibilidade em certas partes do corpo. (ARAÚJO 2019, VILELA 2018,
MUNROE 2013). O guia-intérprete nessa forma de comunicação se doa para a possibilidade de
vínculo e descoberta da percepção do outro (pessoa com surdocegueira).
Elaine: Porque eu chamo de grafestesia? A grafestesia é a percepção cinestésica, então grafestesia é isso. É quando
você sente o toque, é a percepção do toque. Então tem outras definições para essa comunicação, eu chamo de
grafestesia; porque, alguns chamam de escrita na palma da mão, mas as vezes não é na mão que você faz entendeu?
[...] já vi assim: escrita usando o dedo como lápis, também já vi com essa definição [...] usar grafestesia, porque ela
amplia a questão de não ser só na mão, pode ser na mão, pode ser no antebraço, olha eu fiz testes de grafestesia em
vários lugares, eu já fiz na testa, na nuca, já fiz no peito do pé, é peito do pé que chama? Então assim eu já fiz teste
em vários lugares, então cada lugar tem uma sensibilidade diferente, que é grafestesia. [...] e lembrando que para
acontecer essa comunicação o surdocego precisa ser alfabetizado, então ele é ligado a questão da escrita, então ele
precisa ser alfabetizado, então é um tipo de comunicação alfabética, [...] comunicação alfabética e não alfabética,
tem também essa outra definição.
Fonte: a pesquisadora.
A grafestesia, além de estar ligada ao toque, ao sentido háptico cinestésico, carece de
domínio do sistema alfabético por parte da pessoa com surdocegueira. No sistema de comunicação
que tem por base a Libras, no que tange ao alfabeto datilológico tátil, carece que a pessoa com
surdocegueira seja alfabetizado, para ter pleno entendimento da mensagem.
85
Tema: Formas de comunicação e estratégias de guia-interpretação (ver vídeo referente à cena 14)
Elaine: [...] e a base da Libras nós temos a Libras tátil e Libras em campo reduzido, e eu lembro muito do Chico
nesse aspecto. Então ó, aqui tem uns exemplos, as imagens, eu acho que todos vocês já devem ter visto, mas quem
ainda não viu [...]A Libras é uma língua, a Língua brasileira de sinais, por exemplo lá em Portugal, a língua que a
Márcia tá aprendendo: a língua gestual portuguesa, então a língua, tem característica gramática, sintática,
morfológica, semântica, por isso que é uma língua.
https://www.youtube.com/watch?v=X6OxlPDpscQ (43:05 - 44:23)
Elaine: [...]E aí quando a gente fala da Libras, da língua brasileira de sinais tem várias formas, e nisso também se
encaixa nas outras línguas de sinais pelo mundo, então a Márcia também vai usar essa base da mesma forma, só que
com a língua gestual portuguesa. Então na verdade seria a língua gestual portuguesa tátil, e para nós a Libras tátil,
a língua brasileira de sinais tátil. Então também tem a questão da base alfabética, que é o alfabético datilológico. O
alfabeto datilológico na Libras é ligado na questão da escrita. Então se o surdo não sabe a letra “A”, você não vai
fazer no alfabeto datilológico a letra “A” para ele. Não vai ter nenhuma finalidade [...] é um tipo de comunicação
ligada ao alfabeto, um tipo de comunicação alfabética. Libras em campo reduzido que é o que o Chico está usando
agora né Nalva? Ele está usando esse tipo de comunicação que é a Libras em campo reduzido. Durante o dia quando
vai ficando a noite [escurecendo], ele vai perdendo a visão, aí fica melhor a questão da Libras tátil, fica mais
perceptível para ele a Libras tátil.
Fonte: a pesquisadora.
Dos participantes com surdocegueira todos utilizam a Libras tátil. Chico, em ambientes
com iluminação, utiliza a Libras em campo reduzido. Todos os guias-intérpretes utilizam a Libras
para comunicação com surdos e a Libras tátil para comunicação com a pessoa com surdocegueira.
Quando pensamos na Libras, pensamos também na estrutura que a compõe: gramatical,
sintática, morfológica e semântica e nos desafios que a aprendizagem da língua nos proporciona.
A participante Marcia está no processo de aprendizagem da Língua Gestual Portuguesa e a partir
dela irá transportar para a Língua Gestual Portuguesa Tátil.
Os autores que pesquisam sobre a comunicação na surdocegueira, elencam algumas
divisões, bases e modalidades sobre as formas de comunicação. Dorado (2004), Milles (2008) e
86
Almeida (2019) identificam dois sistemas distintos na comunicação que compreendem: (i) sistemas
alfabéticos e (ii) sistemas não alfabéticos. Ambos baseiam-se em códigos de escrita ou orais.
Almeida (2019) conceitua os sistemas de comunicação como disposto no quadro a seguir:
Sistema Malossi O sistema Malossi cada letra do alfabeto corresponde a um ponto da mão
ou dos dedos da pessoa com surdocegueira. Por exemplo: o “P” situa-se na
ponta do polegar, o “Q” é na ponta do dedo indicador etc.
Sistema de Sistema pró-tátil [...] desta forma, podemos dizer que o Pró-tatil é também uma maneira
Feedback rápida de comunicar ao palestrante com surdocegueira as reações de seu
público durante uma palestra em que seja ele o orador.
Comunicação háptica A comunicação háptica enquanto sistema de comunicação não substitui a
língua falada ou sinalizada. Ela foi desenvolvida como complemento para
comunicação de pessoas com surdocegueira e ainda outros tipos de
deficiência.
Fonte: Araújo (2019, p. 34 - 46).
Cader-Nascimento (2016, 2021) classifica as expressões linguísticas na surdocegueira em
três modalidades: (i) tátil/sistema háptico, (ii) visuo-espacial e (iii) oral-auditiva. A autora
considera as possibilidades de comunicação baseadas no perfil linguístico e sensorial das pessoas
com surdocegueira. Na literatura brasileira sobre surdocegueira é a primeira autora que sugere a
divisão de modalidades comunicativas contendo a definição “háptica”, considerando o toque nessa
perspectiva. O quadro mostra as definições propostas pela autora:
38
Aparelho de Amplificação Sonora
39
Uso o termo afetando no sentido de abalar, mover, impactar, sensibilizar, mover o profissional guia-intérprete.
90
Sentiu como se um nevoeiro desaparecesse diante de si como num estalar de dedos, como
se recobrasse a memória esquecida. Descobriu que “Á-G-U-A” era o líquido refrescante
40
Disponível em https://www.wfdb.eu/es/wfdb-report-2018/ . Acesso em: 20 abr. 2022.
91
que corria entre seus dedos. [...] Para qualquer pessoa, a água tem significados comuns: o
líquido que mata a sede; a composição química de H2O. Para Helen Keller a água vai além
deste significado. Configura-se no despertar de sua alma, a libertação do pensamento antes
presos em meio à privação de sentidos sensoriais [...]. (VILELA, 2018 p. 45-46).
A autora expressa o despertar dessa pessoa com surdocegueira na descoberta do mundo por
meio da linguagem e da educação trazidas pela sua professora, Anne Sullivan. Ela realizou um
trabalho incansável transportando luz e som à vida de Helen Keller por meio da comunicação.
Na perspectiva da comunicação da pessoa com surdocegueira, é importante ressaltar a
comunicação que funciona, ora como complemento, ora como informação substancial,
caracterizado pela comunicação social háptica. De acordo com as narrativas de experiências de
pessoas com surdocegueira e guias-intérpretes participantes desta pesquisa ela é essencial,
entretanto, é preciso resgatar sua origem, conceitos e usos para a partir dela traçar um panorama.
Pesquisas aprofundadas por Lahtinen em sua tese de Licenciatura, tiveram seus resultados
apresentados na 6ª Conferência Europeia DBI, em 2005, na Eslováquia (MUNROE, 2013).
Lahtinen, (2003) apresenta a primeira análise relacionada ao toque e aos sinais hápticos de feedback
com o tema de sua tese “Development of the holistic social-haptic confirmation system - case
study of the yes and no - feedback signals and how they become more commonly and frequently
used in a Family with an acquired deafblind person”41.
A tese defendida em 2008, foi transformada em livro “Haptices and Haptemes: A case
study of developmental processinsocial-haptic communication of acquired deafblind people”,
41
Tradução Taís de Araújo Cintra: Desenvolvimento de um Sistema holístico social-tátil de confirmação-estudo de
caso dos sinais de feedback de sim e não e como eles se tornam mais comuns e habitualmente usados em uma
família com uma pessoa com surdocegueira adquirida.
92
por Lahtinen. A editora que realizou a publicação faz parte da Universidade de Helsinqui na
Finlândia.
A tese de Lahtinen foi cedida para tradução em benefício do Programa Horizonte que conta
com parceria do Instituto Perkins42 e Ahimsa43. Foi traduzido pela intérprete Taís de Araújo e
revisado pela Professora Doutora Shirley Rodrigues Maia no ano de 2018.
O livro “Práticas de interpretação tátil e comunicação háptica para pessoas com
surdocegueira”, de Araujo et. al, carregam contribuições que compõem o cenário da vertente da
comunicação háptica trazida para o Brasil em 2013.
Araújo (2019) compartilha registros sobre a Instituição Hápti-Co da Noruega que registra
a primeira pessoa com surdocegueira do país a utilizar a comunicação háptica44, Trine Naess que
"queria capturar o ambiente" e os guias-intérpretes, que prestavam atendimento, entenderam com
isso que a “captura” citada por Naess estava relacionada com “[...] as pequenas ações, muitas vezes
inconscientes que fazemos afetam a comunicação; sorrisos, olhares impacientes, olhares celestiais,
[...] e esses sinais podem fornecer uma base para falha de comunicação quando não são
capturados.” (ARAÚJO, 2019 p. 16). Nesse contexto, os guias-intérpretes que atendiam Naess,
entenderam que a isenção de informações causava falhas de comunicação que precisavam ser
resolvidas.
Araújo (2019) informa que a Instituição Hápti-Co realizou uma publicação em formato de
livro para divulgar os sinais hápticos em 2013 e que posteriormente, em 2015, disponibilizou a
versão traduzida para o inglês em parceria com o Helen Keller National Center for Deaf Blind
Youths & Adults45 (HKNC).
42
Somos o líder mundial em serviços de educação para crianças e jovens adultos cegos e deficientes visuais com
deficiências múltiplas. Uma ONG internacional, estamos inovando infinitamente para resolver problemas antigos e
emergentes enfrentados por nossas comunidades, nossos alunos e nossas famílias. Disponível em:
https://www.perkins.org/ Acesso em: 20 abr. 2022.
43
A Ahimsa é uma entidade civil, de caráter filantrópico e sem fins lucrativos, fundada em 04 de março de 1991 com
a missão de “Qualificar a vida de pessoas com surdocegueira e de pessoas com deficiência múltipla sensorial,
possibilitando-lhes a aquisição de uma forma de comunicação, independência e autonomia e um estilo próprio de
aprendizagem, visando a inclusão educacional e social”; e a visão de “Ser um centro de referência nas áreas da
Surdocegueira e da Deficiência Múltipla Sensorial, inovador em suas propostas e práticas, apoiando as famílias,
profissionais, pesquisadores e pessoas com deficiência”. Disponível em: http://www.ahimsa.org.br/quem-somos
Acesso em: 20 abr. 2022.
44
Araújo (2019) em seus escritos utiliza o termo comunicação háptica, o termo comunicação social háptica adotada
nessa pesquisa é cunhado por Lahtinen em todas suas obras.
45
Para mais informações acesse o site https://www.helenkeller.org/hknc.
93
Araújo (2019) ressalta que no Brasil, um grupo de pessoas com surdocegueira carregavam
indagações sobre falhas comunicativas (faltavam informações visuiais, auditivas e cinestésicas),
com o propósito de expandir a comunicação por entender que necessitavam de complementos.
Nessa perspectiva, guias-intérpretes e pessoas com surdocegueira brasileiras participaram, em
2013, da X Conferência Mundial Helen Keller realizada nas Filipinas. Naquela oportunidade,
conheceram Kathrine G. Rehder, guia-intérprete norueguesa, que apresentou as possibilidades da
comunicação social háptica.
No retorno ao Brasil, o grupo desencadeou um processo de expansão de conhecimento sobre
a comunicação háptica na vertente de complemento e, desde então, têm ministrado oficinas,
workshops e cursos partilhando as descobertas advindas dessa modalidade de comunicação. Os
participantes dessas oficinas, geralmente guias-intérpretes, familiares e profissionais que atendem
pessoas com surdocegueira, multiplicam esses conhecimentos aplicando e desenvolvendo
estratégias.
As pessoas com surdocegueira de posse da comunicação social háptica, por sua vez,
expandem essa comunicação com a criação de sinais hápticos que favorecem a própria interação.
Nesse sentido, tornam-se protagonistas ao criar sinais que facilitam sua interação e promovam
conforto e segurança.
Comumente o termo háptico é usado para referir-se ao contato com recursos tecnológicos,
ao passo que a comunicação social háptica refere-se ao contato social, ambos carregam
informações, socialização, interação e lazer.
A comunicação social háptica carrega em suas funções inúmeras possibilidades de
interação, menciono sobretudo sua utilização para pessoas com surdocegueira, embora possa ser
utilizada por outros públicos. Para tanto, alguns conceitos importantes precisam ser destacados:
O autor ressalta a ampliação da comunicação háptica na criação de sinais por pessoas com
surdocegueira e guias-intérpretes que a atendem. Essa parceria favorece a comunicação e fortalece
o vínculo entre profissional guia-intérprete e pessoa com surdocegueira.
Pensando na educação de pessoas com surdocegueira pré-linguísticos46, Cader-Nascimento
(2016), apresenta a discussão de que várias formas de comunicação na surdocegueira utilizam o
háptico para socialização com o ambiente físico e humano. A autora menciona que nas formas de
comunicações: tadoma, Libras tátil, braille tátil e grafestesia ou escrita na palma da mão47, utiliza-
se sistemas hápticos para recepção das informações. Schiffman (2005) define o sistema como:
Essa definição foi construída a partir do contato com crianças cegas e com baixa visão na
perspectiva de trazer conceitos por meio da recepção de informações na construção de imagens
46
Pessoas com surdocegueira pré-linguísticos são aquelas que adquirem a surdocegueira antes de terem uma forma de
comunicação efetiva. Nesse grupo incluem-se pessoas com surdocegueira congênita.
47
Na próxima seção teremos explanação das formas de comunicação de maneira detalhada
96
mentais. O sistema háptico não é relacionado somente ao sentido tátil, pelo tato por meio do toque,
mas, evidencia o sentido cutâneo pelo contato sinestésico que auxilia nessa percepção:
Quando conheci essa forma de comunicação social onde o sentido háptico é utilizado, fiquei
curiosa com suas formas de execução. Meu contato com ela despertou atenção para duas questões
importantes: a percepção da pessoa com surdocegueira enquanto a recebia, e a expressividade do
guia-intérprete ao realizá-la. Todos os movimentos no corpo da pessoa com surdocegueira
pareciam calculados e precisos, com todas as suas entonações no pressionar das mãos do guia-
intérprete no corpo do dela.
48
Nascida e criada na Finlândia, Riitta é pesquisadora sênior e líder do grupo de pesquisa Social-Haptic
Communication, que faz parte do grupo de pesquisa ISE (Intensive Special Education) da Universidade de Helsinque,
Finlândia. Disponível em: https://www.russpalmer.com/about-riitta Acesso em: 14 nov. 2022.
49
Russ é Musicoterapeuta Internacional e Praticante de Terapia Vibroacústica. Nascido severamente surdo, Russ tem
Síndrome de Usher, uma condição genética que causa uma deterioração da visão e da audição, deixando você surdo e
cego. Ele é surdocego registrado e usa dois implantes cocleares (ICs). Disponível em:
https://www.russpalmer.com/about-russ Acesso em: 14 nov. 2022.
97
e Comunicação Háptica para pessoas com surdocegueira”50, onde ele aponta quatro funções
principais.
50
Live acessível em https://www.youtube.com/watch?v=5M5HNfp8qCA&t=12s Acesso em 21 abr. 2022.
51
Riitta Lahtinen e Russ Palmer, fazem parte da Associação Finlandesa para Surdocegos. O site da associação carrega
detalhes sobre o trabalho realizado com surdocegos na Finlândia, bem como detalhamento, artigos e vídeos sobre a
comunicação social háptica. Disponível em https://kuurosokeat.fi/ Acesso em: 21 abr. 2022.
52
As haptices são elementos gramaticais que compõem uma mensagem. Se compararmos com a língua portuguesa
seria a informação contidas em uma palavra, sendo assim as haptices = palavras. Na próxima seção exploraremos mais
as estruturas linguísticas que compõem a comunicação social háptica.
98
53
Esses elementos serão abordados detalhadamente na próxima seção.
54
A próxima seção aprofunda os termos e suas respectivas referências.
99
Fonte: a pesquisadora.
100
Fonte: a pesquisadora.
Fonte: a pesquisadora.
Outra função é o mapeamento de espaços e objetos realizado com o desenho nas costas
da pessoa com surdocegueira. Essa descrição auxilia na prevenção de acidentes, autonomia e ainda
resgate da memória visual. Um exemplo dessa função é destacado a seguir no mapeamento de uma
estante de livros.
Fonte: a pesquisadora.
As três vertentes apresentadas evidenciam a importância da comunicação social háptica
para pessoas com surdocegueira. Cabe ressaltar, que a pessoa com surdocegueira é o alvo do
102
atendimento e utilização dessa comunicação, por isso, precisa estar de acordo e se sentir confortável
em utilizar a comunicação. Dessa forma, tem total direito e poder de decisão sobre o próprio corpo
e o toque recebido.
55
Ouvinte vidente é o termo utilizado para designar as pessoas que possuem os sentidos de visão e audição preservados.
103
informação que me está sendo passada. Eu tenho um acesso completo a todas essas
informações. (PARTICIPANTE 1 apud VILELA 2018, p. 111).
Fonte: a pesquisadora.56
Em consonância com essa experiência, assim como construí a trajetória de apropriação
dessa comunicação, os participantes desta pesquisa de doutorado também construíram, passo a
passo rumo ao desconhecido, estranho, fascinante e encantador “outro”. O “outro”, que recebe a
comunicação social háptica, corrobora e coaduna com o “eu”, que realiza a comunicação e sente-
se parte desse “outro” quando tocado no corpo e significado a partir do entendimento e inteireza
de informações que a comunicação social háptica proporciona. O autor Le Breton (2019) traz as
perspectivas do corpo ao sentir o toque do outro significando a comunicação:
56
Ilustração em Vídeo elaborado como material complementar, a fim de exemplificar a utilização da Comunicação
Háptica como meio de ampliar a compreensão da mensagem transmitida ao surdocego quando utilizada em conjunto
com a LIBRAS Tátil. Disponível em: https://youtu.be/_VVSzslxBB4.
104
No sentido cinestésico evidenciado pela percepção e no contato com o outro, a pessoa com
surdocegueira atribui ideias e constitui pensamentos pela captação e apreensão das informações,
assim a aprendizagem acontece por meio do corpo:
[...] o que se aprende pelo corpo não é algo que, como um saber, se possa segurar diante
de si, mas é algo que “se é”, e se refere também à ideia de que o saber aprendido pelo
corpo, entendendo este saber como um esquema de sistemas de investimento social que o
corpo incorpora, não é palpável. O corpo não representa um papel, não interpreta um
personagem e sim se identifica com este formato determinado socialmente, constituindo
a partir deste formato a imagem de si, como a imagem que o conforma enquanto indivíduo
e por isso mostra o “que ele é”. (BORDIEU apud MEDEIROS, 2011, p. 123).
No segundo semestre de 2020[...], fiz o curso de formação de guia intérprete, com ênfase
nas Libras tátil e comunicação háptica. Esse curso foi muito importante na minha
57
Narrativas completas disponíveis no Anexo C.
105
formação acadêmica, como atuo com surdocegos que utilizam a Libras tátil [...] me fez
entender várias ‘nuances’, de como o surdocego se apropria da comunicação háptica.
Nesse curso também, tivemos alguns cursistas que são surdocegos, esses cursistas
relataram suas experiências pessoais, o que foi muito importante para a nossa formação.
(SAMUEL).
Eu já realizo a comunicação tátil e háptica com os surdocegos. Já fazem alguns anos desde
quando conheci a [...]. A primeira comunicação usada foi a tátil, eu não sabia nada
referente a comunicação háptica. Até que através da [...], que trouxe para nós um pouco
de informações sobre esse tipo de comunicação háptica, que veio para agregar. Nós
começamos a desenvolver com a [...], alguns sinais novos, adotados para ela. Por ela ser
uma surdocega que adquiriu a língua de sinais e depois ficou surdocega. (LETÍCIA).
A participante desenvolveu sinais novos com a pessoa com surdocegueira a partir das
necessidades diárias de acesso à informação, partindo da premência de ser entendida e entender
seu entorno. A participante Ivonete, realizava de maneira intuitiva os sinais que posteriormente
descobriu que faziam parte da comunicação social háptica.
Eu não sabia, o que era comunicação Háptica, pelas vezes que eu estive com o Leandro e
com a Charlie, nós saímos para fazer alguns passeios; a Charlie com criança no colo, com
as mãos ocupadas; eu ficava de guia-interprete do Leandro; eu costumava perguntar, o que
eu deveria fazer para avisar a ele as coisas.[...] ela acabava me passando as dicas,
explicando como eu deveria fazer; que ela fazia os sinais diretamente na mão dele. Hoje
eu entendo, que era uma forma de comunicação Háptica [...] Também tive a oportunidade
de ver o vídeo, [...] aquelas músicas, a moça sinalizando e eu achei maravilhoso, muito
bonito58 (IVONETE).
A ânsia de auxiliar a família da pessoa com surdocegueira e a mãe com criança de colo, a
levou a buscar aprofundamento da comunicação no atendimento efetivo. A participante Ana Lis,
iniciou seu contato com pessoas com surdocegueira e todos os tipos de comunicação no contexto
religioso e no nosso curso de pesquisa-formação:
58
O vídeo mencionado pela participante encontra-se no Youtube disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=A3U0EWH1XuU&t=24s.
106
Assim como Ana Lis, Acsa e Rebeca desenvolveram a mesma experiência, às vezes
trabalham em equipe com revezamento para atender à pessoa com surdocegueira.
Certa vez me chamaram para conversar com a Cristina, então começou aquele processo
de aprendizagem. Com isso eu acabei tendo amor a pessoa, cria um vínculo muito grande.
A Cristina ela é um doce de pessoa, acabamos apreendendo um monte de coisa com ela.
(REBECA).
A participante Acsa além da experiência com a pessoa com surdocegueira que utiliza Libras
tátil, relata a experiência com o tadoma59:
A minha experiência como guia-intérprete [...] tive um contato com a Cristina minha
amiga surdocega. Nós utilizamos a comunicação háptica e a Libras tátil. Com outros
surdocegos, a [...] já nos visitou então usei o tadoma com ela. São os dois tipos de
comunicação que eu sei, que eu tenho experiência. (ACSA).
Acsa: “Ai! Sai menina, olha o que você está fazendo comigo!”
Acsa: [...] A Cristina, foi maravilhosa porque ela aguentou muito, eu empurrava ela às vezes. Eu não sabia, foi
horrível no começo. Uma experiência mesmo que eu tive com a Cristina, foi quando eu fiquei 5 dias com ela;
comendo, dormindo [...] E ela meio que entrou na onda e acabou que a gente aprendeu junto.
59
Comunicação onde o surdocego coloca a mão sobre a face e aparelho fonoarticulatório do guia-intérprete. O
surdocego consegue captar a fala por meio da vibração das cordas vocais e movimento dos lábios e face.
107
Fonte: a pesquisadora.
Acsa menciona que obteve grande parte das informações sobre a comunicação social
háptica com uma amiga que apontava o que estava certo e errado, orientando durante o processo.
Aconteceu um vínculo de amizade entre guia-intérprete e a pessoa com surdocegueira e a parceria
acontece em diversos espaços de atuação.
A participante Nalva é mãe de um jovem em fase de transição, ele é surdo e tem perdido
gradativamente a visão.
Tenho um filho surdocego, com 22 anos, atualmente ele possui baixa visão, utilizo Libras
tátil com ele em vários momentos e Libras em campo reduzido. Tenho muito contato com
o [...] e com a [...], uso Libras tátil com eles e em alguns momentos uso a comunicação
háptica. [...] Já fiz uso dessas comunicações: Libras tátil, comunicação háptica e Libras
em campo reduzido. (NALVA).
Nalva tem buscado apoio com outras pessoas com surdocegueira para auxiliar seu filho na
transição e apropriação da identidade relacionada a surdocegueira, que se difere da surdez e
cegueira isoladamente. A participante Lili está em estágio inicial de seu trabalho na área de
surdocegueira
O trabalho com a surdocegueira eu ainda estou iniciando [...] nós recebemos um surdo,
que ficou surdo já adulto, e agora já está com baixa visão, com o passar do tempo ele foi
perdendo, mais ainda há visão, hoje ele enxerga bem menos, e já está fazendo o uso da
bengala. Este ano estava programado para eu fazer o curso na Ahimsa, mas por conta da
pandemia eu não pude ir, [...] eu não tenho curso especifico nessa área [...] (LILI).
Eu já sou Intérprete há 10 anos. Comecei estudar LIBRAS porque conheci uma pessoa, a
Mary. Ela tinha 2 filhas surdas, e sempre que ela estava conversando ao mesmo tempo as
filhas dela queriam interagir. Então eu perguntei como eu fazia para aprender, foi quando
fui aprender LIBRAS. Depois fui fazendo outros cursos e comecei a interpretar para as
meninas [...] Depois de uns 3 anos, as meninas começaram a perder a visão, foi então, que,
eu descobrir o que era a síndrome de Usher. Tudo o que eu aprendi sobre guia-intérprete,
aprendi com a própria Japinha. Ela foi para uma escola de cegos que tem aqui na cidade.
As coisas que ela foi aprendendo também fui aprendendo com ela. (MILLA).
A partir desse ano comecei a fazer a interpretação [...]até então era apenas LIBRAS, mas,
há uns 3 anos, mais ou menos, ela tem a síndrome de Usher, com o tempo vem perdendo
a visão. Dos três anos para cá, passamos a utilizar a LIBRAS tátil, porque a visão dela
durante a noite é bem restrita, então nós fazemos a Libras tátil. (SÍLVIA).
Sílvia, assim como Merivani, não conheciam a comunicação social háptica, mas
evidenciaram o desejo em aprender e utilizar com as pessoas com surdocegueira que conhecem:
A Libras tátil foi o ponto de partida dessa participante na comunicação com a pessoa com
surdocegueira. A participante Marcela realizou vários cursos online na área de surdocegueira, além
dos cursos de estratégias de interpretação e comunicação social háptica, carrega algumas
experiências e práticas de atendimento à pessoa com surdocegueira.
Márcia: Ele estava muito inquieto porque ele não entendia o que havia acontecido com ele. Por conta da meningite
ele acabou perdendo a visão também, ela foi forte que acabou paralisando os órgãos dele, e nós não sabíamos como
tratar com ele. Ele acabou ficando em coma induzido. [...] Então o hospital liberou para que eu entrasse na UTI,
quando entrei, ele já tinha saído do coma, mas sem saber o que havia acontecido. Então comecei a fazer alguns
toques nele, eu não sabia exatamente em quais lugares tocar porque também tinha ocorrido uma perda na
sensibilidade ao toque em certas regiões.
Eu percebi, que deveria tocar na parte do ombro dele e de fato assim que toquei nessa área ele logo parou, ele já me
conhecia, então me identifiquei com o meu sinal, e eu percebi que a respiração dele mudou e começou a entender
o que estava acontecendo ali. Com poucos sinais hápticos eu consegui explicar para ele o que estava acontecendo,
foi quando ele se acalmou. Foi um momento muito forte, mas que a comunicação haptica levou para ele um pouco
de segurança, saber o que estava acontecendo.
Fonte: a pesquisadora.
Márcia menciona que percebeu o ponto de sensibilidade no ombro do jovem e foi a parte
do corpo que ela utilizou para iniciar a comunicação e trazer informação. O relato impactou a todos
que estavam presentes na aula. Nessa perspectiva, utilizada por Márcia, a comunicação social
háptica trouxe tranquilidade para um jovem que naquele instante não possuía outra forma de
comunicação.
A narrativa de Charlie, esposa do Leandro (pessoa com surdocegueira), sobre a
comunicação social háptica também é desenvolvida a partir de necessidades diárias, formas de
interação, e troca de informações:
Charlie: [...] como que a comunicação do ser humano ela é automática, eu nunca tinha pensado em comunicação
haptica; mas, como surgiam as dificuldades no dia a dia, eu fui desenvolvendo alguns sinais sem saber de nada, por
110
exemplo, eu comecei a avisar o Leandro nas costas, o de ir embora com os dedinhos de caminhar, e desenvolver
sem saber o sinal de esperar.
Fonte: a pesquisadora.
Durante o curso, Charlie nos mostrou essa estratégia utilizada por ela e pelo esposo
Leandro. Outras habilidades foram desenvolvidas depois que ambos tiveram a oportunidade de
fazer um curso de estratégias de guia-interpretação onde aprenderam sinais hápticos que se
somaram àqueles já criados:
Em resposta à narrativa de Charlie, Leandro completa, enquanto ele sinaliza em Libras ela
faz a voz dele60:
[...]vou explicar como é a guia-interpretação. Sim eu sou surdocego e sou casado, a Charlie
interpreta para mim, e aprendemos alguns sinais de comunicação háptica, por exemplo,
´´espera´´, às vezes ela está com as mãos ocupadas, no dia a dia ela usa esse sinal de
esperar para mim. É muito importante essa comunicação e a prática. Porque o surdocego
ele não está vendo, então ele precisa desse engajamento, esse envolvimento, para não ficar
em defasagem. Precisa dessa igualdade, então a comunicação, a Libras tátil, esse toque,
esse contato, essa interpretação, é muito importante, eu queria agradecer. (LEANDRO).
Quando você falou de sinalizar alguma coisa quando a pessoa já está conversando, é muito
verdade. A Cristina é muito comunicativa, então quando estávamos no maanaim e dava a
hora do café ou almoço, sempre vinha alguém para conversar com ela, então sempre
fazíamos um sinal de comer no ombro dela para avisar que era a hora de comer, senão ela
não ia conseguir ir comer. (REBECA).
60
Fazer a voz do surdo é uma forma de relacionar a interpretação direta, onde a sinalização na Libras é traduzida para
o Português na modalidade oral.
111
entendidos. Por outro lado, vivi uma experiência marcante ao ouvir a cada consulta, as batidas do
coração do bebê e tive o privilégio de acompanhar o parto. No papel de intérprete e amiga
compartilhei a emoção da espera e chegada do filho.
Fonte: a pesquisadora.
61
Letra da música disponível em: https://www.letras.mus.br/nando-reis/556810/ .Acesso em: 07 out. 2022.
113
[...] uma educação inclusiva pressupõe a educação para todos, não só do ponto de vista da
quantidade, mas também da qualidade. O que significa que os alunos devem se apropriar
tanto dos conhecimentos disponíveis no mundo quanto das formas e das possibilidades de
novas produções para uma inserção criativa no mundo. Nessa perspectiva, a escola
inclusiva deve estar disposta a adaptar seu currículo e seu ambiente físico às necessidades
de todos os alunos, propondo-se a realizar uma mudança de paradigma dentro do próprio
contexto educacional com vistas a atingir a sociedade como um todo. (ALVES, 2022 apud
CUNHA 2008, p. 37).
[...] Na escola tinha separação de quem tinha implante, de quem usava aparelho e de quem
era surdo, mas naquele tempo era oralização, não tinha Libras. Então tinha que fazer
fonoaudiologia para usar a fala para a comunicação. Chorava bastante, tinha medo, e a
professora mandava, porque não era permitido usar sinais [Libras] na escola. [...]
(LEANDRO).
62
Artigo “Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos, disponível em:
https://www.scielo.br/j/ccedes/a/wWScZsyPfR68rsh4FkNNKyr/?lang=pt Acesso em 14 set. 2022.
114
Além das características descritas por Lacerda (1998), quanto às barreiras impostas pelo
espaço educacional, Japinha em sua narrativa compartilha: “Consegui terminar o terceiro ano do
ensino médio depois de alguns anos, não tinha essa inclusão, não tinha o intérprete, mas sempre
quis fazer faculdade de pedagogia, [...] recebi um convite para entrar na faculdade, hoje eu já estou
finalizando [...]” (JAPINHA). Na percepção dela, entende-se que houve um avanço no aspecto
inclusivo em espaços de conhecimento.
Cristina compartilha sobre uma criança que conheceu, que por sua vez, enfrentou obstáculos
para ingressar e ser atendida com qualidade em espaços educacionais em sua cidade. A criança
mencionada por ela é considerada como pessoa com surdocegueira congênita:
Vida de surdocego não é fácil. Criança que nasce surdocego é diferente. Conhece nada no
mundo. Eu conheci uma criança assim, 11 anos de idade e não conhecia o próprio nome.
Hoje ele sabe o nome, processo, hoje ele aprendeu Libras, criança de Cariacica. Muito
difícil, família também não tem renda, muito pouco. Então o intérprete ajudou muito e até
hoje continua ajudando. Tiveram que colocar na justiça para conseguir entrar na escola e
ajudar o processo de desenvolvimento educacional dele. (CRISTINA).
63
Os temas abordados são: “O surdocego e o paradigma da inclusão”; “Eixos de acessibilidade: caminhos pedagógicos
rumo à universidade inclusiva”; “Assistência às pessoas com deficiência e o paradigma da inclusão”; e “Normalização
na prática pedagógica e constituição do conceito de inclusão nas escolas comuns da educação básica”.
115
O paradigma da educação inclusiva inverte a lógica do modelo de escola que atua para
confirmar as capacidades hierarquicamente selecionadas e passa a entender o potencial
presente na capacidade de cada um de construir conhecimentos, individual e
coletivamente. Um novo estatuto epistemológico está sendo construído e revoluciona o
entendimento e a prática de ensinar e aprender de alunos com deficiência. Não se trata de
um novo caminho metodológico e sim de uma ruptura definitiva com as formas
tradicionais de entender e lidar com o conhecimento [...]. (INCLUSÃO, 2005, p.2).
Não existe meio termo nessa questão, não dá para ser mais ou menos acessível, não dá
para apenas atender à demanda – “quando chegar o aluno, a gente muda o espaço”. Trata-
se, inclusive, de exigência legal para autorização e de reconhecimento de cursos [...].
(COSTA-RENDERS 2007, p.17).
Descrição: Recurso 1 - Mão em feltro com velcro para realização do alfabeto manual tátil
Fonte: a pesquisadora.
O primeiro recurso foi desenvolvido para uma menina com surdocegueira com capacidade
motora manual comprometida. O recurso à auxilia na montagem das letras do alfabeto datilológico
que não é possível em sua própria mão.
O segundo recurso auxilia, tanto a menina com surdocegueira, quanto um menino com
surdocegueira que reconhece os elementos por meio do tato, as letras do alfabeto e os números.
Utilizar o recurso para confeccionar as palavras e conferir se estão corretas. Quando se pensa no
contexto escolar, na inclusão de pessoas com surdocegueira, as autoras Sandra Sâmara Pires Farias
e Shirley Rodrigues Maia (2007) compartilham que:
A discussão sobre a inclusão de alunos com surdocegueira no ensino regular ainda é muito
tímida, essa inclusão envolve questões tais como: as diferentes concepções de deficiência,
conhecimento dos estilos de aprendizagem e as reais necessidades de comunicação dessa
população. Muitos questionamentos são feitos por profissionais: Como ele se comunica?
117
Como pode haver inclusão, se não sei me comunicar com ele? O que significa incluir de
fato um surdocego? (FARIAS; MAIA, 2007, p. 26).
[...] como nossas vidas, nos corrigimos todos os dias, falta muita coisa, falta acessibilidade
nas faculdades, inclusão, muito difícil, eu tentei UFES (Universidade Federal do Espírito
Santo), passei na primeira fase, na segunda fase eu não passei [...] em uma turma inteira
de surdos e ouvintes, eu fiquei em trigésimo lugar, não tem inclusão, eles incluíram nos
documentos, nos editais, mas ainda falta muita coisa. Eu não tenho direito a vaga porque
no passado eu era visual e ouvinte, concluí o ensino médio em escola particular, isso não
pode ser uma regra, precisa lutar por isso, porque a vida das pessoas mudam, pessoas
nascem normal e podem envelhecer numa cama, as coisas mudam, governo precisa mudar
essas regras também, as condições financeiras na época eram melhores quando eu me
formei no ensino médio, apesar de eu ser bolsista também (CRISTINA).
64
O instrutor mediador é o profissional que presta atendimento às crianças surdocegas congênitas em espaços
escolares, utilizando estratégias de desenvolvimento de comunicação e adaptação de materiais pedagógicos para
efetiva inclusão.
118
com surdocegueira em especial, tornou-se meu amigo, proporcionou uma experiência interessante
ao permitir que testasse e desenvolvesse várias formas de comunicação. Nasceu surdo, e aos cinco
anos de idade ficou totalmente cego, nesse período (de zero a cinco anos), não aprendeu a língua
de sinais, que é a língua natural dos surdos. Aos nove anos iniciou seu processo de alfabetização,
antes disso não conseguiu acesso às escolas regulares.
Quando penso na inclusão de pessoas com surdocegueira congênita, reflito sobre o trabalho
do instrutor-mediador. Esse profissional irá buscar e descobrir uma forma daquela criança que é
uma caixinha de surpresas65 se comunicar, e ele sempre se questiona: "O que será que essa caixinha
tem?” Então, o trabalho deste profissional é desvendar cada aspecto dessa caixinha, é um grande
desafio do profissional instrutor-mediador. Uma base essencial para a inclusão de pessoas com
surdocegueira está pautada na transdisciplinaridade, mencionada por Farias e Maia (2007):
Nesse cenário, julgo importante o conhecimento da história de Helen Keller uma pessoa
surdocega americana, que evidencia a perspectiva de superação e possibilidades ao invés de
limitações. Foi a primeira pessoa com surdocegueira a se formar em um bacharelado, aprendeu a
falar 4 línguas e teve um aprendizado notável. Escreveu 14 livros que foram traduzidos para
diversos idiomas, é uma referência significativa para a comunidade surdocega, e os feitos
realizados por ela ecoam.
Helen Keller contribuiu para mudar a perspectiva da educação das pessoas com
surdocegueira no Brasil, uma vez que muitas ações e políticas públicas desenvolvidas devem-se à
sua visita ao país no ano de 1957, quando muitos foram mobilizadas a buscarem aprendizado e a
realizar a inclusão dessas pessoas. Uma delas foi a professora Nice Tonhozi Saraiva. A presença
de Keller alterou uma estrutura que estava engessada, no período da ditadura militar obteve-se os
maiores avanços dentro da educação de alunos com surdocegueira.
65
Escrevi um pequeno artigo sobre o tema: “Surdocegueira: uma caixinha de surpresas”, disponível em
https://editoraappris.com.br/noticias/ver/161-surdocegueira-uma-caixinha-de-surpresas acesso em 06 jun. 2022.
119
[...] a formação de TILS66 oferecida por uma instituição brasileira, a UFG, está articulada
com uma forte influência da área de linguística e literatura, se comparada com a formação
oferecida para tradutores de línguas orais na UAB. Estes resultados coincidem com o
estudo de Ferreira (2015), que afirma que os cursos de TILS no Brasil são genéricos, estão
demasiado vinculados aos cursos de Letras e não oferecem uma especialização em áreas
profissionais. Neste sentido, consideramos necessário maior autonomia dos cursos de
formação de TILS – e de tradutores e intérpretes –, em relação aos cursos de Letras.
(FARIA, 2018 p. 282).
66
Tradutor Intérprete de Língua de Sinais
67
Textos completos em QUADRO 5: objetivos dos Cursos de bacharelado em Letras Libras
68
O recorte dessa pesquisa contempla a formação do Curso de Letras Libras oferecidos em Universidades Federais
Brasileiras.
69
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFSC.
70
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFRJ.
120
71
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFG.
72
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFES.
73
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFRGS.
74
Wharlley Martins dos Santos, assinatura Wharlley dos Santos, é Graduado em Bacharelado em Letras-Libras, Mestre
e Doutorando em Estudos da Tradução pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET) da
Universidade Federal de Santa Catarina com Bolsa da Capes Excelência e Professor Substituto (com anuência da
PGET) na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Membro do Núcleo de Pesquisa em Interpretação e
Tradução de Línguas de Sinais - Intertrads, sob liderança do Prof. Dr. Carlos Rodrigues e no Grupo de Pesquisa
Pedagogia e Didática da Tradução e da Interpretação, sob liderança da Prof. Dra. Maria Lucia Barbosa de Vasconcellos
e do Prof. Dr Felipe Mendes Neckel. Ainda atua como Professor de Estudos da Tradução desde 2015 ministrando
cursos e organizando eventos presenciais e online voltados para a formação de Tradutores e Intérprete de Libras-
Português. É Idealizador do curso Traduz Aí: descomplicando a tradução e a interpretação de Libras-Português que
foi ministrado na SIGNA (2019-2021). Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/8067317905364344
Acesso em 20 mai. 2022.
121
Wharlley: A minha experiência em guia interpretação, ela tem 3 anos de duração, foi com rapaz que têm
descendência árabe, que mora aqui em Florianópolis o nome dele é [...] e esse é o sinal [mostra o sinal dele em
Libras]. Eu fui convidado a acompanhar ele em um curso de especialização em educação de surdos, no instituto
federal de santa Catarina no campus Palhoça Bilingue, é uma instituição em nível federal e muito conhecida, por
ser uma das únicas instituições federais em nível de américa latia, que em seu perfil formativo trabalha as questões
relacionadas ao bilinguismo, desde cursos iniciais de formação continuada até cursos de pós-graduação. Todos seus
funcionários são bilíngue, todos os alunos que lá entram independentemente da situação, sendo surdo ou ouvintes,
precisam aprender a língua de sinais, é um ambiente altamente bilíngue. Eu tive a oportunidade de estar lá como
intérprete, servidor público de 2015 até 2018, nesses 3 anos eu atuei com o [...] nessa pós-graduação. O [nome do
surdocego] é alfabetizado, ele possui uma família que deu a ele toda as possibilidades possíveis dele ingressar na
sociedade, [...] aqui em Florianópolis e ele tem síndrome de Usher assim como seu irmão de 16 anos, que já perdeu
a visão totalmente. Atualmente ele está cursando mestrado no Rio de Janeiro no Instituto Federal de Educação de
Surdos. Essa é a bagagem que eu trago de guia interpretação. Eu comecei sem saber absolutamente nada, muita das
coisas eu fui descobrindo com ele e aprendendo com a Professora Elaine.
Fonte: a pesquisadora.
A pessoa com surdocegueira mencionada é considerada pós-linguística e perdeu a visão
devido a síndrome de Usher, ou seja, passou pelo processo de adaptação na aquisição da
surdocegueira. O relato do professor evidencia que a surdocegueira não foi barreira impeditiva no
processo formativo desse sujeito, visto que, passou pelo processo de formação a nível de
graduação, pós-graduação lato sensu e stricto sensu.
Sobre a experiência de comunicação utilizada por essa pessoa com surdocegueira e o
atendimento prestado, o professor convidado ressaltou uma particularidade:
Wharlley: Ele possui uma particularidade, ele só usa uma mão, a forma de imput dele de aquisição linguística é
apenas com uma mão, ele não gosta de utilizar das duas mãos, ele usa só a mão esquerda como a mão receptora de
informações linguística, e para mim foi um grande desafio, porque todos os surdocegos que eu tinha acompanhado
até então, utilizam as duas mãos, diferente dele que só utilizava uma das mãos. O que me gerava um cansaço físico
122
muito maior, tendo em vista que apenas um lado do corpo servia como apoio, geralmente ele se sentava a minha
direita e eu fazia a guia interpretação para ele.
Fonte: a pesquisadora.
Além das experiências práticas o professor compartilhou com a turma as pesquisas
desenvolvidas no âmbito da área de estudos da tradução atrelados à guia-interpretação. Um
conceito abordado por ele foi sobre a modalidade de transmissão e recepção da língua, onde
explicitou conceitualmente as modalidades, oral-auditiva, visual-gestual e tátil-cinestésica. O
professor articulou vários questionamentos, provocando os alunos a refletirem sobre as teorias e
práticas relacionadas ao trabalho de tradução e interpretação.
Wharlley: Primeiramente vamos tratar sobre a história da tradução, por que é importante a gente conhecer a história
da tradução? Porque o conceito de tradução, ele vai sendo modificado com o passar do tempo, ele surge em um
contexto que está registrado nas Sagradas Escrituras com a construção lá da torre de babel, onde nós temos a
confusão das línguas, e a partir dessa confusão de línguas foi necessário que tivessem pessoas que dominassem
diferentes idiomas para propiciar a comunicação. A partir daí nós temos o surgimento da interpretação, nos registros
históricos isso deve ter acontecido entre 2420 e 2500 aC. Não há um registro preciso; mas, na sagrada escritura nós
temos um relato bem detalhado sobre esse fato. Inclusive é utilizado dentro da academia, das universidades a como
justificativa a explicação para a existência de múltiplos idiomas no mundo.
Fonte: a pesquisadora.
Enquanto o professor explana sobre as questões relacionadas à tradução e interpretação,
presenciamos em nosso curso um momento marcante em que tínhamos uma surda assistindo a aula
como convidada e decorrente disso, tínhamos três formas de comunicação diferentes
concomitantes: Libras, Libras tátil e grafestesia (escrita na testa).
123
Wharlley: Posterior a isso, veio a escrita e a escrita foi desenvolvida mais ou menos 5000 antes de Cristo a gente
já tem os primeiros registros, até que se consolida em 1000 aC o processo de escrita. Com o processo de escrita o
registro desses fenômenos tradutórios bem mais palpáveis, porque a gente tem o registro. Então tudo que é traduzido
está registrado em um tipo de suporte, já a interpretação não tem registro. A produção dela em si, ela é feita sem
nenhum tipo de registro e ela automaticamente se efervesce, é como um comprimido de aspirina, você coloca na
água e ele se dissolve. A interpretação é exatamente dessa forma, ela não deixa registros por si só, a não ser que,
como nós estamos aqui, ela está sendo gravada, mas a gravação não faz parte do processo. É um processo externo
a produção da interpretação. Já à tradução o registro é automático, à medida que eu traduzo eu estou registrando
então sempre que eu vou traduzir esse registro já está sendo feito automaticamente. Então a tradução ganhou muito
espaço em detrimento da interpretação, exatamente pelo fato de se ter um registro e até hoje a gente tem aquela
famosa pergunta: É tradução? É interpretação? O que é?
Fonte: a pesquisadora.
Nessa perspectiva abordada pelo professor sobre o produto da tradução gerado a partir da
escrita, retomo a percepção do mesmo trabalho, mas voltado para o texto oral. Sendo assim ressalto
a definição dos conceitos de tradução e interpretação, embora muitas vezes ambos sejam tratados
como se contivesse os mesmos processos eles divergem de maneira substancial. De acordo com
Hurtado (2005) a tradução é um “[...] processo interpretativo e comunicativo que consiste na
reformulação de um texto com os meios de outra língua e que se desenvolve em um contexto social
e com uma finalidade determinada” (HURTADO, 2005, p. 41).
As abordagens compartilhadas pelo professor Wharlley e minha experiência como
intérprete corroboram com o conceito definido por Hurtado (2005) para a tradução, que consiste
124
75
Significado de Léxico - substantivo masculino - Vocabulário; reunião dos vocábulos de uma língua. [Linguística]
Reunião de todas as palavras que existem numa língua.
125
Wharlley: Não! Porque do ponto de vista linguístico, defendendo o estruturalismo de Saussure que fala o que que
é uma Língua, esse é o meu locus de enunciação, é de onde eu estou falando. Saussure define que para ser uma
língua ela precisa ter níveis linguísticos. Que níveis linguísticos são esses? Fonética, fonologia, morfologia, sintaxe,
semântica e pragmática. A comunicação haptica não possui todos esses níveis. Eu a consideraria com o processo
no nível fonético, porque existem formas específicas de produzir um sinal [...] então existe aí uma diferenciação
fonética. Cada sinal háptico é produzido em uma organização de mão diferente e ele vai ter um sentido, ou seja, ele
vai ter um significado.
Fonte: a pesquisadora.
Nesse discurso, o professor identifica a fonética, fonologia e semântica aplicada à
comunicação social háptica, não encontrando os elementos morfológicos. A morfologia consiste
na derivação de palavras, dessa forma a pergunta do professor aos alunos foi: “Seria possível a
derivação de sinais hápticos assim como na Libras?”. Como não houve argumentos em resposta
ele completou:
Ainda não é possível. Então, não temos um nível morfológico se a gente não consegue
derivar as palavras [assim] como a gente consegue em libras, através da expressão [facial]
a gente faz a derivação,mas para a comunicação háptica a gente não tem derivação. Então,
não temos o nível morfológico, não tendo o nível morfológico não pode ser considerado
uma língua. Isso é o olhar de Saussure estruturalista, que olha a língua como uma estrutura.
Pode ser que a gente encontre outros teóricos que vão observar a comunicação háptica de
uma outra forma. (WHARLLEY, 2020).
[...] Chomsky que vem com o gerativismo, ou seja, a língua é uma estrutura que em si e
ela gera novas estruturas. É possível que a gente encaixe a comunicação háptica como
uma língua no gerativismo? Pode ser que sim, como pode ser que não, a gente ainda não
tem pesquisas que definam a comunicação social háptica como uma língua, o que nós
sabemos até hoje, que é um recurso auxiliar de comunicação, isso nós já sabemos, porque
ela dá informações visuais para textos auditivos. Essa é a função dela atualmente então
cabe a nós pesquisarmos. (WHARLLEY, 2020).
Nesta narrativa, ele traz as compreensões marcadas pelas pesquisas de Avram Noam
Chomsky, linguísta norte-americano considerado pai da linguística moderna. Definiu o conceito
de que a língua está na mente do sujeito, pensando na competência e na performance, “Segundo o
pesquisador, os seres humanos possuem regras que permitem a eles distinguir as frases gramaticais
das frases agramaticais e perceber as relações que existem entre as palavras e entre as sentenças”.
(CHOMSKY 1957, apud PARREIRA, 2017 p. 1025). Parreira (2017) compartilha as percepções
de Saussure (2006) e Chomsky (1965):
É por esse motivo que Chomsky (1965) distingue - assim como Saussure (2006)
diferenciou língua de fala - a competência e a aplicação das regras, ou melhor, o
desempenho. Sua proposta é a descrição da diferença entre o conhecimento da língua e o
uso efetivo que o ser humano faz dela em situações concretas de fala. (PARREIRA, 2017
p. 1035).
Chomsky preocupava-se com a língua em seu uso, sem ater-se às regras gramaticais escritas
em sua oralidade. Portanto a língua acontece de maneira natural em suas relações sociais. O
Professor conclui a sua fala provocando os alunos e levando-os à pesquisa quando diz que: “Quem
sabe um mestrado na comunicação social háptica enquanto língua, temos aí um projeto de
mestrado? Quem sabe? Fica a dica para vocês!” (WHARLLEY, 2020).
Pós-aula ministrada, o professor Wharlley organizou comigo um minicurso, em 12 de junho
de 2021, com Ritta Lahtinen e Russ Palmer. Nesse encontro pudemos explorar a concepção da
comunicação social háptica para compreender e aprofundar os conceitos adquiridos. Atualmente o
professor compõe o Grupo de Pesquisa em Inclusão e Comunicação Social Háptica (GEPICSH)
como pesquisador e apoio técnico tecnológico.
essencial da Linguística Aplicada (LA). Cipriano (2018) define a origem desse campo a partir da
Linguística Tradicional e seu desenrolar na história:
A partir dos anos 1980 a concepção de LA foi ampliada com a investigação da língua em
seus contextos de uso. Nos anos 90 a LA atinge o status de campo do saber e não mais apenas de
disciplinas contidas em cursos de graduação de Letras, ocupando-se de práticas discursivas que
sustentam a língua. Dessa forma, aos poucos passou a ficar claro que a LA não é teoria da
constatação e fórmulas linguísticas, mas sim, conjecturas que relacionam teoria e prática.
(CIPRIANO, 2018).
De acordo com Cipriano (2018) a LA é um campo de estudos interdisciplinar,
transdisciplinar e intercultural, ela que se ocupa do estudo da língua em situação real, procurando
resolver problemas relativos a ela e contribuindo para a sociedade. A autora Gesser (2009) sob a
mesma ótica revela que:
Um exemplo dessa aplicação é a comunicação que uma bebê, filha do participante (pessoa
com surdocegueira) desenvolveu. A mãe compartilhou uma experiência:
[...] vou contar um pouco do que eu vivi. [Minha filha] era um bebê ainda, ela não
caminhava, mas no colo ela já entendia e percebia a dificuldade da surdocegueira, então
ela já era uma guia-intérprete. Como é o processo do desenvolvimento humano, ela era
bebê, sentada no braço do pai dela. Ela já guiava ele, e colocava a mãozinha na nuca e
direcionava ele onde ela queria. (CHARLIE).
No contexto de comunicação real foi estabelecida uma relação linguística sem palavras,
sem uma estrutura gramatical evidente, mas carregada de sentidos. A mãe continua o relato:
128
No supermercado eu tive essa experiência, eu falei que eles deveriam ficar no lugar porque
eu precisava ir buscar algumas coisas, quando eu voltei eles não estavam mais lá, imagina
o meu desespero. E ele [o pai] rindo a uns 5 metros de distância, porque ela tinha guiado
ele, eles se divertindo. (CHARLIE).
Baseada nesse contexto, percebemos que quando utilizamos a língua em contextos reais, a
comunicação acontece de maneira efetiva e o processo de ensino-aprendizagem se consolida nessa
relação significativa. Gesser (2009) estabelece a relação dos enunciados que são decorrentes no
contato com o outro. A autora demonstra que o enunciado, ou seja, a comunicação em sentido
natural, acontece por meio de estímulo e resposta. Ela menciona que:
Portanto, a LA não deve ser considerada como um procedimento apenas, mas, como um
campo que constrói saberes na relação teoria e prática da linguagem. A LA é ampla e abrange desde
a identificação de problemas até o reconhecimento e descrição das interferências socioculturais
percebidas na língua.
Apesar de utilizar o arcabouço teórico dos estudos da LA, não me deterei em sua aplicação
completa, uma vez que o principal objetivo, nesta pesquisa, é discutir a formação de guias-
intérpretes a partir da pesquisa-formação. Todavia, o marco teórico explicitado contribui para a
compreensão sobre os elementos linguísticos atrelados à Comunicação Social Háptica.
Charlie: Por exemplo: quando está no lugar conversando, demorando, que eu quero ir embora, que eu te aviso
escondido bem discreto: Você quer ir embora? Qual o sinal? (surdocego Leandro faz em língua de sinais).
Entenderam? Vamos embora! Esse eu tenho usado água (faz o sinal) [...].
Leandro (esposa faz a voz): O Leandro está falando sobre a inclusão que é muito importante, o nosso processo de
informação como guia-intérprete; para o surdocego, isso é muito importante; essa atenção, esse cuidado, a
interpretação, a tradução, isso é muito bom para saúde do surdocego, essa é a nossa vida, então parabéns, um forte
abraço.
Fonte: a pesquisadora.
76
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2017). Atualmente é
professor interlocutor do Governo do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Educação. Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/1154429071542191 . Acesso em 09 junh. 2022.
77
Mestrando em Ensino e História das Ciências e da Matemática na Universidade Federal do ABC (UFABC). Pós-
graduado em Educação Especial com ênfase em Deficiência Auditiva na Faculdade Educacional da Lapa (FAEL) e
Libras - Língua Brasileira de Sinais na Universidade Anhembi Morumbi (2020). Graduado em Tecnologia em Gestão
Comercial (2014) e Licenciatura em Matemática (2020) pela Universidade Anhanguera - Uniderp. Proficiência em
Tradução/Interpretação de Libras-Português pelo PROLIBRAS - MEC/UFSC (2015). Formação na Associação
Educacional para Múltipla Deficiência - Ahimsa de Guia-intérprete (2018) e Instrutor Mediador (2021). Atua como
Professor Interlocutor de Libras no Estado de São Paulo e Tradutor/Intérprete de Língua de Sinais-Português no Senac
São Bernardo do Campo. Colaborador de pesquisas no Grupo de Pesquisas em Tendências na Educação Matemática
(GPTEMa), Grupo de Pesquisa em Educação Especial e Inclusiva (GPEEI) e Surdos e Libras (SueLi).
130
Após a narrativa de Charlie, ela compartilha outros sinais criados para se comunicar com o
esposo. E o esposo encerra a partilha mencionando o quão importante é o acesso à informação por
parte do guia-intérprete. Nos sinais compartilhadas, percebo a utilização da linguagem que é
inerente ao ser humano, ou seja, um elemento natural. A comunicação é carregada de linguagem e
se constitui por meio dela em suas relações. Um dos principais objetivos da LA está atrelado ao
uso da linguagem. Gesser (2009) menciona que:
A linguagem não pode ser considerada apenas como a comunicação de um que comunica
e outro que recebe, de forma mecânica, exata, como a gramática prescreve [...] as
fronteiras são traçadas por alternâncias entre os sujeitos enunciadores, e são delimitadas
pela instância social e não apenas pelos fatos de ordem lingüística. Por alternância,
podemos compreender que a nossa comunicação sempre depende da resposta do outro.
(GESSER, 2009 p.14-15).
Vilela (2018) traça em sua pesquisa a explanação da forma como Helen Keller adquiriu a
linguagem por meio do processo educacional, significando cada etapa da aprendizagem. A
comunicação permitiu que Helen Keller se tornasse uma pessoa capaz de se socializar: “De repente
senti uma consciência envolta em um nevoeiro, como de algo esquecido – o eletrizar de um
pensamento que voltava; e de algum modo o mistério da linguagem foi revelado a mim.” (KELLER
2003 apud VILELA 2018, p. 43). Fiorin (2013) corrobora com o conceito sobre linguagem:
CENA 31: EXPERIÊNCIA DE UMA PESSOA CEGA COM A COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA
Janete: Ela faz a construção imagética, ela reconstrói aquilo que ela já viu antes, porque ela ficou cega em 2006,
2009 alguma coisa assim entendeu? Então assim, a memória dela é reativada, a memória visual dela é reativada,
então quando a gente faz a descrição ela fala assim: nossa eu estou vendo! E tem aquelas arvores assim, e tem aquele
espaço assim, e ela gosta dos detalhes porque por exemplo: o chão, a lateral, se tem uma cerca, a gente detalha para
ela tanto na descrição espacial quanto auditiva, então a gente vai fazendo, vai falando e isso para ela é extraordinário.
Fonte: a pesquisadora.
O Professor Marcos explicita o quanto é importante o processo de aprendizagem e o nosso
papel enquanto profissional da área de inclusão que é de levar conhecimento a todos. A princípio
pode parecer desnecessário, mas ao transmitir novos conceitos sempre encontramos um fim
proveitoso:
[...] a gente ensina Libras, a pessoa não precisa utilizar, mas ela pode aprender para se
comunicar com outras pessoas. Então assim não precisa criar uma regra, eu falo isso
porque eu tenho no estado, eu tenho alunos surdos. Na verdade, eu tenho aluno com baixa
audição. Ele consegue ouvir bem com o aparelho, só que eu ensino Libras para ele. Ele
não precisa utilizar Libras porque ele fala muito bem, mas a Libras ajuda a ele ter um
entendimento melhor e ele adora [...] é importante a gente oferecer. É importante ter
disponível isso, e isso cabe muito a nós que estamos aprendendo durante o curso a
disponibilizar isso para as pessoas, tanto que tem uma pessoa cega que a gente conhece
que ela utiliza a comunicação social háptica e ela é cega [...] (MARCOS).
Outro contexto real em que a comunicação social háptica foi desenvolvida com uma pessoa
com surdocegueira que utiliza fala ampliada, foi narrada por Hilda, que compartilhou sua
experiência no curso e a imagem referente a essa cena:
Hilda: eu viajei com uma surdocega [menciona o nome] e ela não tem Libras tátil, ela é[utiliza] fala ampliada, e
dentro do avião o aparelho dela estava muito ruim, eu tinha que falar muito alto, aí dentro do avião eu falei: ... não
vai dar, eu vou te explicando aqui, [...] O avião estava mexendo e tal, e nossa foi muito bacana né, foi uma coisa
desestruturada, porque foi uma forma que eu achei de me comunicar com ela, mas foi através da comunicação
háptica que ela conseguiu entender tudo que estava acontecendo e infelizmente o pessoal é preconceituoso, eu vou
ficar gritando ali, o pessoal vai ficar tudo olhando e o comissário explicando e tudo mais, então naquele momento
foi a melhor coisa que aconteceu na vida da gente foi a comunicação háptica e dentro do avião não dava para ser
fala ampliada.
Fonte: a pesquisadora.
Esse compartilhamento indica o quanto, em situações reais, o aprendizado da comunicação
social háptica auxilia no processo de interação e recepção de informações. Ao final dessa aula, os
participantes chegaram à conclusão de que o tempo para aprendizagem foi curto. Não só da aula,
mas do curso inteiro. A narrativa da professora Janete coaduna com essa afirmação: “Olha é
fundamental, é imprescindível, a gente precisa estar mais junto porque essa riqueza de
compartilhamento, de conhecimento, de vivencias não tem preço” (JANETE, 2020).
Uma das participantes vai além das expectativas evidenciando as possibilidades futuras de
construção de um dicionário da comunicação social háptica, que ela reconhece que precisa
percorrer um longo caminho como o galgado pela Libras, que hoje possui dicionários próprios:
Estou aqui discutindo com você, essa questão da amostragem. Eu tenho 18 mil surdocegos
no Brasil, eu tenho que pegar, fazer uma experiência com 1000 surdocegos para poder ter,
sair um dicionário. Um exemplo, eu não sei, mas também, tudo é um começo, começou
com o [...], tem a Cristina, e só começa começando. Então, talvez daqui 20 anos a gente
tenha um dicionário, um glossário como o Capovilla, mas tudo tem que começar, né? [..]
fico muito feliz mesmo de ver a Cristina, porque ela faz parte da história, é um processo,
é histórico isso, vai ficar registrado [...] (HILDA).
sinais em sua rotina de comunicação e interação. Assim como Cristina compartilhou a criação de
sinais, eles poderiam ser catalogados e utilizados por outras pessoas com surdocegueira.
A proposta de atividade final, consistiu na realização da interpretação de uma canção, uma
história ou contexto utilizando os sinais da comunicação social háptica aprendidos no curso. Os
participantes fizeram suas apresentações no último encontro e compartilharam suas percepções
sobre o percurso de formação vivenciado. Por razões de falhas tecnológicas, perdi a gravação do
último encontro com as apresentações dos guias-intérpretes juntamente às pessoas com
surdocegueira. Porém, como havia proposto a gravação de um vídeo, compartilho alguns resultados
nas cenas a seguir:
CENA 33: APRENDIZAGEM DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR HILDA E CAETANA
Descrição:
Guia-Intérprete Hilda – surdocega Caetana
Espaço: Casa da surdocega
Contexto: Ensinando sinais hápticos
Comunicação: Fala ampliada e comunicação social háptica.
Fonte: a pesquisadora.
Hilda ensinou alguns sinais da comunicação social háptica aprendidos no curso para sua
amiga com surdocegueira. Após essa experiência, essa pessoa gravou um vídeo e nos contou sua
experiência de afinidade com a dança e os benefícios que encontrou na comunicação social háptica.
Descrição:
Guia-Intérprete Hilda – surdocega Caetana
Espaço: Casa da surdocega
Contexto: Aprendendo sinais hápticos
Comunicação: Fala ampliada e comunicação social háptica.
Fonte: a pesquisadora.
O vídeo apresentado a seguir foi realizado por Ivonete com seu esposo. Antes de gravar o
vídeo ela solicitou ajuda a uma colega de curso para relembrar sinais da comunicação social háptica
que havia esquecido. O esposo emprestou suas costas para que a esposa completasse a atividade
proposta:
Descrição:
Guia-Intérprete Ivonete – esposo (no papel de surdocego)
Espaço: Residência
Música: “Aleluia” (Canção de Gabriela Rocha)
Comunicação utilizada: Comunicação social háptica.
Fonte: a pesquisadora.
136
CENA 36: USO DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR LETÍCIA, CRISTINA E ACSA
Descrição:
Guia-Intérprete Letícia – surdocega Cristina – Guia-Intérprete Acsa
Espaço: Maanaim de Domingos Martins
Música: “Dormindo em meu leito” (Canção de Frederick Edward Weatherly e tradução de Robert Hawkey Moreton)
Comunicação utilizada: Libras tátil, fala ampliada e comunicação social háptica.
Fonte: a pesquisadora.
Esses vídeos foram registros importantes e uma parte significativa do último encontro do
grupo, onde os participantes puderam externar os impactos que a comunicação social háptica
causou em suas vidas e a qualidade da interação que foi favorecida por meio do curso de extensão.
O pedido externado por todos é que o curso tivesse continuação para dar sequência ao processo de
aprendizagem.
Para além das contribuições compartilhadas no curso de extensão, a inquietação sobre os
aspectos linguísticos da comunicação social háptica me impulsionaram a aprofundar a pesquisa em
diversos conceitos e buscar conectivos a partir da língua portuguesa. Nesse intuito, compartilho a
seguir: características de modalidades, gramática, cultura e parâmetros das línguas que atualmente
utilizo.
A partir da premissa da estrutura basal da língua portuguesa, passando pela Libras e indo
posteriormente para a comunicação social háptica é possível traçar um caminho de relação
linguística, visto que, como ouvinte, adquiri a língua portuguesa como língua materna na
modalidade oral-auditiva, assim como os guias-intérpretes e pessoa com surdocegueira,
participantes desta pesquisa. Já a Libras é constitutiva dos surdos que a utilizam na modalidade
gestual-visual-espacial, sendo a língua materna de três pessoas surdocegas participantes78. Outra
modalidade refere-se à modalidade gestual-tátil, percebida pela mão, e outra modalidade trata da
recepção cinestésica.
A língua portuguesa na modalidade oral-auditiva é percebida pelo ouvido e reproduzida por
meio da fala, dessa forma, aprendi a me comunicar, a partir da escuta e reprodução por meio da
fala. Quadros (2020), destaca a percepção da modalidade visual-gestual-espacial utilizada pelos
surdos:
Os ouvintes se encontram e usam uma língua falada. Os surdos, por outro lado, se
encontram e usam uma língua de sinais. As línguas de sinais, assim como a Libras, são
línguas que se constituem a partir do olhar e do corpo. É uma tradução da natureza humana
de comunicação em uma forma visual, espacial e corporal. Assim, as formas de pensar,
de criar, de produzir conhecimento são manifestadas pelo corpo por meio das mãos, da
face, da composição dos olhares, dos movimentos e dos espaços em forma de língua.
(QUADROS 2020, p.5537).
As pessoas com surdocegueira por sua vez têm formas de comunicação diversas. Entre elas,
a Libras tátil que, atrelada à descrição acima, é realizada na palma da mão representando assim a
modalidade gestual-tátil.
A comunicação social háptica utiliza o tato no contato com a pessoa com surodcegueira,
evidenciando a percepção cinestésica. Alguns autores consideram o tato como sentido primordial
de recepção, representado pela pele que compõe o corpo como um todo, Le Breton (2016)
compartilha essa assimilação: “Tocando a pele, toca-se o sujeito no sentido próprio e figurado. A
pele é duplamente órgão de contato: se ela condiciona a tatilidade, ela igualmente mede a qualidade
de relação com os outros”. (LE BRETON, 2016, p. 238). Le Breton (2016) menciona o conceito
da pele como órgão de sentido na percepção de informações por meio de estímulos.
A pele é o ponto de contato com o mundo e com os outros. Ela sempre é uma matéria de
sentido [...] Entre o exterior e interior, ela estabelece a passagem das estimulações e do
78
Três participantes da pesquisa eram surdos e adquiriram a surdocegueira posteriormente à aquisição linguística,
tendo como língua materna a LIBRAS.
138
sentido[...] A pele não sente nada sem sentir-se ela mesma.“Tocar é tocar-se”, diz Merleau-
Ponty [...]. (LE BRETON, 2016, p. 207-208).
Nessa perspectiva a autora Cader-Nascimento (2021) faz uma explanação sobre várias
formas de comunicação na surdocegueira, considerando resíduos visuais e auditivos e estabelece
códigos que evidenciam as modalidades de recepção de informações, segundo condição sensorial
e linguística:
SCtH - surdocego total usuário de Língua de Sinais Háptica; SCpFS - surdocego parcial
usuário de fala e sinais, com maior comprometimento do imput visual; SCpS - surdocego
parcial usuário de sinais na comunicação com maior comprometimento do imput auditivo,
podendo apresentar problemas de aprendizagem em função das características específicas
do processo de aquisição linguística; SCpFA - surdocegueira parcial surdez
moderada/baixa visão usuário da fala e escrita ampliada, com prognóstico de perda
progressiva. (CADER-NASCIMENTO 2021 p. 59 – grifos da autora).
A autora esclarece a Língua de Sinais Háptica caracterizada pela Libras tátil, como sendo
“[...] à percepção dos sinais linguísticos a partir da leitura realizada pela pele em parceria com o
sistema cinestésico” (CADER-NASCIMENTO, 2021 p. 59).
Essa pesquisa não pretende esgotar aprofundamentos linguísticos e gramaticais das línguas,
mas sim, identificar possibilidades de composição gramatical na comunicação social háptica a
partir de comparativos de parâmetros gramaticais pré-estabelecidos pelas línguas apresentadas que
são: língua portuguesa, Libras e comunicação social háptica.
O método utilizado na cartilha consistia em reunir as letras a partir dos fonemas formando
sílabas, consecutivamente as famílias silábicas e após a formação de palavras e sucessivamente de
frases. Recordo as repetições e memorização para subsequente aprendizado. A pesquisadora Onici
Flôres (2018) pesquisadora na área de Linguística Aplicada no artigo “Leitura e consciência
linguística”, destaca que a comunicação por meio da linguagem é um processo natural humano, ou
seja, acontece sem a preocupação da estruturação gramatical (FLÔRES, 2018). A autora sintetiza
com o trecho:
Essas bases relacionadas a escrita e som corroboram com a proposta estabelecida pela
cartilha Caminho Suave, em que a repetição e a escrita eram a metodologia de aprendizagem. A
consciência morfológica faz parte do processo de aquisição linguística: “[...] retoma-se o conceito
de morfema, unidade linguística que estrutura a palavra e que possui significado próprio, a qual é
definida por Laroca (2005), como uma forma mínima recorrente que mantém o traço semântico em
todas as estruturas em que ocorre”. (FLÔRES 2018 p. 152).
O morfema compõe um aspecto primordial na constituição da língua auxiliando dentre
outros aspectos a constituição dos campos semânticos. Lembrando das ideias de Saussure (2006),
em que a língua carecia de uma estrutura para ser reconhecida, encontramos o linguísta Bloomfield
que organiza a gramática a partir dos aspectos fonológicos. (PARREIRA, 2017).
Um grupo de pesquisadores, entre eles, Leonard Bloomfield, foi responsável pela
elaboração de materiais de ensino de línguas no Pós-Segunda Guerra Mundial. Conceição (2015)
compartilha um panorama do procedimento utilizado por Bloomfield:
140
[...] baseia-se numa extrapolação, para o ensino de leitura, do teste de comutação, que
utiliza pares mínimos de palavras para identificar os fonemas de uma língua [...] as
palavras cuja leitura é ensinada diferem umas das outras por apenas uma letra/um fonema,
de modo que a relação entre a letra e o fonema que estabelece o contraste com as outras
palavras de um mesmo conjunto de pares mínimos torna-se a única base para a distinção
entre estas palavras escritas, como ocorre, por exemplo, no conjunto de pares mínimos
cat, bat, sat, fat, hat, mat, rat, em que as palavras se diferenciam umas das outras apenas
pela primeira letra/ primeiro fonema. Outros conjuntos de pares mínimos usados no
método se diferenciam apenas pela segunda ou pela última letra [...]. (CONCEIÇÃO, 2015
s/p).
Essa representação exemplificada por Strobel (2018) por “sinais caseiros”, configura-se na
atitude do surdo de criar para si gestos (não estruturados gramaticalmente), muitas vezes icônicos79
para comunicar seus desejos e interagir com seu entorno. Uma das pessoas com surdocegueira
participantes da pesquisa relata: “Comecei com 3 anos na escola, cresci e minha mãe foi
observando, foi muito difícil, porque também não tinha intérprete ainda, apesar da escola fui
aprendendo aos poucos, de início usávamos muito a Libras caseira” (JAPINHA).
O surdo tem uma identidade visual que o circunda, desta forma, ele percebe o mundo e suas
relações. Antes de entender as estruturas de uma língua ele cria para si formas de comunicação
partindo das suas experiências visuais diferente da criança ouvinte. Strobel ressalta que:
A língua de sinais é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo, pois é
uma das peculiaridades da cultura surda, é uma forma de comunicação que capta as
experiências visuais dos sujeitos surdos, e que vai levar o surdo a transmitir e
proporcionar-lhe a aquisição de conhecimento universal. (STROBEL, 2018 p. 53).
Enquanto a criança ouvinte com o uso da audição cria conexões de entendimento sobre seu
entorno, a partir dela adquire a língua portuguesa, a criança surda faz as conexões e desenvolve a
língua de sinais com as experiências visuais. Quadros (1997) compartilha essa afirmação de que:
“A língua portuguesa não será a língua que acionará naturalmente o dispositivo devido à falta de
audição da criança. Essa criança até poderá vir a adquirir essa língua, mas nunca de forma natural
e espontânea, como ocorre com a língua de sinais. (QUADROS, 1997 p.27).
79
Os sinais icônicos são gestos que têm ligação com o referente/imagem que representam.
142
A autora destaca que pode ser que a criança surda aprenda a língua portuguesa, porém isso
não será um movimento natural. Assim como ouvintes estruturam o pensamento por meio de
palavras ouvidas em seu inconsciente os surdos o fazem da mesma forma por meio de imagens. O
fragmento abaixo ilustra essa afirmação:
Um sujeito surdo em zona rural, isolado da comunidade surda e que nunca aprendeu a língua
de sinais, a falar ou escrever, sem ter a noção de horas e dias da semana, observa ao seu
redor que tem um dia da semana em que as frutas sempre são colhidas, o dia certo de ir à
igreja, os dias em que o caminhão vem pegar o lixo, e que quando o sol aparece no horizonte
é a hora de ordenhar e pegar ovos, etc. Ele acompanha esta rotina de acordo com o seu
"olhar" do dia a dia de sua vida e cria sinais que representam seu cotidiano. (STROBEL,
2018 p. 52).
Esse trecho confirma que a rotina factual associada à cultura visual, é assimilada de maneira
a tornar-se significativa no processo comunicacional e de conhecimento do entorno. A gramática
estruturalista é facilmente dispensada nesse contexto assim como a formalidade de leitura e escrita
da língua e consecutivamente a linguística tradicional.
sido empregado para se referir aos elementos básicos da construção linguística. Quadros (2007)
compartilha que:
Historicamente, entretanto, para marcar a diferença entre esses dois tipos de sistemas
linguísticos, Stokoe (1960) propôs o termo ‘quirema’ às unidades formacionais dos sinais
(configuração de mão, locação e movimento) e, ao estudo de suas combinações, propôs o
termo ‘quirologia’ (do grego ‘mão’). (QUADROS, 2007 p. 48)
A língua de sinais é transmitida nas comunidades surdas e, apesar de por muito tempo na
história dos surdos ter sofrido a repressão exercida pelo oralismo, não foi extinta e
continuou a ser transmitida, de geração em geração, pelo povo surdo com muita força e
garra. (STROBEL, 2018 p. 54).
Graças a propagação da Libras há gerações, atualmente podemos utilizar essa língua e lutar
para que seu espaço de reconhecimento seja conquistado. Existe uma discussão para que os termos
utilizados na Libras tenham consonância com a etimologia daquilo que representam, esse é o caso
da troca de fonema por quirema, baseado no significado da raiz da palavra: “O termo QuirEma (do
grego: XÉQL ou khéri: mão; T]µa ou ema: unidade mínima) foi cunhado por Stokoe (1960), para
representar o correspondente, em língua de sinais, do FonEma em língua falada.” (CAPOVILLA
2011, p.7 grifos da autora).
Sendo assim, o quirema representa a unidade mínima da mão, da mesma forma que o
fonema representa a menor unidade de medida do som, coadunando com a sinalização em Libras.
Capovilla (2011) completa:
144
[...] o quirema estaria para unidade da sinalização, assim como o fonema está para
unidade da fala ou voz. Como vimos, o termo fonema representa de modo preciso a
unidade mínima da fala ou voz, já que esse termo combina os dois morfemas gregos
pertinentes: o radical ou lexema wvfJ ou phoné: som da fala, voz; e o sufixo riµa ou ema:
unidade mínima. (CAPOVILLA 2011, p.7, grifos da autora).
Los haptEmas son como las letras de un texto. Por ejemplo, la letra “s” por separado no
quiere decir nada, pero si se añade la letra “í”, entonces tenemos la palabra “sí”. Del
mismo modo, la palma de tu mano como ubicación no quiere decir nada, tienes que añadir
el movimiento de golpecitos con tu dedo índice de la mano derecha para formar el haptiz
SÍ. Los haptices son los mensajes táctiles individuales, como las palabras de un texto, por
ejemplo: sí, no, enfadado, cansado, feliz, enamorado, té o café. (LAHTINEN, 2008 apud
MUNROE, 2013 p.80).
Também composta pela formação da palavra haptemas, por definição hapto: relacionado
ao toque e ema: unidade mínima. Sendo assim, a junção significa a menor medida do sentido
háptico-tátil-cinestésico. Algumas características das unidades de sinalização na comunicação
social háptica são destacados como:
80
Assim como alguns autores brasileiros, gostaria de defender esse termo fonológico/quirológico por entender que é
necessário trazer luz e conhecimento sobre esse tema, mesmo que ainda não haja aceitação para o termo ser
estabelecido definitivamente, ele compete para ganhar seu espaço.
145
velocidad son mayores. Del mismo modo puedes cambiar el SÍ y decir NO cambiando el
haptema del movimiento de golpecitos a un movimiento de lado a lado. (MUNROE 2013,
p. 80).
A primeira coisa que gosto de ressaltar nas oficinas e aulas de Libras em que sou professora
são os parâmetros, pois estes norteiam toda a prática na descrição do sinal. No semestre 02/2019
no ensino remoto decorrente do distanciamento físico que a pandemia por Covid-19 nos causou,
tive a grata surpresa de lecionar Libras para três estudantes de Licenciatura em Educação Física
que são deficientes visuais. Iniciando o processo de ensino-aprendizagem pelos parâmetros foi
possível que eles chegassem ao final do semestre se comunicando com surdos. Atualmente uma
dessas estudantes, atleta paraolímpica, após a graduação ensina Libras em escolas públicas.
Cristina (participanete com surdocegueira), possuía todos os sentidos sensoriais e aprendeu
a Libras após a aquisição da surdocegueira, tendo contato com outros surdos e interagindo na sua
comunidade, inclusive em uma das aulas trouxe uma amiga surda para participar. Leandro era surdo
e passou pelo processo de aprendizagem da Libras e utiliza a Libras tátil. Chico aprendeu a Libras
na condição de surdo e por possuir resíduo visual, utiliza a Libras em campo reduzido.
Assim como Chico, Japinha possui resíduos visuais e, dependendo da iluminação e
distância do intérprete, consegue perceber as informações com a Libras em campo reduzido.
146
2. Ponto de articulação: é o lugar no corpo ou espaço neutro onde o sinal acontece. O espaço neutro
(vertical ou horizontal), poderá ser à frente do corpo ou ao lado do corpo. Alguns exemplos de
ponto de articulação são: dorso da mão, palma da mão, ombro, testa, têmpora, braço, antebraço,
pescoço, queixo, boca etc. Os sinais no espaço neutro podem acontecer a frente de alguma parte
do corpo, porém sem o toque direto.
147
5. Expressão facial e/ou corporal: são as expressões gramaticais que funcionam como
marcadores de intensidade e tamanho (morfologia), negação, interrogação e afirmação (sintaxe), e
expressam os sentimentos (tristeza, alegria, raiva, emoção etc.) contidos nos contextos em
149
produção. Podem ser gramaticais, relacionadas à estrutura, morfologia (por exemplo, elas marcam
grau de intensidade, tamanho) e sintaxe (negação, interrogação, ênfase).
[...] não existe um padrão, então esses 103 hápticos não são utilizados aqui no Brasil, então
não se usa aqui por exemplo todos os sinais. Até porque, são utilizados como complemento
de uma outra língua de sinais que é o ASL81. Então, a gente não pode pegar esse livro
como referência para nós usarmos aqui. Claro, que tem surdocegos que podem utilizar
também, mas não podemos estabelecer um padrão, não existe um padrão,. Ok? Lembrando
que é muito individual a forma de comunicação [...] o livro do Hélio Fonseca como nós
falamos no começo é referência aqui no Brasil para comunicação social háptica
(MARCOS, 2020).
O professor menciona a pesquisa de Araújo (2019) que compartilha em seu livro “Práticas
de Interpretação tátil e Comunicação Háptica para pessoas com surdocegueira” o conceito de que
os sinais hápticos desse método/sistema82 derivam da língua de sinais que os surdos utilizam. Sendo
assim, um sistema local e não universal, visto que as línguas de sinais são elaboradas de acordo
com a cultura onde os surdos estão inseridos.
81
ASL é a sigla utilizada para a “American Sign Language” (Língua Americana de Sinais).
82
O autor aborda no livro a comunicação háptica como sistema ou método utilizado com pessoas com surdocegueira.
151
Os movimentos mencionados pelo autor podem ser entendidos, por exemplo, como uma
inclinação de cabeça, ou qualquer outro movimento, mas que não tenha significado sozinho. O
cinemorfema, já se traduz em movimento significativo ou munido de sentido como: uma piscada
de olhos, uma levantada de sobrancelha entre outros.
Quando observo as pessoas com surdocegueira que compartilham suas experiências, por
intermédio da utilização dos sinais da comunicação social háptica (sinais hápticos), encontro
muitos parâmetros e dentre eles em consonância à Libras com as devidas adaptações reconheço: 1)
configuração de mão (CM), 2) ponto de articulação (PA), 3) movimento (M), 4) orientação ou
direcionalidade (O/D) e 5) expressão facial e/ou corporal (EF/C). No papel de pesquisadora sugiro
essa classificação, porém, não engesso, deixo livre para propostas de aperfeiçoamento:
Sobre a configuração de mão do sinal háptico “café”, a guia-intérprete Charlie narra sua
utilização:
Charlie – aqui ó, configuração em “a” e vai bem na pontinha aqui, tá vendo? Ó de moer o café mesmo, a lá tá
moendo o café oh, aí a água, opa, tá forte o homem (risos)
Leandro surdocego faz sinal de muita água
Marcos – muita água, olha
Janete – muita água
Charlie – cachoeira? Pergunta ao surdocego.
Janete – cachoeira
Charlie – cachoeira, isso
Marcos – interessante assim a referência que eles tem com a boca, o som né?
Janete – aham!
Fonte: a pesquisadora.
Configuração de mão é a posição da mão utilizada na execução do sinal que precisa ser
nítida para ser captada pela pessoa com surdocegueira. Cristina evidenciou em sua narrativa que
possui dificuldade para entender a configuração, caso ela esteja com uma roupa de frio, por
exemplo. Trago as configurações de mão sugeridas por Araújo, totalizando 04 configurações em
2014 e ampliando para 14 configurações na publicação de 2019:
Em experiências com pessoas surdocegas que tenho contato, consegui atribuir algumas
outras configurações de mãos totalizando 31 posições que podem ser utilizadas nos sinais da
comunicação social háptica. A partir dessa relação apresento os quadros a seguir:
Fonte: a pesquisadora.
No ponto de articulação evidencia-se o local de execução do sinal, em que parte do corpo
que o sinal é produzido. No caso da surdocegueira, o espaço neutro não apresenta percepção
cinestésica. A indicação das pessoas com surdocegueira para que o sinal seja feito em um campo
155
maior facilita o entendimento. Por exemplo, nos sinais realizados nas costas é possível explorar
bem esse espaço. Sobre esse parâmetro Cristina completa:
Cristina: [...] sempre importante não fazer sinal muito pequeno nas costas. Já vi intérprete fazer sinal de sorriso
assim: (faz o sinal), desse tamanho, difícil, difícil, difícil. Como precisa da percepção do tato precisa ser macro; ou
seja, sinal ampliado, como fala ampliada né, vocês citaram hoje, então aqui; precisa também ampliada.
Fonte: a pesquisadora.
A orientação e direcionalidade, assim como na Libras está ligada à direção da palma da
mão na execução do sinal e o lado para onde a mão irá se deslocar. Por exemplo: Sinal de “sim”
palma da mão virada pra baixo.
156
Fonte: a pesquisadora.
Cristina na explanação do sinal “satélite” evidencia essa direcionalidade da palma da mão:
Cristina: [...] satélite, faz o globo a gente vai parar a mão de baixo como base do globo e vai articular a mão de
cima, assim (faz o sinal), pode fazer maior, é que hoje estou com um pouco de dificuldade tá bom? Aumenta, amplia
ó! Se faz muito pequeno fica difícil para sentir, tá bom?
Fonte: a pesquisadora.
No parâmetro do movimento temos a seguinte contribuição de Cristina trazendo o sinal de
caminho, rua, estrada a partir da variação do sinal de carro:
Cristina – aproveitando a base do sinal que já existe, “carro”, então nós vamos fazer a variação de caminho, rua,
estrada apoiando o polegar e o dedo mínimo e a parte da mão nas costas, faz um leve movimento como caminho,
Libras, aqui também.
Márcia- isso é o que?
Letícia – caminho, caminho, estrada...
Márcia- ok!
Letícia – deu para entender, gente? Deu, conseguiram compreender? Quer que repita algum sinal?
Fonte: a pesquisadora
O movimento está relacionado ao deslocamento da mão no ponto específico em parte do
corpo da pessoa com surdocegueira. Por exemplo: sinal de “risos”, movimento de dedos oscilando.
Fonte: a pesquisadora.
O parâmetro de expressão facial/corporal utilizada na Libras é trazido para a comunicação
social háptica na utilização dos emoticon83, ou seja, essas expressões são realizadas nas costas do
83
Emoticon é a junção das palavras inglesas emotion (emoção) e icon (ícone). Consiste em símbolos tipográficos
usados em conjunto para formar figuras que ajudem a simular emoções humanas, como a tristeza ou a alegria, por
exemplo. Texto disponível em: https://www.significados.com.br/emojis-
158
das pessoas surdocegas. Para uma percepção melhor Cristina ressalta que: “Temos as costas inteira
para fazer o sinal triste e sorriso, ok? (CRISTINA). Exemplo: 1 – expressão séria, 2- expressão
feliz, 3-expressão interrogativa, 4-expressão triste.
Fonte: a pesquisadora.
A percepção dos parâmetros fonológicos/quirológicas para o surdo está patente aos olhos
quando observam os sinais executados. No caso dos parâmetros cinestésicos defendidos aqui
poderá levantar questionamentos sobre a percepção da pessoa com surdocegueira referente às
nuances e mínimas diferenças entre um movimento e outro, entre uma configuração e outra.
Nesse âmbito, lembro que essa proposta didaticamente está focada na formação do
profissional guia-intérprete que detém a percepção visual para captar as particularidades
apresentadas pelos parâmetros cinestésicos, é para esse profissional que esta pesquisa foi
desenvolvida e consequentemente trará benefícios na comunicação de pessoas com surdocegueira.
Na próxima seção apresento o panorama de formação profissional do Tradutor Guia-
Intérprete de Língua de Sinais, as pesquisas desenvolvidas nessa esfera e o código de conduta ética
juntamente com proposições de formação.
emoticons/#:~:text=Emoticon%20%C3%A9%20a%20jun%C3%A7%C3%A3o%20das,ou%20a%20alegria%2C%20
por%20exemplo. Acesso em: 09 junh. 2022.
159
O guia-intérprete está vinculado ao público ao qual ele atende. Isto me desperta a percepção
da importância dessa atuação e suas atribuições. Acredito que no encontro de ambos é que se
desenvolve a comunicação e as relações de afinidade com a profissão.
O encontro com as pessoas surdocegas atraíram meu olhar para esse ofício tão gratificante.
Dispor das mãos em prol do acesso a informação do outro, que muitas vezes não enxerga e não
ouve, mas sente, responde e interage.
Entendendo a necessidade do público de pessoas com surdocegueira adquirida, o qual tenho
contato e habilitação para o trabalho de profissional guia-intérprete, tracei na pesquisa de doutorado
a proposta do curso de extensão: “Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação
social háptica para pessoas com surdocegueira”.
A profissão de guia-intérprete está registrada na classificação brasileira de ocupações com
o código 2614-2584. No título da função está o “Intérprete de língua de sinais” e logo abaixo no
resumo estão as definições: Guia-intérprete, Intérprete educacional, Tradutor de libras, Intérprete
de libras e Tradutor-intérprete de Libras85.
Algumas formas de comunicação utilizadas por pessoas com surdocegueira adquirida,
partem da Língua Brasileira de Sinais. Dessa forma, defendo a formação do profissional guia-
intérprete a partir da aprendizagem da Libras para posterior adaptação e utilização. Entendo que de
todas as comunicações utilizadas por pessoas surdocegas, a Libras configure-se mais complexa por
exigir do profissional o domínio linguístico dela.
Nesta perspectiva, a definição deste profissional deveria ser ampliada a partir das suas
atribuições, pois além de guia-intérprete ele realiza um trabalho linguístico, gramatical e estrutural
para atendimento do seu público.
Em vários momentos e espaços a função do guia-intérprete está ancorada no intérprete de
Libras. Dessa forma, sugiro a utilização do termo Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português, e
utilizarei em alguns momentos no intuito de consolidar a profissão.
No âmbito da pesquisa de doutorado, as pessoas com surdocegueira que participaram do
curso de extensão, utilizavam a Libras tátil na recepção de informações e suas narrativas
aconteceram por meio da Libras. Cristina narra com a fala (oral) e a Libras concomitantes.
84
Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTitulo.jsf Acesso em: 09 out. 2022.
85
Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf Acesso em 09out.
2022.
160
Eu já sabia Libras, mas agora eu uso Libras em campo reduzido, exemplo: se a iluminação
for boa, não preciso da Libras tátil, mas se tiver muito escuro eu preciso da Libras tátil. Se
a luz estiver por trás de mim eu não consigo perceber, porque a luz está atrás de mim.
Preciso ter cuidado com a iluminação. Eu preciso ter adaptação na iluminação. A luz
precisa estar próxima a mim para eu conseguir entender. (CHICO).
Cristina adquiriu surdocegueira por conta de Meningite na idade adulta, foi estimulada a
aprender uma nova forma de comunicação e interação na recepção de informações. Compartilha
desafios que encontrou no seu processo formativo e o impulso para aprender Libras tátil, pela
necessidade de se comunicar com outras pessoas com surdocegueira.
Eu fiz em 2014 um curso de massagem, decidi e falei: eu preciso tentar conseguir, viver,
então eu preciso. E fui. Não foi fácil porque muitos se levantaram contra, disseram que eu
não era capaz. O próprio intérprete do curso falou que eu parecia uma criança de 12 anos,
porque sou muito expressiva. Ele falou que eu não era capaz de conversar com outro
surdocego, que eu não era capaz de trabalhar profissionalmente. Falou que eu não era
capaz de conversar com pessoas surdas também, porque eu não sabia Libras tátil. Até
então, não tinha tido contato ainda e nem quem me ensinasse Libras tátil, não tinha técnica,
nem nada, só sabia a Libras. Foi muito difícil, eu sofri demais no curso, mas foi mais uma
etapa da vida, mais uma vitória. (CRISTINA).
161
86
A maioria das pessoas não utilizam e não conhecem o termo Tradutor Guia-Intérprete de Língua de Sinais Português,
mas utilizam e conhecem somente o termo Guia-Intérprete.
87
Libras tátil é um dos tipos de comunicação utilizada pelos surdocegos, consiste na adaptação da Libras (Língua
Brasileira de Sinais) para o tato do surdocego, onde ele toca cada movimento da mão no espaço de sinalização.
162
As respostas foram variadas, alguns responderam que sim, que ela é guia-intérprete, outros
concordaram, outros disseram que achavam que não. Uma participante expôs sua colocação quando
diz: “Eu acho assim, que a partir do momento que ela faz a guia-interpretação para filha dela, seja
na comunicação que a filha dela está utilizando, ela é Guia-Intérprete da filha, e nós, mesmo com
certificado na mão, mesmo tendo feito curso, não dominamos todas as formas de comunicação?”
(ASHLEE).
Ashlee fez uma afirmação com uma pergunta embutida, pensando na variedade de formas
de comunicação que as pessoas com surdocegueira utilizam. Marcela trouxe um contexto social:
Professora eu penso assim, que até dentro de um olhar político, principalmente nós guias-
intérpretes negros, nós nunca somos considerados o guia-intérprete, somos sempre alguém
da família: a gente é mãe, é tia... Eu já vivenciei diversas situações, até com crianças
surdas, que vêm perguntas como: “Você é a mãe?”. Você nunca é [considerado] um
profissional. Então, assim, até por uma visão de mundo mais acessível, independente se a
pessoa é da família ou não, se ela está promovendo acessibilidade, ela é um profissional.
(MARCELA).
Essa resposta explana alguns casos em que os profissionais não possuem o reconhecimento
e status de profissional, cerceando o trabalho deles ou até mesmo trazendo uma visão de que essa
pessoa que está recebendo o acesso não pudesse arcar ou ter direito ao profissional de fato. As
narrativas foram cruzando-se na perspectiva das posições dos participantes:
Hilda: É então, mas se a dona Mary é guia intérprete, por que que eu fiz tanto curso? Por que eu fiz uma
especialização? Por que que eu fui aprender a técnica? Se só o convívio com uma pessoa com surdocegueira já me
chancela a ser guia-intérprete? Então onde é que que tá escapando, onde é que tem alguma coisa aí? O que, o que,
eu não estou entendendo?! Aí eu vou fazer pós, eu vou fazer curso, eu vou.... aí só o fato de eu ter a convivência
‘estou sendo advogada do diabo agora né’, então só isso já me já me qualifica como guia-intérprete né? É esse o
questionamento, que eu que eu estou fazendo [...]
163
Nalva: Eu sou mãe de surdocego […] na escola [que trabalho] eu sou profissional, professora bilíngue, e em alguns
momentos eu posso atuar em guia-interpretação. Mas quando eu estou na minha casa, quando estou com meu filho,
que eu estou no médico, no shopping, eu sou a guia-intérprete dele, agora guia-intérprete para você atuar
profissionalmente tem que ter o estudo sim. (NALVA)
Elaine: é isso mesmo, então... Hilda é exatamente isso que a gente vai colocar aqui. O profissional Guia-Intérprete,
e onde ele atua. Então por exemplo, a dona Mary é Guia-Intérprete das filhas dela, a Nalva é Guia-Intérprete do
filho dela. Só que por exemplo, a Nalva ela atua profissionalmente também como Guia-Intérprete.
Se ela chegar até uma escola, para atua como Guia-Intérprete, tudo bem! A Mary já não poderia, por que? Porque
ela domina a forma de Comunicação que ela atende a surdocega que ela acompanha, que são as filhas dela, tá, então
o que que a gente está discutindo aqui, o ser Guias-Intérpretes.
Então partir do momento que você guia, que você trás para ele informação, que você acompanha ele, que você faz
toda essas atribuição de Guia-Intérprete, mesmo que você não domine toda as formas de comunicação, você é o
guia-intérprete.
Fonte: a pesquisadora.
Hilda deixou claro, como profissional, que ela não concorda em dar o título de guia-
intérprete para Mary, nesse sentido, esclareci, de maneira muito respeitosa, a provocação que fiz.
Nalva completa as respostas anteriores trazendo em seu desfecho a importância de se
profissionalizar ao integrar um trabalho remunerado. A participante Sarah também fez uma
colocação referente à discussão:
[...] na questão de só trazer os parabéns para vocês, aqueles que são habilitados, formados,
registrados, e patenteados e aqueles que, tem a graça de querer, por amor, servir ao outro.
A dona Mary aí, olha ... ser mãe não é um cargo, não é uma função, é uma dádiva, porque
tem muitos surdos e surdocegos que estão aí, na escuridão e no silêncio, porque nenhum
parente, ninguém próximo também, tem essa atenção. Então é muito mais que ser pai por
obrigação, é amor, é o amor ao próximo, o respeito, à pessoa[...]. (SARAH).
88
Significado de ad hoc: Para determinado fim; locução que enfatiza que algo tem determinado propósito; destinado
a esse fim; para isto: procuração ad hoc. [Jurídico] nomeado para cumprir certo propósito; diz dessa pessoa: funcionário
ad hoc. Etimologia (origem de ad hoc). Do latim ad hoc, literalmente "para isso". Disponível
em:.https://www.dicio.com.br/ad-hoc/ Acesso em 27 mai. 2021.
164
No interior, não está muito longe, está no estado de São Paulo e lá não tem [guia-
intérprete]. Então a gente precisa da mãe. A mãe e a família estão ali. Estão juntos,
conhecem muitas vezes a forma de comunicação. É a família que ensina o guia-intérprete
a trabalhar. E não tem esse reconhecimento, não é? Não. Ela não é guia-intérprete! Ela é
uma guia-intérprete caseira, ela é mãe. Ela faz isso porque ela é mãe, não é porque ela é
guia-intérprete. [...], mas é esse notório saber, essa formação da mãe, muitas vezes, a gente
não aprende em curso nenhum, é o que ela tem para passar para a gente, entendeu. É uma
situação da gente…é muito delicada, porque você fala: Não, espera aí! Então não vou
estudar mais? Eu fico como guia-intérprete do meu amigo o dia inteiro e pronto?
(HILDA).
Hilda denominou a mãe como uma guia-intérprete caseira com notório saber89 e compartilha
a necessidade de formação específica, de não acomodação pelo conhecimento adquirido, mas a
busca constante.
Alguns autores evidenciam a atuação específica do profissional que atende pessoas com
surdocegueira e nessa perspectiva, esta pesquisa traz como recorte a atuação de guias-intérpretes
que atuam com pessoas surdocegas congênitas e adquiridas e que utilizam como comunicação
principal a Libras tátil.
89
Termo utilizado para designar uma pessoa que possui conhecimentos específicos em uma determinada área; porém,
sem o título adquirido no ensino formal.
165
Este ano estava programado para eu fazer o curso na AHIMSA, mas por conta da
pandemia eu não pude ir. Vamos ver se agora em 2021 eu consiga fazer o curso de guia
intérprete, porque eu não tenho curso específico nessa área. Eu realizo a guia interpretação
na igreja no âmbito religioso com esse surdocego, mas eu não tenho a formação para
executar esse trabalho, o conhecimento que possuo foi adquirido na igreja com as outras
guias-intérpretes, meu conhecimento que tenho na surdocegueira é somente esse.(LILI).
Como desafio para a inclusão escolar desses estudantes, apontam a falta de formação
inicial e continuada na área da surdocegueira em nível universitário, ficando a cargo de
organizações não governamentais, como associações e instituições especializadas sem fins
lucrativos a realização dos cursos de formação de guia intérprete e instrutor mediador e
cursos de capacitação a profissionais da educação por todo o país, atores importantes mas
não substitutos do papel do professor na educação de estudantes com surdocegueira.
(IKONOMIDIS, 2019 p. 134).
A autora aponta o déficit de formação nas duas esferas de profissionais que atuam com
pessoas com surdocegueira: instrutor-mediador e guia-intérprete. Em consonância à autora abordo
a premência de formação acadêmica do profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português,
para que possa exercer sua função de maneira a atender todas as necessidades da pessoa com
surdocegueira adquirida.
aquela situação. Utiliza dos recursos de que dispõe para que essa interação seja espontânea.”
(VILELA, 2018 p. 73). Para Perrenoud (2006):
Dominar uma língua, sistemas de comunicação, técnicas de locomoção não pressupõe que
a pessoa tenha habilidades suficientes para desempenhar o papel de guia-intérprete, é
necessário que ela tenha habilidades adicionais que possibilite amalgamar e utilizar seus
conhecimentos simultaneamente, adequando as variáveis para interpretar, descrever e
orientar a pessoa surdocega. (CARILLO 2008, p 43).
A autora menciona que é fundamental mais que o domínio de uma língua para atender uma
pessoa com surdocegueira. Dorado (2004b) e Plazas (2002), elencam as características primordiais
do profissional guia-intérprete, e suas funções junto à pessoa surdocega. Eles abordam não só
aspectos comunicacionais, mas, também o auxílio à mobilidade. São eles:
XV.aceitar o toque, uma vez que a comunicação através do tato é o sistema mais comum entre
os surdocegos adquiridos;
XVI.ser sensível, uma vez que realiza um trabalho com pessoas que se encontram em situação
emocional delicada;
XVII.ter espírito de colaboração e habilidade para trabalhar em equipe, uma vez que o trabalho
de guia-intérprete é desgastante e cansativo, e um guia-intérprete necessita da ajuda do
outro;
XVIII.ter discernimento para priorizar as situações, levando em consideração que a segurança é
mais importante que a comunicação durante os deslocamentos;
XIX.ter conhecimento e habilidade para utilizar técnicas de deslocamento usadas com as
pessoas de baixa visão e cegas. (DORADO 2004B E PLAZAS 2002 apud CARILLO 2008
p. 45).
Eu fiz prova do Enem ano passado, aquela de costume certo? [...] O quê que aconteceu?
Se sou surdocega, eu preciso que me expliquem as coisas, mas a guia intérprete foi me
guiar até o banheiro. Na porta havia a revista, mas ela não sabia como me explicar, não
me falou nada, e eu, assustei muito. A pessoa passou um aparelho em mim de revista, mas
aí, eu não sabia de nada sobre o que estava acontecendo. Fiquei com vergonha.
(CRISTINA).
Eu trabalho no Enem. Então no Enem a gente tem além de apresentar os títulos, a gente
tem um curso de capacitação, de alinhamento. Todo ano, a gente tem um curso de
alinhamento, até esse ano já abriu o curso de alinhamento. Então é aí, não sei onde que
escapa, tudo isso. Porque tem que apresentar certificação, faz o curso de capacitação, e
na hora onde atua faz uma coisa dessa. (HILDA).
A narrativa de Hilda abre uma lacuna para a reflexão da necessidade de uma avaliação
empírica para os profissionais que atuam. Nalva continua:
Perfeito isso que você colocou, porque na verdade as pessoas falam que sabem, mas não
sabem. Pelo dinheiro elas vão, e eu acho que falta isso nas escolas também, passar por
uma avaliação, se a pessoa sabe um pouco de Libras, encara o trabalho de interlocutor e
quem sofre, são as pessoas com deficiências, os surdos. Então é perfeito a colocação, acho
que em todos os lugares precisava ter uma avaliação. Eu acho que deveriam passar por
uma banca, para saber se a pessoa sabe ou não, senão, os nossos meninos vão continuar
sem acessibilidade. (NALVA).
Em resposta a esse relato, uma participante fala sobre a competência do profissional que
faz cursos, possui diplomas, mas não têm experiência prática com a pessoa com surdocegueira.
Sarah complementa:
Só para fazer um complemento aqui, Elaine está falando de pessoas aqui, que têm cursos
e formações. Aí entra a Hilda, não levantando uma discussão, mas ter formação, ter
169
diploma é ser guia-intérprete? Eu não sou, porque eu não me considero. Mas eu fiz cursos,
com a [...], eu consegui conversar com ela durante o curso. [...] Eu tenho curso no Seli,
tenho cursos na Apasma. [...]. Gente, eu tenho cursos que eu poderia guia-interpretar, eu
sou habilitada para interpretar o Enem, só que aí, onde está a ética profissional. (SARAH).
A participante relata que tem vários certificados de vários espaços de formação, porém não
possui segurança, por não ter conhecimento prático com guia-interpretação. Ela ainda concatena:
Um surdo fala oi para mim, quando eu vou falar com o surdo a mão treme, eu sinalizo
para ele: fala devagar eu estou aprendendo... Isso também tem que ser levado em
consideração. Não é um profissional aquele que está no dia, porém ele é capacitado. O
diploma não te faz ser, tem que ser uma junção dos dois. [...]. Como tantas outras pessoas
é um trabalho muito digno, um trabalho muito nobre da parte de vocês, desse empenho de
crescer, para poder ser a voz do outro. [..]. (SARAH).
A participante trouxe uma contribuição ímpar falando sobre a importância da prática, ética
e consciência de assumir um posicionamento diante da inabilidade de saber-fazer e responder à
questão: “Será que tenho competência para isso”?
Diante das narrativas do curso refleti sobre a divisão de três grupos distintos: (i) aqueles
que são ad hoc, que é o caso de amigos e familiares; (ii) aqueles que têm a formação e articulam a
teoria com a prática, e (iii) aqueles que têm a formação, tem a teoria, mas não sabem atuar na
prática. Souza (2004) evidencia que no processo de formação:
mãe, possui uma função ímpar, e completou dizendo: “Mas, eu quero fazer direito.”, “Eu quero
fazer bem. Eu quero fazer certo.”.
Para Josso “[...] o conceito de experiência formadora implica uma articulação
conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, [afetividade] e ideação, articulação que
se [objetiva] numa representação e numa competência [...]” (JOSSO 2002 p. 35).
A busca constante na formação é tomada pelo desejo de fazer um trabalho competente
articulado ao propósito de atendimento e assistência a uma pessoa que não é um cliente. Mary quer
melhorar o desempenho para atender as filhas. Demosntra a participação da família nesse processo
de aprimoramento.
A ética profissional é exigida em todas as áreas, mas quando nos deparamos com a profissão
de Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português temos várias singularidades a observar. A ética
deve partir de ambas as partes: de quem fornece o trabalho, que é o Tradutor Guia-Intérprete de
Libras-Português, e de quem recebe o mesmo, que é a pessoa com surdocegueira. Assim Carillo
(2008), destaca:
Respeito e consideração – se nós surdocegos, desejamos que uma pessoa nos ajude como
guia-intérprete, devemos ter por ela o mais profundo respeito e consideração. [...].
Respeitar os momentos livres – todos na vida nos esgotamos, nos cansamos, nos
fatigamos... O guia-intérprete não é uma exceção. [...] Ser agradecido e recíproco – é
necessário na vida ser agradecido com aquelas pessoas que se oferecem a nós, ainda mais
a nosso guia-intérprete, profissional ou voluntário. [...]Bom trato – devemos tratar-lhe
como um colaborador inestimável, como um tesouro a quem se deve cuidar para não
171
perder, como o maior de nossos aliados, porque eles são nossos olhos e ouvidos. [...]
Devemos saber contornar os momentos difíceis e logo expor nossa insatisfação ou nossa
preferência. Como se vê, não é nada difícil ser um surdocego. Basta um pouco de controle
de nossa parte e um grande sentido de retidão (VILLACRÉS 2002, s/p).
O que é um olhar de quem está de fora? O que é o olhar desse esposo, que não entendeu
esse trabalho, nem entendeu o papel da esposa? E ela ainda insistiu: “Ah, mas eu preciso ajudar o
surdocego”. É uma situação complexa e difícil.
Na profissão de Tradutor Guia-Intérprete de Libras, temos que renunciar a nós mesmos, o
nosso próprio corpo, porque é uma doação, seja ela profissional ou seja ela ad hoc. Existem pessoas
com surdocegueira que precisam ter esse contato mais próximo, com formas de comunicação
distintas que carecem dessa proximidade.
Sobre esse profissional, Vilela (2018) relata que: “além do talento, é necessário desenvolver
uma conduta responsável, profissional e ética.” (VILELA, 2018 p. 74). Os participantes, que atuam
com familiares, evidenciam que é difícil manter a ética quando se está tão próximo a pessoa com
surdocegueira. A mãe do jovem com surdocegueira compartilha:
Porque você tem toda uma ética, você tem que ter toda uma sabedoria para trabalhar, para
você conduzir. Então acho que são duas coisas diferentes, você ser como mãe guia-
intérprete, porque você acaba sendo. Talvez você não tenha tanta ética, você deixa escapar
algumas coisas, porque você acaba interferindo como mãe. (NALVA).
90
Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/1709/1/Elenir%20Ferreira%20Porto%20Carillo.pdf
174
Os participantes careciam de refletir sobre o código de conduta ética e encontrar três soluções
possíveis para cada problema, e dessas três, escolher uma das alternativas. A atividade foi realizada
em duplas e/ou trios em que expuseram ao final do encontro a sua resolução. As situações
problemas e suas possíveis soluções estão narradas a seguir91:
Situação 1
Você está em um supermercado com uma pessoa com surdocegueira e quando chega ao
caixa, após você dizer o total da compra ela retira a carteira do bolso e começa a contar o dinheiro
que possui para entregar a você para que efetue o pagamento. A pessoa com surdocegueira se
atrapalha um pouco e reconta o dinheiro mais de uma vez antes de te entregar. O caixa começa a
ficar irritado e começa a reclamar e pedi para que você pague logo a conta. O que você faz?
Letícia: A) Aí a Cristina falou de conversar com surdocego explicar o ambiente ele está, explicar que há uma fila
grande, e pedir esse dinheiro para que você possa fazer esse pagamento, para que você possa contar, para agilizar.
B) Aí eu conversei com ela que eu Letícia, eu, eu ia falar com o caixa, esperem fiquem quieto que eu vou resolver
o problema. Aí eu ia falar com ela pedir, o dinheiro e pagaria.
C) A Rebeca falou... terceira opção... Que pedisse para esperar um pouco, informaria ela que está acontecendo, e
chamaria até mesmo pelo gerente, dentro do supermercado, dizendo tudo o que está acontecendo.
Porque ele como profissional, precisa ter essa paciência. E nós escolhemos a opção de conversar com ela, explicar
o ambiente, antes mesmo de chegar na fila, a gente andando, já sabe como é que tá o supermercado. E já
pedir de antemão esse dinheiro para ficar mais fácil.
Fonte: a pesquisadora.
Situação 2
Você está com uma pessoa com surdocegueira em um evento público (congresso ou
seminário) onde as pessoas normalmente se aproximam dele para conhecê-lo. Você percebe que
ela está cheirando mal a ponto de as pessoas perceberem. As pessoas chegam perto dela e saem. O
que você faria nessa situação?
91
Na resolução das situações problemas houve um debate e participação intensa dos participantes em que os casos
foram discutidos de maneira aleatória, retrospectivamente e prospectivamente, dessa forma não realizei os recortes
de vídeos das situações problemas de maneira individualizada; mas, compartilho a discussão completa com todas as
interferências e intercorrências de uma aula síncrona.
175
Ashlee: A) Então a gente pensou que o guia-intérprete tem a função de descrever o ambiente, não é, é para o
Surdocego. Então diante dessa condição, a gente precisa dar uma orientação aí. Então talvez chamar esse surdocego
para ir ao banheiro, e aí discretamente passar essa informação para ele.
Para que ele soubesse o que está acontecendo no ambiente, porque as pessoas estão se afastando. E importante que
ele tenha essa percepção do ambiente. Então a nossa função é comunicar, é informar.
E eu penso também que depende muito do contexto, porque pode ser que você tenha muita intimidade com essa
pessoa, e aí seja mais fácil de explicar. Agora, se você tá conhecendo esse surdocego, tá com pouco tempo de
contato. É um pouco mais difícil de passar essa informação né. Mas de qualquer forma, Eu Acredito que por
conduta ética é importante que, o guia-intérprete comunique e passe essa informação.
Até porque a gente tá falando da ação, do ambiente, precisa descrever o ambiente, explicar o que tá acontecendo.
Então ele tem o direito de saber.
Samuel: B) Então o que a gente estava discutindo, no grupo, é que depende muito de quem é o surdocego, depende
qual é o contexto do Fedor, né, porque às vezes o Fedor se for é .... como eu posso explica isso...... é que depende
muito se for por exemplo é se for CC aqui dá para explicar... Assim olha vamos no banheiro ali né...acho que eu as
pessoas estão aqui percebendo..
Então agora se for no contexto de ser gases....ai ai eu acho é bom e importante explicar falar assim, “olha então dá
uma controlada aí amigo que tá difícil”. Mas depende muito também do surdocego, da intimidade que você tem
com ele. E aí você o chama no particular e explica.
C) Se tiver num lugar por exemplo, que muita gente não sabe Libras tátil, perfeito aí você mesmo avisa, fala
“amigo, por favor neh”. Agora se tiver em lugar, que tem bastante surdos, assim que eles vão perceber, pela sua
língua de sinais. Aí é bom a gente, sei lá você discreto, a gente pode usar também a comunicação Háptica né.
Se for alguém que está atrás dele, ele pode avisar usando a comunicação Haptica e aí vai ser mais discreto.
Mas a ideia é ser mais discreto possível.
Kedma: Professora posso fale um pouquinho sobre esse tema?! Por ser um fato de constrangimento, que traz
constrangimentos para as pessoas. A gente precisa ter muita empatia nesse momento. Então o correto seria alguém,
testar usar um meio de comunicação, que trouxesse para o Surdocegos uma tranquilidade, “nossa está muito calor,
estou suando muito, eu vou usar desodorante, você vai passar também”?
Fonte: a pesquisadora.
Situação 3
As pessoas estão contando piadas em uma mesa de almoço, e a pessoa com surdocegueira
não teve acesso a essas informações. As pessoas estão rindo sem parar. De repente a pessoa com
surdocegueira pergunta o que está acontecendo. O que você faz?
Marcela: essa é uma situação que a gente vive acontecendo, não por imprudência do guia intérprete, é que às vezes
por exemplo, uma pessoa coloca alguma coisa na cabeça do outro ali na mesa, quer fazer uma zoeira, uma
brincadeira e aí todo mundo, caiu na gargalhada.
E foi tão rápido que não deu tempo de processar. A primeira discussão que a gente colocou é: A) A gente já fala
pro surdocego que é uma piada, porque até você descrever, todo o ocorrido, de repente, o surdocego pode até se
irritar, porque tá todo mundo dando risadas.
Elaine: É a primeira alternativa de vocês né
Marcela: Sim, acontece que muita coisa que tem graça para o ouvinte não tem graça pro surdo e nem para o
surdocego. Aí entra a nossa instrumentalização, para fazer que aquilo teria sentido e graça para o surdocego. Então
a gente colocou tudo isso na discussão. B) Falar para o surdocego que é uma piada, escrever; mas, com atenção,
que faça sentido para o surdocego.
Elaine: E a terceira? Já está na terceira, também?
Elaine:É tudo uma resposta só? C) Então assim você pode ignorar, falar assim “não é nada não”. Ou você pode
fazer “é uma piada” e não explicar. Ou você pode fazer assim “olha é uma piada que aconteceu, isso, isso, isso.”
Merivani: É, então nós 3, nós nem consideramos, não falar nada, e não explicar a piada. Nós nem consideramos
essa hipótese, já fomos direto para explicar mesmo.
Elaine: Mas, saiba que é uma hipótese que existe sim. Outra pessoa falaria assim “Ah não é nada não”. Não está
vendo mesmo.
Merivani: É verdade. Eu até falei para ela, tenho uma irmã que é surda, na casa da minha mãe acontece isso direto.
Eles não explicam para ela, o que está acontecendo. Agora que minha mãe finalmente, começou a estudar um pouco
a Libras, ela já começou ver o outro lado.
Então vire e mexe a minha mãe explica algumas coisas. Minha irmã tem 40 anos, e assim, tem hora que está a
família toda reunida e todo mundo rindo, ela está lá rindo também. Olhando para você.
Quando eu estou lá, eu ainda interpreto e falo, ele falou aquilo.... Aí ela ri com sentido. Eu tento mostrar isso para
família; mas é um trabalho de formiguinha.
Fonte: a pesquisadora.
Situação 4
Você tem o conhecimento que a pessoa com surdocegueira que você atende não gosta de
determinada pessoa. Essa pessoa chega ao local que ela está e começa a falar mal dela para outros.
O que você faz nessa situação?
Hilda: Alternativa A) Ir embora do local, levaria um surdocego embora. Alternativa B), ficaria, mas não contaria
nada do que está acontecendo. Alternativa C) Contextualizaria, e solicitaria a opinião do surdocego.
Márcia: Nossa resposta foi a C. Nós contextualizaríamos, para o surdocego: Ó fulano de tal chegou, e ele vai
se pronunciar. E aí o que que você quer? Você quer saber o que ele está falando de você? Ou você quer que
a gente saia do lugar? Nós colocaremos essa condição para o surdocego. Nós não tomaremos a decisão, mas
deixaremos o surdocego nos dar esse feedback, para assim, tomarmos uma decisão.
Elaine: Perfeito.
Fonte: a pesquisadora.
177
Situação 5
Uma pessoa com surdocegueira pede a você para levá-la em uma comunidade religiosa
diferente daquela que você frequenta. Chegando lá você precisa participar dos rituais para que ela
compreenda todo o contexto. Você faz o quê?
Rebeca: Na Alternativa A) a gente colocou dizer não já de cara. Pode acontecer. Alternativa B) pesquisar qual é
a comunidade, quais são os rituais. Para depois dar um parecer. Alternaria C) seria procurar uma outra pessoa que
pudesse fazer. Essas são as alternativas.
A nossa alternativa final, seria fazer essa pesquisa. Procurar saber, que comunidade é essa, diferença, quais
são os rituais, para ver se a gente ia se sentir bem, para depois dar um parecer.
E eu acho que a letra C dá para fazer um complemento né. Se a gente não se sente bem, não custa nada procurar um
colega que vai se sentir bem... Inclusive a professora Silvia, eu gostei muito muito mesmo da fala dela, ela contou
uma experiência.
Fonte: a pesquisadora.
Situação 6
Uma pessoa com surdocegueira gosta de esportes radicais e pede para que você salte de
paraquedas com ela. Como você sente medo, avisa a ela que não vai. Com a sua posição, ela desiste
do sonho de pular de paraquedas. O que você faz?
Charlie: O meu texto fala que, o surdocego gosta de esportes radicais, e pede para fazer uma interpretação numa
tela de paraquedas. Aí eu digo que eu não quero, que eu tenho muito medo. Aí ele responde que então acabou meu
sonho.
Eu não consegui ver as alternativas, tem aí para vocês?
Elaine: Não, as alternativas, você tinha que pensar, como que você poderia resolver.
Você poderia dizer, A) desculpa eu tenho muito medo, não vou poder ir. Essa seria uma, quais outras você pensou?
Charlie: A segunda alternativa B) poderia ser, se eu sou cardíaca, tenho algum problema grave, e não poderia de
jeito nenhum com você. Alternativa C) pensando na fidelidade e na ética, se ele responde “ah então acabou meu
sonho então”.
Para ajudar ele, com coragem iria junto.
Elaine: E O que você faria Charlie?
Charlie: Eu iria junto.
Fonte: a pesquisadora.
178
Situação 7
Você vai ao médico com uma pessoa com surdocegueira e o doutor faz um discurso longo
ao ver os exames solicitados, ao final da leitura de exames, diz para você que essa pessoa surdocega
tem uma doença muito séria e que ela tem pouco tempo de vida. Você faz o quê?
Nalva: Alternativa A) sai do médico e conversa depois. Alternativa B), interpreta na íntegra durante a consulta. Ou
C), omitir e deixar que a família converse depois.
Nós escolhemos a alternativa B), interpretar na íntegra. Porque, é uma situação muito séria e nós se fossemos
o próprio paciente, o medido teria falado para nós. Na lealdade, fidelidade é um momento de conversa, de
perguntar para que ele possa até tirar a suas dúvidas a respeito.
Então a gente escolheu interpretar na íntegra, para que todas as dúvidas, sejam sanadas ali naquele momento. É
uma situação difícil; mas, a gente precisa ter calma, paciência.
Fonte: a pesquisadora.
Situação 8
Uma pessoa com surdocegueira é muito versátil e gosta de aprender novas atividades,
pesquisa vários cursos e decide fazer um curso de dança; mas, para isso precisa de um
acompanhante para ensinar dança para ela. Você não sabe dançar nem sozinho, quanto mais
acompanhado. O que você faria nessa situação?
Ivonete: Bom primeiro eu ia explicar para o surdocego que eu não sei dançar, não sei de jeito nenhum. Mas é se
ele quisesse, eu ia dar 2 opções para ele. A) Se você quiser eu posso acompanhar, até a..... é se você gosta tanto
assim da minha companhia, eu posso te acompanhar até a escola de dança.
E fazer a mediação entre você e o instrutor, auxiliar o instrutor de dança na parte técnica, no que eu puder. Ou então
se você preferir, e achar mais conveniente, B) nós podemos procurar um outro guia-intérprete que seja capaz de
fazer melhor, que saiba dançar e tudo mais.
Aí se acaso ele não aceitasse nenhuma das condições. C) Ia ter que fazer ele mudar de ideia procurar outro curso
então.
Elaine: Qual foi a opção que vocês escolheram então?
179
Rebeca: Uma das opções que a gente ficou mais enfatizando e que ele poderia comunicar em aberto, é que
nós não saberíamos, falar e dançar. Nós não sabemos dançar, mas que poderíamos acompanhar. Então acho
que é, transmitir para ele toda a parte técnica, do passo a passo.
Tudo aquilo que o professor for orientando. Mas que ele fosse conduzido, na hora da parte prática, quem iria
conduzi-lo seria o professor. Assim foi o que a gente conversou aqui.
Fonte: a pesquisadora.
As duplas/trios se empenharam na atividade e mostraram propostas interessantes
fortalecendo o protagonismo. Apresentaram as respostas baseados no código de ética dos guias-
intérpretes. Além disso, tivemos a participação das pessoas com surdocegueira sobre suas
percepções de como gostariam que essas situações fossem solucionadas.
Fonte: a pesquisadora.
O vídeo aponta as respostas, interações que ocorreram, e as experiências cruzadas que
foram compartilhadas. As características listadas no quadro 9 sobre a ética do profissional guia-
intérprete foram parâmetros mencionados em respostas da proposta de resolução das situações
problemas.
As pessoas com surdocegueira participaram ativamente da resolução das situações e
refletiram sobre como eles gostariam de ser atendidos nestas circunstâncias mencionadas. No papel
de guia-intérprete destaco a importância do fortalecimento do vínculo para um atendimento
diferenciado, visto que, isso o torna qualitativo, em consonância a habilidades, competências,
interesses e aptidões descobertos no relacionamento proximal.
92
A Libras em campo reduzido é utilizada por pessoas com surdocegueiras que possuem resíduos visuais, dessa forma
o TGILSP se posiciona à frente da pessoa com surdocegueira dentro do campo de percepção visual dele. A distância e
posicionamento varia de acordo com cada pessoa com surdocegueira.
181
educação básica em Carapicuíba. [...] Eu tenho pós-graduação em língua de sinais e estou fazendo
outra graduação em gestão. Também tenho a formação na área de deficiência visual.” (SININHO).
A participante Silvia menciona que: “Eu tenho Licenciatura em matemática, pós-graduação em
interpretação-tradução e docência em Libras pela Uníntese.” (SÍLVIA).
Um panorama legal sobre a regulamentação da profissão do Tradutor Guia-Intérprete de
Libras-Português é elencado pela Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores
e Intérpretes e Guia-intérpretes de Língua de Sinais93 (FEBRAPILS). A entidade profissional
autônoma, fundada em 22 de setembro de 2008, tem a finalidade de orientar, apoiar e respaldar
o trabalho dessa classe profissional de tradutores intérpretes, bem como as associações que os
representam.
A FEBRAPILS defende três pilares principais que consistem na formação inicial e
continuada dos profissionais TILSP (Tradutor Intérprete de Libras-Português), que consiste em
meu objeto de pesquisa. A profissionalização sobre a atuação dos TILSP à luz do código de
conduta e ética, que é imprescindível para uma atuação consciente, e o engajamento político dos
TILSP para construir uma consciência coletiva e conquistar espaço e reconhecimento em
diversos âmbitos.
Em destarte o panorama da legislação em ordem cronológica até chegarmos na vigente,
elucidando a atuação do profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português.
A Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre o reconhecimento da Libras
como meio legal de comunicação da comunidade surda brasileira, que contempla o atendimento
a pessoas com surdocegueira também pela perda sensorial auditiva.
Art. 1º. É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira
de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
Art. 2º. Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão
da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização
corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3º. As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de
assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de
deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
Art. 4º. O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e
do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação
93
Informações disponíveis no site com o endereço eletrônico: https://febrapils.org.br/ Acesso em: 27 mai. 2021.
182
Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-
se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras -
Língua Portuguesa.
Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação de
tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada
por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de extensão universitária; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e
instituições credenciadas por secretarias de educação.
Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por
organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o
certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III. (BRASIL,
2005).
Art. 1º. Esta Lei regulamenta o exercício da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS.
Art. 2º. O tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas)
línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação
da Libras e da Língua Portuguesa.
Art. 3º. (VETADO)
Art. 4º. A formação profissional do tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa,
em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I – cursos de educação profissional reconhecidos pelo Sistema que os credenciou;
II – cursos de extensão universitária; e
III – cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e
instituições credenciadas por Secretarias de Educação.
183
Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por
organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o
certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III. (BRASIL,
2010).
Dessa forma, mesmo sem mencionar o Tradutor Guia-Intérprete faz referência a utilização
da Libras para comunicação com a pessoa com surdocegueira e com o entorno, fazendo essa
transposição linguística.
Em 2015 foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência). A Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que traz em seu texto no capítulo
IV o Direito à educação, mencionando projetos e práticas pedagógicas visando a inclusão plena às
pessoas com deficiência. Nessa lei aparece a atuação do profissional guia-intérprete.
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema
educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma
a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas,
sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de
aprendizagem. [...]
XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional
especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais
de apoio; [...]
§ 2º Na disponibilização de tradutores e intérpretes da Libras a que se refere o inciso XI
do caput deste artigo, deve-se observar o seguinte:
I - os tradutores e intérpretes da Libras atuantes na educação básica devem, no mínimo,
possuir ensino médio completo e certificado de proficiência na Libras; (Vigência)
II - os tradutores e intérpretes da Libras, quando direcionados à tarefa de interpretar nas
salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com
habilitação, prioritariamente, em Tradução e Interpretação em Libras. (Vigência)
(BRASIL, 2015 grifos da autora).
184
Mais uma vez a lei traz a primazia da formação em níveis de graduação e pós-graduação
para os TILSP que atuam no ensino superior, e a proficiência para aqueles que atuam na educação
básica, mas não mencionam especificamente a formação do Tradutor Guia-Intérprete.
A Lei 12.319/2010, dispõe de progressos sobre o exercício profissional e condições de
trabalho do profissional TILSP, mas não menciona a regulamentação do Tradutor Guia-Intérprete
de Libras-Português.
94
O Projeto de Lei PL 9.382/2017 tramitou na Câmara dos Deputados fora discutido nas
cinco regiões do Brasil, em plenárias, para propor o texto definitivo e negociações de forma
coletiva. Essa proposta foi aprovada em plenário em regime de urgência em 24 de abril de 2019.
Em 10 de dezembro de 2020 o projeto de lei foi aprovado em plenária pela Câmara dos Deputados
Federais e foi encaminhado ao Senado Federal para tramitação e aprovação. Atualmente atende
por PL 5614/2020 e aguarda tramitação no Senado Federal. O Projeto de Lei define:
94
PL foi remetido (em 14/12/2020) ao Senado Federal e atualmente aguarda apreciação dos senadores. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2166683 Acesso em: 07 out. 2022.
185
Perguntei inclusive lá para a coordenadora, e ela não soube me informar. Porque a gente
não domina, realmente eu não tenho o domínio de todas as formas de comunicação; e se
ela utilizasse por exemplo, o braile tátil, eu estaria perdida, porque eu não tenho domínio
do braile tátil. E outras formas de comunicação. Sei algumas, porém não sei todas ainda.
Posso até aprender um pouco mais; mas, é difícil. E aí eu fiquei assustada, porque quando,
antes da gente começar a fazer a Guia-interpretação de atender essa pessoa. E chegou uma
guia-intérprete, foi uma das primeiras pessoas que chegou no prédio, eu fiquei
conversando com ela que me contou que ela fez um curso online, aí eu falei assim: “Nossa!
E você sabe qual é o tipo de comunicação que a gente vai utilizar?” Ela respondeu: “, A
Libras tátil né” aí eu falei: “Ah nem sempre”. (ASHLEE).
Essa narrativa evidencia a urgência da formação com carga horária específica, que
contemple todas as formas de comunicação na surdocegueira, porque a Libras tátil nem sempre é
utilizada pela pessoa com surdocegueira que atendemos, existem outras demandas.
A Libras tátil, se configura como um ponto de partida, visto que contempla uma estrutura
linguística sólida e é reconhecida como língua. Nessa perspectiva, o curso bacharelado de Letras-
Libras seria um pontapé inicial.
Atualmente oito universidades públicas oferecem o curso de bacharelado em Letras-Libras
no Brasil, computando cargas horárias diversas e objetivos de desenvolvimento de competências,
habilidades e atitudes nas áreas de interpretação em língua de sinais e atendimento ao público surdo
como compartilhado no quadro a seguir:
UFSC Letras Libras: 2.850h […] objetiva produzir e divulgar conhecimento nas áreas de língua,
Bacharelado - literatura e cultura, buscando disponibilizar os meios que possam
EAD contribuir para a capacitação do futuro professor e do futuro
bacharel, integrados à sociedade através da formação de
profissionais competentes, críticos e criativos […] de modo a
exercer de maneira plena as atividades de professor, pesquisador,
crítico literário, tradutor, intérprete, revisor de texto, roteirista,
assessor cultural, lexicógrafo, entre outras, enfim, atividades de
profissionais das letras inseridos nos atuais contextos promovidos
pelo advento da globalização […] [esse trecho se refere tanto ao
bacharelado quanto a licenciatura]
UFSC Letras Libras: 3.360h […] objetiva produzir e divulgar conhecimento nas áreas de língua,
Bacharelado – literatura e cultura, buscando disponibilizar os meios que possam
PRESENCIAL contribuir para a capacitação do futuro professor e do futuro
bacharel, integrados à sociedade através da formação de
profissionais competentes, críticos e criativos […] o bacharel
poderá prestar serviços linguísticos de diferentes tipos como
revisão e redação de textos, tradução e consultoria linguística, por
exemplo.
UFRJ Letras Libras: 2.890h […] possui o objetivo específico de formar tradutores e intérpretes
Bacharelado – de Libras-português, com sólidos conhecimentos de teorias da área
UFRJ de Estudos da Tradução, Interpretação, Linguística e Literatura.
[…] Este curso formará profissionais aptos para atuar como
tradutor e intérprete de LIBRAS, em diferentes contextos, com foco
na área da educação.
UFG Letras: 3.160h […] destina-se à formação de tradutores e intérpretes de Libras para
Tradução e português e vice-versa para atender às diversas demandas
Interpretação linguísticas existentes na esfera social. O bacharel deste curso
em poderá atuar, também, no desenvolvimento de pesquisas no campo
Libras/Portuguê da Linguística e da Tradução, bem como exercer funções que
s: Bacharelado – tenham como foco principal a linguagem em uso, especificamente
UFG no que diz respeito à tradução e interpretação de Libras para
Português e vice-versa.
UFES Letras Libras: 3.020h […] objetiva produzir e divulgar conhecimento nas áreas de língua,
Bacharelado em literatura, tradução e cultura. Os alunos receberão formação
Tradução e prático-teóricas no campo dos estudos da tradução e da
Interpretação – interpretação de Língua Portuguesa Língua Brasileira de Sinais ou
UFES vice-versa. O bacharel em Letras-Libras poderá prestar serviços
linguísticos de diferentes tipos, de tradução/interpretação de textos
gerais, literários, jurídicos, econômicos, técnicos e científicos e em
diferentes contextos de interpretação.
187
UFRR Graduação em 2. 580h […] pretende formar profissionais que sejam capazes de lidar com
Letras/Libras: as linguagens nos contextos oral, sinalizado e escrito bem como
Bacharelado – tratar com a interculturalidade, construindo e propagando uma
UFRR visão crítica da sociedade. Considerando à formação de bacharéis
que dominem a Libras e a língua portuguesa bem como fatos
relativos às culturas surda e ouvinte, de modo a exercerem de
maneira plena as atividades de tradutor, intérprete, revisor de texto,
roteirista entre outras atividades de profissionais das letras
inseridos nos atuais contextos promovidos pelo advento da
globalização […]
UFSCAR Bacharelado em 2.940h O objetivo geral […] é de formar profissionais com postura ética,
Tradução e crítica e reflexiva quanto ao seu papel e sua prática de atuação junto
Interpretação à comunidade surda. Os objetivos específicos do curso são: -
em Libras/ capacitar profissionais tradutores e intérpretes de Libras-Língua
Língua Portuguesa para lidar com as diferentes linguagens em circulação
Portuguesa – social em Libras e em Língua Portuguesa; - conscientizar os
UFSCar profissionais tradutores e intérpretes de Libras-Língua Portuguesa
sobre sua inserção na sociedade e nas relações com os outros; -
capacitar profissionais tradutores e intérpretes de Libras-Língua
Portuguesa para atuarem nos diversos espaços sociais […]
UFRGS Bacharelado em 3.255h […] tem como objetivo formar profissionais capacitados para
Letras: Tradutor realizar traduções e versões de textos variados, além de oportunizar
e Intérprete de o desenvolvimento das competências necessárias ao exercício da
Libras – tradução […] visando à formação de tradutores e intérpretes que
UFRGS tenham o domínio das línguas estudadas bem como de fatos
relativos às suas culturas, de modo a exercer de maneira plena as
atividades de intérprete, pesquisador, consultor linguístico, entre
outras […]
95
Informações disponíveis no site da UFES no endereço: https://letras.ufes.br/pt-br/matriz-curricular-4 Acesso em 25
mai. 2021.
188
- Universia
Fonte: A pesquisadora em pesquisa realizada pelo Google.
Enquanto não se propõe a formação em nível de graduação, são realizados cursos de
formação continuada e capacitação, fornecidos por ONGs e instituições que atendem pessoas com
surdocegueira e múltiplos deficientes sensoriais.
O primeiro curso de capacitação intitulado “Capacitação de guias-intérpretes empíricos
para pessoas surdocegas” aconteceu na cidade de São Caetano do Sul no estado de São Paulo com
189
O curso ocorreu na Escola Municipal Anne Sullivan, a primeira destinada a pessoas com
surdocegueira da América Latina. A partir daí outras capacitações aconteceram e estão relatadas
na apostila de Formação de Guia-Intérprete vinculada ao Projeto Pontes e Travessias. A apostila
foi elaborada e revisada pela Professora Dra. Shirley Rodrigues Maia e a Professora Ms. Dalva
Rosa Watanabe. O curso se processa em parceria à Associação Educacional para Múltipla
Deficiência (AHIMSA), Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial
e a Associação Brasileira de Surdocegos (ABRASC).
A apostila apresenta dados históricos referentes a formações, eventos e celebridades
surdocegas do Brasil e do exterior e relatos da realização de dez cursos de capacitação entre os
anos de 2000 e 2004, em diversos estados e instituições.
profissionalização. “Gostei muito do curso proposto pela AHIMSA. Agregou muito no pouco
conhecimento que tinha sobre as abordagens e tipos de comunicação que tinha apenas por ter
contato com esses sujeitos. Aprendi outras possibilidades comunicativas das quais desconhecia.”
(ASHLEE).
O que compartilharam foi referente à oportunidade de realizar estágio com pessoas com
surdocegueira que utilizam diversas formas de comunicação. Nessa perspectiva, de atuação com
pessoas surdocegas adquiridas, é possível refletir sobre a atuação e nosso papel na vida de cada
pessoa que atendemos. Uma das participantes realizou uma observação referente ao tempo de curso
e necessidade de aperfeiçoamento.
[...]seria de suma importância que o curso pudesse aprofundar mais tais formas de
comunicação pois infelizmente ninguém conclui o curso dominando-as efetivamente. Se,
teoricamente conquistamos o certificado e saímos aptos a atender os surdocegos como
ficaria a questão se, um dia nos depararmos com um surdocego que se comunique apenas
com o Braille tátil por exemplo e não temos o domínio dessa forma de comunicação nas
formas expressiva e receptiva, ou o uso das pranchas alfabéticas em Braille, entre outras
formas comunicacionais que temos conhecimento da sua existência e não temos o
domínio? (ASHLEE).
Concordo com Ashlee, que são necessários espaços de formação consistentes, que
privilegiem teoria e prática e promovam conhecimento pleno de formas de comunicação com suas
respectivas práticas. Ashlee concatena a seguinte frase: “Se formos multiplicadores dessas
possibilidades comunicacionais de forma efetiva estaremos propondo mais e mais autonomia e
lugar de fala a esses sujeitos que ainda estão à margem da sociedade.” (ASHLEE).
Não está construída uma proposta de formação acadêmica em nível de graduação para o
profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português no Brasil, porém existem iniciativas em
países da Europa.
Um exemplo foi compartilhado em workshop por Lahtinen, uma guia-intérprete que iniciou
o trabalho com a comunicação social háptica na Finlândia e aperfeiçoou com Palmer. Ela
compartilha a seguinte afirmação:
Na Finlândia demora quatro anos para você ser qualificado, e nós chamamos de intérpretes
de língua de sinais, esse é o nome da profissão. Então nos dois primeiros anos tem uma
formação básica sobre sinalização e interpretação, e nos dois anos seguintes a pessoa pode
escolher qual a área que quer se especializar, você pode se especializar por exemplo em
surdocegueira ou no ensino de sinais ou sinais internacionais. (LAHTINEN, 2021 96).
96
Whorkshop ministrado nos dias 12 e 13 de junho de 2021 via plataforma Zoom para um grupo de profissionais
guias-intérpretes.
192
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Posso afirmar que dentre as tensões vividas, foi a experiência relacional representada por
um profundo envolvimento nesse encontro entre mim e os participantes do curso, que se deu de
forma absolutamente intensa, a mais significativa e modificadora experiência que me tornou a
pesquisadora em que me reconheço.
Coaduno com a concepção de Clandinin e Connelly que afirmam que a pesquisa narrativa é
relacional e passamos pela tensão do envolvimento: “[...]eles devem tornar-se completamente
envolvidos, devem “apaixonar-se” por seus participantes, e devem também dar um passo para
trás e olhar suas próprias histórias.” (CLANDININ e CONNELLY, 2015, p. 121).
Sendo assim, posso representar por um exercício imagético, um jogador de futebol que
estando em campo, exprime na relação com os participantes da partida, uma atuação conjunta na
experiência do jogo, mas em campo restringe as ações em virtude do posicionamento dos jogadores
uma vez que preso às regras e a um campo visual restrito, torna-se por vezes ainda mais difícil
alcançar certas compreensões. A visão limita-se no campo.
O movimento mais desafiador consistiu no distanciar-se “dar um passo para trás” na
reflexão do vivido e experienciado, dessa forma, sair do campo e ir em direção à arquibancada. A
visão possível concedida pelo distanciamento me permitiu conceber novas leituras e mais uma vez
ressignificar a mim e o que me foi possível compreender.
Durante o processo de pesquisa os encontros entre guias-intérpretes e as pessoas com
surdocegueira, configurou-se como fator essencial para o desenrolar da comunicação e alargamento
das possibilidades comunicativas, para além daquelas já conhecidas e desempenhadas por eles. O
encontro no ato de estar junto, e perceber o outro como pessoa surdocega construiu pilares que
sustentam a profissionalização do ser guia-intérprete. Outras descobertas foram se desenvolvendo
no decorrer dos estudos e pesquisas.
193
Samuel: Foi muito importante, a comunicação social háptica nos abriu um grande viés, importante na educação, na
formação e na comunicação dos surdocegos. Tanto surdocegos que utilizam as Libras tátil, quanto outras formas de
comunicação, como o Tadoma. Até mesmo para nós ouvintes a comunicação social haptica, ela tem um poder
incrível de trazer a comunicação para qualquer tipo de pessoa, foi de extrema importância.
Letícia: Nós temos alguns métodos diferentes de comunicação, através até mesmo da estrutura da Libras Tátil. Um
pouco diferente, mas sempre permanecemos juntos, nós sempre estamos praticando com ela (surdocega). Quando
fui me comunicar com ela eu fui sem saber de nada; mas, estamos sempre em desenvolvimento e aprendendo juntas.
Ana Lis: O curso, ele só veio para completar, contribuir, agregar valor. Muito bom, esse conhecimento transmitido,
compartilhado.
Nalva: Antes da formação, sou formada há 08 anos, eu já fazia algumas questões, mas; eu não entendia os porquês,
os nomes né, dar nomes aos bois, eu não sabia o que era Libras tátil, não conhecia comunicação social háptica. Eu
acho assim, muitos momentos, ele (filho surdocego) não tem guia-intérprete, então a guia-intérprete dele sou.
Silvia: Sobre o curso, gostei muito, agregou mais ao meu conhecimento, eu não tinha conhecimento sobre a
Comunicação Social Háptica. E vontade enorme de me aprofundar mais nesse assunto.
Merivani: O curso me mostrou um outro lado, que eu não conhecia, me emocionou bastante, mostrou
principalmente as dificuldades dos surdocegos. Eu tenho uma irmã surda, e já observo as dificuldades dela no dia a
dia; mas, me comoveu muito as situações. Eu ainda não conhecia as histórias dos surdocegos. Esse curso abriu
muito a minha mente, para buscar novas possibilidades e tentar ser mais útil, essa experiência me alegrou.
Lili: Foi um excelente curso de esclarecimento, de conhecimento, que me acrescentou profissionalmente, não tenho
como descrever; pois, foi algo grandioso e estou ansiosa para o próximo curso.
Ivonete: Me deu vontade de me aprofundar, e pôr em prática. Se tivesse com o Leandro (surdocego) por perto eu
poderia combinar algum sinal também.
Fonte: a pesquisadora.
Desta forma, reflito no papel de pesquisadora e observadora as experiências dos
participantes. O envolvimento com o campo de pesquisa foi visceral, realmente apaixonante.
Perceber o que emerge das narrativas dos participantes: o interesse em formar-se e transformar a
195
vida das pessoas com surdocegueira que atendem por meio da comunicação, é sem dúvida o
resultado mais notável da pesquisa.
No entanto, a pesquisa da tese não se limitou ao curso: “Estratégias na guia-interpretação e
utilização da comunicação social háptica para pessoas com surdocegueira”; mas, ultrapassou as
fronteiras dele, as questões levantadas e as descobertas que emergiram no trajeto do doutorado me
fizeram ir além das propostas do curso. A metodologia da pesquisa-formação e as narrativas
permitiram que me formasse enquanto formava o outro, e me impulsionaram a buscar perspectivas
além daquelas descortinadas em aulas.
Os processos que atravessei despertaram inúmeros sentimentos: estive vislumbrada,
eufórica e ansiosa; mas, atualmente esses movimentos se configuram como naturais. Tenho apreço
pelo caminho que trilhei e as redes que formei a partir dos encontros. Alguns desencontros foram
necessários para que encontros especiais acontecessem. O Grupo de Estudos e Pesquisas em
Inclusão e Comunicação Social Háptica – GEPICSH97, configura-se como um desses encontros
com pesquisadores e tem um longo caminho pela frente: estudar, pesquisar, compartilhar e
estruturar a comunicação social háptica como língua adaptada à cultura das pessoas com
surdocegueira brasileiras.
Como desdobramento da pesquisa de doutorado, em 2021 iniciaram os trabalhos do
GEPICSH. O Grupo está em ação na perspectiva de continuidade na descoberta da comunicação
social háptica como língua e conta com a participação de Riitta Lahtinen e Russ Palmer precursores
da comunicação social háptica com status de língua.
O grupo, interinstitucional e transdisciplinar, é composto por pesquisadores de várias
instituições de ensino, tanto públicas como privadas, nacionais e internacionais, bem como,
profissionais de diversas áreas de conhecimento e atuação. Tem o propósito de fomentar
conhecimento, desenvolver e compartilhar a comunicação social háptica incluindo o embasamento
estrutural e teórico e sua composição linguística.
Lahtinen e Palmer compartilharam com o GEPICSH a tese de doutorado construída em dez
anos de estudos, com as devidas adequações para a utilização contemporânea da comunicação
social háptica. Além disso cada participante do grupo produziu um memorial formativo em formato
de artigo com as narrativas autobiográficas de seu percurso na área de inclusão. Esses artigos serão
97
O GEPICSH está sob a liderança da Professora Dra. Adriana Barroso de Azevedo, e atuo como co-líder. Para mais
informações acerca do Grupo de Pesquisa acesse o espelho em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/8819302353907682
acessado em 20 abr. 2022.
196
98
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=s40PUuvrHFY&t=664s acesso em 03/01/2021
99
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Sqco5JAFnuo&t=161s acesso em 03/01/2021
100
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=w-Si0OQ_okM&t=392s acesso em 03/01/2021
197
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pessoas com surdocegueira/Hélio Fonseca de Araújo...[et al.]. – 1 ed. – Petrópolis – Editora
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Intérpretes Para O Uso Da Comunicação Social Háptica E Efetiva Inclusão De Surdocegos.
CIET: EnPED, 2020.
ANEXOS
ANEXO A – NARRATIVA DE APRESENTAÇÃO E REFLEXÃO DOS ALUNOS DO
CURSO
Lili: Boa noite Elaine meu nome é Lili, eu moro na cidade de Ipatinga-MG. A minha formação é
de pedagoga, pós-graduada em educação especial inclusiva, pós-graduada em Libras e pós-
graduada em neuropsicopedagogia. Atualmente estou fazendo bacharelado em Letras-Libras.
A minha experiência com a Libras iniciou-se a 22 anos, quando eu iniciei meu namoro com o meu
esposo, o meu cunhado, irmão do meu esposo, é surdo, ele ficou surdo aos 7 anos de idade, devido
a meningite. Foi a partir daí que comecei com a Libras.
A minha trajetória com as pessoas cega, iniciou-se a 16 anos, a minha irmã teve problema em sua
retina então veio a ficar cega aos 22 anos de idade, foi então que a minha trajetória começou.
Eu trabalho aqui no município, em escolas aqui do município mesmo, como professora em domínio
Libras, com atendimento especializado a surdos, a minha função é de adaptação eu não tenho a
função de intérprete educacional, a minha função é de adaptação de todos os materiais. Trabalho
com estimulação precoce, com a psicomotricidade, então trabalho muito com anos iniciais.
Também trabalho em uma APAE aqui no município, com deficiências múltiplas, na sala de
estimulação precoce, com crianças de 0 a 5 anos de idade.
Neste trabalho na AAE, eu trabalho com uma criança autista e cega, e assim é a minha rotina.
O trabalho com a surdocegueira eu ainda estou iniciando, aproximadamente 2 anos, no âmbito
religioso nós recebemos um surdo, que ficou surdo já adulto, e agora já está com baixa visão, com
o passar do tempo ele foi perdendo, mais ainda a visão, hoje ele enxerga bem menos, e já está
fazendo o uso da bengala.
A interpretação ara ele é feita no campo reduzido, ele está em aquisição da Libras e das outras
formas de comunicação, nós estamos adaptando ainda aquilo que for melhor para ele. Como nós
também estamos em construção desse conhecimento, no âmbito educacional.
Nesse ano de 2020 eu iniciei o ano, com meu trabalho e surgiu a necessidade de eu atender um
surdo, também adolescente de 14 anos com baixa visão, esse período de pandemia foi bem difícil,
pois ele enxerga pouco então também tivemos que fazer algumas datações no nosso atendimento
presencial.
208
Ele é um adolescente de 14 anos que, também está perdendo a visão gradativamente, a família
ainda não sabe de fato qual que é o problema, uma família muito carente, eles ainda não tiveram
retorno medico ara dizer qual especificamente seria o problema dele.
Ainda está em fase de investigação, eu não tenho muito o que falar sobre o trabalho com surdocego
ainda estou iniciando nessa área, em forma de conhecimento nessa área, então esse curso, quando
você me convidou fiquei extremamente feliz porque estou aprendendo.
Foi um excelente curso de esclarecimento, de conhecimento, o que me acrescentou
profissionalmente, não tenho como descrever, pois foi algo grandioso e estou ansiosa para o
próximo curso. Este ano estava programado para eu fazer o curso na rensa, mas por conta da
pandemia eu não pude ir, vamos ver se agora em 2021 eu consiga fazer o curso de guia intérprete,
porque eu não tenho curso especifico nessa área, eu realizo a guia interpretação na igreja no âmbito
religioso esse surdo cego; mas, eu não tenho a formação para executar esse trabalho, o
conhecimento que possuo foi adquirido na igreja com as outras guias intérpretes, meu
conhecimento que tenho na surdocegueira é somente esse. As adaptações que foram feitos vem do
meu conhecimento profissional na cegueira, as adaptações com ele é foram do dia a dia, aquilo que
eu vivo no meu dia a dia, no meu trabalho, na minha vida pessoal com a minha irmã, são essas as
adaptações que são feitas. O conhecimento de formação eu ainda não tenho, estou buscando ter.
O curso foi excelente, acrescentou muito na minha formação profissional e pessoal de
conhecimento, conhecimento de conhecer o Leandro a Cristina, e tantos outros que foram
apresentados a nós nesse curso, me deu uma nova visão de como é a vida do surdocego, ele é uma
pessoa de direito uma pessoa como nós. Nós que precisamos melhorar nossa formação de
comunicação, estou apaixonada no curso.
Samuel: No segundo semestre de 2020 a convite da Professora Doutoranda Elaine Gomes Vilela,
fiz o curso de formação de guia intérprete, com ênfase nas Libras tátil e comunicação háptica. Esse
curso foi muito importante na minha formação acadêmica, como atuo com surdos cegos que
utilizam a Libras tátil.
Alguns surdocegos que utilizam a Libras tátil, conheci na transição, também da aptidão da
comunicação háptica; foi um processo muito importante. Esse curso me fez entender várias
‘nuances’, de como o surdocego se apropria da comunicação háptica. Nesse curso também, tivemos
alguns cursistas que são surdos cegos, esses cursistas relataram suas experiências pessoais, o que
foi muito importante para a nossa formação.
209
Também, com os nossos colegas de turma, tinha alguns familiares de surdo cegos, eles
relataram suas experiências. Tinha uma cursista que, tem uma irmã cega, e ela nos contou a
importância da comunicação háptica para as pessoas surdocegas e as experiências através da
comunicação para as pessoas com cegueira.
Foi muito importante, a comunicação háptica nos abriu um grande viés, importante na
educação, na formação e na comunicação dos surdocegos. Tanto surdocegos que utilizam as Libras
tátil, quanto outras formas de comunicação, como o tadoma. Até mesmo para nós, ouvintes a
comunicação háptica, ela tem um poder incrível de trazer a comunicação para qualquer tipo de
pessoa, foi de extrema importância.
O estágio, eu fiz com uma pessoa que não era surdocega; mas, o relato dessa pessoa que fiz
o estágio, mais os relatos das outras pessoas do curso, foi muito importante. Porque entendemos
que, a comunicação háptica, ela é uma comunicação importante na vida de pessoas com
surdocegueira e com cegueira, é uma alternativa que complementa muito a construção magnética
com a pessoa com surdocegueira.
Ashlee: Olá pessoal, tudo bem? Meu nome é Ashlee Souza, sou pedagoga. Formada pela
Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho Nesp. Sou guia-intérprete formada pela
remissa São Paulo, também intérprete educacional pelo governo do estado de São Paulo. Áudio-
descritora para a faculdade facum, pós-graduada em design educacional e pós-graduanda em
educação inclusiva.
Presto serviço voluntario, para uma instituição religiosa, em um grupo de acessibilidade,
contribuindo para adaptação de materiais, também presto serviço como guia-intérprete e intérprete,
nesta mesma instituição.
Este curso, que estamos finalizando, me agregou muito conhecimento, principalmente por
conta das pessoas que participaram, os surdos cegos que foram de suma importância, os relatos que
foram trazidos, as experiências de vida dos colegas de classe eu foram trazidos contribuíram muito.
Aprendi muito com esse curso com os conteúdos trazidos, pela nossa querida professora
Elaine, ele serviu muito para o meu aprendizado. Queria relatar que eu gostaria muito de dar
continuidade a esse trabalho, e que nós pudéssemos aprender mais e compartilhar esse
conhecimento. Foi um grande prazer poder estar com todos vocês, aprender com todos vocês e
muito obrigado a todos, até a próxima.
210
Gostei muito do curso proposto pela AHIMSA. Agregou muito no pouco conhecimento que tinha
sobre as abordagens e tipos de comunicação que tinha apenas por ter contato com esses sujeitos.
Aprendi outras possibilidades comunicativas das quais desconhecia. Porém entendo que, seria de
suma importância que o curso pudesse aprofundar mais tais formas de comunicação pois
infelizmente ninguém conclui o curso dominando-as efetivamente. Se, teoricamente conquistamos
o certificado e saímos aptos a atender os surdocegos como ficaria a questão se, um dia nos
depararmos com um surdocego que se comunique apenas com o Braille tátil por exemplo e não
temos o domínio dessa forma de comunicação nas formas ativa e receptiva, ou o uso das pranchas
alfabéticas em Braille entre outras formas comunicacionais que temos conhecimento da sua
existência e não temos o domínio? Sendo assim é redundante se exigir que o guia-intérprete seja
considerado como tal se apenas for certificado apenas por uma instituição. Não digo que não seja
necessário ter uma formação, considero extremamente necessário a formação só não concordo com
a monopolização de sua titularidade por esses e outros fatores. Acredito que embora seja quase
remota a possibilidade desse profissional dominar todas as formas de comunicação o que
aprendemos é para atender a pessoa com surdocegueira independente da sua forma comunicacional
e possibilitar a ele o aceso a informação e a possibilidade de propor autonomia a esse sujeito. Sendo
assim, se formos multiplicadores dessas possibilidades comunicacionais de forma efetiva
proporemos mais e mais autonomia e lugar de fala a esses sujeitos que ainda estão à margem da
sociedade.
Letícia: Olá, boa noite! Me chamo Letícia. Eu moro no Estado do Espírito Santo. Sou formada em
petróleo- gás, e atualmente estudo pelo Intuito Federal aqui de Espito Santo, um curso de
Licenciatura e química. Trabalho profissionalmente como Intérprete e guia-intérprete.
Eu já realizo a comunicação Tátil e Háptica com os surdocegos, já se fazem alguns anos
desde quando conheci a Cristina. A primeira comunicação usada foi a Tátil, eu não sabia nada
referente a comunicação Háptica.
Até que através da Cristina, que trouxe para nós um pouco de informações sobre esse tipo
de comunicação Háptica, que veio para agregar. Nós começamos a desenvolver com a Cristina,
alguns sinais novos, adotados para ela. Por ela ser uma surdocega que adquiriu a Língua de Sinais
e depois ficou surdocega.
211
Nós temos alguns métodos diferentes de comunicação, através até mesmo da estrutura da
Língua Tátil. Um pouco diferente, mãe a gente sempre permanecemos juntos, nós sempre estamos
praticando com ela.
Quando fui me comunicar com ela eu fui sem saber de nada; mas, estamos sempre em
desenvolvimento e aprendendo juntos. O curso foi de grande valia, um curso muito bom de grandes
aprendizados. Além da troca de experiência que tivemos, participou diversos surdocegos.
Foi algo extraordinário, foi muito bom poder viver e compartilhar essas experiências, que nós
temos. Uma oportunidade que a Elaine trouxe para nós, só temos a agradecer a ela.
Milla: Olá! Meu nome é Milla, eu moro em Jabuticabau. Estou cursando o último ano em Letras-
Libras. Eu já sou intérprete há 10 anos. Comecei estudar LIBRAS porque conheci uma pessoa, a
Maria. Ela tinha 2 filhas surdas, e sempre que ela estava conversando ao mesmo tempo as filhas
dela queriam interagir.
Então eu perguntei como eu fazia para aprender, foi quando fui aprender LIBRAS. Depois
fui fazendo outros cursos e comecei a interpretar para as meninas na Igreja.
Depois de uns 3 anos, as meninas começaram a perder a visão, foi então, que, eu descobrir o que
era a síndrome de Usher.
Tudo o que eu aprendi sobre guia-intérprete, aprendi com a própria Japinha. Ela foi para
uma escola de cegos que tem aqui na cidade. As coisas que ela foi aprendendo também fui
aprendendo com ela.
Ela sempre, me explicava como era melhor para ela o jeito que eu usava a Libras Tátil, ela
que me ensinou, então é assim que eu me comunico com ela e com a Jaqueline. O curso para mim,
foi um divisor de águas na minha vida tanto profissional quanto pessoal.
Eu trabalho como intérprete no Senac da minha cidade. E agora eu entendo melhor, através
do curso sobre surdocegueira, sobre os diversos tipos de comunicação, eu acredito que isso vai
alavancar a minha vida profissional também.
Por enquanto, não apareceu nenhum surdocego na unidade; mas, a partir de agora vou ter
total segurança de que, vou me aprofundar e vou conseguir atender melhor essas pessoas. Toda
essa experiência que eu tive, inclusive com a Cristina, que sempre estava presente no grupo.
Isso muda bastante a nossa visão, por mais que, eu tivesse um contato com a Japinha. Ter
a oportunidade de conhecer outros surdocegos, isso foi um enriquecimento profissional e pessoal.
212
Sou muito grata a Professora Elaine por ter compartilhado todo o conhecimento dela com a gente.
Não tenho palavras para agradecer.
Sininho: Boa tarde a todos! Meu nome é Sininho. Eu sou guia-intérprete, atualmente estou em
fase de estágio, esse curso de guia-intérprete do qual estou fazendo o estágio.
Tenho formação em pedagogia, sou professora da prefeitura de Carapicuíba e prefeitura de
Santana de Parnaíba, onde eu atuo como professora de educação de crianças com deficiência
auditiva e professora de educação básica em Carapicuíba.
Atualmente moro em Franco da Rocha, nós temos um surdocego em Franscisco Morã, aqui
perto. Mas não estou podendo ir realizar visitas por conta da Pandemia. Também tenho duas irmãs
surdocegas, que estou tentando entrar com contato também, de Chico Morã; mas, só terei essa
oportunidade, quando a APAE voltar com seus atendimentos.
Eu tenho pós-graduação em língua de sinais, estou fazendo outra graduação em gestão. Também
tenho a formação na área visual. Estou aprovada também em Parnaíba como Professora de
educação deficiência visual.
Sobre o curso, ele foi fantástico, foi maravilhoso ter esse contato com o Leandro e com a
Cristina, com toda a equipe da professora Elaine, que é uma equipe excelente. Todos estão de
parabéns, o curso foi muito bom, contribui bastante.
Sílvia: Olá. Bom dia, tudo bem? Meu nome é Sílvia, eu moro em Jabuticabau. Como formação; eu
tenho Licenciatura em matemática, pós-graduação em interpretação-tradução, docência em
LIBRAS pela Uníntese. Minha experiência como intérprete é desde 2010, que eu venho
trabalhando como Professor-Interlocutor na educação estadual, aqui em Jabuticabau.
A partir desse ano comecei a fazer a interpretação dos cultos para a Japinha também, até
então era apenas LIBRAS; mas, a uns 3 anos, mais ou menos; ela tem a Síndrome de Usher, com
o tempo vem perdendo a visão. De 3 anos para cá, passamos a utilizar a LIBRAS tátil, porque a
visão dela durante a noite a visão dela é bem restrita, então nós fazemos as LIBRAS tátil.
Sobre o curso, gostei muito, agregou mais ao meu conhecimento, eu não tinha conhecido
sobre Comunicação Háptica. E vontade enorme de me aprofundar mais a esse assunto. Veio no
momento certo esse curso, a Mary me indicou esse curso. Fiquei muito feliz, gostei demais de todos
vocês, principalmente você Elaine, uma pessoa maravilhosa.
Acho muito bonito a pessoa que tem por princípio dividir seu conhecimento, você reparte
e doa, muito lindo, eu fiquei muito feliz.
213
No último dia de atividade, eu tive um problema, porque a minha filha foi fazer uma cirurgia
e eu precisei ir para São Paulo, acabei tendo muitas falhas com a minha internet no caminho, então
não consegui enviar meu vídeo. Acabei não conseguindo falar com você.
Cheguei na casa da minha filha, eu até tentei te dar essa satisfação; mas, acabou tendo um tumulto.
Ela passou pelo pós-cirúrgico, porque foi uma cirurgia, minha preocupação; mas ainda com filho.
Eu agradeço muito por ter me dado essa oportunidade, de agregar ao meu currículo o seu
conhecimento.
Ivonete: Olá! meu nome é Ivonete, eu moro em Camaragibe. Os surdos e os intérpretes que eu
conheço, eles moram distante, alguns moram até no interior. Para se deslocarem de um lugar para
o outro, acaba sendo complicado; mas ainda, com essa pandemia.
Com tudo isso, comecei a me preocupar com que eu poderia fazer o vídeo, o meu marido já teve
contato várias vezes com o nosso irmão, o Leandro, surdocego. Ele não é intérprete de LIBRAS,
mas consegue se comunicar. O que nós decidimos fazer aqui em casa, como nós somos em 3, não
conseguiríamos. A princípio, pensei em colocar o meu marido para sinalizar, e eu faria a
comunicação Háptica.
Mas no final, optamos para que eu, fizesse a comunicação Háptica nas costas do meu filho;
porém, decidimos mudar. Eu fiz a comunicação Háptica nas costas do meu marido e o meu filho
ficou responsável pela filmagem com o celular, foi assim que concluímos o vídeo.
Eu já era intérprete de LIBRAS na congregação a alguns anos. A uns 12 anos atrás, eu tive
a oportunidade de conhecer o Leandro, surdocego, e a esposa dele Charlie.
Nós temos até hoje, uma amizade muito boa, quando eu morava em São Paulo eles iam até
minha casa, congregavam com a gente, íamos até a casa deles para visitá-los. Depois eu me mudei
para Pernambuco, mas, mesmo assim quando vou para São Paulo, eu visito eles, tendo a
oportunidade de fazer a Interpretação do culto, muitas vezes.
A Charlie com as crianças pequenas, aquela dificuldade toda. Mesmo quando eles iam para
Campinas, eu tinha a oportunidade de interpretar. Meu marido, mesmo não sendo intérprete, ele
consegue se comunicar com o Leandro, usando seu conhecimento de LIBRAS, mesmo não atuando
como intérprete.
Eu não sabia, o que era comunicação Háptica, pelas vezes que eu estive com o Leandro e
com a Charlie, nós saímos para fazer alguns passeios; a Charlie com criança no colo, com as mãos
214
Interpretação, educação especial com ênfase em visual e surdocegueira e agora estou cursando
educação especial com ênfase em autismo.
Tenho um filho surdocego, com 22 anos, atualmente ele possui baixa visão, utilizo Libras
tátil com ele em vários momentos e Libras em campos reduzidos. Tenho muito contato com o
Carlinhos e com a Japinha, uso Libras tátil com eles e em alguns momentos uso a comunicação
háptica.
Possuo contato também com outro surdocego, chamado Gabriel. Agora ele se mudou para
o interior de São Paulo, também está perdendo a sua visão. Já fiz uso dessas comunicações: Libras
tátil, comunicação háptica e Libras em campo reduzido.
Esse curso foi muito importante, me acrescentou muito como mãe e como profissional. Foi
muito bom aprender, e me deixou com vontade de me aprofundar mais. Já estou aguardando o
próximo curso.
Cristina: meu nome é Cristina. Sou aluna do curso, Estratégia da guia-interpretação. Quero
agradecer a professora Elaine, pela oportunidade de viver esse curso, muitas experiências trocadas,
muito aprendizado. Foi muito bom ter participado desse curso. Aprendi muita coisa nova, também
aprimorei meus conhecimentos.
Agradeço, pela oportunidade de compartilhar sinais hapticos com os alunos e com todos
que necessitam da comunicação Háptica. Sei que não será apenas para nós, mas, para todos. Espero
sinceramente que não pare por aqui, que novas oportunidades aparecem, novos cursos, para
possamos continuar nossa caminhada de crescimento do conhecimento, da necessidade das pessoas
com surdocegueira. Muito obrigada, Professora!
A respeito do material didático, para mim Surdocega, tive muita dificuldade porque a
maioria dos materiais eram em vídeos, também havia artigos com textos, sinceramente inadequados
no formato para surdocego.
Acredito que para cegos também. A respeito de alguns destaques, frases e palavras estarem
escritos em caixa alta, que dificulta muito o nosso entendimento, porque usamos aplicativo de leitor
de tela. Acaba sendo muito difícil para nós, porque os leitores de tela, soletra as palavras escritas
em caixa alta; mas, no contexto do curso, eu consegui alcançar o entendimento do conteúdo.
Teve algumas aulas muito técnicas, que foram muito difícil para mim, mas, tudo é um
processo de aprendizado e adaptação. Em breve estarei na faculdade, e vou viver muito isso, preciso
me adaptar também com as instituições. A diferença da cultura literária, também precisa se adaptar
217
para nós também, para que possamos estar incluídos e podendo ter acesso a todos os materiais e
conhecimentos dispostos.
Agradeço por tudo, pela intenção e a compreensão da turma, os alunos também me
ajudaram muito. Uma das alunas, teve muita paciência, e descreveu vários vídeos, que foram
mostrados em uma de nossas aulas. Isso foi muito bom, agradeço muito a todos pela paciência de
todos, pela oportunidade e pelo conhecimento adquiridos. Obrigada professora Elaine!
Merivani: Olá, meu nome é Merivani. Eu moro na cidade de Barrinhas, tenho o ensino médio
completo. Atualmente estou cursando o ensino superior. Minha experiência como guia-intérprete,
foi pouca, tive contato apenas com uma surdocega, que é a Japinha de Jabuticabau interpretando
os cultos para ela na igreja, com a Libras tátil apenas. Essa seria a única comunicação com
surdocego que eu tive.
Sou intérprete na Igreja, a minha experiência como Intérprete vem no quesito religioso
mesmo. O curso me mostrou um outro lado, que eu não conhecia, me emocionou bastante, mostrou
principalmente as dificuldades do surdocegos.
Eu tenho uma irmã surda, e já observo as dificuldades dela no dia a dia, mas, me comoveu muito
as situações. Eu ainda não conhecia as histórias, dos surdocegos. Esse curso abriu muito a minha
mente, para buscar novas possibilidades e tentar ser mais útil, essa experiência me alegrou.
218
https://drive.google.com/file/d/1AasIMhv4P7zmLzf2lkP9m1XxhTpjNZii/view?usp=share_link
220
APÊNDICES
Prezado(a),
A pesquisa envolve a coleta de dados por meio das narrativas obtidas das gravações das aulas do
curso de extensão ministrado pela pesquisadora sobre a utilização da comunicação social háptica.
Esse curso terá a duração de horas 60h; sendo: 8 aulas remotas ministradas e gravadas pela
plataforma do Moodle. As aulas síncronas acontecerão quinzenalmente aos sábados, com duração
de três horas cada aula no total de 24 horas; e, acesso a materiais conceituais e propostas de
atividades pela plataforma Moodle, computando a dedicação de 3 horas de estudos concernentes a
cada aula; além de, propostas de atividades individuais e em grupo com o registro das atividades
totalizando 36h. Por meio das narrativas de formação dos guias-intérpretes em contraponto com a
participação dos surdocegos em todas as aulas que serão práticas, teremos uma dimensão do
processo educacional desses surdocegos por meio de suas narrativas sobre o que foi importante
nesse processo e qual comunicação foi utilizada.
Para tanto, conto com a sua colaboração para a obtenção dos dados para esta pesquisa, observando-
se os esclarecimentos a seguir:
ESCLARECIMENTOS:
1) Como toda ação humana, nossa pesquisa possui riscos, dos quais podemos prever que você
poderá sentir cansaço ou aborrecimento ao participar do curso de formação continuada
221
Acredito ter sido suficientemente esclarecido a respeito das informações que li ou que foram lidas
para mim, descrevendo o estudo, o Consentimento Livre e Esclarecido, do estudo: “Guias-
intérpretes e comunicação social háptica: narrativas e experiências”. Ficaram claros para mim quais
são os propósitos, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de
confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação
é isenta de despesas ou remuneração. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e
poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem
penalidades.
222
______________________________
_____/_____/_____
Participante:
____________________
_/_____/_____
Testemunha:
_______________________________
______/_____/_____
Pesquisadora
223
(1) Assumo o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das informações se assim os
entrevistados requisitarem.
______________________________________
Elaine Gomes Vilela
224
__________________________________________
____________________________________________
INFORMAÇÕES GERAIS
Carga Horária: 60h sendo (8 encontros remotos, aos sábados das 9h às 12h e,36h em atividades EaD
Início:19/09/2020
Término:19/12/2020
SOBRE A PROFESSORA
Doutoranda em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (2019/2023). Mestre em Educação
pela Universidade Metodista de São Paulo (2016/2018). Especialização em Tradução e Interpretação
Libras/Português (2014) e Especialização em Docência do Ensino Superior (2015) ambas pela
Universidade Camilo Castelo Branco. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Metodista de
São Paulo (2009). Guia-intérprete pela AHIMSA (2018). Tem experiência na área de Educação, com
atendimento inclusivo e ênfase em Tradução e Interpretação em Libras/Libras tátil/comunicação social
háptica. Fonte: http://lattes.cnpq.br/9102135230504568
prática com surdocegos, contemplando o uso da comunicação social háptica e seus desdobramentos de
acordo com as necessidades dos surdocegos que a utilizarão.
Os participantes receberão online de maneira antecipada os materiais conceituais referentes as aulas, bem
como atividades de fixação de registro. As aulas remotas são destinadas a práticas de conceitos prendidos
e dissolução de possíveis dúvidas.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Domínio dos conteúdos concernentes a comunicação social háptica e as diversas técnicas e estratégias
de guia-interpretação;
- Comprometimento com a postura ética, estética e coerente do exercício profissional, articulando o saber
teórico e prático na atuação guia-interpretativa.
228
PROPOSTA DE AVALIAÇÃO
A avaliação será realizada por meio de instrumentos diversificados, como estudos de caso, testes,
atividades individuais e/ou em grupo, participação nas aulas e outras formas necessárias para o
aproveitamento da aprendizagem dos participantes Aprovação pela frequência mínima de 75% (setenta
e cinco por cento) nas atividades previstas para o curso e média igual ou superior a 6,0 (seis).
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CRONOGRAMA DO CURSO
Bibliografia básica
ARAÚJO, Heio Fonseca de et all. Práticas de Interpretação Tátil e comunicação Háptica para pessoas
com surdocegueira. Petrópolis: Editora Arara Azul, 2019.
Bibliografia complementar
BERGMANN, J.; SAMS, A. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem. (Tradução
Afonso Celso da Cunha Serra). 1ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 104 p, 2016.
CARILLO, Elenir Ferreira Porto. Análise das entrevistas de quatro surdocegos adquiridos sobre a
importância do guia-intérprete no processo de comunicação e mobilidade. 2008. 128 f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.
LAHTINEN, R. Development of the Holistic Social-Haptic Confirmation System. A case study of the
yes & no-feedback signals and how they become more commonly and frequently used in a family with
an acquired deafblind person. Licenciate Thesis. Department of Teacher Education. University of
Helsinki, 2003.
NOVA ESCOLA. O que muda nas aulas quando se aplica a sala de aula invertida? Disponível em
https://novaescola.org.br/conteudo/3376/blog-tecnologia-educacao-como-funciona-sala-de-aula-
invertida
PALMER, R. & Lahtinen, R. Communication with Usher People. In: Deafblind Education, july-
december, 1994.
231