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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Elaine Gomes Vilela

A COMUNICAÇÃO SOCIAL HAPTICA E SUAS VIAS DE CONSTRUÇÃO:


NARRATIVAS E EXPERIÊNCIAS DE GUIAS-INTÉRPRETES E PESSOAS
COM SURDOCEGUEIRA EM PROCESSOS FORMATIVOS

São Bernardo do Campo


2022
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ELAINE GOMES VILELA

A COMUNICAÇÃO SOCIAL HAPTICA E SUAS VIAS DE CONSTRUÇÃO:


NARRATIVAS E EXPERIÊNCIAS DE GUIAS-INTÉRPRETES E PESSOAS
COM SURDOCEGUEIRA EM PROCESSOS FORMATIVOS

Tese apresentada como exigência parcial do Programa de


Pós-Graduação em Educação à Universidade Metodista de
São Paulo (UMESP) como requisito para obtenção do título
de Doutora em Educação.
Área de Concentração: Formação de Educadores.
Orientadora: Prof.ª Dra. Adriana Barroso de Azevedo.

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2022
3

FICHA CATALOGRÁFICA

V711c Vilela, Elaine Gomes


A comunicação social háptica e suas vias de construção: narrativas
e experiências de guias-intérpretes e pessoas com surdocegueira em
processos formativos / Elaine Gomes Vilela. 2022.
231 p.

Tese (Doutorado em Educação) --Diretoria de Pós-Graduação e


Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2022.
Orientação de: Adriana Barroso de Azevedo.

1. Tradutores guias-intérpretes de Libras 2. Surdocegos - Educação


3. Comunicação háptica I. Título.
CDD 371.912
4

A tese de doutorado intitulada “A COMUNICAÇÃO SOCIAL HAPTICA E SUAS VIAS DE


CONSTRUÇÃO: NARRATIVAS E EXPERIÊNCIAS DE GUIAS-INTÉRPRETES E PESSOAS
COM SURDOCEGUEIRA EM PROCESSOS FORMATIVOS”, elaborada por Elaine Gomes Vilela,
foi apresentada e aprovada em xx de dezembro de 2022, perante banca examinadora composta por
Profª. Drª. Adriana Barroso de Azevedo (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Marcelo Furlin
(UMESP/Titular), Profª. Drª. Elisabete Cristina Costa Renders (UMESP/Titular), Profª. Drª. Sandra
Regina Leite de Campos (UNIFESP/Titular externo) e Profª. Drª. Marcia Noronha de Mello
(IBC/Titular externo).

__________________________________________________________
Profª. Drª. Adriana Barroso de Azevedo
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

_________________________________________________________
Profª. Drª. Alessandra Maria Sabatine Zambone
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação

Programa: Pós-Graduação em Educação


Área de Concentração: Educação
Linha de Pesquisa: Formação de Formadores
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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me trazer até aqui e por nortear todos os meus caminhos e encontros
de pesquisa e de vida. Glorifico pelo sustento e por abrir meus olhos e me fazer entender que tudo
é para honra, glória e louvor a Ele, e que em tudo, há um propósito.
Agradeço a Universidade Metodista de São Paulo pela concessão de bolsa funcional a qual
me permitiu a conclusão do Curso de Doutorado em Educação.
Agradeço aos Professores(as) Doutores(as) da Universidade Metodista de São Paulo, que
compartilharam seus conhecimentos em aulas dialogadas e instigantes no percurso do Doutorado.
Agradeço à minha orientadora, Professora Doutora Adriana Barroso de Azevedo, por todo
carinho, dedicação e por me direcionar em todos os momentos que precisei. Eterna gratidão pela
confiança depositada e estímulo para que pudesse me descobrir e desabrochar como pesquisadora.
À minha amiga e parceira de trabalho Cristhiane Lopes Borrego, agradeço as leituras do
meu texto de pesquisa e as contribuições que enriqueceram muito minha trajetória formativa.
Agradeço a paciência, atenção e carinho incondicionais.
Ao Professor Doutor Marcelo Furlin, pelas aulas instigantes e apontamentos inigualáveis
na minha pesquisa desde o mestrado até o doutorado. À Professora Doutora Elizabete Cristina
Costa Renders, por aceitar mais uma vez o convite de participar da minha banca, e por trazer
ensinamentos tão importantes para a inclusão de pessoas com deficiência e para minha pesquisa.
À Professora Doutora Sandra Regina Leite de Campos pela leitura sensível e pelas indicações tão
preciosas compartilhadas na banca de qualificação. À Professora Doutora Marcia Noronha de
Mello, que apareceu na minha vida de maneira inusitada e se tornou um grande presente, agradeço
a parceria, os créditos e reconhecimento depositados no meu trabalho.
Aos colegas do PPGE que estiveram comigo na jornada rumo ao título de doutora: Leliane
Rocha, Nayane Cardoso, César Moraes, Fabiana Anhas, Luanda Fratchesca e Rodrigo Oliveira.
Às minhas amigas e amigos parceiros de todas as horas na alegria e na tristeza que foram:
Monica Benevides, Fabiana Jacopucci, Airton Rodrigues, Janete Menezes, Paula Menezes, Creuza
Rufino, Marciete Albuquerque, Marites Bello, João Navega, Wharlley dos Santos, Marcos
Assunção, Kelly Cristina, Kemellin Graziela, Amin Maria, Cibele Ferreira, Vanessa Fantozzi,
Andréa Perina, Cláudia Quesia e Vanessa Martins.
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A todos da minha grande família pelo apoio e confiança. Minha mãe Maria José Gomes e
meu pai Arnold Vilela, agradeço a vida e o amor sem medida demonstrados todos os dias. Meus
irmãos que embora distantes sempre me apoiaram: Weverthon Vilela, Arnold Junior e Allan Vilela
e minha irmã sempre de perto Aline Vilela. Em especial agradeço familiares amados que perdi no
percurso do doutorado: minha Vozinha (in memoriam), meus tios Zezé e Cézão (in memoriam) e
por último o meu avô Benício (in memoriam) pelos ensinamentos que guardarei por toda a vida.
Ao meu amor Valmir, agradeço a parceria e apoio em todos os dias, sem você a conclusão
desse trabalho não seria possível. Aos meus filhos, Samuel Vilela e Sara Vilela, agradeço o amor,
a compreensão pela minha ausência, por serem inclusivos em todo o tempo e por narrarem isso de
maneira tão simples e encantadora.
Aos meus amados irmãos em Cristo que me apoiaram, oraram por mim e me encorajaram
a continuar, mesmo quando pareceu que não daria conta.
Em especial agradeço aos participantes dessa pesquisa; guias-intérpretes e pessoas
surdocegas, que me permitiram aprender, compartilhar suas experiências, suas narrativas de vida e
formação. Sem vocês essa pesquisa não existiria. Eterna gratidão a todos.
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RESUMO
A comunicação social háptica é utilizada no Brasil em âmbito complementar na interação de
pessoas surdocegas adquiridas. É perceptível a desinformação e carência na formação continuada
de profissionais tradutores guias-intérpretes de língua de sinais (LIBRAS) sobre esta comunicação,
tornando-se imprescindível a divulgação para favorecer o entendimento das pessoas surdocegas
em diversas situações da vida em sociedade. Nesse contexto, pretende-se ampliar o olhar sobre a
surdocegueira adquirida e os profissionais Tradutores Guias-Intérpretes de Libras. O objetivo é
evidenciar a lacuna formativa na profissão de Tradutores Guias-Intérpretes de Libras no Brasil,
tendo como base as narrativas que emergiram do curso de extensão para o uso da comunicação
social háptica. Dessa forma, define-se o seguinte problema de pesquisa: Que percepções emergem
de Tradutores Guias-Intérpretes de Libras quando utilizam a comunicação social háptica com
pessoas surdocegas? No campo teórico foram adotados os estudos sobre a surdocegueira de
Ikonomidis (2019), Maia (2008), Viñas (2004) e Rodrigues (2018); e a comunicação social háptica
é explanada com Lathnen (1999;2018), Araújo (2019) e Vilela (2018). O caminho metodológico
utilizado é de natureza qualitativa de caráter investigativo na modalidade narrativa na perspectiva
adotada por Clandinin e Connelly (2015), por meio da pesquisa-formação nos moldes defendidos
por Josso (2004;2010), alicerçado nas experiências dos participantes profissionais tradutores guias-
intérpretes e feedback das pessoas com surdocegueira em consonância às experiências da
pesquisadora. As experiências são apresentadas em formato de textos multimodais com hiperlinks
que direcionam para hipertextos apresentados por cenas. As narrativas evidenciaram a importância
da formação de profissionais Tradutores Guias-Intérpretes de Libras e as lacunas nos cursos
existentes juntamente com a premência de reestruturação nos currículos a fim de promover
qualidade no atendimento de pessoas surdocegas. A comunicação social háptica configura-se como
um complemento essencial para interação e o protagonismo das pessoas com surdocegueira a torna
significativa. A investigação realizada nesta tese pretende abrir caminhos para consolidar bases de
construção de um projeto mais amplo para a inclusão de pessoas surdocegas, com proposições de
estruturação da comunicação social háptica como língua.

Palavras-chave: Tradutores Guias-Intérpretes de Libras. Surdocegueira adquirida. Comunicação


Social Háptica. Pesquisa-Formação.
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ABSTRACT

Haptic social communication is used in Brazil in a complementary context in the interaction of acquired
deafblind people. There is a noticeable lack of information and a lack of continuing education for
professional translators and sign language interpreters (LIBRAS) about this communication, making it
essential to disseminate it to favor the understanding of people with deafblindness in different situations of
life in society. In this context, it is intended to broaden the view on acquired deafblindness and professional
Libras Guide-Interpreter Translators. The objective is to highlight the training gap in the profession of Libras
Guide Translators-Interpreters in Brazil, based on the narratives that emerged from the extension course for
the use of haptic social communication. Thus, the following research problem is defined: What perceptions
emerge from Libras Guide-Interpreter Translators when they use haptic social communication with
deafblind people? In the theoretical field, studies on deafblindness by Ikonomidis (2019), Maia (2008),
Viñas (2004) and Rodrigues (2018) were adopted; and haptic social communication is explained with
Lathnen (1999;2018), Araújo (2019) and Vilela (2018). The methodological path used is of a qualitative
nature with an investigative character in the narrative modality in the perspective adopted by Clandinin and
Connelly (2015), through research-training in the ways advocated by Josso (2004;2010), based on the
experiences of the professional translator guide participants. interpreters and feedback from people with
deafblindness aligned with the researcher's experiences. The experiences are presented in the form of
multimodal texts of hiperlinks that lead to hypertext presented by scenes. The narratives highlighted the
importance of training professional Libras Guide-Interpreter Translators and the gaps in existing courses
along with the urgent need to restructure the curricula in order to promote quality in the care of deafblind
people. Haptic social communication is an essential complement to interaction and the protagonism of
people with deafblindness makes it significant. The investigation carried out in this thesis intends to open
ways to consolidate basis for the construction of a broader project for the inclusion of deafblind people, with
proposals for structuring haptic social communication as a language.

Keywords: Libras Guide-Interpreter Translators. Acquired deafblindness. Haptic Social Communication.


Research-Training.
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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1: EMENTA DO CURSO DE EXTENSÃO..............................................................................31


QUADRO 2: CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES ...................................................................43
QUADRO 3: TESES COM TEMAS RELACIONADOS À SURDOCEGUEIRA .....................................48
QUADRO 4: SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO PROPOSTO POR ALMEIDA (2019) ..........................86
QUADRO 5 - SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO PROPOSTO POR ARAÚJO (2019) ...........................87
QUADRO 6 - SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO PROPOSTO POR CADER-NASCIMENTO (2021) ..88
QUADRO 7 - CONTRASTE DAS FUNÇÕES DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA ...................97
QUADRO 8 - COMPARAÇÃO COMPOSIÇÃO LINGUÍSTICA ...........................................................142
QUADRO 9 – CONDUTA DO TRADUTOR GUIA-INTÉRPRETE DE LIBRAS PORTUGUÊS.........172
QUADRO 10: CURSOS DE BACHARELADO EM LETRAS LIBRAS ................................................185
QUADRO 11: CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EAD .........................................................................188
QUADRO 12 - CURSOS DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS-INTÉRPRETES ...................................189
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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA - FORNECER INFORMAÇÕES


RÁPIDAS .....................................................................................................................................................99
FIGURA 2- FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA - COMPLEMENTAR
INFORMAÇÕES .......................................................................................................................................100
FIGURA 3 - CHEGADA DO FILHO DA AMIGA SURDA ....................................................................112
FIGURA 4 - RECURSOS DE TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA SURDOCEGOS ............................116
FIGURA 5 – PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS – CONFIGURAÇÃO DE MÃO ................146
FIGURA 6 - PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS – PONTO DE ARTICULAÇÃO ................147
FIGURA 7 - PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS – ORIENTAÇÃO OU DIRECIONALIDADE
....................................................................................................................................................................148
FIGURA 8– PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS - MOVIMENTO .........................................148
FIGURA 9 - PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS – EXPRESSÃO FACIAL E/OU CORPORAL
....................................................................................................................................................................149
FIGURA 10 - SINAIS "APRENDER" E "SÁBADO" ..............................................................................149
FIGURA 11 – PARÂMETRO DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO NA COMUNICAÇÃO HÁPTICA ....153
FIGURA 12 – PARÂMETRO DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO NA COMUNICAÇÃO HÁPTICA....154
FIGURA 13 – PARÂMETRO DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL
HÁPTICA ..................................................................................................................................................154
FIGURA 14 - PARÂMETRO DE ORIENTAÇÃO E DIRECIONALIDADE NA COMUNICAÇÃO
SOCIAL HÁPTICA ...................................................................................................................................156
FIGURA 15 - PARÂMETRO DE MOVIMENTO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA ............157
FIGURA 16 - PARÂMETRO DE EXPRESSÃO FACIAL/CORPORAL NA COMUNICAÇÃO SOCIAL
HÁPTICA ..................................................................................................................................................158
FIGURA 17 – CERTIFICADO DO PRIMEIRO CURSO DE CAPACITAÇÃO DE GUIAS-
INTÉPRETES DO BRASIL ......................................................................................................................189
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LISTA DE CENAS

CENA 1: PRIMEIRO ENCONTRO DO CURSO DE EXTENSÃO ...........................................................46


CENA 2: PROPOSTA PARA A AULA CARACTERÍSTICAS DA PESSOA SURDOCEGA ................52
CENA 3: IMAGENS DE WHATSAPP E VÍDEO COMPARTILHADO ..................................................54
CENA 4: EXPERIÊNCIA DE MARY NA ATIVIDADE DE EMPATIA ..................................................61
CENA 5: EXPERIÊNCIA DE ANA LIS NA ATIVIDADE DE EMPATIA E IMAGEM
COMPARTILHADA POR WHATSAPP ....................................................................................................62
CENA 6: EXPERIÊNCIA DE IVONETE NA ATIVIDADE DE EMPATIA ............................................63
CENA 7: EXPERIÊNCIA DE ERCILLA NA ATIVIDADE DE EMPATIA .............................................64
CENA 8: EXPERIÊNCIA DE SARAH NA ATIVIDADE DE EMPATIA ................................................65
CENA 9: EXPERIÊNCIA DE LEANDRO .................................................................................................70
CENA 10: EXPERIÊNCIA DE CHICO ......................................................................................................71
CENA 11: EXPERIÊNCIA DE CRISTINA ................................................................................................72
CENA 12: EXPERIÊNCIA DE JAPINHA ..................................................................................................73
CENA 13: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – BASE FALADA ...............................................................80
CENA 14: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – FALA AMPLIADA E TADOMA....................................81
CENA 15: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – BASE ESCRITA ..............................................................83
CENA 16: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – GRAFESTESIA ...............................................................84
CENA 17: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – BASE LIBRAS .................................................................85
CENA 18: FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA - DAR ÊNFASE DE INFORMAÇÕES
....................................................................................................................................................................101
CENA 19: FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA - MAPEAMENTO DE ESPAÇOS E
OBJETOS ...................................................................................................................................................101
CENA 20: - COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA EM CONJUNTO COM A LIBRAS TÁTIL .........103
CENA 21: EXPERIÊNCIA DE ACSA NO PROCESSO DE ENSINO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
HÁPTICA ..................................................................................................................................................106
CENA 22: EXPERIÊNCIA DE MÁRCIA COM UM JOVEM SURDO ..................................................108
CENA 23: EXPERIÊNCIA DE CHARLIE E LEANDRO........................................................................109
CENA 24: APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR WHARLLEY .............................................................120
CENA 25: EXPERIÊNCIA NO ATENDIMENTO A UMA PESSOA SURDOCEGA DE SANTA
CATARINA ...............................................................................................................................................121
CENA 26: HISTÓRIA DA TRADUÇÃO .................................................................................................122
CENA 27: PROCESSO DE ESCRITA ......................................................................................................123
CENA 28: ASPECTOS GRAMATICAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA ..........................124
CENA 29: SINAIS HÁPTICOS DE CHARLIE E LEANDRO ................................................................129
CENA 30: SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA CRIADOS POR CRISTINA ...............131
CENA 31: EXPERIÊNCIA DE UMA PESSOA CEGA COM A COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA
....................................................................................................................................................................131
CENA 32: EXPERIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA EM UM AVIÃO ....................132
CENA 33: APRENDIZAGEM DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR HILDA E
CAETANA .................................................................................................................................................134
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CENA 34: APRENDIZAGEM DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR CAETANA


....................................................................................................................................................................134
CENA 35: USO DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR IVONETE ...................135
CENA 36: USO DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR LETÍCIA, CRISTINA E
ACSA .........................................................................................................................................................136
CENA 37: PARÂMETRO DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA
....................................................................................................................................................................152
CENA 38: PARÂMETRO DE PONTO DE ARTICULAÇÃO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL
HÁPTICA ..................................................................................................................................................155
CENA 39: PARÂMETRO DE ORIENTAÇÃO E DIRECIONALIDADE NA COMUNICAÇÃO SOCIAL
HÁPTICA ..................................................................................................................................................156
CENA 40: PARÂMETRO DE MOVIMENTO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA ..................156
CENA 41: PROFISSÃO DE GUIA-INTÉRPRETE ..................................................................................162
CENA 42: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 1 ....................................................................174
CENA 43: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 2 ....................................................................175
CENA 44: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 3 ....................................................................175
CENA 45: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 4 ....................................................................176
CENA 46: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 5 ....................................................................177
CENA 47: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 6 ....................................................................177
CENA 48: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 7 ....................................................................178
CENA 49: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 8 ....................................................................178
CENA 50: SOLUÇÕES ÀS SITUAÇÕES PROBLEMAS .......................................................................179
CENA 51: NARRATIVAS DOS PARTICIPANTES SOBRE O CURSO................................................194
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEE – Atendimento Educacional Especializado


AHIMSA – Associação Educacional para múltipla deficiência
ASOCIDE – Associação de Surdocegos da Espanha
CSH – Comunicação Social Háptica
DBI – Deaf Blind International
EAD – Ensino à distância
FEBRAPILS – Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores e Intérpretes e
Guia-Intérpretes de Língua de Sinais
GEPICSH – Grupo de Estudos e Pesquisas em Inclusão e Comunicação Social Háptica
HKWC – Helen Keller Word Conference
LA – Linguística Aplicada
LGP – Língua Gestual Portuguesa
LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
MEC – Ministério da Educação e Cultura
SE – Secretaria da Educação
SEESP – Secretaria de Educação do Estado de São Paulo
TA – Tecnologia Assistiva
TGILSP – Tradutor/Guia-Intérprete de Libras-Português
TILSP – Tradutor/Intérprete de Libras-Português
UMESP – Universidade Metodista de São Paulo
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SUMÁRIO

1 DE ONDE VIM, ONDE ESTOU E PARA ONDE VOU....................................................... 17

2 VIAS METODOLÓGICAS DE PESQUISA ......................................................................... 25


2.1 ITINERÁRIOS TRAÇADOS NA PESQUISA........................................................................27
2.2 O MULTIMODALISMO COMO PROPOSTA TEXTUAL ...................................................34
2.3 PESQUISA: CURSO, PERCURSO E DECURSO NA PANDEMIA POR COVID-19 ....37
2.3.1 Narrativas na pesquisa-formação ....................................................................................................40
2.4 PESQUISAS CORRELATAS EM BASES DE DADOS CIENTÍFICAS ..........................................................48

3 CARACTERÍSTICAS DA PESSOA COM SURDOCEGUEIRA E SUAS FORMAS DE


COMUNICAÇÃO ....................................................................................................................... 51
3.1 O “SER” PESSOA COM SURDOCEGUEIRA NO PROCESSO DE EMPATIA .................52
3.2 SURDOCEGUEIRA: CONCEITOS E PERCEPÇÕES...........................................................67
3.2.1 Surdocegueira: categorias e classificações .........................................................................................69
3.3. A HERMENÊUTICA NA COMUNICAÇÃO DA PESSOA COM SURDOCEGUEIRA ....77
3.3.1 Tipos de comunicação na surdocegueira ............................................................................................79

4 COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA E POSSIBILIDADES DE INTERAÇÃO .......... 90


4.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA ..............................91
4.1.1. Háptico: conceitos e definições .........................................................................................................93
4.1.2. Funções da comunicação social háptica ............................................................................................96
4.2. EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES .....................................................................................102
4.3. PESQUISA-FORMAÇÃO E A COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA ............................104

5 COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA: ASPECTOS EDUCACIONAIS, LINGUÍSTICOS


E FORMATIVOS ...................................................................................................................... 111
5.1 O PARADIGMA DA INCLUSÃO ........................................................................................112
5.2 O PARADIGMA DA INCLUSÃO EDUCACIONAL NA SURDOCEGUEIRA .................115
5.3 COMPOSIÇÃO LINGUÍSTICA E A COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA ...................118
5.4 LINGUÍSTICA APLICADA: POSSIBILIDADES NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM .....................126
5.4.1 Linguística Aplicada na aprendizagem da comunicação social háptica ............................................128
5.5 ESTRUTURAS LINGUÍSTICAS: MODALIDADES E ASPECTOS GRAMATICAIS .....136
5.5.1 A Gramática das línguas ......................................................................................................138
5.5.2 Língua de Sinais e a cultura visual .....................................................................................................140
5.5.3 Os itens gramaticais ..........................................................................................................................142
15

5.5.4 Parâmetros na Língua Brasileira de Sinais ..........................................................................145


5.5.5. Parâmetros na Comunicação Social Háptica .....................................................................150

6 FORMAÇÃO DE GUIAS-INTÉRPRETES: PERSPECTIVAS E REALIDADES ......... 158


6.1 PERSPECTIVAS FORMATIVAS: O QUE SE PENSA SOBRE ISSO?.............................. 161
6.2 O PROFISSIONAL TRADUTOR GUIA-INTÉRPRETE DE LIBRAS ............................... 166
6.3 A ÉTICA DO PROFISSIONAL TRADUTOR GUIA-INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE
SINAIS PORTUGUÊS .................................................................................................................170
6.4 A PROFISSÃO TRADUTOR GUIA-INTÉRPRETE DE LIBRAS - PORTUGUÊS:
RECONHECIMENTO, LEGISLAÇÃO E FORMAÇÃO ...........................................................179

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 192


REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................199

ANEXOS .................................................................................................................................... 207


ANEXO A – NARRATIVA DE APRESENTAÇÃO E REFLEXÃO DOS ALUNOS DO
CURSO .........................................................................................................................................207
ANEXOS B – NARRATIVAS DAS AULAS DO CURSO ........................................................218
ANEXO C – APOSTILA (MATERIAL DIDÁTICO) ............................................................... 219
APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......................220
APÊNDICE B - DECLARAÇÃO DE RESPONDABILIDADE DA PESQUISADORA ..........223
APÊNDICE C - TERMO DE CESSÃO DE DIREITO DE USO DE GRAVAÇÕES DE AUDIO,
VIDEO E FOTOGRAFIA ............................................................................................................224
APÊNDICE D - QUESTIONÁRIO: GUIAS-INTÉRPRETES PARTICIPANTES EM
PESQUISA-FORMAÇÃO ...........................................................................................................225
APÊNDICE E – EMENTA DO CURSO DE PESQUISA FORMAÇÃO ...................................226
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“Mãos que falam


é minha cultura,
Libras tátil
é minha sobrevivência”
(JAPINHA).
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1 DE ONDE VIM, ONDE ESTOU E PARA ONDE VOU

A vida acontece entre vivências e experiências. Encontros e desencontros. Vivências são


resultados do que acontece e a experiência é o que acontece e deixa marcas, moldando, forjando,
alterando e transformando a existência. As experiências são essenciais para a constituição do ser,
estar e existir no mundo. Os encontros consistem em estar com o outro, estabelecer relação com o
outro, sentir o outro ao mesmo tempo que o outro te sente. Os desencontros são necessários
também, pois apontam outros caminhos e possibilitam novas experiências e novos encontros.
Assim inicio esse texto com a pesquisa narrativa, que não se configura somente como uma
metodologia científica que será explanada no decorrer do trabalho; mas, é uma metodologia de
vida. Quando reflito e narro as experiências e encontros que foram caracterizados por momentos
que me marcaram, eu os revivo na mesma intensidade: sinto o cheiro, o sabor, o toque, ouço o som
e revejo aquela cena. Todos os meus sentidos sensoriais são aguçados no processo de rememorar
e narrar as experiências e os encontros que me constituíram no que sou.
Neste sentido, narrar é um movimento intrínseco à vida e “narrar a própria vida é uma ação
humana espontânea” assim como diz Passeggi (2010, p.104). Somos narrativos, formamo-nos na
narrativa, narrar nos faz viver e reviver. O narrar faz parte do compartilhar a própria vida. As
experiências galgadas e narradas estão presentes no percurso do viver em todas as esferas.
Clandinin e Connelly (2015) nos auxiliam na reflexão sobre as narrativas que emergem em
âmbitos pessoais e sociais, do viver, do reviver, do contar, do pesquisar, do aprender e
compartilhar. Os pesquisadores canadenses dividem didaticamente o movimento narrativo em três
campos, chamado de espaço tridimensional que consiste em: (1) temporalidade, (2) o pessoal e o
social e (3) lugar. Os autores defendem a importância de valorizar esse espaço tridimensional na
investigação narrativa de si e do outro. (CLANDININ; CONNELLY, 2015 p.85).
Nesse contexto, a narrativa e a vida são uma só. Sou uma pesquisadora narrativa que vive
e compartilha experiências de maneira indissociável. Assim, narro meu percurso de maneira vivida
e experienciada. Esse percurso me trouxe até aqui e me constitui em quem eu sou.
Sou quem sou, porque sou identificada pelo outro naquilo que faço e no papel que exerço.
Se sou mãe é porque tenho filhos; se sou esposa é porque tenho marido; se sou professora é porque
tenho alunos; se sou intérprete é porque tenho contato com os surdos; se sou guia-intérprete é
porque tenho amigos com surdocegueira; se sou pesquisadora é porque tenho o privilégio de
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compartilhar conhecimento por meio das minhas pesquisas. Souza (2004) corrobora comigo
quando compartilha sua pesquisa e relata que a pesquisa se insere na vida, história pessoal e
profissional, e trazem marcas de quem sou, pretendo ser e daquilo que talvez não consiga ser.
Para além das histórias de vida e docência, trago nesta pesquisa um pouco de mim em todos
os papéis que exerço na minha existência humana: os papéis que exerço no espaço tridimensional,
a seu tempo; acontecimentos comigo e com o outro; e lugares, intercambiando-se no decurso da
vida.
Sempre quis ser professora e considero que minha trajetória formativa teve início aos três
anos de idade na creche do meu bairro. Tinha aulas particulares em casa com professores de
reforço. Sobre o início do meu percurso, reflito sobre alguns impactos causados pela precocidade
e obrigatoriedade do ler e escrever. No papel de educadora e docente, reflito sobre a importância
primordial do brincar na creche, que fora deixado em segundo plano em detrimento da
alfabetização. Passeggi (2011, p. 149) me auxilia na reflexão e compreensão desse período
vivenciado: “[...] a ressignificação da experiência vivida, durante a formação, implicaria encontrar
uma reflexão biográfica marcas da historicidade do eu para ir além da imediatez do nosso tempo e
compreender o mundo, ao nos compreender [..]”.
Penso sobre os moldes da minha história e nos traços das minhas experiências, a
compreensão pela escolha da docência. Nos cenários entre escola e reforço escolar domiciliar estive
rodeada por professores que me inspiraram e me despertaram para o trabalho educacional. Outro
processo de ensino e aprendizagem no decurso da vida, foi a convivência com o tio Elias que possui
síndrome de Down, neste contato fui sensibilizada para o trabalho de inclusão.
Após concluir o Ensino Médio, realizei uma grande mudança em minha vida. Saí do Estado
de São Paulo e fui morar juntamente com meus pais em uma cidade no interior de Minas Gerais
chamada Ipanema. Estive um período na zona rural, em um terreno arrendado e auxiliava nos
trabalhos advindos do sítio, entre eles: plantar, colher, cozinhar em fogão a lenha, prestar cuidados
a equinos, suínos, bovinos e aviários, produzir derivados de leite e vender produtos em feiras e
comércios da cidade.
Nesse período retomei o sonho antigo de ser professora, recalculei os objetivos no contato
com a zona rural e as classes mistas; a partir de então, persegui nesse propósito. Soube que na
cidade havia um polo universitário onde iniciei o curso Normal Superior. Diante da perspectiva de
formação mudei da zona rural para a cidade e conquistei uma vaga de trabalho como vendedora de
19

roupas. No entanto, com o passar do tempo, as dificuldades financeiras, custos com mensalidade e
materiais, me impediram de permanecer no curso de graduação. Dessa forma, retornei para São
Paulo com meus pais e abandonei o sonho de ser a “professorinha da roça”.
Dois anos depois aconteceu o meu momento “charneira”1. No dia do meu casamento ao
chegar no altar com meu esposo, experienciei de perto pela primeira vez a presença de uma
intérprete de Libras2. Naquele momento mais que especial em minha vida, iniciou também o meu
relacionamento com a Libras e o compromisso com a comunidade Surda. Decidi aprender essa
língua que expressa muito mais que palavras, sentimentos e emoções.
Um anoapós o casamento, em 2007, retomei os estudos com o curso de Pedagogia, na
modalidade EAD, Polo Mauá, pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Paralelo à
graduação em Pedagogia realizei meu primeiro curso de Libras no Senac São Paulo, onde recebi
meu sinal3. Esse processo de formação desencadeou experiências significativas que transporto
atualmente para os estudantes, como sugere Josso (2010, p. 47): “Essas ‘experiências’ são
‘significativas’ em relação ao questionamento que orienta a construção da narrativa, a saber: o que
é minha formação? Como me formei? [...].
Ao narrar, recordo os percursos que justificam o propósito para o qual me destinei. No
estágio supervisionado, em uma escola de educação infantil, aprendi as peculiaridades contidas na
faixa etária de zero a três anos. A professora que acompanhei dispensava às crianças um cuidado
minucioso em relação ao ofício da creche. Em espelho àquela atuação, firmei e alicercei minha
base de formação nos conceitos sobre a criança e a infância, compreendendo os processos de
desenvolvimento infantil.
No rememorar desse espaço de atuação no estágio, trago a experiência do meu primeiro
atendimento à pessoa com deficiência em espaço educacional. Na turma de maternal atendíamos
uma criança com TEA4 e uma criança surda com implante coclear.

1
Momento divisor de águas na vida de uma pessoa
2
No Brasil temos três línguas sinalizadas utilizadas por surdos e ouvintes que se comunicam, são elas: Libras, Cena e
Urubuu Kaapor. A Libras é uma das línguas sinalizadas reconhecida por Lei, as demais ainda não são socialmente
aceitas. Além disso, cada país possui sua própria Língua de sinais; por exemplo: os Estados Unidos os surdos usam a
Língua Americana de Sinais; na França, a Língua francesa de sinais; na Espanha, a Língua espanhola de sinais; em
Portugal, a Língua gestual portuguesa e assim seguem os demais países.
3
O sinal simboliza o batismo e iniciação à comunidade surda. O sinal é símbolo da comunidade surda, onde as
características visuais ou gestuais são destacadas pelo surdo nas pessoas, como um símbolo de identidade.
4
Transtorno do Espectro Autista.
20

No percurso da vida durante o estágio em 2009 engravidei do meu primeiro filho. Passados
dois meses da formatura, em fevereiro de 2010, nasceu meu primeiro filho, Samuel.
Apesar de ter concluído a graduação, assumi o papel de mãe e guardei o diploma na gaveta
por um ano. Ao retornar ao trabalho, não mais no papel de estagiária, e sim no papel de docente,
experimentei por três meses o sabor da sala de aula até que gestei minha segunda descendente,
Sara.
Quando terminou o prazo de licença maternidade de Sara, iniciei efetivamente minha
carreira docente em uma sala de berçário em uma creche, passando depois para as outras etapas de
desenvolvimento da educação infantil, ensino fundamental e médio. Em todas as etapas da
educação tive a oportunidade de experienciar as práticas de inclusão de pessoas com deficiência.
Realizei o curso de especialização em Libras, tradução e interpretação, que foi muito
significativo, trazendo conceitos teóricos e metodológicos importantes em minha formação como
Tradutora Intérprete de Libras-Português (TILSP5). Logo após, realizei a especialização em
Docência no Ensino Superior, ambas pela Unicastelo. Nas especializações estive em contato com
mestres, doutores, pesquisadores e profissionais competentes – esse espaço, me apontou a
possibilidade de atuar como docente no ensino superior.
Em 2014, iniciei a atuação como professora interlocutora de Libras no Ensino Médio e
desempenhei um papel diferente do que havia realizado até então, como professora regente em sala
de aula na educação básica. Auxiliava dois estudantes surdos, e com os demais estudantes da sala
realizei o projeto intitulado “Aprendendo Libras com música”, no intuito de promover a
socialização e interação dos surdos em sala de aula.
No decurso desse trabalho, em contato diário com professores de diversos componentes
curriculares, deparei-me com diversas práticas educativas, algumas notáveis e outras lamentáveis.
Percebi a carência de formação teórica e prática de outros docentes a respeito dos surdos, sua
cultura e sobre Libras. As observações dessas práticas me impulsionaram ao ingresso no Mestrado
em Educação, na linha de formação de educadores.
Em 2015, realizei um trabalho voluntário com três surdos (um homem e duas mulheres) e
uma delas estava perdendo a visão. Quando me coloquei à disposição para esse voluntariado não

5
Essa sigla é utilizada dentro dos Estudos da Tradução e Interpretação de Línguas Sinalizadas (ETILS), onde se
diferencia a área de formação que é a tradução e interpretação de línguas sinalizadas do profissional que tem o par
linguístico Libras-Português.
21

possuía compreensão sobre o conceito de surdocegueira e suas características. Não sabia que era
uma deficiência singular com perdas auditivas e visuais concomitantes. Não imaginava as
diferentes formas de comunicação adotadas em cada situação e não conhecia as necessidades
específicas de acesso à informação, vida social, educação, trabalho, orientação e mobilidade.
(GRUPO BRASIL, 2003).
Hoje entendo que a partir desse trabalho e encontro com pessoas com surdocegueira, fui
desafiada a desvendar os mistérios dessa singularidade. O voluntariado teve duração de um ano,
mas a pesquisa sobre a surdocegueira tem me acompanhado até os dias atuais.
A primeira formação na área de surdocegueira foi a oficina de “Técnicas de Interpretação
Tátil e Comunicação Háptica para pessoas com surdocegueira” juntamente com Marcos, o primeiro
membro da minha equipe, atualmente composta por mais de dez guias-intérpretes 6.
Na oficina, conheci as diversas formas de comunicação para a surdocegueira, o uso de
Tecnologia Assistiva e adaptações como recursos facilitadores. Também aperfeiçoei a Libras tátil
e conheci a fascinante forma de complemento na comunicação de pessoas com surdocegueira,
denominada comunicação social háptica. Além disso, pude aprender o Braille de forma simples e
prazerosa.
Dois anos depois, em 2018, concluí a formação de guia-intérprete pela AHIMSA,
instituição de referência nacional na formação de profissionais guias-intérpretes no atendimento de
pessoas com surdocegueira adquirida7.
Sobre a questão da inquietação provocada no contato com os professores no ensino médio,
participei do processo seletivo do segundo semestre em 2016 para o ingresso no Mestrado em
Educação da UMESP. Na escolha do orientador para o projeto, pesquisei entre os docentes aquele
que possuía o foco investigativo em inclusão e indiquei a Professora Doutora Adriana Barroso de
Azevedo, que pesquisava sobre inclusão com o uso de tecnologias. Atualmente ela domina não só
a inclusão com a tecnologia digital, mas a tecnologia assistiva e os diversos âmbitos de atendimento
inclusivo nas diversas deficiências.
Aprovada, ingressei dia 02 de agosto de 2016 no Mestrado em Educação com o projeto
intitulado: “Importância do Processo Formativo Docente para o Atendimento ao Aluno Surdo”.

6
Atualmente a equipe é composta por Marcos Henrique Ramos Assunção, Janete Menezes de Souza, Marciete
Albuquerque, Wharlley dos Santos, Ozana Vera Leal, João Paulo Navega Roque, Heloísa Marasc, Maria A. Amin de
Oliveira, Doralice Medina, Marco Medina, Lucimar Bizio, entre outros.
7
Surdocegos adquiridos são pessoas que adquiriram a condição de surdocegueira após aquisição linguística.
22

Havia escolhido esse tema pela inquietação sobre a carência de formação docente percebida na
turma do ensino médio em que lecionei como docente e intérprete, entretanto, diante do fascínio
pelo tema da surdocegueira e comunicação experimentada, juntamente com a minha orientadora
mudamos o tema de pesquisa para: “Surdocegos e os desafios nos processos socioeducativos: os
mediadores e a Tecnologia Assistiva”. Tal mudança de tema acarretou transformações não só à
minha pesquisa como também a trajetória da minha vida.
A pesquisa de mestrado consolidou meu processo formativo e profissional, sobretudo,
desenvolvi um vínculo com os participantes com surdocegueira que transportei para o cotidiano da
minha vida. Embora o tempo tenha sido curto, posso relatar que o trajeto me ensinou muitas coisas.
“Ao narrar sua própria história, a pessoa procura dar sentido às suas experiências e, nesse percurso,
constrói outra representação de si: reinventa-se.” (PASSEGGI 2011, p. 147). O mestrado
possibilitou minha reinvenção.
O propósito do mestrado8 consistiu em observar o que emerge do campo da educação de
pessoas com surdocegueira em contextos atuais e o uso de recursos de Tecnologia Assistiva como
facilitadores no processo de ensino aprendizagem, juntamente com as narrativas de formação de
pessoas com surdocegueira que já concluíram as etapas formativas e narram as experiências dessas
trajetórias.
Na construção desta tese de doutorado, proponho outras finalidades, em que as narrativas e
a formação se entrelaçam na construção da experiência de pessoas com surdocegueira e guias-
intérpretes.
Dessa forma a questão de pesquisa se configura por: “Que percepções emergem de
tradutores guias-intérpretes de Libras quando estes utilizam a comunicação social háptica com
pessoas surdocegas?”. Observei nuances que compartilho ao longo da pesquisa por meio do texto
multimodal onde hiperlinks transportam os leitores para hipertextos apresentados por cenas. As
inquietações consistiram em alcançar e apresentar os seguintes objetivos:
a) Descrever as características das pessoas com surdocegueira adquirida e como ocorre
a sua comunicação.

8
A dissertação de Mestrado com título “ SURDOCEGOS E OS DESAFIOS NOS PROCESSOS
SOCIOEDUCATIVOS: OS MEDIADORES E A TECNOLOGIA ASSISTIVA” foi defendida em 28 de setembro de
2018 sob a orientação da Profa Dra Adriana Barrosos de Azevedo, os membros avaliadores da banca foram Prof. Dr.
Marcelo Furlin e Profa Dra Elisabete Cristina Costa Renders e está disponível em:
http://tede.metodista.br/jspui/handle/tede/1810. Acesso em 03 set. 1022.
23

b) Buscar compreender as perspectivas do uso da comunicação social háptica no


Brasil.
c) Indicar os recursos de divulgação da comunicação social háptica e os materiais de
referência existentes nesse âmbito.
d) Identificar as similaridades linguísticas da comunicação social háptica,
comparando-a com línguas sinalizadas e escritas.
e) Explicitar as propostas de formação de guias-intérpretes existentes no Brasil.
O propósito principal da tese é promover conhecimento da comunicação social háptica por
meio da pesquisa-formação. No contexto pesquisado essa comunicação é recebida por pessoas com
surdocegueira e exercida por guias-intérpretes no exercício de sua função.
A pessoa com surdocegueira é aquela que possui a ausência de dois sentidos sensoriais,
visão e audição concomitantes, e carece de estratégias para recepção de elementos visuais e
auditivos na completude de informações. Nessa conjuntura, algumas formas de comunicação
utilizadas pelas pessoas com surdocegueira, buscam suprir a carência da perda auditiva, ou seja, as
informações auditivas do ambiente tornam-se acessíveis. Nessa condição, a comunicação social
háptica atuaria como um complemento, ora enfatizando informações, ora transportando
informações visuais, ora sinalizando informações rápidas entre outras funções.
O profissional que atua com a pessoa com surdocegueira é o guia-intérprete. Muitos desses
profissionais antes de exercer a função de guia, já atuavam como intérpretes de Libras. Sou um
desses exemplos, pois já atuava como tradutora e intérprete no par linguístico Libras-Português até
descobrir a surdocegueira e agregar a função de guia no exercício profissional com as adequações
necessárias.
O profissional tradutor guia-intérprete além da função de “intérprete” de uma língua fonte
para uma língua alvo, possui as atribuições de “guia”, fazendo o trabalho de orientação e
mobilidade. Desta forma, Carillo (2008, p.70) destaca que o guia-intérprete é “um profissional
capacitado para realizar o trabalho de interpretação, descrição visual e funções de guia. Para exercer
essas atividades é preciso ter conhecimento e domínio nos diferentes sistemas de comunicação e
nas diversas técnicas de locomoção[...]”.
Carillo (2008) descreve que o profissional guia-intérprete precisa realizar adaptações e
buscar estratégias que sejam eficazes na individualidade das pessoas com surdocegueira. Esse
profissional, além de todas as atribuições mencionadas, carece de formação continuada para
24

aprimorar o exercício da sua profissão. Nessa perspectiva, esta tese busca refletir sobre as lacunas
formativas de profissionais guias-intérpretes de Libras no Brasil, tendo como base as narrativas
dos participantes da pesquisa-formação.
Esta tese está organizada em seis seções e as considerações finais. Na seção 2, apresento a
metodologia da pesquisa-formação realizada com o uso das narrativas com as ilustrações e vídeos
contidas no texto multimodal. Trago as implicações decorrentes no percurso advindas pela
pandemia de Covid-19 e sua repercussão na pesquisa e no curso da minha vida. Apresento os
participantes que me acompanharam nesse processo e suas contribuições para a construção deste
trabalho.
Na seção 3, inicio com a experiência dos participantes sobre o processo de empatia no “ser”
pessoa com surdocegueira. Explano sobre a surdocegueira congênita e adquirida e suas
características apontando as particularidades das pessoas com surdocegueira a partir da própria
percepção, seus processos de comunicação, e possibilidades de interação.
Na seção 4, apresento aspectos históricos da comunicação social háptica, seus conceitos e
definições. Realizo um estudo comparativo sobre a utilização da comunicação social háptica na
Finlândia, e na Noruega, cuja vertente é utilizada no Brasil; os processos de implantação e as ofertas
de curso. Além disso, trago algumas perspectivas da comunicação social háptica na atuação do
guia-intérprete.
Na seção 5 apresento a comunicação social háptica em aspectos educacionais, linguísticos
e formativos. Apresento o paradigma da inclusão na surdocegueira, e as perspectivas da Linguística
Aplicada; além de, propor a estruturação da comunicação social háptica como língua a partir dos
pares mínimos em consonância à Língua Portuguesa e Libras.
Na seção 6 trago um panorama sobre a formação do profissional tradutor guia-intérprete e
seus desdobramentos pela história, as bases legais que trazem à tona a necessidade de reflexões
sobre esse tema e políticas voltadas para o público de pessoas com surdocegueira para que sejam
atendidas em suas necessidades comunicacionais. Trago as bases das características do profissional
Tradutor Guia-Intérprete de Libras e a ética de atuação.
Nas considerações finais, reflito sobre a trajetória evidenciada pelas narrativas e as
descobertas no percurso da pesquisa. Compartilho os processos que atravessei: os encontros e
desencontros que possibilitaram a reflexão do caminho percorrido.
25

2 VIAS METODOLÓGICAS DE PESQUISA

As escolhas sobre a metodologia de pesquisa vão se desdobrando no percurso do doutorado


no contato com as disciplinas cursadas, que vão norteando os processos de desenvolvimento
acadêmico. Um leque de opções é apresentado, e nas características de cada metodologia nasce o
pesquisador que se identifica, que escolhe e que aplica o método à sua pesquisa e à sua vida.
A obra “Pesquisa qualitativa com texto imagem e som”, de Bauer e Gaskell (2002),
apresenta um panorama sobre a pesquisa qualitativa em oito capítulos analíticos em que apontam
as práticas da pesquisa, considerando não só as escritas, mas também a imagem e o som produzidos
pelos participantes que irão corroborar na composição da qualidade final apresentada.
Na introdução, os organizadores mensuram posturas dentro da pesquisa qualitativa. A
primeira delas, é a postura equivocada de “dar poder” ou “voz” aos participantes da pesquisa,
embora seja uma vertente constante. A segunda, indica os “dados9” estarem para além das
entrevistas ou palavras pronunciadas, uma vez que envolvem um contexto mais amplo de escritas,
sons e imagens como fontes de dados. A terceira postura está relacionada às “batalhas
epistemológicas” entre os pesquisadores qualitativos e quantitativos numa discussão desnecessária
e improdutiva entre diversos grupos tentando uma contraposição e justificativas válidas sobre seu
ponto de vista; entretanto, as considerações dos autores estão concentradas em validar pesquisas
que trarão contribuições consistentes para a sociedade. (BAUER; GASKELL, 2002, p. 15).
Sobre o fato de “dar poder” ou “voz” ao participante da pesquisa, julgo pertinente quando
se trata de um grupo de pessoas com certa invisibilidade e à margem das discussões sociais. O fato
de trazê-las para o centro das discussões por meio da pesquisa, fortalece suas lutas e coloca luz
sobre as bases teóricas relacionadas a esse grupo. Corrobora com a minha perspectiva João Leite
Ferreira Neto (2015) em sua análise sobre “Pesquisa e metodologia em Michel Foucault”, retrata
que a perspectiva de dar voz aos sujeitos com o intuito de ser um instrumento, ao promover
mudança e transformação de realidades, considera saberes, poderes e subjetivações.

Assim, o acontecer da pesquisa não somente modifica o que pensa o pesquisador, como
também, ao analisar o caráter e as correlações de seu objeto, em seus eixos de saberes,
poderes e subjetivações, configura-o como entidade contingencialmente produzida e

9
Na pesquisa narrativa evitamos a palavra “dados” pois remetem a informações engessadas ao contrário das narrativas
que transmitem experiências que não podem ser previstas hipoteticamente e nem podem ser avaliadas; mas,
interpretadas. Portanto temos informações que são transmitidas de forma livre, baseadas nas experiências do
participante que são compartilhadas e interpretadas pelo pesquisador.
26

passível de ser transformada. A pesquisa torna-se um potencial instrumento de mudança


de certo estado de coisas e instaurador de novas realidades. (FERREIRA NETO, 2015 p.
415)

Na mesma direção de Ferreira Neto (2015), outros autores reforçam a perspectiva do


principal interesse sobre as experiências para que haja crescimento e transformação nas histórias
de vida de participantes e pesquisadores, “tão difícil quanto pode ser contar uma história, mais
difícil ainda é a tarefa igualmente importante, de recontar as histórias que permitem
desenvolvimento e mudança”. (CLANDININ; CONNELLY 2015, p, 108).
A segunda postura referente ao texto de pesquisa qualitativa, proposto por Bauer e Gaskell
(2002), indicar dados além das entrevistas ou palavras pronunciadas é considerável, contando que
muitos textos remetem a características que merecem destaque como as informações sonoras e as
imagens que podem ser consideradas como dados de pesquisa. A inserção de recursos sonoros e
visuais para além do texto configuram-se por meio do multimodalismo.10
A definição proposta por Carey Jewitt (apud DIONISIO, 2014 p.48) aponta que
“Abordagens multimodais têm proposto conceitos, métodos e perspectivas de trabalho para a
coleção e análise de aspectos visuais, auditivos, corporificados e espaciais da interação e dos
ambientes, bem como da relação entre eles”.
Para Bauer e Gaskell (2002), existe um entendimento clássico sobre a diferença entre
pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa: a quantitativa preocupa-se com números, dados e
estatísticas, enquanto a pesquisa qualitativa está interessada em fatos, suas interpretações e os
acontecimentos que envolvem de maneira profunda a vida das pessoas. Os autores ainda apontam
que é necessário desenvolver “equivalentes funcionais”, para que a pesquisa qualitativa encontre a
credibilidade e autonomia com aportes metodológicos que indiquem exemplos de práticas,
identificando boas e ruins. A pesquisa qualitativa:

[...] é intrinsecamente uma forma de pesquisa mais crítica e potencialmente emancipatória.


Um objetivo importante do pesquisador qualitativo é que ele se torna capaz de ver "através
dos olhos daqueles que estão sendo pesquisados" (Bryman, 1988: 61). Tal tipo de enfoque
defende que é necessária compreender as interpretações que os atores sociais possuem do
mundo, pois são estes que motivam o comportamento que cria o próprio mundo social.
(BRYMAN 1998 apud BAUER E GASKELL 2002, p. 37)

Um aspecto essencial na perspectiva dos autores é a função do cientista social dentro da


pesquisa qualitativa, que consiste em capturar as nuances de uma realidade. Outra característica na

10
Esse termo será explanado posteriormente nessa seção.
27

pesquisa social está baseada na entrevista, momento em que os pesquisadores perguntam e os


participantes respondem de maneira sistemática (BAUER E GASKELL, 2002).
A pesquisa narrativa, aqui proposta; por sua vez, conta com outra dinâmica de construção,
em que participantes e pesquisadores compõem juntos conhecimentos significativos.

2.1 ITINERÁRIOS TRAÇADOS NA PESQUISA

Ao ingressar no doutorado em 2019, juntamente com minha orientadora delineamos o


projeto de pesquisa com o objetivo de promover a formação continuada de profissionais guias-
intérpretes, para a capacitação e uso da comunicação social háptica, que será aprofundada nas
Seções 4 e 5.
Pude participar de alguns eventos em que a formação do profissional guia-intérprete foi
discutida, entre eles, o 3º Seminário Brasileiro de Síndrome de Usher, em 2021, que além da
atualização de pesquisa sobre a Síndrome de Usher11 contemplou a Educação, Psicologia, Esporte
e Políticas Públicas em relação à pessoa com surdocegueira e indiretamente o papel do profissional
que atua com a pessoa surdocega. Outro evento de compartilhamento de práticas de guias-
intérpretes surge com o ENAGI12 (Encontro Nacional de Guias-Intérpretes), que acontece
anualmente, tendo sua primeira edição em 2020. No período de pandemia aconteceram muitas lives
e palestras online, onde os temas da surdocegueira e da formação de guias-intérpretes foram
abordados.13
Na perspectiva da importância da formação do profissional guia-intérprete, a tese foi
desenvolvida a partir da metodologia da Pesquisa Narrativa de Clandinin e Connellly (2015).

[...] pesquisa narrativa é uma forma de compreender a experiência. É um tipo de


colaboração entre pesquisador e participantes, ao longo de um tempo, em um lugar ou
série de lugares [...]. Um pesquisador entra nessa matriz durante e progride no mesmo
espírito, concluindo a pesquisa ainda no meio do viver e do contar, do reviver e recontar,
as histórias de experiências que compuseram as vidas das pessoas, em ambas as
perspectivas: individual e social. Simplesmente estabelecido, [...] pesquisa narrativa são
histórias vividas e contadas. (CLANDININ; CONNELLY, 2015, p. 51).

11 3º Seminário Brasileiro de síndrome de Usher. Disponível em:


https://retinabrasil.org.br/3-seminario-brasileiro-da-sindrome-de-
usher/#:~:text=O%203%C2%B0%20Semin%C3%A1rio%20Brasileiro,A%20PARTIR%20DAS%2009%3ª00.
Acesso em 22 nov. 2022.
12 ENAGI, disponível em: https://enagi.letras.ufrj.br/sobre/. Acesso em 22 nov. 2022.
13
Muitas lives e palestras podem ser acessadas pelo canal do YouTube: Universo da surdocegueira – Grupo Brasil
disponível em: https://www.youtube.com/c/UniversodaSurdocegueiraGrupoBrasil/videos. Acesso em: 04 set. 2022.
28

Sendo assim o processo de desenvolvimento está pautado nas minhas experiências


individuais de pesquisadora e nas experiências dos participantes que tiveram liberdade de narrar
suas histórias de vida e formação.

A aplicação de uma metodologia de pesquisa de natureza qualitativa e de caráter


investigativo na modalidade narrativa, tem por premissa o pesquisador buscar conhecer a
experiência dos participantes em relação ao fenômeno objeto da sua investigação.
(VILELA, BORREGO, AZEVEDO 2021, p.79)

Nesse cenário a pesquisa está centrada na importância da formação de profissionais guias-


intérpretes, onde a experiência compõe o estudo em questão:

Para cientistas sociais, e consequentemente para nós, experiência é uma palavra-chave.


Educação e estudos em Educação são formas de experiência. Para nós, narrativa é o
melhor modo de representar e entender a experiência. Experiência é o que estudamos, e
estudamos a experiência de forma narrativa porque o pensamento narrativo é uma forma-
chave de experiência e um modo-chave de escrever e pensar sobre ela. Cabe dizer que o
método narrativo é uma parte ou aspecto do fenômeno narrativo. Assim dizemos que o
método narrativo é o fenômeno e também o método das ciências sociais (CLANDININ;
CONNELLY, 2015, p. 48).

A pesquisa narrativa propiciou a reflexão sobre a atuação e aprendizagem dos profissionais


participantes. Passeggi (2008, p.25) afirma que: “O trabalho de pesquisa a partir dos relatos de
vida, ou melhor, dos relatos centrados sobre a formação [...] permite ter a medida das mutações
sociais e culturais nas vidas singulares e relacioná-las com a evolução dos contextos de vida
profissional e social.” O conceito de experiência mencionado por Passeggi (2011) menciona que:

O termo experiência, como se sabe, deriva do latim experientia/aee remete à “prova,


ensaio, tentativa”, o que implica da parte do sujeito a capacidade de entendimento,
julgamento, avaliação do que acontece e do que lhe acontece. [...] mas, foi a partir da
reflexão sobre os termos Erlebnis e Erfahrung, equivalentes de experiência em alemão,
que começamos a dar uma atenção especial à ressignificação da experiência e a melhor
problematizá-la em nossos estudos (PASSEGGI, 2011, p.148).

A experiência é constituída a partir do que “nos acontece”, aquilo que significamos e


ressignificamos na vida e na formação. Josso (2004) a respeito das experiências de formação relata
que:

[...] as experiências de vida de um indivíduo são formadoras na medida em que, a priori


ou a posteriori, é possível explicitar o que foi aprendido (iniciar, integrar, subordinar), em
termos de capacidade, de saber-fazer, de saber pensar e de saber situar-se. O ponto de
referência das aquisições experienciais redimensiona o lugar e a importância dos percursos
29

educativos certificados na formação do aprendente, ao valorizarem um conjunto de


atividades, de situações, de relações, de acontecimentos como contextos formadores.
(JOSSO, 2004, p.235)

Compreender e valorizar as situações de aprendizagem e os desdobramentos do que foi


aprendido é fundamental para o desenvolvimento dos percursos formativos. Nesses moldes, a
pesquisa-formação é o meio empregado para se chegar às narrativas. A pesquisa-formação conta
com a proposta de ampliar significações, “tratando-se de um método de pesquisa e de formação
orientada por um projeto de conhecimento coletivo e individual, associado a um processo de
formação existencialmente individualizado” (JOSSO 2004, p. 85)
As experiências dos participantes no percurso de formação, tornaram-se significativas com
as narrativas. O contexto formador sobre o saber fazer a comunicação social háptica, saber pensar
sobre os benefícios da comunicação para a pessoa com surdocegueira e saber situar-se no ambiente,
para a partir dele situar a pessoa com surdocegueira por meio da comunicação; constitui-se em um
movimento contínuo.
No itinerário da pesquisa-formação questionamos os participantes sobre: “Que percepções
emergem de tradutores guias-intérpretes de Libras quando estes utilizam a comunicação social
háptica com pessoas com surdocegueira?”
A pesquisa-formação investe em apreensão de novos conhecimentos e saberes; para a partir
deles, galgar estratégias para o aprimoramento do trabalho profissional. Nessa perspectiva, elaborei
um curso de extensão denominado: “Formação continuada de guias-intérpretes para atuação com
pessoar com surdocegueira na aprendizagem da comunicação social háptica”.
O curso foi projetado para complementar a formação de profissionais guias-intérpretes que
já possuíam uma base e já atuavam na área da surdocegueira, com o intuito de especializar esse
profissional e desenvolver competências para a utilização da comunicação social háptica. No
entanto, com toda a divulgação do formulário em grupos de profissionais habilitados, houve
pouquíssima adesão de interessados.
Programado inicialmente para o primeiro semestre do ano de 2020, contemplou os seguintes
conteúdos: (i) conceitos teóricos e práticos na guia-interpretação; (ii) formas de comunicação na
surdocegueira; (iii) resgate histórico e referencial da comunicação social háptica; e (iv) técnicas de
guia-interpretação com a utilização da comunicação social háptica. As aulas abordaram os temas:
(i) conhecimento dos atributos do trabalho do guia-intérprete; (ii) as características da pessoa com
surdocegueira; (iii) os conceitos de tradução, interpretação e transliteração; (iv) técnicas e práticas
30

na guia-interpretação; (v) possibilidades da comunicação social háptica; (vi) discussão e


formulação de glossário de sinais hápticos; e (vii) práticas de guia-interpretação com pessoas com
surdocegueira.
Para a estruturação do curso foram seguidas sete etapas de preparação para posterior
realização. Na primeira etapa:
● Os conteúdos foram elaborados para profissionais guias-intérpretes formados em
nível técnico e que já atuavam com pessoas com surdocegueira em diferentes
modalidades de comunicação, e que não conheciam a comunicação social háptica.
Para selecionar participantes, foi utilizado o software online Google Forms
14
(Anexo D);
● O formulário, que consta do Anexo D, foi elaborado para identificar interessados
em participar do curso de extensão. Nele constavam perguntas específicas sobre:
informações pessoais (nome, telefone, e-mail para contato e informações sobre o
curso), formação na área de surdocegueira, tipos de comunicação utilizadas pelos
participantes no atendimento a pessoas com surdocegueira15, breve descrição de
experiência de atuação e interesse pessoal em participar do curso de extensão;
● Foi solicitada autorização ao Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e a Associação
Educacional para Múltipla Deficiência (AHIMSA), para divulgação nos grupos de
guias-intérpretes formados pela instituição, contemplando as pessoas habilitadas
para exercer a função de guia-intérprete;
● Mediante análise da proposta do curso de extensão pela equipe do Grupo Brasil de
Apoio ao Surdocego, o convite para preenchimento do formulário foi
disponibilizado em grupos de WhatsApp. Esses grupos são compostos por guias-
intérpretes de todo o Brasil. O formulário em sua página inicial apresenta o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A);
● O formulário de inscrição apresenta a proposta e estrutura do curso com duração de
horas 60h (8 aulas remotas ministradas e gravadas pela plataforma Moodle)16; as

14
Consiste em uma ferramenta que permite coletar informações de usuários por meio de pesquisa ou formulário
personalizado onde as informações são coletadas e conectadas automaticamente a uma planilha que é preenchida com
as respostas da pesquisa e/ou do formulário.
15
Mais informações sobre formas de comunicação detalhadas no tópico 2.3.1
16
As aulas foram inicialmente programadas para acontecer de maneira presencial; mas, devido à Pandemia por Covid-
19, houve a migração para o modelo remoto.
31

aulas quinzenais aos sábados, com duração de três horas cada uma, computando o
total de 24 horas-aula; e acesso aos materiais conceituais e propostas de atividades
pela plataforma Moodle, totalizando a dedicação de 3 horas de estudos concernentes
a cada aula, com o total de 24h em atividades EAD e 12 horas de atividades
complementares perfazendo 60 horas;
● As pessoas com surdocegueira, atendidos pelos guias-intérpretes participantes do
curso, poderiam participar das aulas conceituais e atividades práticas quando, então,
os guias-intérpretes poderiam desenvolver o conhecimento adquirido no decorrer do
curso;
● As pessoas com surdocegueira poderiam, por meio de narrativas, expor o seu
processo educacional e as formas de comunicação por eles utilizadas e experimentar
a comunicação social háptica.
A seguir, o quadro com o cronograma realizado no curso de extensão:

QUADRO 1: EMENTA DO CURSO DE EXTENSÃO


AULAS DATA TEMA CONTEÚDOS

1 19/09 Atributos do trabalho do guia-intérprete - Explanação do trabalho do guia-intérprete


- Espaços de atuação
- Ética do guia-intérprete

2 03/10 Características da pessoa com - Pessoas com surdocegueira adquirida


surdocegueira - Pessoas com surdocegueira congênita
- Especificidades da surdocegueira
3 17/10 Conceitos de tradução, interpretação e - História da Tradução e interpretação
transliteração - Modalidades da língua
- Efeitos de modalidades
4 31/10 Técnicas e práticas na guia-interpretação - Tecnologia Assistiva (base de apoio e
materiais pedagógicos adaptados)
- Classificadores na Libras
- Estratégias de guia-interpretação
5 14/11 Possibilidades da comunicação social - Comunicação Háptica e comunicação social
háptica: háptica
complemento de informações, ênfase de - Possibilidades de descrição visual
informações e fornecer informações - História da Comunicação Social Háptica no
rápidas. Brasil e no mundo
6 28/11 Glossários de sinais hápticos - 103 Sinais hápticos (criado na Noruega e
traduzido para o Inglês)
- Glossário elaborado por pessoas com
surdocegueira do Brasil
- Especificidade das pessoas com
surdocegueira na utilização da comunicação
social háptica
7 12/12 Práticas de Guia-Interpretação - Práticas e experimentação sobre da
comunicação social háptica
32

8 19/12 Práticas de Guia-Interpretação - Práticas e experimentação sobre da


comunicação social háptica
Fonte: a pesquisadora.

Na segunda etapa:
● O curso foi reelaborado para atender o público interessado que tivesse contato com pessoas
com surdocegueira sem o pré-requisito da formação e atuação profissional;
● O formulário foi disponibilizado em grupos abertos de Whatsapp e propagado de pessoa
para pessoa;
● O formulário (Apêndice D) foi preenchido por 37 pessoas com o intuito de reunir
informações prévias sobre os participantes, além de trazer em seu corpo o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A). Dentre os 37 respondentes encontrava-
se um público interessado heterogêneo formado por: guias-intérpretes, intérpretes, pessoas
com surdocegueira, familiares e amigos de pessoas com surdocegueira;
● Dos 37 respondentes iniciais, 26 deram continuidade ao curso até sua conclusão;
● Reestruturei os conteúdos a serem ministrados no curso, desde conceitos básicos sobre a
surdocegueira, até práticas de guia-interpretação.
● No percurso das aulas disponibilizei aos participantes a Declaração de responsabilidade da
pesquisadora (Apêndice B). O Termo de Cessão de Direito de Uso de Gravações de Áudio,
Vídeo e Fotografia (Apêndice C);
Na aplicação do curso foi proposta a metodologia da sala de aula invertida em que os
participantes tiveram acesso aos materiais17 contendo os conceitos teóricos que seriam trabalhados
posteriormente na aula síncrona.
Os pesquisadores que promoveram amplo conhecimento sobre a sala de aula invertida,
foram os americanos Jonathan Bergmann e Aaron Sams (2016), que relatam em suas narrativas
autobiográficas as experiências frente às necessidades de seus estudantes.
Bergamann e Sams (2016) compartilham experiências com estudantes em diferentes graus
de aprendizagem. Emergem dos relatos de ambos a percepção da aprendizagem individual e o
protagonismo desses estudantes, enquanto, por outro lado, em atividades síncronas no coletivo, é
notório a troca de saberes e habilidades desenvolvidas. (BERGMANN; SAMS, 2016).

17
Produzi uma apostila como suporte teórico-metodológico para estudos dos participantes aula-a-aula: além de,
disponibilizar outros autores e fontes de consulta.
33

As autoras Vilela e Azevedo (2020), compartilham a experiência da utilização da sala de


aula invertida para a aprendizagem de Libras como L218 e mencionam a relevância do tempo de
encontro síncrono:

Pensando no tempo disponível em sala de aula precioso para práticas e estabelecimento


de estratégias de ensino, torna-se primordial a sala de aula invertida como válvula
propulsora de autonomia e domínio de conhecimentos teóricos e práticos. Além disso,
deve se considerar os recursos tecnológicos disponíveis e ao alcance das mãos que
favorecem a autonomia do aluno, tornando-o protagonista do próprio conhecimento.
(VILELA; AZEVEDO 2020, p.9).

À vista disso, o contato e o momento de aula síncrona são essenciais para o


desenvolvimento de habilidades e competências dos estudantes. Assim como, as autoras acima
citadas, Bergmann e Sams (2016) enfatizam a premissa de que os estudantes aproveitam os
momentos síncronos para atividades práticas e para elucidar as dúvidas que surgem enquanto
estudam antecipadamente:

O momento em que os alunos realmente precisam da minha presença física é quando


empacam e carecem de ajuda individual. Não necessitam de mim pessoalmente do lado
deles, tagarelando um monte de coisas e informações; eles podem receber o conteúdo
sozinhos[...] E se gravássemos todas as aulas, e se os alunos assistissem ao vídeo como
‘dever de casa’ e usássemos, então, todo tempo em sala de aula para ajudá-los com os
conceitos que não compreenderam?” (BERGMANN; SAMS, 2016 p. 4).

Pensando à ótica dessa percepção de Bergmann e Sams (2016), o curso de “Formação


continuada de guias-intérpretes para atuação com a pessoa com surdocegueira no aprendizado da
comunicação social háptica” foi estruturado, na conjuntura de formação continuada e advento de
utilização de recursos tecnológicos

[...] muitas são as discussões sobre metodologias na Formação Continuada que sejam
interessantes aos alunos e tragam subsídios para aplicação profissional. Nesse cenário a
inversão da sala de aula no contexto atual torna-se necessário para que o aprendizado
ocorra de forma efetiva, pois considerando a geração que está conectada com acesso à
Internet, Facebook, Youtube, Wattsapp entre outros, essa mudança torna-se emergente.
(VILELA, AZEVEDO 2020, p.9).

No cenário tecnológico contemporâneo se dá a aprendizagem por meio das ferramentas que


favorecem o processo de ensino aprendizagem; e, os profissionais que optam por utilizar a
metodologia da sala de aula invertida, o fazem de maneira distinta como afirma Bergmann e Sams:

18
Na aprendizagem de línguas é considerada L1 a primeira língua ou língua materna, que geralmente é o primeiro
idioma aprendido e praticado pelos pais. A L2 é a sigla utilizada para denominar uma segunda língua ou segundo
idioma aprendido.
34

Todo professor que optar pela inversão, terá uma maneira distinta de colocá-las em prática.
Com efeito, ainda que tenhamos desenvolvido as salas de aula invertidas juntos e nossas
salas de aula sejam vizinhas, ambas ainda seriam distintas entre si, assim como nossas
personalidades e nossos estilos didáticos se diferenciam em meio às semelhanças.
(BERGMANN; SAMS, 2016 p. 10).

A partir da oportunidade de compartilhar conhecimentos no curso de pesquisa-formação,


pude rever, sentir, e partilhar minhas experiências; e ainda, me permitir conhecer as histórias de
vida dos participantes que compreenderam: pessoas com surdocegueira, guias-intérpretes,
intérpretes e familiares.
Nos momentos síncronos do curso e em conversas hermenêuticas ocorreram as capturas
das narrativas em perspectivas individuais e coletivas que me permitiram refletir sobre as
experiências vividas, os anseios e desafios de cada participante em contraponto com minhas
experiências refletidas.
Na terceira etapa:
● Os encontros aconteceram quinzenalmente, aos sábados das 9:00 às 12:00;
● Após os encontros registrei o diário de bordo, com todas as percepções do encontro;
● Compartilhei com a orientadora as sensações e acontecimentos de cada encontro;
● Recebi feedback da orientadora com suas percepções e apontamentos para a
pesquisa e para a vida;
● Cada encontro continha atividades práticas onde todos puderam compartilhar e
aprender com as experiências compartilhadas;
● Os bastidores das aulas eram compartilhados por grupo de WattsApp;
● As aulas ficaram disponíveis no YouTube para acesso e consulta e posterior;
● As aulas foram transcritas para serem utilizadas nos textos de pesquisa.
A partir da banca de qualificação, nasceu a emergência de construção do texto multimodal,
trazendo para os leitores da tese imagens, vídeos e representações vividas no curso de extensão. As
nuances vividas são compartilhadas no decorrer de todo o texto atendendo à essa solicitação.

2.2 O MULTIMODALISMO COMO PROPOSTA TEXTUAL

Na pesquisa-formação, muitas facetas foram desveladas. A utilização do texto que


transporta as informações verbais, não alcança a plenitude dos acontecimentos. Os papéis
35

desempenhados por mim e pelos participantes no decorrer do curso tornam-se ofuscados frente ao
texto tradicional, apenas escrito.
Tal modalidade atende aos requisitos solicitados uma vez que, possibilita ampliar o acesso
das informações/resultados relacionados ao contexto da pesquisa. Dessa forma, trago à baila os
conceitos que embasam a construção de um texto multimodal:

Multimodalidade é uma abordagem interdisciplinar que entende a comunicação e a


representação como envolvendo mais que a língua. Os estudos nesse campo têm se
desenvolvido nas últimas décadas de modo a tratar sistematicamente de questões muito
discutidas sobre as mudanças na sociedade, por exemplo, em relação às novas mídias e
tecnologias. Abordagens multimodais têm proposto conceitos, métodos e perspectivas de
trabalho para a coleção e análise de aspectos visuais, auditivos, corporificados e espaciais
da interação e dos ambientes, bem como da relação entre os mesmos. (JEWITT 2003 apud
DIONISIO 2014, 48).

A abordagem multimodal que apresento configura-se na utilização da tecnologia para que


a representação dos textos tenha significação para além da língua escrita. Durante o curso muitas
nuances ganham sentido a partir da prática de exposição na multimodalidade. As aulas do curso
foram gravadas e ao vê-las novamente depois de um tempo de afastamento do campo de pesquisa
e dos participantes, percebo detalhes antes imperceptíveis.
Nas videoaulas é possível observar as expressões dos participantes, a entonação das vozes,
o ambiente que os circundam e as sensações que os envolvem. Quando observo as pessoas com
surdocegueira; percebo a postura corporal e as expressões que revelam muitos textos sensíveis não
expressos em palavras. Dessa forma compartilho a pesquisa juntamente com suas informações
utilizando o texto multimodal. Como bem esclarece o autor:

[...] a multimodalidade pressupõe que a representação e a comunicação sempre se baseiam


em uma multiplicidade de modos, todos contribuindo para o significado. Ela se concentra
na análise e descrição do repertório completo de recursos geradores de sentido usados
pelas pessoas (recursos visuais, falados, gestuais, escritos, tridimensionais, entre outros,
dependendo do domínio da representação) em diferentes contextos, e no desenvolvimento
de meios que mostram como esses são organizados para gerar sentido. (JEWITT 2003
apud DIONÍSIO 2014, p. 48).

No intuito de compartilhar de forma mais abrangente os sentidos percebidos durante o


curso, para além do texto escrito, estão inseridas as imagens compartilhadas pelos participantes, as
quais foram disponibilizadas por WhatsApp, em trechos das videoaulas, prints de telas, registros de
atividades, acrescentando ainda na presente pesquisa outros recursos como: luz, cor, som, imagem
e movimento.
36

As possibilidades proporcionadas pelo uso da tecnologia são inúmeras e permitem afirmar


que “estamos vivendo na era da tecnologia e que as formas de interação são influenciadas pelos
avanços tecnológicos é afirmar o óbvio” (DIONÍSIO 2011, p. 137). Portanto, não é novidade
utilizar os recursos tecnológicos em favor das composições textuais com diferentes linguagens
(visual, oral, escrita, audiovisual, audiodescrita19, sinalizada20)
O texto oral assim como o escrito já pode ser considerado multimodal pelas vertentes de
diferentes modos, pois compreendem duas formas distintas de representação; ainda mais quando
utilizamos “palavras e gestos, palavras e entonação, palavras e imagens, palavras e tipográficas,
palavras e sorrisos, palavras e animações etc.” (DIONÍSIO, 2011, p. 139).
Dionísio (2014) acrescenta que:

[...] é no texto, materialidade dos gêneros, onde os modos (imagem, escrita, som, música,
linhas, cores, tamanho, ângulos, entonação, ritmos, efeitos visuais, melodia etc.) são
realizados. O que faz com que um modo seja multimodal são as combinações com outros
modos para criar sentidos. (DIONÍSIO, 2011, p. 42).

A autora pondera que os gêneros multimodais são considerados em diferentes meios de


acesso, tanto em papel impresso, quanto em meios digitais considerando os sistemas e signos
utilizados; até mesmo a disposição e diferenciação das fontes utilizadas podem configurar a
multimodalidade.
Rojo e Barbosa (2015) também refletem a esse respeito:

As modalidades ou semioses que podem comparecer na composição de um texto em um


gênero dependem, de certa maneira, das mídias em que esse texto foi produzido e circula.
Na mídia impressa, só se pode dispor de imagem estática (fotos e ilustrações) e de escrita.
Já na mídia digital, todas as modalidades e semioses – língua oral e escrita (verbal),
linguagem corporal (gestualidade, danças, performances, vestimentas), áudio (música e
outros sons não verbais) e imagens estáticas e em movimento – podem entrar na
composição e frequentemente encontram-se hiperlinkadas, ou seja, em hipermídia
(ROJO; BARBOSA, 2015, p. 111-112).

Compreendo que nas mídias digitais, é possível utilizar inúmeras linguagens e recursos por
meio de hiperlink e a hipermídia. Nesta pesquisa, assumo a perspectiva de utilização de hiperlinks
por meio dos quais o leitor terá a possibilidade de escolher adentrar no ambiente de aprendizagem

19
Referência à audiodescrição onde as informações visuais são transportadas por meio de recurso auditivo
beneficiando as pessoas cegas ou com baixa visão.
20
Referência à possibilidade de trazer acessibilidade a textos multimodais com a janela de interpretação em Libras
beneficiando pessoas surdas.
37

e participar do curso; e, ainda contemplar as escolhas e experiências dos participantes frente às


propostas de formação.
Os trechos das aulas e momentos compartilhados, estarão disponíveis por hiperlinks e
leitura do QR Code que poderão ser realizados pela câmera do celular. O aparelho identificará o
código e transportará o leitor para o conteúdo. Smartphones nos sistemas Android e iOS já possuem
o leitor integrado à câmera, porém, modelos antigos precisarão baixar um aplicativo (App) para
essa função. Não apresentarei as narrativas na ordem cronológica em que as aulas do curso
aconteceram; pois, os temas abordados em cada encontro, estão fragmentados no trajeto textual da
tese.

2.3 PESQUISA: CURSO, PERCURSO E DECURSO NA PANDEMIA POR COVID-19

Esse tema surgiu em minha mente em uma bela manhã quando eu estava pensando na
estrutura deste capítulo metodológico. Essas palavras ecoaram em minha cabeça, sem nem mesmo
saber o significado de cada uma delas. Na busca do significado desses conceitos, percebi que reflete
o curso da minha trajetória formativa, relatado no início do texto, desmembrando no percurso
metodológico percorrido no processo de pesquisa e o decurso da finalização da pesquisa e as
experiências que me trouxeram.
Penso nos impactos causados pela pandemia na vida de todas as pessoas. Reflito que a vida
passa por processos complexos em todo o tempo. Não é privilégio de uns em detrimento de outros.
Todos enfrentamos desafios em meio à formação ou sem estar em processo de formação.
O doutorado teve início no primeiro semestre de 2019, com a idealização do curso de
extensão para o segundo semestre de 2020. No entanto vários desafios foram enfrentados com a
chegada da pandemia por Covid-19. Tanto as rotinas de vida das pessoas mudaram, quanto as
pesquisas realizadas nesse período.
A proposta inicial estava apoiada em um curso de extensão para profissionais guias-
intérpretes de maneira presencial, contudo, devido a pandemia o curso foi realizado de maneira
remota. Neste contexto, o projeto foi estruturado e reestruturado no decorrer do ano e submetido à
Plataforma Brasil em 13 de maio de 2020, sendo aprovado dois meses depois com o número CAAE
31770920.1.0000.5508, tendo por início previsto o dia 01 de julho de 2020.
O curso iniciou-se em 19 de setembro de 2020 e finalizou em 19 de dezembro de2020 e no
percurso, muitas narrativas de experiências de formação vivenciadas pelos participantes surgiram
38

em meio às possibilidades de comunicação com pessoas com surdocegueira. Para Clandinin e


Connely (2015, p. 119), “[...] a frase vivenciando a experiência é um lembrete de que para nós a
pesquisa narrativa destina-se ao entendimento e à composição de sentidos da experiência.”. As
narrativas partilhadas sobre esse percurso formativo agregaram muitas experiências significativas.
Josso (2006) menciona que:

As narrativas de formação permitem distinguir: experiências coletivamente partilhadas em


nossas convivências socioculturais e experiências individuais; experiências únicas e
experiências em série. A experiência implica a pessoa na sua globalidade de ser
psicossomático e sociocultural, isto é, ela comporta sempre as dimensões sensíveis,
afetivas e conscienciais. A experiência constitui um referencial que nos ajuda a avaliar
uma situação, uma atividade, um acontecimento novo. (JOSSO, 2006, p. 49).

Algumas narrativas revelam a percepção de experiências anteriores ao curso, outras


decorrem no percurso21 a partir das práticas vivenciadas e outras ecoam no decurso22, quando os
participantes avaliam o curso e mencionam a importância dessa formação, na vida e na prática
profissional deles.
Nesse cenário de pandemia as aulas aconteceram no formato online, de forma síncrona pela
plataforma Moodle. A tecnologia possibilitou tanto a realização do curso de extensão, quanto a
participação de diversas pessoas de vários estados brasileiros e até em outros países, como é o caso
da participante Márcia, residente em Portugal. Nas palavras de Azevedo (2013):

A técnica e as tecnologias, portanto, são meios, não o fim que se busca. Em nosso trabalho
educativo envolvendo tecnologias, quando elegemos como fim o que era para ser meio,
agregamos grandes possibilidades de realizarmos um trabalho medíocre, de pouco valor e
que resulta em pouca aprendizagem. Segundo as características da aprendizagem as
tecnologias devem possibilitar o desenvolvimento de vários aspectos, por exemplo, que o
ensino seja ativo e participativo, orientado à prática e a resolução de problemas e apoiado
por diferentes recursos técnicos e códigos audiovisuais. (AZEVEDO, 2013, pg.154).

De acordo com a autora, a participação ativa propicia um aprendizado significativo que


iniciou com a proposta da metodologia da sala de aula invertida e atividades que desenvolveram a
aprendizagem.
Na metodologia da sala de aula invertida, proposta para o curso, eram postados vídeos,
artigos e textos sobre os conteúdos que seriam tratados nas aulas. Os textos e os artigos eram
acessíveis às pessoas com surdocegueira participantes; porém, os vídeos necessitavam de um

21
Ato ou efeito de percorrer. Dicionário online. Disponível em: https://www.dicio.com.br/percurso/. Acesso em: 19
set. 2021.
22
Prazo terminado; período de tempo já passado: decurso de prazo. Dicionário online. Disponível em:
https://www.dicio.com.br/decurso/. Acesso em: 19 set. 202.1
39

auxílio de um guia-intérprete de maneira presencial, muitas vezes essa ação não foi possível. Esse
período de pandemia causou muitas barreiras na acessibilidade da pessoa com surdocegueira.
O acesso da pessoa com surdocegueira às informações dependem exclusivamente do
toque23 para que seja efetivado. Para que as pessoas com surdocegueira participassem do curso de
extensão foi necessário que um familiar ou amigo guia-intérprete fizesse essa transposição da
Língua Portuguesa oral usada por mim e pelos professores convidados, para a Língua de Sinais
Tátil24 utilizada pelas pessoas com surdocegueira participantes.
Em algumas aulas tivemos a participação de surdos convidados, fazendo com que nós,
tivéssemos que disponibilizar intérpretes para fazer essa transposição de conteúdo oral para
conteúdo sinalizado em Libras. A participação das pessoas com surdocegueira foi crucial no
andamento do curso, pois elas trouxeram perspectivas sobre si mesmas e os benefícios recebidos
por meio dos conceitos apreendidos em aula. Souza (2004) menciona o termo narrar sobre si,
quando enfatiza que:

[...] a abordagem biográfica instaura-se como um movimento de investigação-formação,


ao enfocar o processo de conhecimento e de formação que se vincula ao exercício de
tomada de consciência, por parte do sujeito, das itinerâncias e aprendizagens ao longo da
vida, as quais são expressas através da meta-reflexão do ato de narrar-se, dizer-se de si
para si mesmo como uma evocação dos conhecimentos construídos nas suas experiências
formadoras. (SOUZA, 2004, p. 13)

As pessoas com surdocegueira tiveram participação ativa no curso com as narrativas


socializando as formas de comunicação utilizadas e experiências vivenciadas; além de, aprendizado
de novas formas de comunicação. Inicialmente o curso não havia sido estruturado para atender às
necessidades tecnológicas destas quanto ao formato de acessibilidade aos materiais, tanto na
plataforma quanto nos outros canais de comunicação. Dessa maneira, iniciamos um processo de
apropriação às necessidades delas.
No grupo de WhatsApp, ao enviar as mensagens, tínhamos que descrever as imagens
publicadas, o que promoveu a aprendizagem dentro da área de audiodescrição. Josso (2004)
menciona a importância de articular a aprendizagem no contato com o outro na perspectiva de
aprender e saber fazer. Em contato com as necessidades das pessoas com surdocegueira, todos nós
participantes do curso aprendemos a fazer:

23
A importância e a significação do toque na comunicação da pessoa surdocega será abordada no capítulo 3.
24
A Língua de Sinais Tátil é composta pela adaptação da Libras (Língua Brasileira de Sinais) usada pelos surdos
brasileiros, porém na modalidade tátil, onde os surdocegos tateiam cada sinal realizado.
40

... é uma aprendizagem que articula, hierarquicamente: saber-fazer e conhecimentos,


funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada
um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de
uma pluralidade de registros. (JOSSO, 2004, p.39).

Formar, dentro da perspectiva de Josso (2004), é a integração entre o saber fazer e as


práticas que encaminham para a aprendizagem por meio da formação. Pudemos galgar novas
experiências na aprendizagem, no processo de empatia e principalmente com a experiência
formada a partir do contato com o outro. Para Josso (2010, p. 32): “[...] aprendizagem pela
experiência, que transforma complexos comportamentais, afetivos ou psíquicos sem pôr em
questão valorizações que orientam os compromissos da vida.”.

2.3.1 Narrativas na pesquisa-formação

A formação é um tema emergente em todas as esferas de atuação profissional; pois, carece


de aperfeiçoamento. No exercício do profissional guia-intérprete a formação é emergente. No papel
de guia-intérprete me debruço sobre a formação no intuito de aprimorar minhas práticas de atuação
e atendimento às pessoas com surdocegueira.
De posse das minhas experiências formativas, frente às possibilidades que obtive,
compartilho por meio da pesquisa-formação o curso de extensão com o tema: “Estratégias na guia-
interpretação e utilização da comunicação social háptica para pessoas com surdocegueira”, que
visou desenvolver possibilidades de aprimoramento a profissionais guias-intérpretes que atuam
com pessoas com surdocegueira em diversos espaços, apresentando estratégias de comunicação na
surdocegueira, sobretudo compartilhando a comunicação social háptica como elemento
complementar. Às discussões e narrativas trouxeram novos horizontes que serão abordados na
pesquisa.
O curso propôs reflexão e partilha de conhecimentos. Na primeira aula, estava apreensiva
e ansiosa para conhecer os participantes e fazer uso das novas ferramentas da plataforma Moodle
que nunca havia utilizado.
Iniciamos com a negociação de campo sugerido por Clandinin e Connely (2015).
Evidenciei a importância da participação de todos de forma que, esse curso contribuísse de maneira
significativa para suas vidas; compartilhei meus objetivos e declarei a importância das suas
histórias para a pesquisa-formação, minha trajetória formativa e minha vida – afinal, não se separa
a pesquisa narrativa da própria vida.
41

Em minhas narrativas trago os papéis que desempenho no cotidiano: mãe, amiga, intérprete,
guia-intérprete, professora e pesquisadora. Esclareci que utilizaria os textos de campo, suas
narrativas e experiências de vida como fontes do texto de pesquisa.
Todo o processo do curso de extensão, no âmbito da pesquisa-formação, gerou fontes e
posteriores textos de campo. Entre eles:
● Formulário de aceitação de participação no curso;
● Aulas gravadas disponibilizadas aos participantes;
● Diário de bordo registrado por mim após as aulas;
● Orientações dialogadas com minha professora orientadora;
● Diálogo com pesquisadores da área;
● Conversas de Whatsapp com os participantes do curso.
Durante o curso estive imersa nessa experiência de falar, escutar, partilhar, compartilhar e
entender esse processo de formação. Desempenhei outros papéis como professora, intérprete,
mediadora e pesquisadora.
Ao final do processo do curso, com os textos de campo em mãos, escolhi o caminho da
hermenêutica; pois, se configura como uma forma de interpretação possível das narrativas
coletadas durante a pesquisa. Richard Palmer (1969) na obra “Hermenêutica”, sugere conceitos
sobre a construção e compreensão da interpretação. A busca do autor situa-se no contexto da
procura pela resolução de problemas concernentes à interpretação literária. Menciona a tarefa de
mergulhar no texto em busca de significações:

Se é preciso ser-se um bom ouvinte para escutar aquilo que é realmente dito, ainda é
preciso ser-se melhor para ouvir o que não foi dito mas que se esclarece ao falar.
Centrarmo-nos exclusivamente na positividade daquilo que é explicitamente dito no texto
é fazer injustiça à tarefa hermenêutica. Temos que ir para além do texto para encontrarmos
aquilo que ele não disse, e que talvez não pudesse dizer. (PALMER 1969, p. 235-236).

A hermenêutica configura-se como cerne no fenômeno de interpretação, pois compreende


a arte de explicar um texto ou discurso. Em nuances que estejam ocultas, a hermenêutica tem o
papel de evidenciar possíveis interpretações.
Clandinin e Connelly (2015) mencionam que: “A composição e a leitura dos textos de
campo possibilitam o escorregar para fora da intimidade, por algum momento. Este movimento de
ir e vir, entre o apaixonar-se e a observação fria é possível através dos textos de campo”
42

(CLANDININ; CONNELY, 2015, p. 122). O distanciamento é necessário para a interpretação das


narrativas dos participantes e a percepção de mim mesma enquanto participante dessa experiência.

A existência humana, paradoxal e trágica, descobre-se como contingência, como finitude,


como desejo de ser, como falível e só pode compreender-se a si mesma e dar-se sentido
através da interpretação e da apropriação dos sentidos que a própria interpretação nos
revela. Apanhado no meio do tempo, porque quando se nasce nasce-se dentro dum tempo,
dentro de uma linguagem, dentro de uma história e de uma tradição, “já posto no ser”, o
destino do homem é reencontrar-se da perdição inicial e situar-se no seu tempo, através
da interpretação e do conflito de interpretações que o texto, a narração, os símbolos, os
sonhos, a arte geram. Interpretações, contudo, sempre abertas a novos sentidos, a novos
mundos, porque o texto é sempre abertura a novos mundos e a novas apropriações, a novas
possibilidades interpretativas, nunca esgotadas. A própria ontologia não é dissociável da
interpretação no jogo e no círculo entre interpretar e ser interpretado, pois todas as
interpretações, ainda que conflituosas ou mesmo contraditórias, são igualmente válidas
(RICOEUR, 1969 apud FONSECA 2016, p.5).

As minhas narrativas em contraponto com a dos participantes na articulação das memórias


vividas e das expressões autobiográficas, permitem refletir sobre conquistas, mas também, sobre
objetivos a serem alcançados. Souza (2004) usa o termo narrar sobre si, quando enfatiza que:

[...] a abordagem biográfica instaura-se como um movimento de investigação-formação,


ao enfocar o processo de conhecimento e de formação que se vincula ao exercício de
tomada de consciência, por parte do sujeito, das itinerâncias e aprendizagens ao longo da
vida, as quais são expressas através da meta-reflexão do ato de narrar-se, dizer-se de si
para si mesmo como uma evocação dos conhecimentos construídos nas suas experiências
formadoras. (SOUZA, 2004, p. 13).

Assim, as aprendizagens provocam a reflexão sobre a experiência, ou seja, o processo de


tomada de consciência de cada participante sobre os acontecimentos vividos transformados em
experiências formadoras.
A cada encontro os participantes e eu nos tornamos um só no processo de ensino e
aprendizagem e na sinergia de compartilhar experiências significativas. No primeiro encontro,
explanei as características do curso como: perfil dos participantes, competências a desenvolver,
metodologia do curso e cronograma aula-a-aula. Após a explanação da ementa do curso iniciamos
um período de apresentações que começou por mim, com minha experiência mais marcante sobre
a comunicação social háptica na formatura do ensino médio de um amigo surdocego, que
compartilho em texto a seguir:
Eu mapeei (desenhei nas costas) a disposição das pessoas (estudantes) que estavam no
auditório e a disposição dos professores que estavam no palco fazendo a entrega de certificados e
tirando fotos. À medida que um a um saía para receber seu certificado eu mapeava a movimentação
43

do seu entorno e com isso se aproximava a vez do jovem surdocego receber seu certificado. Pude
sentir o tremular do seu corpo na ansiedade de esperar sua vez. Até que ele foi chamado pelo seu
nome. Enquanto isso, toda a escola entrou em grande euforia de palmas, gritos e batidas de pés. A
energia que circulou ali foi de arrepiar e comover aquela grande multidão de convidados. Esse foi
um momento inesquecível que a comunicação social háptica pôde proporcionar. No rememorar
dessa experiência, pude recordar o sentimento que fui tomada naquele instante, e ao relatar aqui,
sinto de novo.
Logo após minha partilha, os demais relataram suas experiências no contato com pessoas
com surdocegueira e o contato com a comunicação social háptica (aqueles que já conheciam e
utilizavam). O quadro 2 traz um panorama geral da caracterização dos participantes. Em
consonância ao que foi apresentado ao Comitê de Ética, julgo importante ressaltar que as
identidades dos participantes foram preservadas. Assim, os nomes contidos nas narrativas do
quadro e no decorrer dos textos narrados foram escolhidos pelos próprios participantes. Nos vídeos
apresentados os nomes dos participantes foram silenciados para que permanecessem no anonimato.
Sendo assim apresento as características dos participantes e suas experiências retratadas conforme
a seguir:

QUADRO 2: CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES


Participante Contato com pessoa Formação Local de Comunicação utilizada
com surdocegueira atuação
SAMUEL Amigos em espaços Graduado em Igreja e Língua de Sinais Tátil,
religiosos, encontros Matemática e Espaços Língua de Sinais em
formais, informais e Mestrando em sociais campo reduzido, Fala
palestras Educação oral amplificada, escrita
Matemática. na palma da mão, Uso
Intérprete e Guia- do dedo como lápis,
intérprete pela Tadoma, Comunicação
AHIMSA Social Háptica
IVONETE Amigos Ensino Médio Em casa com Língua de Sinais Tátil,
Completo filho e casa de Língua de Sinais em
amigos campo reduzido, Fala
oral amplificada,
Tadoma
NALVA Tenho contato com meu Pedagoga, Pós- Atualmente na Língua de Sinais Tátil,
filho em lugares muito graduação em igreja quando Língua de Sinais em
escuros e tenho um Educação Especial tem algum campo reduzido, Fala
amigo com Inclusiva e Surdez surdocego oral amplificada, escrita
surdocegueira o qual Libras tradução presente e na palma da mão,
tenho muito contato. Interpretação, com meu filho Alfabeto datilológico
educação especial no dia a dia. Tátil, Comunicação
com ênfase em visual Social Háptica
e surdocegueira
44

CHARLIE Meu esposo é uma Pedagoga Em todos os Língua de Sinais Tátil,


pessoa com espaços e em Alfabeto datilológico
surdocegueira todo o tempo Tátil, Comunicação
Social Háptica

REBECA Na tradução de cultos Pedagogia e Igreja e Língua de Sinais Tátil,


religiosos especialização em círculo de Alfabeto datilológico
Educação Especial e amigos Tátil, Comunicação
Inclusiva Social Háptica
Curso de Braille e
Baixa Visão.

MARCELA Na esfera profissional e Pedagogia e Letras- Igreja e Escola Língua de Sinais Tátil,
círculo de amigos Libras, Pós-graduada Língua de Sinais em
em Neuropsicopeda- campo reduzido, Fala
gogia, Educação oral amplificada, Escrita
Especial com ênfase na palma da mão, Uso
em Deficiência do dedo como lápis,
Auditiva e Educação Alfabeto datilológico
Infantil. Tátil, Alfabeto tátil,
Tadoma, Sistema pró-
tatil, Comunicação
Social Háptica
HILDA Trabalho no AEE mas Neuropsicopedagoga, Aulas de Língua de Sinais Tátil,
não trabalho Coordenadora de dança, Língua de Sinais em
diretamente com aluno programas Encontros campo reduzido, Fala
com surdocegueira educacionais nacionais de oral amplificada,
prefeitura de surdocegos e Tadoma, Comunicação
Guarulhos, Espaços Social Háptica. Não
Guia-Intérprete pela sociais diria que domino, mas
AHIMSA tenho um bom
conhecimento
MERIVANI Sou amiga e intérprete Ensino Médio Antes da Língua de Sinais Tátil
de uma surdocega. Completo pandemia nós
encontrava-
mos de 3 a 4
vezes por
semana.
SILVIA Na tradução de cultos Licenciatura em Igreja e Língua de Sinais Tátil,
religiosos matemática, pós- círculo de Língua de Sinais em
graduação em amigos campo reduzido
Interpretação-
tradução, Docência
em Libras pela
Uníntese.
MARY Tenho duas filhas com Ensino Médio Em casa e Língua de Sinais Tátil,
surdocegueira Completo Igreja Língua de Sinais em
campo reduzido,
Alfabeto datilológico
Tátil, Alfabeto tátil
45

ASHLEE Atuo com um surdocego Pedagoga pela Atendimento Língua de Sinais Tátil,
que utiliza materiais Guia-Intérprete pela educacional e Língua de Sinais em
adaptados concretos que AHIMSA círculo de campo reduzido, Fala
auxiliam e Audiodescritora amigos oral amplificada, Uso
complementam a Libras Pós-graduanda em do dedo como lápis,
tátil utilizada por ele de Educação Especial Tadoma, Comunicação
forma mais Inclusiva Social Háptica
simplificada. Pós-Graduanda em
Design Educacional
SININHO Tenho contato e estou Formação em Atendimento Língua de Sinais Tátil,
desenvolvendo material Pedagogia. educacional e Língua de Sinais em
em relevo, para Igreja campo reduzido, Fala
simulação de conteúdo e oral amplificada, Escrita
contexto. na palma da mão, Uso
do dedo como lápis,
Alfabeto datilológico
Tátil, Alfabeto tátil,
Tadoma, Comunicação
Social Háptica
LETÍCIA Amigos Formada em Igreja e Libras Tátil e
Petróleo-gás, e círculo de Comunicação Social
Licenciatura em amigos Háptica
Química
MILLA Amigos e profissional Cursando o último Atendimento Libras Tátil e
ano em Letras- educacional, Comunicação Social
Libras. Igreja e Háptica
círculo de
amigos
SARAH Amigos Ensino Médio Libras Tátil e Tadoma
completo e alguns Igreja e
cursos de Libras e círculo de
Guia-Interpretação amigos
ACSA Tradução de cultos Letras-Libras Libras Tátil e
religiosos e amigos Igreja e Comunicação Social
círculo de Háptica e Tadoma
amigos
ANA LIS Amigos Formada pelo IEF, Libras Tátil e
técnico de segurança Igreja e Comunicação Social
do trabalho, Amigos Háptica
LILI Meu cunhado é surdo, Pedagogia Pós- Libras, Libras em
foi meu primeiro Graduação em Igreja e campo reduzido
contato. Educação Especial e Trabalho com
Minha irmã ficou cega. Inclusiva, Libras, surdos e
Estou iniciando com as Neuropsicopedagogia adaptação de
pessoas com materiais
surdocegueira
MERIVANI Na tradução de cultos Ensino Médio Igreja e Libras tátil.
religiosos e amigos Completo. Cursando Amigos
o ensino superior
MÁRCIA Na tradução de cultos Graduação em Letras- Igreja e Libras Tátil, Tadoma,
religiosos e amigos Libras amigos Fala Ampliada,
Comunicação Social
Háptica
ERCILLA Na tradução de cultos Assistente Social Todos os Libras Tátil, Libras em
religiosos e amigos espaços campo reduzido,
46

Comunicação Social
Háptica
FERNANDA Na tradução de cultos Ensino Médio Igreja e Libras Tátil, Libras em
religiosos e amigos Completo amigos campo reduzido,
Comunicação Social
Háptica
CRISTINA Sou Surdocega Ensino Médio Todos os Libras Tátil e
Completo cursando espaços Comunicação Social
Pedagogia Háptica
LEANDRO Sou Surdocego Ensino Médio Todos os Libras tátil e Libras em
Completo/ Artesão espaços Campo reduzido
CHICO Sou Surdocego Ensino Médio Todos os Língua de Sinais Tátil,
Completo espaços Língua de Sinais em
campo reduzido, Escrita
na palma da mão,
Alfabeto datilológico
Tátil, Comunicação
Social Háptica
JAPINHA Sou Surdocega Ensino Médio Todos os Libras Tátil e
Completo cursando espaços Comunicação Social
Pedagogia Háptica
Fonte: a pesquisadora
Após a apresentação dos participantes e partilha de suas experiências com as pessoas com
surdocegueira e com as formas de comunicação, alguns explicitaram a falta de conhecimento sobre
o assunto surdocegueira, como no caso de Mary, que possui duas filhas com surdocegueira. Outros
conheciam de maneira superficial a comunicação social háptica e a utilizavam em momentos
pontuais e buscavam no curso um aperfeiçoamento.
As narrativas do curso serão apresentadas por meio do multimodalismo em hipertextos
acionados por meio de hiperlinks. Na versão digital a cada clique sobre o QR Code (CTRL + clique
com botão esquerdo do mouse) o leitor terá a oportunidade de acompanhar e vivenciar cada cena
experienciada pelos participantes desta pesquisa. Na versão física o leitor de QR Code de um
aparelho celular encaminhará para o mesmo recurso.
No primeiro encontro, as narrativas foram carregadas de emoção quando cada participante
rememorou o ponto inicial do trabalho com a inclusão, com a Libras, o contato com surdos e com
as pessoas com surdocegueira.

CENA 1: PRIMEIRO ENCONTRO DO CURSO DE EXTENSÃO

Tema: Atributos do trabalho do guia-intérprete


47

Fonte: a pesquisadora

Muitas narrativas compartilhadas estavam vinculadas à inclusão educacional pelos


participantes que atuam como professores e interlocutores de Libras em sala de ensino regular com
estudantes surdos e com surdocegueira.

A formação, pensada como autoformação, potencializa-se com as pesquisas sobre e com


base na abordagem experiencial ou biográfica, cujas aprendizagens experienciais
expressas através das narrativas de formação, mediante a compreensão dos “processos de
formação, de conhecimento e de aprendizagem” [...], articulando-a a uma base teórica e
suas simbolizações para resolver problemas. Aprender pela experiência designa tomar a
sua própria história e apreender o saber-fazer, conhecimentos, signos, significados,
procedimentos técnicos, valores, numa temporalidade e num espaço que permite a cada
um, a partir da sua história e das suas aprendizagens, exercitar um conhecimento de si e
uma presença sobre si mobilizados pelos diferentes registros de sua trajetória. (SOUZA
2004, p.58).

A maioria dos participantes relataram em suas trajetórias a atuação profissional e religiosa


com indivíduos com surdocegueira. Muitos atribuem a Deus a oportunidade de realizar esse
trabalho de maneira profissional. Ao perceber a ênfase do discurso religioso, ponderei com o grupo
o objetivo do curso, direcionado de maneira acadêmica, sem nenhuma conotação religiosa; embora,
muitos participantes tenham iniciado suas atuações voluntárias em igrejas e a façam até o presente
momento da pesquisa.
Ressaltei a liberdade que deveria haver para que seus anseios e experiências fossem
compartilhadas entre nós nas aulas síncronas. A primeira aula terminou de maneira leve e
descontraída por termos uma participante moradora de Portugal que trabalhou muito tempo no
Brasil e pode reencontrar suas alunas de Libras no curso.
48

2.4 PESQUISAS CORRELATAS EM BASES DE DADOS CIENTÍFICAS

A surdocegueira é um assunto que carece de estudos, pesquisas e discussões no meio


acadêmico. É pouquíssimo pesquisada se comparada com outras áreas de inclusão. Esse fato se
reflete quando se realiza a busca por palavras chaves em bases de dados.
Na pesquisa realizada no Catálogo de Teses e Dissertações25 da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a fundação vinculada ao Ministério da
Educação (MEC), incluí as palavras chaves: surdocegueira e guias-intérpretes. O resultado
totalizou 57 produções entre teses de doutorados e dissertações de mestrado.
No período de 2008 a 2020 foram localizadas 12 teses com assuntos sobre diversos campos
de atuação, como descrito no Quadro 3:

QUADRO 3: TESES COM TEMAS RELACIONADOS À SURDOCEGUEIRA


Autor Título da Pesquisa Área Instituição Ano
(D), Fatima Ali Implementação E Doutorado Em Universidade 2003
Abdalah Abdel Cader Avaliação Empírica De Educação Especial Federal De São
Programas Com Duas Carlos, São Carlos
Crianças Surdocegas, Suas
Famílias E A Professora

Almeida, Célia A Aquisição Da Doutorado Em Universidade De 2008


Aparecida Faria Linguagem Por Uma Lingüística Brasília
Surdocega Pré- Lingüística
Numa Perspectiva
Sociocognitivo -
Interacionista
Galvão, Nelma De A Comunicação Do Aluno Doutorado Em Universidade 2010
Cassia Silva Sandes Surdocego No Cotidiano Educação Federal Da Bahia
Da Escola Inclusiva

Maia, Shirley Descobrindo Crianças Com Doutorado Em Universidade De 2011


Rodrigues Surdocegueira E Com Educação São Paulo
Deficiência Múltipla
Sensorial, No Brincar

Cormedi, Maria Alicerces De Significados Doutorado Em Universidade De 2011


Aparecida E Sentidos: Aquisição De Educação São Paulo
Linguagem Na
Surdocegueira Congênita

25
Pesquisa realizada no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes. Disponível em:
https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/. Acesso em: 09 set. 2022.
49

Cambruzzi, Rita De Recursos Pedagógicos Doutorado Em Universidade 2013


Cassia Silveira Acessíveis Ao Aluno Com Educação Especial Federal De São
Surdocegueira Por Carlos
Síndrome De Usher: Um
Estudo De Caso

Boas, Denise Cintra Pessoas Com Doutorado Em Pontifícia 2014


Villas Surdocegueira E Com Fonoaudiologia Universidade
Deficiência Múltipla: Católica De São
Análise De Relações De Paulo
Comunicação
Almeida, Wolney O Guia-intérprete E A Doutorado Em Universidade 2015
Gomes Inclusão Da Pessoa Com Educação Federal Da Bahia
Surdocegueira
Bezerra, Luiz Carlos Crianças Surdocegas, Doutorado Em Pontifícia 2016
Souza Corpo & Linguagem Lingüística Aplicada Universidade
E Estudos Da Católica De São
Linguagem Paulo
Andrade, Arheta O Outro Lado Do Mundo: Doutorado Em Artes Universidade 2016
Ferreira De Encontros Entre Cênicas Federal Do Estado
Surdocegueira E Do Rio De Janeiro
Expressões Da Arte
Bregonci, Aline De Cartografando A Educação Doutorado Em Universidade 2017
Menezes De Surdos, Deficientes Educação Federal Do Espírito
Auditivos E Surdocegos Na Santo,
Região Do Caparaó
Capixaba/Es

Ikonomidis, Vula Formação De Professores Doutorado Em Universidade De 2019


Maria Especializados: Avaliação, Educação São Paulo
Planejamento E
Acompanhamento Do
Desenvolvimento
Educacional De Estudantes
Com Surdocegueira

Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, 2021

Entretanto, na vertente relacionada ao profissional guia-intérprete26 localizei apenas a


tese defendida em 2015 sob o título “O guia-intérprete e a inclusão da pessoa com surdocegueira”,
do Professor Doutor Wolney Gomes Almeida. As demais teses fazem uma relação com a educação
e outros campos de atuação que não abordam diretamente a formação do profissional que atende
as pessoas com surdocegueira.

26
Usarei mais adiante o termo Tradutor guia-intérprete de Libras Português TGILSP. Nas pesquisas relacionadas à
área de educação sempre encontramos o termo guia-intérprete, mas julgo que a profissão abarca ainda outras vertentes:
da tradução e transposição entre línguas de modalidades distintas, que acontece quando o profissional escuta em Língua
Portuguesa na modalidade oral auditiva e transporta para a Libras tátil na modalidade gestual tátil ou Libras em campo
reduzido na modalidade visual gestual.
50

A tese produzida por Almeida (2015) traz o estado da arte na área da surdocegueira no
período de 1999 a 2011 compondo dissertações e teses no total de 20 produções. O autor traça um
panorama teórico conceitual no campo da surdocegueira ressaltando as nomenclaturas e evolução
dos termos utilizados. Ele parte da surdocegueira em âmbito mundial mencionando o Instituto
Perkins27, onde Laura Bridgmann foi a primeira pessoa com surdocegueira a ser alfabetizada no
mundo e anos depois menciona o ingresso de Helen Keller na mesma escola. Menciona a atuação
da professora Anne Sullivan com ambas as estudantes. Após traçar um panorama percorrendo
outros países até chegar ao Brasil, traz as classificações da surdocegueira e suas causas.
Em sua pesquisa relata o processo formativo no âmbito brasileiro e os espaços considerados
referência para aquisição de elementos técnicos para atuação e inserção da pessoa com
surdocegueira em espaços sociais sobretudo no âmbito escolar. Faz um aprofundamento das
atribuições dos profissionais que atendem a criança com surdocegueira congênita28 e as formas de
comunicação que podem ser desenvolvidas.
Almeida (2015) retoma as atribuições dos profissionais guias-intérpretes que atendem as
pessoas com surdocegueira adquirida e as formas de comunicação que podem ser utilizadas de
acordo com a particularidade de cada um. Os processos de mediação na comunicação, interação da
pessoa com surdocegueira com o espaço, o acesso à informação e locomoção são descritos no
decorrer do texto.
O autor realizou uma pesquisa no quadro profissional de guias-intérpretes que atuam no
Estado da Bahia e especificamente na cidade Salvador, mencionando as barreiras de informação
existentes na área de surdocegueira em todos os âmbitos socioeducacionais. Nesse contexto, ele
reflete sobre a desvalorização do profissional guia-intérprete. Constata em seu texto, as barreiras
de ordens: estruturais, programáticas, atitudinais e arquitetônicas que são entraves para a
acessibilidade das pessoas com surdocegueira.
A pesquisa de Almeida (2015) transporta algumas inquietações e perspectivas de práticas
emancipatórias com o intuito de favorecer a inclusão de pessoas com surdocegueira, para romper
com paradigmas propondo mudanças na sociedade para efetiva inclusão.

27
Instituto Perkins para cegos, Waltertown, Massachusetts, EUA.
28
O profissional que atua junto à criança com surdocegueira congênita é denominado instrutor mediador com formação
específica para atendimento a esse público, desenvolvendo a comunicação e a mediação da criança com o meio que a
circunda.
51

A próxima seção explana as características das pessoas com surdocegueira, bem como as
modalidades de comunicação e formas de interação utilizadas por elas em diversos contextos e
espaços. As narrativas da pesquisa-formação em vários momentos refletem as percepções dos
indivíduos com surdocegueira sobre eles mesmos e sobre os encontros com os guias-intérpretes
que os atendem, além do processo de empatia.

3 CARACTERÍSTICAS DA PESSOA COM SURDOCEGUEIRA E SUAS FORMAS DE


COMUNICAÇÃO

Quando rememoro sobre minhas percepções sensoriais antes do encontro no trabalho de


atendimento às pessoas com surdocegueira, percebo o quanto meus sentidos alteraram, se aguçaram
e se apropriaram de uma condição diferente. Não sou mais olhos para mim e para o que vejo, mas,
para além disso sou olhos para o outro que guio. Não sou ouvidos e escuta para o que ouço e
compreendo, mas, além disso, desenvolvo a escuta sensível, transposição e interpretação para o
entendimento da pessoa com surdocegueira. A participante Nalva, mãe de um jovem com
surdocegueira narra a sua experiência, quando se coloca no lugar do filho e reflete sobre a alteração
de si nessa relação:

Essa insegurança que sentimos, demonstra a importância do guia-intérprete, porque nós


como guia-intérprete, somos os olhos e os ouvidos dos surdocegos; então, a confiança que
precisamos ter, um lugar que você não conhece, a pessoa tem que te guiar, tem que passar
o que está ali. (NALVA).

O movimento de colocar-se no lugar do outro, amplia a nossa percepção. Quando entro em


um ambiente com muitos elementos sofisticados, reflito em como faria para demostrar esse
ambiente à pessoa com surdocegueira. Como descreveria isso para ele? Assim como a Nalva
mencionou, o guia-intérprete tem a responsabilidade de comunicar os elementos constituintes do
espaço.
Quando assisto a um filme ou presencio uma cena, imagino as estratégias que utilizaria para
interpretar, e que recursos usaria nesse processo. Reflito sobre quais elementos empregaria para
que a pessoa com surdocegueira tivesse acesso àquela informação. Proporcionaria a ela
experimentar cheiros, colocaria objetos em sua mão para que fizesse associações?
A pessoa com surdocegueira, assim como todas as pessoas, têm direito ao acesso a
informação. Como guia-intérprete pondero: “Como informar isso para ela? Como explicar de
52

maneira prática? Como faria para apresentar um alimento que ela nunca experimentou? Vou dar
um pouco desse alimento para degustar, ou, ofereço antes para ela cheirar?”
O contato com a pessoa com surdocegueira nos desperta essas inquietações, mesmo quando
não estamos com elas. Dessa forma não desvinculo o “eu” do “ela”, acredito que sou “eu” com a
tentativa da percepção “dela” em mim, em ser o melhor para “ela”. A narrativa da participante
Hilda comprova a concepção da compartimentação entre o “eu” e o “ela”:

[...] eu fui para Curitiba com uma pessoa com surdocegueira, gente, é uma maluquice,
ninguém entende nada, no aeroporto, check-in, passagem, embarque, às vezes a própria
família, uma loucura, até que ponto vai a atuação da Hilda como pessoa e a atuação da
Hilda como guia-intérprete? É uma maluquice, no restaurante uma coisa de doido [...]
(HILDA).

A participante narra a indissociabilidade do trabalho de guia-intérprete, do “ser” ela mesma.


De acordo com Le Breton (2019), “As pessoas com quem nos relacionamos são os moduladores,
exercendo um papel de apaziguamento ou exacerbação [das emoções] de acordo com as
circunstâncias e sua influência” (LE BRETON, 2019, p. 206). É inerente, o “ser guia-intérprete”
do “ser humano”, do seu “eu”. Somos “um” impregnado de todas as alterações que o encontro com
pessoas com surdocegueira atribui.

3.1 O “SER” PESSOA COM SURDOCEGUEIRA NO PROCESSO DE EMPATIA

Na terceira aula do curso “Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação


social háptica para pessoas com surdocegueira”, com o tema “Características da Pessoa com
Surdocegueira”; realizei uma proposta de atividade para despertar os participantes do curso para o
processo de empatia. Segue a proposta:

CENA 2: PROPOSTA PARA A AULA CARACTERÍSTICAS DA PESSOA SURDOCEGA

Tema: Características da Pessoa com Surdocegueira


53

Elaine: Vamos preparar a mesa de café, colocando tudo na mesa; café, pão, queijo, bolinho; o que vocês tiverem aí, só que
vocês vão preparar essa mesa de olhos vendados, então assim: amarra um pano de prato, uma toalha de banho, o que vocês
acharem melhor aí. Como tem a dona Mary e a Japinha [pessoa com surdocegueira], quem vai preparar a mesa é a dona Mary
de olhos fechados, a Japinha está acostumada já não precisa disso não... então vou pedir para fazermos o seguinte: vou dar 20
minutinhos para a gente fazer isso, vamos organizar, o Leandro [pessoa com surdocegueira] não vale, tá Charlie? A Cristina
[pessoa com surdocegueira] não vale. Cristina, a Ana Lis é que vai preparar seu café hoje; nem que for um café simples. Você
vai fazer um café simples e você precisa fazer isso, mesmo que você não vá tomar café; mas, você precisa: vendar os olhos, abrir
a geladeira, colocar o café na mesa, colocar o leite no copo. Então, vou pedir para a gente fazer esse exercício hoje, é um
exercício de empatia. Lógico que jamais será como o surdocego sente; jamais, a gente não está na condição deles; mas, vai fazer
um treino de como é ser surdocego.

Fonte: a pesquisadora.
Enquanto a proposta era desempenhada, os participantes compartilharam alguns resultados
com imagens via WhatsApp. Os grupos compartilharam as experiências, e os sentimentos que
emergiram ao realizar uma atividade que geralmente é corriqueira e comum, mas nesses moldes
com os olhos vendados, torna-se um desafio.

FIGURA 1: IMAGENS COMPARTILHADAS POR WHATSAPP


Tema: Características da Pessoa com Surdocegueira
54

Fonte: a pesquisadora.
A partir dessas imagens postadas no WhatsApp, enquanto a participante Mary,mãe da
Japinha, pessoa com surdocegueira, as descrevia, ela relatou entre risos: “Até que enfim eles estão
sentindo como é estar na minha pele”. Nessa perspectiva, compartilho algumas imagens dos
participantes postadas no grupo, e um vídeo dessa experiência como segue na cena 3:

CENA 3: IMAGENS DE WHATSAPP E VÍDEO COMPARTILHADO

Tema: Características da Pessoa com Surdocegueira


55
56
57
58
59
60

Vídeo postado no grupo no WhatsApp

Fonte: a pesquisadora.
A conversa foi se desenrolando pelo WhatsApp, alguns vídeos foram compartilhados,
inclusive da participante Marcela trocando seu bebê com os olhos vendados. Algumas pessoas que
já haviam realizado a atividade anteriormente tiveram mais facilidade, mas a maioria passou por
um processo complicado e meticuloso. No retorno para a aula síncrona a primeira a relatar sua
experiência foi a participante Mary como segue na cena 4:
61

CENA 4: EXPERIÊNCIA DE MARY NA ATIVIDADE DE EMPATIA

Tema: Características da Pessoa com Surdocegueira

Mary: Eu já tinha feito essa experiência várias vezes na escola onde elas estudam; é bem complicado para a gente que enxerga
né, é bem complicado, eles fazem essa experiência com os pais.
Elaine: Legal, fantástico!
Mary: uma vez o grupo Brasil daí de São Paulo né, eles vieram aqui em Jaboticabal uma vez dar uma palestra de dois dias, se
eu não me engano. E eu participei também e a gente fez essa experiência.
Elaine: É mesmo?
Mary: Fizemos sim com os olhos vendados. A gente teve que subir e descer escadaria, sabe foi muito bom, foi em um lugar
mais amplo. Foi muito bom aquele dia.
Elaine: Mesmo online deu para a gente fazer.
Mary: Japinha perguntando: o que foi que você sentiu? Está perguntando para mim.
Ai Japa. Né fia! É. Não é fácil.

Fonte: a pesquisadora.
Os participantes voltaram aos poucos para a aula e individualmente ou em grupo foram
compartilhando seus relatos sobre a experimentação da condição de surdocegueira. A participante
Sílvia evidenciou sua narrativa particular:

Então, eu estou acostumada com a minha cozinha, e eu costumo dizer que eu sei onde
estão as coisas de olhos fechados; mas, a hora em que vendei os olhos, eu nem me
aventurei muito, porque eu sabia que ia fazer algo errado. É uma sensação de impotência,
de vulnerabilidade, parece que o chão não está ali, conforme você dá os passos, você não
sabe se o chão vai estar ali para você pisar, é uma sensação bem desconfortável para nós
que temos o visual e o auditivo. O máximo que fiz foi tomar um café, beber uma água e
lavar o copo. (SÍLVIA).

A narrativa compartilha dificuldades e desconfortos. O estar de olhos vendados ao realizar


atividades rotineiras trouxe a percepção de coisas e espaços em outra proporção, tornando-se
estranhos pela ausência de visão. A representante Nalva de um dos grupos relata a sensação das
colegas:
62

O meu grupo foi a Merivani e a Luciana (visitante). A Merivani compartilhou lá no grupo


que foi difícil, porque a churrasqueira dela fica próximo à geladeira, quando ela foi pegar
as coisas, acabou batendo na churrasqueira, e vai ficar marcado. A Dona Luciana,
compartilhou comigo, que também foi pegar o leite na geladeira, e acabou derrubando
algumas coisas no chão, e ela ficou desesperada; se abriu, se não abriu. A insegurança,
que teve foi igual ao que a colega compartilhou; que é muito difícil; porque a gente pensa
que sabe com o que vai lidar, e na verdade quando a gente passa por isso vemos que é
diferente. (MERIVANI, LUCIANA apud NALVA).

A reflexão seguinte menciona a experiência da Nalva que é mãe do surdocego Chico,


embora ela não tenha realizado a atividade, compartilha a mesma proposta de outro momento:

No meu caso, eu até falei para as meninas, hoje eu nem consegui fazer, eu me coloco no
lugar do Chico, para mim fica bem difícil; mas, fiz lá no curso [...] me colocaram em um
lugar que eu desconhecia, nos brinquedos; e, eu fui a surdocega, foi desesperador, não foi
bom. É muito difícil. Igual a dona Luciana colocou: sobre o que caiu né: quebrou? Eu vou
me machucar? E ela estava sozinha, então acho que é isso. (NALVA).

Nessa experiência, Nalva conta que ao realizar a proposta em um local desconhecido, os


desafios foram ainda maiores. Retoma a narrativa anterior sobre a preocupação de comprometer a
integridade física no decorrer da atividade. Milla relata aptidões sobre o espaço em que reside:

[...] eu tenho a facilidade que a minha casa é pequena, então eu não precisei andar muito,
só que eu fiquei bem preocupada, a hora em que eu fui ligar a minha máquina de café na
tomada, medo de tomar um choque; mas, acabei conseguindo fazer certinho. Eu já fiz 3
vezes essa experiência, e eu falei que hoje, ainda tive a vantagem de não estar com os
ouvidos tampados, nas outras vezes eu coloquei o tampão e a venda, por isso eu fico
impressionada como eles [pessoas surdocegas] conseguem. É uma experiência muito boa
eu gosto demais. (MILLA).

A narrativa de Milla traz a recordação de outras vivências com olhos vendados e ouvidos
tampados. Ela ressalta sua admiração pelas pessoas com surdocegueira nesse processo de
apropriação. A participante a seguir estava na casa de uma pessoa com surdocegueira, participante
do curso, e realizou a proposta. Compartilhou pelo grupo de WatssApp uma imagem de outro
momento em que ela estava de olhos vendados e a pessoa com surdocegueira interpretou para ela,
invertendo os papéis:

CENA 5: EXPERIÊNCIA DE ANA LIS NA ATIVIDADE DE EMPATIA E IMAGEM COMPARTILHADA POR


WHATSAPP
63

Tema: Características da Pessoa com Surdocegueira

Ana Lis: [...] Nós temos uma casa de dois andares, como já tínhamos tomado café da manhã, eu falei: vou lá em cima, e Cristina
já tinha me avisado que o banheiro tinha muitas coisas, e eu percebi que é verdade, porque eu derrubei tudo, eu fui andar derrubei
tudo aqui na mesa, derrubei água, então assim; foi uma experiência, de quando se vive se percebe a dificuldade.[...] até coloquei
no grupo uma foto dessa experiência que eu tive com a Cristina, ela até brincou achando que era a Acsa, mas eu falei: - Não!
Fui eu que estava vendada, e ela interpretou um louvor e eu não entendi quase nada, e o Tadoma é horrível de você entender,
então é uma experiência realmente que marca, por que a gente sente pelo menos um pouquinho do que o surdocego passa, então
é uma experiência ótima que eu acho que todas as pessoas precisavam passar.

Fonte: a pesquisadora.
Ana Lis narra a importância de todas as pessoas que trabalham com esse público de pessoas
com surdocegueira experimentarem essas sensações no processo de empatia. Ivonete compartilha
seu relato da realização da atividade proposta.

CENA 6: EXPERIÊNCIA DE IVONETE NA ATIVIDADE DE EMPATIA

Tema: Características da Pessoa Surdocega

Ivonete: [...]eu tive vontade de pôr uma toalha na mesa, não tive dificuldade; porque a mesa é pequena. Então é
muito fácil a localização dos armários, da mesa, buffet. Abri a gaveta, peguei a toalha e coloquei, dei uma apalpada
para ver como a toalha tinha ficado mais ou menos. Depois eu me desloquei até a cozinha onde está a geladeira, e
pensei em pegar um queijo que eu tinha no compartimento de frios. Na hora em que eu peguei pensei que tinha
pegado o queijo corretamente, mas a hora em que fui ver era banha de porco. Pelo tato eu percebi que estava muito
mole para ser o queijo. Voltei para cozinha novamente em busca do leite, peguei e levei para a mesa; e pensei, em
como eu ia perceber a quantidade de leite? Pelo peso do copo. [...] Aí coloquei o dedo dentro do copo para não
transbordar e tomei [...] mas, assim, para voltar da cozinha para a copa eu senti mais dificuldade, tive que abrir os
braços e procurar os batentes das portas, localizei a posição das mesas que ficam do lado esquerdo e ficou mais
fácil porque a copa tem mais móveis.
64

Fonte: a pesquisadora.
O relato indica que a participante consegue utilizar o tato percebendo a textura dos
alimentos, ela não menciona o uso do olfato que é um sentido sensorial muito utilizado pela pessoa
com surdocegueira, isso a judaria a perceber a diferença entre o queijo e a banha.

CENA 7: EXPERIÊNCIA DE ERCILLA NA ATIVIDADE DE EMPATIA

Tema: Características da Pessoa Surdocega

Ercilla: Eu nem consegui colocar a mesa; porque nem é mais a minha mesa de jantar, só final de semana. Eu já
tinha feito exercício assim parecido em outro curso; mas, esse de café não! Quase me queimei claro; porque assim,
eu já estava fazendo café, quando você falou, eu só coloquei a venda e vou colocar na garrafa. Quase queimei a
mão. Eu consegui colocar o café na xicara em uma quantidade adequada, peguei um bolo e coloquei no prato,
consegui cortar direitinho no bolo apesar de ter cortado ele junto com o papel de proteção. Percebi após sentir esse
papel enquanto eu experimentava o bolo. As quantidades consegui direitinho; lavar a xicara; mas, com certeza é
um exercício complexo. Claro que eu fiz a parte mais simples.
Fonte: a pesquisadora.
A participante compartilhou a imagem do bolo depois do corte feito enquanto estava com
os olhos vendados e continua o relato contando a experiência de uma pessoa com surdocegueira
que ela atende:

Eu fico pensando, às vezes ele varre casa, cozinha, ele faz tudo em casa. Ele tem um
vestígio de visão, porém não fica muito claro para ele essa questão de quantidade, não fica
muito claro. Realmente precisa ser um treinamento contínuo até porque, pode acontecer
com todos nós. Na minha casa tem muita gente, então é muito complicado. Um põe num
lugar, outro põe em outro, e fica complicado; mas, uma casa que tem cegos e surdocegos
as coisas têm que ser muito certinhas, não só em casa mas em empresas também, na
empresa que trabalho tem um cego e precisa ser muito certo isso. Se tiver mudanças
precisa ser muito adaptado. (ERCILLA).
65

Ercilla constata a necessidade de manter os objetos e móveis em locais fixos, ou então,


comunicar as mudanças, para que as pessoas com surdocegueira e até mesmo com deficiência
visual não tenham dificuldade de locomoção e não corram riscos de sofrer acidentes.

CENA 8: EXPERIÊNCIA DE SARAH NA ATIVIDADE DE EMPATIA

Tema: Características da Pessoa Surdocega

Sarah: Eu vou falar um pouquinho, aproveitar que o microfone está aberto. Tem que explicar para Cristina! Eu
estou numa casa que não é minha, então fiz tudo olhando e foi terrivelmente difícil só de não saber aonde as coisas
estão, a disponibilidade das coisas. E eu fiz uma água suja de café solúvel com leite em pó, que eu tenho certeza de
que estava azedo; descreva para a Cristina (falando para a guia-intérprete): realmente a água estava bem suja, o leite
em pó deveria estar azedo; porque ficou horrível. A única coisa que eu coloquei foram, as bebidas no copo; mas, o
leite em pó estava azedo; certeza, só por isso que deu errado (rsrsrs).

Fonte: a pesquisadora.
Sarah contou em seu depoimento que estava em uma residência que não era a dela e não
vendou os olhos para fazer a atividade e ainda assim observou vários entraves. Compartilhou sua
experiência com irreverência. Outra narrativa interessante foi da Charlie que é esposa do surdocego
Leandro, que realizou essa proposta de atividade pela primeira vez:

Posso falar? A experiência foi ímpar porque eu nunca tinha feito isso em casa, a sensação
de pegar o pão, de cortar o pão com medo de cortar o dedo, o Leandro queria que
esquentasse o pão na chapa, aí eu falei: Ahhhh não, agora não! Ele ficava dando risada e
a [minha filha] gravou para mim. (CHARLIE).

Leandro, pessoa com surdocegueira, está acostumado com a condição única de privação
sensorial dupla, dessa forma, ele realiza todas essas atividades de rotina de maneira natural. A partir
da sugestão dessa proposta, Sininho, que recebe com frequência pessoas com surdocegueira em
sua casa, pondera que carece de mais atenção.
66

Então eu desisti de tomar o leite porque eu não consegui encontrar o leite. Pensei que eu
tinha colocado o Danone; e eu, tentando tomar na xicara que não tinha nada. Falei: Ai meu
Deus não tenho noção disso! Achei um pãozinho de queijo que já estava em cima da mesa,
ainda bem que a sorte conspirou ao meu favor. Quando eu estava gravando eu percebi
uma coisa que pode acontecer com surdocegos, aqui em casa. É comum colocarmos água
na garrafa; então eu pensei, puxa vida, eu poderia estar tomando água sem querer, por falta
de atenção; ou, os surdocegos da casa, tomarem água sem querer e ter que voltar para
procurar o leite ou o danone, por conta da falta de atenção de uma pessoa que enxerga.
(SININHO).

E para finalizar os relatos dessa proposta, destaco a parceria que se desenvolveu durante o
processo da atividade, as partilhas que foram realizadas e as experiências compartilhadas
evidenciadas por essa narrativa.

A Hilda chamou nossa atenção no grupo, por conta da organização que é fundamental na
vida da pessoa com surdocegueira, e a Ashlee me chamou a atenção de como precisa estar
organizado a casa para receber um surdocego, porque ele está fora da casa dele. Então tem
várias questões que a gente não pensa no dia a dia. É que o grupo quando tenta fazer uma
atividade, percebe que coisas simples, de atenção, de organização, apenas podem facilitar
a vida da pessoa com surdocegueira. Obrigada! (SININHO).

Sininho termina o relato agradecendo a oportunidade de se colocar no lugar da pessoa com


surdocegueira nesse processo de empatia oportunizado no curso. Enfim, todas as experiências
foram memoráveis e muito significativas para o grupo como um todo. Entretanto, acredito que essa
experiência não consiga carregar em sua essência a primazia da realidade vivida pelas pessoas com
surdocegueira.
Certamente, cada uma delas, passa por um período de acomodação dos sentidos sensoriais
remanescentes e com o tempo de aquisição da surdocegueira se desenvolvem nas atribuições
advindas do novo “ser”. Leandro relata as atividades cotidianas desempenhadas em seu lar:

Estamos mudando recentemente, então estava uma bagunça, eu fui lá e organizei toda
biblioteca. Não coloquei nada com defeito não, eu organizei sozinho. Eu uso a furadeira
e faço instalação de mão francesa, instalo prateleiras, monto e desmonto guarda-roupas.
Eu tenho essa habilidade de organizar as coisas. Eu faço instalação de chuveiro, lavo a
louça, não corto a mão nem nada, lavo facas. Tenho habilidades. Vou a geladeira, pego as
coisas, onde eu deixo a minha bolacha, pão, açúcar, eu faço meu próprio café. Eu sinto o
café subindo e eu faço o café, organizo todas as coisas, dobro as roupas. Tenho duas filhas,
elas vão lá bagunçam o armário e eu vou lá e arrumo, organizo tudo certinho. Separo as
roupas, eu tiro o chinelo do pé e passo o pé descalço no chão é onde eu percebo se está
sujo ou não a casa. Eu limpo a casa, passo o pano, é sempre uma troca, eu ajudo a Charlie
e ela me ajuda. (LEANDRO).

A narrativa de Leandro marca as habilidades desenvolvidas com o passar do tempo.


Aparenta realizar as atividades com destreza. Ressalta a segurança e autonomia com que efetua as
tarefas e a excelência alcançada.
67

3.2 SURDOCEGUEIRA: CONCEITOS E PERCEPÇÕES

Existem muitas definições entrelaçadas ao termo da surdocegueira. Não tenho a pretensão


de estabelecer um conceito único ou explicitar todos os conceitos, mas tenho a responsabilidade
como pesquisadora de evidenciar alguns fatores. A surdocegueira é pouco mencionada no cenário
de deficiências e transtornos que têm aumentado exponencialmente na atualidade. Sendo assim,
meu papel é trazer experiências e eventos sobre esse tema.
A surdocegueira é caracterizada pela ausência parcial ou total concomitante dos sentidos
sensoriais auditivos e visuais. Algumas pessoas arrazoam que devido essa junção de perdas
sensoriais, a surdocegueira é uma deficiência múltipla, outras ainda, consideram que são duas
deficiências separadas. Muitos são as conceituações envoltas nesse tema.
A primeira definição refere-se ao fato da surdocegueira ser uma única deficiência. Cader-
Nascimento (2021) menciona que, em publicações nacionais e internacionais a palavra relacionada
ao conceito está escrita de duas formas; separada e com hífen: surdo cegueira, surdo cego, e, surdo-
cegueira, surdo-cego. A autora menciona que a palavra escrita de maneira separada aponta para
dois substantivos distintos, que não contemplam as necessidades da junção da perda sensorial.
(CADER-NASCIMENTO, 2021).
A oscilação da escrita é observada em leis, decretos e diretrizes nacionais. Salvatore Lagati
(1995) define a surdocegueira, a partir da distinção de unicidade explicitando o equívoco da palavra
com hífen:

Surdocegueira é uma condição que apresenta outras dificuldades além daquelas causadas
pela cegueira e pela surdez. O termo hifenizado indica uma condição que somaria as
dificuldades da surdez e da cegueira. A palavra sem hífen indicaria uma diferença, uma
condição única e o impacto da perda dupla é multiplicativo e não aditivo. (LAGATI 1995,
apud BRASIL 2010, p.8).

A definição de condição única trazida pelo autor fortalece a identidade da pessoa com
surdocegueira com suas características e especificidades. O Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego
(2003) traz a seguinte definição sobre surdocegueira como:

[...] uma deficiência singular que apresenta perdas auditivas e visuais concomitantemente
em diferentes graus, levando a pessoa surdocega a desenvolver diferentes formas de
comunicação para entender e interagir com as pessoas e o meio, proporcionando-lhes o
acesso a informações, uma vida social de qualidade, orientação, mobilidade, educação e
trabalho. (GRUPO BRASIL, 2003, p.1).
68

O Grupo Brasil é uma organização civil, de caráter social e sem fins lucrativos. Possui
envolvimento ativo nas esferas educacionais, políticas e formativas na promoção da qualidade de
vida e interação social da pessoa com surdocegueira29.
A definição que considero mais importante é mencionada na primeira conferência mundial
de surdocegueira “Helen Keller World Conference” 30(2022). A Conferência leva o nome de Hellen
Keller, uma pessoa com surdocegueira mundialmente conhecida por suas realizações sendo:
ativista social, bacharel em filosofia e autora de 14 livros traduzidos para diversos idiomas em todo
o mundo. Ela deixou um legado no conceito que estabelece que não somente as pessoas com perdas
totais dos dois sentidos são consideradas com surdocegueira, mas todas que possuem resíduos que
se enquadram nesse contexto.

Uma pessoa é [surdocega] quando tem um grau de deficiência visual e auditiva grave que
lhe ocasiona sérios problemas na comunicação e mobilidade. Uma pessoa [surdocega]
necessita de ajudas específicas para superar essas dificuldades na vida diária e em
atividades educativas, profissionais e comunitárias. Incluem-se neste grupo, não somente
as pessoas que têm perda total destes sentidos, como também aquelas que possuem
resíduos visuais e/ou auditivos, que devem ser estimulados para que sua “incapacidade”
seja a menor possível. (HKWC, 2022, s/p).

Keller defendia a ideia de que as pessoas com surdocegueira deveriam ser estimuladas para
que tivessem autonomia e suas capacidades fossem desenvolvidas de maneira plena. A autora
Fátima Ali Abdalah Abdel Cader-Nascimento (2021) em sua obra “Surdocegueira e os desafios da
escrita”, relata que há ausência de dados, bem como, dados imprecisos sobre a condição sensorial
e linguística relacionada às pessoas com surdocegueira. A autora conceitua a surdocegueira da
seguinte forma:

O termo surdocegueira refere-se à combinação dos comprometimentos sensoriais auditivo


e visual, em diferentes graus, na mesma pessoa, com implicações no processo de aquisição
ou aprendizagem linguística. A presença da surdocegueira impede ou limita o acesso à
informação auditiva e visual, altera os processos de interação social e modifica a
orientação e mobilidade da pessoa nos espaços sociais. [...] (CADER-NASCIMENTO
2021, p. 25).

Cader-Nascimento (2021), descreve em seu texto características relacionadas à educação


de pessoas com surdocegueira decorrentes da combinação de deficiência auditiva e visual que
ocasiona no ambiente escolar a necessidade de adaptações e métodos específicos. É utilizado

29
Mais informações disponíveis no site: https://apoioaosurdocego.com.br/
30
Mais informações disponíveis no site: https://wfdb.eu/helen-keller-world-conference/
69

comumente no espaço educacional o sentido háptico31, utilizando a pele e a cinestesia no processo


de aquisição linguística e processo de ensino e aprendizagem.

3.2.1 Surdocegueira: categorias e classificações

Não tenho vivenciado em minha trajetória categorias e classificações de pessoas, mas,


oportunidades ímpares de: construir conhecimento, estabelecer relações, desenvolver empatia,
olhar para o outro e me olhar percebendo que ambos temos doações a fazer. Aprendo enquanto
ensino, compreendo enquanto exemplifico, guio enquanto sou guiada, interpreto e sou interpretada,
A dualidade dessa relação tira molduras da minha concepção, na percepção do outro em suas
capacidades incomensuráveis.
Na terceira aula do curso “Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação
social háptica para pessoas com surdocegueira”, com o tema “Características da Pessoa com
Surdocegueira”, após os compartilhamentos dos participantes ouvintes e videntes da atividade de
empatia onde prepararam o café de olhos vendados, tivemos as apresentações das pessoas com
surdocegueira, respectivamente: Leandro, Chico, Cristina e Japinha.
O encontro com as pessoas com surdocegueira que fazem parte da minha vida possuem
particularidades. Cada encontro com as relações que estabeleci, foram tornando possível o
desenvolvimento da comunicação e formação de vínculos. O encontro virtual com as pessoas com
surdocegueira participantes da pesquisa me proporcionaram ver, ouvir e sentir a experiência deles.
Pude encontrá-los e me encontrar em suas narrativas.
Ao apresentar as narrativas sobre a aquisição da surdocegueira e do “ser” uma pessoa com
surdocegueira, trago os encontros e vínculos que estabeleci com cada uma delas. Conheci o
Leandro quando iniciei as pesquisas sobre surdocegueira. Tive ciência de uma guia-intérprete que
havia se casado com uma pessoa com surdocegueira. Essa história me deixou surpresa, então
busquei conhecê-la melhor. Consegui o contato de Charlie, a esposa de Leandro. A partir de então
desenvolvemos o compartilhamento de pesquisas e experiências. Ainda não conheço os dois
pessoalmente, mas acredito que breve terei essa oportunidade. Leandro relata suas memórias com

31
Este conceito será descortinado mais adiante.
70

a comunicação em Libras e sua esposa Charlie faz a interpretação direta, traduzindo para o
Português oral:

CENA 9: EXPERIÊNCIA DE LEANDRO

Tema: Características da Pessoa com Surdocegueira

Leandro: Eu ainda bebê, com alguns meses eu tive uma otite bem severa, fui para o hospital, então perdi a audição;
mas, ainda enxergava. [...] Na adolescência tentei usar aparelho; mas, não conseguia. Com 15 anos eu tinha dor nos
ouvidos, nos olhos, tinha muita ansiedade, e foi fechando a visão. Fiquei isolado, morava com minha família em
uma chácara. Perdi a visão, não conseguia mais; jogar, assistir jogos e tomava vitaminas. Um dia de manhã acordei,
fui ao banheiro e me olhei no espelho; levei um susto, percebi que não estava enxergando mais. [...] Eu tinha 22
anos [...]. (LEANDRO)

Fonte: a pesquisadora
A narrativa de Leandro apresenta várias características, dentre elas, a causa da surdez e
surdocegueira posterior. Enquanto ouvinte da narrativa imagino o sentimento dele ao olhar-se no
espelho e não se enxergar. Embora eu imagine e tente me colocar no lugar dele, acredito que jamais
poderia me aproximar daquilo que ele sentiu: a tristeza, o isolamento, o desespero, o preconceito e
quantos outros sentimentos que eventualmente podem ter subido à sua mente e ao seu coração.
Leandro destaca a falta de comunicação que a surdocegueira ocasionou em sua própria
família e o quanto isso acarretou o isolamento e a tristeza: “Tinha meus irmãos, mas, ninguém se
comunicava comigo. Eu me sentia muito isolado. As pessoas não sabiam essa nova fase da minha
vida e a comunicação foi muito difícil” (LEANDRO). O desafio da surdocegueira adquirida, passa
pelo processo de acomodação de uma nova condição, não só para a pessoa com surdocegueira, mas
para todas as pessoas que estão ao seu redor.
O relato seguinte conta a história de Chico um jovem que está em fase de transição na
surdocegueira. Antes de conhecer Chico, tive oportunidade de atuar com sua mãe Nalva.
71

Trabalhamos juntas em uma escola em que era intérprete educacional de um estudante surdo no
ensino fundamental I, e ela realizava o atendimento dele no contraturno. Nessa relação profissional
desenvolveu-se também um vínculo de amizade. Nalva e eu procuramos juntas e realizamos o meu
primeiro curso de surdocegueira. Efetuamos alguns trabalhos de estágio e guia-interpretação. É
interessante ressaltar que na ocasião da minha pesquisa de Mestrado, Nalva não participou pelo
fato de não estar preparada para compartilhar a transição da perda visual de Chico. Atualmente ela
consegue relatar as particularidades contidas no processo e o apoio dispensado a ele é nítido em
sua narrativa. A seguir Chico se expressa em Libras e é traduzido para nós pela sua mãe Nalva:

CENA 10: EXPERIÊNCIA DE CHICO

Tema: Características da Pessoa com Surdocegueira

Chico: Vou contar um pouco da minha história. Quando eu era pequeno, eu estava em Minas Gerais. Ia passear
com um grupo da família, a iluminação era fraca, estava escuro e eu tinha dificuldade de andar. A luz era bem fraca
e eu não conseguia ver. Eu andava com muita dificuldade, quando eu chegava na luz forte eu conseguia melhorar;
mas, quando estava escuro, eu parecia bêbado andando. Eu não sabia o que estava acontecendo, então meu pai
também não sabia, e vinham até mim falar: como você não está conseguindo andar? Eu também, não sabia, mal
conseguia ver, não sabia o que estava acontecendo. Nas luzes mais fortes conseguia ver e achava estranho; porque,
com baixa iluminação eu não conseguia, eu tinha mais ou menos uns 11 anos. [...] Foi difícil para mim, fiquei triste,
chorei muito. Eu percebi que a minha visão está se fechando, hoje em dia já está muito ruim. (CHICO)

Fonte: a pesquisadora
A história narrada por Chico compartilha detalhes da transição que ele está atravessando.
Relata os obstáculos e as percepções de luz que norteiam sua visão. Menciona a proximidade da
família nesse processo e os questionamentos que certamente geram desconforto para ele. É
perceptível a angústia dele ao narrar que desconhecia as causas da perda visual, pois, ele repete
várias vezes que não sabia o que estava acontecendo.
72

Sobre Cristina, pessoa com surdocegueira, conheci sua história em redes sociais e
plataformas digitais. O nosso primeiro encontro presencial aconteceu em um evento nacional na
esfera religiosa. Assim que a encontrei me apresentei com a Libras tátil e ela tocou meu cabelo e
naquela ocasião meu cabelo estava longo, dessa forma, ela me apelidou de Rapunzel. A partir de
então, tive oportunidade de interpretar para ela em vários contextos e pude conhecer sua trajetória
de maneira mais aprofundada. Desenvolvi um vínculo com Cristina por me identificar com sua
faixa etária, pois, temos a mesma idade. A narrativa compartilhada foi por meio da fala, as demais
pessoas com surdocegueira receberam as informações por meio da interpretação de quem os
acompanhava:

CENA 11: EXPERIÊNCIA DE CRISTINA

Tema: Características da pessoa com surdocegueira

Cristina: Bom dia a todos vocês. Para quem não me conhece meu Cristina, tenho 38 anos, adquiri a surdocegueira
aos 27 anos, por causa de uma meningite, fácil de ser tratada com medicamentos em casa; porque meningite com
fungo, ela só acontece quando aspira fezes de morcego ou pombo. Não existe outro fungo que causa essa meningite;
mas, por erro médico, pela falta do tratamento, eu fiquei surdocega [...]. Uma semana eu tive dificuldade de enxergar
e de ouvir, dor de cabeça forte; porque meningite dá muita dor de cabeça, foi um momento difícil; porque, eu não
perdi só a visão e a audição eu perdi todos os sentidos: olfato, paladar, corpo, tato, perdi tudo. Fiquei primeiro em
coma induzido. Fiquei igual um vegetal no hospital, muito difícil; porque eu tinha uma vida muito independente;
ou seja, eu vivi muita coisa como vidente e ouvinte.[...] eu fiz faculdade, por um período, segurança do trabalho;
eu trabalhava com vendas no shopping; eu pilotava moto; dirigia carro; viajava de moto; diversas coisas eu fiz; de
repente, tudo mudou, eu senti uma tristeza enorme porque tinha uma vida muito independente, tive depressão
profunda, precisei me tratar com medicamentos vários.[...] Agradeço a oportunidade por falar e agradeço por toda
a maravilhosa experiência que vivi em todos esses anos e agradeço por ter ficado surdocega, só assim entendi o
mundo melhor. (CRISTINA)

Fonte: a pesquisadora
73

Cristina nos conta a sua trajetória e as dificuldades enfrentadas por ela no percurso da
aquisição da surdocegueira. Relata as particularidades de uma pessoa com sentidos preservados
com uma vida independente, ativa, e, repentinamente, torna-se uma pessoa com surdocegueira. Ela
menciona muitos obstáculos enfrentados na transição de ouvinte e vidente para a realidade da
surdocegueira. Encerra a narrativa compartilhando a superação das dificuldades. Conhecendo sua
história no processo de empatia, penso que a história de Cristina, poderia ocorrer com qualquer
pessoa. Infelizmente, o processo de higienização de ruas e praças é precário. Dessa forma aspirar
fezes de pombos e morcegos é uma probabilidade eminente.
A última participante pessoa com surdocegueira a relatar sua experiência foi Japinha. Eu a
conheci no encontro virtual do curso “Estratégias na guia-interpretação e utilização da
comunicação social háptica para pessoas com surdocegueira”, bem como sua mãe, Mary, que fez
mediação da comunicação realizando a interpretação direta da Libras para o Português oral.

CENA 12: EXPERIÊNCIA DE JAPINHA

Tema: Características da Pessoa com Surdocegueira

Japinha: Comecei com 3 anos na escola, cresci e minha mãe foi observando, foi muito difícil, porque também não
tinha intérprete ainda, apesar da escola, fui aprendendo aos poucos. De início usávamos muito a Libras caseira os
sinais, depois viajamos para o Japão, ficamos um tempo lá, e de repente perdi a visão, de repente não sei o que
aconteceu, eu não enxergava nada, eu gritei e chorei porque eu senti que a morrer, minha mãe me pegou no colo e
falou que eu não ia morrer e que tudo daria certo aos poucos a visão foi voltando. Fomos ao médico e me disse que
eu tinha a Retinose Pigmentar, e que lá seria mais difícil cuidar lá no Japão, porque não falávamos bem o idioma
lá, então tivemos que voltar aqui para o Brasil (JAPINHA)

Fonte: a pesquisadora
O relato de Japinha traz um misto de informações da aquisição da surdocegueira, espaço
escolar, processo de aprendizagem e comunicação utilizada com sua mãe. A voz de Mary altera
74

quando menciona que pegou sua filha no colo e disse a ela que ela não iria morrer que daria tudo
certo enquanto a acalmava.
A classificação sobre a surdocegueira sistematizada pelo surdocego espanhol Daniel
Alvarez Reyes (2004), fundador da Associação de Surdocegos da Espanha (ASOCIDE) menciona
as fases, principais causas, características e classificações da surdocegueira. Sobre as fases estão
divididas em (i) pré-natal, (ii) perinatal e (iii) pós-natal:
i. Pré-natal (período da concepção do feto até o nascimento da criança): causado por
infecções no período de gestação, questões genéticas e cromossômicas e outras
causas como: prematuridade, rubéola congênita, eritroblastose fetal, hidrocefalia,
microcefalia, AIDS, herpes, citomegalovírus, sífilis, toxoplasmose,
incompatibilidade sanguínea, entre outras anomalias como síndromes, uso de
entorpecentes ou álcool;
ii. Perinatal (período do início do trabalho de parto até 30 dias do nascimento): falta de
oxigênio no parto, medicação ototóxica, ou icterícia;
iii. Pós-natal (30 dias após o nascimento até a adolescência): medicação ototóxica,
meningite, otite média crônica, sarampo, caxumba, diabetes, asfixia ou acidentes
como, encefalite, AVC e consanguinidade. (REYES, 2004, HELLER; KENNEDY
1994).
Além dessas causas descritas, apontam para a surdocegueira síndromes, como: trisomia 13,
trisomia 23, Pierre-Robin, Alport, Usher, Goldenhard, Stickler, Charge, Marshall, Duane, KID,
Leber’s, e Norrie’s. (HELLER; KENNEDY, 1994)
Reyes (2004) organiza conceitualmente as pessoas com surdocegueira em quatro grupos,
sendo eles:
• Grupo 1: surdocegueira congênita no período pré-natal ou perinatais.
• Grupo 2: surdocegueira com deficiência auditiva congênita e que adquirem a
deficiência visual.
• Grupo 3: surdocegueira com deficiência visual congênita e que adquirem a deficiência
auditiva.
• Grupo 4: surdocegueira de pessoas que nasceram com os sentidos sensoriais
preservados e adquiriram a surdocegueira posteriormente.
75

Além dessas classificações é importante ressaltar o período em que ocorreu a surdocegueira


baseado no comprometimento linguístico, ou seja, a aquisição de linguagem antes ou após a
surdocegueira. O fato de possuir uma língua anterior a aquisição da surdocegueira, configura-se
pela pessoa com surdocegueira adquirida ou pós-linguística. A característica de não compreender
o uso de uma língua antes da surdocegueira é configurado pela pessoa com surdocegueira congênita
ou pré-linguística.
Os quatro relatos mencionados pelas narrativas apontam para a surdocegueira adquirida.
Leandro, Chico e Japinha eram surdos e utilizavam a língua materna Libras para comunicação e
foram acometidos pela síndrome de Usher em conjunto com a retinose pigmentar, causando a
surdocegueira. Cristina era ouvinte e vidente e tornou-se uma pessoa com surdocegueira decorrente
de uma meningite tendo por língua materna a língua portuguesa.
Dentre as causas mais frequentes de surdocegueira estão: a síndrome de Usher e a rubéola
congênita com 60% dos casos32. As idas e vindas aos médicos e a falta de conhecimento, dificulta
muito o diagnóstico precoce. A narrativa de Chico evidencia essa percepção.

[...]Quando cheguei aos 15 anos, fui ao médico, oftalmologista, fiz os exames, e a médica
disse que estava tudo normal. Na mesma época fui a outra médica em São Paulo, ela é
especialista em surdocegueira. Então me disse que eu tinha retinose pigmentar, e no escuro
eu não consigo ver nada, parece que há uma camada preta. Foi difícil para mim, fiquei
triste, chorei muito. Eu percebi que a minha visão está se fechando, hoje em dia já está
muito ruim. (CHICO).

Nalva, mãe de Chico, confirma a narrativa aprofundando outros pontos. Percebo sua voz
embargada ao narrar:

O Chico está nesse processo, ele sempre usou óculos desde os quatro anos, e a médica
sempre falava que ele não tinha nada e eu sempre indagava “Doutor, de noite ele anda
com dificuldade, ele sempre precisava de apoio”. Sempre era a mesma resposta, de que
ele não tinha nada, até seus 15 anos, que cheguei ao seu pediatra e disse que não era normal
e que sim ele tinha algo [...] O médico me indicou a ir a um especialista foi, na primeira
consulta ela falou: retinose pigmentar, no futuro ele vai ficar cego. Isso, Retinose
pigmentar, síndrome de Usher. (Nalva).

A síndrome de Usher, de acordo com Almeida (2019), é uma doença hereditária em que a
pessoa possui a surdez e perde a visão de maneira gradativa. A perda visual acontece devido a

32
O Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego realizou uma pesquisa no ano de 2003 com a estimativa de 583 casos de
surdocegueira sendo 60% causados por Rubéola Congênita (MAIA, 2004)
76

retinose pigmentar que é uma doença degenerativa da retina. Geralmente essa perda visual se
acentua na adolescência. A perda auditiva na síndrome de Usher acontece por uma alteração
genética na célula nervosa da cóclea, órgão localizado no ouvido interno ao qual é responsável pelo
equilíbrio. Essa característica da síndrome de Usher é relatada por Chico. A percepção que ele
teve de si ao andar com dificuldade como se estivesse bêbado, nos remete à questão da falta de
equilíbrio própria da síndrome. Pesquisas norte-americanas atestam que 5% dos surdos têm
síndrome de Usher e perderão a visão em algum período da vida e se tornarão pessoas com
surdocegueira. Almeida (2019) destaca que a síndrome de Usher é dividida em três tipos:
Tipo 1: Pessoas que nascem com perda auditiva severa e possuem problemas com senso de
equilíbrio. Os sinais de retinose pigmentar aparecem na adolescência com a perda de visão noturna
e periférica.
Tipo 2: Pessoas recém-nascidas com deficiência auditiva de moderada a severa sem
alteração. A retinose pigmentar inicia após o período da adolescência. A perda visual acontece
lentamente.
Tipo 3: Pessoas que nascem com perda leve na audição. A perda visual e auditiva acontece
concomitantemente e gradativamente no período da adolescência. Pode haver falta de equilíbrio.
A seguir, imagem que exemplifica a visão de Usher tendo a visão normal como comparativo:

FIGURA 14 – EXEMPLOS DE VISÃO NORMAL E COM USHER

Fonte: Garcia (2008 p.111)


As três pessoas com surdocegueira que foram acometidas pela síndrome de Usher,
descobriram de maneira tardia o diagnóstico. Esse fator gerou ansiedade na família e desconforto
pela falta de conhecimento. Pude participar de um evento organizado pela Casa Hunter no ano de
77

2019 com o tema: “4ª Edição Cenário das doenças raras no Brasil”,33 foram discutidas várias
doenças e dentre elas estava a síndrome de Usher. Acompanhei de perto as singularidades
discutidas por médicos de diversas áreas de atuação. O Grupo Brasil de Apoio aos Surdocego,
AHIMSA e ABRASC - Associação Brasileira de Surdocegos, promovem anualmente o Seminário
Brasileiro da Síndrome de Usher34, que teve sua primeira edição em 2019.
O Dia da Conscientização da síndrome de Usher iniciou no ano de 2015, pela organização
americana “Usher Syndrome Coalition”. A comemoração foi definida para o terceiro sábado do
mês de setembro, desde então a data é comemorada todos os anos em diversos países do mundo. A
data foi escolhida por conta do equinócio de outono no hemisfério norte, onde os dias têm mais
escuridão do que luz.

3.3. A HERMENÊUTICA NA COMUNICAÇÃO DA PESSOA COM SURDOCEGUEIRA

As formas de comunicação na surdocegueira são diversas, e cada pessoa com surdocegueira


como ser único demanda maneiras particulares de compreensão e interpretação. A forma de
aquisição da surdocegueira fornece pistas de como chegar a ele: se congênito ou adquirido
transporta possibilidades de comunicação, mas, não suficientes para total compreensão dos
contextos.
A estratégia de comunicação mais adequada se desenvolve no conhecimento de “si” que o
guia-intérprete deve ter, do conhecimento do “outro”, a pessoa com surdocegueira e das
descobertas que ambos fazem a partir do encontro na interpretação.

A sua posição neste encontro, a pré-compreensão do material e da situação a que tem que
chegar, numa palavra, todo o problema da fusão do seu horizonte compreensivo com o
horizonte compreensivo que vem ao encontro dele no texto, nisto consiste a complexa
dinâmica da interpretação. É o ≪problema hermenêutico≫. (PALMER, 1969 p. 36 grifos
da autora)

33
Mais informações em: https://casahunter.org.br/quarta-edicao-cenario-doencas-raras-2019/. Acesso em: 18 set.
2022.
34
Mais informações e trechos das palestras apresentadas no 1º Seminário Brasileiro de Usher. Disponível em:
https://www.sindromedeusherbrasil.com.br/primeiro-seminario-brasileiro-usher. Acesso em 18set. 2022.
78

A palavra hermenêutica aparece como sinônimo de interpretação35, tem seu significado


pautado na origem grega36, evidenciando seu sentido original a partir da compreensão e
interpretação das escrituras. Estes são conceitos para além das palavras.
Palmer (1969) pontua sobre hermenêutica como o fenômeno da tradução na composição do
sentido de texto, onde estão presentes as estruturas gramaticais e históricas para decifrar um texto
e sugere que: “É bom que o campo da hermenêutica volte constantemente ao significado das três
orientações significativas da interpretação: como dizer, como explicar e como traduzir”. (PALMER
1969, p. 41) Meu papel de pesquisadora formadora busca aprimorar o trabalho do guia-intérprete
em dizer, explicar e traduzir sentidos para a pessoa com surdocegueira no conceito de interpretação
textual, abrangendo para além das palavras escritas.
Inspirada na percepção do autor, ao refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem
proporcionado na pesquisa-formação, o sujeito guia-intérprete (interpretante), produz o ato da
interpretação. O objeto é o sujeito, a pessoa com surdocegueira. Ambos ao encontrar-se no ato
interpretativo tornam-se um só no fenômeno da comunicação. “O conhecimento histórico e ele
próprio um evento histórico; o sujeito e o objeto da ciência histórica não existem
independentemente um do outro” (PALMER 1969, p. 60). Ricoeur (1986) apud Gentil (2011)
aponta que:

[...] toda a teoria da hermenêutica consiste em mediatizar esta interpretação-apropriação


pela série de interpretantes que pertencem ao trabalho do texto sobre si mesmo. A
apropriação perde, então, algo de sua arbitrariedade, na medida em que ela é a retomada
disso mesmo que está em obra, no trabalho, em trabalho, quer dizer, em gestação de
sentido, no texto. O dizer do hermeneuta é um re-dizer, que reativa o dizer do texto.
(RICOEUR, 1986 apud GENTIL, 2011 p. 180).

O ato interpretativo do guia-intérprete não é uma atividade simples, mas envolve um


processo de apropriação de saberes e estratégias que transportam a pessoa com surdocegueira para
um espaço e um contexto. O guia-intérprete conduz o texto (oral ou escrito) para as mãos da pessoa
com surdocegueira, com a apropriação de si e do outro. Ele se doa em completo no trabalho de

35
Interpretação do sentido das palavras e textos: exegese, interpretação das palavras, interpretação de textos filosóficos,
interpretação de textos legais, interpretação de textos sagrados, interpretação dos signos, interpretação dos textos.
Disponível em https://www.sinonimos.com.br/hermeneutica/. Acesso em: 24 set. 2022
36
Hermenêutica é uma palavra com origem grega e significa a arte ou técnica de interpretar e explicar um texto ou
discurso. O seu sentido original estava relacionado com a Bíblia, sendo que neste caso consistia na compreensão das
Escrituras, para compreender o sentido das palavras de Deus. Etimologicamente, a palavra está relacionada com o deus
grego Hermes, que era um dos deuses da oratória. Disponível em: https://www.significados.com.br/hermeneutica/
.Acesso em: 24 set. 2022.
79

interpretação, não são somente mãos, mas, todo corpo compartilhando experiências, vivências,
imaginação, criatividade, compreensão do contexto, conhecimento do outro e significação de si
mesmo.
Dessa forma o processo de formação do guia-intérprete acontece em etapas, iniciando pelo
(i) processo de empatia como proposto no curso “Estratégias na guia-interpretação e utilização da
comunicação social háptica para pessoas com surdocegueira”, na terceira aula com o tema
“Características da Pessoa com Surdocegueira”, passando pela etapa de (ii) conhecer o indivíduo
com surdocegueira e suas particularidades (iii) e a partir de então traçar estratégias de comunicação
e compreensão do sujeito a partir do encontro. Sendo assim, Gentil (2011) menciona que a
interpretação está relacionada ao encontro com o texto, e no papel de guia-intérprete sugestiono
esse encontro físico com o indivíduo com surdocegueira:

[...] interpretar/compreender uma obra é, nesse sentido, tomar o rumo de sentido proposto
por ela [...] É habitar o mundo proposto por ela, com “um dos meus possíveis mais
próprios”, um possível ser do leitor, que não está já dado na realidade, anterior ao
encontro do leitor com a obra, mas que se revela nesse encontro, se torna realidade
efetiva, ainda que ao modo de um poder ser e não um ser dado, a partir desse encontro.
(GENTIL 2011, p. 185 grifo da autora).

O profissional guia-intérprete coopera com a pessoa com surdocegueira utilizando seus


olhos e ouvidos para que a interpretação seja compreensível. Ele realiza escolhas dentro do
contexto que atende e da forma de comunicação que utiliza e desenvolve estratégias para a entrega
das informações. No tópico seguinte apresento algumas formas de comunicação e estratégias que
podem ser desenvolvidas a partir de encontros com pessoas com surdocegueira.

3.3.1 Tipos de comunicação na surdocegueira

A pesquisa-formação traçada nesta tese foi pensada no desenvolvimento de habilidades para


profissionais guias-intérpretes que já possuíam uma base teórica sobre as formas de comunicação
utilizadas por indivíduos com surdocegueira. No entanto, assim como a vida acontece entre
encontros e desencontros, precisei me reencontrar enquanto pesquisadora-formadora, nas
expectativas que havia traçado para o curso. Realizei o movimento de caminhar para si, no intuito
de me encontrar nesse novo contexto para prosseguir com a pesquisa, refutando minhas
expectativas anteriores e caminhando para a aceitação do novo e as possiblidades que poderia me
proporcionar.
80

Na aula 4 do curso “Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social


háptica para pessoas com surdocegueira”, com o tema “Formas de Comunicação e estratégias de
Guia-interpretação”, abordei as formas de comunicação a partir daquelas utilizadas pelas pessoas
com surdocegueira atendidas pelos participantes. Pelo fato de reformular a ementa trouxe as
principais formas de comunicação.
Durante a aula mencionei que o contato do guia-intérprete com a pessoa com surdocegueira,
é fator essencial para o desenvolvimento da comunicação. Ao refletir, percebo que não é o contato
o fator primordial, mas o encontro, o estar junto, o perceber a necessidade do outro é que constrói
a interação e o desenvolvimento de habilidades comunicativas.
A aula foi elaborada de acordo com as características das pessoas com surdocegueira que
participaram do curso e que são atendidas pelos participantes. Todos os integrantes do curso
conhecem e utilizam a Libras tátil na comunicação com pessoas com surdocegueira.
A partir dessa demanda apresentei à turma três bases principais de comunicação com a
pessoa com surdocegueira: (i) base falada, (ii) base escrita, (iii) base Libras. Privilegiei as
comunicações utilizadas pelas pessoas com surdocegueira participantes. Nas próximas cenas
apresento as imagens e definições narradas em aula:

CENA 13: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – BASE FALADA

Tema: Formas de comunicação e estratégias de guia-interpretação

Elaine: [...] a base falada, a comunicação baseada na fala, [...] nós vamos ressaltar aqui. Tem outras, mas vamos
ressaltar essas: o tadoma e a fala ampliada, são bases de comunicação na fala, então a pessoa [guia-intérprete] vai
falar a mesma língua que o surdocego está falando, que ele conhece. [...] o Tadoma, a pessoa [surdocega] segura no
ponto de articulação que ela sente a vibração da corda vocal que ela consegue entender qual que é o som. Então eu
atendi com essa base, com essa comunicação a uma surdocega e a irmã dela, as duas. Já atendeu outra pessoa que
usa Tadoma, Hilda?
(Hilda reponde não com sinal na cabeça)
Elaine: só as duas também?
81

Hilda: que eu atendi foi só as duas, mas a gente sabe que tem outras pessoas que fazem uso, mas que eu tive
atendimento só as duas.
Elaine: E a Cristina também! A Cristina também, eu já a atendi com o tadoma, então são essas...
Elaine: [...] nessa base falada que é o Tadoma o surdocego precisa ter apreensão disso, então por exemplo, a Cristina
ela aprendeu, ela teve que reaprender a questão da fala, então o que acontece, quando ela vai tocando na garganta
dela e da outra pessoa ela vai medindo essa vibração, e acontece muito com esse surdocego que aprende a falar, que
não sabia falar e aprende a falar, é impossível? Não é impossível, nada é impossível [...]
Fonte: a pesquisadora.
As bases relacionadas à fala carecem de algumas competências do guia-intérprete. Na tese
identifico três competências que julgo principais: (1) armazenamento de informações para posterior
reprodução da fala do interlocutor, (2) controle de deglutição, e (3) fornecimento de maneira oral
(falada) das informações visuais e ambientais.
Quando atendi uma pessoa com surdocegueira e utilizei o tadoma, o maior desafio que
enfrentei foi o receio de salivar na mão dela, pois o ato dela segurar no meu maxilar tirou minha
mobilidade de deglutição. Já na fala ampliada a preocupação estava na altura de reprodução vocal.
A pessoa com surdocegueira adquirida que utilizava a fala na comunicação pode adaptar à
nova condição o uso do tadoma. Essa comunicação exige da pessoa com surdocegueira habilidades
para identificar pela vibração das cordas vocais e movimento dos lábios a assimilação da
fala/discurso. A pessoa com surdocegueira precisa aprender as propriedades vibratórias da fala.
Para desenvolver essa habilidade é preciso treino e persistência. Cristina perdeu a memória sobre
a fala e reaprendeu a falar e atualmente faz uso do tadoma, bem como, a utilização da fala ampliada,
pois recuperou um resíduo auditivo.
A pessoa com surdocegueira que possui resíduo auditivo, geralmente pode optar pela fala
ampliada na comunicação. Geralmente sinaliza para o guia-intérprete o ouvido que possui o
resíduo. O uso de Aparelho de Amplificação Sonora (AASI) na comunicação configura-se como
outra opção. Outro fator é o volume de execução da fala ampliada e o hálito do guia-intérprete.
Essas foram informações que emergiram das narrativas das guias-intérpretes participantes.

CENA 14: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – FALA AMPLIADA E TADOMA

Tema: Formas de comunicação e estratégias de guia-interpretação


82

Elaine: [...] porque fala ampliada não tem segredo na gente, fala ampliada e tadoma não tem segredo! Mais ou
menos não é! Tem que ter controle de deglutição; se não, você baba na mão do surdocego! Não é Hilda? Isso, não
pode abrir muito, tem que articular bem as palavras, se não o surdocego não entende, né Hilda?
Silvia: Estar com hálito bem jóia também.
Hilda: Você tem que pensar em quem está em volta, se você está num teatro, num cinema, você não pode falar
muito alto para não atrapalhar a outra pessoa também que está ao seu lado, então tem uma técnica também [...] tem
que ter treino né, tem que treinar.
Elaine - isso mesmo! É fala ampliada? Mas não pode ser muito ampliada! Para o teatro inteiro. É isso mesmo.
Menos ampliado, só para ele [surdocego] ouvir. [...]
Fonte: a pesquisadora.
A próxima imagem refere-se à explanação da base escrita, que sempre está ligada à atuação
com pessoas com surdocegueira alfabetizadas que dominam uma língua. Destaco o braille que é a
transposição da Língua Portuguesa para o código de escrita que permite à pessoa com
surdocegueira a leitura por meio do tato configurado pelo braille tátil e o uso de dispositivos de
hardware como o Display Braille37.
A linha braille ou display em braille é uma possibilidade de acesso aos computadores e
dispositivos móveis para acesso à internet e redes sociais. Quanto à escrita em braille permite à
pessoa com surdocegueira a grafia do pensamento.

37
Display Braille: A Linha Braille, ou Display Braille, na verdade é um aparelho muito simples que é capaz de
converter instantaneamente os textos ou dados dos computadores, dispositivos móveis ou de uma memória interna para
uma linha de texto em alto relevo usando o Sistema Braille. Disponível em https://oampliadordeideias.com.br/como-
funciona-uma-linha-braille/ . Acesso em: 25 set. 2022.
83

CENA 15: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – BASE ESCRITA

Tema: Formas de comunicação e estratégias de guia-interpretação (ver vídeo referente à cena 14)

Elaine: A base escrita, vamos falar do braille porque tem a escrita do braille e também porque tem a escrita na
palma da mão, que também é baseada na escrita, então se o surdocego se ele é alfabetizado você pode utilizar a
escrita na palma da mão, que pode ser na palma da mão, as vezes no dorso, no antebraço, aí cada surdocego tem
sensibilidade em um espaço [lugar do corpo] diferente [...]
Elaine: [...] A base escrita, olha lá o Braille, o braille tátil, então cadê o Braille aí dá Ashlee, cadê Ashlee o Braille?
Para mostrar para gente a sela [...]
Elaine: O braille ele não é uma língua, ele é um código de uma escrita, então em qualquer lugar do planeta que
tenha a letra A o código em Braille ele vai ser sempre na mesma posição da letra A, a letra B, a letra B; a letra C;
mostra aí Mary para gente, Celinha do Braille.Fala para Japinha pegar lá para mostrar. Então o código Braille é
composto por seis pontos em relevo. [...] a gente utiliza o Braille tátil usando dois dedos, indicador e o médio, [...]
o Braille ele tem seis pontos, certo? E nós temos seis pedacinhos de dedo olha, que chama falange gente, vocês
sabiam que chamava falange? Cultura meu Deus do céu! Falange, esses “tequinhos” aqui pequenininhos é falange
que chama, então são as falanges. Eu aprendi isso estudando né gente, eu não sabia não, para mim era teco de dedo;
agora eu sei que é falange! Então mostra aí para gente, Mary, então são seis pontos, isso, são seis pontos, ok?

Então a gente conta assim ó: 1,2,3,4,5,6 (faz a demonstração com os dedos), [...] o Braille tátil é muito
importante[...].
Fonte: a pesquisadora.
O braille tátil possibilita que as pessoas com surdocegueira adquiridas, que antes eram
cegas, façam a adequação do braille para a mão, utilizando os dedos indicador e médio.
84

Transportando as celas Braille para as falanges dos dedos, como exemplificado nas imagens. É
imprescindível que o guia-intérprete que atende a pessoa com surdocegueira com essa
especificidade, domine esse código de escrita para realizar um atendimento competente.
A grafestesia possui algumas definições, entre elas: escrita na palma da mão e escrita
usando dedo como lápis. Acrescento outros pontos de percepção cinestésica, nem sempre ligadas
à mão, mas em outras partes do corpo: pernas, nuca, testa, antebraço entre outros. Cada pessoa com
surdocegueira possui sensibilidade em certas partes do corpo. (ARAÚJO 2019, VILELA 2018,
MUNROE 2013). O guia-intérprete nessa forma de comunicação se doa para a possibilidade de
vínculo e descoberta da percepção do outro (pessoa com surdocegueira).

CENA 16: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – GRAFESTESIA

Tema: Formas de comunicação e estratégias de guia-interpretação

Elaine: Porque eu chamo de grafestesia? A grafestesia é a percepção cinestésica, então grafestesia é isso. É quando
você sente o toque, é a percepção do toque. Então tem outras definições para essa comunicação, eu chamo de
grafestesia; porque, alguns chamam de escrita na palma da mão, mas as vezes não é na mão que você faz entendeu?
[...] já vi assim: escrita usando o dedo como lápis, também já vi com essa definição [...] usar grafestesia, porque ela
amplia a questão de não ser só na mão, pode ser na mão, pode ser no antebraço, olha eu fiz testes de grafestesia em
vários lugares, eu já fiz na testa, na nuca, já fiz no peito do pé, é peito do pé que chama? Então assim eu já fiz teste
em vários lugares, então cada lugar tem uma sensibilidade diferente, que é grafestesia. [...] e lembrando que para
acontecer essa comunicação o surdocego precisa ser alfabetizado, então ele é ligado a questão da escrita, então ele
precisa ser alfabetizado, então é um tipo de comunicação alfabética, [...] comunicação alfabética e não alfabética,
tem também essa outra definição.
Fonte: a pesquisadora.
A grafestesia, além de estar ligada ao toque, ao sentido háptico cinestésico, carece de
domínio do sistema alfabético por parte da pessoa com surdocegueira. No sistema de comunicação
que tem por base a Libras, no que tange ao alfabeto datilológico tátil, carece que a pessoa com
surdocegueira seja alfabetizado, para ter pleno entendimento da mensagem.
85

Na Libras tátil e Libras em campo reduzido, o que altera é a modalidade de recepção. A


Libras tátil na modalidade tátil/cinestésica/háptica e a Libras em campo reduzido na modalidade
visuo-espacial respeitando o campo de recepção ótico da pessoa com surdocegueira.

CENA 17: FORMAS DE COMUNICAÇÃO – BASE LIBRAS

Tema: Formas de comunicação e estratégias de guia-interpretação (ver vídeo referente à cena 14)

Elaine: [...] e a base da Libras nós temos a Libras tátil e Libras em campo reduzido, e eu lembro muito do Chico
nesse aspecto. Então ó, aqui tem uns exemplos, as imagens, eu acho que todos vocês já devem ter visto, mas quem
ainda não viu [...]A Libras é uma língua, a Língua brasileira de sinais, por exemplo lá em Portugal, a língua que a
Márcia tá aprendendo: a língua gestual portuguesa, então a língua, tem característica gramática, sintática,
morfológica, semântica, por isso que é uma língua.
https://www.youtube.com/watch?v=X6OxlPDpscQ (43:05 - 44:23)
Elaine: [...]E aí quando a gente fala da Libras, da língua brasileira de sinais tem várias formas, e nisso também se
encaixa nas outras línguas de sinais pelo mundo, então a Márcia também vai usar essa base da mesma forma, só que
com a língua gestual portuguesa. Então na verdade seria a língua gestual portuguesa tátil, e para nós a Libras tátil,
a língua brasileira de sinais tátil. Então também tem a questão da base alfabética, que é o alfabético datilológico. O
alfabeto datilológico na Libras é ligado na questão da escrita. Então se o surdo não sabe a letra “A”, você não vai
fazer no alfabeto datilológico a letra “A” para ele. Não vai ter nenhuma finalidade [...] é um tipo de comunicação
ligada ao alfabeto, um tipo de comunicação alfabética. Libras em campo reduzido que é o que o Chico está usando
agora né Nalva? Ele está usando esse tipo de comunicação que é a Libras em campo reduzido. Durante o dia quando
vai ficando a noite [escurecendo], ele vai perdendo a visão, aí fica melhor a questão da Libras tátil, fica mais
perceptível para ele a Libras tátil.
Fonte: a pesquisadora.
Dos participantes com surdocegueira todos utilizam a Libras tátil. Chico, em ambientes
com iluminação, utiliza a Libras em campo reduzido. Todos os guias-intérpretes utilizam a Libras
para comunicação com surdos e a Libras tátil para comunicação com a pessoa com surdocegueira.
Quando pensamos na Libras, pensamos também na estrutura que a compõe: gramatical,
sintática, morfológica e semântica e nos desafios que a aprendizagem da língua nos proporciona.
A participante Marcia está no processo de aprendizagem da Língua Gestual Portuguesa e a partir
dela irá transportar para a Língua Gestual Portuguesa Tátil.
Os autores que pesquisam sobre a comunicação na surdocegueira, elencam algumas
divisões, bases e modalidades sobre as formas de comunicação. Dorado (2004), Milles (2008) e
86

Almeida (2019) identificam dois sistemas distintos na comunicação que compreendem: (i) sistemas
alfabéticos e (ii) sistemas não alfabéticos. Ambos baseiam-se em códigos de escrita ou orais.
Almeida (2019) conceitua os sistemas de comunicação como disposto no quadro a seguir:

QUADRO 4: SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO PROPOSTO POR ALMEIDA (2019)


Sistema Tipo de comunicação Definição
Alfabéticos Alfabeto datilológico As letras do alfabeto são representadas por configurações nas mãos e
tátil podem ser utilizadas para comunicação na própria palma da mão da
pessoa com surdocegueira, ou de forma que, aos serem articuladas, o
indivíduo, através do tato, perceba e compreenda tais articulações [...].
Escrita na palma da A palma da mão se torna uma superfície plana para a transcrição das
mão informações, na qual se escreve cada letra do alfabeto. A escrita pode
ser feita com o próprio dedo do interlocutor ou segurando o dedo da
própria pessoa com surdocegueira.
Braille tátil Esta é uma adaptação utilizada, principalmente, por pessoas que já
eram cegas e possuíam conhecimento do sistema de escrita em braile e
que, posteriormente, perderam a audição, tornando-se pessoas com
surdocegueira.
Pranchas alfabéticas Configuram-se como pranchas que apresentam letras e números em
relevo ou também em braille, e o uso desse material é feito a partir do
deslocamento da mão sobre estes dígitos para enviar e receber as
informações.
Sistema Malossi É baseado na utilização das letras do alfabeto e números, nas falanges
dos dedos da mão e da palma, os quais se configuram por meio do toque
de dedos nestes pontos, formando as palavras.
Alfabeto Moon Funciona também como pranchas, onde estão impressas as letras e os
sinais convencionados em relevo. O uso deste sistema é aplicado para
comunicação com pessoas com surdocegueira com debilidade tátil.
Não- Língua de sinais tátil É muito comum ser utilizada pelas pessoas com surdocegueira
alfabéticos adquirida. Os sinais são feitos pelas mãos do interlocutor e percebidos
tatilmente pela pessoa com surdocegueira, a partir da representação
simbólica de cada sinal para seu respectivo significado.
Língua de sinais em Nesse sistema de comunicação não alfabético, o professor interage com
campo reduzido a criança com surdocegueira por meio de sinais. A adaptação necessária
será a de adequar o espaço de sinalização ao campo visual da criança.
Assim, o quadrante de realização e recepção do sinal não poderá ser o
mesmo do surdo, mas deverá restringir-se ao campo visual espacial
perceptível da criança com surdocegueira
Método Tadoma Este sistema de comunicação não-alfabético foi criado por Sophia
Alarcón e denominado tadoma, em homenagem aos alunos com quem
iniciou a comunicação: Ted e Oma. Consiste na percepção da posição
dos órgãos fonoarticuladores, os quais produzem a fala nas pessoas,
para que sintam as vibrações e as diferentes posições que estes órgãos
adquirem para a produção da linguagem oral.
Fonte: Almeida (2019, p.54-61).
Araújo (2019) sugere a divisão em três bases principais na comunicação: (i) base falada,
(ii) base escrita e (iii) base sinalizada. Menciona duas formas de comunicação distintas que
sinalizam feedback além de complemento de informações visuais e ambientais. Araújo (2019)
conceitua as bases de comunicação e o sistema como apresentado no quadro:
87

QUADRO 5 - SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO PROPOSTO POR ARAÚJO (2019)


Base Tipo de Definição
comunicação
Sinalizada Sinais táteis Nesse contexto, uma pessoa sinaliza, língua de sinais, seja qual for, e a
pessoa com surdocegueira tateia as configurações das mãos identificando
os pontos de articulações, movimentos e flexões para saber quais sinais
estão sendo realizados pelo emissor.
Sinais em campo Os sinais, neste caso, também são os mesmos usados pela comunidade
reduzido surda, mas o emissor sinaliza de forma reduzida para que a pessoa com
surdocegueira com perda da visão lateral, inferior ou superior, que ainda
tenha algum resíduo visual, consiga perceber a sinalização nesta área de
sinalização reduzida.
Alfabeto datilológico [...] usa-se também aqui o mesmo alfabeto da língua de sinais utilizado
tátil pelos surdos. A pessoa com surdocegueira tateia cada letra do alfabeto
transmitido pelo emissor para formar palavras e frases.
Alfabeto tátil duas Nesse sistema, cada letra do alfabeto é “escrita” por um toque em uma área
mãos específica da palma da mão ou em um ponto de um dos dedos da pessoa
com surdocegueira.
Falada Fala Ampliada Nessa forma de comunicação, a pessoa com surdocegueira que possui
resíduo auditivo receberá a informação emitida ou repetida por meio da
fala próxima ao seu ouvido.
Tadoma Consiste na percepção da língua oral por meio do tato. A pessoa com
surdocegueira usa uma das mãos (ou as duas) para tocar levemente ao redor
dos lábios do emissor a fim de sentir a articulação da boca e a vibração da
garganta e, em alguns casos, também do nariz.
Base Escrita Escrita na palma da Nesse caso, a pessoa com surdocegueira estende uma das mãos com a
mão palma voltada para cima e o emissor usa seu dedo indicador para escrever
as letras do alfabeto, letra por letra, formando assim palavras e frases
compondo o discurso.
Uso do dedo como O processo é o mesmo de escrita na palma da mão, mas nesta estratégia o
lápis dedo da pessoa com surdocegueira é usado como um “lápis” e a palma da
mão do emissor é o local onde o dedo desliza para produzir a mensagem
que será transmitida.
Escrita Ampliada A escrita ampliada é usada por pessoas com surdocegueira que ainda
possuem algum resíduo visual. Trata-se do mesmo sistema utilizado por
pessoas com baixa visão. Neste sistema, as letras de forma geralmente são
escritas com uma caneta de ponta grossa para facilitar a visualização. Os
textos usados por pessoas com baixa visão podem ser impressos com uma
letra de fácil visualização e com uma fonte maior.
Braille manual O sistema de braille é comumente usado para alfabetização de pessoas
cegas. Ao aprender este sistema, a pessoa cega ou com deficiência visual
pode ler e até produzir textos em sua língua, tendo como base o alfabeto
em braille. No caso das pessoas com surdocegueira [...] elas podem
aproveitar o conhecimento desse sistema para efetivamente se comunicar.
Finger braille Nesse tipo de conversação, o receptor, com as mãos estendidas, recebe a
mensagem na ponta dos dedos. Esse método funciona como se a mão do
receptor fosse uma máquina de escrever braille, ou seja, os dedos
indicadores, médios e anelares têm a mesma função das teclas dessa
máquina específica.
Sistema Lorm Para utilização desse sistema, a pessoa com surdocegueira oferece uma das
mãos na posição vertical com os dedos ligeiramente afastados. O emissor
usará as pontas dos seus dedos para “digitar”, pressionando levemente a
mão do receptor. Os pontos usados nesse tipo de comunicação podem estar
na palma ou no dorso da mão da pessoa que receberá a mensagem.
88

Sistema Malossi O sistema Malossi cada letra do alfabeto corresponde a um ponto da mão
ou dos dedos da pessoa com surdocegueira. Por exemplo: o “P” situa-se na
ponta do polegar, o “Q” é na ponta do dedo indicador etc.
Sistema de Sistema pró-tátil [...] desta forma, podemos dizer que o Pró-tatil é também uma maneira
Feedback rápida de comunicar ao palestrante com surdocegueira as reações de seu
público durante uma palestra em que seja ele o orador.
Comunicação háptica A comunicação háptica enquanto sistema de comunicação não substitui a
língua falada ou sinalizada. Ela foi desenvolvida como complemento para
comunicação de pessoas com surdocegueira e ainda outros tipos de
deficiência.
Fonte: Araújo (2019, p. 34 - 46).
Cader-Nascimento (2016, 2021) classifica as expressões linguísticas na surdocegueira em
três modalidades: (i) tátil/sistema háptico, (ii) visuo-espacial e (iii) oral-auditiva. A autora
considera as possibilidades de comunicação baseadas no perfil linguístico e sensorial das pessoas
com surdocegueira. Na literatura brasileira sobre surdocegueira é a primeira autora que sugere a
divisão de modalidades comunicativas contendo a definição “háptica”, considerando o toque nessa
perspectiva. O quadro mostra as definições propostas pela autora:

QUADRO 6 - SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO PROPOSTO POR CADER-NASCIMENTO (2021)


Modalidade Tipo de Definição
Comunicação
Tátil/sistema Libras de sinais [...] a distinção do recurso linguístico centra-se na recepção da informação,
háptico na modalidade pois o surdocego necessita posicionar sua mão em cima da mão do parceiro
háptica de comunicação. Assim, realiza a leitura háptica da informação veiculada
pelos signos linguísticos próprios da língua.
Datilologia na [...] consiste na soletração manual do alfabeto por meio de caracteres
modalidade datilológicos correspondentes aos grafemas da língua oral e são utilizados
háptica para designar um certo significado que não tem um sinal ou um sinal termo
próprio.
Tadoma O tadoma é um recurso [...] e deve ser introduzido com objetivo básico de
promover situações em que o surdocego possa acompanhar o diálogo entre
dois parceiros de comunicação. Assim, a fala pode ser estimulada mediante
a técnica conhecida como tadoma ou “método de vibração”. A aprendizagem
ocorre mediante o canal perceptual tátil das vibrações durante o ato da fala.
Braille para [...]no caso de surdocego, o processo de aprendizagem envolve a repetição
leitura e escrita das letras no código a partir da memorização dos pontos correspondentes,
marcação dos pontos no espaço por meio da sequência de números. Assim,
letra “A” corresponde ao ponto 1.
Braille tátil [...] o processo de ensino do braille tátil começa em pontos amplos e,
gradualmente, pode ser reduzido a toques nos braços.
Escrita caixa alta Esse processo consiste no registro das letras do alfabeto ocidental em caixa
na pele alta (maiúsculas) na palma da mão do surdocego, ou em uma superfície
plana. Realiza-se com o dedo indicador, os movimentos necessários para o
registro de cada letra que compõe a palavra.
Visuo-espacial Libras em campo [...] o surdocego cria estratégias para continuar estabelecendo trocas
reduzido interativas por meio da língua de sinais. Na nova condição sensorial, o
surdocego estabelece a distância que precisa ficar do interlocutor para que
possa acessar as informações.
89

Oral-auditiva: Fala e [...] esse recurso de comunicação é viabilizado no caso do surdocego


amplificação do apresentar ganhos auditivos mediante o uso do Aparelho de Amplificação
som (AASI38) Sonora Individual – AASI. Nesse caso, o mediador deverá falar devagar e
de forma clara, de preferência em um local tranquilo, sem muito barulho ou
ruído, pois o AASI amplia todos os sons do ambiente, podendo incomodar e
irritar o aprendiz.
Fonte: Cader-Nascimento (2021, p. 75 - 89).
Quando se considera a pele e a cinestesia do corpo no sentir a comunicação amplia-se o
entendimento da compreensão que é anterior à interpretação, mas configura-se como o ser por meio
da expressão e linguagem.
Almeida (2019) refere-se ao guia-intérprete em algumas definições como interlocutor da
pessoa com surdocegueira. Araújo (2019) quando explicita as formas de comunicação alude o
trabalho do guia-intérprete como emissor; e, Cader-Nascimento (2021), voltada para a aquisição
linguística, pontua a atuação como interlocutor e mediador na construção da identidade da criança
com surdocegueira por meio da linguagem.
Nesse sentido, Ricoeur (1986) reconhece que o trabalho de linguagem traz o
reconhecimento do ser-aí, no status do ser humano em ser e existir:

[...] se constitui a diferença entre interpretar (auslegen) e compreender: interpretar, com


efeito, é desenvolver a compreensão, ex-plicitar a estrutura de um fenômeno enquanto
(als) tal e tal. Assim pode ser trazida à linguagem e com isso ao enunciado (aussage), a
compreensão que desde sempre temos da estrutura temporal do ser-aí. (RICOEUR 1986
apud GENTIL 2011, p.183 grifos da autora).

Gentil (2011) complementa a configuração de Ricoeur (1986) mencionando que a narrativa


constrói e revela clareza na construção da experiência vivenciada no ato interpretativo, afetando39
diretamente o sujeito que interpreta. No papel que exercemos, muito mais que isso: guiar e
interpretar, sugere a busca por estratégias de se fazer entender.
Na perspectiva de chegar à pessoa com surdocegueira e ser entendida por ela em todos os
aspectos de informações tanto auditivas quanto visuais e cinestésicas, proponho a utilização da
comunicação social háptica como elemento fundamental. Na próxima seção trago aspectos
históricos da comunicação social háptica, os conceitos e definições que envolvem o sentido da
palavra háptico, as funções principais da comunicação social háptica, as narrativas compartilhadas
pelos participantes do curso de formação de guias-intérpretes, e minhas experiências e percepções
no papel de guia-intérprete.

38
Aparelho de Amplificação Sonora
39
Uso o termo afetando no sentido de abalar, mover, impactar, sensibilizar, mover o profissional guia-intérprete.
90

4 COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA E POSSIBILIDADES DE INTERAÇÃO

A comunicação social háptica transporta inúmeras possibilidades de interação e completude


de informações. No papel de guia-intérprete tenho vivenciado a oportunidade de experimentar a
comunicação no outro e perceber o quanto ela é significativa, quando na expressão capturo o
entendimento das informações. No papel de pesquisadora-formadora, o compartilhamento das
descobertas e das práticas que tenho desenvolvido se tornam relevantes, pois no contato com o
outro tenho caminhado para as minhas práticas e desenvolvido novas percepções.
Pesquisas realizadas pela Federação Mundial de Surdocegos (World Federation of the
Deafblind - WFDB), mostram iniciativas e progressos de pessoas com surdocegueira espalhados
por todo o mundo. Dentre essas informações trazidas no site oficial40 estão contidos resultados
sobre: comunicação de pessoas com surdocegueira, desigualdade social, inclusão no mercado de
trabalho, processos de inclusão educacionais, saúde da pessoa com surdocegueira, a vida social,
entre outros.
Araújo (2019) menciona os primeiros registros da educação exitosa de pessoas com
surdocegueira concentradas nos Estados Unidos, e estão concentradas o maior número de pesquisas
científicas e acadêmicas na área da surdocegueira. Em 1837 no instituto Perkins, nos EUA, uma
criança com surdocegueira em decorrência de escarlatina, chamada Laura Bridgman, aos dois anos
de idade, foi a primeira criança com surdocegueira a ter sucesso no processo educacional.
É importante ressaltar que a surdocegueira adquiriu visibilidade por meio de Helen Keller,
uma pessoa com surdocegueira americana que ficou mundialmente conhecida pelos seus feitos. Ela
foi a segunda pessoa com surdocegueira a ter acesso à educação no instituto Perkins, a primeira
pessoa com surdocegueira a adquirir um título de bacharelado e a escrever 14 livros traduzidos
para diversos idiomas. Ela descobriu o mundo por meio da educação e a descoberta da linguagem.
Conseguiu superar obstáculos e ultrapassou fronteiras que limitavam seu pensamento. Foi
de posse da comunicação que ela foi liberta das amarras impostas pelas perdas sensoriais. Vilela
(2018) narra a descoberta da linguagem de Helen Keller com a soletração da palavra “água”:

Sentiu como se um nevoeiro desaparecesse diante de si como num estalar de dedos, como
se recobrasse a memória esquecida. Descobriu que “Á-G-U-A” era o líquido refrescante

40
Disponível em https://www.wfdb.eu/es/wfdb-report-2018/ . Acesso em: 20 abr. 2022.
91

que corria entre seus dedos. [...] Para qualquer pessoa, a água tem significados comuns: o
líquido que mata a sede; a composição química de H2O. Para Helen Keller a água vai além
deste significado. Configura-se no despertar de sua alma, a libertação do pensamento antes
presos em meio à privação de sentidos sensoriais [...]. (VILELA, 2018 p. 45-46).

A autora expressa o despertar dessa pessoa com surdocegueira na descoberta do mundo por
meio da linguagem e da educação trazidas pela sua professora, Anne Sullivan. Ela realizou um
trabalho incansável transportando luz e som à vida de Helen Keller por meio da comunicação.
Na perspectiva da comunicação da pessoa com surdocegueira, é importante ressaltar a
comunicação que funciona, ora como complemento, ora como informação substancial,
caracterizado pela comunicação social háptica. De acordo com as narrativas de experiências de
pessoas com surdocegueira e guias-intérpretes participantes desta pesquisa ela é essencial,
entretanto, é preciso resgatar sua origem, conceitos e usos para a partir dela traçar um panorama.

4.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

O primeiro registro histórico da comunicação social háptica é datado de 1991 em Orebro,


na Suécia, no Congresso Internacional de Surdocegueira, onde os primeiros sinais hápticos “sim”
e “não”, “chegada” e “saída” foram compartilhados por Riitta Lahtinen a partir de então, a
comunicação social háptica tem sido divulgada:

La comunicación social-háptica tiene su origen en el primer encuentro de los autores en


la 10ª Conferencia de DbI en 1991 en Orebro, Suecia. El primer artículo sobre
comunicación social-háptica se publicó en las actas de la 3ª Conferencia Europea IAEDB
(DbI) en Potsdam, en 1993 (PALMER & LAHTINEN, 1994 apud MUNROE 2013 p.77).

Pesquisas aprofundadas por Lahtinen em sua tese de Licenciatura, tiveram seus resultados
apresentados na 6ª Conferência Europeia DBI, em 2005, na Eslováquia (MUNROE, 2013).
Lahtinen, (2003) apresenta a primeira análise relacionada ao toque e aos sinais hápticos de feedback
com o tema de sua tese “Development of the holistic social-haptic confirmation system - case
study of the yes and no - feedback signals and how they become more commonly and frequently
used in a Family with an acquired deafblind person”41.
A tese defendida em 2008, foi transformada em livro “Haptices and Haptemes: A case
study of developmental processinsocial-haptic communication of acquired deafblind people”,

41
Tradução Taís de Araújo Cintra: Desenvolvimento de um Sistema holístico social-tátil de confirmação-estudo de
caso dos sinais de feedback de sim e não e como eles se tornam mais comuns e habitualmente usados em uma
família com uma pessoa com surdocegueira adquirida.
92

por Lahtinen. A editora que realizou a publicação faz parte da Universidade de Helsinqui na
Finlândia.
A tese de Lahtinen foi cedida para tradução em benefício do Programa Horizonte que conta
com parceria do Instituto Perkins42 e Ahimsa43. Foi traduzido pela intérprete Taís de Araújo e
revisado pela Professora Doutora Shirley Rodrigues Maia no ano de 2018.
O livro “Práticas de interpretação tátil e comunicação háptica para pessoas com
surdocegueira”, de Araujo et. al, carregam contribuições que compõem o cenário da vertente da
comunicação háptica trazida para o Brasil em 2013.
Araújo (2019) compartilha registros sobre a Instituição Hápti-Co da Noruega que registra
a primeira pessoa com surdocegueira do país a utilizar a comunicação háptica44, Trine Naess que
"queria capturar o ambiente" e os guias-intérpretes, que prestavam atendimento, entenderam com
isso que a “captura” citada por Naess estava relacionada com “[...] as pequenas ações, muitas vezes
inconscientes que fazemos afetam a comunicação; sorrisos, olhares impacientes, olhares celestiais,
[...] e esses sinais podem fornecer uma base para falha de comunicação quando não são
capturados.” (ARAÚJO, 2019 p. 16). Nesse contexto, os guias-intérpretes que atendiam Naess,
entenderam que a isenção de informações causava falhas de comunicação que precisavam ser
resolvidas.
Araújo (2019) informa que a Instituição Hápti-Co realizou uma publicação em formato de
livro para divulgar os sinais hápticos em 2013 e que posteriormente, em 2015, disponibilizou a
versão traduzida para o inglês em parceria com o Helen Keller National Center for Deaf Blind
Youths & Adults45 (HKNC).

42
Somos o líder mundial em serviços de educação para crianças e jovens adultos cegos e deficientes visuais com
deficiências múltiplas. Uma ONG internacional, estamos inovando infinitamente para resolver problemas antigos e
emergentes enfrentados por nossas comunidades, nossos alunos e nossas famílias. Disponível em:
https://www.perkins.org/ Acesso em: 20 abr. 2022.
43
A Ahimsa é uma entidade civil, de caráter filantrópico e sem fins lucrativos, fundada em 04 de março de 1991 com
a missão de “Qualificar a vida de pessoas com surdocegueira e de pessoas com deficiência múltipla sensorial,
possibilitando-lhes a aquisição de uma forma de comunicação, independência e autonomia e um estilo próprio de
aprendizagem, visando a inclusão educacional e social”; e a visão de “Ser um centro de referência nas áreas da
Surdocegueira e da Deficiência Múltipla Sensorial, inovador em suas propostas e práticas, apoiando as famílias,
profissionais, pesquisadores e pessoas com deficiência”. Disponível em: http://www.ahimsa.org.br/quem-somos
Acesso em: 20 abr. 2022.
44
Araújo (2019) em seus escritos utiliza o termo comunicação háptica, o termo comunicação social háptica adotada
nessa pesquisa é cunhado por Lahtinen em todas suas obras.
45
Para mais informações acesse o site https://www.helenkeller.org/hknc.
93

Araújo (2019) ressalta que no Brasil, um grupo de pessoas com surdocegueira carregavam
indagações sobre falhas comunicativas (faltavam informações visuiais, auditivas e cinestésicas),
com o propósito de expandir a comunicação por entender que necessitavam de complementos.
Nessa perspectiva, guias-intérpretes e pessoas com surdocegueira brasileiras participaram, em
2013, da X Conferência Mundial Helen Keller realizada nas Filipinas. Naquela oportunidade,
conheceram Kathrine G. Rehder, guia-intérprete norueguesa, que apresentou as possibilidades da
comunicação social háptica.
No retorno ao Brasil, o grupo desencadeou um processo de expansão de conhecimento sobre
a comunicação háptica na vertente de complemento e, desde então, têm ministrado oficinas,
workshops e cursos partilhando as descobertas advindas dessa modalidade de comunicação. Os
participantes dessas oficinas, geralmente guias-intérpretes, familiares e profissionais que atendem
pessoas com surdocegueira, multiplicam esses conhecimentos aplicando e desenvolvendo
estratégias.
As pessoas com surdocegueira de posse da comunicação social háptica, por sua vez,
expandem essa comunicação com a criação de sinais hápticos que favorecem a própria interação.
Nesse sentido, tornam-se protagonistas ao criar sinais que facilitam sua interação e promovam
conforto e segurança.

4.1.1. Háptico: conceitos e definições

Comumente o termo háptico é usado para referir-se ao contato com recursos tecnológicos,
ao passo que a comunicação social háptica refere-se ao contato social, ambos carregam
informações, socialização, interação e lazer.
A comunicação social háptica carrega em suas funções inúmeras possibilidades de
interação, menciono sobretudo sua utilização para pessoas com surdocegueira, embora possa ser
utilizada por outros públicos. Para tanto, alguns conceitos importantes precisam ser destacados:

O adjetivo háptico significa "relativo ao tato", "sinônimo de tátil", e é proveniente do


grego haptikós,ê,ón "próprio para tocar, sensível ao tato". É o correlato tátil da óptica e da
acústica. Mais recentemente, cunhou-se em inglês o substantivo haptics para designar a
ciência do toque, dedicada a estudar e a simular a pressão, a textura, a vibração e outras
sensações biológicas relacionadas com o toque. Desta ciência surgiu um ramo tecnológico
que é empregado, por exemplo, em aeronaves, em consoles de vídeo-games e em
simuladores. Outro exemplo de "háptica" é a característica vibratória e, mais
recentemente, a resposta tátil da tela dos telefones celulares. (EDUCALINGO 2020, p. 1).
94

Nessa perspectiva, entende-se o háptico como sendo a sensação do toque, relacionando ao


tato. Essa definição geralmente é empregada aos recursos tecnológicos que produzem vibração
tátil, ou aplica-se essa função sinestésica em procedimentos médicos e testes de simuladores. Outro
conceito sobre o termo relacionando a ambientes virtuais menciona que:

Sistemas hápticos oferecem interação com o ambiente virtual através de dispositivos e


programas que permitem ao usuário sentir fisicamente as reações e os movimentos
realizados no ambiente virtual. Os dispositivos fornecem sensação tátil e de força. A
sensação tátil está ligada ao contato com o objeto, com sua textura e temperatura, enquanto
a sensação de força é relacionada ao senso de posição e movimentação junto com as forças
associadas ao movimento durante a interação com um objeto (MACHADO 2003 apud
OMAIA 2004, p. 2).

Omaia (2004) destaca alguns exemplos de utilização háptica em recursos tecnológicos:

Existem diferentes tipos de dispositivos hápticos, como joysticks, mouse, braços


mecânicos, luvas de dados, entre outros. Com eles é possível simular diferentes efeitos
como: inércia, mola, colisão, textura, atrito, gravidade e força de reação. Também
conhecidos como dispositivos de force-feedback (retorno de força), esses equipamentos
recebem as características do movimento realizado pelo usuário (deslocamento, direção e
aceleração) e enviam uma resposta háptica a esse movimento. (OMAIA 2004, p. 2).

Ao contrário do termo háptico empregado na tecnologia, a comunicação social háptica é


marcada pela interação entre pessoas. A 50ª edição da revista Deaf Blind International (DBI) traz
o seguinte conceito:

La comunicación social-háptica incluye haptices (mensajes táctiles) que están


compuestos de haptemas, también conocidos como elementos gramaticales. Por
definición la comunicación social-háptica se refiere a mensajes táctiles entre dos o más
personas en un contexto social (de una persona a otra). Los métodos de comunicación
social-háptica normalmente se combinan con información lingüística; esto hace que la
calidad de la información que recibe el usuario sordociego sea más detallada, al tiempo
que se facilitan métodos rápidos y el flujo de información en tiempo real. (MUNROE
2013 p.77).

Vilela (2018), define o uso da comunicação social háptica como complemento de


informações em conjunto com a comunicação que a pessoa com surdocegueira utiliza. Enfatiza a
experiência de pessoas com surdocegueira que utilizam a Libras tátil e complementam informações
com a comunicação social háptica. A autora completa com a afirmação que:

A Comunicação Social Háptica é realizada pelo toque do tato do guia-intérprete no


surdocego, no movimento de tocar e tocar-se em uma parte neutra do corpo em que o
surdocego possui sensibilidade. Pode ser nas costas, pernas ou braços na sinestesia dos
sentidos em contato com a pele. (VILELA 2018, p. 128).
95

Araújo (2014) corrobora com o seguinte apontamento:

A comunicação Háptica é realizada em partes neutras do corpo, cada surdocego possui


uma sensibilidade maior em determinadas partes do corpo, sendo nas costas, braços e
pernas. A escolha de onde será realizada a descrição e o sinal é feita pela pessoa com
surdocegueira. Os sinais hápticos podem ser criados e ampliados de acordo com a
necessidade do surdocego e do profissional que atua com o mesmo. (ARAUJO 2014, p.4).

O autor ressalta a ampliação da comunicação háptica na criação de sinais por pessoas com
surdocegueira e guias-intérpretes que a atendem. Essa parceria favorece a comunicação e fortalece
o vínculo entre profissional guia-intérprete e pessoa com surdocegueira.
Pensando na educação de pessoas com surdocegueira pré-linguísticos46, Cader-Nascimento
(2016), apresenta a discussão de que várias formas de comunicação na surdocegueira utilizam o
háptico para socialização com o ambiente físico e humano. A autora menciona que nas formas de
comunicações: tadoma, Libras tátil, braille tátil e grafestesia ou escrita na palma da mão47, utiliza-
se sistemas hápticos para recepção das informações. Schiffman (2005) define o sistema como:

[...] responsável pela percepção das propriedades geométricas – formas, dimensões e


proporções dos objetos manipulados [...] é capaz de apreender as propriedades
geométricas dos objetos, como também de fornecer informações sobre seu peso e
consistência. [...] o reconhecimento preciso de um objeto pode ser resultante apenas de
um breve encontro tátil. [...] os inputs cinestésicos e cutâneo se combinam para atuar como
um único sistema perceptual funcional. (SCHIFFMAN, 2005, p. 313).

Sá (2007), no intuito de promover formação continuada de professores para o Atendimento


Educacional Especializado (AEE), menciona a inclusão escolar de estudantes cegos e com baixa
visão. A autora refere-se ao conceito de sistema háptico da seguinte forma:

O sistema háptico é o tato ativo, constituído por componentes cutâneos e sinestésicos,


através dos quais impressões, sensações e vibrações detectadas pelo indivíduo são
interpretadas pelo cérebro e constituem fontes valiosas de informação. As retas, as curvas,
o volume, a rugosidade, a textura, a densidade, as oscilações térmicas e dolorosas, entre
outras, são propriedades que geram sensações táteis e imagens mentais importantes para
a comunicação, a estética, a formação de conceitos e de representações mentais. (SÁ,
2007, p. 16).

Essa definição foi construída a partir do contato com crianças cegas e com baixa visão na
perspectiva de trazer conceitos por meio da recepção de informações na construção de imagens

46
Pessoas com surdocegueira pré-linguísticos são aquelas que adquirem a surdocegueira antes de terem uma forma de
comunicação efetiva. Nesse grupo incluem-se pessoas com surdocegueira congênita.
47
Na próxima seção teremos explanação das formas de comunicação de maneira detalhada
96

mentais. O sistema háptico não é relacionado somente ao sentido tátil, pelo tato por meio do toque,
mas, evidencia o sentido cutâneo pelo contato sinestésico que auxilia nessa percepção:

O termo “percepção” deriva do latim perceptio, ‘colheita’; ‘concepção de um pensamento


ou ideia’; ‘conhecimento certo’; de percipio, ‘apoderar-se de’; ‘tomar/apanhar’;
‘perceber’; ‘experimentar/sentir’; ‘captar pela inteligência’; ‘conhecer de modo certo’, de
capio, ‘capturar’; ‘deter’; ‘apreender’; ‘apoderar-se de’; ‘receber’. A semântica de
“percepção” parece, pois, ter as raízes no toque e no movimento: com efeito, os sentidos
precisam de ser tocados (por luz, forma, som, odor ou gosto). Assim, não é por acaso que
as teorias do conhecimento sempre consideraram o sentido háptico. (DURÃO, 2006, p.
155 grifos da autora).

Quando conheci essa forma de comunicação social onde o sentido háptico é utilizado, fiquei
curiosa com suas formas de execução. Meu contato com ela despertou atenção para duas questões
importantes: a percepção da pessoa com surdocegueira enquanto a recebia, e a expressividade do
guia-intérprete ao realizá-la. Todos os movimentos no corpo da pessoa com surdocegueira
pareciam calculados e precisos, com todas as suas entonações no pressionar das mãos do guia-
intérprete no corpo do dela.

4.1.2. Funções da comunicação social háptica

A comunicação social háptica está em constante fase de experimento, portanto, não se


configura com funções fechadas. Nessas molduras os usuários com surdocegueira e seus parceiros
de comunicação, os guias-intérpretes, traçam objetivos e estabelecem parâmetros para consolidar
as informações necessárias.
Dessa forma, compartilho as funções da comunicação social háptica a partir de vertentes de
três registros. A primeira, relacionada à utilização por Riitta Lahtinen48 e Russ Palmer49, publicada
na 50ª edição da Revista DBI. A segunda, relacionada ao trabalho de Araújo et. al. (2019) no livro
“Práticas de interpretação tátil e comunicação háptica para pessoas com surdocegueira”, em que
apresentam conceitos e usos. A terceira, a demarcação das funções trazidas por Hélio Fonseca de
Araújo em lives realizadas no canal do YouTube, uma delas denominada “Guia-interpretação Tátil

48
Nascida e criada na Finlândia, Riitta é pesquisadora sênior e líder do grupo de pesquisa Social-Haptic
Communication, que faz parte do grupo de pesquisa ISE (Intensive Special Education) da Universidade de Helsinque,
Finlândia. Disponível em: https://www.russpalmer.com/about-riitta Acesso em: 14 nov. 2022.
49
Russ é Musicoterapeuta Internacional e Praticante de Terapia Vibroacústica. Nascido severamente surdo, Russ tem
Síndrome de Usher, uma condição genética que causa uma deterioração da visão e da audição, deixando você surdo e
cego. Ele é surdocego registrado e usa dois implantes cocleares (ICs). Disponível em:
https://www.russpalmer.com/about-russ Acesso em: 14 nov. 2022.
97

e Comunicação Háptica para pessoas com surdocegueira”50, onde ele aponta quatro funções
principais.

QUADRO 7 - CONTRASTE DAS FUNÇÕES DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA


Riitta Lahtinen e Russ Palmer Hélio Fonseca de Araújo, Beatriz Hélio Fonseca de Araújo (2021)
(2013) Santanna Canuto, Carlos Alberto
Santana Júnior e Katia Regina
Conrad Lourenço (2019)
I. Haptices para “sí” y I. Receber mensagens de I. Fornecer informações
“no” forma mais clara rápidas
II. Mensajes sociales II. Reforçar descrição de II. Complementar
rápidos ambientes informações
III. Emotional Response III. Mapeamento corporal III. Dar ênfase a
Hand, ERH IV. Transmitir informações informações
IV. Descripción del entorno de forma simultânea IV. Mapeamento de espaços
y planos corporales V. Antecipar situações e objetos
V. Haptices y haptemas VI. Transmitir elementos
VI. Historia corporal não verbais e descrever
emoções
VII. Reforçar e preservar
memórias visuais
Fonte: a pesquisadora.
A primeira coluna do Quadro 7, traça as referências de Lahtinen e Palmer no
desenvolvimento da comunicação social háptica51 partindo de suas experiências pessoais.
Lahtinen, a primeira pesquisadora a desenvolver a comunicação social háptica e os sinais hápticos,
atua nessa área de pesquisa desde 1991. Juntamente com Palmer, compôs a comunicação social
háptica trazendo um caráter estrutural de língua. Os demais pesquisadores (colunas 2 e 3) a utilizam
como complemento de informações atribuindo outras funções.
Lahtinen e Palmer (apud MONROE, 2013) apresentam como primeiro tópico as haptices52
para “sim” e “não”. Os primeiros sinais hápticos criados foram as mensagens de “sim” e “não”,
“chegada” e “saída” (PALMER & LAHTINEN, 1994). Ao longo dos anos esse sistema foi se
desenvolvendo e ganhando novos elementos. Ao mesmo passo que foi compartilhado por meio de
entrevistas, diários e cursos.

50
Live acessível em https://www.youtube.com/watch?v=5M5HNfp8qCA&t=12s Acesso em 21 abr. 2022.
51
Riitta Lahtinen e Russ Palmer, fazem parte da Associação Finlandesa para Surdocegos. O site da associação carrega
detalhes sobre o trabalho realizado com surdocegos na Finlândia, bem como detalhamento, artigos e vídeos sobre a
comunicação social háptica. Disponível em https://kuurosokeat.fi/ Acesso em: 21 abr. 2022.
52
As haptices são elementos gramaticais que compõem uma mensagem. Se compararmos com a língua portuguesa
seria a informação contidas em uma palavra, sendo assim as haptices = palavras. Na próxima seção exploraremos mais
as estruturas linguísticas que compõem a comunicação social háptica.
98

O segundo tópico contempla mensagens sociais rápidas compostos por elementos de


interação social entre duas ou mais pessoas. Nesse sistema incluem-se mensagens interativas táteis,
informações sobre pessoas ao redor, reações corporais etc.
O terceiro tópico consiste na resposta emocional pela mão (utilizando o espaço do dorso
da mão, ombro, lateral da perna e costas) com o principal objetivo de que as pessoas com
surdocegueira identifiquem os elementos verbais e a linguagem corporal das pessoas que as
rodeiam. Esses elementos podem ser adaptados de acordo com cada pessoa com surdocegueira,
inclusive, com a utilização de apoio tátil, datilológico e até mesmo de fala ampliada. Esse sistema
traz flexibilidade dependendo da situação.
O quarto tópico aborda a descrição do entorno e planos corporais. Essa descrição permite
que a pessoa surdocega tenha conhecimento do espaço, dos objetos que o rodeiam e obstáculos
existentes promovendo segurança e autonomia. Os autores ainda ressaltam que existem técnicas
para criação de planos corporais em contextos científicos (espetáculos, jogos, exposições,
concertos etc.).
O quinto tópico traz de maneira detalhada as funções dos haptices e haptemas que fazem
referência a combinação de mensagens táteis, palavras e elementos gramaticais53. As haptices são
comparadas às palavras e os haptemas são as unidades mínimas de execução comparadas aos
fonemas54.
O último tópico traz como tema história corporal, segundo os autores surgiu a partir de
uma aula de curso de terapia musical onde havia um tutor que contava uma história no intuito de
promover relaxamento aos estudantes. Á medida que o tutor contava a história descrevendo
ambientes e situações, a guia-intérprete utilizava as mãos e braços da pessoa com surdocegueira
para descrever as etapas de transição das situações: “es un cálido día de verano, estás paseando por
la playa y el mar acaricia la orilla…” (MUNROE, 2013, p. 80). Essa experiência permitiu que a
profissional criasse histórias de maneira não verbal por meio do tato.
Beatriz Santanna Canuto, Carlos Alberto Santana Júnior, Hélio Fonseca de Araújo e Katia
Regina Conrad Lourenço (2019) trazem de maneira sucinta as funções a seguir:
I. Receber mensagens de forma mais clara: objetivo de receber mensagens em
tempo real e simultaneamente de maneira mais clara.

53
Esses elementos serão abordados detalhadamente na próxima seção.
54
A próxima seção aprofunda os termos e suas respectivas referências.
99

II. Reforçar descrição de ambientes e preservar a memória visual: estratégia


utilizada com pessoas com surdocegueira adquirida para resgatar a memória visual substituindo as
informações visuais por informações táteis.
III. Mapeamento corporal: visando segurança contra obstáculos e autonomia na
locomoção nos espaços.
IV. Transmitir informações de forma simultânea: isso acontece quando a pessoa
com surdocegueira possui dois profissionais guias-intérpretes o acompanhando, nesses moldes as
duas formas de comunicação se completam de maneira simultânea.
V. Antecipar situações: consiste em “avisar” à pessoa com surdocegueira sobre
eventos e pessoas que se aproximam dele e suas respectivas intenções.
VI. Transmitir elementos não verbais e descrever emoções: é responsável por
detalhar a linguagem corporal e as emoções das pessoas (pode ser realizada no dorso da mão,
ombro, lateral das pernas ou costas).
A abordagem trazida por Hélio Fonseca de Araújo (2021), em suas interações ao vivo e em
seus cursos, carrega elementos que são propostos nas aulas práticas e nos estágios. Essas funções
da comunicação háptica serão abordadas a seguir com alguns exemplos e imagens com a ilustração.
A primeira função, relacionada a fornecer informações rápidas, tem o objetivo de dar
informações paralelas sem atrapalhar a atividade da pessoa com surdocegueira. Um exemplo é
quando a pessoa com surdocegueira conversa com alguém por meio da Libras tátil e alguém deseja
perguntar se ele quer água. Dessa forma realiza nas costas da pessoa com surdocegueira o sinal de
água e o ponto de interrogação.

FIGURA 1 - FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA - FORNECER INFORMAÇÕES RÁPIDAS

Fonte: a pesquisadora.
100

A função de complementar informações carece de dois guias-intérpretes trabalhando


conjuntamente. No caso do exemplo a seguir, quando a Libras tátil é utilizada por um guia-
intérprete na mão da pessoa com surdocegueira o outro guia-intérprete complementa a informação
nas costas. Nesse sentido, a comunicação social háptica funciona como complemento para
demonstrar se essa frase está nos campos afirmativo, negativo, exclamativo ou interrogativo. Isso
ocorre com o desenho nas costas:
1. Tudo bem. (Sério)
2. Tudo bem! (Feliz)
3. Tudo bem? (Pergunta)
4. Tudo bem. (Negativo)

FIGURA 2- FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA - COMPLEMENTAR INFORMAÇÕES

Fonte: a pesquisadora.

A função de dar ênfase de informações na comunicação social háptica também é uma


estratégia em que são necessários dois guias-intérpretes. Essa ação é responsável por enfatizar de
maneira intensa a informação disponibilizada pela Libras tátil. A cena a seguir simula a ênfase da
explosão de uma bomba. A guia-intérprete das mãos juntamente ao das costas sinalizam, porém, o
intérprete das costas exerce mais pressão ao tocar as costas simulando a expansão da explosão.
101

CENA 18: FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA - DAR ÊNFASE DE INFORMAÇÕES

Fonte: a pesquisadora.
Outra função é o mapeamento de espaços e objetos realizado com o desenho nas costas
da pessoa com surdocegueira. Essa descrição auxilia na prevenção de acidentes, autonomia e ainda
resgate da memória visual. Um exemplo dessa função é destacado a seguir no mapeamento de uma
estante de livros.

CENA 19: FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA - MAPEAMENTO DE ESPAÇOS E OBJETOS

Fonte: a pesquisadora.
As três vertentes apresentadas evidenciam a importância da comunicação social háptica
para pessoas com surdocegueira. Cabe ressaltar, que a pessoa com surdocegueira é o alvo do
102

atendimento e utilização dessa comunicação, por isso, precisa estar de acordo e se sentir confortável
em utilizar a comunicação. Dessa forma, tem total direito e poder de decisão sobre o próprio corpo
e o toque recebido.

4.2. EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES

Minha aspiração ao conhecer a comunicação social háptica consistiu em reproduzir e criar


formas de interação a partir das experiências das pessoas com surdocegueira que atendia. Ao longo
do primeiro curso na área de surdocegueira que realizei com os guias-intérpretes e e pessoas com
surdocegueira que trouxeram a comunicação social háptica para o Brasil, fui desenrolando e
desvendando várias possibilidades e estratégias de utilização dessa comunicação.
No primeiro curso que participei vivenciei vários processos: a experimentação da
comunicação com ouvintes videntes 55 colegas de turma, depois a experimentação com o professor
(pessoa com surdocegueira) e posteriormente a possibilidade de realizar estágio para o
cumprimento de horas e treinamento das práticas vivenciadas em curso.
À medida que experimentava a comunicação social háptica o meu fascínio aumentava por
perceber a infinitude de possibilidades que ela proporcionava. Iniciei a sua utilização no
atendimento a pessoas com surdocegueira, porém, ao experimentar a comunicação social háptica
com pessoas cegas e ouvir que a partir das descrições realizadas pela comunicação elas conseguiam
construir uma imagem mental resgatando memórias visuais, percebi que as apropriações eram
maiores do que imaginava.
Vilela (2018), cita narrativas de pessoas com surdocegueira que utilizam a comunicação
social háptica como complemento de comunicação e destaca a percepção deles na construção
imagética. O participante da pesquisa de Vilela é uma pessoa com surdocegueira adquirida que
utilizava a Libras enquanto surdo e fez a adaptação para a Libras tátil na condição de pessoa com
surdocegueira. Na narrativa compartilhada, ele especifica que a Libras tátil somada a comunicação
social háptica resgata sua memória visual.

A Libras Tátil me dá algum tipo de informação. A Comunicação Háptica, ela somada à


Libras Tátil, ela faz com que eu crie uma imagem mental dessa informação. Então, eu
consigo entender de forma linguística e de forma viso-espacial tudo aquilo que está
acontecendo nessa história. Eu consigo imaginar um desenho, eu consigo imaginar a

55
Ouvinte vidente é o termo utilizado para designar as pessoas que possuem os sentidos de visão e audição preservados.
103

informação que me está sendo passada. Eu tenho um acesso completo a todas essas
informações. (PARTICIPANTE 1 apud VILELA 2018, p. 111).

Nessa narrativa o participante compartilha sua experiência por meio da construção


imagética que é fator essencial ao entendimento de informações. A imaginação é estimulada a
ponto de resgatar a memória visual anterior à aquisição da surdocegueira. Segue vídeo na próxima
cena que exemplifica a comunicação social háptica como complemento da Libras tátil.

CENA 20: - COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA EM CONJUNTO COM A LIBRAS TÁTIL

Fonte: a pesquisadora.56
Em consonância com essa experiência, assim como construí a trajetória de apropriação
dessa comunicação, os participantes desta pesquisa de doutorado também construíram, passo a
passo rumo ao desconhecido, estranho, fascinante e encantador “outro”. O “outro”, que recebe a
comunicação social háptica, corrobora e coaduna com o “eu”, que realiza a comunicação e sente-
se parte desse “outro” quando tocado no corpo e significado a partir do entendimento e inteireza
de informações que a comunicação social háptica proporciona. O autor Le Breton (2019) traz as
perspectivas do corpo ao sentir o toque do outro significando a comunicação:

Os inumeráveis movimentos corporais empregados nas interações (gestos, mímicas,


posturas, deslocamentos etc.) enraízam-se na afetividade individual. Da mesma forma que
a pronúncia de uma palavra ou o silêncio numa conversa, eles nunca são neutros ou
indiferentes, manifestando uma atitude moral em relação ao mundo e oferecendo ao
discurso ou ao encontro uma corporeidade que lhes acrescenta o ulteriores
significações.[...] Não é apenas a palavra, mas o corpo, as atitudes e as posturas que
primeiramente evidenciam a presença do outro na interação.[...] Compreender a
comunicação é também compreender a maneira como o sujeito, de corpo inteiro, nela
participa. (LE BRETON 2019, p. 45-46).

56
Ilustração em Vídeo elaborado como material complementar, a fim de exemplificar a utilização da Comunicação
Háptica como meio de ampliar a compreensão da mensagem transmitida ao surdocego quando utilizada em conjunto
com a LIBRAS Tátil. Disponível em: https://youtu.be/_VVSzslxBB4.
104

No sentido cinestésico evidenciado pela percepção e no contato com o outro, a pessoa com
surdocegueira atribui ideias e constitui pensamentos pela captação e apreensão das informações,
assim a aprendizagem acontece por meio do corpo:

[...] o que se aprende pelo corpo não é algo que, como um saber, se possa segurar diante
de si, mas é algo que “se é”, e se refere também à ideia de que o saber aprendido pelo
corpo, entendendo este saber como um esquema de sistemas de investimento social que o
corpo incorpora, não é palpável. O corpo não representa um papel, não interpreta um
personagem e sim se identifica com este formato determinado socialmente, constituindo
a partir deste formato a imagem de si, como a imagem que o conforma enquanto indivíduo
e por isso mostra o “que ele é”. (BORDIEU apud MEDEIROS, 2011, p. 123).

A recepção de informações por meio do corpo constitui o fortalecimento da identidade na


percepção do protagonismo de si. Em contato com a comunicação social háptica tenho buscado
expandir conhecimento, descobrir novos caminhos e compartilhar com as pessoas com
surdocegueira e guias-intérpretes as inúmeras possibilidades existentes.
Nesse âmbito a pesquisa de doutorado traz como questão norteadora: “Que percepções
emergem de guias-intérpretes quando estes utilizam a comunicação social háptica com pessoas
com surdocegueira? As narrativas de experiências a seguir carregam as percepções dos
participantes desta pesquisa, refletindo sobre suas práticas e aspirações.

4.3. PESQUISA-FORMAÇÃO E A COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

O curso ministrado com a metodologia embasada na pesquisa-formação foi permeado pela


comunicação social háptica do início ao fim, seja pelos participantes guias-intérpretes que utilizam
essa comunicação, ou pelos participantes com surdocegueira que a desenvolvem para a recepção
de informações. No cenário do curso, percepções emergiram de ambos: pessoas com surdocegueira
e guias-intérpretes.
Dos vinte e seis participantes da pesquisa, treze deles já conheciam a comunicação social
háptica e gostariam de aprimorar, os outros não conheciam e evidenciaram o desejo de
experimentar. Nesses moldes os participantes guias-intérpretes narraram suas experiências prévias
ao curso de pesquisa-formação57:

No segundo semestre de 2020[...], fiz o curso de formação de guia intérprete, com ênfase
nas Libras tátil e comunicação háptica. Esse curso foi muito importante na minha

57
Narrativas completas disponíveis no Anexo C.
105

formação acadêmica, como atuo com surdocegos que utilizam a Libras tátil [...] me fez
entender várias ‘nuances’, de como o surdocego se apropria da comunicação háptica.
Nesse curso também, tivemos alguns cursistas que são surdocegos, esses cursistas
relataram suas experiências pessoais, o que foi muito importante para a nossa formação.
(SAMUEL).

O participante realizou o curso de técnicas de interpretação e comunicação social háptica,


tendo a possibilidade de fazer estágio e desenvolver estratégias de comunicação com pessoas com
surdocegueira. A participante Letícia iniciou a interação com uma pessoa com surdocegueira por
meio da Libras tátil e aprendeu depois a comunicação social háptica:

Eu já realizo a comunicação tátil e háptica com os surdocegos. Já fazem alguns anos desde
quando conheci a [...]. A primeira comunicação usada foi a tátil, eu não sabia nada
referente a comunicação háptica. Até que através da [...], que trouxe para nós um pouco
de informações sobre esse tipo de comunicação háptica, que veio para agregar. Nós
começamos a desenvolver com a [...], alguns sinais novos, adotados para ela. Por ela ser
uma surdocega que adquiriu a língua de sinais e depois ficou surdocega. (LETÍCIA).

A participante desenvolveu sinais novos com a pessoa com surdocegueira a partir das
necessidades diárias de acesso à informação, partindo da premência de ser entendida e entender
seu entorno. A participante Ivonete, realizava de maneira intuitiva os sinais que posteriormente
descobriu que faziam parte da comunicação social háptica.

Eu não sabia, o que era comunicação Háptica, pelas vezes que eu estive com o Leandro e
com a Charlie, nós saímos para fazer alguns passeios; a Charlie com criança no colo, com
as mãos ocupadas; eu ficava de guia-interprete do Leandro; eu costumava perguntar, o que
eu deveria fazer para avisar a ele as coisas.[...] ela acabava me passando as dicas,
explicando como eu deveria fazer; que ela fazia os sinais diretamente na mão dele. Hoje
eu entendo, que era uma forma de comunicação Háptica [...] Também tive a oportunidade
de ver o vídeo, [...] aquelas músicas, a moça sinalizando e eu achei maravilhoso, muito
bonito58 (IVONETE).

A ânsia de auxiliar a família da pessoa com surdocegueira e a mãe com criança de colo, a
levou a buscar aprofundamento da comunicação no atendimento efetivo. A participante Ana Lis,
iniciou seu contato com pessoas com surdocegueira e todos os tipos de comunicação no contexto
religioso e no nosso curso de pesquisa-formação:

A minha experiência como guia-intérprete e a comunicação, começou com a Cristina da


igreja; como guia-intérprete. Porque ela foi a primeira surdocega que eu conheci e nós
viemos aprimorando nossa comunicação háptica, Libras tátil, tudo com ela. Meu contato
com ela já vem ocorrendo a bastante tempo. [...]. Desde então, estamos aprimorando a
nossa comunicação. (ANA LIS).

58
O vídeo mencionado pela participante encontra-se no Youtube disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=A3U0EWH1XuU&t=24s.
106

Assim como Ana Lis, Acsa e Rebeca desenvolveram a mesma experiência, às vezes
trabalham em equipe com revezamento para atender à pessoa com surdocegueira.

Certa vez me chamaram para conversar com a Cristina, então começou aquele processo
de aprendizagem. Com isso eu acabei tendo amor a pessoa, cria um vínculo muito grande.
A Cristina ela é um doce de pessoa, acabamos apreendendo um monte de coisa com ela.
(REBECA).

A participante Acsa além da experiência com a pessoa com surdocegueira que utiliza Libras
tátil, relata a experiência com o tadoma59:

A minha experiência como guia-intérprete [...] tive um contato com a Cristina minha
amiga surdocega. Nós utilizamos a comunicação háptica e a Libras tátil. Com outros
surdocegos, a [...] já nos visitou então usei o tadoma com ela. São os dois tipos de
comunicação que eu sei, que eu tenho experiência. (ACSA).

Outra narrativa interessante foi compartilhada quando Acsa iniciou a interação da


comunicação social háptica com uma pessoa com surdocegueira e as unhas arranhavam essa pessoa
e ela reclamava:

CENA 21: EXPERIÊNCIA DE ACSA NO PROCESSO DE ENSINO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Acsa: “Ai! Sai menina, olha o que você está fazendo comigo!”

Acsa: [...] A Cristina, foi maravilhosa porque ela aguentou muito, eu empurrava ela às vezes. Eu não sabia, foi
horrível no começo. Uma experiência mesmo que eu tive com a Cristina, foi quando eu fiquei 5 dias com ela;
comendo, dormindo [...] E ela meio que entrou na onda e acabou que a gente aprendeu junto.

59
Comunicação onde o surdocego coloca a mão sobre a face e aparelho fonoarticulatório do guia-intérprete. O
surdocego consegue captar a fala por meio da vibração das cordas vocais e movimento dos lábios e face.
107

Fonte: a pesquisadora.
Acsa menciona que obteve grande parte das informações sobre a comunicação social
háptica com uma amiga que apontava o que estava certo e errado, orientando durante o processo.
Aconteceu um vínculo de amizade entre guia-intérprete e a pessoa com surdocegueira e a parceria
acontece em diversos espaços de atuação.
A participante Nalva é mãe de um jovem em fase de transição, ele é surdo e tem perdido
gradativamente a visão.
Tenho um filho surdocego, com 22 anos, atualmente ele possui baixa visão, utilizo Libras
tátil com ele em vários momentos e Libras em campo reduzido. Tenho muito contato com
o [...] e com a [...], uso Libras tátil com eles e em alguns momentos uso a comunicação
háptica. [...] Já fiz uso dessas comunicações: Libras tátil, comunicação háptica e Libras
em campo reduzido. (NALVA).

Nalva tem buscado apoio com outras pessoas com surdocegueira para auxiliar seu filho na
transição e apropriação da identidade relacionada a surdocegueira, que se difere da surdez e
cegueira isoladamente. A participante Lili está em estágio inicial de seu trabalho na área de
surdocegueira

O trabalho com a surdocegueira eu ainda estou iniciando [...] nós recebemos um surdo,
que ficou surdo já adulto, e agora já está com baixa visão, com o passar do tempo ele foi
perdendo, mais ainda há visão, hoje ele enxerga bem menos, e já está fazendo o uso da
bengala. Este ano estava programado para eu fazer o curso na Ahimsa, mas por conta da
pandemia eu não pude ir, [...] eu não tenho curso especifico nessa área [...] (LILI).

Lili expõe em sua narrativa o interesse em aprofundar conhecimentos na comunicação de


pessoas com surdocegueira. Já a participante Milla possui vasta experiência que adquiriu com duas
pessoas que teve a possibilidade de atender:

Eu já sou Intérprete há 10 anos. Comecei estudar LIBRAS porque conheci uma pessoa, a
Mary. Ela tinha 2 filhas surdas, e sempre que ela estava conversando ao mesmo tempo as
filhas dela queriam interagir. Então eu perguntei como eu fazia para aprender, foi quando
fui aprender LIBRAS. Depois fui fazendo outros cursos e comecei a interpretar para as
meninas [...] Depois de uns 3 anos, as meninas começaram a perder a visão, foi então, que,
eu descobrir o que era a síndrome de Usher. Tudo o que eu aprendi sobre guia-intérprete,
aprendi com a própria Japinha. Ela foi para uma escola de cegos que tem aqui na cidade.
As coisas que ela foi aprendendo também fui aprendendo com ela. (MILLA).

Por meio da Libras tátil a participante foi desenvolvendo a interação e auxiliando na


transição, sempre respeitando as formas de comunicação que mais se adequavam às necessidades.
A participante Sílvia está trabalhando no atendimento de pessoas com surdocegueira e está
desenvolvendo suas habilidades nesse atendimento:
108

A partir desse ano comecei a fazer a interpretação [...]até então era apenas LIBRAS, mas,
há uns 3 anos, mais ou menos, ela tem a síndrome de Usher, com o tempo vem perdendo
a visão. Dos três anos para cá, passamos a utilizar a LIBRAS tátil, porque a visão dela
durante a noite é bem restrita, então nós fazemos a Libras tátil. (SÍLVIA).

Sílvia, assim como Merivani, não conheciam a comunicação social háptica, mas
evidenciaram o desejo em aprender e utilizar com as pessoas com surdocegueira que conhecem:

Atualmente estou cursando o ensino superior. Minha experiência como guia-intérprete,


foi pouca, tive contato apenas com uma surdocega, que é a Japinha de Jabuticabal.
Interpretando [...] com a libras tátil apenas. Essa seria a única comunicação com surdocego
que eu tive. [...] (MERIVANI).

A Libras tátil foi o ponto de partida dessa participante na comunicação com a pessoa com
surdocegueira. A participante Marcela realizou vários cursos online na área de surdocegueira, além
dos cursos de estratégias de interpretação e comunicação social háptica, carrega algumas
experiências e práticas de atendimento à pessoa com surdocegueira.

Minha experiência como guia-intérprete começou em 2007, mas como profissional


começou a partir de 2019 [...] a partir dessa necessidade, a minha formação nessa área,
foi através de cursos online, fiz pela Uníntese, Abeline e outras que tive a oportunidade
de conhecer. Também fiz o curso prático, com o professor [...] em São Paulo.
(MARCELA).

A narrativa expressa a importância de buscar espaços de formação não só teóricos; mas,


com possibilidades de práticas. A participante Márcia compartilha que o primeiro contato dela com
a comunicação social háptica aconteceu com um jovem surdo de 15 anos que foi acometido por
meningite e perdeu todos os sentidos.

CENA 22: EXPERIÊNCIA DE MÁRCIA COM UM JOVEM SURDO

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica


109

Márcia: Ele estava muito inquieto porque ele não entendia o que havia acontecido com ele. Por conta da meningite
ele acabou perdendo a visão também, ela foi forte que acabou paralisando os órgãos dele, e nós não sabíamos como
tratar com ele. Ele acabou ficando em coma induzido. [...] Então o hospital liberou para que eu entrasse na UTI,
quando entrei, ele já tinha saído do coma, mas sem saber o que havia acontecido. Então comecei a fazer alguns
toques nele, eu não sabia exatamente em quais lugares tocar porque também tinha ocorrido uma perda na
sensibilidade ao toque em certas regiões.

Eu percebi, que deveria tocar na parte do ombro dele e de fato assim que toquei nessa área ele logo parou, ele já me
conhecia, então me identifiquei com o meu sinal, e eu percebi que a respiração dele mudou e começou a entender
o que estava acontecendo ali. Com poucos sinais hápticos eu consegui explicar para ele o que estava acontecendo,
foi quando ele se acalmou. Foi um momento muito forte, mas que a comunicação haptica levou para ele um pouco
de segurança, saber o que estava acontecendo.

Fonte: a pesquisadora.
Márcia menciona que percebeu o ponto de sensibilidade no ombro do jovem e foi a parte
do corpo que ela utilizou para iniciar a comunicação e trazer informação. O relato impactou a todos
que estavam presentes na aula. Nessa perspectiva, utilizada por Márcia, a comunicação social
háptica trouxe tranquilidade para um jovem que naquele instante não possuía outra forma de
comunicação.
A narrativa de Charlie, esposa do Leandro (pessoa com surdocegueira), sobre a
comunicação social háptica também é desenvolvida a partir de necessidades diárias, formas de
interação, e troca de informações:

CENA 23: EXPERIÊNCIA DE CHARLIE E LEANDRO

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Charlie: [...] como que a comunicação do ser humano ela é automática, eu nunca tinha pensado em comunicação
haptica; mas, como surgiam as dificuldades no dia a dia, eu fui desenvolvendo alguns sinais sem saber de nada, por
110

exemplo, eu comecei a avisar o Leandro nas costas, o de ir embora com os dedinhos de caminhar, e desenvolver
sem saber o sinal de esperar.

Fonte: a pesquisadora.
Durante o curso, Charlie nos mostrou essa estratégia utilizada por ela e pelo esposo
Leandro. Outras habilidades foram desenvolvidas depois que ambos tiveram a oportunidade de
fazer um curso de estratégias de guia-interpretação onde aprenderam sinais hápticos que se
somaram àqueles já criados:

Às vezes estava com as minhas mãos ocupadas, então automaticamente fomos


desenvolvendo maneiras de nos comunicar. Quando eu tive a oportunidade de fazer o
curso com o [...], e nós fomos aprendendo novos sinais, foi incrível, porque hoje eu uso as
vezes os sinais. Muitos sinais acabamos não usando; mas, as coisas que aprendemos nos
auxilia sim. (CHARLIE).

Em resposta à narrativa de Charlie, Leandro completa, enquanto ele sinaliza em Libras ela
faz a voz dele60:

[...]vou explicar como é a guia-interpretação. Sim eu sou surdocego e sou casado, a Charlie
interpreta para mim, e aprendemos alguns sinais de comunicação háptica, por exemplo,
´´espera´´, às vezes ela está com as mãos ocupadas, no dia a dia ela usa esse sinal de
esperar para mim. É muito importante essa comunicação e a prática. Porque o surdocego
ele não está vendo, então ele precisa desse engajamento, esse envolvimento, para não ficar
em defasagem. Precisa dessa igualdade, então a comunicação, a Libras tátil, esse toque,
esse contato, essa interpretação, é muito importante, eu queria agradecer. (LEANDRO).

A experiência de utilização da comunicação social háptica enquanto as mãos da pessoa com


surdocegueira estão ocupadas é recorrente, como narrado a seguir:

Quando você falou de sinalizar alguma coisa quando a pessoa já está conversando, é muito
verdade. A Cristina é muito comunicativa, então quando estávamos no maanaim e dava a
hora do café ou almoço, sempre vinha alguém para conversar com ela, então sempre
fazíamos um sinal de comer no ombro dela para avisar que era a hora de comer, senão ela
não ia conseguir ir comer. (REBECA).

Muitas experiências foram compartilhadas pelos participantes da pesquisa no decorrer do


curso. Na próxima seção tratarei os aspectos educacionais que envolvem a educação de alunos com
surdocegueira e o paradigma da inclusão, concepções linguísticas da comunicação social háptica,
partindo da Linguística Aplicada no contexto de aprendizagem da língua em situações reais.
Explano as construções que estruturam, e embasam a comunicação social háptica em contextos
comunicativos.

60
Fazer a voz do surdo é uma forma de relacionar a interpretação direta, onde a sinalização na Libras é traduzida para
o Português na modalidade oral.
111

5 COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA: ASPECTOS EDUCACIONAIS, LINGUÍSTICOS


E FORMATIVOS

Nesta seção explicito algumas congruências e divergências na perspectiva da inclusão da


pessoa com surdocegueira. Embora esta pesquisa esteja voltada para a formação de profissionais
guias-intérpretes, ressalto o solo da escola como campo de aprendizagem fecundo, da
comunicação, do desenvolvimento linguístico e da socialização. Lá acontecem encontros que vão
formando o caráter do ser humano para a vida. Encontro entre professor e estudante, entre
estudantes e conhecimentos, entre amigos e encontros de si mesmos quando se sentem pertencente
ao processo.
A educação está envolvida em todos os aspectos da vida do ser humano. Ela está alicerçada
na construção da subjetividade em contato com o outro e para que isso aconteça, precisamos de
princípios de igualdade que favoreça a todos.
Os princípios, muitas vezes, não são respeitados, visto que, não existe acesso para todos.
Em muitas esferas da sociedade é evidente a falta de acessibilidade. No papel de educadora e
professora, percebo a insipiência dos profissionais em escolas. No papel de cidadã, é notório o
despreparo e muitas vezes o desconhecimento das pessoas em bancos, hospitais, supermercados,
aeroportos, rodoviárias, estações de trens e metrôs, lojas etc.
Antes de mencionar a acessibilidade de pessoas com surdocegueira, pensamos em pessoas
com sentidos preservados, motor e cognitivo intactos. Quando colocadas em situações adversas
têm sérios problemas, como por exemplo: em gestação passando por catraca de ônibus ou quando
ocorrido um acidente ou alguma situação que nos coloca no lugar do outro que tem uma condição
permanente: “Um exemplo simples e corriqueiro, mas que violenta o direito de ‘ir e vir’ das pessoas
com deficiência física ou mobilidade reduzida, são as escadarias que estão por aí em todos os
lugares” (COSTA-RENDERS 2007, p. 17). Quando colocados e imersos nessas circunstâncias
sentimos na pele as dificuldades enfrentadas por muitas pessoas da sociedade.
Tenho vivenciado cotidianamente as barreiras comunicacionais impostas às pessoas surdas
que utilizam a Libras. Acompanhei por chamada de vídeo uma amiga surda gestante, desde a
recepção, marcação de consultas até o atendimento médico de pré-natal. Os profissionais não
estavam preparados para atendê-la e desconhecem a língua e as formas de se fazer entender e serem
112

entendidos. Por outro lado, vivi uma experiência marcante ao ouvir a cada consulta, as batidas do
coração do bebê e tive o privilégio de acompanhar o parto. No papel de intérprete e amiga
compartilhei a emoção da espera e chegada do filho.

FIGURA 3 - CHEGADA DO FILHO DA AMIGA SURDA

Fonte: a pesquisadora.

Tive a oportunidade de acompanhar os pais na maternidade e interpretei uma frase na parede


da autoria de Nando Reis que dizia: “Não sei quanto o mundo é bom, mas ele está melhor, desde
que você chegou e explicou o mundo para mim”61. Ali tive a percepção da importância do trabalho
do intérprete em um contexto em que a falta de comunicação ocasionaria a ausência de mundo
trazida pelo som.

5.1 O PARADIGMA DA INCLUSÃO

No papel de educadora me deparei com pessoas com deficiência em todas as salas de


atuação. Assim, a partir de estratégias de comunicação, orientação e mobilidade, princípios de
empatia, tracei maneiras de atendimento a esses estudantes.

61
Letra da música disponível em: https://www.letras.mus.br/nando-reis/556810/ .Acesso em: 07 out. 2022.
113

No papel de pesquisadora do contexto educacional, compartilho o paradigma da inclusão,


proposto por Cunha (2008). Está em vigor desde a Declaração de Salamanca (Brasil/MEC/SEESP,
1994), quando foi instituída a educação para todos pelo princípio de igualdade de condições, acesso
e permanência a pessoas com deficiência nos espaços escolares, desafiando professores e gestores
a promover acessibilidade e adequação, suprimindo barreiras de atendimento para crianças e
adolescentes com algum tipo de deficiência.

[...] uma educação inclusiva pressupõe a educação para todos, não só do ponto de vista da
quantidade, mas também da qualidade. O que significa que os alunos devem se apropriar
tanto dos conhecimentos disponíveis no mundo quanto das formas e das possibilidades de
novas produções para uma inserção criativa no mundo. Nessa perspectiva, a escola
inclusiva deve estar disposta a adaptar seu currículo e seu ambiente físico às necessidades
de todos os alunos, propondo-se a realizar uma mudança de paradigma dentro do próprio
contexto educacional com vistas a atingir a sociedade como um todo. (ALVES, 2022 apud
CUNHA 2008, p. 37).

Nesse campo educacional como citado pela autora, é substancial as adequações


arquitetônicas, atitudinais e comunicacionais, pois são barreiras naturalmente impostas pela
sociedade. Para que os processos de inclusão sejam adequados é necessário identificar os
problemas e, a partir de então, definir possíveis soluções e aplicá-las no intuito de remover
barreiras.
Leandro menciona os aspectos relacionados à educação, e isolamento causado pela falta de
comunicação e o sentimento dele frente às barreiras enfrentadas:

[...] Na escola tinha separação de quem tinha implante, de quem usava aparelho e de quem
era surdo, mas naquele tempo era oralização, não tinha Libras. Então tinha que fazer
fonoaudiologia para usar a fala para a comunicação. Chorava bastante, tinha medo, e a
professora mandava, porque não era permitido usar sinais [Libras] na escola. [...]
(LEANDRO).

O relato da pessoa com surdocegueira enquanto surdo, retoma um período da história em


que o direito à comunicação por meio da Libras foi violado. Conheço várias pessoas que passaram
por esse processo de imposição da fala, onde eram obrigados a articular palavras, mesmo sem ter
a referência da escuta, estes foram submetidos ao abandono da sua cultura visual e gestual. A autora
Lacerda (1998) reflete em seu artigo “Um pouco da história das diferentes abordagens na educação
dos surdos”62, as características dessa transição que auxiliam no entendimento desse processo
quando menciona que:

62
Artigo “Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos, disponível em:
https://www.scielo.br/j/ccedes/a/wWScZsyPfR68rsh4FkNNKyr/?lang=pt Acesso em 14 set. 2022.
114

Em seu início, no campo da pedagogia do surdo, existia um acordo unânime sobre a


conveniência de que esse sujeito aprendesse a língua que falavam os ouvintes da sociedade
na qual viviam; porém, no bojo dessa unanimidade, já no começo do século XVIII, foi
aberta uma brecha que se alargaria com o passar do tempo e que separaria
irreconciliavelmente oralistas de gestualistas. Os primeiros exigiam que os surdos se
reabilitassem, que superassem sua surdez, que falassem e, de certo modo, que se
comportassem como se não fossem surdos. Os proponentes menos tolerantes pretendiam
reprimir tudo o que fizesse recordar que os surdos não poderiam falar como os ouvintes.
Impuseram a oralização para que os surdos fossem aceitos socialmente e, nesse processo,
deixava-se a imensa maioria dos surdos de fora de toda a possibilidade educativa, de toda
a possibilidade de desenvolvimento pessoal e de integração na sociedade
[...]. (LACERDA 1998, s/p.).

Além das características descritas por Lacerda (1998), quanto às barreiras impostas pelo
espaço educacional, Japinha em sua narrativa compartilha: “Consegui terminar o terceiro ano do
ensino médio depois de alguns anos, não tinha essa inclusão, não tinha o intérprete, mas sempre
quis fazer faculdade de pedagogia, [...] recebi um convite para entrar na faculdade, hoje eu já estou
finalizando [...]” (JAPINHA). Na percepção dela, entende-se que houve um avanço no aspecto
inclusivo em espaços de conhecimento.
Cristina compartilha sobre uma criança que conheceu, que por sua vez, enfrentou obstáculos
para ingressar e ser atendida com qualidade em espaços educacionais em sua cidade. A criança
mencionada por ela é considerada como pessoa com surdocegueira congênita:

Vida de surdocego não é fácil. Criança que nasce surdocego é diferente. Conhece nada no
mundo. Eu conheci uma criança assim, 11 anos de idade e não conhecia o próprio nome.
Hoje ele sabe o nome, processo, hoje ele aprendeu Libras, criança de Cariacica. Muito
difícil, família também não tem renda, muito pouco. Então o intérprete ajudou muito e até
hoje continua ajudando. Tiveram que colocar na justiça para conseguir entrar na escola e
ajudar o processo de desenvolvimento educacional dele. (CRISTINA).

Em alguns casos, os profissionais auxiliam a família na busca por seus diretos de


acessibilidade, no relato de Cristina o intérprete é a ponte para a família.
A Revista Inclusão, publicação da Secretaria de Educação Especial do Ministério da
Educação, traz no volume I, da edição de 2005, quatro artigos63. Todos esses trabalhos mencionam
o paradigma da inclusão e fornecem elementos que sustentam a importância do fazer, do adaptar,
do priorizar, do enxergar e do se posicionar.

63
Os temas abordados são: “O surdocego e o paradigma da inclusão”; “Eixos de acessibilidade: caminhos pedagógicos
rumo à universidade inclusiva”; “Assistência às pessoas com deficiência e o paradigma da inclusão”; e “Normalização
na prática pedagógica e constituição do conceito de inclusão nas escolas comuns da educação básica”.
115

Na redação da apresentação editorial, Claudia Pereira Dutra, Secretária de Educação


Especial em 2005, aponta que:

O paradigma da educação inclusiva inverte a lógica do modelo de escola que atua para
confirmar as capacidades hierarquicamente selecionadas e passa a entender o potencial
presente na capacidade de cada um de construir conhecimentos, individual e
coletivamente. Um novo estatuto epistemológico está sendo construído e revoluciona o
entendimento e a prática de ensinar e aprender de alunos com deficiência. Não se trata de
um novo caminho metodológico e sim de uma ruptura definitiva com as formas
tradicionais de entender e lidar com o conhecimento [...]. (INCLUSÃO, 2005, p.2).

Em artigo, na mesma publicação, Costa-Renders (2007) ressalta a emergência do fazer para


acessibilizar, não o movimento de adaptar depois que a pessoa com deficiência chegar:

Não existe meio termo nessa questão, não dá para ser mais ou menos acessível, não dá
para apenas atender à demanda – “quando chegar o aluno, a gente muda o espaço”. Trata-
se, inclusive, de exigência legal para autorização e de reconhecimento de cursos [...].
(COSTA-RENDERS 2007, p.17).

Costa-Renders (2007), compara as barreiras comunicacionais, arquitetônicas e atitudinais


como “pedras no caminho”, baseando-se no poema “No meio do Caminho” de Carlos Drummond
de Andrade. Revela perspectivas de incapacidade como sendo de todos nós, mas evidencia que as
práticas de inclusão são um processo contínuo de construção. A partir da relação colaborativa, do
diálogo, da rede de relações e dos conhecimentos partilhados entre gestão escolar e profissionais,
considerando as singularidades dos estudantes com deficiência.

5.2 O PARADIGMA DA INCLUSÃO EDUCACIONAL NA SURDOCEGUEIRA

A discussão sobre o paradigma da inclusão na surdocegueira passa por um processo


interessante do desconhecimento total sobre a deficiência ao encantamento de possibilidades a
partir das estratégias que rompem as barreiras de comunicação. É neste contexto que esta tese se
insere. Na perspectiva de promover socialização a partir da comunicação sem perdas de
informações, que favorece todo processo inclusivo.
Durante a pesquisa de mestrado realizei estágio em uma escola bilíngue onde crianças com
surdocegueira congênita eram atendidas. As particularidades evidenciadas durante o período de
observação foram essenciais para aguçar minha percepção sobre a pessoa com surdocegueira.
Como a proposta da dissertação buscava evidenciar possibilidades de interação e uso da tecnologia
116

assistiva procurei contribuir com o desenvolvimento de processos de adaptação de materiais


acessíveis como segue:

FIGURA 4 - RECURSOS DE TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA SURDOCEGOS

Descrição: Recurso 1 - Mão em feltro com velcro para realização do alfabeto manual tátil

Descrição: Recurso 2 - Mão em feltro com imã e cabo flexível interno

Fonte: a pesquisadora.

O primeiro recurso foi desenvolvido para uma menina com surdocegueira com capacidade
motora manual comprometida. O recurso à auxilia na montagem das letras do alfabeto datilológico
que não é possível em sua própria mão.
O segundo recurso auxilia, tanto a menina com surdocegueira, quanto um menino com
surdocegueira que reconhece os elementos por meio do tato, as letras do alfabeto e os números.
Utilizar o recurso para confeccionar as palavras e conferir se estão corretas. Quando se pensa no
contexto escolar, na inclusão de pessoas com surdocegueira, as autoras Sandra Sâmara Pires Farias
e Shirley Rodrigues Maia (2007) compartilham que:

A discussão sobre a inclusão de alunos com surdocegueira no ensino regular ainda é muito
tímida, essa inclusão envolve questões tais como: as diferentes concepções de deficiência,
conhecimento dos estilos de aprendizagem e as reais necessidades de comunicação dessa
população. Muitos questionamentos são feitos por profissionais: Como ele se comunica?
117

Como pode haver inclusão, se não sei me comunicar com ele? O que significa incluir de
fato um surdocego? (FARIAS; MAIA, 2007, p. 26).

Todos esses questionamentos surgem quando as pessoas são confrontadas no atendimento


às pessoas com surdocegueira. E essas barreiras são reais, como evidenciado pela participante com
surdocegueira Cristina, que possuía os sentidos preservados e tornou-se pessia com surdocegueira
por conta da Meningite:

[...] como nossas vidas, nos corrigimos todos os dias, falta muita coisa, falta acessibilidade
nas faculdades, inclusão, muito difícil, eu tentei UFES (Universidade Federal do Espírito
Santo), passei na primeira fase, na segunda fase eu não passei [...] em uma turma inteira
de surdos e ouvintes, eu fiquei em trigésimo lugar, não tem inclusão, eles incluíram nos
documentos, nos editais, mas ainda falta muita coisa. Eu não tenho direito a vaga porque
no passado eu era visual e ouvinte, concluí o ensino médio em escola particular, isso não
pode ser uma regra, precisa lutar por isso, porque a vida das pessoas mudam, pessoas
nascem normal e podem envelhecer numa cama, as coisas mudam, governo precisa mudar
essas regras também, as condições financeiras na época eram melhores quando eu me
formei no ensino médio, apesar de eu ser bolsista também (CRISTINA).

A participante compartilha as dificuldades encontradas e a carência de políticas públicas


que favoreçam a inserção de pessoas com deficiência valorizando sua trajetória e história de vida.
A autora Farias (2007) menciona um processo de evolução no paradigma de inclusão de pessoas
com surdocegueira, que é muito significativo e que se refere ao profissional que presta o
atendimento na escola:

A inclusão é favorecida com a participação do profissional guia-intérprete (quem faz a


interpretação na forma predominante de comunicação do surdocego e é também seu guia),
esse profissional é necessário para inclusão da pessoa surdocega pós-lingüística (quem
adquire a surdocegueira após a aquisição de uma língua), ou um instrutor mediador (quem
faz a interpretação e a intermediação das informações com o meio e a pessoa surdocega)
para pessoas que são surdocegas pré-lingüísticas (quem adquire a surdocegueira antes da
aquisição de uma língua), na qual a intermediação será a chave para o sucesso da
aprendizagem e inclusão. (FARIAS 2007, p. 27).

A autora ressalta dois atendimentos distintos, o primeiro realizado pelo guia-intérprete e o


segundo pelo instrutor mediador64. O primeiro grupo mencionado pela autora compreende as
pessoas com surdocegueira adquirida e o segundo grupo as pessoas com surdocegueira congênita.
A maioria das pessoas com surdocegueira que tenho contato são pós-linguísticos, ou seja,
adquiriram a surdocegueira após a aprendizagem de uma língua e do período escolar. Uma pessoa

64
O instrutor mediador é o profissional que presta atendimento às crianças surdocegas congênitas em espaços
escolares, utilizando estratégias de desenvolvimento de comunicação e adaptação de materiais pedagógicos para
efetiva inclusão.
118

com surdocegueira em especial, tornou-se meu amigo, proporcionou uma experiência interessante
ao permitir que testasse e desenvolvesse várias formas de comunicação. Nasceu surdo, e aos cinco
anos de idade ficou totalmente cego, nesse período (de zero a cinco anos), não aprendeu a língua
de sinais, que é a língua natural dos surdos. Aos nove anos iniciou seu processo de alfabetização,
antes disso não conseguiu acesso às escolas regulares.
Quando penso na inclusão de pessoas com surdocegueira congênita, reflito sobre o trabalho
do instrutor-mediador. Esse profissional irá buscar e descobrir uma forma daquela criança que é
uma caixinha de surpresas65 se comunicar, e ele sempre se questiona: "O que será que essa caixinha
tem?” Então, o trabalho deste profissional é desvendar cada aspecto dessa caixinha, é um grande
desafio do profissional instrutor-mediador. Uma base essencial para a inclusão de pessoas com
surdocegueira está pautada na transdisciplinaridade, mencionada por Farias e Maia (2007):

Assim com base na transdisciplinaridade, é necessário aprender a compartilhar e a


partilhar os diferentes tipos de saberes na busca de condições mais adequadas ao
desenvolvimento das potencialidades presentes da pessoa surdocega. Para isso, a
experiência precisa ser socializada por todos os envolvidos no processo educativo:
famílias, profissionais e comunidade. (FARIAS; MAIA, 2007, p. 28).

Nesse cenário, julgo importante o conhecimento da história de Helen Keller uma pessoa
surdocega americana, que evidencia a perspectiva de superação e possibilidades ao invés de
limitações. Foi a primeira pessoa com surdocegueira a se formar em um bacharelado, aprendeu a
falar 4 línguas e teve um aprendizado notável. Escreveu 14 livros que foram traduzidos para
diversos idiomas, é uma referência significativa para a comunidade surdocega, e os feitos
realizados por ela ecoam.
Helen Keller contribuiu para mudar a perspectiva da educação das pessoas com
surdocegueira no Brasil, uma vez que muitas ações e políticas públicas desenvolvidas devem-se à
sua visita ao país no ano de 1957, quando muitos foram mobilizadas a buscarem aprendizado e a
realizar a inclusão dessas pessoas. Uma delas foi a professora Nice Tonhozi Saraiva. A presença
de Keller alterou uma estrutura que estava engessada, no período da ditadura militar obteve-se os
maiores avanços dentro da educação de alunos com surdocegueira.

5.3 COMPOSIÇÃO LINGUÍSTICA E A COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

65
Escrevi um pequeno artigo sobre o tema: “Surdocegueira: uma caixinha de surpresas”, disponível em
https://editoraappris.com.br/noticias/ver/161-surdocegueira-uma-caixinha-de-surpresas acesso em 06 jun. 2022.
119

A partir das contribuições da banca de qualificação surgiram muitas vertentes de


explicitação da linguística: a linguística aplicada, que justifica a língua em uso por sujeitos em
situações reais, e a vertente da sociolinguística que se fundamenta na linguagem considerando
fatores sociais em que as pessoas estão inseridas. Pensando nisso e refletindo sobre a comunicação
social háptica destaco as narrativas que corroboram com a pesquisa.
No decorrer do curso e na perspectiva da pesquisa-formação voltada para profissionais
guias-intérpretes, surgiram muitas contribuições que norteiam esta tese, e uma delas foi a indagação
sobre a composição linguística da comunicação social háptica, muitas narrativas explicitaram a
utilização dessa comunicação em situações reais.
Pensando na formação do profissional que cursa a graduação de Letras-Libras, tornando-se
Tradutor e Intérprete de Libras-Português, tomo por referência primordial no atendimento de
pessoas com surdocegueira adquirida que utilizam a Libras como comunicação principal. Refleti
sobre a formação desse profissional na perspectiva da linguística. Faria (2018) realizou um estudo
exploratório comparativo que identifica:

[...] a formação de TILS66 oferecida por uma instituição brasileira, a UFG, está articulada
com uma forte influência da área de linguística e literatura, se comparada com a formação
oferecida para tradutores de línguas orais na UAB. Estes resultados coincidem com o
estudo de Ferreira (2015), que afirma que os cursos de TILS no Brasil são genéricos, estão
demasiado vinculados aos cursos de Letras e não oferecem uma especialização em áreas
profissionais. Neste sentido, consideramos necessário maior autonomia dos cursos de
formação de TILS – e de tradutores e intérpretes –, em relação aos cursos de Letras.
(FARIA, 2018 p. 282).

Os cursos de formação de intérpretes por meio do curso de graduação de Letras-Libras67,


oferecidos em universidades federais brasileiras68, contemplam em seus objetivos, nas ementas e
planos de ensino, os componentes linguísticos da Libras. Ressalto alguns trechos em que a palavra
“Linguística” é mencionada:
● o bacharel poderá prestar serviços linguísticos de diferentes tipos como revisão e redação
de textos, tradução e consultoria linguística69;
● formar tradutores e intérpretes de Libras-Português, com sólidos conhecimentos de teorias
da área de estudos da tradução, interpretação, linguística e literatura70;

66
Tradutor Intérprete de Língua de Sinais
67
Textos completos em QUADRO 5: objetivos dos Cursos de bacharelado em Letras Libras
68
O recorte dessa pesquisa contempla a formação do Curso de Letras Libras oferecidos em Universidades Federais
Brasileiras.
69
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFSC.
70
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFRJ.
120

● formação de tradutores e intérpretes de Libras para português e vice-versa para atender às


diversas demandas linguísticas existentes na esfera social poderá atuar, também, no
desenvolvimento de pesquisas no campo da Linguística e da Tradução71;
● O bacharel em Letras-Libras poderá prestar serviços linguísticos de diferentes tipos72;
● exercer de maneira plena as atividades de intérprete, pesquisador, consultor linguístico73.
Ao considerar esses cursos e a premência por conhecimento desse profissional na área de
linguística, presumo que as formações carecem, de um aprofundamento na área para promoção de
qualidade no atendimento; não somente para o surdo, como para a pessoa com surdocegueira.
O curso de formação de profissionais guias-intérpretes “Estratégias de guia-interpretação e
utilização da comunicação social háptica para pessoas com surdocegueira”, contou com uma aula,
ocorrida em 14 de novembro de 2021 com o tema: “A contribuição dos estudos da tradução para a
guia-interpretação", ministrada pelo Professor Mestre em Estudos da Tradução Wharlley dos
Santos74:

CENA 24: APRESENTAÇÃO DO PROFESSOR WHARLLEY

Tema: A contribuição dos estudos da tradução para a guia interpretação

71
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFG.
72
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFES.
73
Texto extraído dos objetivos do curso de Letras Libras da UFRGS.
74
Wharlley Martins dos Santos, assinatura Wharlley dos Santos, é Graduado em Bacharelado em Letras-Libras, Mestre
e Doutorando em Estudos da Tradução pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PGET) da
Universidade Federal de Santa Catarina com Bolsa da Capes Excelência e Professor Substituto (com anuência da
PGET) na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Membro do Núcleo de Pesquisa em Interpretação e
Tradução de Línguas de Sinais - Intertrads, sob liderança do Prof. Dr. Carlos Rodrigues e no Grupo de Pesquisa
Pedagogia e Didática da Tradução e da Interpretação, sob liderança da Prof. Dra. Maria Lucia Barbosa de Vasconcellos
e do Prof. Dr Felipe Mendes Neckel. Ainda atua como Professor de Estudos da Tradução desde 2015 ministrando
cursos e organizando eventos presenciais e online voltados para a formação de Tradutores e Intérprete de Libras-
Português. É Idealizador do curso Traduz Aí: descomplicando a tradução e a interpretação de Libras-Português que
foi ministrado na SIGNA (2019-2021). Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/8067317905364344
Acesso em 20 mai. 2022.
121

Wharlley: A minha experiência em guia interpretação, ela tem 3 anos de duração, foi com rapaz que têm
descendência árabe, que mora aqui em Florianópolis o nome dele é [...] e esse é o sinal [mostra o sinal dele em
Libras]. Eu fui convidado a acompanhar ele em um curso de especialização em educação de surdos, no instituto
federal de santa Catarina no campus Palhoça Bilingue, é uma instituição em nível federal e muito conhecida, por
ser uma das únicas instituições federais em nível de américa latia, que em seu perfil formativo trabalha as questões
relacionadas ao bilinguismo, desde cursos iniciais de formação continuada até cursos de pós-graduação. Todos seus
funcionários são bilíngue, todos os alunos que lá entram independentemente da situação, sendo surdo ou ouvintes,
precisam aprender a língua de sinais, é um ambiente altamente bilíngue. Eu tive a oportunidade de estar lá como
intérprete, servidor público de 2015 até 2018, nesses 3 anos eu atuei com o [...] nessa pós-graduação. O [nome do
surdocego] é alfabetizado, ele possui uma família que deu a ele toda as possibilidades possíveis dele ingressar na
sociedade, [...] aqui em Florianópolis e ele tem síndrome de Usher assim como seu irmão de 16 anos, que já perdeu
a visão totalmente. Atualmente ele está cursando mestrado no Rio de Janeiro no Instituto Federal de Educação de
Surdos. Essa é a bagagem que eu trago de guia interpretação. Eu comecei sem saber absolutamente nada, muita das
coisas eu fui descobrindo com ele e aprendendo com a Professora Elaine.
Fonte: a pesquisadora.
A pessoa com surdocegueira mencionada é considerada pós-linguística e perdeu a visão
devido a síndrome de Usher, ou seja, passou pelo processo de adaptação na aquisição da
surdocegueira. O relato do professor evidencia que a surdocegueira não foi barreira impeditiva no
processo formativo desse sujeito, visto que, passou pelo processo de formação a nível de
graduação, pós-graduação lato sensu e stricto sensu.
Sobre a experiência de comunicação utilizada por essa pessoa com surdocegueira e o
atendimento prestado, o professor convidado ressaltou uma particularidade:

CENA 25: EXPERIÊNCIA NO ATENDIMENTO A UMA PESSOA SURDOCEGA DE SANTA CATARINA

Tema: A contribuição dos estudos da tradução para a guia interpretação

Wharlley: Ele possui uma particularidade, ele só usa uma mão, a forma de imput dele de aquisição linguística é
apenas com uma mão, ele não gosta de utilizar das duas mãos, ele usa só a mão esquerda como a mão receptora de
informações linguística, e para mim foi um grande desafio, porque todos os surdocegos que eu tinha acompanhado
até então, utilizam as duas mãos, diferente dele que só utilizava uma das mãos. O que me gerava um cansaço físico
122

muito maior, tendo em vista que apenas um lado do corpo servia como apoio, geralmente ele se sentava a minha
direita e eu fazia a guia interpretação para ele.
Fonte: a pesquisadora.
Além das experiências práticas o professor compartilhou com a turma as pesquisas
desenvolvidas no âmbito da área de estudos da tradução atrelados à guia-interpretação. Um
conceito abordado por ele foi sobre a modalidade de transmissão e recepção da língua, onde
explicitou conceitualmente as modalidades, oral-auditiva, visual-gestual e tátil-cinestésica. O
professor articulou vários questionamentos, provocando os alunos a refletirem sobre as teorias e
práticas relacionadas ao trabalho de tradução e interpretação.

CENA 26: HISTÓRIA DA TRADUÇÃO

Tema: A contribuição dos estudos da tradução para a guia interpretação

Wharlley: Primeiramente vamos tratar sobre a história da tradução, por que é importante a gente conhecer a história
da tradução? Porque o conceito de tradução, ele vai sendo modificado com o passar do tempo, ele surge em um
contexto que está registrado nas Sagradas Escrituras com a construção lá da torre de babel, onde nós temos a
confusão das línguas, e a partir dessa confusão de línguas foi necessário que tivessem pessoas que dominassem
diferentes idiomas para propiciar a comunicação. A partir daí nós temos o surgimento da interpretação, nos registros
históricos isso deve ter acontecido entre 2420 e 2500 aC. Não há um registro preciso; mas, na sagrada escritura nós
temos um relato bem detalhado sobre esse fato. Inclusive é utilizado dentro da academia, das universidades a como
justificativa a explicação para a existência de múltiplos idiomas no mundo.
Fonte: a pesquisadora.
Enquanto o professor explana sobre as questões relacionadas à tradução e interpretação,
presenciamos em nosso curso um momento marcante em que tínhamos uma surda assistindo a aula
como convidada e decorrente disso, tínhamos três formas de comunicação diferentes
concomitantes: Libras, Libras tátil e grafestesia (escrita na testa).
123

O professor explana os conceitos e produtos que decorrem da tradução e interpretação


baseadas em quinze anos de pesquisas na área de Estudos da Tradução. Compartilhou conosco um
resumo dessas curiosidades e descobertas:

CENA 27: PROCESSO DE ESCRITA

Tema: A contribuição dos estudos da tradução para a guia interpretação

Wharlley: Posterior a isso, veio a escrita e a escrita foi desenvolvida mais ou menos 5000 antes de Cristo a gente
já tem os primeiros registros, até que se consolida em 1000 aC o processo de escrita. Com o processo de escrita o
registro desses fenômenos tradutórios bem mais palpáveis, porque a gente tem o registro. Então tudo que é traduzido
está registrado em um tipo de suporte, já a interpretação não tem registro. A produção dela em si, ela é feita sem
nenhum tipo de registro e ela automaticamente se efervesce, é como um comprimido de aspirina, você coloca na
água e ele se dissolve. A interpretação é exatamente dessa forma, ela não deixa registros por si só, a não ser que,
como nós estamos aqui, ela está sendo gravada, mas a gravação não faz parte do processo. É um processo externo
a produção da interpretação. Já à tradução o registro é automático, à medida que eu traduzo eu estou registrando
então sempre que eu vou traduzir esse registro já está sendo feito automaticamente. Então a tradução ganhou muito
espaço em detrimento da interpretação, exatamente pelo fato de se ter um registro e até hoje a gente tem aquela
famosa pergunta: É tradução? É interpretação? O que é?
Fonte: a pesquisadora.
Nessa perspectiva abordada pelo professor sobre o produto da tradução gerado a partir da
escrita, retomo a percepção do mesmo trabalho, mas voltado para o texto oral. Sendo assim ressalto
a definição dos conceitos de tradução e interpretação, embora muitas vezes ambos sejam tratados
como se contivesse os mesmos processos eles divergem de maneira substancial. De acordo com
Hurtado (2005) a tradução é um “[...] processo interpretativo e comunicativo que consiste na
reformulação de um texto com os meios de outra língua e que se desenvolve em um contexto social
e com uma finalidade determinada” (HURTADO, 2005, p. 41).
As abordagens compartilhadas pelo professor Wharlley e minha experiência como
intérprete corroboram com o conceito definido por Hurtado (2005) para a tradução, que consiste
124

no processo de análise de um discurso, escolhas de léxicos75, aplicação e verificação com a


possibilidade de retomar o produto e refazer. Em vários trabalhos de tradução tive oportunidade de
rever minhas práticas e aprimorar algumas competências interpretativas.
Diferente da tradução que é um produto físico que pode ser revisado e alterado, a
interpretação não possui esses atributos, pois acontece de forma simultânea ao discurso. Sendo
assim, não é possível ajustar ou refazer. Como intérprete, já passei por situações em que não
dominava o contexto e o vocabulário que carecia de transposição da língua portuguesa para a
Libras, neste contexto, o mínimo que pude fazer foi desculpar-me. A interpretação é observável
quando “[...] o texto fonte é apresentado apenas uma vez e, portanto, não pode ser revisto ou
reproduzido; e o texto alvo é produzido sob pressão de tempo, com pouca possibilidade de correção
e revisão”. (KADE, 1968 apud PÖCHHACKER, 2004, p. 10).
No papel de guia-intérprete posso afirmar que o trabalho de tradução, configura-se de
maneira complexa, pois poucos processos podem ser aproveitados pelas pessoas com
surdocegueira após a sua conclusão. É possível gravar um audiobook para ser ouvido por uma
pessoa surdocega com resíduos auditivos ou gravar um vídeo com Libras em campo reduzido para
pessoas com surdocegueira que possuem resíduos visuais. Para a Libras tátil e para a comunicação
social háptica, não consigo visualizar possibilidades de apropriação da pessoa com surdocegueira
no trabalho de tradução. Visto que, o toque presencialmente de maneira simultânea é
imprescindível, configurando o trabalho de interpretação.
Depois de alguns questionamentos levantados pelo professor Wharlley, uma das alunas
perguntou se a comunicação social háptica é considerada uma língua? Diante da pergunta o
professor esclareceu seu posicionamento com conhecimentos prévios da área de linguística, bem
como as noções tácitas sobre a comunicação social háptica.

CENA 28: ASPECTOS GRAMATICAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Tema: A contribuição dos estudos da tradução para a guia interpretação

75
Significado de Léxico - substantivo masculino - Vocabulário; reunião dos vocábulos de uma língua. [Linguística]
Reunião de todas as palavras que existem numa língua.
125

Wharlley: Não! Porque do ponto de vista linguístico, defendendo o estruturalismo de Saussure que fala o que que
é uma Língua, esse é o meu locus de enunciação, é de onde eu estou falando. Saussure define que para ser uma
língua ela precisa ter níveis linguísticos. Que níveis linguísticos são esses? Fonética, fonologia, morfologia, sintaxe,
semântica e pragmática. A comunicação haptica não possui todos esses níveis. Eu a consideraria com o processo
no nível fonético, porque existem formas específicas de produzir um sinal [...] então existe aí uma diferenciação
fonética. Cada sinal háptico é produzido em uma organização de mão diferente e ele vai ter um sentido, ou seja, ele
vai ter um significado.
Fonte: a pesquisadora.
Nesse discurso, o professor identifica a fonética, fonologia e semântica aplicada à
comunicação social háptica, não encontrando os elementos morfológicos. A morfologia consiste
na derivação de palavras, dessa forma a pergunta do professor aos alunos foi: “Seria possível a
derivação de sinais hápticos assim como na Libras?”. Como não houve argumentos em resposta
ele completou:

Ainda não é possível. Então, não temos um nível morfológico se a gente não consegue
derivar as palavras [assim] como a gente consegue em libras, através da expressão [facial]
a gente faz a derivação,mas para a comunicação háptica a gente não tem derivação. Então,
não temos o nível morfológico, não tendo o nível morfológico não pode ser considerado
uma língua. Isso é o olhar de Saussure estruturalista, que olha a língua como uma estrutura.
Pode ser que a gente encontre outros teóricos que vão observar a comunicação háptica de
uma outra forma. (WHARLLEY, 2020).

A concepção da linguística de Ferdinand de Saussure (2006), estudioso suíço considerado


o pai da linguística é compartilhado no trecho acima. Os apontamentos e estudos trazem a
concepção do estruturalismo, embora não tenha feito essa nomeação. O livro “Curso de Linguística
Geral” publicado em 1916, mostram a concepção de Saussure sobre a língua como sistema de
regras demarcadas e que o sujeito em si, não altera a estrutura da língua, mas se molda a ela. Ele
pressupôs que independente da intenção do sujeito ele não muda a língua (PARREIRA, 2017).
O Professor ainda completa sua afirmação com a seguinte perspectiva:
126

[...] Chomsky que vem com o gerativismo, ou seja, a língua é uma estrutura que em si e
ela gera novas estruturas. É possível que a gente encaixe a comunicação háptica como
uma língua no gerativismo? Pode ser que sim, como pode ser que não, a gente ainda não
tem pesquisas que definam a comunicação social háptica como uma língua, o que nós
sabemos até hoje, que é um recurso auxiliar de comunicação, isso nós já sabemos, porque
ela dá informações visuais para textos auditivos. Essa é a função dela atualmente então
cabe a nós pesquisarmos. (WHARLLEY, 2020).

Nesta narrativa, ele traz as compreensões marcadas pelas pesquisas de Avram Noam
Chomsky, linguísta norte-americano considerado pai da linguística moderna. Definiu o conceito
de que a língua está na mente do sujeito, pensando na competência e na performance, “Segundo o
pesquisador, os seres humanos possuem regras que permitem a eles distinguir as frases gramaticais
das frases agramaticais e perceber as relações que existem entre as palavras e entre as sentenças”.
(CHOMSKY 1957, apud PARREIRA, 2017 p. 1025). Parreira (2017) compartilha as percepções
de Saussure (2006) e Chomsky (1965):

É por esse motivo que Chomsky (1965) distingue - assim como Saussure (2006)
diferenciou língua de fala - a competência e a aplicação das regras, ou melhor, o
desempenho. Sua proposta é a descrição da diferença entre o conhecimento da língua e o
uso efetivo que o ser humano faz dela em situações concretas de fala. (PARREIRA, 2017
p. 1035).

Chomsky preocupava-se com a língua em seu uso, sem ater-se às regras gramaticais escritas
em sua oralidade. Portanto a língua acontece de maneira natural em suas relações sociais. O
Professor conclui a sua fala provocando os alunos e levando-os à pesquisa quando diz que: “Quem
sabe um mestrado na comunicação social háptica enquanto língua, temos aí um projeto de
mestrado? Quem sabe? Fica a dica para vocês!” (WHARLLEY, 2020).
Pós-aula ministrada, o professor Wharlley organizou comigo um minicurso, em 12 de junho
de 2021, com Ritta Lahtinen e Russ Palmer. Nesse encontro pudemos explorar a concepção da
comunicação social háptica para compreender e aprofundar os conceitos adquiridos. Atualmente o
professor compõe o Grupo de Pesquisa em Inclusão e Comunicação Social Háptica (GEPICSH)
como pesquisador e apoio técnico tecnológico.

5.4 LINGUÍSTICA APLICADA: POSSIBILIDADES NO PROCESSO DE ENSINO-


APRENDIZAGEM

No papel de pesquisadora entendo a importância do processo de formação linguística, para


reconhecimento e aprimoramento da comunicação, e aponto como premissa o campo teórico
127

essencial da Linguística Aplicada (LA). Cipriano (2018) define a origem desse campo a partir da
Linguística Tradicional e seu desenrolar na história:

A Linguística Aplicada surge da desenvoltura da Linguística. Estudos em LA iniciaram-


se nas décadas de 1960 e 1970, nos EUA, com o objetivo de contribuir com interesses
estratégico-militares deste país. Por exemplo, a Marinha dos EUA, ainda que não tivessem
nada [a ver] com a linguística em si, patrocinava os estudos em LA. Os linguistas são
considerados os principais responsáveis pelo desenvolvimento do ensino de línguas,
devido à necessidade de realizar contato entre inimigos e aliados de línguas diferentes,
fato este que proporcionou um crescimento vasto no campo de estudo e de produção dos
materiais teóricos e práticos. (CIPRIANO, 2018 p. 113).

A partir dos anos 1980 a concepção de LA foi ampliada com a investigação da língua em
seus contextos de uso. Nos anos 90 a LA atinge o status de campo do saber e não mais apenas de
disciplinas contidas em cursos de graduação de Letras, ocupando-se de práticas discursivas que
sustentam a língua. Dessa forma, aos poucos passou a ficar claro que a LA não é teoria da
constatação e fórmulas linguísticas, mas sim, conjecturas que relacionam teoria e prática.
(CIPRIANO, 2018).
De acordo com Cipriano (2018) a LA é um campo de estudos interdisciplinar,
transdisciplinar e intercultural, ela que se ocupa do estudo da língua em situação real, procurando
resolver problemas relativos a ela e contribuindo para a sociedade. A autora Gesser (2009) sob a
mesma ótica revela que:

Ao utilizar a língua, em situação real, concreta, depara-se com respostas inesperadas do


seu interlocutor – devido à alternância – e não sabe mais como continuar a conversação.
Isto talvez exemplifique mais claramente a diferença entre oração e enunciado: a primeira
teria um final demarcado pela gramática, da ordem da língua, e o segundo (o enunciado),
tendo um interlocutor e um locutor, se constitui na e pela relação com o outro. (GESSER,
2009 p.14-15).

Um exemplo dessa aplicação é a comunicação que uma bebê, filha do participante (pessoa
com surdocegueira) desenvolveu. A mãe compartilhou uma experiência:

[...] vou contar um pouco do que eu vivi. [Minha filha] era um bebê ainda, ela não
caminhava, mas no colo ela já entendia e percebia a dificuldade da surdocegueira, então
ela já era uma guia-intérprete. Como é o processo do desenvolvimento humano, ela era
bebê, sentada no braço do pai dela. Ela já guiava ele, e colocava a mãozinha na nuca e
direcionava ele onde ela queria. (CHARLIE).

No contexto de comunicação real foi estabelecida uma relação linguística sem palavras,
sem uma estrutura gramatical evidente, mas carregada de sentidos. A mãe continua o relato:
128

No supermercado eu tive essa experiência, eu falei que eles deveriam ficar no lugar porque
eu precisava ir buscar algumas coisas, quando eu voltei eles não estavam mais lá, imagina
o meu desespero. E ele [o pai] rindo a uns 5 metros de distância, porque ela tinha guiado
ele, eles se divertindo. (CHARLIE).

Baseada nesse contexto, percebemos que quando utilizamos a língua em contextos reais, a
comunicação acontece de maneira efetiva e o processo de ensino-aprendizagem se consolida nessa
relação significativa. Gesser (2009) estabelece a relação dos enunciados que são decorrentes no
contato com o outro. A autora demonstra que o enunciado, ou seja, a comunicação em sentido
natural, acontece por meio de estímulo e resposta. Ela menciona que:

Quando falamos (ou escrevemos) sempre constituímos um interlocutor do qual esperamos


uma reação, que pode ser de concordância, de recusa ou de reconhecimento. Neste sentido,
nosso enunciado já contém o enunciado do outro com quem nos comunicamos. Assim, os
elos se formam entre enunciados já ditos anteriormente e os enunciados que virão como
resposta. (GESSER, 2009 p.14-15).

Portanto, a LA não deve ser considerada como um procedimento apenas, mas, como um
campo que constrói saberes na relação teoria e prática da linguagem. A LA é ampla e abrange desde
a identificação de problemas até o reconhecimento e descrição das interferências socioculturais
percebidas na língua.
Apesar de utilizar o arcabouço teórico dos estudos da LA, não me deterei em sua aplicação
completa, uma vez que o principal objetivo, nesta pesquisa, é discutir a formação de guias-
intérpretes a partir da pesquisa-formação. Todavia, o marco teórico explicitado contribui para a
compreensão sobre os elementos linguísticos atrelados à Comunicação Social Háptica.

5.4.1 Linguística Aplicada na aprendizagem da comunicação social háptica

Uma contribuição da LA para o aprendizado da comunicação social háptica se dá em


contextos reais em que a interação se faz necessária. As pessoas com surdocegueira participantes
do curso compartilharam suas experiências de criação de sinais hápticos a partir de suas
necessidades cotidianas. Nesse contexto, a comunicação pode ser utilizada como código secreto
entre pares, estabelecido por elo de cumplicidade como evidenciado nas narrativas a seguir,
referente a aula do dia 12 de dezembro de 2020 com o tema: “Estratégias na Guia-Interpretação e
129

utilização da Comunicação Social Háptica”, ministrada pelos professores Janete Menezes de


Souza76 e Marcos Henrique Assunção Ramos77.
Esta aula teve por objetivo compartilhar os sinais de comunicação social háptica utilizados
pelas pessoas com surdocegueira e guias-intérpretes participantes do curso. Muitos sinais foram
criados por eles para facilitar a comunicação. As narrativas revelam que mesmo sem conhecer os
conceitos teóricos sobre a comunicação social háptica, as pessoas a utilizavam para estabelecer
relações com o outro:

CENA 29: SINAIS HÁPTICOS DE CHARLIE E LEANDRO

Tema: Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica

Charlie: Por exemplo: quando está no lugar conversando, demorando, que eu quero ir embora, que eu te aviso
escondido bem discreto: Você quer ir embora? Qual o sinal? (surdocego Leandro faz em língua de sinais).
Entenderam? Vamos embora! Esse eu tenho usado água (faz o sinal) [...].
Leandro (esposa faz a voz): O Leandro está falando sobre a inclusão que é muito importante, o nosso processo de
informação como guia-intérprete; para o surdocego, isso é muito importante; essa atenção, esse cuidado, a
interpretação, a tradução, isso é muito bom para saúde do surdocego, essa é a nossa vida, então parabéns, um forte
abraço.
Fonte: a pesquisadora.

76
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2017). Atualmente é
professor interlocutor do Governo do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Educação. Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/1154429071542191 . Acesso em 09 junh. 2022.
77
Mestrando em Ensino e História das Ciências e da Matemática na Universidade Federal do ABC (UFABC). Pós-
graduado em Educação Especial com ênfase em Deficiência Auditiva na Faculdade Educacional da Lapa (FAEL) e
Libras - Língua Brasileira de Sinais na Universidade Anhembi Morumbi (2020). Graduado em Tecnologia em Gestão
Comercial (2014) e Licenciatura em Matemática (2020) pela Universidade Anhanguera - Uniderp. Proficiência em
Tradução/Interpretação de Libras-Português pelo PROLIBRAS - MEC/UFSC (2015). Formação na Associação
Educacional para Múltipla Deficiência - Ahimsa de Guia-intérprete (2018) e Instrutor Mediador (2021). Atua como
Professor Interlocutor de Libras no Estado de São Paulo e Tradutor/Intérprete de Língua de Sinais-Português no Senac
São Bernardo do Campo. Colaborador de pesquisas no Grupo de Pesquisas em Tendências na Educação Matemática
(GPTEMa), Grupo de Pesquisa em Educação Especial e Inclusiva (GPEEI) e Surdos e Libras (SueLi).
130

Após a narrativa de Charlie, ela compartilha outros sinais criados para se comunicar com o
esposo. E o esposo encerra a partilha mencionando o quão importante é o acesso à informação por
parte do guia-intérprete. Nos sinais compartilhadas, percebo a utilização da linguagem que é
inerente ao ser humano, ou seja, um elemento natural. A comunicação é carregada de linguagem e
se constitui por meio dela em suas relações. Um dos principais objetivos da LA está atrelado ao
uso da linguagem. Gesser (2009) menciona que:

A linguagem não pode ser considerada apenas como a comunicação de um que comunica
e outro que recebe, de forma mecânica, exata, como a gramática prescreve [...] as
fronteiras são traçadas por alternâncias entre os sujeitos enunciadores, e são delimitadas
pela instância social e não apenas pelos fatos de ordem lingüística. Por alternância,
podemos compreender que a nossa comunicação sempre depende da resposta do outro.
(GESSER, 2009 p.14-15).

Vilela (2018) traça em sua pesquisa a explanação da forma como Helen Keller adquiriu a
linguagem por meio do processo educacional, significando cada etapa da aprendizagem. A
comunicação permitiu que Helen Keller se tornasse uma pessoa capaz de se socializar: “De repente
senti uma consciência envolta em um nevoeiro, como de algo esquecido – o eletrizar de um
pensamento que voltava; e de algum modo o mistério da linguagem foi revelado a mim.” (KELLER
2003 apud VILELA 2018, p. 43). Fiorin (2013) corrobora com o conceito sobre linguagem:

A linguagem é a capacidade específica da espécie humana de se comunicar por meio de


signos. Entre as ferramentas culturais do ser humano, a linguagem ocupa um lugar à parte,
porque o homem não está programado para aprender física ou matemática, mas está
programado para falar, para aprender línguas, quaisquer que elas sejam. (FIORIN, 2013,
p.13).

A participante com surdocegueira Cristina está em processo de aprendizagem de outras


línguas e formas de comunicação para se adaptar à surdocegueira adquirida, se molda e aprende à
medida em que é colocada diante de situações. Carece de válvulas de escape para se comunicar,
entender a informação e se fazer entender por aqueles que estão ao seu redor.
Ela compartilhou os sinais de comunicação social háptica criados por ela, mostrou nas
costas e braços da guia-intérprete que a estava atendendo. Enquanto a participante realizava os
sinais hápticos, a guia-intérprete mencionava oralmente qual era o significado do sinal, e em alguns
momentos interagia por meio da Libras tátil com a participante.
Nesse momento da aula, enquanto os sinais eram passados, aconteceu um diálogo que julgo
importante compartilhar, pois aponta e esclarece o resgate da memória da participante e como ela
atua como protagonista no processo de ensino-aprendizagem:
131

CENA 30: SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA CRIADOS POR CRISTINA

Tema: Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica

Letícia: Sinal de Espírito Santo, comunhão, derramar, Jesus...


Janete: Vocês estão vendo direitinho gente? Tá todo mundo vendo?
(os participantes acenam com a cabeça em sinal de positivo, mostram o dedo polegar, respondem “sim” em Libras)
Letícia: Sinal de pedir, mundo, satélite, casa, livro, folhando livro, eu acho, limpar, com mais intensidade purificar
Márcia: Letícia, pergunta a ela se ela lembra de árvore, pergunta a ela, que nós fizemos árvores também.
(Letícia pergunta se ela lembra em língua de sinais)
Cristina: Árvore? Faço. Na verdade posso fazer de duas maneiras; porque, aproveitando o estudo, da palavra de
Deus, do assunto profeta explica: Jesus compara uma árvore seca; então eu pensei, só as folhas mexem, porque
comparam as copas das árvores; mais ou menos como fala Jesus, árvores secas como também a figueira seca, aí faz
a configuração da árvore. Se for jardim, por exemplo, flores, floresta, você pode usar a configuração assim. Como
o altar; sempre o altar encima tem flores então...
Letícia: mudar, trocar transformar[...]
Fonte: a pesquisadora.
Depois do diálogo, os participantes foram solucionando as dúvidas e a a pessoa com
surdocegueira repetiu com mais detalhes cada sinal apresentado. Ao final, ela apresenta uma
música nas costas de Letícia (as guias-intérpretes tocam com um violão e cantam a música) em que
utiliza somente a comunicação social háptica sem o apoio da Libras-tátil.
Outra narrativa relevante de ensino baseado na LA é composta pela construção da imagem
por meio da comunicação social háptica em uma situação de uma guia-intérprete que traz seu relato
de atuação com uma pessoa cega. Ela ensina a comunicação social háptica à medida que vai
realizando a audiodescrição:

CENA 31: EXPERIÊNCIA DE UMA PESSOA CEGA COM A COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Tema: Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica


132

Janete: Ela faz a construção imagética, ela reconstrói aquilo que ela já viu antes, porque ela ficou cega em 2006,
2009 alguma coisa assim entendeu? Então assim, a memória dela é reativada, a memória visual dela é reativada,
então quando a gente faz a descrição ela fala assim: nossa eu estou vendo! E tem aquelas arvores assim, e tem aquele
espaço assim, e ela gosta dos detalhes porque por exemplo: o chão, a lateral, se tem uma cerca, a gente detalha para
ela tanto na descrição espacial quanto auditiva, então a gente vai fazendo, vai falando e isso para ela é extraordinário.
Fonte: a pesquisadora.
O Professor Marcos explicita o quanto é importante o processo de aprendizagem e o nosso
papel enquanto profissional da área de inclusão que é de levar conhecimento a todos. A princípio
pode parecer desnecessário, mas ao transmitir novos conceitos sempre encontramos um fim
proveitoso:

[...] a gente ensina Libras, a pessoa não precisa utilizar, mas ela pode aprender para se
comunicar com outras pessoas. Então assim não precisa criar uma regra, eu falo isso
porque eu tenho no estado, eu tenho alunos surdos. Na verdade, eu tenho aluno com baixa
audição. Ele consegue ouvir bem com o aparelho, só que eu ensino Libras para ele. Ele
não precisa utilizar Libras porque ele fala muito bem, mas a Libras ajuda a ele ter um
entendimento melhor e ele adora [...] é importante a gente oferecer. É importante ter
disponível isso, e isso cabe muito a nós que estamos aprendendo durante o curso a
disponibilizar isso para as pessoas, tanto que tem uma pessoa cega que a gente conhece
que ela utiliza a comunicação social háptica e ela é cega [...] (MARCOS).

Outro contexto real em que a comunicação social háptica foi desenvolvida com uma pessoa
com surdocegueira que utiliza fala ampliada, foi narrada por Hilda, que compartilhou sua
experiência no curso e a imagem referente a essa cena:

CENA 32: EXPERIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA EM UM AVIÃO

Tema: Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica


133

Hilda: eu viajei com uma surdocega [menciona o nome] e ela não tem Libras tátil, ela é[utiliza] fala ampliada, e
dentro do avião o aparelho dela estava muito ruim, eu tinha que falar muito alto, aí dentro do avião eu falei: ... não
vai dar, eu vou te explicando aqui, [...] O avião estava mexendo e tal, e nossa foi muito bacana né, foi uma coisa
desestruturada, porque foi uma forma que eu achei de me comunicar com ela, mas foi através da comunicação
háptica que ela conseguiu entender tudo que estava acontecendo e infelizmente o pessoal é preconceituoso, eu vou
ficar gritando ali, o pessoal vai ficar tudo olhando e o comissário explicando e tudo mais, então naquele momento
foi a melhor coisa que aconteceu na vida da gente foi a comunicação háptica e dentro do avião não dava para ser
fala ampliada.
Fonte: a pesquisadora.
Esse compartilhamento indica o quanto, em situações reais, o aprendizado da comunicação
social háptica auxilia no processo de interação e recepção de informações. Ao final dessa aula, os
participantes chegaram à conclusão de que o tempo para aprendizagem foi curto. Não só da aula,
mas do curso inteiro. A narrativa da professora Janete coaduna com essa afirmação: “Olha é
fundamental, é imprescindível, a gente precisa estar mais junto porque essa riqueza de
compartilhamento, de conhecimento, de vivencias não tem preço” (JANETE, 2020).
Uma das participantes vai além das expectativas evidenciando as possibilidades futuras de
construção de um dicionário da comunicação social háptica, que ela reconhece que precisa
percorrer um longo caminho como o galgado pela Libras, que hoje possui dicionários próprios:

Estou aqui discutindo com você, essa questão da amostragem. Eu tenho 18 mil surdocegos
no Brasil, eu tenho que pegar, fazer uma experiência com 1000 surdocegos para poder ter,
sair um dicionário. Um exemplo, eu não sei, mas também, tudo é um começo, começou
com o [...], tem a Cristina, e só começa começando. Então, talvez daqui 20 anos a gente
tenha um dicionário, um glossário como o Capovilla, mas tudo tem que começar, né? [..]
fico muito feliz mesmo de ver a Cristina, porque ela faz parte da história, é um processo,
é histórico isso, vai ficar registrado [...] (HILDA).

Hilda está ressaltando a importância da criação de um dicionário de sinais da comunicação


social háptica a partir das experiências das pessoas com surdocegueira que desenvolvem esses
134

sinais em sua rotina de comunicação e interação. Assim como Cristina compartilhou a criação de
sinais, eles poderiam ser catalogados e utilizados por outras pessoas com surdocegueira.
A proposta de atividade final, consistiu na realização da interpretação de uma canção, uma
história ou contexto utilizando os sinais da comunicação social háptica aprendidos no curso. Os
participantes fizeram suas apresentações no último encontro e compartilharam suas percepções
sobre o percurso de formação vivenciado. Por razões de falhas tecnológicas, perdi a gravação do
último encontro com as apresentações dos guias-intérpretes juntamente às pessoas com
surdocegueira. Porém, como havia proposto a gravação de um vídeo, compartilho alguns resultados
nas cenas a seguir:

CENA 33: APRENDIZAGEM DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR HILDA E CAETANA

Tema: Práticas de Guia-Interpretação

Descrição:
Guia-Intérprete Hilda – surdocega Caetana
Espaço: Casa da surdocega
Contexto: Ensinando sinais hápticos
Comunicação: Fala ampliada e comunicação social háptica.
Fonte: a pesquisadora.
Hilda ensinou alguns sinais da comunicação social háptica aprendidos no curso para sua
amiga com surdocegueira. Após essa experiência, essa pessoa gravou um vídeo e nos contou sua
experiência de afinidade com a dança e os benefícios que encontrou na comunicação social háptica.

CENA 34: APRENDIZAGEM DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR CAETANA

Tema: Práticas de Guia-Interpretação


135

Descrição:
Guia-Intérprete Hilda – surdocega Caetana
Espaço: Casa da surdocega
Contexto: Aprendendo sinais hápticos
Comunicação: Fala ampliada e comunicação social háptica.
Fonte: a pesquisadora.
O vídeo apresentado a seguir foi realizado por Ivonete com seu esposo. Antes de gravar o
vídeo ela solicitou ajuda a uma colega de curso para relembrar sinais da comunicação social háptica
que havia esquecido. O esposo emprestou suas costas para que a esposa completasse a atividade
proposta:

CENA 35: USO DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR IVONETE

Tema: Práticas de Guia-Interpretação

Descrição:
Guia-Intérprete Ivonete – esposo (no papel de surdocego)
Espaço: Residência
Música: “Aleluia” (Canção de Gabriela Rocha)
Comunicação utilizada: Comunicação social háptica.
Fonte: a pesquisadora.
136

O próximo vídeo foi gravado durante um seminário no contexto religioso em que as


participantes (guias-intérpretes e pessoas com surdocegueira) tiveram oportunidade de aprimorar
os conhecimentos compartilhados no curso:

CENA 36: USO DE SINAIS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA POR LETÍCIA, CRISTINA E ACSA

Tema: Práticas de Guia-Interpretação

Descrição:
Guia-Intérprete Letícia – surdocega Cristina – Guia-Intérprete Acsa
Espaço: Maanaim de Domingos Martins
Música: “Dormindo em meu leito” (Canção de Frederick Edward Weatherly e tradução de Robert Hawkey Moreton)
Comunicação utilizada: Libras tátil, fala ampliada e comunicação social háptica.
Fonte: a pesquisadora.
Esses vídeos foram registros importantes e uma parte significativa do último encontro do
grupo, onde os participantes puderam externar os impactos que a comunicação social háptica
causou em suas vidas e a qualidade da interação que foi favorecida por meio do curso de extensão.
O pedido externado por todos é que o curso tivesse continuação para dar sequência ao processo de
aprendizagem.
Para além das contribuições compartilhadas no curso de extensão, a inquietação sobre os
aspectos linguísticos da comunicação social háptica me impulsionaram a aprofundar a pesquisa em
diversos conceitos e buscar conectivos a partir da língua portuguesa. Nesse intuito, compartilho a
seguir: características de modalidades, gramática, cultura e parâmetros das línguas que atualmente
utilizo.

5.5 ESTRUTURAS LINGUÍSTICAS: MODALIDADES E ASPECTOS GRAMATICAIS


137

A partir da premissa da estrutura basal da língua portuguesa, passando pela Libras e indo
posteriormente para a comunicação social háptica é possível traçar um caminho de relação
linguística, visto que, como ouvinte, adquiri a língua portuguesa como língua materna na
modalidade oral-auditiva, assim como os guias-intérpretes e pessoa com surdocegueira,
participantes desta pesquisa. Já a Libras é constitutiva dos surdos que a utilizam na modalidade
gestual-visual-espacial, sendo a língua materna de três pessoas surdocegas participantes78. Outra
modalidade refere-se à modalidade gestual-tátil, percebida pela mão, e outra modalidade trata da
recepção cinestésica.
A língua portuguesa na modalidade oral-auditiva é percebida pelo ouvido e reproduzida por
meio da fala, dessa forma, aprendi a me comunicar, a partir da escuta e reprodução por meio da
fala. Quadros (2020), destaca a percepção da modalidade visual-gestual-espacial utilizada pelos
surdos:

Os ouvintes se encontram e usam uma língua falada. Os surdos, por outro lado, se
encontram e usam uma língua de sinais. As línguas de sinais, assim como a Libras, são
línguas que se constituem a partir do olhar e do corpo. É uma tradução da natureza humana
de comunicação em uma forma visual, espacial e corporal. Assim, as formas de pensar,
de criar, de produzir conhecimento são manifestadas pelo corpo por meio das mãos, da
face, da composição dos olhares, dos movimentos e dos espaços em forma de língua.
(QUADROS 2020, p.5537).

As pessoas com surdocegueira por sua vez têm formas de comunicação diversas. Entre elas,
a Libras tátil que, atrelada à descrição acima, é realizada na palma da mão representando assim a
modalidade gestual-tátil.
A comunicação social háptica utiliza o tato no contato com a pessoa com surodcegueira,
evidenciando a percepção cinestésica. Alguns autores consideram o tato como sentido primordial
de recepção, representado pela pele que compõe o corpo como um todo, Le Breton (2016)
compartilha essa assimilação: “Tocando a pele, toca-se o sujeito no sentido próprio e figurado. A
pele é duplamente órgão de contato: se ela condiciona a tatilidade, ela igualmente mede a qualidade
de relação com os outros”. (LE BRETON, 2016, p. 238). Le Breton (2016) menciona o conceito
da pele como órgão de sentido na percepção de informações por meio de estímulos.

A pele é o ponto de contato com o mundo e com os outros. Ela sempre é uma matéria de
sentido [...] Entre o exterior e interior, ela estabelece a passagem das estimulações e do

78
Três participantes da pesquisa eram surdos e adquiriram a surdocegueira posteriormente à aquisição linguística,
tendo como língua materna a LIBRAS.
138

sentido[...] A pele não sente nada sem sentir-se ela mesma.“Tocar é tocar-se”, diz Merleau-
Ponty [...]. (LE BRETON, 2016, p. 207-208).

Nessa perspectiva a autora Cader-Nascimento (2021) faz uma explanação sobre várias
formas de comunicação na surdocegueira, considerando resíduos visuais e auditivos e estabelece
códigos que evidenciam as modalidades de recepção de informações, segundo condição sensorial
e linguística:
SCtH - surdocego total usuário de Língua de Sinais Háptica; SCpFS - surdocego parcial
usuário de fala e sinais, com maior comprometimento do imput visual; SCpS - surdocego
parcial usuário de sinais na comunicação com maior comprometimento do imput auditivo,
podendo apresentar problemas de aprendizagem em função das características específicas
do processo de aquisição linguística; SCpFA - surdocegueira parcial surdez
moderada/baixa visão usuário da fala e escrita ampliada, com prognóstico de perda
progressiva. (CADER-NASCIMENTO 2021 p. 59 – grifos da autora).

A autora esclarece a Língua de Sinais Háptica caracterizada pela Libras tátil, como sendo
“[...] à percepção dos sinais linguísticos a partir da leitura realizada pela pele em parceria com o
sistema cinestésico” (CADER-NASCIMENTO, 2021 p. 59).
Essa pesquisa não pretende esgotar aprofundamentos linguísticos e gramaticais das línguas,
mas sim, identificar possibilidades de composição gramatical na comunicação social háptica a
partir de comparativos de parâmetros gramaticais pré-estabelecidos pelas línguas apresentadas que
são: língua portuguesa, Libras e comunicação social háptica.

5.5.1 A Gramática das línguas

Na gramática relacionada à língua portuguesa, me recordo da minha cartilha “Caminho


Suave”, utilizada como livro didático na época da minha alfabetização. Criada em 1930 e utilizada
até 1990, foi considerada como material de referência baseada no método de alfabetização por
imagem. Araújo (2008) realiza uma pesquisa para analisar e compreender as mensagens contidas
na cartilha Caminho Suave na perspectiva de entender a importância e finalidade das imagens
destinadas a alfabetização.

As cartilhas de alfabetização que utilizaram o método sintético (silábico), como a


Caminho Suave, podemos afirmar que o objetivo era que a leitura fosse ensinada,
baseado na associação de letras aos seus nomes, somado a alguma imagem que
representasse mesmo que de forma aleatória a letra a ser estudada. (DE ARAÚJO 2008,
p. 9).
139

O método utilizado na cartilha consistia em reunir as letras a partir dos fonemas formando
sílabas, consecutivamente as famílias silábicas e após a formação de palavras e sucessivamente de
frases. Recordo as repetições e memorização para subsequente aprendizado. A pesquisadora Onici
Flôres (2018) pesquisadora na área de Linguística Aplicada no artigo “Leitura e consciência
linguística”, destaca que a comunicação por meio da linguagem é um processo natural humano, ou
seja, acontece sem a preocupação da estruturação gramatical (FLÔRES, 2018). A autora sintetiza
com o trecho:

[...] a função cognitiva [da] linguagem remete à condição biológica de se comunicar


através de símbolos, tal como preconizado, por exemplo, por Saussure (2008), que a define
como uma habilidade humana natural. Essa função, ainda que se manifeste de modos
distintos, é comum a falantes e a não falantes, como é o caso dos surdos, que se comunicam
através da língua de sinais. (FLÔRES, 2018 p. 150).

Em outro momento, a autora destaca as construções linguísticas gramaticais relacionadas à


escrita a partir da consciência fonológica. Ressalta que:

Marec-Breton e Gombert (2004) destacaram que a escrita é composta de dois princípios:


o fonográfico, que se relaciona ao vínculo existente entre as letras (grafemas) e os sons
(fonemas) que compõem as palavras e o semiográfico, que diz respeito à estruturação das
palavras a partir dos seus morfemas. O princípio fonográfico relaciona-se à consciência
fonológica e o semiográfico à consciência morfológica [...] (MAREC-BRETON, 2004
apud FLÔRES 2018 p. 152).

Essas bases relacionadas a escrita e som corroboram com a proposta estabelecida pela
cartilha Caminho Suave, em que a repetição e a escrita eram a metodologia de aprendizagem. A
consciência morfológica faz parte do processo de aquisição linguística: “[...] retoma-se o conceito
de morfema, unidade linguística que estrutura a palavra e que possui significado próprio, a qual é
definida por Laroca (2005), como uma forma mínima recorrente que mantém o traço semântico em
todas as estruturas em que ocorre”. (FLÔRES 2018 p. 152).
O morfema compõe um aspecto primordial na constituição da língua auxiliando dentre
outros aspectos a constituição dos campos semânticos. Lembrando das ideias de Saussure (2006),
em que a língua carecia de uma estrutura para ser reconhecida, encontramos o linguísta Bloomfield
que organiza a gramática a partir dos aspectos fonológicos. (PARREIRA, 2017).
Um grupo de pesquisadores, entre eles, Leonard Bloomfield, foi responsável pela
elaboração de materiais de ensino de línguas no Pós-Segunda Guerra Mundial. Conceição (2015)
compartilha um panorama do procedimento utilizado por Bloomfield:
140

[...] baseia-se numa extrapolação, para o ensino de leitura, do teste de comutação, que
utiliza pares mínimos de palavras para identificar os fonemas de uma língua [...] as
palavras cuja leitura é ensinada diferem umas das outras por apenas uma letra/um fonema,
de modo que a relação entre a letra e o fonema que estabelece o contraste com as outras
palavras de um mesmo conjunto de pares mínimos torna-se a única base para a distinção
entre estas palavras escritas, como ocorre, por exemplo, no conjunto de pares mínimos
cat, bat, sat, fat, hat, mat, rat, em que as palavras se diferenciam umas das outras apenas
pela primeira letra/ primeiro fonema. Outros conjuntos de pares mínimos usados no
método se diferenciam apenas pela segunda ou pela última letra [...]. (CONCEIÇÃO, 2015
s/p).

A autora menciona que a adaptação do método de Bloomfield na língua portuguesa seria


bem-vinda, pois o método tem grande potencial de solucionar altos índices de analfabetismo e
dificuldades educacionais. Adverte que é necessário que linguistas e especialistas apliquem o
método visando a identificação das relações grafema/fonema que precisam ser ensinados.
(CONCEIÇÃO, 2015).
A concepção de constituição da língua, baseando a construção em pares mínimos
pedagogicamente, é realizada na língua portuguesa, na língua de sinais, na comunicação social
háptica e segue como premissa para ensino de diversas línguas. Não vou discutir os métodos
fônicos que procuram ensinar a criança a pronunciar os fonemas correspondentes às letras
isoladamente, porém, utilizarei a didática dessa separação para elucidar a construção da língua em
seus contextos de ensino-aprendizagem. Essa metodologia no processo basal da língua é
considerada atualmente como linguística tradicional.

5.5.2 Língua de Sinais e a cultura visual

Antes de estruturar a gramática da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), é importante


ressaltar que o reconhecimento, com o status de língua, aconteceu por intermédio da Lei n° 10.436
de 24 de abril de 2002. O artigo primeiro tendo como parágrafo único, menciona os aspectos
estruturais que configuram a Libras como língua em seus aspectos que compreendem gramática,
sintaxe, semântica, morfologia e pragmática. Todos esses itens cunhados no estruturalismo do
linguísta Saussure (2008), estabelecem a Libras como língua.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de


comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (BRASIL, 2022 s/p).
141

Quando se pensa em transmissão de ideias e fatos dentro de uma “comunidade” é necessário


pensar na cultura que circunda esta comunidade. De acordo com Strobel (2018) a língua do povo
surdo é constituída pela língua de sinais expressa na modalidade espaço/gestual/visual. A autora
ressalta que os estudos aprofundados iniciaram na década de 1950. Destaca artefatos culturais que
constituem as atitudes do surdo em perceber e modificar o mundo. O artefato que destacarei aqui
refere-se ao desenvolvimento linguístico:

O segundo artefato cultural do povo surdo é a língua; a língua de sinais é um aspecto


fundamental da cultura surda. No entanto, incluem-se também os gestos denominados
"sinais emergentes" ou "sinais caseiros" dos sujeitos surdos de zonas rurais os sujeitos
surdos isolados de comunidades surdas, que procuram entender o mundo através dos
experimentos visuais e procuram comunicar-se apontando e criando sinais; pois, não tem
conhecimentos de sons e de palavras. (STROBEL, 2018 p. 52).

Essa representação exemplificada por Strobel (2018) por “sinais caseiros”, configura-se na
atitude do surdo de criar para si gestos (não estruturados gramaticalmente), muitas vezes icônicos79
para comunicar seus desejos e interagir com seu entorno. Uma das pessoas com surdocegueira
participantes da pesquisa relata: “Comecei com 3 anos na escola, cresci e minha mãe foi
observando, foi muito difícil, porque também não tinha intérprete ainda, apesar da escola fui
aprendendo aos poucos, de início usávamos muito a Libras caseira” (JAPINHA).
O surdo tem uma identidade visual que o circunda, desta forma, ele percebe o mundo e suas
relações. Antes de entender as estruturas de uma língua ele cria para si formas de comunicação
partindo das suas experiências visuais diferente da criança ouvinte. Strobel ressalta que:

A língua de sinais é uma das principais marcas da identidade de um povo surdo, pois é
uma das peculiaridades da cultura surda, é uma forma de comunicação que capta as
experiências visuais dos sujeitos surdos, e que vai levar o surdo a transmitir e
proporcionar-lhe a aquisição de conhecimento universal. (STROBEL, 2018 p. 53).

Enquanto a criança ouvinte com o uso da audição cria conexões de entendimento sobre seu
entorno, a partir dela adquire a língua portuguesa, a criança surda faz as conexões e desenvolve a
língua de sinais com as experiências visuais. Quadros (1997) compartilha essa afirmação de que:
“A língua portuguesa não será a língua que acionará naturalmente o dispositivo devido à falta de
audição da criança. Essa criança até poderá vir a adquirir essa língua, mas nunca de forma natural
e espontânea, como ocorre com a língua de sinais. (QUADROS, 1997 p.27).

79
Os sinais icônicos são gestos que têm ligação com o referente/imagem que representam.
142

A autora destaca que pode ser que a criança surda aprenda a língua portuguesa, porém isso
não será um movimento natural. Assim como ouvintes estruturam o pensamento por meio de
palavras ouvidas em seu inconsciente os surdos o fazem da mesma forma por meio de imagens. O
fragmento abaixo ilustra essa afirmação:

Um sujeito surdo em zona rural, isolado da comunidade surda e que nunca aprendeu a língua
de sinais, a falar ou escrever, sem ter a noção de horas e dias da semana, observa ao seu
redor que tem um dia da semana em que as frutas sempre são colhidas, o dia certo de ir à
igreja, os dias em que o caminhão vem pegar o lixo, e que quando o sol aparece no horizonte
é a hora de ordenhar e pegar ovos, etc. Ele acompanha esta rotina de acordo com o seu
"olhar" do dia a dia de sua vida e cria sinais que representam seu cotidiano. (STROBEL,
2018 p. 52).

Esse trecho confirma que a rotina factual associada à cultura visual, é assimilada de maneira
a tornar-se significativa no processo comunicacional e de conhecimento do entorno. A gramática
estruturalista é facilmente dispensada nesse contexto assim como a formalidade de leitura e escrita
da língua e consecutivamente a linguística tradicional.

5.5.3 Os itens gramaticais

Ao referenciar a gramática de línguas e seus aspectos enfatizo não as unidades de


composição somente, mas reforço a intenção de reconhecimento de que o que diferencia as línguas
são as modalidades de execução. Tendo posto isto, são línguas que devem ser consideradas e
respeitadas pelo que representam às suas comunidades respectivas. Apresento no quadro 8, um
resumo da comparação das composições linguísticas e suas respectivas relações:

QUADRO 8 - COMPARAÇÃO COMPOSIÇÃO LINGUÍSTICA


Comparação Composição Linguística
Formas de Comunicação Público Unidades mínimas Formação Final
Língua Portuguesa Ouvinte Fonemas Palavras
Língua Brasileira de Sinais Surdo Quiremas Sinais
Comunicação Social Háptica Pessoa com Haptemas Haptices
surdocegueira
Fonte: a pesquisadora.
Na perspectiva de Bloomfield (1961) temos a língua dividida em unidades mínimas
partindo da concepção de fonemas que representam a menor unidade de medida do som proposto
pelos estudos da fonologia.
Quadros (2007) enfatiza que apesar da diferença de execução e percepção quanto às
modalidades das línguas, no que tange línguas orais e línguas sinalizadas, o termo fonologia tem
143

sido empregado para se referir aos elementos básicos da construção linguística. Quadros (2007)
compartilha que:

Historicamente, entretanto, para marcar a diferença entre esses dois tipos de sistemas
linguísticos, Stokoe (1960) propôs o termo ‘quirema’ às unidades formacionais dos sinais
(configuração de mão, locação e movimento) e, ao estudo de suas combinações, propôs o
termo ‘quirologia’ (do grego ‘mão’). (QUADROS, 2007 p. 48)

Corroborando com Quadros (2007), Capovilla (2011), um dos autores do “Dicionário da


Língua de Sinais do Brasil: a Libras em suas mãos”, dividido em três volumes que documenta mais
de quatorze mil sinais de Libras, adota a seguinte definição: “O termo fonema é legítimo para
representar a unidade mínima da fala audível, já que esse termo combina, de modo natural e preciso,
os dois morfemas gregos pertinentes: o radical ou lexema wvfJ ou phoné: som da fala, e o sufixo
T]µa ou ema: unidade mínima.” (CAPOVILLA 2011 p.7 grifos da autora).
O dicionário mencionado, foi construído de maneira consistente e carrega nas descrições
dos sinais entre muitos elementos os parâmetros fonológicos onde os pares mínimos são
evidenciados. Esse termo fonológico soa estranho quando pensamos em uma língua em que o som
não é utilizado, porém é o termo aceito baseado na estrutura do linguísta Saussure (2008).
A Libras por ser uma língua sinalizada na modalidade gestual-visual-espacial, muitas vezes
foi reprimida por ouvintes, para que os surdos não a utilizassem. Houve um tempo histórico em
que os surdos eram obrigados a aprender a falar. Strobel (2018) compartilha que:

A língua de sinais é transmitida nas comunidades surdas e, apesar de por muito tempo na
história dos surdos ter sofrido a repressão exercida pelo oralismo, não foi extinta e
continuou a ser transmitida, de geração em geração, pelo povo surdo com muita força e
garra. (STROBEL, 2018 p. 54).

Graças a propagação da Libras há gerações, atualmente podemos utilizar essa língua e lutar
para que seu espaço de reconhecimento seja conquistado. Existe uma discussão para que os termos
utilizados na Libras tenham consonância com a etimologia daquilo que representam, esse é o caso
da troca de fonema por quirema, baseado no significado da raiz da palavra: “O termo QuirEma (do
grego: XÉQL ou khéri: mão; T]µa ou ema: unidade mínima) foi cunhado por Stokoe (1960), para
representar o correspondente, em língua de sinais, do FonEma em língua falada.” (CAPOVILLA
2011, p.7 grifos da autora).
Sendo assim, o quirema representa a unidade mínima da mão, da mesma forma que o
fonema representa a menor unidade de medida do som, coadunando com a sinalização em Libras.
Capovilla (2011) completa:
144

[...] o quirema estaria para unidade da sinalização, assim como o fonema está para
unidade da fala ou voz. Como vimos, o termo fonema representa de modo preciso a
unidade mínima da fala ou voz, já que esse termo combina os dois morfemas gregos
pertinentes: o radical ou lexema wvfJ ou phoné: som da fala, voz; e o sufixo riµa ou ema:
unidade mínima. (CAPOVILLA 2011, p.7, grifos da autora).

Dividindo as palavras em fonemas temos as unidades mínimas do som no referente da


língua portuguesa e no caso da Libras temos os parâmetros fonológicos/quirológicos80 como
unidades mínimas dos sinais. Apresento algumas características das unidades de sinalização de
acordo com Capovilla (2011): “Para Stokoe, enquanto unidades de sinalização, os quiremas
difeririam entre si em parâmetros como: 1) a forma da(s) mão(s), 2) o local das(s) mão(s), e 3) o
movimento da(s) mão(s)”. (STOKOE, 1960 apud CAPOVILLA, 2011 p.7).
Nesse trecho o autor apresenta três parâmetros fonológicos/quirológicos destacando o uso
da mão. Já no dicionário, Capovilla (2017) aponta cinco parâmetros de execução dos sinais que ele
denomina de “DNA da Libras” (CAPOVILLA, 2017 p. 39). Esses parâmetros são: 1) mão, 2)
dedos, 3) local da articulação, 4) movimento e 5) expressão facial. Além dos parâmetros o autor
evidencia que existem outros elementos importantes para a composição do sinal que são abordados
no dicionário.
No tocante à comunicação social háptica Lahtinen (2008) traz a definição em comparativo
às línguas anteriores (Portuguesa e Libras). Munroe (2013, p.80) explica:

Los haptEmas son como las letras de un texto. Por ejemplo, la letra “s” por separado no
quiere decir nada, pero si se añade la letra “í”, entonces tenemos la palabra “sí”. Del
mismo modo, la palma de tu mano como ubicación no quiere decir nada, tienes que añadir
el movimiento de golpecitos con tu dedo índice de la mano derecha para formar el haptiz
SÍ. Los haptices son los mensajes táctiles individuales, como las palabras de un texto, por
ejemplo: sí, no, enfadado, cansado, feliz, enamorado, té o café. (LAHTINEN, 2008 apud
MUNROE, 2013 p.80).

Também composta pela formação da palavra haptemas, por definição hapto: relacionado
ao toque e ema: unidade mínima. Sendo assim, a junção significa a menor medida do sentido
háptico-tátil-cinestésico. Algumas características das unidades de sinalização na comunicação
social háptica são destacados como:

Existen diferentes combinaciones de haptemas. Se pueden expresar diferentes emociones


en los haptices cambiando la presión o la velocidad de los haptemas. Por ejemplo, el
haptiz SÍ puede representarse como “¡Oh, sí!” (un sí emocionado); la presión y la

80
Assim como alguns autores brasileiros, gostaria de defender esse termo fonológico/quirológico por entender que é
necessário trazer luz e conhecimento sobre esse tema, mesmo que ainda não haja aceitação para o termo ser
estabelecido definitivamente, ele compete para ganhar seu espaço.
145

velocidad son mayores. Del mismo modo puedes cambiar el SÍ y decir NO cambiando el
haptema del movimiento de golpecitos a un movimiento de lado a lado. (MUNROE 2013,
p. 80).

Alguns parâmetros cinestésicos descritos como mensagens táteis, palavras e elementos


gramaticais por Lahtinen (2008), são destacados na comunicação social háptica como: 1) pressão,
2) velocidade, 3) localização, 4) movimento e 5) Configuração de mão:

Los haptices y los haptemas hacen referencia a la combinación de mensajes táctiles,


palabras y elementos gramaticales. Los haptemas son los elementos gramaticales del
tacto, como presión (ligera, pesada), velocidad (rápida, lenta), ubicación (dorso de la
mano, espalada u hombro), movimiento (circular, golpecitos, de lado a lado, etc.) y la
forma de la mano (puño o mano abierta). (MUNROE 2013, p. 80).

Todas as características e parâmetros mencionados são passíveis de alteração,


aprimoramento, acréscimos, evoluções, pois, as línguas (todas elas) são vivas e seus
falantes/sinalizantes/tocados e tocantes, mudam e se aperfeiçoam a cada dia em suas relações, na
interação e no encontro de si e dos outros.

5.5.4 Parâmetros na Língua Brasileira de Sinais

A primeira coisa que gosto de ressaltar nas oficinas e aulas de Libras em que sou professora
são os parâmetros, pois estes norteiam toda a prática na descrição do sinal. No semestre 02/2019
no ensino remoto decorrente do distanciamento físico que a pandemia por Covid-19 nos causou,
tive a grata surpresa de lecionar Libras para três estudantes de Licenciatura em Educação Física
que são deficientes visuais. Iniciando o processo de ensino-aprendizagem pelos parâmetros foi
possível que eles chegassem ao final do semestre se comunicando com surdos. Atualmente uma
dessas estudantes, atleta paraolímpica, após a graduação ensina Libras em escolas públicas.
Cristina (participanete com surdocegueira), possuía todos os sentidos sensoriais e aprendeu
a Libras após a aquisição da surdocegueira, tendo contato com outros surdos e interagindo na sua
comunidade, inclusive em uma das aulas trouxe uma amiga surda para participar. Leandro era surdo
e passou pelo processo de aprendizagem da Libras e utiliza a Libras tátil. Chico aprendeu a Libras
na condição de surdo e por possuir resíduo visual, utiliza a Libras em campo reduzido.
Assim como Chico, Japinha possui resíduos visuais e, dependendo da iluminação e
distância do intérprete, consegue perceber as informações com a Libras em campo reduzido.
146

É importante ressaltar que todos os participantes do curso de extensão, pessoas com


surdocegueira e guias-intérpretes, se comunicam e utilizam a Libras para transporte de
informações. Esse fator justifica a minha insistência em traçar o paralelo entre as estruturas das
línguas mencionadas na pesquisa.
As autoras Marcia Honora e Mary Lopes Esteves Frizanco (2020) elaboraram o “Livro
Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: desvendando a comunicação usada pelas pessoas com
surdez” da editora Ciranda Cultural, e destacam o conhecimento da Libras por meio de campos
semânticos de maneira visual, minimizando as barreiras na comunicação entre surdos e ouvintes.
Honora (2020) imprime elementos básicos da gramática de Libras de maneira visual e
exemplificada. Dentre esses elementos destaca cinco parâmetros gramaticais que organizam a
formação do sinal em diferentes níveis linguísticos. São eles: 1) configuração de mão (CM), 2)
ponto de articulação (PA), 3) movimento (M), 4) orientação ou direcionalidade (O/D) e 5)
expressão facial e/ou corporal (EF/C).
Sendo assim, apresento as definições e exemplos das representações dos parâmetros
fonológicos/quirológicos de acordo com honora (2020):
1. Configuração de mão: é o formato da mão na execução do sinal, pode ser representada por
letras do alfabeto, números ou outra forma. Essa configuração é a representação inicial do sinal.
Alguns sinais utilizam uma das mãos e outros as duas. A seguir o exemplo de quarta-feira:

FIGURA 5 – PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS – CONFIGURAÇÃO DE MÃO

Fonte: Felipe (2007, p.21).

2. Ponto de articulação: é o lugar no corpo ou espaço neutro onde o sinal acontece. O espaço neutro
(vertical ou horizontal), poderá ser à frente do corpo ou ao lado do corpo. Alguns exemplos de
ponto de articulação são: dorso da mão, palma da mão, ombro, testa, têmpora, braço, antebraço,
pescoço, queixo, boca etc. Os sinais no espaço neutro podem acontecer a frente de alguma parte
do corpo, porém sem o toque direto.
147

FIGURA 6 - PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS – PONTO DE ARTICULAÇÃO

Fonte: Felipe (2007, p.22).

3. Orientação ou direcionalidade: é a direção do sinal em sua execução, também incide sobre a


orientação da palma da mão (para onde está voltada). Alguns exemplos de orientação são: para
frente, para trás, para cima, para baixo, para a direita e para a esquerda, conlateral, ipsilateral,
sentido horário etc. Em orientação da palma da mão temos: para cima, para baixo, para frente, para
trás etc.
148

FIGURA 7 - PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS – ORIENTAÇÃO OU DIRECIONALIDADE

Fonte: Felipe (2007, p.23).

4. Movimento: é o deslocamento da mão na execução do sinal. Alguns sinais têm movimento e


outros não. Dentre os exemplos de movimento estão: tremular, raspar, circular, espiral, arco,
esfregar, aproximar e afastar, entre outros.

FIGURA 8– PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS - MOVIMENTO

Fonte: Felipe (2007, p.22).

5. Expressão facial e/ou corporal: são as expressões gramaticais que funcionam como
marcadores de intensidade e tamanho (morfologia), negação, interrogação e afirmação (sintaxe), e
expressam os sentimentos (tristeza, alegria, raiva, emoção etc.) contidos nos contextos em
149

produção. Podem ser gramaticais, relacionadas à estrutura, morfologia (por exemplo, elas marcam
grau de intensidade, tamanho) e sintaxe (negação, interrogação, ênfase).

FIGURA 9 - PARÂMETRO FONOLÓGICO DA LIBRAS – EXPRESSÃO FACIAL E/OU CORPORAL

Fonte: Felipe (2007, p.23).

Entendo a importância de descrever os sinais alicerçados aos elementos mínimos essenciais


para a sua execução, pois como na língua portuguesa uma letra altera o sentido de uma palavra.
Por exemplo: mala e bala, as letras “m” e “b” distinguem o significado das palavras.
Na Libras, um parâmetro altera o sentido de um sinal. Por exemplo “sábado” e “aprender”,
o único parâmetro alterado é o ponto de articulação (lugar no corpo onde o sinal é executado). Para
“aprender” o ponto de articulação é na testa e “sábado” o ponto de articulação é em frente a boca.

FIGURA 10 - SINAIS "APRENDER" E "SÁBADO"

Fonte: Felipe (2007, p.21).


150

Na língua portuguesa e na Libras esses parâmetros já estão definidos e reconhecidos


socialmente pelas comunidades que a utilizam. Entretanto a comunicação social háptica, ainda não
alcançou esses moldes no Brasil. Na Finlândia ela possui status de língua, percorreremos um longo
caminho para equiparar a essa estrutura. No papel de pesquisadora abro espaço com os parâmetros
para desbravar esse caminho.

5.5.5. Parâmetros na Comunicação Social Háptica

A comunicação social háptica, em âmbito de pesquisas brasileiras, não completam as


lacunas para receber o status de língua, porém se comparada aos parâmetros
fonológicos/quirológicos, encontro nela semelhanças que considero relevantes para traçar o
caminho de reconhecimento como língua.
Pessoas com surdocegueira usuários da Libras tátil, utilizam a comunicação social háptica
no processo de complementação. O professor Marcos, que ministrou a aula com o tema:
“Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica” no dia 12 de
dezembro 2020, é guia-intérprete, e compartilhou informações a respeito dos materiais existentes
nesse âmbito. A apostila norueguesa denominada “103 Hapitc Signals – a reference book” foi
traduzida em 2012. Nessa perspectiva ele ressalta:

[...] não existe um padrão, então esses 103 hápticos não são utilizados aqui no Brasil, então
não se usa aqui por exemplo todos os sinais. Até porque, são utilizados como complemento
de uma outra língua de sinais que é o ASL81. Então, a gente não pode pegar esse livro
como referência para nós usarmos aqui. Claro, que tem surdocegos que podem utilizar
também, mas não podemos estabelecer um padrão, não existe um padrão,. Ok? Lembrando
que é muito individual a forma de comunicação [...] o livro do Hélio Fonseca como nós
falamos no começo é referência aqui no Brasil para comunicação social háptica
(MARCOS, 2020).

O professor menciona a pesquisa de Araújo (2019) que compartilha em seu livro “Práticas
de Interpretação tátil e Comunicação Háptica para pessoas com surdocegueira” o conceito de que
os sinais hápticos desse método/sistema82 derivam da língua de sinais que os surdos utilizam. Sendo
assim, um sistema local e não universal, visto que as línguas de sinais são elaboradas de acordo
com a cultura onde os surdos estão inseridos.

81
ASL é a sigla utilizada para a “American Sign Language” (Língua Americana de Sinais).
82
O autor aborda no livro a comunicação háptica como sistema ou método utilizado com pessoas com surdocegueira.
151

Araújo (2019), sobre a comunicação háptica, menciona a presença de alguns parâmetros


fonológicos/quirológicos derivando da Libras, sendo: “configuração de mão” e ponto de
articulação. Não destaca o parâmetro da “expressão facial”, embora faça referência sobre essa
presença. Os parâmetros de “orientação/direcionalidade” e “movimento” não são citados pelo
autor.
Entretanto, consigo observar os parâmetros fonológicos e quirológicos e encontro outra
modalidade de execução para a comunicação social háptica que está ligada ao sinestésico e/ou
cinéstésico.
Para entender a semelhança e a diferença desses dois conceitos, sinestésico e cinestésico,
trago a percepção de Moreira (2006) que resgata o conceito de ambos e que relaciona às sensações,
embora indiquem processos diferenciados. A autora ressalta que as sensações são aplicações
práticas no reconhecimento do mundo pela sensibilidade e divide didaticamente a sensibilidade em
duas categorias: (a) especiais, que são aquelas relacionadas à visão, audição, olfato e equilíbrio; e
(b) gerais, que se relacionam ao tato, sensibilidade a pressão, temperatura, propriocepção, dor,
fome e sede. (MOREIRA, 2006).

Enquanto a cinestesia é uma sensibilidade geral, as sensações secundárias, ou sensações


que acompanham sensações de outras modalidades foram batizadas por Stoddart
(1926) como sinestesias. Ferreira (1986) e Campbell (1986) exemplificam-nas, citando
pessoas que experimentam sensações auditivas e visuais concomitantemente. (MOREIRA
2006, s/p grifos da autora).

Entendo que a comunicação social háptica se enquadra na definição de sensibilidade geral


definida por cinestesia, visto que, a relação com o tato evidenciado pelo corpo todo, traz em seu
guarda-chuva todas as sensações advindas dessa comunicação. Então, defendo o termo
“Parâmetros Cinestésicos da Comunicação Social Háptica”.
Enquanto Lathinen traz as unidades de “haptices e haptemas” que fazem referência a
“combinação das mensagens táteis, palavras e elementos gramaticais” (MUNROE 2013, p. 80),
por outro lado, David Le Breton (2019) resgata que “da mesma forma que a linguística estrutural
distingue os fonemas como classes particulares de sons próprios a uma língua, ou unidades formais
da linguagem, Birdwhistell sugere a existência de "cinemas" (BIRDWHISTELL, 1968 apud
BRETON, 2019 p.57). O autor traz a seguinte definição:

O cinema é o mínimo movimento suficiente para modificar a forma do conjunto do corpo


em que se inscreve; ele não é, entretanto, portador de significado nele mesmo [...] Os
cinemas apresentam vários traços tratados de "qualificadores de movimento" [...] O
152

cinema, movimentos ínfimos e desprovidos de sentido quando tomados isoladamente,


combinam-se da mesma forma que os morfemas da linguística. Já o cinemorfema
corresponde a uma unidade significativamente (um aceno de cabeça, um piscar de olhos,
por exemplo).

Os movimentos mencionados pelo autor podem ser entendidos, por exemplo, como uma
inclinação de cabeça, ou qualquer outro movimento, mas que não tenha significado sozinho. O
cinemorfema, já se traduz em movimento significativo ou munido de sentido como: uma piscada
de olhos, uma levantada de sobrancelha entre outros.
Quando observo as pessoas com surdocegueira que compartilham suas experiências, por
intermédio da utilização dos sinais da comunicação social háptica (sinais hápticos), encontro
muitos parâmetros e dentre eles em consonância à Libras com as devidas adaptações reconheço: 1)
configuração de mão (CM), 2) ponto de articulação (PA), 3) movimento (M), 4) orientação ou
direcionalidade (O/D) e 5) expressão facial e/ou corporal (EF/C). No papel de pesquisadora sugiro
essa classificação, porém, não engesso, deixo livre para propostas de aperfeiçoamento:
Sobre a configuração de mão do sinal háptico “café”, a guia-intérprete Charlie narra sua
utilização:

CENA 37: PARÂMETRO DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Tema: Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica

Marcos – ele está fazendo o sinal de café


Charlie – porque o Leandro ele prepara o próprio café né, sozinho
Janete – que legal! Mas a gente não conseguiu enxergar direito qual é o sinal...
Marcos – como que faz o sinal aqui nas costas
Charlie – a tá! Vamos ver se ele fazendo em mim dá certo, vamos lá. Mostra o sinal de café (Charlie pede para o
Leandro, surdocego).
Janete – é como se fosse saudade, lembra saudade?
153

Charlie – aqui ó, configuração em “a” e vai bem na pontinha aqui, tá vendo? Ó de moer o café mesmo, a lá tá
moendo o café oh, aí a água, opa, tá forte o homem (risos)
Leandro surdocego faz sinal de muita água
Marcos – muita água, olha
Janete – muita água
Charlie – cachoeira? Pergunta ao surdocego.
Janete – cachoeira
Charlie – cachoeira, isso
Marcos – interessante assim a referência que eles tem com a boca, o som né?
Janete – aham!
Fonte: a pesquisadora.
Configuração de mão é a posição da mão utilizada na execução do sinal que precisa ser
nítida para ser captada pela pessoa com surdocegueira. Cristina evidenciou em sua narrativa que
possui dificuldade para entender a configuração, caso ela esteja com uma roupa de frio, por
exemplo. Trago as configurações de mão sugeridas por Araújo, totalizando 04 configurações em
2014 e ampliando para 14 configurações na publicação de 2019:

FIGURA 11 – PARÂMETRO DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO NA COMUNICAÇÃO HÁPTICA

Fonte: Araujo 2014, p.5.


154

FIGURA 12 – PARÂMETRO DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO NA COMUNICAÇÃO HÁPTICA

Fonte: Araújo 2019, p. 120.

Em experiências com pessoas surdocegas que tenho contato, consegui atribuir algumas
outras configurações de mãos totalizando 31 posições que podem ser utilizadas nos sinais da
comunicação social háptica. A partir dessa relação apresento os quadros a seguir:

FIGURA 13 – PARÂMETRO DE CONFIGURAÇÃO DE MÃO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Fonte: a pesquisadora.
No ponto de articulação evidencia-se o local de execução do sinal, em que parte do corpo
que o sinal é produzido. No caso da surdocegueira, o espaço neutro não apresenta percepção
cinestésica. A indicação das pessoas com surdocegueira para que o sinal seja feito em um campo
155

maior facilita o entendimento. Por exemplo, nos sinais realizados nas costas é possível explorar
bem esse espaço. Sobre esse parâmetro Cristina completa:

CENA 38: PARÂMETRO DE PONTO DE ARTICULAÇÃO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Tema: Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica

Cristina: [...] sempre importante não fazer sinal muito pequeno nas costas. Já vi intérprete fazer sinal de sorriso
assim: (faz o sinal), desse tamanho, difícil, difícil, difícil. Como precisa da percepção do tato precisa ser macro; ou
seja, sinal ampliado, como fala ampliada né, vocês citaram hoje, então aqui; precisa também ampliada.
Fonte: a pesquisadora.
A orientação e direcionalidade, assim como na Libras está ligada à direção da palma da
mão na execução do sinal e o lado para onde a mão irá se deslocar. Por exemplo: Sinal de “sim”
palma da mão virada pra baixo.
156

FIGURA 14 - PARÂMETRO DE ORIENTAÇÃO E DIRECIONALIDADE NA COMUNICAÇÃO SOCIAL


HÁPTICA

Fonte: a pesquisadora.
Cristina na explanação do sinal “satélite” evidencia essa direcionalidade da palma da mão:

CENA 39: PARÂMETRO DE ORIENTAÇÃO E DIRECIONALIDADE NA COMUNICAÇÃO SOCIAL


HÁPTICA

Tema: Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica

Cristina: [...] satélite, faz o globo a gente vai parar a mão de baixo como base do globo e vai articular a mão de
cima, assim (faz o sinal), pode fazer maior, é que hoje estou com um pouco de dificuldade tá bom? Aumenta, amplia
ó! Se faz muito pequeno fica difícil para sentir, tá bom?
Fonte: a pesquisadora.
No parâmetro do movimento temos a seguinte contribuição de Cristina trazendo o sinal de
caminho, rua, estrada a partir da variação do sinal de carro:

CENA 40: PARÂMETRO DE MOVIMENTO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Tema: Estratégias na Guia-Interpretação e utilização da Comunicação Social Háptica


157

Cristina – aproveitando a base do sinal que já existe, “carro”, então nós vamos fazer a variação de caminho, rua,
estrada apoiando o polegar e o dedo mínimo e a parte da mão nas costas, faz um leve movimento como caminho,
Libras, aqui também.
Márcia- isso é o que?
Letícia – caminho, caminho, estrada...
Márcia- ok!
Letícia – deu para entender, gente? Deu, conseguiram compreender? Quer que repita algum sinal?
Fonte: a pesquisadora
O movimento está relacionado ao deslocamento da mão no ponto específico em parte do
corpo da pessoa com surdocegueira. Por exemplo: sinal de “risos”, movimento de dedos oscilando.

FIGURA 15 - PARÂMETRO DE MOVIMENTO NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Fonte: a pesquisadora.
O parâmetro de expressão facial/corporal utilizada na Libras é trazido para a comunicação
social háptica na utilização dos emoticon83, ou seja, essas expressões são realizadas nas costas do

83
Emoticon é a junção das palavras inglesas emotion (emoção) e icon (ícone). Consiste em símbolos tipográficos
usados em conjunto para formar figuras que ajudem a simular emoções humanas, como a tristeza ou a alegria, por
exemplo. Texto disponível em: https://www.significados.com.br/emojis-
158

das pessoas surdocegas. Para uma percepção melhor Cristina ressalta que: “Temos as costas inteira
para fazer o sinal triste e sorriso, ok? (CRISTINA). Exemplo: 1 – expressão séria, 2- expressão
feliz, 3-expressão interrogativa, 4-expressão triste.

FIGURA 16 - PARÂMETRO DE EXPRESSÃO FACIAL/CORPORAL NA COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA

Fonte: a pesquisadora.
A percepção dos parâmetros fonológicos/quirológicas para o surdo está patente aos olhos
quando observam os sinais executados. No caso dos parâmetros cinestésicos defendidos aqui
poderá levantar questionamentos sobre a percepção da pessoa com surdocegueira referente às
nuances e mínimas diferenças entre um movimento e outro, entre uma configuração e outra.
Nesse âmbito, lembro que essa proposta didaticamente está focada na formação do
profissional guia-intérprete que detém a percepção visual para captar as particularidades
apresentadas pelos parâmetros cinestésicos, é para esse profissional que esta pesquisa foi
desenvolvida e consequentemente trará benefícios na comunicação de pessoas com surdocegueira.
Na próxima seção apresento o panorama de formação profissional do Tradutor Guia-
Intérprete de Língua de Sinais, as pesquisas desenvolvidas nessa esfera e o código de conduta ética
juntamente com proposições de formação.

6 FORMAÇÃO DE GUIAS-INTÉRPRETES: PERSPECTIVAS E REALIDADES

emoticons/#:~:text=Emoticon%20%C3%A9%20a%20jun%C3%A7%C3%A3o%20das,ou%20a%20alegria%2C%20
por%20exemplo. Acesso em: 09 junh. 2022.
159

O guia-intérprete está vinculado ao público ao qual ele atende. Isto me desperta a percepção
da importância dessa atuação e suas atribuições. Acredito que no encontro de ambos é que se
desenvolve a comunicação e as relações de afinidade com a profissão.
O encontro com as pessoas surdocegas atraíram meu olhar para esse ofício tão gratificante.
Dispor das mãos em prol do acesso a informação do outro, que muitas vezes não enxerga e não
ouve, mas sente, responde e interage.
Entendendo a necessidade do público de pessoas com surdocegueira adquirida, o qual tenho
contato e habilitação para o trabalho de profissional guia-intérprete, tracei na pesquisa de doutorado
a proposta do curso de extensão: “Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação
social háptica para pessoas com surdocegueira”.
A profissão de guia-intérprete está registrada na classificação brasileira de ocupações com
o código 2614-2584. No título da função está o “Intérprete de língua de sinais” e logo abaixo no
resumo estão as definições: Guia-intérprete, Intérprete educacional, Tradutor de libras, Intérprete
de libras e Tradutor-intérprete de Libras85.
Algumas formas de comunicação utilizadas por pessoas com surdocegueira adquirida,
partem da Língua Brasileira de Sinais. Dessa forma, defendo a formação do profissional guia-
intérprete a partir da aprendizagem da Libras para posterior adaptação e utilização. Entendo que de
todas as comunicações utilizadas por pessoas surdocegas, a Libras configure-se mais complexa por
exigir do profissional o domínio linguístico dela.
Nesta perspectiva, a definição deste profissional deveria ser ampliada a partir das suas
atribuições, pois além de guia-intérprete ele realiza um trabalho linguístico, gramatical e estrutural
para atendimento do seu público.
Em vários momentos e espaços a função do guia-intérprete está ancorada no intérprete de
Libras. Dessa forma, sugiro a utilização do termo Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português, e
utilizarei em alguns momentos no intuito de consolidar a profissão.
No âmbito da pesquisa de doutorado, as pessoas com surdocegueira que participaram do
curso de extensão, utilizavam a Libras tátil na recepção de informações e suas narrativas
aconteceram por meio da Libras. Cristina narra com a fala (oral) e a Libras concomitantes.

84
Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTitulo.jsf Acesso em: 09 out. 2022.
85
Disponível em: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf Acesso em 09out.
2022.
160

Durante as aulas do curso eles expressaram suas percepções na modalidade de comunicação


visual-gestual (Libras) e receberam as informações do curso na modalidade gestual-tátil (Libras
tátil).
Leandro, nasceu surdo e devido a síndrome de Usher adquiriu surdocegueira, porém
aprendeu a Libras antes da perda visual total. Ele evidencia na sua narrativa o desejo de ensinar as
pessoas a comunicação da Libras tátil em sua perspectiva futura: “A nossa mente se abre, eu tenho
vontade de fazer uma faculdade, fazer uma pós-graduação, ensinar a Libras tátil, ensinar a
comunicação social háptica, precisa se esforçar, ter prática e muita força. Muito obrigado por todos
me ouvirem.” (LEANDRO). Foi possível ouvi-lo, porque sua esposa fez a tradução direta da Libras
para o Português.
Japinha, e o participante Chico, ambos têm síndrome de Usher, nasceram surdos e vêm
perdendo a visão gradativamente e utilizam a Libras em campo reduzido quando há iluminação
suficiente. Em outros casos, fazem uso da Libras tátil para recepção de informações e expressam
suas opiniões por meio da Libras.
Japinha compartilha em redes sociais: “Mãos que falam é minha cultura, Libras tátil é minha
sobrevivência” (JAPINHA). Chico narrou sua experiência com as duas comunicações que utiliza,
quando há iluminação, usa a Libras em campo reduzido, caso contrário, a Libras tátil:

Eu já sabia Libras, mas agora eu uso Libras em campo reduzido, exemplo: se a iluminação
for boa, não preciso da Libras tátil, mas se tiver muito escuro eu preciso da Libras tátil. Se
a luz estiver por trás de mim eu não consigo perceber, porque a luz está atrás de mim.
Preciso ter cuidado com a iluminação. Eu preciso ter adaptação na iluminação. A luz
precisa estar próxima a mim para eu conseguir entender. (CHICO).

Cristina adquiriu surdocegueira por conta de Meningite na idade adulta, foi estimulada a
aprender uma nova forma de comunicação e interação na recepção de informações. Compartilha
desafios que encontrou no seu processo formativo e o impulso para aprender Libras tátil, pela
necessidade de se comunicar com outras pessoas com surdocegueira.

Eu fiz em 2014 um curso de massagem, decidi e falei: eu preciso tentar conseguir, viver,
então eu preciso. E fui. Não foi fácil porque muitos se levantaram contra, disseram que eu
não era capaz. O próprio intérprete do curso falou que eu parecia uma criança de 12 anos,
porque sou muito expressiva. Ele falou que eu não era capaz de conversar com outro
surdocego, que eu não era capaz de trabalhar profissionalmente. Falou que eu não era
capaz de conversar com pessoas surdas também, porque eu não sabia Libras tátil. Até
então, não tinha tido contato ainda e nem quem me ensinasse Libras tátil, não tinha técnica,
nem nada, só sabia a Libras. Foi muito difícil, eu sofri demais no curso, mas foi mais uma
etapa da vida, mais uma vitória. (CRISTINA).
161

Percebo, na narrativa, a falta de sensibilidade e profissionalismo do intérprete que a atendeu,


embora Cristina não tenha se intimidado. A participante Márcia, estava em processo de
aprendizagem da Língua Gestual Portuguesa (LGP) durante o curso, e compartilhou desafios de
uma nova língua de sinais e a perspectiva de transportar essa língua para a modalidade tátil. Durante
o período de pesquisa doutoral, tive acesso a um workshop de comunicação para pessoas com
surdocegueira de Portugal e ao ver a LGP, percebi o quanto é diferente da Libras.

6.1 PERSPECTIVAS FORMATIVAS: O QUE SE PENSA SOBRE ISSO?

A formação de guias-intérpretes é pouco mencionada nos espaços de atuação profissional.


Os campos de discussão referentes a essa profissão não são fecundos se comparados com outras
áreas de atuação na área de tradução de línguas orais e sinalizadas. Nesse sentido, a discussão desse
tema torna-se necessária para a reflexão sobre os processos que envolvem essa atuação. Esta
pesquisa de doutorado levanta uma crítica sobre a escassez de cursos de formação na área de guia-
interpretação.
No curso de extensão foi abordado, no segundo encontro, o tema: “Atributos do trabalho
do Guia-intérprete”. Em todas as aulas a participação de pessoas com surdocegueira foi ativa. Eles
compartilharam suas percepções sobre a atuação dos profissionais que os atende. Sendo assim, é
importante ressaltar que nem sempre é um profissional que os atende, mas um companheiro, um
amigo ou um familiar.
Uma provocação na aula foi a pergunta: “Quem é o guia-intérprete? ”86 A intenção era saber
a percepção dos participantes referentes a esse tema, visto que havia uma mescla de familiares,
amigos e profissionais na turma. Provoquei ainda mais e perguntei sobre a participante Mary, que
tem duas filhas com surdocegueira adultas e sempre atendeu às suas filhas em suas necessidades
básicas e triviais. Fiz a seguinte pergunta: “Vem cá, se dona Mary atende só as filhas dela, e as
filhas dela usam Libras tátil87, é essa a comunicação que as filhas dela usam, e ela não tem formação
específica, ela é ou não é, guia-intérprete das filhas dela?”

86
A maioria das pessoas não utilizam e não conhecem o termo Tradutor Guia-Intérprete de Língua de Sinais Português,
mas utilizam e conhecem somente o termo Guia-Intérprete.
87
Libras tátil é um dos tipos de comunicação utilizada pelos surdocegos, consiste na adaptação da Libras (Língua
Brasileira de Sinais) para o tato do surdocego, onde ele toca cada movimento da mão no espaço de sinalização.
162

As respostas foram variadas, alguns responderam que sim, que ela é guia-intérprete, outros
concordaram, outros disseram que achavam que não. Uma participante expôs sua colocação quando
diz: “Eu acho assim, que a partir do momento que ela faz a guia-interpretação para filha dela, seja
na comunicação que a filha dela está utilizando, ela é Guia-Intérprete da filha, e nós, mesmo com
certificado na mão, mesmo tendo feito curso, não dominamos todas as formas de comunicação?”
(ASHLEE).
Ashlee fez uma afirmação com uma pergunta embutida, pensando na variedade de formas
de comunicação que as pessoas com surdocegueira utilizam. Marcela trouxe um contexto social:

Professora eu penso assim, que até dentro de um olhar político, principalmente nós guias-
intérpretes negros, nós nunca somos considerados o guia-intérprete, somos sempre alguém
da família: a gente é mãe, é tia... Eu já vivenciei diversas situações, até com crianças
surdas, que vêm perguntas como: “Você é a mãe?”. Você nunca é [considerado] um
profissional. Então, assim, até por uma visão de mundo mais acessível, independente se a
pessoa é da família ou não, se ela está promovendo acessibilidade, ela é um profissional.
(MARCELA).

Essa resposta explana alguns casos em que os profissionais não possuem o reconhecimento
e status de profissional, cerceando o trabalho deles ou até mesmo trazendo uma visão de que essa
pessoa que está recebendo o acesso não pudesse arcar ou ter direito ao profissional de fato. As
narrativas foram cruzando-se na perspectiva das posições dos participantes:

CENA 41: PROFISSÃO DE GUIA-INTÉRPRETE

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Hilda: É então, mas se a dona Mary é guia intérprete, por que que eu fiz tanto curso? Por que eu fiz uma
especialização? Por que que eu fui aprender a técnica? Se só o convívio com uma pessoa com surdocegueira já me
chancela a ser guia-intérprete? Então onde é que que tá escapando, onde é que tem alguma coisa aí? O que, o que,
eu não estou entendendo?! Aí eu vou fazer pós, eu vou fazer curso, eu vou.... aí só o fato de eu ter a convivência
‘estou sendo advogada do diabo agora né’, então só isso já me já me qualifica como guia-intérprete né? É esse o
questionamento, que eu que eu estou fazendo [...]
163

Nalva: Eu sou mãe de surdocego […] na escola [que trabalho] eu sou profissional, professora bilíngue, e em alguns
momentos eu posso atuar em guia-interpretação. Mas quando eu estou na minha casa, quando estou com meu filho,
que eu estou no médico, no shopping, eu sou a guia-intérprete dele, agora guia-intérprete para você atuar
profissionalmente tem que ter o estudo sim. (NALVA)
Elaine: é isso mesmo, então... Hilda é exatamente isso que a gente vai colocar aqui. O profissional Guia-Intérprete,
e onde ele atua. Então por exemplo, a dona Mary é Guia-Intérprete das filhas dela, a Nalva é Guia-Intérprete do
filho dela. Só que por exemplo, a Nalva ela atua profissionalmente também como Guia-Intérprete.
Se ela chegar até uma escola, para atua como Guia-Intérprete, tudo bem! A Mary já não poderia, por que? Porque
ela domina a forma de Comunicação que ela atende a surdocega que ela acompanha, que são as filhas dela, tá, então
o que que a gente está discutindo aqui, o ser Guias-Intérpretes.
Então partir do momento que você guia, que você trás para ele informação, que você acompanha ele, que você faz
toda essas atribuição de Guia-Intérprete, mesmo que você não domine toda as formas de comunicação, você é o
guia-intérprete.
Fonte: a pesquisadora.

Hilda deixou claro, como profissional, que ela não concorda em dar o título de guia-
intérprete para Mary, nesse sentido, esclareci, de maneira muito respeitosa, a provocação que fiz.
Nalva completa as respostas anteriores trazendo em seu desfecho a importância de se
profissionalizar ao integrar um trabalho remunerado. A participante Sarah também fez uma
colocação referente à discussão:

[...] na questão de só trazer os parabéns para vocês, aqueles que são habilitados, formados,
registrados, e patenteados e aqueles que, tem a graça de querer, por amor, servir ao outro.
A dona Mary aí, olha ... ser mãe não é um cargo, não é uma função, é uma dádiva, porque
tem muitos surdos e surdocegos que estão aí, na escuridão e no silêncio, porque nenhum
parente, ninguém próximo também, tem essa atenção. Então é muito mais que ser pai por
obrigação, é amor, é o amor ao próximo, o respeito, à pessoa[...]. (SARAH).

A percepção da Sarah menciona sobre o trabalho ir além do profissional, pois, auxiliar na


tarefa de trazer luz e som para o outro configura-se como um fator indescritível. Certamente Mary,
com sua experiência de mãe, descobriu estratégias de comunicação e interação com suas filhas que
muitos profissionais formados jamais possuirão.
Após essa discussão emergiram duas esferas de atuação: o guia-intérprete ad hoc88 e o guia-
intérprete profissional, porque ambos desempenham a mesma função e o que os diferencia é que o
guia-intérprete ad hoc atua sem formação específica e o profissional possui qualificação e
desempenha esse papel de maneira voluntária ou remunerada.

88
Significado de ad hoc: Para determinado fim; locução que enfatiza que algo tem determinado propósito; destinado
a esse fim; para isto: procuração ad hoc. [Jurídico] nomeado para cumprir certo propósito; diz dessa pessoa: funcionário
ad hoc. Etimologia (origem de ad hoc). Do latim ad hoc, literalmente "para isso". Disponível
em:.https://www.dicio.com.br/ad-hoc/ Acesso em 27 mai. 2021.
164

O guia-intérprete ad hoc que mencionei é o mediador. “O mediador é aquele proposto a


realizar a tarefa de guiar e estabelecer uma comunicação possível entre o surdocego e o meio que
o circunda.” (VILELA 2018, p.75).
Outro autor que menciona essa atuação é o espanhol Daniel Alvarez Reyes (pessoa com
surdocegueira). De acordo com Reyes (2004), os mediadores possuem nomes diversos como:
“guias-comunicadores, guias-assistentes, mediadores. Nos países nórdicos o termo utilizado é
“competente companheiro” (NAFSTAD e RODBROE apud REYES, 2004, p. 249).
Entendo que a definição que mais corrobora nessa perspectiva é “um competente
companheiro”, porque naquele momento de atuação, a pessoa consegue cumprir a função essencial
de acompanhar, guiar com segurança e fornecer a comunicação e acesso à informação. Um dos
compromissos do curso foi promover o conhecimento sobre essas duas esferas de atuação:
profissional e ad hoc, e os dois são nomeados como guias-intérpretes.
O “companheiro” cumpre a função essencial e indispensável dentro da especificidade da
pessoa com surdocegueira que ele atende, porém, não pode ser considerado um profissional
qualificado. Hilda compartilha que:

No interior, não está muito longe, está no estado de São Paulo e lá não tem [guia-
intérprete]. Então a gente precisa da mãe. A mãe e a família estão ali. Estão juntos,
conhecem muitas vezes a forma de comunicação. É a família que ensina o guia-intérprete
a trabalhar. E não tem esse reconhecimento, não é? Não. Ela não é guia-intérprete! Ela é
uma guia-intérprete caseira, ela é mãe. Ela faz isso porque ela é mãe, não é porque ela é
guia-intérprete. [...], mas é esse notório saber, essa formação da mãe, muitas vezes, a gente
não aprende em curso nenhum, é o que ela tem para passar para a gente, entendeu. É uma
situação da gente…é muito delicada, porque você fala: Não, espera aí! Então não vou
estudar mais? Eu fico como guia-intérprete do meu amigo o dia inteiro e pronto?
(HILDA).

Hilda denominou a mãe como uma guia-intérprete caseira com notório saber89 e compartilha
a necessidade de formação específica, de não acomodação pelo conhecimento adquirido, mas a
busca constante.
Alguns autores evidenciam a atuação específica do profissional que atende pessoas com
surdocegueira e nessa perspectiva, esta pesquisa traz como recorte a atuação de guias-intérpretes
que atuam com pessoas surdocegas congênitas e adquiridas e que utilizam como comunicação
principal a Libras tátil.

89
Termo utilizado para designar uma pessoa que possui conhecimentos específicos em uma determinada área; porém,
sem o título adquirido no ensino formal.
165

Entretanto, é importante mencionar a nomenclatura utilizada aqui no Brasil de dois


profissionais que possuem atribuições distintas na atuação com pessoas com surdocegueira: o
instrutor-mediador e o guia-intérprete.
A autora Ikonomidis (2019) relata que o profissional guia-intérprete é aquele que recebe a
formação específica sobre diferentes formas de comunicação, orientação e mobilidade voltados
para pessoas que adquiriram a surdocegueira após aquisição linguística (oral ou gestual). Enquanto,
o instrutor mediador é destacado para atuar e apoiar pessoas com surdocegueira congênita ou
pessoas com deficiência múltipla sensorial.
A pesquisadora Pilar Gómez Viñas (2004), traz o conceito de instrutor-medidor em seu
artigo: “A educação de pessoas com surdocegueia: diferenças e processo de mediação”, contido na
coletânea: “Surdocegueira uma análise multidisciplinar elaborada pela Organização Nacional de
Cegos Espanhóis (ONCE)”.

Para que o processo de desenvolvimento da comunicação aconteça em pessoas com


surdocegueira congênita, é necessário ter interlocutores competentes, capazes de, por meio
da observação de uma ação do surdocego em determinado contexto, inferir seu significado
e oferecer uma resposta (reação) facilmente perceptível, coerente e em linha com o que a
pessoa com surdocegueira espera. Dessa forma, ela sentirá que sua ação possui um
significado que é compartilhado por ela e por seu interlocutor, o que a incentivará a utilizar
a mesma ação em situações futuras, quando desejar obter a mesma reação. (VIÑAS 2004,
P. 4).

Para Maia (2005), na inclusão da pessoa surdocega é “necessário levar em consideração a


importância do profissional guia-intérprete e/ou do instrutor-mediador, pois será a conexão da
pessoa com surdocegueira com o mundo que o rodeia” (2005, p.107).
Dentre os aspectos mencionados pelas autoras em relação a esses profissionais, se percebe
a necessidade de espaços de formação acadêmica que contemplem as necessidades linguísticas das
pessoas com surdocegueira. A participante Lili, compartilha sua necessidade de formação:

Este ano estava programado para eu fazer o curso na AHIMSA, mas por conta da
pandemia eu não pude ir. Vamos ver se agora em 2021 eu consiga fazer o curso de guia
intérprete, porque eu não tenho curso específico nessa área. Eu realizo a guia interpretação
na igreja no âmbito religioso com esse surdocego, mas eu não tenho a formação para
executar esse trabalho, o conhecimento que possuo foi adquirido na igreja com as outras
guias-intérpretes, meu conhecimento que tenho na surdocegueira é somente esse.(LILI).

Lili trabalha com crianças surdas e constata a importância da formação no âmbito da


surdocegueira. Nessa moldura, Ikonomidis (2019) corrobora com a minha inquietação sobre a
ausência de formação de profissionais guias-intérpretes em níveis de graduação:
166

Como desafio para a inclusão escolar desses estudantes, apontam a falta de formação
inicial e continuada na área da surdocegueira em nível universitário, ficando a cargo de
organizações não governamentais, como associações e instituições especializadas sem fins
lucrativos a realização dos cursos de formação de guia intérprete e instrutor mediador e
cursos de capacitação a profissionais da educação por todo o país, atores importantes mas
não substitutos do papel do professor na educação de estudantes com surdocegueira.
(IKONOMIDIS, 2019 p. 134).

A autora aponta o déficit de formação nas duas esferas de profissionais que atuam com
pessoas com surdocegueira: instrutor-mediador e guia-intérprete. Em consonância à autora abordo
a premência de formação acadêmica do profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português,
para que possa exercer sua função de maneira a atender todas as necessidades da pessoa com
surdocegueira adquirida.

6.2 O PROFISSIONAL TRADUTOR GUIA-INTÉRPRETE DE LIBRAS

O profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras, diferente do instrutor-mediador, é


direcionado ao atendimento da pessoa com surdocegueira adquirida, ou seja, pessoas que já
possuíam uma forma de comunicação, uma atividade linguística, quando foram acometidos pela
surdocegueira.
Entretanto destacamos alguns conceitos que circundam esse profissional. Almeida (2017)
menciona que o profissional guia-intérprete funciona como um canal de comunicação e visão que
faz a mediação da pessoa com surdocegueira com seu entorno, desempenhando a função de
transmitir informações de maneira fiel e compreensível. Carillo (2008) faz menção sobre os atributos
desse profissional:

O guia-intérprete é um profissional capacitado para realizar o trabalho de interpretação,


descrição visual e funções de guia. Para exercer essas atividades é preciso ter
conhecimento e domínio nos diferentes sistemas de comunicação e nas diversas técnicas
de locomoção, bem como ter habilidades para realizar as adaptações necessárias a cada
surdocego em cada situação em particular. (CARILLO, 2008, p. 70).

Diante das peculiaridades na atuação desse profissional, o exercício de formação e


desenvolvimento de competências é essencial, para que exerça um trabalho de qualidade.
O trabalho do guia-intérprete se estende para além da atividade de tradução e interpretação:
“O guia-intérprete não faz somente a tradução literal de uma língua fonte para uma língua alvo. Ele
reproduz além da interlocução, utilizando a imaginação e transportando a pessoa surdocega para
167

aquela situação. Utiliza dos recursos de que dispõe para que essa interação seja espontânea.”
(VILELA, 2018 p. 73). Para Perrenoud (2006):

Uma competência é um saber-mobilizar. Não se trata de uma técnica ou de mais um saber,


mas de uma capacidade de mobilizar um conjunto de recursos – conhecimentos, know-
how, esquemas de avaliação e de ação, ferramentas, atitudes – a fim de enfrentar com
eficácia situações complexas e inéditas. (PERRENOUD, 1998, p. 206).

No papel de guia-intérprete busco aprimorar a prática, com instrumentos e estratégias de


consolidação de informações. Nesse contexto, a comunicação social háptica funciona como uma
ferramenta de interação e integração de saberes. Carillo (2008) dispõe sobre o profissional Tradutor
Guia-Intérprete de Libras Português e reforça que:

Dominar uma língua, sistemas de comunicação, técnicas de locomoção não pressupõe que
a pessoa tenha habilidades suficientes para desempenhar o papel de guia-intérprete, é
necessário que ela tenha habilidades adicionais que possibilite amalgamar e utilizar seus
conhecimentos simultaneamente, adequando as variáveis para interpretar, descrever e
orientar a pessoa surdocega. (CARILLO 2008, p 43).

A autora menciona que é fundamental mais que o domínio de uma língua para atender uma
pessoa com surdocegueira. Dorado (2004b) e Plazas (2002), elencam as características primordiais
do profissional guia-intérprete, e suas funções junto à pessoa surdocega. Eles abordam não só
aspectos comunicacionais, mas, também o auxílio à mobilidade. São eles:

I.conhecer e utilizar com destreza sua língua materna:


II.ter habilidades expressivas em sua língua materna;
III.ter habilidade para escutar e selecionar em uma conversa, conferência ou leitura, as ideias
essenciais da mensagem e transmiti-las sem alterar o conteúdo;
IV.conhecer e utilizar apropriadamente duas línguas, no caso a oral e a Língua Brasileira de
Sinais, e transmiti-la de forma clara, coerente e compreensível;
V.saber receber a mensagem em uma língua e transmiti-la na mesma língua ou em outra de
forma simples e precisa;
VI.ter habilidade com o maior número possível de sistemas de comunicação, possibilitando
sua atuação com diferentes pessoas surdocegas;
VII.ter habilidades para descrever situações, contextos, objetos e pessoas;
VIII.saber priorizar e selecionar as mensagens a serem transmitidas;
IX.ter habilidade para observar detalhes e características do interlocutor, bem como suas
sensações e emoções, para que a transmissão seja fiel ao contexto;
X.ter a habilidade para descrever a situação geral e os detalhes, de acordo com a solicitação
da pessoa surdocega;
XI.ter capacidade para adaptar-se às diversas situações sensoriais, diferentes sistemas de
comunicação, necessidades individuais, níveis culturais, situações de interpretação, de
acordo com o momento da atuação, sem distanciar da sua atuação profissional;
XII.ter autocontrole para enfrentar situações conturbadas e complicadas, mantendo a calma e
garantindo a segurança da informação
XIII.ter responsabilidade, maturidade e discernimento para assumir a responsabilidade de seu
trabalho e entender os limites de sua atuação;
XIV.ter capacidade de improvisação para resolver situações inesperadas;
168

XV.aceitar o toque, uma vez que a comunicação através do tato é o sistema mais comum entre
os surdocegos adquiridos;
XVI.ser sensível, uma vez que realiza um trabalho com pessoas que se encontram em situação
emocional delicada;
XVII.ter espírito de colaboração e habilidade para trabalhar em equipe, uma vez que o trabalho
de guia-intérprete é desgastante e cansativo, e um guia-intérprete necessita da ajuda do
outro;
XVIII.ter discernimento para priorizar as situações, levando em consideração que a segurança é
mais importante que a comunicação durante os deslocamentos;
XIX.ter conhecimento e habilidade para utilizar técnicas de deslocamento usadas com as
pessoas de baixa visão e cegas. (DORADO 2004B E PLAZAS 2002 apud CARILLO 2008
p. 45).

Essas características foram discutidas no curso de extensão em que os participantes


puderam externar suas percepções em contraponto ao trabalho que desempenham. A emergência
de conhecimento é percebida pelas experiências narradas por Cristina:

Eu fiz prova do Enem ano passado, aquela de costume certo? [...] O quê que aconteceu?
Se sou surdocega, eu preciso que me expliquem as coisas, mas a guia intérprete foi me
guiar até o banheiro. Na porta havia a revista, mas ela não sabia como me explicar, não
me falou nada, e eu, assustei muito. A pessoa passou um aparelho em mim de revista, mas
aí, eu não sabia de nada sobre o que estava acontecendo. Fiquei com vergonha.
(CRISTINA).

O relato causou polêmica, Hilda em consonância à experiência de Cristina mencionou:

Eu trabalho no Enem. Então no Enem a gente tem além de apresentar os títulos, a gente
tem um curso de capacitação, de alinhamento. Todo ano, a gente tem um curso de
alinhamento, até esse ano já abriu o curso de alinhamento. Então é aí, não sei onde que
escapa, tudo isso. Porque tem que apresentar certificação, faz o curso de capacitação, e
na hora onde atua faz uma coisa dessa. (HILDA).

A narrativa de Hilda abre uma lacuna para a reflexão da necessidade de uma avaliação
empírica para os profissionais que atuam. Nalva continua:

Perfeito isso que você colocou, porque na verdade as pessoas falam que sabem, mas não
sabem. Pelo dinheiro elas vão, e eu acho que falta isso nas escolas também, passar por
uma avaliação, se a pessoa sabe um pouco de Libras, encara o trabalho de interlocutor e
quem sofre, são as pessoas com deficiências, os surdos. Então é perfeito a colocação, acho
que em todos os lugares precisava ter uma avaliação. Eu acho que deveriam passar por
uma banca, para saber se a pessoa sabe ou não, senão, os nossos meninos vão continuar
sem acessibilidade. (NALVA).

Em resposta a esse relato, uma participante fala sobre a competência do profissional que
faz cursos, possui diplomas, mas não têm experiência prática com a pessoa com surdocegueira.
Sarah complementa:

Só para fazer um complemento aqui, Elaine está falando de pessoas aqui, que têm cursos
e formações. Aí entra a Hilda, não levantando uma discussão, mas ter formação, ter
169

diploma é ser guia-intérprete? Eu não sou, porque eu não me considero. Mas eu fiz cursos,
com a [...], eu consegui conversar com ela durante o curso. [...] Eu tenho curso no Seli,
tenho cursos na Apasma. [...]. Gente, eu tenho cursos que eu poderia guia-interpretar, eu
sou habilitada para interpretar o Enem, só que aí, onde está a ética profissional. (SARAH).

A participante relata que tem vários certificados de vários espaços de formação, porém não
possui segurança, por não ter conhecimento prático com guia-interpretação. Ela ainda concatena:

Um surdo fala oi para mim, quando eu vou falar com o surdo a mão treme, eu sinalizo
para ele: fala devagar eu estou aprendendo... Isso também tem que ser levado em
consideração. Não é um profissional aquele que está no dia, porém ele é capacitado. O
diploma não te faz ser, tem que ser uma junção dos dois. [...]. Como tantas outras pessoas
é um trabalho muito digno, um trabalho muito nobre da parte de vocês, desse empenho de
crescer, para poder ser a voz do outro. [..]. (SARAH).

A participante trouxe uma contribuição ímpar falando sobre a importância da prática, ética
e consciência de assumir um posicionamento diante da inabilidade de saber-fazer e responder à
questão: “Será que tenho competência para isso”?
Diante das narrativas do curso refleti sobre a divisão de três grupos distintos: (i) aqueles
que são ad hoc, que é o caso de amigos e familiares; (ii) aqueles que têm a formação e articulam a
teoria com a prática, e (iii) aqueles que têm a formação, tem a teoria, mas não sabem atuar na
prática. Souza (2004) evidencia que no processo de formação:

Os saberes são temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, porque


possibilitam aprendizagens constantes e nascem da inserção da vida humana a partir das
representações, crenças, valores e dos conhecimentos acumulados e construídos na
história-memória individual e coletiva dos sujeitos sócio-historicamente situados.
(SOUZA 2004, 69).

As memórias e acontecimentos compartilhados coletivamente alicerçam a construção do


processo de formação. No percurso do curso de extensão ficou evidente a liberdade de expressão
dos participantes. Liberdade de expor e de se opor com posicionamentos em relação aos contextos
compartilhados nas aulas. As reflexões e discussões nos enriqueceram.
Cada pessoa com surdocegueira é única. Sempre que me deparo com um deles, encontro
estratégias, aprendo novas formas de interação, caminho para mim no intuito de ser melhor para
ele. Os profissionais, os tradutores/guias-intérpretes que já têm habilitação, vão aprender sempre.
O intuito do curso de extensão estava pautado em promover a reflexão e a formação.
Mary, mãe de duas pessoas com surdocegueira, mencionou: “Olha, eu preciso melhorar
minha comunicação com as meninas, eu preciso melhorar”. Essa iniciativa é importante, pois ela é
170

mãe, possui uma função ímpar, e completou dizendo: “Mas, eu quero fazer direito.”, “Eu quero
fazer bem. Eu quero fazer certo.”.
Para Josso “[...] o conceito de experiência formadora implica uma articulação
conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, [afetividade] e ideação, articulação que
se [objetiva] numa representação e numa competência [...]” (JOSSO 2002 p. 35).
A busca constante na formação é tomada pelo desejo de fazer um trabalho competente
articulado ao propósito de atendimento e assistência a uma pessoa que não é um cliente. Mary quer
melhorar o desempenho para atender as filhas. Demosntra a participação da família nesse processo
de aprimoramento.

6.3 A ÉTICA DO PROFISSIONAL TRADUTOR GUIA-INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE


SINAIS PORTUGUÊS

A ética profissional é exigida em todas as áreas, mas quando nos deparamos com a profissão
de Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português temos várias singularidades a observar. A ética
deve partir de ambas as partes: de quem fornece o trabalho, que é o Tradutor Guia-Intérprete de
Libras-Português, e de quem recebe o mesmo, que é a pessoa com surdocegueira. Assim Carillo
(2008), destaca:

No momento de sua atuação, o guia-intérprete deverá posicionar-se bem próximo do


surdocego, quer em pé, quer sentado, e os movimentos realizados com as mãos (além de
estarem umas sobre as outras) também serão próximos do corpo. Portanto, o profissional
deverá ser desprendido o suficiente para não se incomodar com essa inevitável
proximidade física durante o exercício do trabalho. Devido a esses fatores, a conduta do
guia-intérprete deve ser de extremo profissionalismo. (CARILLO, 2008, p.41).

Na perspectiva de Carillo (2018), percebo o quanto é necessário um desprendimento de si


mesmo em busca do bem-estar do outro. A proximidade com a pessoa com surdocegueira é
inevitável e deve estabelecer uma conduta de extremo profissionalismo e respeito. Segundo
Villacrés (2002), a pessoa surdocega também precisa estar atenta às suas ações:

Respeito e consideração – se nós surdocegos, desejamos que uma pessoa nos ajude como
guia-intérprete, devemos ter por ela o mais profundo respeito e consideração. [...].
Respeitar os momentos livres – todos na vida nos esgotamos, nos cansamos, nos
fatigamos... O guia-intérprete não é uma exceção. [...] Ser agradecido e recíproco – é
necessário na vida ser agradecido com aquelas pessoas que se oferecem a nós, ainda mais
a nosso guia-intérprete, profissional ou voluntário. [...]Bom trato – devemos tratar-lhe
como um colaborador inestimável, como um tesouro a quem se deve cuidar para não
171

perder, como o maior de nossos aliados, porque eles são nossos olhos e ouvidos. [...]
Devemos saber contornar os momentos difíceis e logo expor nossa insatisfação ou nossa
preferência. Como se vê, não é nada difícil ser um surdocego. Basta um pouco de controle
de nossa parte e um grande sentido de retidão (VILLACRÉS 2002, s/p).

Observo no texto do autor a percepção da dependência do outro. Ele menciona também a


questão do esforço muscular e mental exercido pelo profissional Tradutor Guia-Intérprete de
Libras-Português, e o tempo de descanso em que a pessoa com surdocegueira poderá socializar
com outras pessoas, mas sobretudo o processo de empatia por parte da pessoa surdocega também
é fundamental.
É interessante o quesito de cuidado da pessoa com surdocegueira para não desagradar ao
Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português a ponto de perder sua amizade e respeito,
considerando que necessita do outro para que ele, “surdocego”, esteja inserido no mundo. E ele
ainda finaliza dizendo que reconhece que ser pessoa com surdocegueira é passar por momentos
difíceis, mas que, é necessário controle e retidão para superar e facilitar a vida. (VILLACRÉS,
2002).
O Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português é um profissional que utiliza não só os
olhos e ouvidos, mas o corpo todo a serviço da pessoa surdocega na produção de movimento e do
estímulo para se fazer entender e ter a dimensão das informações com a mesma veracidade de quem
tem todos os sentidos preservados. Não guio-interpreto só com as mãos, esse movimento envolve
corpo, mente, alma e coração. Em alguns contextos que envolvem emoção, atuo e transporto a
intensidade no processo de sinergia nos tornando um. À medida que a pessoa com surdocegueira
sente, eu sinto também, e vice-versa.
Algumas pessoas têm dificuldade com essa proximidade e para quem olha por outro ângulo,
pode parecer próximo demais. É próximo, mas é respeitoso. É próximo, mas é ético. É próximo,
mas é sério. Geralmente as pessoas que criticam esse trabalho, não conhecem as necessidades das
pessoas com surdocegueira e não estabeleceram um processo de empatia.
Uma amiga intérprete, que fez um curso de capacitação comigo, não conseguiu realizar o estágio
porque seu esposo não permitiu, ele disse: “Você vai trabalhar, para ficar pegando nos outros? Ah,
mas não vai mesmo!” Essa conduta revela uma total incompreensão do trabalho de guia-
interpretação. O questionamento do esposo era o seguinte: "Ah, mas você vai ter que ficar colada
nele? Tem que ficar segurando nele o tempo todo? A resposta dela foi: “- Tem outro jeito? Se é
Libras tátil que ele usa? Não tem como se comunicar com eles sem pegar nas mãos deles”.
172

O que é um olhar de quem está de fora? O que é o olhar desse esposo, que não entendeu
esse trabalho, nem entendeu o papel da esposa? E ela ainda insistiu: “Ah, mas eu preciso ajudar o
surdocego”. É uma situação complexa e difícil.
Na profissão de Tradutor Guia-Intérprete de Libras, temos que renunciar a nós mesmos, o
nosso próprio corpo, porque é uma doação, seja ela profissional ou seja ela ad hoc. Existem pessoas
com surdocegueira que precisam ter esse contato mais próximo, com formas de comunicação
distintas que carecem dessa proximidade.
Sobre esse profissional, Vilela (2018) relata que: “além do talento, é necessário desenvolver
uma conduta responsável, profissional e ética.” (VILELA, 2018 p. 74). Os participantes, que atuam
com familiares, evidenciam que é difícil manter a ética quando se está tão próximo a pessoa com
surdocegueira. A mãe do jovem com surdocegueira compartilha:

Porque você tem toda uma ética, você tem que ter toda uma sabedoria para trabalhar, para
você conduzir. Então acho que são duas coisas diferentes, você ser como mãe guia-
intérprete, porque você acaba sendo. Talvez você não tenha tanta ética, você deixa escapar
algumas coisas, porque você acaba interferindo como mãe. (NALVA).

O profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português precisa ser imparcial, e muitas


vezes a família por ter o sentimento de autoproteção, não consegue manter essa postura. Além da
percepção da posição da pessoa com surdocegueira proferida pela Villacrés (2002) e Plazas (2002),
Carillo (2018) elaborara uma tabela de conduta ética, que elucida de maneira didática a expectativa
da pessoa surdocega em consonância à atuação do Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português:

QUADRO 9 – CONDUTA DO TRADUTOR GUIA-INTÉRPRETE DE LIBRAS PORTUGUÊS


NORMAS PARA O GUIA-INTÉRPRETE
SURDOCEGA GUIA-INTÉRPRETE
(Sonia Margarita Villacrés) (Maria Margarita Rodríguez Plazas)
CONFIDENCIALIDADE O guia-intérprete deve ser O guia-intérprete não só deve abster-se
totalmente confidencial (não de revelar informações referentes às
revelar conversas, oferecer e dar conversas ocorridas pelos usuários do
dados). serviço em uma situação de guia
interpretação, mas deve também,
observar este mesmo comportamento
com informação aparentemente
irrelevante em torno a tal situação
(quanto tempo durou o serviço, em que
lugar se realizou para quem se realizou
etc.), que em determinado momento
possa permitir extrair conclusões a
respeito disso.
173

FIDELIDADE O guia-intérprete deve ser O guia-intérprete deve transmitir uma


fidedigno na transmissão das mensagem da língua do emissor ao
mensagens, sem mudar, omitir sistema de comunicação ou a língua do
ou aumentar o conteúdo destas. receptor sem omitir nem acrescentar
Não pode emitir opiniões, informação, sem mudar o nível da
critérios ou pensamentos linguagem, o tom ou a intenção do
próprio durante a transmissão emissor. Não importa que as estruturas
de uma mensagem. ou palavras utilizadas não sejam
análogas ou equivalentes com as
empregadas pelo emissor.
IMPARCIALIDADE A pessoa que presta os serviços O guia-intérprete deve transmitir uma
como guia-intérprete deve ser mensagem da língua do emissor ao
antes de tudo. IMPARCIAL em sistema de comunicação ou na língua
uma conversação, discussão, do receptor sem omitir nem acrescentar
controvérsia etc. informação, sem mudar o nível da
linguagem, o tom ou a intenção do
emissor. Não deverá se posicionar ou
emitir sua opinião diante das situações.
Somente deverá transmitir a
mensagem.
DISCRIÇÃO Todo guia-intérprete deve ser O guia-intérprete deve estabelecer
discreto, não deve ser relações cordiais com os participantes
protagonista em nenhum na situação de interpretação. Durante o
sentido, ocupar um lugar, um processo de interpretação seu
espaço em que permita ao comportamento e sua roupa devem ser
surdocego ser ele mesmo. A discretos e sóbrios, sem tentar em
roupa do guia-intérprete deve nenhuma circunstância ser o centro da
ser simples. interação comunicativa.

SELETIVISMO O guia-intérprete deve saber O guia-intérprete só aceitará os


selecionar seu trabalho, pode trabalhos de interpretações que estejam
não aceitar um trabalho se este dentro de sua área de conhecimento e
não estiver de acordo com sua de bem-estar, caso contrário, tem o
crença. direito e a obrigação de negar-se a
prestar um serviço.

CORRESPONDÊNCIA O guia-intérprete deve utilizar a língua


LINGÜÍSTICA - modalidade linguística ou o sistema
de comunicação de acordo com o
usuário surdocego e às suas
necessidades, respeitando sempre o
ritmo próprio de cada pessoa.
Fonte: Carillo (2008, p. 53)90.
As características contidas no quadro estão no código de ética dos intérpretes de Língua
Brasileira de Sinais, visto que, os Tradutores Guia-Intérpretes de Libras-Português estão incluídos
nessa classe por não haver uma classe independente dessa função.
Na segunda aula, sobre atuação do guia-intérprete, propus uma atividade baseada em oito
situações problemas que podem ocorrer no cotidiano de atuação com a pessoa com surdocegueira.

90
Disponível em: http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/1709/1/Elenir%20Ferreira%20Porto%20Carillo.pdf
174

Os participantes careciam de refletir sobre o código de conduta ética e encontrar três soluções
possíveis para cada problema, e dessas três, escolher uma das alternativas. A atividade foi realizada
em duplas e/ou trios em que expuseram ao final do encontro a sua resolução. As situações
problemas e suas possíveis soluções estão narradas a seguir91:

Situação 1
Você está em um supermercado com uma pessoa com surdocegueira e quando chega ao
caixa, após você dizer o total da compra ela retira a carteira do bolso e começa a contar o dinheiro
que possui para entregar a você para que efetue o pagamento. A pessoa com surdocegueira se
atrapalha um pouco e reconta o dinheiro mais de uma vez antes de te entregar. O caixa começa a
ficar irritado e começa a reclamar e pedi para que você pague logo a conta. O que você faz?

CENA 42: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 1

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Letícia: A) Aí a Cristina falou de conversar com surdocego explicar o ambiente ele está, explicar que há uma fila
grande, e pedir esse dinheiro para que você possa fazer esse pagamento, para que você possa contar, para agilizar.
B) Aí eu conversei com ela que eu Letícia, eu, eu ia falar com o caixa, esperem fiquem quieto que eu vou resolver
o problema. Aí eu ia falar com ela pedir, o dinheiro e pagaria.
C) A Rebeca falou... terceira opção... Que pedisse para esperar um pouco, informaria ela que está acontecendo, e
chamaria até mesmo pelo gerente, dentro do supermercado, dizendo tudo o que está acontecendo.
Porque ele como profissional, precisa ter essa paciência. E nós escolhemos a opção de conversar com ela, explicar
o ambiente, antes mesmo de chegar na fila, a gente andando, já sabe como é que tá o supermercado. E já
pedir de antemão esse dinheiro para ficar mais fácil.
Fonte: a pesquisadora.

Situação 2
Você está com uma pessoa com surdocegueira em um evento público (congresso ou
seminário) onde as pessoas normalmente se aproximam dele para conhecê-lo. Você percebe que
ela está cheirando mal a ponto de as pessoas perceberem. As pessoas chegam perto dela e saem. O
que você faria nessa situação?

91
Na resolução das situações problemas houve um debate e participação intensa dos participantes em que os casos
foram discutidos de maneira aleatória, retrospectivamente e prospectivamente, dessa forma não realizei os recortes
de vídeos das situações problemas de maneira individualizada; mas, compartilho a discussão completa com todas as
interferências e intercorrências de uma aula síncrona.
175

CENA 43: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 2

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Ashlee: A) Então a gente pensou que o guia-intérprete tem a função de descrever o ambiente, não é, é para o
Surdocego. Então diante dessa condição, a gente precisa dar uma orientação aí. Então talvez chamar esse surdocego
para ir ao banheiro, e aí discretamente passar essa informação para ele.
Para que ele soubesse o que está acontecendo no ambiente, porque as pessoas estão se afastando. E importante que
ele tenha essa percepção do ambiente. Então a nossa função é comunicar, é informar.
E eu penso também que depende muito do contexto, porque pode ser que você tenha muita intimidade com essa
pessoa, e aí seja mais fácil de explicar. Agora, se você tá conhecendo esse surdocego, tá com pouco tempo de
contato. É um pouco mais difícil de passar essa informação né. Mas de qualquer forma, Eu Acredito que por
conduta ética é importante que, o guia-intérprete comunique e passe essa informação.
Até porque a gente tá falando da ação, do ambiente, precisa descrever o ambiente, explicar o que tá acontecendo.
Então ele tem o direito de saber.
Samuel: B) Então o que a gente estava discutindo, no grupo, é que depende muito de quem é o surdocego, depende
qual é o contexto do Fedor, né, porque às vezes o Fedor se for é .... como eu posso explica isso...... é que depende
muito se for por exemplo é se for CC aqui dá para explicar... Assim olha vamos no banheiro ali né...acho que eu as
pessoas estão aqui percebendo..
Então agora se for no contexto de ser gases....ai ai eu acho é bom e importante explicar falar assim, “olha então dá
uma controlada aí amigo que tá difícil”. Mas depende muito também do surdocego, da intimidade que você tem
com ele. E aí você o chama no particular e explica.
C) Se tiver num lugar por exemplo, que muita gente não sabe Libras tátil, perfeito aí você mesmo avisa, fala
“amigo, por favor neh”. Agora se tiver em lugar, que tem bastante surdos, assim que eles vão perceber, pela sua
língua de sinais. Aí é bom a gente, sei lá você discreto, a gente pode usar também a comunicação Háptica né.
Se for alguém que está atrás dele, ele pode avisar usando a comunicação Haptica e aí vai ser mais discreto.
Mas a ideia é ser mais discreto possível.
Kedma: Professora posso fale um pouquinho sobre esse tema?! Por ser um fato de constrangimento, que traz
constrangimentos para as pessoas. A gente precisa ter muita empatia nesse momento. Então o correto seria alguém,
testar usar um meio de comunicação, que trouxesse para o Surdocegos uma tranquilidade, “nossa está muito calor,
estou suando muito, eu vou usar desodorante, você vai passar também”?
Fonte: a pesquisadora.

Situação 3
As pessoas estão contando piadas em uma mesa de almoço, e a pessoa com surdocegueira
não teve acesso a essas informações. As pessoas estão rindo sem parar. De repente a pessoa com
surdocegueira pergunta o que está acontecendo. O que você faz?

CENA 44: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 3

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica


176

Marcela: essa é uma situação que a gente vive acontecendo, não por imprudência do guia intérprete, é que às vezes
por exemplo, uma pessoa coloca alguma coisa na cabeça do outro ali na mesa, quer fazer uma zoeira, uma
brincadeira e aí todo mundo, caiu na gargalhada.
E foi tão rápido que não deu tempo de processar. A primeira discussão que a gente colocou é: A) A gente já fala
pro surdocego que é uma piada, porque até você descrever, todo o ocorrido, de repente, o surdocego pode até se
irritar, porque tá todo mundo dando risadas.
Elaine: É a primeira alternativa de vocês né
Marcela: Sim, acontece que muita coisa que tem graça para o ouvinte não tem graça pro surdo e nem para o
surdocego. Aí entra a nossa instrumentalização, para fazer que aquilo teria sentido e graça para o surdocego. Então
a gente colocou tudo isso na discussão. B) Falar para o surdocego que é uma piada, escrever; mas, com atenção,
que faça sentido para o surdocego.
Elaine: E a terceira? Já está na terceira, também?
Elaine:É tudo uma resposta só? C) Então assim você pode ignorar, falar assim “não é nada não”. Ou você pode
fazer “é uma piada” e não explicar. Ou você pode fazer assim “olha é uma piada que aconteceu, isso, isso, isso.”
Merivani: É, então nós 3, nós nem consideramos, não falar nada, e não explicar a piada. Nós nem consideramos
essa hipótese, já fomos direto para explicar mesmo.
Elaine: Mas, saiba que é uma hipótese que existe sim. Outra pessoa falaria assim “Ah não é nada não”. Não está
vendo mesmo.
Merivani: É verdade. Eu até falei para ela, tenho uma irmã que é surda, na casa da minha mãe acontece isso direto.
Eles não explicam para ela, o que está acontecendo. Agora que minha mãe finalmente, começou a estudar um pouco
a Libras, ela já começou ver o outro lado.
Então vire e mexe a minha mãe explica algumas coisas. Minha irmã tem 40 anos, e assim, tem hora que está a
família toda reunida e todo mundo rindo, ela está lá rindo também. Olhando para você.
Quando eu estou lá, eu ainda interpreto e falo, ele falou aquilo.... Aí ela ri com sentido. Eu tento mostrar isso para
família; mas é um trabalho de formiguinha.
Fonte: a pesquisadora.

Situação 4
Você tem o conhecimento que a pessoa com surdocegueira que você atende não gosta de
determinada pessoa. Essa pessoa chega ao local que ela está e começa a falar mal dela para outros.
O que você faz nessa situação?

CENA 45: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 4

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Hilda: Alternativa A) Ir embora do local, levaria um surdocego embora. Alternativa B), ficaria, mas não contaria
nada do que está acontecendo. Alternativa C) Contextualizaria, e solicitaria a opinião do surdocego.
Márcia: Nossa resposta foi a C. Nós contextualizaríamos, para o surdocego: Ó fulano de tal chegou, e ele vai
se pronunciar. E aí o que que você quer? Você quer saber o que ele está falando de você? Ou você quer que
a gente saia do lugar? Nós colocaremos essa condição para o surdocego. Nós não tomaremos a decisão, mas
deixaremos o surdocego nos dar esse feedback, para assim, tomarmos uma decisão.
Elaine: Perfeito.
Fonte: a pesquisadora.
177

Situação 5
Uma pessoa com surdocegueira pede a você para levá-la em uma comunidade religiosa
diferente daquela que você frequenta. Chegando lá você precisa participar dos rituais para que ela
compreenda todo o contexto. Você faz o quê?

CENA 46: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 5

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Rebeca: Na Alternativa A) a gente colocou dizer não já de cara. Pode acontecer. Alternativa B) pesquisar qual é
a comunidade, quais são os rituais. Para depois dar um parecer. Alternaria C) seria procurar uma outra pessoa que
pudesse fazer. Essas são as alternativas.
A nossa alternativa final, seria fazer essa pesquisa. Procurar saber, que comunidade é essa, diferença, quais
são os rituais, para ver se a gente ia se sentir bem, para depois dar um parecer.
E eu acho que a letra C dá para fazer um complemento né. Se a gente não se sente bem, não custa nada procurar um
colega que vai se sentir bem... Inclusive a professora Silvia, eu gostei muito muito mesmo da fala dela, ela contou
uma experiência.
Fonte: a pesquisadora.

Situação 6
Uma pessoa com surdocegueira gosta de esportes radicais e pede para que você salte de
paraquedas com ela. Como você sente medo, avisa a ela que não vai. Com a sua posição, ela desiste
do sonho de pular de paraquedas. O que você faz?

CENA 47: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 6

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Charlie: O meu texto fala que, o surdocego gosta de esportes radicais, e pede para fazer uma interpretação numa
tela de paraquedas. Aí eu digo que eu não quero, que eu tenho muito medo. Aí ele responde que então acabou meu
sonho.
Eu não consegui ver as alternativas, tem aí para vocês?
Elaine: Não, as alternativas, você tinha que pensar, como que você poderia resolver.
Você poderia dizer, A) desculpa eu tenho muito medo, não vou poder ir. Essa seria uma, quais outras você pensou?
Charlie: A segunda alternativa B) poderia ser, se eu sou cardíaca, tenho algum problema grave, e não poderia de
jeito nenhum com você. Alternativa C) pensando na fidelidade e na ética, se ele responde “ah então acabou meu
sonho então”.
Para ajudar ele, com coragem iria junto.
Elaine: E O que você faria Charlie?
Charlie: Eu iria junto.

Fonte: a pesquisadora.
178

Situação 7
Você vai ao médico com uma pessoa com surdocegueira e o doutor faz um discurso longo
ao ver os exames solicitados, ao final da leitura de exames, diz para você que essa pessoa surdocega
tem uma doença muito séria e que ela tem pouco tempo de vida. Você faz o quê?

CENA 48: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 7

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Nalva: Alternativa A) sai do médico e conversa depois. Alternativa B), interpreta na íntegra durante a consulta. Ou
C), omitir e deixar que a família converse depois.
Nós escolhemos a alternativa B), interpretar na íntegra. Porque, é uma situação muito séria e nós se fossemos
o próprio paciente, o medido teria falado para nós. Na lealdade, fidelidade é um momento de conversa, de
perguntar para que ele possa até tirar a suas dúvidas a respeito.
Então a gente escolheu interpretar na íntegra, para que todas as dúvidas, sejam sanadas ali naquele momento. É
uma situação difícil; mas, a gente precisa ter calma, paciência.
Fonte: a pesquisadora.

Situação 8
Uma pessoa com surdocegueira é muito versátil e gosta de aprender novas atividades,
pesquisa vários cursos e decide fazer um curso de dança; mas, para isso precisa de um
acompanhante para ensinar dança para ela. Você não sabe dançar nem sozinho, quanto mais
acompanhado. O que você faria nessa situação?

CENA 49: RESOLUÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA 8

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Ivonete: Bom primeiro eu ia explicar para o surdocego que eu não sei dançar, não sei de jeito nenhum. Mas é se
ele quisesse, eu ia dar 2 opções para ele. A) Se você quiser eu posso acompanhar, até a..... é se você gosta tanto
assim da minha companhia, eu posso te acompanhar até a escola de dança.
E fazer a mediação entre você e o instrutor, auxiliar o instrutor de dança na parte técnica, no que eu puder. Ou então
se você preferir, e achar mais conveniente, B) nós podemos procurar um outro guia-intérprete que seja capaz de
fazer melhor, que saiba dançar e tudo mais.
Aí se acaso ele não aceitasse nenhuma das condições. C) Ia ter que fazer ele mudar de ideia procurar outro curso
então.
Elaine: Qual foi a opção que vocês escolheram então?
179

Rebeca: Uma das opções que a gente ficou mais enfatizando e que ele poderia comunicar em aberto, é que
nós não saberíamos, falar e dançar. Nós não sabemos dançar, mas que poderíamos acompanhar. Então acho
que é, transmitir para ele toda a parte técnica, do passo a passo.
Tudo aquilo que o professor for orientando. Mas que ele fosse conduzido, na hora da parte prática, quem iria
conduzi-lo seria o professor. Assim foi o que a gente conversou aqui.
Fonte: a pesquisadora.
As duplas/trios se empenharam na atividade e mostraram propostas interessantes
fortalecendo o protagonismo. Apresentaram as respostas baseados no código de ética dos guias-
intérpretes. Além disso, tivemos a participação das pessoas com surdocegueira sobre suas
percepções de como gostariam que essas situações fossem solucionadas.

CENA 50: SOLUÇÕES ÀS SITUAÇÕES PROBLEMAS

Tema: Estratégias na guia-interpretação e utilização da comunicação social háptica

Fonte: a pesquisadora.
O vídeo aponta as respostas, interações que ocorreram, e as experiências cruzadas que
foram compartilhadas. As características listadas no quadro 9 sobre a ética do profissional guia-
intérprete foram parâmetros mencionados em respostas da proposta de resolução das situações
problemas.
As pessoas com surdocegueira participaram ativamente da resolução das situações e
refletiram sobre como eles gostariam de ser atendidos nestas circunstâncias mencionadas. No papel
de guia-intérprete destaco a importância do fortalecimento do vínculo para um atendimento
diferenciado, visto que, isso o torna qualitativo, em consonância a habilidades, competências,
interesses e aptidões descobertos no relacionamento proximal.

6.4 A PROFISSÃO TRADUTOR GUIA-INTÉRPRETE DE LIBRAS - PORTUGUÊS:


RECONHECIMENTO, LEGISLAÇÃO E FORMAÇÃO
180

Em algumas aulas, durante o curso de extensão, tivemos a participação de surdos como


convidados, amigos das pessoas com surdocegueira participantes. Isso configura-se como um
comportamento natural, visto que, pessoas surdocegas, embora tenham uma comunidade
própria, são simpatizantes da comunidade surda: seja pelo fato de terem sido integrantes dessa
comunidade um dia, ou de serem amplamente acolhidos pelos surdos no processo de empatia,
ou de utilizarem comunicações relacionadas à Libras que é a língua utilizada pelos surdos. Todas
as pessoas surdocegas participantes da pesquisa utilizam a Libras tátil como sistema de
comunicação principal.
Todos os documentos mencionados sobre a formação, formalização e reconhecimento do
profissional do Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português, abarcam uma relação direta com
o profissional Tradutor Intérprete de Libras-Português, pelo fato da junção de perdas sensoriais
remeterem à Libras como comunicação viável e possível.
Muitos surdos que se tornam pessoas com surdocegueira utilizam a Libras tátil pelo fato
de ter a apropriação da Libras e essa adaptação acontecer de maneira mais natural. Então, para
explicitar a profissão estabeleço o paralelo com a profissão do Tradutor Intérprete de Libras, pois
estão intimamente ligados.
Os participantes desta pesquisa atuam com surdos e pessoas com surdocegueira e
iniciaram o atendimento a partir da Libras tátil ou de Libras em campo reduzido,92 sendo assim,
são fluentes na Libras e alguns possuem formação como Tradutor Intérprete de Libras-Português.
“A minha experiência com a Libras iniciou-se a 22 anos, quando iniciei meu namoro com o meu
esposo, o meu cunhado, irmão do meu esposo, é surdo, ele ficou surdo aos 7 anos de idade,
devido a meningite. Foi a partir daí que comecei com a Libras.” (LILI). Hoje a participante busca
formação para atuar como guia-intérprete.
Outra participante está concluindo a formação específica para Tradutor Intérprete de Libras-
Português: “Estou cursando o último ano em Letras-Libras. Eu já sou intérprete há 10 anos.
Comecei a estudar Libras porque conheci uma pessoa, a Mary. Ela tinha 2 filhas surdas, e sempre
que ela estava conversando, ao mesmo tempo, as filhas dela queriam interagir comigo.” (MILLA).
Uma pedagoga que trabalha na área de deficiência auditiva, é especializada na área de
deficiência visual: “Eu atuo como professora de Educação e deficiência auditiva e Professora de

92
A Libras em campo reduzido é utilizada por pessoas com surdocegueiras que possuem resíduos visuais, dessa forma
o TGILSP se posiciona à frente da pessoa com surdocegueira dentro do campo de percepção visual dele. A distância e
posicionamento varia de acordo com cada pessoa com surdocegueira.
181

educação básica em Carapicuíba. [...] Eu tenho pós-graduação em língua de sinais e estou fazendo
outra graduação em gestão. Também tenho a formação na área de deficiência visual.” (SININHO).
A participante Silvia menciona que: “Eu tenho Licenciatura em matemática, pós-graduação em
interpretação-tradução e docência em Libras pela Uníntese.” (SÍLVIA).
Um panorama legal sobre a regulamentação da profissão do Tradutor Guia-Intérprete de
Libras-Português é elencado pela Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores
e Intérpretes e Guia-intérpretes de Língua de Sinais93 (FEBRAPILS). A entidade profissional
autônoma, fundada em 22 de setembro de 2008, tem a finalidade de orientar, apoiar e respaldar
o trabalho dessa classe profissional de tradutores intérpretes, bem como as associações que os
representam.
A FEBRAPILS defende três pilares principais que consistem na formação inicial e
continuada dos profissionais TILSP (Tradutor Intérprete de Libras-Português), que consiste em
meu objeto de pesquisa. A profissionalização sobre a atuação dos TILSP à luz do código de
conduta e ética, que é imprescindível para uma atuação consciente, e o engajamento político dos
TILSP para construir uma consciência coletiva e conquistar espaço e reconhecimento em
diversos âmbitos.
Em destarte o panorama da legislação em ordem cronológica até chegarmos na vigente,
elucidando a atuação do profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português.
A Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre o reconhecimento da Libras
como meio legal de comunicação da comunidade surda brasileira, que contempla o atendimento
a pessoas com surdocegueira também pela perda sensorial auditiva.

Art. 1º. É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira
de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de
comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com
estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e
fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
Art. 2º. Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão
da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização
corrente das comunidades surdas do Brasil.
Art. 3º. As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de
assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de
deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.
Art. 4º. O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e
do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação

93
Informações disponíveis no site com o endereço eletrônico: https://febrapils.org.br/ Acesso em: 27 mai. 2021.
182

Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino


da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares
Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. (BRASIL, 2002).

O Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de


abril de 2002, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. O Decreto nº 5.626/2005
traz em seu bojo os aspectos de formação do profissional TILSP e suas características primordiais
de formação:

Art. 17. A formação do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa deve efetivar-
se por meio de curso superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em Libras -
Língua Portuguesa.
Art. 18. Nos próximos dez anos, a partir da publicação deste Decreto, a formação de
tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada
por meio de:
I - cursos de educação profissional;
II - cursos de extensão universitária; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e
instituições credenciadas por secretarias de educação.
Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por
organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o
certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III. (BRASIL,
2005).

O Decreto nº 5.626/2005 ainda menciona a primazia de formações vinculadas a


instituições de ensino superior e credenciadas pelo Ministério da Educação, MEC. Outras
informações contidas no decreto são referentes a atuação de ouvintes com formação em nível
superior, competência e fluência em Libras, ou profissional ouvinte com nível médio,
competência e fluência em Libras ambos para interpretações simultâneas e consecutiva, com
aprovação em exame de proficiência promovido pelo MEC, ou profissional surdo com
competência para realizar traduções em eventos e cursos. A profissão de TILSP foi
regulamentada por meio da Lei Federal nº 12.319 de 1º de setembro de 2010.

Art. 1º. Esta Lei regulamenta o exercício da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS.
Art. 2º. O tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas)
línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação
da Libras e da Língua Portuguesa.
Art. 3º. (VETADO)
Art. 4º. A formação profissional do tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa,
em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I – cursos de educação profissional reconhecidos pelo Sistema que os credenciou;
II – cursos de extensão universitária; e
III – cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e
instituições credenciadas por Secretarias de Educação.
183

Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por
organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o
certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III. (BRASIL,
2010).

Os critérios de formação para atuação do TILSP foram mantidos na Lei nº 12.319/2010,


contudo, não menciona a atuação do Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português . Em seu artigo
6º traz o atendimento a pessoas com surdocegueira:

[...]Art. 6º. São atribuições do tradutor e intérprete, no exercício de suas competências:


I - efetuar comunicação entre surdos e ouvintes, surdos e surdos, surdos e surdos-cegos,
surdos-cegos e ouvintes, por meio da Libras para a língua oral e vice-versa;
II - interpretar, em Língua Brasileira de Sinais - Língua Portuguesa, as atividades didático-
pedagógicas e culturais desenvolvidas nas instituições de ensino nos níveis fundamental,
médio e superior, de forma a viabilizar o acesso aos conteúdos curriculares;
III - atuar nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino e nos concursos
públicos;
IV - atuar no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim das instituições de
ensino e repartições públicas; e
V - prestar seus serviços em depoimentos em juízo, em órgãos administrativos ou
policiais. (BRASIL, 2010).

Dessa forma, mesmo sem mencionar o Tradutor Guia-Intérprete faz referência a utilização
da Libras para comunicação com a pessoa com surdocegueira e com o entorno, fazendo essa
transposição linguística.
Em 2015 foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência). A Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que traz em seu texto no capítulo
IV o Direito à educação, mencionando projetos e práticas pedagógicas visando a inclusão plena às
pessoas com deficiência. Nessa lei aparece a atuação do profissional guia-intérprete.

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema
educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma
a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas,
sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de
aprendizagem. [...]
XI - formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional
especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais
de apoio; [...]
§ 2º Na disponibilização de tradutores e intérpretes da Libras a que se refere o inciso XI
do caput deste artigo, deve-se observar o seguinte:
I - os tradutores e intérpretes da Libras atuantes na educação básica devem, no mínimo,
possuir ensino médio completo e certificado de proficiência na Libras; (Vigência)
II - os tradutores e intérpretes da Libras, quando direcionados à tarefa de interpretar nas
salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com
habilitação, prioritariamente, em Tradução e Interpretação em Libras. (Vigência)
(BRASIL, 2015 grifos da autora).
184

Mais uma vez a lei traz a primazia da formação em níveis de graduação e pós-graduação
para os TILSP que atuam no ensino superior, e a proficiência para aqueles que atuam na educação
básica, mas não mencionam especificamente a formação do Tradutor Guia-Intérprete.
A Lei 12.319/2010, dispõe de progressos sobre o exercício profissional e condições de
trabalho do profissional TILSP, mas não menciona a regulamentação do Tradutor Guia-Intérprete
de Libras-Português.
94
O Projeto de Lei PL 9.382/2017 tramitou na Câmara dos Deputados fora discutido nas
cinco regiões do Brasil, em plenárias, para propor o texto definitivo e negociações de forma
coletiva. Essa proposta foi aprovada em plenário em regime de urgência em 24 de abril de 2019.
Em 10 de dezembro de 2020 o projeto de lei foi aprovado em plenária pela Câmara dos Deputados
Federais e foi encaminhado ao Senado Federal para tramitação e aprovação. Atualmente atende
por PL 5614/2020 e aguarda tramitação no Senado Federal. O Projeto de Lei define:

Art. 1º Esta Lei regulamenta o exercício da profissão de tradutor, guia-intérprete e


intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras).
§ 1º Para os efeitos dessa lei é considerado:
I – tradutor e intérprete o profissional que atua na mobilização de textos escritos, orais e
sinalizados de Libras para Língua Portuguesa ou vice-versa;
II – guia-intérprete o profissional que domina diversas formas de comunicação utilizadas
pelas pessoas com surdocegueira.
§ 2º A atividade profissional de tradutor, guia-intérprete e intérprete de Libras - Língua
Portuguesa acontece em qualquer área ou situação em que pessoas surdas e surdocegas
precisem estabelecer comunicação com não falantes de sua língua em quaisquer contextos
possíveis.
Art. 2º O exercício da profissão de tradutor, guia-intérprete e intérprete é privativo:
I – dos portadores de diploma em cursos superiores de bacharelado em tradução e
interpretação em Libras - Língua Portuguesa ou em Letras com habilitação em tradução e
intepretação de Libras e Língua Portuguesa, oficiais ou reconhecidos pelo Ministério da
Educação;
II – dos portadores de diploma em cursos superiores em outras áreas que, na data de
publicação desta lei, tenham sido aprovados em exame de proficiência em tradução e
interpretação em Libras - Língua Portuguesa;
III – dos portadores de diploma em cursos superiores em outras áreas que possuírem
diplomas de cursos de extensão, formação continuada ou especialização, com carga
horária mínima de 360 (trezentos e sessenta horas) e tenham sido aprovados em exame de
proficiência em tradução e interpretação em Libras - Língua Portuguesa; [...]
§ 3º A formação do guia-intérprete será realizada por meio de curso especifico ou de
extensão universitária credenciados pelo Ministério da Educação ou Secretarias
Municipais ou Estaduais de Educação (BRASIL, SENADO FEDERAL 2017, grifos da
autora).

94
PL foi remetido (em 14/12/2020) ao Senado Federal e atualmente aguarda apreciação dos senadores. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2166683 Acesso em: 07 out. 2022.
185

O texto abarca as esferas da atuação e reconhecimento do Tradutor Guia-Intérprete de


Libras-Português, trazendo à tona a emergência da formação específica para o exercício da
profissão. E dentro dessa proposta, salientamos que os cursos de graduação em níveis de
bacharelado de Letras-Libras certamente precisarão ser reformulados para atender as exigências do
público das pessoas com surdocegueira, visto que, os objetivos dos cursos são prioritariamente os
surdos, não contemplando as necessidades ímpares das pessoas surdocegas.
Outro fator que reflito é sobre a proposta curricular onde todas as formas de comunicação
na surdocegueira sejam contempladas. Uma participante ao ser chamada para atender uma pessoa
com surdocegueira no Enem passou por essa dificuldade devido ao déficit na formação:

Perguntei inclusive lá para a coordenadora, e ela não soube me informar. Porque a gente
não domina, realmente eu não tenho o domínio de todas as formas de comunicação; e se
ela utilizasse por exemplo, o braile tátil, eu estaria perdida, porque eu não tenho domínio
do braile tátil. E outras formas de comunicação. Sei algumas, porém não sei todas ainda.
Posso até aprender um pouco mais; mas, é difícil. E aí eu fiquei assustada, porque quando,
antes da gente começar a fazer a Guia-interpretação de atender essa pessoa. E chegou uma
guia-intérprete, foi uma das primeiras pessoas que chegou no prédio, eu fiquei
conversando com ela que me contou que ela fez um curso online, aí eu falei assim: “Nossa!
E você sabe qual é o tipo de comunicação que a gente vai utilizar?” Ela respondeu: “, A
Libras tátil né” aí eu falei: “Ah nem sempre”. (ASHLEE).

Essa narrativa evidencia a urgência da formação com carga horária específica, que
contemple todas as formas de comunicação na surdocegueira, porque a Libras tátil nem sempre é
utilizada pela pessoa com surdocegueira que atendemos, existem outras demandas.
A Libras tátil, se configura como um ponto de partida, visto que contempla uma estrutura
linguística sólida e é reconhecida como língua. Nessa perspectiva, o curso bacharelado de Letras-
Libras seria um pontapé inicial.
Atualmente oito universidades públicas oferecem o curso de bacharelado em Letras-Libras
no Brasil, computando cargas horárias diversas e objetivos de desenvolvimento de competências,
habilidades e atitudes nas áreas de interpretação em língua de sinais e atendimento ao público surdo
como compartilhado no quadro a seguir:

QUADRO 10: CURSOS DE BACHARELADO EM LETRAS LIBRAS


Instituição Título do Carga Objetivos dos cursos
Curso horária
186

UFSC Letras Libras: 2.850h […] objetiva produzir e divulgar conhecimento nas áreas de língua,
Bacharelado - literatura e cultura, buscando disponibilizar os meios que possam
EAD contribuir para a capacitação do futuro professor e do futuro
bacharel, integrados à sociedade através da formação de
profissionais competentes, críticos e criativos […] de modo a
exercer de maneira plena as atividades de professor, pesquisador,
crítico literário, tradutor, intérprete, revisor de texto, roteirista,
assessor cultural, lexicógrafo, entre outras, enfim, atividades de
profissionais das letras inseridos nos atuais contextos promovidos
pelo advento da globalização […] [esse trecho se refere tanto ao
bacharelado quanto a licenciatura]

UFSC Letras Libras: 3.360h […] objetiva produzir e divulgar conhecimento nas áreas de língua,
Bacharelado – literatura e cultura, buscando disponibilizar os meios que possam
PRESENCIAL contribuir para a capacitação do futuro professor e do futuro
bacharel, integrados à sociedade através da formação de
profissionais competentes, críticos e criativos […] o bacharel
poderá prestar serviços linguísticos de diferentes tipos como
revisão e redação de textos, tradução e consultoria linguística, por
exemplo.

UFRJ Letras Libras: 2.890h […] possui o objetivo específico de formar tradutores e intérpretes
Bacharelado – de Libras-português, com sólidos conhecimentos de teorias da área
UFRJ de Estudos da Tradução, Interpretação, Linguística e Literatura.
[…] Este curso formará profissionais aptos para atuar como
tradutor e intérprete de LIBRAS, em diferentes contextos, com foco
na área da educação.

UFG Letras: 3.160h […] destina-se à formação de tradutores e intérpretes de Libras para
Tradução e português e vice-versa para atender às diversas demandas
Interpretação linguísticas existentes na esfera social. O bacharel deste curso
em poderá atuar, também, no desenvolvimento de pesquisas no campo
Libras/Portuguê da Linguística e da Tradução, bem como exercer funções que
s: Bacharelado – tenham como foco principal a linguagem em uso, especificamente
UFG no que diz respeito à tradução e interpretação de Libras para
Português e vice-versa.
UFES Letras Libras: 3.020h […] objetiva produzir e divulgar conhecimento nas áreas de língua,
Bacharelado em literatura, tradução e cultura. Os alunos receberão formação
Tradução e prático-teóricas no campo dos estudos da tradução e da
Interpretação – interpretação de Língua Portuguesa Língua Brasileira de Sinais ou
UFES vice-versa. O bacharel em Letras-Libras poderá prestar serviços
linguísticos de diferentes tipos, de tradução/interpretação de textos
gerais, literários, jurídicos, econômicos, técnicos e científicos e em
diferentes contextos de interpretação.
187

UFRR Graduação em 2. 580h […] pretende formar profissionais que sejam capazes de lidar com
Letras/Libras: as linguagens nos contextos oral, sinalizado e escrito bem como
Bacharelado – tratar com a interculturalidade, construindo e propagando uma
UFRR visão crítica da sociedade. Considerando à formação de bacharéis
que dominem a Libras e a língua portuguesa bem como fatos
relativos às culturas surda e ouvinte, de modo a exercerem de
maneira plena as atividades de tradutor, intérprete, revisor de texto,
roteirista entre outras atividades de profissionais das letras
inseridos nos atuais contextos promovidos pelo advento da
globalização […]

UFSCAR Bacharelado em 2.940h O objetivo geral […] é de formar profissionais com postura ética,
Tradução e crítica e reflexiva quanto ao seu papel e sua prática de atuação junto
Interpretação à comunidade surda. Os objetivos específicos do curso são: -
em Libras/ capacitar profissionais tradutores e intérpretes de Libras-Língua
Língua Portuguesa para lidar com as diferentes linguagens em circulação
Portuguesa – social em Libras e em Língua Portuguesa; - conscientizar os
UFSCar profissionais tradutores e intérpretes de Libras-Língua Portuguesa
sobre sua inserção na sociedade e nas relações com os outros; -
capacitar profissionais tradutores e intérpretes de Libras-Língua
Portuguesa para atuarem nos diversos espaços sociais […]

UFRGS Bacharelado em 3.255h […] tem como objetivo formar profissionais capacitados para
Letras: Tradutor realizar traduções e versões de textos variados, além de oportunizar
e Intérprete de o desenvolvimento das competências necessárias ao exercício da
Libras – tradução […] visando à formação de tradutores e intérpretes que
UFRGS tenham o domínio das línguas estudadas bem como de fatos
relativos às suas culturas, de modo a exercer de maneira plena as
atividades de intérprete, pesquisador, consultor linguístico, entre
outras […]

Fonte: A Pesquisadora com base em Rodrigues (2018).


De todos os cursos elencados, o Letras-Libras - Bacharelado em Tradução e Interpretação,
proposto pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) possui uma disciplina voltada para
a atuação em guia-interpretação, embora os objetivos evidenciados sejam prestação de serviços
linguísticos, tradução e interpretação de textos gerais e diferentes contextos de interpretação.
O curso possui como disciplina obrigatória no 7º período “Aspectos Tradutórios e
Interpretativos do Guia-intérprete”, com a carga horária teórica semestral de 30 horas e carga
horária de exercícios semestral de 30 horas, totalizando 60 horas95.
Algumas disciplinas do curso exigem um conhecimento prévio ou a de uma disciplina
específica cursada antes como requisito, por exemplo, a disciplina de Aspectos Tradutórios e

95
Informações disponíveis no site da UFES no endereço: https://letras.ufes.br/pt-br/matriz-curricular-4 Acesso em 25
mai. 2021.
188

Interpretativos do Guia-intérprete não exige pré-requisito. O cronograma do curso elaborado em


02 de fevereiro de 2016, foi revisado e atualizado em 01 de julho de 2020 pelo Prof. Dr. Pedro
Henrique Witchs.
A carga horária é pequena se comparada com as outras disciplinas voltadas para o
atendimento ao surdo, mas acredito que seja um pontapé inicial positivo para a construção de um
currículo que privilegie a formação do profissional do Tradutor Guia-Intérprete de Libras-
Português, pensando no âmbito da graduação.
No que tange a pós-graduação voltada para a surdocegueira e atendimento a pessoa com
surdocegueira, algumas encontram-se iniciativas em instituições de ensino privadas. Os cursos são
ofertados na modalidade EAD e embora sejam adotados nomes diferentes entre as instituições,
possuem a mesma carga horária e os mesmos objetivos na ementa, o que dá indício de fazer parte
de um mesmo grupo educacional.

QUADRO 11: CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EAD


Faculdade Nome Curso de Pós- Carga horária Objetivos do curso
Graduação
Faculdade São Luis - Educação especial com 600h Instrumentalizar os profissionais da educação para
Jaboticabal ênfase em deficiência o trabalho com alunos que apresentam essas
visual, auditiva e deficiências, por meio de práticas pedagógicas
surdocegueira fundamentadas em estudos teóricos e práticos, que
proporcionam a efetiva preparação para o
atendimento especializado.
- FAVENI Faculdade Educação/ 620h Formar profissionais especializados em Educação
Venda Nova do Surdocegueira Especial com competência para trabalhar no
Imigrante atendimento educacional especializado – sala de
recurso multifuncional, proporcionando o sucesso
- ALFA Instituição escolar dos alunos surdocegos, reconhecendo e
EAD valorizando suas diferenças e potencialidades,
promovendo o desenvolvimento da sua
- Grupo Educacional independência, autonomia e empoderamento,
Ibra favorecendo a inclusão escolar e a inclusão social
deles.
- Instituto Ensinare

- Universia
Fonte: A pesquisadora em pesquisa realizada pelo Google.
Enquanto não se propõe a formação em nível de graduação, são realizados cursos de
formação continuada e capacitação, fornecidos por ONGs e instituições que atendem pessoas com
surdocegueira e múltiplos deficientes sensoriais.
O primeiro curso de capacitação intitulado “Capacitação de guias-intérpretes empíricos
para pessoas surdocegas” aconteceu na cidade de São Caetano do Sul no estado de São Paulo com
189

certificação de 48 horas, datado em 25 de outubro de 1999. O curso de contou com o apoio do


Programa para Criação de Organização de Pessoas Surdocegas da América Latina (POSCAL),
Federação de Surdocegos da Suécia (FSDB), Federação Nacional de Surdos da Colômbia
(FENASCOL) e Associação Brasileira de Surdocegos (ABRASC).

FIGURA 17 – CERTIFICADO DO PRIMEIRO CURSO DE CAPACITAÇÃO DE GUIAS-INTÉPRETES DO


BRASIL

Fonte: participante da pesquisa.

O curso ocorreu na Escola Municipal Anne Sullivan, a primeira destinada a pessoas com
surdocegueira da América Latina. A partir daí outras capacitações aconteceram e estão relatadas
na apostila de Formação de Guia-Intérprete vinculada ao Projeto Pontes e Travessias. A apostila
foi elaborada e revisada pela Professora Dra. Shirley Rodrigues Maia e a Professora Ms. Dalva
Rosa Watanabe. O curso se processa em parceria à Associação Educacional para Múltipla
Deficiência (AHIMSA), Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial
e a Associação Brasileira de Surdocegos (ABRASC).
A apostila apresenta dados históricos referentes a formações, eventos e celebridades
surdocegas do Brasil e do exterior e relatos da realização de dez cursos de capacitação entre os
anos de 2000 e 2004, em diversos estados e instituições.

QUADRO 12 - CURSOS DE CAPACITAÇÃO PARA GUIAS-INTÉRPRETES


Ano Instituição Estado Curso Participantes
190

2000 - Instituto Nacional de Educação de RJ Curso de Capacitação 60


surdos (INES)
- Fundação Catarinense de SC 32
Educação Especial
2001 - Instituto Nacional de Educação de RJ Módulo II 40
surdos (INES)
- Instituto Nacional de Educação RJ Curso informativo no CEAD 30
de surdos (INES)
2002 - Universidade de Foz do Iguaçu PR Módulo de Latu Sensu em Ed. Esp. 35
- Escola ECAI Alagoinhas Curso de Capacitação
comunidade Taizé AL Comunicação, Mobília adaptada 10
- Alagoinhas em Papelão e Intervenção Precoce
AL 120
2003 - Associação de Pais e Amigos dos SP Capacitação de Guias-Intérpretes 27
Excepcionais (APAE)
- Secretaria Municipal de Educação
de São Paulo SP 32
2004 Escola São Rafael MG Curso de Capacitação -
Fonte: Maia e Watanabe (2012).
No Brasil contamos com a iniciativa de formação/capacitação de Guias-intérpretes por meio
do curso oferecido pela AHIMSA em parceria com Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao
Múltiplo Deficiente Sensorial e a ABRASC, realizado em São Paulo, voltado para atendimento de
pessoas com surdocegueira adquirida. É emergente o surgimento de espaços de formação e
capacitação do profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português.
O curso oferecido pelo Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego é composto de 48h presenciais,
120h online e 80h de estágio, computando 248h e traz em seu conteúdo programático os seguintes
temas:
● Contextualização Histórica;
● Histórico da Educação do Surdocego no Mundo e no Brasil;
● Estatuto da Abrasc – Associação Brasileira de Surdocegos;
● Aquisição de uma nova forma de comunicação para pessoas com surdocegueira
adquirida;
● Guia-intérprete, função e técnicas de interpretação;
● Ética e Guia-interpretação;
● Aspectos emocionais dos surdocegos pós-linguísticos;
● Legislação;
● Estágio.
Dos participantes da pesquisa, três concluíram a capacitação oferecida pelo Grupo Brasil
de Apoio ao Surdocego: Hilda, Samuel e Ashlee e mencionam sua importância no processo de
191

profissionalização. “Gostei muito do curso proposto pela AHIMSA. Agregou muito no pouco
conhecimento que tinha sobre as abordagens e tipos de comunicação que tinha apenas por ter
contato com esses sujeitos. Aprendi outras possibilidades comunicativas das quais desconhecia.”
(ASHLEE).
O que compartilharam foi referente à oportunidade de realizar estágio com pessoas com
surdocegueira que utilizam diversas formas de comunicação. Nessa perspectiva, de atuação com
pessoas surdocegas adquiridas, é possível refletir sobre a atuação e nosso papel na vida de cada
pessoa que atendemos. Uma das participantes realizou uma observação referente ao tempo de curso
e necessidade de aperfeiçoamento.

[...]seria de suma importância que o curso pudesse aprofundar mais tais formas de
comunicação pois infelizmente ninguém conclui o curso dominando-as efetivamente. Se,
teoricamente conquistamos o certificado e saímos aptos a atender os surdocegos como
ficaria a questão se, um dia nos depararmos com um surdocego que se comunique apenas
com o Braille tátil por exemplo e não temos o domínio dessa forma de comunicação nas
formas expressiva e receptiva, ou o uso das pranchas alfabéticas em Braille, entre outras
formas comunicacionais que temos conhecimento da sua existência e não temos o
domínio? (ASHLEE).

Concordo com Ashlee, que são necessários espaços de formação consistentes, que
privilegiem teoria e prática e promovam conhecimento pleno de formas de comunicação com suas
respectivas práticas. Ashlee concatena a seguinte frase: “Se formos multiplicadores dessas
possibilidades comunicacionais de forma efetiva estaremos propondo mais e mais autonomia e
lugar de fala a esses sujeitos que ainda estão à margem da sociedade.” (ASHLEE).
Não está construída uma proposta de formação acadêmica em nível de graduação para o
profissional Tradutor Guia-Intérprete de Libras-Português no Brasil, porém existem iniciativas em
países da Europa.
Um exemplo foi compartilhado em workshop por Lahtinen, uma guia-intérprete que iniciou
o trabalho com a comunicação social háptica na Finlândia e aperfeiçoou com Palmer. Ela
compartilha a seguinte afirmação:

Na Finlândia demora quatro anos para você ser qualificado, e nós chamamos de intérpretes
de língua de sinais, esse é o nome da profissão. Então nos dois primeiros anos tem uma
formação básica sobre sinalização e interpretação, e nos dois anos seguintes a pessoa pode
escolher qual a área que quer se especializar, você pode se especializar por exemplo em
surdocegueira ou no ensino de sinais ou sinais internacionais. (LAHTINEN, 2021 96).

96
Whorkshop ministrado nos dias 12 e 13 de junho de 2021 via plataforma Zoom para um grupo de profissionais
guias-intérpretes.
192

A Finlândia dispõe de atendimento inclusivo à pessoa com surdocegueira e formação a nível


de graduação. Palmer ainda relatou que o país possui uma central de atendimento às pessoas
surdocegas onde são cadastrados com suas características e formas de comunicação utilizadas,
inclusive a comunicação social háptica; para que o guia-intérprete que for atendê-lo tenha a
capacitação necessária. No Brasil almejamos alçar a formação acadêmica para pleno atendimento
de pessoas com surdocegueira, certamente a inclusão seria uma realidade possível.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Posso afirmar que dentre as tensões vividas, foi a experiência relacional representada por
um profundo envolvimento nesse encontro entre mim e os participantes do curso, que se deu de
forma absolutamente intensa, a mais significativa e modificadora experiência que me tornou a
pesquisadora em que me reconheço.
Coaduno com a concepção de Clandinin e Connelly que afirmam que a pesquisa narrativa é
relacional e passamos pela tensão do envolvimento: “[...]eles devem tornar-se completamente
envolvidos, devem “apaixonar-se” por seus participantes, e devem também dar um passo para
trás e olhar suas próprias histórias.” (CLANDININ e CONNELLY, 2015, p. 121).

Sendo assim, posso representar por um exercício imagético, um jogador de futebol que
estando em campo, exprime na relação com os participantes da partida, uma atuação conjunta na
experiência do jogo, mas em campo restringe as ações em virtude do posicionamento dos jogadores
uma vez que preso às regras e a um campo visual restrito, torna-se por vezes ainda mais difícil
alcançar certas compreensões. A visão limita-se no campo.
O movimento mais desafiador consistiu no distanciar-se “dar um passo para trás” na
reflexão do vivido e experienciado, dessa forma, sair do campo e ir em direção à arquibancada. A
visão possível concedida pelo distanciamento me permitiu conceber novas leituras e mais uma vez
ressignificar a mim e o que me foi possível compreender.
Durante o processo de pesquisa os encontros entre guias-intérpretes e as pessoas com
surdocegueira, configurou-se como fator essencial para o desenrolar da comunicação e alargamento
das possibilidades comunicativas, para além daquelas já conhecidas e desempenhadas por eles. O
encontro no ato de estar junto, e perceber o outro como pessoa surdocega construiu pilares que
sustentam a profissionalização do ser guia-intérprete. Outras descobertas foram se desenvolvendo
no decorrer dos estudos e pesquisas.
193

As características das pessoas com surdocegueira e de suas necessidades comunicativas


ampliam-se com pesquisas aprofundadas onde são consideradas características linguísticas e
sensoriais, tendo a linguagem como fator primordial de acesso.
Dorado (2004), Milles (2008) e Almeida (2019) defendem os sistemas alfabéticos e não
alfabéticos de comunicação; enquanto Araújo (2019), sugestiona três bases principais: falada,
escrita e sinalizada. Entretanto, a abordagem que julgo mais adequada é a de Cader-Nascimento
(2016, 2021), que destaca as expressões linguísticas e desdobra em três modalidades: tátil/sistema
háptico, visuo-espacial e oral-auditiva. Acrescento a utilização da comunicação social háptica
como elemento fundamental para a pessoa com surdocegueira em aspectos de informações tanto
auditivas quanto visuais e cinestésicas.
As perspectivas de uso da comunicação social háptica, até mesmo em minha prática de
atuação se restringia no complemento e ênfase de informações, informações rápidas e mapeamento
de espaços. No entanto, as fronteiras têm sido abertas para novas possibilidades, que contemplam
a comunicação como uma língua no que se refere a elementos gramaticais e linguísticos, passíveis
de serem inseridos na tenra idade da pessoa com surdocegueira.
A comunicação social háptica tem sido divulgada no Brasil por meio de cursos de
compartilhamento de técnicas de guia-interpretação e alguns materiais de referência como Vilela
(2018-2020) e Araújo (2019), a partir das vertentes da Noruega em seu uso como complemento e
atualmente, o GEPICSH, Grupo de Estudos e Pesquisa em Inclusão e Comunicação Social Háptica,
tem se apropriado das vertentes da comunicação desde a base de criação primária por Lahtinen
(2003-2005) com status e apropriação de língua.
Reconheço as similaridades a partir do reconhecimento dos pares linguísticos: língua
portuguesa, Libras e comunicação social háptica, trazendo a analogia das menores unidades de
medida da língua (pares mínimos); sendo respectivamente: fonemas, quiremas e haptemas
(parâmetros fonológicos, quirológicos e cinestésicos); constituindo assim, um panorama de
possibilidades de construção linguística com os mecanismos de apropriação, partindo de situações
e contextos reais.
No que tange a atuação do profissional guia-intérprete, durante as aulas estruturamos a
percepção de três níveis de profissionais: ad hoc (amigos e familiares), formados com capacitação
para articular teoria e prática, e formados com conhecimentos teóricos e inabilidades práticas. O
194

ato de interpretar envolve o processo de apropriação de saberes e estratégias para consolidar


informações.
É emergente o processo de reconhecimento da profissão por meio do PL 5614/2020, para
regulamentar e estimular o processo de formação a nível de graduação, para tanto, os cursos de
formação (Letras-Libras), deverão passar por reestruturação em que se privilegie as características
e formas de comunicação na surdocegueira. Proponho o uso do termo Tradutores Guias-Intérpretes
de Libras-Português para caracterizar esse profissional.
No papel de professora do curso ministrado, posso relatar o quão importante cada aula foi,
e o quanto aprendi com cada narrativa evidenciada, em especial, nas aulas práticas de guia-
interpretação. Impulsionada pela questão: “Que percepções emergem de guias-intérpretes quando
estes utilizam a comunicação social háptica com pessoas com surdocegueira?” compartilho:

CENA 51: NARRATIVAS DOS PARTICIPANTES SOBRE O CURSO

Tema: Práticas de Guia-Interpretação

Samuel: Foi muito importante, a comunicação social háptica nos abriu um grande viés, importante na educação, na
formação e na comunicação dos surdocegos. Tanto surdocegos que utilizam as Libras tátil, quanto outras formas de
comunicação, como o Tadoma. Até mesmo para nós ouvintes a comunicação social haptica, ela tem um poder
incrível de trazer a comunicação para qualquer tipo de pessoa, foi de extrema importância.
Letícia: Nós temos alguns métodos diferentes de comunicação, através até mesmo da estrutura da Libras Tátil. Um
pouco diferente, mas sempre permanecemos juntos, nós sempre estamos praticando com ela (surdocega). Quando
fui me comunicar com ela eu fui sem saber de nada; mas, estamos sempre em desenvolvimento e aprendendo juntas.
Ana Lis: O curso, ele só veio para completar, contribuir, agregar valor. Muito bom, esse conhecimento transmitido,
compartilhado.
Nalva: Antes da formação, sou formada há 08 anos, eu já fazia algumas questões, mas; eu não entendia os porquês,
os nomes né, dar nomes aos bois, eu não sabia o que era Libras tátil, não conhecia comunicação social háptica. Eu
acho assim, muitos momentos, ele (filho surdocego) não tem guia-intérprete, então a guia-intérprete dele sou.
Silvia: Sobre o curso, gostei muito, agregou mais ao meu conhecimento, eu não tinha conhecimento sobre a
Comunicação Social Háptica. E vontade enorme de me aprofundar mais nesse assunto.
Merivani: O curso me mostrou um outro lado, que eu não conhecia, me emocionou bastante, mostrou
principalmente as dificuldades dos surdocegos. Eu tenho uma irmã surda, e já observo as dificuldades dela no dia a
dia; mas, me comoveu muito as situações. Eu ainda não conhecia as histórias dos surdocegos. Esse curso abriu
muito a minha mente, para buscar novas possibilidades e tentar ser mais útil, essa experiência me alegrou.
Lili: Foi um excelente curso de esclarecimento, de conhecimento, que me acrescentou profissionalmente, não tenho
como descrever; pois, foi algo grandioso e estou ansiosa para o próximo curso.
Ivonete: Me deu vontade de me aprofundar, e pôr em prática. Se tivesse com o Leandro (surdocego) por perto eu
poderia combinar algum sinal também.

Fonte: a pesquisadora.
Desta forma, reflito no papel de pesquisadora e observadora as experiências dos
participantes. O envolvimento com o campo de pesquisa foi visceral, realmente apaixonante.
Perceber o que emerge das narrativas dos participantes: o interesse em formar-se e transformar a
195

vida das pessoas com surdocegueira que atendem por meio da comunicação, é sem dúvida o
resultado mais notável da pesquisa.
No entanto, a pesquisa da tese não se limitou ao curso: “Estratégias na guia-interpretação e
utilização da comunicação social háptica para pessoas com surdocegueira”; mas, ultrapassou as
fronteiras dele, as questões levantadas e as descobertas que emergiram no trajeto do doutorado me
fizeram ir além das propostas do curso. A metodologia da pesquisa-formação e as narrativas
permitiram que me formasse enquanto formava o outro, e me impulsionaram a buscar perspectivas
além daquelas descortinadas em aulas.
Os processos que atravessei despertaram inúmeros sentimentos: estive vislumbrada,
eufórica e ansiosa; mas, atualmente esses movimentos se configuram como naturais. Tenho apreço
pelo caminho que trilhei e as redes que formei a partir dos encontros. Alguns desencontros foram
necessários para que encontros especiais acontecessem. O Grupo de Estudos e Pesquisas em
Inclusão e Comunicação Social Háptica – GEPICSH97, configura-se como um desses encontros
com pesquisadores e tem um longo caminho pela frente: estudar, pesquisar, compartilhar e
estruturar a comunicação social háptica como língua adaptada à cultura das pessoas com
surdocegueira brasileiras.
Como desdobramento da pesquisa de doutorado, em 2021 iniciaram os trabalhos do
GEPICSH. O Grupo está em ação na perspectiva de continuidade na descoberta da comunicação
social háptica como língua e conta com a participação de Riitta Lahtinen e Russ Palmer precursores
da comunicação social háptica com status de língua.
O grupo, interinstitucional e transdisciplinar, é composto por pesquisadores de várias
instituições de ensino, tanto públicas como privadas, nacionais e internacionais, bem como,
profissionais de diversas áreas de conhecimento e atuação. Tem o propósito de fomentar
conhecimento, desenvolver e compartilhar a comunicação social háptica incluindo o embasamento
estrutural e teórico e sua composição linguística.
Lahtinen e Palmer compartilharam com o GEPICSH a tese de doutorado construída em dez
anos de estudos, com as devidas adequações para a utilização contemporânea da comunicação
social háptica. Além disso cada participante do grupo produziu um memorial formativo em formato
de artigo com as narrativas autobiográficas de seu percurso na área de inclusão. Esses artigos serão

97
O GEPICSH está sob a liderança da Professora Dra. Adriana Barroso de Azevedo, e atuo como co-líder. Para mais
informações acerca do Grupo de Pesquisa acesse o espelho em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/8819302353907682
acessado em 20 abr. 2022.
196

publicados futuramente como um volume da Coleção Pesquisa Narrativa da Editora Educação


Metodista.
Após um ano de estudos aprofundados sobre o tema da comunicação social háptica o grupo
irá publicar artigos relatando suas experiências advindas dos seus respectivos trabalhos com a
aplicação da comunicação, partindo das discussões dos encontros do GEPICSH.
No segundo semestre os pesquisadores do Grupo compartilharam seus conhecimentos por
meio de Lives que foram transmitidas pelo YouTube com temas relativos à acessibilidade de
pessoas surdocegas, onde abordaram os temas:
Live 01 - “O que é o Grupo de Estudos voltado para a inclusão de Surdocegos e
Comunicação Social Háptica”98 com a Profa Dra Adriana Barroso de Azevedo, Líder do GEPICSH
e a Profa Ms Elaine Vilela co-líder do grupo, com a mediação do Prof Esp. João Paulo Navega
Roque, onde a criação do Grupo de pesquisa foi sistematizada e compartilhada a partir do histórico
das professoras que o coordenam. As intenções do grupo e os trabalhos realizados também foram
compartilhados.
Live 02 - “Surdocegueira congênita e adquirida e a Comunicação Social Háptica”99 com a
Profª Doutora Shirley Rodrigues Maia e a Profª Ms Fernanda Cristina Falkoski com a mediação da
Profª Ms Elaine Vilela, onde foi explanado o histórico da comunicação social háptica em nível
nacional e intenacional e suas vertentes de utilização com pessoas surdocegas.
Live 03 - “O Instituto Benjamin Constant (IBC) e a Surdocegueira”100 com a Profª Doutora
Marcia Noronha de Melo, Profª Doutora Flávia Moreira e Profa Ms Thaís Bigate com a mediação
da Profª Ms Elaine Vilela, onde o trabalho com surdocegueira e as experiências de atendimento no
Instituto Benjamin Constant foram compartilhadas agregarndo conhecimento aos profissionais que
atuam na área.
O Grupo de pesquisa ainda desenvolve trabalhos paralelos às redes sociais no intuito de
promover pesquisa, informação, acessibilidade, dicas de lazer com leituras, entre outros
conhecimentos ligados a inclusão e a comunicação social háptica. Contamos com uma página no
Instagram. Essa página possui programação semanal onde, atualmente está sendo realizada a

98
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=s40PUuvrHFY&t=664s acesso em 03/01/2021
99
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Sqco5JAFnuo&t=161s acesso em 03/01/2021
100
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=w-Si0OQ_okM&t=392s acesso em 03/01/2021
197

apresentação dos membros do grupo de estudos, #conheçaosmembrosgepicsh, às segundas;


#dicadeleitura com os temas de inclusão e surdocegueira, às terças; recortes de citações de artigos
e livros voltados para os temas abordados no grupo, às quartas; o #gepicshlegisla, trazendo as
legislações, em ordem cronológica, que tratam da inclusão, às quintas; e conteúdos para o reels
com dúvidas frequentes sobre o surdocego e formas de comunicação, às sextas.
O GEPICSH realiza os preparativos e organização de um evento que ocorrerá no mês de
novembro do ano de 2023 que se trata do “I Simpósio Internacional Comunicação Social Háptica
e Tecnologia Assistiva”, que tem o intuito de fomentar a comunicação social háptica por meio de
troca de experiências em mesas redondas, apresentações de trabalhos e estudos aprofundados, e
ainda contará com pesquisadores palestrantes de diversas universidades e esferas de atuação com
surdocegos do Brasil e no mundo.
O evento tem como objetivo geral compartilhar o uso da comunicação social háptica
tomando por referência experiências da Finlândia, Austrália, USA e Brasil. Atuará nas áreas de
conhecimento sobre comunicação social háptica e inclusão de pessoas com deficiência. Tendo
como base, a categoria de serviços da Tecnologia Assistiva. Acontecerá no formato híbrido e
semipresencial e têm a expectativa de um público em torno de 600 pessoas.
Além do que o GEPICSH têm desenvolvido a partir do desdobramento da tese de
doutorado, trago como possibilidades de futuros estudos e aprofundamentos; ‘a hermenêutica do
corpo’ que se materializa no encontro de guias-intérpretes e pessoas surdocegas. Aponto essa
vertente como um caminho de estudos e reflexões que buscará por respostas à interações mais
efetivas.
Nesse sentido, pensando no corpo do surdocego como espaço de recepção e expressão por
meio da cinestesia, as viabilidades da comunicação social háptica são inúmeras; visto que, as
possibilidades semânticas advêm do próprio corpo, promovendo aprimoramento e aprofundamento
comunicacional.
Por fim, a investigação realizada nesta tese abre caminhos e consolida bases para a
construção de um projeto de comunicação para pessoas não somente com surdocegueira, mas todas
aquelas que necessitam ver, ouvir e sentir por meio do corpo. Finalizo partilhando o poema “Mãos
que brilham”, de Cristina (pessoa com surdocegueira), que impulsiona e desperta em mim, cada
vez mais, o desejo de formação e transformação de Tradutores Guias-Intérpretes de Libras-
Português:
198

Mãos que brilham


Com suas mãos fez o homem,
mas com seu amor criou Libras,
pelas mãos do que eu amo,
demonstram seu amor.
Basta um sinal para dizer eu te amo,
basta um sinal para encontrar um amigo,
basta um sinal para sentir segurança.
Mãos que ajudam,
mãos que cuidam,
mãos que dão segurança,
mãos de seres humanos criados por Deus,
mãos que brilham
(CRISTINA)
199

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207

ANEXOS
ANEXO A – NARRATIVA DE APRESENTAÇÃO E REFLEXÃO DOS ALUNOS DO
CURSO

Lili: Boa noite Elaine meu nome é Lili, eu moro na cidade de Ipatinga-MG. A minha formação é
de pedagoga, pós-graduada em educação especial inclusiva, pós-graduada em Libras e pós-
graduada em neuropsicopedagogia. Atualmente estou fazendo bacharelado em Letras-Libras.
A minha experiência com a Libras iniciou-se a 22 anos, quando eu iniciei meu namoro com o meu
esposo, o meu cunhado, irmão do meu esposo, é surdo, ele ficou surdo aos 7 anos de idade, devido
a meningite. Foi a partir daí que comecei com a Libras.
A minha trajetória com as pessoas cega, iniciou-se a 16 anos, a minha irmã teve problema em sua
retina então veio a ficar cega aos 22 anos de idade, foi então que a minha trajetória começou.
Eu trabalho aqui no município, em escolas aqui do município mesmo, como professora em domínio
Libras, com atendimento especializado a surdos, a minha função é de adaptação eu não tenho a
função de intérprete educacional, a minha função é de adaptação de todos os materiais. Trabalho
com estimulação precoce, com a psicomotricidade, então trabalho muito com anos iniciais.
Também trabalho em uma APAE aqui no município, com deficiências múltiplas, na sala de
estimulação precoce, com crianças de 0 a 5 anos de idade.
Neste trabalho na AAE, eu trabalho com uma criança autista e cega, e assim é a minha rotina.
O trabalho com a surdocegueira eu ainda estou iniciando, aproximadamente 2 anos, no âmbito
religioso nós recebemos um surdo, que ficou surdo já adulto, e agora já está com baixa visão, com
o passar do tempo ele foi perdendo, mais ainda a visão, hoje ele enxerga bem menos, e já está
fazendo o uso da bengala.
A interpretação ara ele é feita no campo reduzido, ele está em aquisição da Libras e das outras
formas de comunicação, nós estamos adaptando ainda aquilo que for melhor para ele. Como nós
também estamos em construção desse conhecimento, no âmbito educacional.
Nesse ano de 2020 eu iniciei o ano, com meu trabalho e surgiu a necessidade de eu atender um
surdo, também adolescente de 14 anos com baixa visão, esse período de pandemia foi bem difícil,
pois ele enxerga pouco então também tivemos que fazer algumas datações no nosso atendimento
presencial.
208

Ele é um adolescente de 14 anos que, também está perdendo a visão gradativamente, a família
ainda não sabe de fato qual que é o problema, uma família muito carente, eles ainda não tiveram
retorno medico ara dizer qual especificamente seria o problema dele.
Ainda está em fase de investigação, eu não tenho muito o que falar sobre o trabalho com surdocego
ainda estou iniciando nessa área, em forma de conhecimento nessa área, então esse curso, quando
você me convidou fiquei extremamente feliz porque estou aprendendo.
Foi um excelente curso de esclarecimento, de conhecimento, o que me acrescentou
profissionalmente, não tenho como descrever, pois foi algo grandioso e estou ansiosa para o
próximo curso. Este ano estava programado para eu fazer o curso na rensa, mas por conta da
pandemia eu não pude ir, vamos ver se agora em 2021 eu consiga fazer o curso de guia intérprete,
porque eu não tenho curso especifico nessa área, eu realizo a guia interpretação na igreja no âmbito
religioso esse surdo cego; mas, eu não tenho a formação para executar esse trabalho, o
conhecimento que possuo foi adquirido na igreja com as outras guias intérpretes, meu
conhecimento que tenho na surdocegueira é somente esse. As adaptações que foram feitos vem do
meu conhecimento profissional na cegueira, as adaptações com ele é foram do dia a dia, aquilo que
eu vivo no meu dia a dia, no meu trabalho, na minha vida pessoal com a minha irmã, são essas as
adaptações que são feitas. O conhecimento de formação eu ainda não tenho, estou buscando ter.
O curso foi excelente, acrescentou muito na minha formação profissional e pessoal de
conhecimento, conhecimento de conhecer o Leandro a Cristina, e tantos outros que foram
apresentados a nós nesse curso, me deu uma nova visão de como é a vida do surdocego, ele é uma
pessoa de direito uma pessoa como nós. Nós que precisamos melhorar nossa formação de
comunicação, estou apaixonada no curso.
Samuel: No segundo semestre de 2020 a convite da Professora Doutoranda Elaine Gomes Vilela,
fiz o curso de formação de guia intérprete, com ênfase nas Libras tátil e comunicação háptica. Esse
curso foi muito importante na minha formação acadêmica, como atuo com surdos cegos que
utilizam a Libras tátil.
Alguns surdocegos que utilizam a Libras tátil, conheci na transição, também da aptidão da
comunicação háptica; foi um processo muito importante. Esse curso me fez entender várias
‘nuances’, de como o surdocego se apropria da comunicação háptica. Nesse curso também, tivemos
alguns cursistas que são surdos cegos, esses cursistas relataram suas experiências pessoais, o que
foi muito importante para a nossa formação.
209

Também, com os nossos colegas de turma, tinha alguns familiares de surdo cegos, eles
relataram suas experiências. Tinha uma cursista que, tem uma irmã cega, e ela nos contou a
importância da comunicação háptica para as pessoas surdocegas e as experiências através da
comunicação para as pessoas com cegueira.
Foi muito importante, a comunicação háptica nos abriu um grande viés, importante na
educação, na formação e na comunicação dos surdocegos. Tanto surdocegos que utilizam as Libras
tátil, quanto outras formas de comunicação, como o tadoma. Até mesmo para nós, ouvintes a
comunicação háptica, ela tem um poder incrível de trazer a comunicação para qualquer tipo de
pessoa, foi de extrema importância.
O estágio, eu fiz com uma pessoa que não era surdocega; mas, o relato dessa pessoa que fiz
o estágio, mais os relatos das outras pessoas do curso, foi muito importante. Porque entendemos
que, a comunicação háptica, ela é uma comunicação importante na vida de pessoas com
surdocegueira e com cegueira, é uma alternativa que complementa muito a construção magnética
com a pessoa com surdocegueira.
Ashlee: Olá pessoal, tudo bem? Meu nome é Ashlee Souza, sou pedagoga. Formada pela
Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho Nesp. Sou guia-intérprete formada pela
remissa São Paulo, também intérprete educacional pelo governo do estado de São Paulo. Áudio-
descritora para a faculdade facum, pós-graduada em design educacional e pós-graduanda em
educação inclusiva.
Presto serviço voluntario, para uma instituição religiosa, em um grupo de acessibilidade,
contribuindo para adaptação de materiais, também presto serviço como guia-intérprete e intérprete,
nesta mesma instituição.
Este curso, que estamos finalizando, me agregou muito conhecimento, principalmente por
conta das pessoas que participaram, os surdos cegos que foram de suma importância, os relatos que
foram trazidos, as experiências de vida dos colegas de classe eu foram trazidos contribuíram muito.
Aprendi muito com esse curso com os conteúdos trazidos, pela nossa querida professora
Elaine, ele serviu muito para o meu aprendizado. Queria relatar que eu gostaria muito de dar
continuidade a esse trabalho, e que nós pudéssemos aprender mais e compartilhar esse
conhecimento. Foi um grande prazer poder estar com todos vocês, aprender com todos vocês e
muito obrigado a todos, até a próxima.
210

Gostei muito do curso proposto pela AHIMSA. Agregou muito no pouco conhecimento que tinha
sobre as abordagens e tipos de comunicação que tinha apenas por ter contato com esses sujeitos.
Aprendi outras possibilidades comunicativas das quais desconhecia. Porém entendo que, seria de
suma importância que o curso pudesse aprofundar mais tais formas de comunicação pois
infelizmente ninguém conclui o curso dominando-as efetivamente. Se, teoricamente conquistamos
o certificado e saímos aptos a atender os surdocegos como ficaria a questão se, um dia nos
depararmos com um surdocego que se comunique apenas com o Braille tátil por exemplo e não
temos o domínio dessa forma de comunicação nas formas ativa e receptiva, ou o uso das pranchas
alfabéticas em Braille entre outras formas comunicacionais que temos conhecimento da sua
existência e não temos o domínio? Sendo assim é redundante se exigir que o guia-intérprete seja
considerado como tal se apenas for certificado apenas por uma instituição. Não digo que não seja
necessário ter uma formação, considero extremamente necessário a formação só não concordo com
a monopolização de sua titularidade por esses e outros fatores. Acredito que embora seja quase
remota a possibilidade desse profissional dominar todas as formas de comunicação o que
aprendemos é para atender a pessoa com surdocegueira independente da sua forma comunicacional
e possibilitar a ele o aceso a informação e a possibilidade de propor autonomia a esse sujeito. Sendo
assim, se formos multiplicadores dessas possibilidades comunicacionais de forma efetiva
proporemos mais e mais autonomia e lugar de fala a esses sujeitos que ainda estão à margem da
sociedade.
Letícia: Olá, boa noite! Me chamo Letícia. Eu moro no Estado do Espírito Santo. Sou formada em
petróleo- gás, e atualmente estudo pelo Intuito Federal aqui de Espito Santo, um curso de
Licenciatura e química. Trabalho profissionalmente como Intérprete e guia-intérprete.
Eu já realizo a comunicação Tátil e Háptica com os surdocegos, já se fazem alguns anos
desde quando conheci a Cristina. A primeira comunicação usada foi a Tátil, eu não sabia nada
referente a comunicação Háptica.
Até que através da Cristina, que trouxe para nós um pouco de informações sobre esse tipo
de comunicação Háptica, que veio para agregar. Nós começamos a desenvolver com a Cristina,
alguns sinais novos, adotados para ela. Por ela ser uma surdocega que adquiriu a Língua de Sinais
e depois ficou surdocega.
211

Nós temos alguns métodos diferentes de comunicação, através até mesmo da estrutura da
Língua Tátil. Um pouco diferente, mãe a gente sempre permanecemos juntos, nós sempre estamos
praticando com ela.
Quando fui me comunicar com ela eu fui sem saber de nada; mas, estamos sempre em
desenvolvimento e aprendendo juntos. O curso foi de grande valia, um curso muito bom de grandes
aprendizados. Além da troca de experiência que tivemos, participou diversos surdocegos.
Foi algo extraordinário, foi muito bom poder viver e compartilhar essas experiências, que nós
temos. Uma oportunidade que a Elaine trouxe para nós, só temos a agradecer a ela.
Milla: Olá! Meu nome é Milla, eu moro em Jabuticabau. Estou cursando o último ano em Letras-
Libras. Eu já sou intérprete há 10 anos. Comecei estudar LIBRAS porque conheci uma pessoa, a
Maria. Ela tinha 2 filhas surdas, e sempre que ela estava conversando ao mesmo tempo as filhas
dela queriam interagir.
Então eu perguntei como eu fazia para aprender, foi quando fui aprender LIBRAS. Depois
fui fazendo outros cursos e comecei a interpretar para as meninas na Igreja.
Depois de uns 3 anos, as meninas começaram a perder a visão, foi então, que, eu descobrir o que
era a síndrome de Usher.
Tudo o que eu aprendi sobre guia-intérprete, aprendi com a própria Japinha. Ela foi para
uma escola de cegos que tem aqui na cidade. As coisas que ela foi aprendendo também fui
aprendendo com ela.
Ela sempre, me explicava como era melhor para ela o jeito que eu usava a Libras Tátil, ela
que me ensinou, então é assim que eu me comunico com ela e com a Jaqueline. O curso para mim,
foi um divisor de águas na minha vida tanto profissional quanto pessoal.
Eu trabalho como intérprete no Senac da minha cidade. E agora eu entendo melhor, através
do curso sobre surdocegueira, sobre os diversos tipos de comunicação, eu acredito que isso vai
alavancar a minha vida profissional também.
Por enquanto, não apareceu nenhum surdocego na unidade; mas, a partir de agora vou ter
total segurança de que, vou me aprofundar e vou conseguir atender melhor essas pessoas. Toda
essa experiência que eu tive, inclusive com a Cristina, que sempre estava presente no grupo.
Isso muda bastante a nossa visão, por mais que, eu tivesse um contato com a Japinha. Ter
a oportunidade de conhecer outros surdocegos, isso foi um enriquecimento profissional e pessoal.
212

Sou muito grata a Professora Elaine por ter compartilhado todo o conhecimento dela com a gente.
Não tenho palavras para agradecer.
Sininho: Boa tarde a todos! Meu nome é Sininho. Eu sou guia-intérprete, atualmente estou em
fase de estágio, esse curso de guia-intérprete do qual estou fazendo o estágio.
Tenho formação em pedagogia, sou professora da prefeitura de Carapicuíba e prefeitura de
Santana de Parnaíba, onde eu atuo como professora de educação de crianças com deficiência
auditiva e professora de educação básica em Carapicuíba.
Atualmente moro em Franco da Rocha, nós temos um surdocego em Franscisco Morã, aqui
perto. Mas não estou podendo ir realizar visitas por conta da Pandemia. Também tenho duas irmãs
surdocegas, que estou tentando entrar com contato também, de Chico Morã; mas, só terei essa
oportunidade, quando a APAE voltar com seus atendimentos.
Eu tenho pós-graduação em língua de sinais, estou fazendo outra graduação em gestão. Também
tenho a formação na área visual. Estou aprovada também em Parnaíba como Professora de
educação deficiência visual.
Sobre o curso, ele foi fantástico, foi maravilhoso ter esse contato com o Leandro e com a
Cristina, com toda a equipe da professora Elaine, que é uma equipe excelente. Todos estão de
parabéns, o curso foi muito bom, contribui bastante.
Sílvia: Olá. Bom dia, tudo bem? Meu nome é Sílvia, eu moro em Jabuticabau. Como formação; eu
tenho Licenciatura em matemática, pós-graduação em interpretação-tradução, docência em
LIBRAS pela Uníntese. Minha experiência como intérprete é desde 2010, que eu venho
trabalhando como Professor-Interlocutor na educação estadual, aqui em Jabuticabau.
A partir desse ano comecei a fazer a interpretação dos cultos para a Japinha também, até
então era apenas LIBRAS; mas, a uns 3 anos, mais ou menos; ela tem a Síndrome de Usher, com
o tempo vem perdendo a visão. De 3 anos para cá, passamos a utilizar a LIBRAS tátil, porque a
visão dela durante a noite a visão dela é bem restrita, então nós fazemos as LIBRAS tátil.
Sobre o curso, gostei muito, agregou mais ao meu conhecimento, eu não tinha conhecido
sobre Comunicação Háptica. E vontade enorme de me aprofundar mais a esse assunto. Veio no
momento certo esse curso, a Mary me indicou esse curso. Fiquei muito feliz, gostei demais de todos
vocês, principalmente você Elaine, uma pessoa maravilhosa.
Acho muito bonito a pessoa que tem por princípio dividir seu conhecimento, você reparte
e doa, muito lindo, eu fiquei muito feliz.
213

No último dia de atividade, eu tive um problema, porque a minha filha foi fazer uma cirurgia
e eu precisei ir para São Paulo, acabei tendo muitas falhas com a minha internet no caminho, então
não consegui enviar meu vídeo. Acabei não conseguindo falar com você.
Cheguei na casa da minha filha, eu até tentei te dar essa satisfação; mas, acabou tendo um tumulto.
Ela passou pelo pós-cirúrgico, porque foi uma cirurgia, minha preocupação; mas ainda com filho.
Eu agradeço muito por ter me dado essa oportunidade, de agregar ao meu currículo o seu
conhecimento.
Ivonete: Olá! meu nome é Ivonete, eu moro em Camaragibe. Os surdos e os intérpretes que eu
conheço, eles moram distante, alguns moram até no interior. Para se deslocarem de um lugar para
o outro, acaba sendo complicado; mas ainda, com essa pandemia.
Com tudo isso, comecei a me preocupar com que eu poderia fazer o vídeo, o meu marido já teve
contato várias vezes com o nosso irmão, o Leandro, surdocego. Ele não é intérprete de LIBRAS,
mas consegue se comunicar. O que nós decidimos fazer aqui em casa, como nós somos em 3, não
conseguiríamos. A princípio, pensei em colocar o meu marido para sinalizar, e eu faria a
comunicação Háptica.
Mas no final, optamos para que eu, fizesse a comunicação Háptica nas costas do meu filho;
porém, decidimos mudar. Eu fiz a comunicação Háptica nas costas do meu marido e o meu filho
ficou responsável pela filmagem com o celular, foi assim que concluímos o vídeo.
Eu já era intérprete de LIBRAS na congregação a alguns anos. A uns 12 anos atrás, eu tive
a oportunidade de conhecer o Leandro, surdocego, e a esposa dele Charlie.
Nós temos até hoje, uma amizade muito boa, quando eu morava em São Paulo eles iam até
minha casa, congregavam com a gente, íamos até a casa deles para visitá-los. Depois eu me mudei
para Pernambuco, mas, mesmo assim quando vou para São Paulo, eu visito eles, tendo a
oportunidade de fazer a Interpretação do culto, muitas vezes.
A Charlie com as crianças pequenas, aquela dificuldade toda. Mesmo quando eles iam para
Campinas, eu tinha a oportunidade de interpretar. Meu marido, mesmo não sendo intérprete, ele
consegue se comunicar com o Leandro, usando seu conhecimento de LIBRAS, mesmo não atuando
como intérprete.
Eu não sabia, o que era comunicação Háptica, pelas vezes que eu estive com o Leandro e
com a Charlie, nós saímos para fazer alguns passeios; a Charlie com criança no colo, com as mãos
214

ocupadas; eu ficava de guia-intérprete do Leandro. Eu costumava peguntar, o que eu deveria fazer


para avisar a ele as coisas.
Notava que com a Charlie ele subia escadas, sem nenhuma dificuldade, ela acabava me
passando as dicas, explicando como eu deveria fazer; que ela fazia os sinais diretamente na mão
dele. Hoje eu entendo, que era uma forma de comunicação Háptica, tivemos essa oportunidade nas
vezes em que estávamos com o Leandro.
Também tive a oportunidade de ver o vídeo, aliás de ver o Carlinhos com o Élio Fonseca;
aquelas músicas, a moça sinalizando e eu achei maravilhoso, muito bonito. E eu sou muito feliz
por ter tido essa oportunidade, de estar realizando esse curso com vocês; apesar, de não ter feito
nenhum outro curso profissional, para ser uma guia-intérprete. Eu sou muito grata, e pretendo
quando eu tiver condições de morar em São Paulo, fazer um curso na Anvisa.
Marcela: Sou Marcela, moro em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Sou graduada em
pedagogia em letras-Libras, pós-graduada em psiconeuropedagogia, educação, educação especial
deficiente auditivo e educação infantil.
Minha experiência como guia-intérprete começou em 2007; mas, como profissional
começou a partir de 2019 e no começo de 2020. A partir dessa necessidade, a minha formação
nessa área, foi através de cursos online, fiz pela Uníntese, Abeline e outras que tive a oportunidade
de conhecer.
Também fiz o curso prático, com o professor Élio em São Paulo. E tive essa grande
experiência de fazer esse curso com a professora Elaine. Esse curso me acrescentou grandemente,
porque, diferente de vários cursos online que podemos fazer, esse curso foi muito prático.
Então ao mesmo tempo, que estávamos no contexto de teoria, discussão, debate, de tudo
que era dito, a gente vivia na prática aquilo que era falado. Então acrescentou muito na minha
prática, para que eu pudesse compreender a minha prática, baseado na teoria e compreender a teoria
que eu estava aprendendo, praticando com embasamento científico. Foi um grande aprendizado,
um curso extremamente diferenciado, muito acolhedor. O que eu tenho a dizer, é agradecer; e que
experiências como essas não se acabem.
Ana Lis: Olá! Meu nome é Ana Lis, sou natural de São Paulo, mas moro em Espírito Santo a
bastante tempo. Tenho formação em tecno de segurança no trabalho, me formei pelo IEF, foi lá
que, eu tive o meu primeiro contato com Libras, realizei uma matéria de Libras.
215

Logo em seguida comecei a cursar arquitetura e urbanismo, mas, acabei trancando a


faculdade para me dedicar à Letras-Libras. Hoje falta pouco para finalizar e me graduar em Letras-
Libras. Possuo o básico-intermediario pelo Casac de Vila Velha.
A minha experiência como guia-intérprete e a comunicação, começou com a Cristina da
igreja; como guia-intérprete. Porque ela foi a primeira surdocega que eu conheci e nós viemos
aprimorando nossa comunicação háptica, Libras tátil, tudo com ela.
Meu contato com ela já vem ocorrendo a bastante tempo. A primeira vez que me encontrei
com ela, foi em meados de 2013/2014. Desde então, estamos aprimorando a nossa comunicação.
O curso, ele só veio para: completar, contribuir, agregar valor. Muito bom, esse conhecimento
transmitido, compartilhado.
Eu fiquei como guia-intérprete da Cristina, por muitas vezes durante o curso da Elaine e foi
uma experiência maravilhosa acompanhar e pode contribuir, ajudar, ensinar. Então foi
maravilhoso, estamos aguardando uma segunda parte, talvez, uma prática. Não queremos que pare,
porque foi algo que agregou muito valor, conhecimento. Os professores que a Elaine trouxe, foi
ótimo. A troca de experiência, os próprios alunos. Foi algo realmente maravilhoso, uma linguagem
simples, clara. Estão de parabéns!
Acsa: Meu nome é Acsa, eu moro na Serra em Espírito Santo. Fiz o Letras-Libras, realize uma
pós-graduação em português e fiz uma outra graduação em Letras-Portugues. A minha experiência
como guia-intérprete começou na igreja, realizando um total de 6 anos, onde tive um contato com
a Cristina minha amiga surdocega.
Nós utilizamos a comunicação háptica e a Libras tátil com outros surdocegos, a Cláudia
Sofia já nos visitou então usei o tadoma com ela. São os dois tipos de comunicação que eu sei, que
eu tenho experiência.
O curso foi maravilhoso, uma troca de experiência, onde percebemos que não estamos só,
porque hoje, o trabalho com o surdocego é muito específico, e não encontramos com facilidade.
Foi uma troca de saber muito rica, nós aprendemos muito, eu aprendi muito; como Acsa e como
uma futura guia-intérprete. Mesmo ainda não possuindo o certificado, o meu desejo; é que ainda
esse ano eu estude e faça uma formação.
Nalva: Meu nome é Nalva, eu moro em Mauá, São Paulo, sou pedagoga, trabalho com a sala
bilíngue de educação infantil pela prefeitura de São Paulo. Já trabalhei na Sala de recursos de
surdos. Tenho pós-graduação em educação especial inclusiva, surdez, Libras- Tradução
216

Interpretação, educação especial com ênfase em visual e surdocegueira e agora estou cursando
educação especial com ênfase em autismo.
Tenho um filho surdocego, com 22 anos, atualmente ele possui baixa visão, utilizo Libras
tátil com ele em vários momentos e Libras em campos reduzidos. Tenho muito contato com o
Carlinhos e com a Japinha, uso Libras tátil com eles e em alguns momentos uso a comunicação
háptica.
Possuo contato também com outro surdocego, chamado Gabriel. Agora ele se mudou para
o interior de São Paulo, também está perdendo a sua visão. Já fiz uso dessas comunicações: Libras
tátil, comunicação háptica e Libras em campo reduzido.
Esse curso foi muito importante, me acrescentou muito como mãe e como profissional. Foi
muito bom aprender, e me deixou com vontade de me aprofundar mais. Já estou aguardando o
próximo curso.
Cristina: meu nome é Cristina. Sou aluna do curso, Estratégia da guia-interpretação. Quero
agradecer a professora Elaine, pela oportunidade de viver esse curso, muitas experiências trocadas,
muito aprendizado. Foi muito bom ter participado desse curso. Aprendi muita coisa nova, também
aprimorei meus conhecimentos.
Agradeço, pela oportunidade de compartilhar sinais hapticos com os alunos e com todos
que necessitam da comunicação Háptica. Sei que não será apenas para nós, mas, para todos. Espero
sinceramente que não pare por aqui, que novas oportunidades aparecem, novos cursos, para
possamos continuar nossa caminhada de crescimento do conhecimento, da necessidade das pessoas
com surdocegueira. Muito obrigada, Professora!
A respeito do material didático, para mim Surdocega, tive muita dificuldade porque a
maioria dos materiais eram em vídeos, também havia artigos com textos, sinceramente inadequados
no formato para surdocego.
Acredito que para cegos também. A respeito de alguns destaques, frases e palavras estarem
escritos em caixa alta, que dificulta muito o nosso entendimento, porque usamos aplicativo de leitor
de tela. Acaba sendo muito difícil para nós, porque os leitores de tela, soletra as palavras escritas
em caixa alta; mas, no contexto do curso, eu consegui alcançar o entendimento do conteúdo.
Teve algumas aulas muito técnicas, que foram muito difícil para mim, mas, tudo é um
processo de aprendizado e adaptação. Em breve estarei na faculdade, e vou viver muito isso, preciso
me adaptar também com as instituições. A diferença da cultura literária, também precisa se adaptar
217

para nós também, para que possamos estar incluídos e podendo ter acesso a todos os materiais e
conhecimentos dispostos.
Agradeço por tudo, pela intenção e a compreensão da turma, os alunos também me
ajudaram muito. Uma das alunas, teve muita paciência, e descreveu vários vídeos, que foram
mostrados em uma de nossas aulas. Isso foi muito bom, agradeço muito a todos pela paciência de
todos, pela oportunidade e pelo conhecimento adquiridos. Obrigada professora Elaine!
Merivani: Olá, meu nome é Merivani. Eu moro na cidade de Barrinhas, tenho o ensino médio
completo. Atualmente estou cursando o ensino superior. Minha experiência como guia-intérprete,
foi pouca, tive contato apenas com uma surdocega, que é a Japinha de Jabuticabau interpretando
os cultos para ela na igreja, com a Libras tátil apenas. Essa seria a única comunicação com
surdocego que eu tive.
Sou intérprete na Igreja, a minha experiência como Intérprete vem no quesito religioso
mesmo. O curso me mostrou um outro lado, que eu não conhecia, me emocionou bastante, mostrou
principalmente as dificuldades do surdocegos.
Eu tenho uma irmã surda, e já observo as dificuldades dela no dia a dia, mas, me comoveu muito
as situações. Eu ainda não conhecia as histórias, dos surdocegos. Esse curso abriu muito a minha
mente, para buscar novas possibilidades e tentar ser mais útil, essa experiência me alegrou.
218

ANEXOS B – NARRATIVAS DAS AULAS DO CURSO

Link das narrativas:


https://docs.google.com/document/d/1bvGIoCqDxxmgy9vqD8ZkiotGBGag0z7X/edit?usp=sharing&ouid
=104174935290227526948&rtpof=true&sd=true
219

ANEXO C – APOSTILA (MATERIAL DIDÁTICO)


Aponte a câmera do seu celular para ter acesso ao material ou acesse pelo link:

https://drive.google.com/file/d/1AasIMhv4P7zmLzf2lkP9m1XxhTpjNZii/view?usp=share_link
220

APÊNDICES

APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


UMESP – UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Programa de Pós-Graduação em Educação

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a),

Você está sendo convidado(a) para participar da pesquisa “A COMUNICAÇÃO SOCIAL


HAPTICA E SUAS VIAS DE CONSTRUÇÃO: NARRATIVAS E EXPERIÊNCIAS DE GUIAS-
INTÉRPRETES E PESSOAS COM SURDOCEGUEIRA EM PROCESSOS FORMATIVOS”,
associada ao Projeto de Doutorado da pesquisadora Elaine Gomes Vilela do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), sob a
orientação do Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo.

O objetivo da pesquisa é investigar, por meio das narrativas, as características do processo


educativo de surdocegos; bem como, explorar os recursos comunicacionais validados por eles, e
com esses dados, contribuir para a atuação do profissional guia-intérprete. Para tanto sua
participação se dará na participação de um curso de formação continuada que você aprenderá a
utilizar a comunicação social háptica, que é uma comunicação relacionada ao toque em que o
profissional guia-intérprete comunica ao surdocego as informações visuais do discurso e do
ambiente.

A pesquisa envolve a coleta de dados por meio das narrativas obtidas das gravações das aulas do
curso de extensão ministrado pela pesquisadora sobre a utilização da comunicação social háptica.
Esse curso terá a duração de horas 60h; sendo: 8 aulas remotas ministradas e gravadas pela
plataforma do Moodle. As aulas síncronas acontecerão quinzenalmente aos sábados, com duração
de três horas cada aula no total de 24 horas; e, acesso a materiais conceituais e propostas de
atividades pela plataforma Moodle, computando a dedicação de 3 horas de estudos concernentes a
cada aula; além de, propostas de atividades individuais e em grupo com o registro das atividades
totalizando 36h. Por meio das narrativas de formação dos guias-intérpretes em contraponto com a
participação dos surdocegos em todas as aulas que serão práticas, teremos uma dimensão do
processo educacional desses surdocegos por meio de suas narrativas sobre o que foi importante
nesse processo e qual comunicação foi utilizada.
Para tanto, conto com a sua colaboração para a obtenção dos dados para esta pesquisa, observando-
se os esclarecimentos a seguir:
ESCLARECIMENTOS:
1) Como toda ação humana, nossa pesquisa possui riscos, dos quais podemos prever que você
poderá sentir cansaço ou aborrecimento ao participar do curso de formação continuada
221

online promovido pela pesquisadora ou poderá sentir desconforto ou constrangimento


durante as gravações das aulas, caso sinta-se assim você será orientado a sair do espaço
virtual onde a aula acontece e terá suporte para que tal desconforto seja minimizado. Além
disso, caso haja algum desconforto, cansaço ou constrangimento em qualquer fase da
pesquisa, você poderá declinar em qualquer momento ou em qualquer etapa comunicando
a pesquisadora seu desejo.
2) Os participantes serão beneficiados pela aquisição de conhecimento de uma nova estratégia
de comunicação com surdocegos que é a comunicação social háptica, ampliando assim suas
habilidades profissionais.
3) Os participantes terão toda assistência e acompanhamento solicitados por e-mail
(nanevilela@hotmail.com) para a pesquisadora concernente às suas dúvidas e
apontamentos sobre o curso de extensão; antes, durante e após sua conclusão.
4) A participação nesta pesquisa é de livre escolha com a garantia de sigilo de identificação
dos sujeitos que se dispuserem a participar e, ainda, retirar seu consentimento em qualquer
fase da pesquisa, sem penalização alguma.
5) A pesquisa não envolverá nenhum tipo de custo para os participantes; e não favorecerá
nenhuma verba financeira para os participantes.
6) Em caso de dano pessoal, diretamente causado pela participação no referido estudo (nexo
causal comprovado), o participante tem direito de solicitar indenizações legalmente
estabelecidas, que se restringem ao dano causado,
7) Se, em algum momento precisar falar com a pesquisadora poderá encontrar no celular 11 –
995140-2889, ou se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa,
entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UMESP), rua Sacramento, 230,
Edifício Capa, sala 303, e-mail cometica@metodista.br.
8) Esses dados coletados por meio das narrativas obtidas nas aulas gravadas não serão usados
para outros fins, salvo a produção da Tese de Doutorado a ser apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo e de artigos para
revistas especializadas, livros, capítulos de livros e demais produções acadêmicas
relacionadas à Tese.

Acredito ter sido suficientemente esclarecido a respeito das informações que li ou que foram lidas
para mim, descrevendo o estudo, o Consentimento Livre e Esclarecido, do estudo: “Guias-
intérpretes e comunicação social háptica: narrativas e experiências”. Ficaram claros para mim quais
são os propósitos, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de
confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação
é isenta de despesas ou remuneração. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e
poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem
penalidades.
222

______________________________
_____/_____/_____
Participante:

____________________
_/_____/_____
Testemunha:

_______________________________
______/_____/_____
Pesquisadora
223

APÊNDICE B - DECLARAÇÃO DE RESPONDABILIDADE DA PESQUISADORA

UMESP – UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


Programa de Pós-Graduação em Educação

DECLARAÇÃO DE RESPONDABILIDADE DA PESQUISADORA

Eu, Elaine Gomes Vilela, RG n. 40.601.167-9, doutoranda do Programa de Pós-graduação


em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, sob a orientação da Profª Drª Adriana
Barroso de Azevedo, proponho o desenvolvimento da pesquisa intitulada “A COMUNICAÇÃO
SOCIAL HAPTICA E SUAS VIAS DE CONSTRUÇÃO: NARRATIVAS E EXPERIÊNCIAS
DE GUIAS-INTÉRPRETES E PESSOAS COM SURDOCEGUEIRA EM PROCESSOS
FORMATIVOS”. A realização da coleta das narrativas envolve surdocegos e guias-intérpretes,
dessa forma declaro que:

(1) Assumo o compromisso de zelar pela privacidade e pelo sigilo das informações se assim os
entrevistados requisitarem.

(2) Os materiais e as informações obtidas no desenvolvimento deste trabalho serão utilizados


para se atingir os objetivos previstos na pesquisa.

(3) Os materiais e os dados obtidos ao final da pesquisa serão arquivados sob a


responsabilidade da pesquisadora.

(4) Os resultados da pesquisa serão tornados públicos em periódicos científicos e/ou em


encontros, quer sejam favoráveis ou não, respeitando-se sempre a privacidade e os direitos
individuais dos sujeitos da pesquisa, não havendo qualquer acordo restritivo à divulgação.

(5) O CEP-UMESP será comunicado da suspensão ou do encerramento da pesquisa, por meio


de relatório apresentado anualmente, ou na ocasião da interrupção da pesquisa.

(6) Assumo o compromisso de suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco


ou dano, consequente à mesma, a qualquer um dos sujeitos participantes, que não tenha
sido previsto no termo de consentimento.

São Bernardo do Campo, _____/_____/_____.

______________________________________
Elaine Gomes Vilela
224

APÊNDICE C - TERMO DE CESSÃO DE DIREITO DE USO DE GRAVAÇÕES DE


AUDIO, VIDEO E FOTOGRAFIA

UMESP – UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


Programa de Pós-Graduação em Educação

TERMO DE CESSÃO DE DIREITO DE USO DE GRAVAÇÕES DE AUDIO, VIDEO E


FOTOGRAFIA

Eu,.................................................................................., RG: ................................, autorizo a


utilização de imagens de vídeo, de fotografias e de gravações de áudio, para uso em atividades de
pesquisa. As atividades previstas incluem publicação dos resultados, exposição em salas de aula,
congressos, hipermídia e Internet, relacionadas com o projeto de pesquisa de doutorado de Elaine
Gomes Vilela, intitulado: “A COMUNICAÇÃO SOCIAL HAPTICA E SUAS VIAS DE
CONSTRUÇÃO: NARRATIVAS E EXPERIÊNCIAS DE GUIAS-INTÉRPRETES E PESSOAS
COM SURDOCEGUEIRA EM PROCESSOS FORMATIVOS”, a ser realizado no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do título de
Doutora. Isto posto abre mão de qualquer direito autoral que possa incidir sobre as referidas
gravações.

__________________________________________

Consentimento do(a) colaborador(a)

Nome completo e assinatura

____________________________________________

Local, ____________________________, ___/___/___.


225

APÊNDICE D - QUESTIONÁRIO: GUIAS-INTÉRPRETES PARTICIPANTES EM


PESQUISA-FORMAÇÃO

Link do forms: https://forms.gle/bPK6edRgytpwndEBA


226

APÊNDICE E – EMENTA DO CURSO DE PESQUISA FORMAÇÃO

UMESP – UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


Programa de Pós-Graduação em Educação

EMENTA DO CURSO DE PESQUISA FORMAÇÃO

CURSO ESTRATÉGIAS NA GUIA-INTERPRETAÇÃO E UTILIZAÇÃO DA


COMUNICAÇÃO SOCIAL HÁPTICA PARA PESSOAS SURDOCEGAS

INFORMAÇÕES GERAIS
Carga Horária: 60h sendo (8 encontros remotos, aos sábados das 9h às 12h e,36h em atividades EaD

Início:19/09/2020

Término:19/12/2020

Público-alvo: Guias-Intérpretes que atuam com pessoas surdocegas

Professora: Me Elaine Gomes Vilela

ORIENTADORA: PROF. DRA ADRIANA BARROSO DE AZEVEDO

SOBRE A PROFESSORA

Doutoranda em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (2019/2023). Mestre em Educação
pela Universidade Metodista de São Paulo (2016/2018). Especialização em Tradução e Interpretação
Libras/Português (2014) e Especialização em Docência do Ensino Superior (2015) ambas pela
Universidade Camilo Castelo Branco. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Metodista de
São Paulo (2009). Guia-intérprete pela AHIMSA (2018). Tem experiência na área de Educação, com
atendimento inclusivo e ênfase em Tradução e Interpretação em Libras/Libras tátil/comunicação social
háptica. Fonte: http://lattes.cnpq.br/9102135230504568

QUAL A PROPOSTA DO CURSO?

O curso propõe-se a desenvolver possibilidades de aprimoramento a profissionais guias-intérpretes que


atuam com surdocegos em diversas esferas. Apresenta estratégias de comunicação na surdocegueira
utilizando a comunicação social háptica como elemento complementar primordial. Propõe vivência
227

prática com surdocegos, contemplando o uso da comunicação social háptica e seus desdobramentos de
acordo com as necessidades dos surdocegos que a utilizarão.

Os participantes receberão online de maneira antecipada os materiais conceituais referentes as aulas, bem
como atividades de fixação de registro. As aulas remotas são destinadas a práticas de conceitos prendidos
e dissolução de possíveis dúvidas.

OBJETIVO GERAL DO CURSO

O curso visa capacitar guias-intérpretes para estratégias de comunicação e a utilização do complemento


comunicacional denominado Comunicação Social Háptica em suas práticas de guia-interpretação com
surdocegos.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Revisar tipos de comunicação na surdocegueira e práticas na guia-interpretação

- Conhecer os atributos do trabalho do guia-intérprete

- Investigar as características da pessoa surdocega

- Relacionar e diferenciar os conceitos de tradução, interpretação e transliteração

- Apresentar as possibilidades da comunicação social háptica

- Elaborar glossário de sinais hápticos

COMPETÊNCIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO ALUNO

- Domínio dos conteúdos concernentes a comunicação social háptica e as diversas técnicas e estratégias
de guia-interpretação;

- Planejamento, desenvolvimento e avaliação do processo comunicativo com os surdocegos em diversos


espaços de atuação;

- Comprometimento com a postura ética, estética e coerente do exercício profissional, articulando o saber
teórico e prático na atuação guia-interpretativa.
228

METODOLOGIA APLICADA NAS AULAS

- Sala de aula invertida com disponibilização de materiais antecipados

- Metodologia de Aprendizagem baseada em problemas

- Abordagem teórica com vídeos e textos

- Prática em sala de aula

PROPOSTA DE AVALIAÇÃO

A avaliação será realizada por meio de instrumentos diversificados, como estudos de caso, testes,
atividades individuais e/ou em grupo, participação nas aulas e outras formas necessárias para o
aproveitamento da aprendizagem dos participantes Aprovação pela frequência mínima de 75% (setenta
e cinco por cento) nas atividades previstas para o curso e média igual ou superior a 6,0 (seis).
229

CRONOGRAMA DO CURSO

AULAS DATA TEMA CONTEÚDOS

1 19/09 Atributos do trabalho do guia- - Explanação do trabalho do guia-


intérprete intérprete
- Espaços de atuação
- Ética do guia-intérprete

2 03/10 Características da pessoa surdocega - Pessoas com surdocegueira adquirida


- Pessoas com surdocegueira congênita
- Especificidades da surdocegueira
3 17/10 Conceitos de tradução, interpretação - História da Tradução e interpretação
e transliteração - Modalidades da língua
- Efeitos de modalidades
4 31/10 Técnicas e práticas na guia- - Tecnologia Assistiva (base de apoio e
interpretação materiais pedagógicos adaptados)
- Classificadores na Libras
- Estratégias de guia-interpretação
5 14/11 Possibilidades da comunicação social - Comunicação Háptica e comunicação
háptica: social háptica
Complemento de informações, - Possibilidades de descrição visual
ênfase de informações e fornecer - História da comunicação social Háptica
informações rápidas. Brasil e no mundo
6 28/11 Glossários de sinais hápticos - 103 sinais hápticos (criado na Noruega e
traduzido para o Inglês)
- Glossário elaborado por pessoas
surdocegas do Brasil
- Especificidade dos surdocegos na
utilização da comunicação social háptica
7 12/12 Práticas de Guia-Interpretação - Práticas e experimentação sobre da
comunicação social háptica
8 19/12 Práticas de Guia-Interpretação - Práticas e experimentação sobre da
comunicação social háptica
230

Bibliografia básica

ARAÚJO, Heio Fonseca de et all. Práticas de Interpretação Tátil e comunicação Háptica para pessoas
com surdocegueira. Petrópolis: Editora Arara Azul, 2019.

VILELA, Elaine Gomes. Surdocegos e os Desafios nos Processos Socioeducativos: os mediadores e a


Tecnologia Assistiva. Dissertação de Mestrado – São Bernardo do Campo: 2018.

Bibliografia complementar

BERGMANN, J.; SAMS, A. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem. (Tradução
Afonso Celso da Cunha Serra). 1ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 104 p, 2016.

CARILLO, Elenir Ferreira Porto. Análise das entrevistas de quatro surdocegos adquiridos sobre a
importância do guia-intérprete no processo de comunicação e mobilidade. 2008. 128 f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2008.

LAHTINEN, R. Development of the Holistic Social-Haptic Confirmation System. A case study of the
yes & no-feedback signals and how they become more commonly and frequently used in a family with
an acquired deafblind person. Licenciate Thesis. Department of Teacher Education. University of
Helsinki, 2003.

NOVA ESCOLA. O que muda nas aulas quando se aplica a sala de aula invertida? Disponível em
https://novaescola.org.br/conteudo/3376/blog-tecnologia-educacao-como-funciona-sala-de-aula-
invertida

PALMER, R. & Lahtinen, R. Communication with Usher People. In: Deafblind Education, july-
december, 1994.
231

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