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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (UERN)

CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS (CAPF)


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO (PPGE)
CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM ENSINO (CMAE)
INSTITUIÇÕES PARCEIRAS: Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA)
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN)

FERNANDA RODRIGUES DE SOUSA

O LETRAMENTO MULTIMODAL CRÍTICO NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA:


EXPLORANDO REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MULHER NA SÉRIE ANNE
WITH AN “E”

PAU DOS FERROS


2022
FERNANDA RODRIGUES DE SOUSA

O LETRAMENTO MULTIMODAL CRÍTICO NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA:


EXPLORANDO REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MULHER NA SÉRIE ANNE
WITH AN “E”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino


(PPGE), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),
do Campus Avançado De Pau dos Ferros (CAPF) em parceria com a
Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) e Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
(IFRN), como requisito para obtenção do título de Mestra em Ensino,
área de concentração: Educação Básica, linha de pesquisa: Ensino de
Línguas.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Zenaide Valdivino da Silva

PAU DOS FERROS


2022
A dissertação – o letramento multimodal crítico no ensino de língua
inglesa: explorando representações sociais da mulher na série Anne with
an “e” - de autoria de Fernanda Rodrigues de Sousa, foi submetida à Banca
Examinadora, constituída pelo PPGE/UERN, como requisito parcial
necessário à obtenção do grau de Mestre em Ensino, outorgado pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

Dissertação defendida e aprovada em _______ de ____________________ de 2022

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Zenaide Valdivino da Silva
(Presidente/Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN)

___________________________________________________________________
Profa. Dra. Clarice Lage Gualberto
(1º Examinador Externo/Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG)

___________________________________________________________________
Prof. Dr. José Cezinaldo Rocha Bessa
(2º Examinador Interno/Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN)

___________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Nonato de Oliveira
(1º Suplente Interno/Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN)

_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Fabio Nunes Assunção
(2º Suplente Externo/Universidade Federal do Ceará - UFC)
Artigo publicado no jornal local, Avonlea Gazette, em junho de 1899.
A todas as mulheres, cis ou trans, que já foram
oprimidas por sua condição de ser e existir
nessa sociedade patriarcal,

Dedico.
AGRADECIMENTOS

A Deus, ao universo, aos orixás e às forças da natureza por me guiarem até aqui.

À minha mãe, Raimunda de Sousa, por ser o meu exemplo de força e otimismo durante as
minhas batalhas internas e externas. Gratidão por apoiar todos os meus sonhos!

Às minhas irmãs, Fabiana Rodrigues e Flávia Vitória, por compreenderem as minhas


necessidades durante os meus anos de estudo até a realização desta pesquisa. Gratidão por se
orgulharem de mim!

À Lanielle Fonseca, minha grande incentivadora e apoiadora neste sonho. Obrigada por me
fazer acreditar em mim e não me deixar desistir. Você fez toda a diferença durante o meu
percurso de mestranda. Gratidão pela parceria!

À Liz (minha doguinha), por me acordar todos os dias com alegria e lambidas. Eu amo ter te
adotado e amo a nossa família. Gratidão por existir!

À professora Dra. Maria Zenaide, por todo o conhecimento compartilhado durante esses dois
anos do curso e no decorrer da pesquisa. Obrigada pela condução paciente do trabalho, pelos
insights acadêmicos e por contribuir com a minha formação profissional e empoderamento
pessoal. Gratidão pela confiança!

Ao meu amigo, Diego Gomes, pelas orientações que muito me ajudaram durante o processo
seletivo do curso, pelas conversas, nas quais, dividíamos as nossas aflições de mestrandos
pandêmicos e pela amizade estabelecida não importando a distância. Gratidão por mais essa!

À minha amiga, Jacqueline Marques, que foi minha professora e hoje é companheira de
trabalho na instituição onde a pesquisa foi realizada. Obrigada por me incentivar na realização
deste sonho e me avisar sobre a seleção em tempo hábil além do apoio durante o percurso e
feitura da pesquisa. Gratidão por tudo!

À minha companheira de curso, Ivone Estevam, por toda a troca de ideias no percurso do
mestrado, pelas conversas de incentivo e estímulo e pela disposição sempre que pedi ajuda.
Gratidão pela paciência!

Ao professor Dr. Marcos Nonato, por todo o aprendizado e incentivo durante as aulas. O
admiro pelo excelente profissional e, sobretudo, o grande ser humano que és. Gratidão pelos
ensinamentos!

À professora Dra. Clarice Gualberto, por ter aceitado o convite e participar desse momento
ímpar da minha vida assim como, as contribuições e sugestões dadas durante a qualificação do
nosso trabalho. Gratidão!
Ao professor Dr. José Cezinaldo, por também compor a banca examinadora e contribuir com
a melhoria do nosso trabalho durante a qualificação da pesquisa. Gratidão pelas contribuições!

Ao professor Dr. Fabio Nunes, por aceitar compor a banca como suplente externo. Gratidão!
RESUMO

Diante das profundas transformações nos processos de comunicação e nas nossas práticas
sociais, cabe à escola e aos professores atentar para essa pluralidade de signos denominada
multimodalidade. Considerando-a um traço característico da linguagem, e notadamente, dos
textos midiáticos, nossas concepções de texto e, consequentemente, de leitura se ampliam
significativamente. Sob essa perspectiva, voltamos o nosso olhar para o âmbito escolar e para
as possibilidades de construção de sentidos que esse espaço pode desenvolver na formação
discente. Para tanto, nossa pesquisa tem amparo teórico na Semiótica Social, na
Multimodalidade e na Pedagogia dos Multiletramentos, a partir dos postulados de Bourdieu
(1998), Kress e van Leeuwen (1996, 2006), Kress (2010), o manifesto do Grupo Nova Londres
(1996) e no modelo Show Me, proposto por Callow (2008, 2013). Este trabalho utiliza o seriado
Anne with an “e” como recurso didático na sala de aula de língua inglesa, com vistas a
investigar o potencial das séries de tv como ferramenta pedagógica à luz da multimodalidade e
do letramento visual crítico, explorando o papel social da mulher nas cenas e fomentando a
discussão sobre a desigualdade de gênero. Objetivamos explorar representações sociais da
mulher presentes na série Anne with an “e” na sala de aula de língua inglesa do ensino médio;
identificar como o uso da série Anne with an “e” contribui para o letramento visual crítico dos
alunos por meio do modelo Show Me de Jon Callow e verificar como a série pode estimular o
letramento visual crítico dos alunos para as suas práticas sociais, a partir dos sentidos
veiculados. Nossa investigação, de natureza aplicada, consiste em uma pesquisa/ação e tem
abordagem qualitativa, descritiva e interpretativista quanto aos procedimentos de análise. O
corpus da pesquisa se constitui das informações retiradas das gravações das aulas e do roteiro
de análise semiestruturado e tem a sala de aula do ensino médio de uma escola pública da rede
estadual do Ceará como locus para a intervenção. Através dos nossos resultados, percebemos
que, as séries de tv oferecem grande potencial como ferramenta pedagógica, visto que,
promovem o engajamento dos alunos. Considerando o roteiro de análise semiestruturado,
constatamos que, a leitura das cenas feitas pelos alunos se deu, majoritariamente, pelos nossos
estímulos durante a intervenção, ou seja, sem esses estímulos os estudantes focariam suas
interpretações no discurso verbal, além disso, identificamos que, os discentes tiveram certa
dificuldade em analisar criticamente o conteúdo veiculado nas cenas e relacioná-los às suas
vivências sociais. Diante disso, percebemos o quanto é necessário introduzir a abordagem
multimodal na prática pedagógica visando um melhor desempenho dos nossos alunos enquanto
leitores e produtores de sentidos.
Palavras-chave: Letramento Multimodal Crítico. Ensino de Língua Inglesa. Representações
Sociais. Anne with an “e”.
ABSTRACT

Faced with the profound changes in communication processes and in our social practices, it is
up to the school and the teachers to pay attention to this plurality of signs called multimodality.
Considering it a characteristic feature of language, and notably, of media texts, our conceptions
of text and, consequently, of reading are significantly expanded. From this perspective, we turn
our gaze to the school environment and to the possibilities of building meanings that this space
can develop in student education. Therefore, our research has theoretical support in Social
Semiotics, Multimodality and the Pedagogy of Multiliteracies, based on the postulates of
Bourdieu (1998), Kress and van Leeuwen (1996, 2006), Kress (2010), the manifesto of the
Nova Group London (1996) and in the Show Me model, proposed by Callow (2008, 2013).
This work uses the series Anne with an “e” as a didactic resource in the English language
classroom, in order to investigate the potential of TV series as a pedagogical tool in the light of
multimodality and critical visual literacy, exploring the social role of women in the scenes and
encouraging the discussion about gender inequality. We aim to explore the social
representations of women present in the Anne with an “e” series in the high school English
language classroom; identify how the use of the Anne with an "e" series contributes to students'
critical visual literacy through Jon Callow's Show Me model and verify how the series can
stimulate students' critical visual literacy for their social practices, from of the conveyed
meanings. Our investigation, of an applied nature, consists of a research/action and has a
qualitative, descriptive and interpretive approach regarding the analysis procedures. The
research corpus consists of the information taken from the recordings of the classes and the
semi-structured analysis script and has the high school classroom of a public school in the state
network of Ceará as the locus for the intervention. Through our results, we realized that TV
series offer great potential as a pedagogical tool, since they promote student engagement.
Considering the semi-structured analysis script, we found that the reading of the scenes made
by the students took place, mostly, by our stimuli during the intervention, that is, without these
stimuli the students would focus their interpretations on the verbal speech, in addition, we
identified that, the students had some difficulty in critically analyzing the content conveyed in
the scenes and relating them to their social experiences. In view of this, we realize how
necessary it is to introduce the multimodal approach in pedagogical practice aiming at a better
performance of our students as readers and producers of meanings.
Keywords: Critical Multimodal Literacy. English Langauge Teaching. Social
Representations. Anne with an “e”.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Elementos constituintes da cultura de séries.......................................... 63


Figura 2 - Percurso metodológico........................................................................... 77
Figura 3 - Anne tenta convencer Marila a adotarem.............................................. 79
Figura 4 - Anne se recusa a sair de casa devido ao seu cabelo curto...................... 78
Figura 5 - A professora Stacey chega à comunidade de Avonlea.......................... 79
Figura 6 - Pôster de divulgação da série Anne with an “e” ................................... 80
Figura 7 - Edição brasileira de Anne de Green Gables........................................... 81
Figura 8 - Anne discorda de Marila quanto aos afazeres da fazenda..................... 85
Figura 9 - Marila pede Anne para ir à Carmody comprar comida......................... 90
Figura 10 - Close-up do cabelo curto de Anne......................................................... 90
Figura 11 - Anne chega à Carmody com trajes masculinos..................................... 92
Figura 12 - “Ser um garoto é bem libertador!” ........................................................ 93
Figura 13 - Anne jogando com um grupo de meninos............................................. 94
Figura 14 - Um homem pede ajuda a Anne pensando ser um menino..................... 95
Figura 15 - Anne confronta Marila sobre não poder ajudar na fazenda................... 96
Figura 16 - Anne vestida com trajes masculinos...................................................... 97
Figura 17 - Movimento de Anne demonstrando aflição enquanto segue Marila
pela cozinha............................................................................................ 99
Figura 18 - Ângulo de confronto.............................................................................. 100
Figura 19 - Expressão facial de Marila ao ouvir Anne............................................. 101
Figura 20 - Expressão facial de Anne ao saber que precisa ir à Carmody............... 102
Figura 21 - Anne se esconde para não ir à Carmody................................................ 106
Figura 22 - Anne sente vergonha do seu cabelo curto.............................................. 109
Figura 23 - Processo de contextualização................................................................ 110
Figura 24 - A professora Stacey vai ao encontro do grupo de mães
progressistas............................................................................................ 112
Figura 25 - Moradores se espantam ao ver a professora Stacey............................... 114
Figura 26 - Enfoque na calça e bicicleta elétrica pelo ângulo da câmera................. 115
Figura 27 - A professora Stacey se apresenta ao grupo de mães progressistas........ 116
Figura 28 - A professora Stacy cruza com os irmãos Cuthbert e Anne.................... 120
LISTA DE QUADROS

Quadro 01 - Descrevendo o letramento visual/multimodal por Anstey & Bull


(2006) e adaptado por Silva (2016) .................................................... 46
Quadro 02 - Modelo Show Me: Dimensão Afetiva por Callow (2008) e adaptado
por Silva (2016) .................................................................................. 67
Quadro 03 - - Modelo Show Me: Dimensão Composicional por Callow (2008) e
adaptado por Silva (2016) ................................................................... 68
Quadro 04 - Modelo Show Me: Dimensão Composicional por Callow (2008) e
adaptado por Silva (2016) ................................................................... 69
Quadro 05 - - Modelo Show Me: Dimensão Crítica por Callow (2008) e adaptado
por Silva (2016) .................................................................................. 70
Quadro 06 - Modelo Show Me: Sugestões de atividades por Callow (2008) e
adaptado por Silva (2016) ................................................................... 71
Quadro 07 - Modos semióticos mais identificados pelos alunos............................. 122
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEM – Aluno (a) do Ensino Médio


EM – Ensino Médio
GNL – Grupo Nova Londres
GDV – Gramática do Design Visual
LI – Língua Inglesa
SS – Semiótica Social
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................. 22
2.1 A CONSTRUÇÃO DO PAPEL SOCIAL DA MULHER................................ 22
2.2 SEMIÓTICA SOCIAL: UM PANORAMA GERAL....................................... 28
2.3 MULTIMODALIDADE E ENSINO: CONCEPÇÃO DE TEXTO E
LEITURA.......................................................................................................... 32
2.4 MULTILETRAMENTOS NA SALA DE AULA: UMA PRÁXIS
NECESSÁRIA................................................................................................... 38
2.5 LEITURA MULTIMODAL: A RELEVÂNCIA DOS LETRAMENTOS
VISUAL E DIGITAL........................................................................................ 44
2.6 AS SÉRIES DE TV COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NA AULA
DE LÍNGUA INGLESA.................................................................................... 55
2.7 O MODELO SHOW ME DE JON CALLOW................................................... 64
2.7.1 Dimensão Afetiva............................................................................................. 66
2.7.2 Dimensão Composicional................................................................................ 67
2.7.3 Dimensão Crítica.............................................................................................. 69
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................. 73
3.1 A NATUREZA DA PESQUISA....................................................................... 73
3.2 O CONTEXTO DA PESQUISA....................................................................... 74
3.2.1 O corpus da pesquisa....................................................................................... 75
3.2.2 O locus da pesquisa.......................................................................................... 75
3.2.3 O perfil dos participantes da pesquisa........................................................... 76
3.3 OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E OS INSTRUMENTOS
PARA A COLETA DE DADOS....................................................................... 76
3.3.1 Instrumentos para a coleta de dados.............................................................. 82
3.4 CATEGORIAS PARA A ANÁLISE DOS DADOS......................................... 83
4 O LETRAMENTO MULTIMODAL CRÍTICO EM ANNE WITH AN
“E”: UMA PROPOSTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA.............................. 84
4.1 CONCEPÇÕES DISCENTES SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA
MULHER........................................................................................................... 84
4.2 DIMENSÕES AFETIVA, COMPOSICIONAL E CRÍTICA NAS CENAS
TRABALHADAS.............................................................................................. 95
4.3 O LETRAMENTO VISUAL CRÍTICO E O CONTEXTO SOCIAL DOS
ESTUDANTES.................................................................................................. 107
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 132
REFERÊNCIAS............................................................................................... 137
APÊNDICES.................................................................................................... 141
APÊNDICE A.................................................................................................... 142
APÊNDICE B.................................................................................................... 143
APÊNDICE C.................................................................................................... 145
APÊNDICE D.................................................................................................... 146
16

1 INTRODUÇÃO

“Deixe suas ambições e


aspirações guiarem você.”
Anne with an “e”

A dinamicidade da sociedade contemporânea tem afetado a nossa comunicação


significativamente. Nos últimos anos, podemos constatar a transição de um mundo analógico
para o digital, e com ele, novos aparelhos, novos recursos e novas redes sociais. Com essa
mudança, passamos a produzir textos em diferentes formatos explorando, principalmente, o
visual. O visual está presente em todas as nossas produções e atrai o nosso olhar por se
configurar em múltiplos modos como: sons, movimentos, cores, imagens e etc, sendo assim,
todas as nossas produções sempre foram multimodais (KRESS, 1996), mas, atualmente, estão
mais evidentes.
Diante disso, nossa concepção de texto também deve se ampliar a fim de abranger as
novas produções que estão surgindo e, para tanto, precisamos refletir sobre o que é a leitura
para além do modo escrito. Durante muito tempo, a hegemonia do verbal prevaleceu como
única fonte de produção textual e representação de significados. Atualmente, já é possível
perceber que o código escrito é uma das formas de produção de sentidos e não, a única. Então,
“de que forma podemos utilizar esse contexto para o desenvolvimento de um letramento visual
positivo e inclusivo, dotado de atividades menos volúveis e descartáveis e mais significativas,
criativas e construtivas na sala de aula? ” (OLIVEIRA, 2006, p. 17).
Desse modo, é necessário pensar numa dosagem entre essas produções e na sua
aplicação na sala de aula já que, defendemos a ampliação do conceito de leitura e não, o
monopólio de um modo específico. Entendemos que a escola é o espaço que deve tomar esse
papel de desenvolver a leitura dos alunos à luz da multimodalidade e dos multiletramentos com
vistas às suas práticas sociais. Ressaltamos que, apesar dos discentes se inserirem em outras
esferas sociais fora do âmbito escolar e já construírem sentidos a partir dessas interações, é na
escola que esse processo ganha consciência e criticidade, a partir de um trabalho direcionado.
Portanto, atribuímos à escola e aos professores o dever de oportunizar na sua prática
pedagógica o desenvolvimento de uma leitura multimodal, que possa formar o aluno
criticamente para a sua vida social. Esse ensino pode se dar através das inúmeras ferramentas
que as mídias digitais nos oferecem, como por exemplo, o recurso semiótico escolhido para a
nossa intervenção: as séries de tv. Cada recurso semiótico apresenta suas limitações e
potencialidades (affordances) de acordo com o que se pretende desenvolver (BEZEMER;
17

JEWITT, 2009), ficando a cargo do professor, atuar como um designer, selecionando e


adequando a ferramenta aos seus objetivos.
A motivação para trabalhar com séries de tv como ferramenta pedagógica partiu do
gosto pessoal da pesquisadora, que é uma consumidora ativa das produções audiovisuais e
também do projeto integrador desenvolvido para o curso de especialização lato sensu, no qual,
foi trabalhada a série How I Met Your Mother (Como eu conheci sua mãe) culminando na
produção de um artigo científico. Para esta pesquisa, escolhemos a série Anne with an “e”,
disponível na plataforma de streaming Netflix, que é um roteiro adaptado e produzido por Moira
Walley-Beckett.
A produção audiovisual se baseia nas obras literárias que têm classificação infanto-
juvenil, e é permeada de temáticas que podem ser exploradas na sala de aula. Com o intuito de
estimular o letramento multimodal crítico dos estudantes, trabalharemos as representações
sociais da mulher contidas nas cenas que selecionamos para a aula de língua inglesa à luz do
letramento multimodal. Nossa pesquisa tem enfoque na multimodalidade, defendida por Kress
e van Leeuwen (1996), por acreditarmos que ela pode contribuir para o contexto social, político
e pessoal dos alunos, se inserida na dinâmica escolar.
No que tange ao caráter multimodal de nossa pesquisa, Callow (2006) afirma que
textos multimodais utilizados em sala de aula proporcionam grande afetividade e são bem
aceitos pelos discentes. Dessa maneira, notamos que a escola ainda se prende a importância do
código escrito o que implica desconsiderar os muitos outros modos semióticos existentes. Esse
desalinhamento entre sociedade e escola, reforça no aluno o desinteresse pelos conteúdos e pela
vivência escolar, pois, para ele, o mundo “lá fora” é mais dinâmico e inovador, impulsionado
pela velocidade das informações.
Sob essa perspectiva, nossa pesquisa levará para a sala de aula de língua inglesa essa
proposta didático-pedagógica com base no modelo Show Me de Jon Callow (2008, 2013) a fim
de averiguar como a série de tv estimula os letramentos visual e crítico. Frisamos que, o aluno
precisa enxergar sentido no que estuda de maneira que sinta uma identificação com o que lhe é
proposto na sala de aula. Para analisarmos o potencial da série trabalhada usaremos as três
dimensões propostas por Callow (2008): afetiva, composicional e crítica.
Diante dos apontamentos feitos, ressaltamos a importância da nossa pesquisa
contextualizada na aula de língua inglesa como forma de também contribuir para a importância
dessa disciplina no mundo globalizado. Com base em Ferreira; Morais (2019), entendemos que
a língua inglesa se configura como um dos pilares da cultura pós-moderna e está presente em
18

diferentes espaços que exigem a nossa leitura e compreensão em um segundo idioma associada
ao visual.
Conscientes de que a nossa investigação proporciona a análise e reflexão do conceito
de leitura assim como, a prática dos letramentos, defendemos a relevância dessa pesquisa para
a prática docente e para a formação dos alunos pela contribuição para o ensino de língua inglesa.
Endossando os nossos estudos, trazemos Bourdieu (1998), Kress e van Leeuwen (1996, 2006),
Kress (2010), a Pedagogia dos Multiletramentos defendida pelo Grupo Nova Londres (1996) e
o modelo Show Me proposto por Jon Callow (2008, 2013).
Para o desenvolvimento da pesquisa, centralizamos algumas questões norteadoras para
orientar a condução do trabalho. A primeira delas é: 1. Quais concepções sobre as
representações sociais da mulher os alunos identificaram nas cenas da série Anne with an “e”?
2. Como as dimensões afetiva, composicional e crítica foram interpretadas pelos alunos? 3.
Como o letramento visual crítico foi estimulado nas cenas dialogando com as práticas sociais
dos alunos?
De acordo com as questões levantadas, definimos os nossos objetivos em geral e
específicos para respondermos as questões norteadoras da pesquisa, sendo o objetivo geral:
Investigar a potencialidade das séries de tv como ferramenta pedagógica na sala de aula de
língua inglesa a luz da multimodalidade e do letramento visual crítico. Objetivos específicos:
1. Explorar as concepções dos discentes sobre representações sociais da mulher na série Anne
with an “e” na sala de aula de língua inglesa do ensino médio; 2. Verificar como as dimensões
afetiva, composicional e crítica foram identificadas pelos alunos; 3. Analisar como o letramento
visual crítico foi estimulado dialogando com as práticas sociais dos alunos.
Como parte do processo para o desenvolvimento da pesquisa, realizamos a revisão de
literatura em busca de teses, dissertações, monografias e artigos que se assemelhassem ao nosso
trabalho como fonte de referências, mas sobretudo, para conhecermos quais aspectos já foram
investigados dentro da temática das séries de tv. Como resultado desse processo, encontramos
trabalhos que envolvem desde a metodologia com séries a estudos sobre o comportamento dos
consumidores das produções audiovisuais, o que nos forneceu subsídios para traçarmos um
caminho inovador com a nossa pesquisa.
Na monografia de Lima (2013), encontrada no site da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), intitulada De olho na tela: O consumo de séries de TVS norte-americanas através
da internet, a autora discute sobre como a internet é uma grande aliada para o consumo de séries
e também para suprir a função da programação da tv. O objetivo do trabalho foi analisar a
relação de fãs de seriados com a internet. A pesquisa apresenta um termo cunhado de
19

convergência midiática para explicar o consumo por meio da rede mundial de computadores.
Como metodologia, foi usada a revisão bibliográfica, a observação participante, recursos da
etnografia e a entrevista em profundidade. Os resultados encontrados traçaram o perfil dos
usuários ativos na internet e comprovaram que essa nova forma de consumo coloca o espectador
em evidência para participar de discussões em chats e fóruns destinados para tal atividade.
Na dissertação de Couto (2015), intitulada Um jogo de rainhas: as mulheres de Game
of Thrones e disponível no site da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a autora analisa
as identidades da mulher representadas na série através de três personagens da primeira
temporada. O trabalho enfatiza que os meios de comunicação e os seus produtos são
fundamentais para a propagação de valores e fornecimento de subsídios para que o indivíduo
construa sua identidade. Para a pesquisadora, Game of Thrones é uma grande metáfora da
sociedade atual.
Já na dissertação de Ortis (2019), intitulada Representações femininas em Game of
Thrones: mediações entre os sete reinos e a contemporaneidade, disponível no site da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), temos a mesma série no centro dos
debates com questionamentos acerca de como são representadas as identidades femininas das
personagens Arya e Sansa Stark. De um modo geral, a pesquisa objetivou verificar através dos
elementos narrativos quais pautas feministas são acionadas pela série e como elas contribuem
para a construção da identidade da mulher contemporânea. A autora aponta para o contexto no
qual essas mulheres estão inseridas na produção televisiva para abordar como a série
problematiza violências contra o feminino, por exemplo.
Sob uma perspectiva semelhante, a dissertação de Terres (2019), Feminine power in
the HBO TV series Game of Thrones: the case of Daenerys Targaryen, disponível no site da
Universidade Federal de Santa Cataria (UFSC), traz uma discussão sobre a representação de
gêneros e relações de poder através de uma personagem específica na série. A análise das cenas
tem aporte teórico na Línguística Sistêmica Funcional de Halliday (1995), na Análise Crítica
do Discurso de Fairclough (2010) e na Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen
(1996, 2006). Os resultados apresentados mostraram um empoderamento da personagem
através de sua representação verbal e visual.
Observou-se que a temática de gênero e representação da mulher tem crescido como
objeto de estudos fomentando a pauta de discussões sobre a desigualdade de gênero. No entanto,
esses trabalhos não tiveram como locus a sala de aula e o enfoque no ensino. Desse modo, essa
pesquisa vem a contribuir para o ensino enfatizando os múltiplos modos de texto e leitura, além
de investir na prática docente transformando a série de tv em uma ferramenta pedagógica.
20

Tendo em vista que a multimodalidade é uma abordagem em ascensão, explorá-la no


contexto pedagógico é uma tentativa de fomentar a discussão de gênero e do papel social da
mulher através de uma linguagem mais acessível aos estudantes. Nesse sentido, esse trabalho
busca ampliar a percepção do texto visual na sala de aula de língua inglesa ao passo que garante
a prática dos multiletramentos de forma contextualizada.
Oportunizar um espaço para a reflexão e criticidade dos modelos sociais vigentes é
uma proposta também política porque o fazer pedagógico passa intrinsecamente pela
responsabilidade política que é o compromisso com à escola pública. Uma educação de
qualidade deve visar, além dos conteúdos curriculares, a formação do aluno para a sua atuação
enquanto sujeito participante da sociedade, desta forma, os multiletramentos e o letramento
multimodal crítico são conhecimentos que devem ser considerados para a educação
contemporânea.
Nesse contexto, tornou-se pertinente trazer o foco para a aula de língua inglesa, posto
que, o ensino de um segundo idioma na educação brasileira tem parâmetros recentes de
aprendizagens evoluindo, não na mesma proporção, da tecnologia ao longo dos últimos anos.
Pensando nisso, o uso de uma série de tv como ferramenta de ensino se enquadra nas
metodologias ativas, na qual, o aluno é sujeito protagonista do seu processo de aprendizagem.
O propósito das metodologias ativas é promover um ensino que envolva o aluno,
pensando nisso, evidenciou-se o fato da personagem principal da série escolhida, Anne, ser uma
adolescente vivendo todos os conflitos desse período que se assemelha a idade dos participantes
dessa pesquisa, fato considerado como uma excelente estratégia para dinamizar a aula de língua
inglesa e manter o foco dos alunos.
A sociedade contemporânea apresenta um caráter multimodal que já nos é familiar
rotineiramente. É fato que, os participantes dessa pesquisa estão inseridos no universo digital e
tecnológico, tendo em vista que, eles nasceram com esse universo em expansão. Entretanto, os
textos visuais e midiáticos apresentam características que podem ser devidamente exploradas
na sala de aula em busca de uma significação mais apurada das imagens. Uma prática
pedagógica comprometida em ler o visual pode ampliar a visão de mundo e o repertório dos
nossos estudantes.
O enfoque que se dá à multimodalidade neste trabalho objetiva exemplificar a
capacidade que os textos visuais têm de reiterar, confirmar ou negar ideologias implícitas em
tudo ao nosso redor. Ao confrontar essas imagens sob a luz do letramento visual crítico, uma
nova interpretação surge e a partir dos novos sentidos dados as imagens, antes vistas sem
21

propósito algum, promove-se a dialética dos sentidos e amplia-se a concepção de leitura e


interpretação dos alunos.
Esta pesquisa está estruturada em quatro capítulos e demais elementos pré e pós
textuais. O capítulo 1, intitulado Introdução, apresenta de maneira geral o trabalho que foi
desenvolvido para uma melhor leitura e compreensão das ideias posteriores. No capítulo 2,
denominado Fundamentação Teórica, é apresentado as bases teóricas para o desenvolvimento
das atividades da nossa intervenção. Neste capítulo, explora-se os pilares constitutivos da
pesquisa apresentando os conceitos de Semiótica Social, Multimodalidade e Multiletramentos.
No capítulo 3, intitulado Procedimentos Metodológicos, é descrito todo o processo
teórico e empírico da metodologia aplicada. Apresenta-se as escolhas metodológicas
desmembrando o capítulo em subseções que caracterizam o percurso de estudo e investigação,
ficando assim distribuídas: natureza, contexto, corpus, locus e perfil dos participantes da
pesquisa. Em seguida, descreve-se os instrumentos para a coleta de dados e as categorias para
a análise dos dados.
No capítulo 4, intitulado O Letramento Multimodal Crítico em Anne with an “e”,
realiza-se as análises dos dados coletados a partir de três categorias elaboradas, são elas: 1.
Concepções discentes sobre representações sociais da mulher; 2. As dimensões afetiva,
composicional e crítica nas cenas trabalhadas; 3. O letramento visual crítico e o contexto social
dos estudantes. Foi tomado como base, as informações contidas no roteiro de análise
semiestruturado e as gravações das aulas da intervenção.
Na sequência, são apresentadas as considerações finais, em que se faz uma
retrospectiva do trabalho, dando enfoque aos resultados obtidos e as contribuições para o ensino
de língua inglesa advinda da investigação. Segue-se com o diálogo das possibilidades sabendo
que, as possíveis lacunas deste trabalho podem ser preenchidas por pesquisas posteriores.
Por fim, apresenta-se as referências bibliográficas e na sequência, os apêndices com
os materiais utilizados durante a pesquisa para efeito de análise e conhecimento a fim de que,
possam complementar a leitura e compreensão desse trabalho.
22

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

“Grandes palavras são necessárias


para expressar grandes ideias.”
Anne with an “e”

Neste capítulo, será apresentado uma breve discussão sobre a construção do papel
social da mulher ao longo da história e os principais conceitos da Semiótica Social,
Multimodalidade e Multiletramentos, mais especificamente, o letramento visual e digital, tendo
como principais aportes teóricos os pressupostos de Bourdieu (1998), Kress e van Leeuwen
(1996, 2006), a Pedagogia dos Multiletramentos (1996) e Callow (2008, 2013).
A princípio, será realizada uma contextualização histórica e reflexiva sobre a
construção do papel social da mulher com base na ideologia binária do patriarcado, visto que,
esse é o tema de debate e análise da intervenção multimodal. Logo após, será abordado a
relevância do letramento multimodal e a sua implementação no contexto escolar usando as
séries de tv como ferramenta pedagógica. Para sustentar a pesquisa, será apresentado também
o modelo Show Me de Callow (2008) nas suas três dimensões: afetiva, composicional e crítica.
O capítulo encontra-se estruturado da seguinte maneira: 2.1 “A construção do papel
social da mulher”; 2.2 “Semiótica Social: um panorama geral”; 2.3 Multimodalidade e ensino:
concepção de texto e leitura”; 2.4 Multiletramentos: uma práxis necessária”; 2.5 Leitura
multimodal: a relevância dos letramentos visual e digital”; 2.6 As séries de tv como ferramenta
pedagógica”; 2.7 “O modelo Show Me de Jon Callow sendo que, essa última, se desmembrou
em três subseções: 2.7.1 “Dimensão afetiva”; 2.7.2 Dimensão composicional” e 2.7.3 e
“Dimensão crítica”. Segue a ilustração das seções:

2.1 A CONSTRUÇÃO DO PAPEL SOCIAL DA MULHER

Explorar representações sociais da mulher na sala de aula é promover o debate e a


reflexão dos alunos acerca dessa temática que tem ganhado notoriedade, seja pelas mídias ou
pelos casos de violência contra a mulher. Deste modo, considera-se importante entender como
esse binarismo que estrutura a sociedade se legitimou ao longo dos séculos.
Historicamente, a década de 60 é considerada de grande importância devido os
movimentos ativistas nos mais variados âmbitos da sociedade. De um modo mais organizado,
os movimentos ativistas pelos direitos das mulheres estavam crescendo enquanto estas, se
inseriam paulatinamente no mercado de trabalho.
23

Foi nessa década, por exemplo, que a pílula anticoncepcional foi criada e que a
educação para mulheres começou a ser estimulada por faculdades e fundações que
incentivavam as mulheres a obterem títulos, oferecendo apoio financeiro e bolsas de estudo.
Porém, apesar desse início promissor, as mulheres ainda eram discriminadas nas profissões
intelectualizadas.
Ressalta-se que, a luta das mulheres no decorrer dos anos é a de torná-las atuantes na
história, de incluí-las como sujeitos do processo de construção de uma sociedade, dando-lhes a
devida importância e, acima de tudo, os direitos que lhe foram negados em detrimento dos
privilégios masculinos. Sabe-se também que o comportamento padrão para uma mulher era ser
educada para casar e ter filhos. A submissão feminina se dava por vários meios, como a
doméstica, financeira e sexual. O trabalho fora de casa era tarefa exclusiva dos homens, que
eram os provedores da família, desta forma, restava para as mulheres a educação dos filhos e
as tarefas domésticas.
Para inserirem-se no mercado de trabalho foi uma longa peregrinação, que teve como
divisor de águas, as guerras. As mulheres começaram a desejar mais autonomia, a palavra de
ordem era: liberdade. Esse desejo também foi refletido na moda da época que ditava qual peça
era mais adequada ou feminina, foi então que surgiu a mini-saia, que se tornou item preferido
da moda jovem. As mulheres abandonaram as saias rodadas e a moda passou a ser uma questão
de expressão, acima de tudo. O período de transição, da busca pelo novo, influenciou o
pensamento de mulheres que, até então, não enxergavam perspectivas de trabalho, carreira e
liberdade sexual.
O desenvolvimento do pensamento feminista acarretou profundas transformações de
ordem social, uma vez que, as relações de poder e gênero começaram a ser questionadas e a
mulher passou a buscar a equiparidade de direitos na sociedade. São muitos os fatores que
contribuíram para a dominação histórica sobre as mulheres. Segundo Engels (1987 apud
SOUSA; DIAS, 2013, p. 145), “A dominação do sexo masculino sobre o feminino não consiste
em uma questão absolutamente natural, mas em uma construção social originada pelo fator
econômico, mais precisamente, desde a divisão sexual do trabalho.”
É imprescindível destacar que, a inserção no mercado de trabalho foi uma força motriz
para legitimar o movimento feminista e, corroborando este pensamento, Engels (1987 apud
SOUSA; DIAS, 2013, p. 145) afirma que “a mulher só se emanciparia quando retornasse ao
trabalho produtivo social, condição esta que seria alcançada com a grande indústria moderna
que permitiria o trabalho feminino.”
24

O movimento feminista na década 1960, reivindicava, entre outras pautas, o direito do


controle ao corpo e a sexualidade. Atualmente, esses temas ainda geram muitas discussões,
principalmente, no âmbito político e religioso. Diante de uma sociedade polarizada
politicamente que conta, inclusive, com uma bancada evangélica no congresso, os direitos da
mulher precisam ser veementemente defendidos assim como, o combate aos pensamentos
extremistas e radicais.
Um pouco mais de sessenta anos e a sociedade se transformou abruptamente. As redes
sociais movem o comportamento contemporâneo, a sociedade se tornou extremamente visual,
as informações circulam com velocidade. Diante disso, identificar discursos opressores,
protestar, mesmo que virtualmente, ou encontrar pessoas com interesses afins ficou mais
facilitado no século XXI. A opressão ao corpo feminino, bem como as questões relacionadas,
é histórica. A mulher foi moldada para agradar ao homem durante séculos, mais
especificamente, começando no século XVIII:
Nasce então, no século XVIII, a figura da dona de casa, da mulher santa, da mãe
dedicada, diferente daquelas consideradas orgásticas, caso usassem o corpo para o
prazer. As mulheres eram educadas ou incentivadas a serem frígidas, pois sentir prazer
era coisa do Diabo e, portanto, passível de punição. Elas passaram a ser limitadas ao
espaço doméstico. O saber feminino popular cai na clandestinidade. A educação para
as mulheres era ministrada apenas em casa, segundo os valores patriarcais pregados
de mãe para filha, em um movimento cíclico já, então, totalmente internalizados nelas,
sem que lhes fosse permitido questionar (MURARO 2000 apud SOUSA; DIAS, 2013,
p. 148).

Este modelo de sociedade perdura até hoje e sofreu variações de acordo com as
culturas, épocas e contextos históricos. Os efeitos deste modelo de educação ecoaram e ainda
ecoam na sociedade vigente e na forma como os homens enxergam as mulheres,
principalmente, na resistência de “ceder” espaço ao sexo feminino. É preciso entender que, o
feminismo tem um conceito bastante amplo no que se refere à luta pelos direitos das mulheres.
Assim,

Seja como for, mesmo que se entenda que o feminismo esteja restrito aos últimos dois
ou três séculos, trata-se de um movimento político bastante amplo que, alicerçado na
crença de que, consciente e coletivamente, as mulheres podem mudar a posição de
inferioridade que ocupam no meio social, abarca desde reformas culturais, legais, e
econômicas, referentes ao direito da mulher ao voto, à educação, à licença-
maternidade, à prática de esportes, à igualdade de remuneração para função igual etc.,
até uma teoria feminista acadêmica, voltada para reformas relacionadas ao modo de
ler o texto literário (ZOLIN, 2009, p.220).

Reforçando o padrão de comportamento sexista, já se incutia nos filhos o papel


determinado para os gêneros. A desigualdade de gênero era introjetada na educação dos filhos
de modo que, fortificava o domínio masculino. As mulheres deviam seguir um rigoroso manual
25

de etiqueta para serem consideradas “decentes”, deviam falar baixo, serem submissas e
contidas. O papel da mulher estava, até então, muito bem definido, assim como o da figura
masculina. A relação de poder entre o dominador e o dominante nunca havia sido questionada,
como fora naquela década. Segundo Bassanezi (1996 apud CUNHA, 2001, p. 202):

Essas relações são definidas por um conjunto de normas sociais, mas aparecem em
termos de representações como naturais, desistoricizadas e válidas para todas as
classes. O casamento define direitos e atribuições com relação aos gêneros traduzidos
frequentemente em desigualdades e dominação do feminino pelo masculino.

A relação de poder na qual se estrutura a sociedade patriarcal pode ser encontrada em


toda a dualidade que cerca as nossas interações sociais. A liberdade sexual feminina, iniciada
com o uso da pílula anticoncepcional, até hoje é contestada e cerceada. A autonomia das
mulheres, por vezes, é vista com receio por aqueles que temem perder os seus privilégios,
quando na verdade, a equiparação de direitos não significa perda para nenhum lado. Pierre
Bourdieu (1998, p. 15), esclarece como a relação sexual promove a dominação masculina:

Se a relação sexual se mostra como uma relação social de dominação, é porque ela
está construída através do princípio de divisão fundamental entre o masculino, ativo,
e o feminino, passivo, e porque este princípio cria, organiza, expressa e dirige o desejo
– o desejo masculino como desejo de posse, como dominação erotizada, e o desejo
feminino como desejo da dominação masculina, como subordinação erotizada, ou
mesmo, em última instância, como reconhecimento erotizado da dominação.(
PIERRE BOURDIEU (1998, p. 15).

Promover essa reflexão dentro da sala de aula construirá cidadãos conscientes das
questões sociais e, que poderão atuar em prol de uma sociedade mais igualitária. Apesar do
movimento feminista apresentar algumas vertentes, como o feminismo negro que tem como
grande representante no Brasil a filósofa e escritora, Djamila Ribeiro, a discussão do tema já se
encontrava na literatura como por exemplo: a inglesa Mary Wollstonecraft que, em 1972
publicou um dos clássicos da literatura feminista, A Vindication of the rights of Womam (As
reivindicações dos direitos da mulher). A obra pregava a liberdade de expressão feminina e o
direito à educação, para que as mulheres pudessem se desenvolver e se libertarem da opressão
masculina.
Outras escritoras que foram fundamentais para o movimento feminista foram: Virgínia
Woolf e Simone de Beauvoir. Woolf desenvolveu um tipo de narrativa já inovadora para a sua
época, que se baseava no monólogo interior e fluxo da consciência deixando sua marca na
literatura inglesa, mais especificamente, no ensaio A room of one’s own (Um teto todo seu)
26

publicado em 1929, em que a autora abordou a temática das mulheres e seu trabalho do ponto
de vista intelectual.
O ensaio apregoava a necessidade de um espaço próprio, de fato, “um teto todo seu” e
uma renda que garantisse a estabilidade financeira da mulher, para que a mesma tivesse
condições de trabalhar e criar. Isso já mostra o porquê de Virginia Woolf ser uma precursora
do feminismo. É evidente que a autora já abordava o tema da mulher sob a perspectiva da
igualdade, colocando a importância das mulheres nas artes, principalmente, na literatura,
criando a atmosfera de que mulheres escritoras também poderiam contribuir criticamente para
a sociedade.
Outra obra muito importante para o movimento feminista foi O Segundo sexo (1967),
de Simone de Beauvoir. A escritora abordou o feminismo de uma forma existencialista. O
feminismo defendido por Beauvoir criticava os padrões estabelecidos para a relação de gênero
homem e mulher. A ensaísta analisava e procurava explicar quais os responsáveis pelas relações
de propriedade e opressão, existentes entre homens e mulheres. Propondo assim, que o conceito
sobre mulher fosse algo criado pela própria sociedade, Zolin (2009) afirma que:

Beauvoir (1967) discute a situação da mulher por meio de uma perspectiva


existencialista, numa espécie de resposta ao marxismo, que, segundo ela, não explicou
o sexismo a contento; não o tendo feito, tornou-se incapaz de elaborar um programa
adequado para a libertação das mulheres. De sua ótica, não basta apontar as relações
de propriedade como responsáveis pela opressão feminina; é necessário, também,
explicar por que as relações de propriedade foram instituídas contra a comunidade e
entre os homens (ZOLIN, 2009, p. 224).

Para melhor exemplificar a ideia da escritora, tem-se a tão famigerada frase que se
tornou símbolo do movimento feminista “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. A tão
célebre frase de Beauvoir apontava o cunho de seu estudo: a opressão sobre as mulheres e o
papel que a sociedade exercia para estimular ou emancipar a classe feminina. A obra de
Beauvoir causou na época de sua publicação grande polêmica, pois nela continha um conjunto
de ideias que exemplificavam a opressão das mulheres e promovia a reflexão da sociedade para
a discriminação feminina. Toda a obra era embasada em estudos, pesquisas e experiências
vivenciadas pela própria autora apresentando assim, um caráter social, econômico, filosófico e
etc.
Ao observar o contexto de várias sociedades, Beauvoir descreve a formação da
identidade feminina como um processo moldado pela comunidade na qual a mulher está
inserida. Desde seu nascimento, a educação que lhes era dada, propunha uma mulher frágil, o
que as excluía, justificando a supremacia masculina.
27

Como se pode observar, o feminismo é um movimento amplo, que pode até diferir em
alguns aspectos. Dependendo da abordagem que lhe é dada, ele pode apresentar-se como
feminismo radical, liberal ou socialista. Cada aspecto destes, apesar de possuir ideias e
discursos diferentes, tem o mesmo objetivo final: promover a igualdade das mulheres perante
a sociedade, os homens e ao mundo. Em 1970, mais uma obra de cunho feminista foi publicada
Sexual Politics, de Kate Millet, a autora discutia a opressão feminina pelo viés do patriarcado
e o fato de as mulheres sempre assumirem um papel secundário, ou serem vistas como inferiores
perante os homens. O movimento feminista, agora organizado e bem articulado, possuía
condições de luta e argumentação para buscar promover a igualdade de gênero, então, no final
de 1970, a política feminista promoveu grandes mudanças na sociedade.

No final dos anos 70, as disputas de gênero passaram a ocupar lugares de destaques
nos movimentos sociais, quando as mulheres ampliaram sua participação nos debates
e na liderança das organizações, reivindicando mudanças na divisão do trabalho
doméstico. Por um breve momento, o risco de desestruturação familiar provocada pela
não-submissão das mulheres parecia ameaçar o movimento. Após um primeiro
momento de desestabilização, tais movimentos ampliaram o debate sobre gênero e
família que alterou o status das mulheres em seus quadros e no interior das famílias
integrantes das organizações. A crise revelava um momento de questionamento dos
padrões culturais para a divisão do trabalho e das responsabilidades por sexo, no qual
elementos da cultura tradicional eram colocados em xeque, ao mesmo tempo em que
eram considerados parâmetros para a nova situação. (SANTOS, 2011, p.87)

Como se pode perceber, a quebra de paradigmas acerca da condição da mulher na


sociedade, foi por vezes, mal interpretada, como expõe a citação acima. A relação mulher e
família pesou no processo de emancipação feminina, devido os conceitos machistas enraizados,
muitas vezes pela ideologia religiosa.
Deste modo, a escolha de uma série com uma protagonista mulher exemplifica como
o letramento multimodal crítico pode ser trabalhado com as produções audiovisuais. A
personagem Anne apresenta um conjunto de características que eram incomuns as mulheres
aquele contexto histórico. Ela é comunicativa, gosta de se expressar, questiona comportamentos
e ideias e toma atitudes para resolver o que considera, problema.
Através da personagem, é possível estabelecer um parâmetro de como as meninas se
comportavam e eram educadas para se comportarem de tal maneira, enquanto Anne,
confrontava aqueles ideais atribuídos aos gêneros. A própria jovem, expressa em diversas cenas
que pretende estudar e construir uma carreira como professora e que, não pensava em
casamento ou ficar o dia “trancada na cozinha. ” Esses aspectos da personagem já são insumos
suficientes para levantar o debate da desigualdade de gênero na nossa sociedade.
28

É inegável, portanto, que as representações sociais da mulher constituem uma


importante discussão que merece ser trabalhada no ambiente escolar com a finalidade de
também incorporar o letramento crítico, tão necessário para as práticas sociais cotidianas.
2.2 SEMIÓTICA SOCIAL: UM PANORAMA GERAL

A Semiótica Social, doravante SS, é a área maior que abrange os estudos sobre
multimodalidade e a construção dos sentidos, sendo importante compreender o que ela teoriza
e quais os seus principais conceitos. Segundo Bezemer; Jewitt (2009), diferentes versões da
semiótica social foram lançadas desde a publicação de Language as social semiotic, de Michael
Halliday (1978). Nessa obra, o autor propõe que os recursos semióticos sejam usados e
moldados pela forma como as pessoas constroem significados. Em 1988, tomando por base as
premissas de Halliday, Robert Hodge; Gunther Kress publicaram Social Semiotics
desenvolvendo, por sua vez, um olhar crítico sobre os postulados de Halliday problematizando
algumas noções que consideravam essenciais para os estudos da SS.
De acordo com Silva (2016), a teoria da Semiótica é o estudo dos signos e essa teoria
está concentrada nos sistemas de signos e em como eles fazem sentido. “Assim, um dos
conceitos básicos da Semiótica Social é o signo motivado (motivated sign), que se refere não
apenas ao signo como a junção de forma e significado, mas também aos interesses envolvidos
na sua produção (GUALBERTO, PIMENTA, SANTOS, 2018, p. 16).” Ela visa entender,
portanto, o contexto no qual os signos foram gerados e em como a comunicação foi
estabelecida. “O mesmo se aplica ao social na semiótica social. Ele só pode ganhar vida quando
a semiótica social se envolver totalmente com a teoria social. Este tipo de interdisciplinaridade
é uma característica absolutamente essencial da semiótica social” (VAN LEEUWEN, 1996, p.
14).1
Hodge; Kress (1988) debruçaram-se sobre noções que consideravam essencialistas
para o termo significado afirmando que, a semiótica tradicional atribuía características fixas ao
significado e que este poderia ser retirado do texto e decodificado. Esse é o ponto de divergência
em que, os supracitados autores, apontam que a semiótica social não é um conjunto de signos
pré-fixados ou previsíveis. Na verdade, o que permeia a produção de sentidos são as incertezas,
pois, não se pode esperar que os textos produzam exatamente o que o autor intencionou. A
representação/interpretação pessoal dar-se-á de forma intrínseca ao contexto de recepção do

1
The same applies to the ‘social’ in ‘social semiotics’. It can only come into its own when social semiotics fully
engages with social theory. This kind of interdisciplinarity is an absolutely essential feature of social semiotics
(VAN LEEUWEN, 1996, p. 14). Todas as traduções deste trabalho são de autoria da pesquisadora.
29

texto, portanto, a SS surgiu a partir desses estudos. Endossando as concepções sobre o signo
motivado, Descardeci (2002, p. 20) afirma que:

Na semiótica social, sinais são convenções sociais culturalmente dependentes, e


constantemente criados e re-criados nas interações pessoais. A palavra escrita,
enquanto originária de um sistema de sinais, é apenas parte da mensagem composta,
quando atualizada em um processo de comunicação. Juntamente com ela, outros
elementos, advindos de outros sistemas simbólicos, compõem o corpo da mensagem
como um todo.

Simplificando a ideia, ao observar o cotidiano, é possível constatar que todos têm a


sua própria maneira de realizar algo, ou seja, não existe apenas uma forma considerada como
correta, mas existem jeitos de se fazer algo. Constantemente, fazemos escolhas, o que vestir,
como andar, que caminho tomar. Todas as escolhas são produções de sentidos com a forma
(que é o significante) e o sentido (que é o significado). Assim sendo, a SS “estuda a mídia de
disseminação e os modos de comunicação que as pessoas desenvolvem e usam para representar
a sua compreensão do mundo e para moldar as relações de poder com outros” (BEZEMER;
JEWITT, 2009, p.01)2. Baseada em Kress e van Leeuwen (1996, 2006), Silva (2016) reforça
essa ideia:
Assim, na semiótica social, o signo não é uma conjunção pré-existente de um
significante e de um significado, um signo pronto para ser reconhecido, escolhido e
usado como está. O foco dos autores é no processo de produção de signos, no qual o
significante (a forma) e o significado (o sentido) são relativamente independentes
antes de serem trazidos pelo produtor do signo para se tornarem um novo signo
produzido (SILVA, 2016, p. 52).

Será apresentado agora alguns dos conceitos-chave da SS e suas noções de signo,


recurso semiótico e modo. O signo aqui, é um componente que vem da semiótica tradicional e
da semiologia, largamente difundida por Ferdinand Saussure, e ele representa o significante e
o significado das palavras. Para que a comunicação se estabeleça, utiliza-se dois elementos: a
linguagem, que representa todo o sistema de sinais convencionais e a língua, que representa um
sistema de signos convencionais acatados por um determinado grupo ou comunidade. Partindo
desse pressuposto, o signo linguístico é concebido como um elemento de representação,
constituindo-se de dois aspectos básicos: o significante e o significado.
Diferente das ideias apregoadas pela semiologia de Saussure, a semiótica social acredita
que a relação entre forma e significado não é arbitrária, mas motivada (KRESS, 1993) sendo a

2
It studies the media of dissemination and the modes of communication that people use and develop to represent
their understanding of the world and to shape power relations with others (BEZEMER & JEWITT, 2009, p. 01).
30

comunicação uma mediadora desse processo. Segundo Bezemer e Jewitt (2009, p. 06)3, “a
semiótica social sustenta que o processo de produção de signos está sujeito ao interesse dos
produtores, sua disponibilidade de recursos semióticos e a adequação desses recursos aos
significados que desejam realizar”.
A respeito dos recursos semióticos, são meios para materializar o sentido e são
fundamentais para a multimodalidade, assim, todos são produtores de signos e a construção
significativa dos signos está atrelada a sua função e contexto social. Para nos comunicarmos,
criamos um signo fazendo escolhas através dos recursos existentes e essas escolhas são
socialmente localizadas e contextualizadas implicando na forma que construiremos a
comunicação e em como o receptor a entenderá.

O conceito de recurso semiótico oferece um ponto de partida diferente para pensar


sobre sistemas semióticos e o papel do fabricante de signos no processo de fazer
significado. Nessa perspectiva, os signos são produto de um processo social de
fabricação de signos. Uma pessoa (fabricante de sinais) 'escolhe' um recurso semiótico
de um sistema disponível de Recursos. Eles reúnem um recurso semiótico (um
significante) com o significado (o significado) que eles querem expressar. Em outras
palavras, as pessoas expressam significados por meio de sua seleção a partir dos
recursos semióticos que estão disponíveis para eles em um momento particular: o
significado é a escolha de um sistema. Mas essa escolha é sempre socialmente
localizada e regulada... (BEZEMER & JEWITT, 2009, p. 06)4.

Portanto, cada recurso semiótico possui seus potenciais e limitações (affordances).


“Estudar o potencial semiótico de um dado recurso semiótico é estudar como esse recurso foi,
é, e pode ser usado para fins de comunicação, é fazer um inventário de recursos passados e
presentes e talvez também recursos futuros e seus usos” (VAN LEEUWEN, 1996, p. 05)5.
Gualberto, Pimenta e Santos (2019, p. 48) dão exemplos sobre recurso semiótico:

Ao assistir a uma palestra, por exemplo, existem pessoas que preferem registrá-la
gravando um áudio; outras optam por tirar fotos dos slides; há, ainda, aquelas que

3
Social semiotics holds that the process of sign-making is subject to the interest of sign-makers, their availability
of semiotic resources and the aptness of those resources to the meanings which they wish to realize (BEZEMER
& JEWITT, 2009, p. 06).
4
The concept of semiotic resource offers a different starting point for thinking about semiotic systems and the role
of the sign maker in the process of making meaning. In this perspective signs are a product of a social process of
sign making. A person (sign maker) ‘chooses’ a semiotic resource from an available system of resources. They
bring together a semiotic resource (a signifier) with the meaning (the signified) that they want to express. In other
words people express meanings through their selection from the semiotic resources that are available to them in a
particular moment: meaning is choice from a system. But this choice is always socially located and regulated... ...”
(BEZEMER, JEWITT, 2009, p. 06).
5
Studying the semiotic potential of a given semiotic resource is studying how that resource has been, is, and can
be used for purposes of communication, it is drawing up an inventory of past and present and maybe also future
resources and their uses. (VAN LEEUWEN, 1996, p. 05)
31

gostam de fazer anotações em papel. Com o áudio, conseguiríamos ter acesso às


palavras, pausas, ao tom de voz, à velocidade e à entonação da fala do palestrante e a
outros sons do ambiente. No fim, todos os registros seriam sobre a mesma palestra,
mas cada um teria um potencial específico. Com as anotações, as impressões a
respeito da palestra teriam mais espaço que na gravação. Porém, aspectos como
entonação e tom de voz são “capturados” de forma mais rápida e eficiente no áudio
em comparação à tentativa de descrever utilizando a escrita.

Cada escolha de registro da palestra possui vantagens e desvantagens (possibilidades


e limitações), mas foi escolhido pelo produtor de sentidos de acordo com a sua necessidade e
suas opções de registro no momento, logo, o contexto exerce total influência em como o
fabricante irá produzir sentidos. Segundo Silva (2016) baseada em Jewitt (2008), entenda-se
por affordance modal, o que é possível expressar e representar facilmente. Conclui-se, dessa
forma que, a noção de recurso semiótico circunscreve qualquer aparato usado para comunicar.
Em resumo, quase tudo o que existe pode ser analisado a partir da semiótica social, entende-se
que, para que algo exista na mente humana seja necessário que se tenha uma representação
mental do objeto físico/real e nossas representações mentais são moldadas por convenções
sociais através de nossas experiências.
Segundo Bezemer ;Jewitt (2008), o modo é um conjunto de recursos moldados social
e culturalmente para a construção de significados. Kress (1996) reafirma também que modo é
um recurso semiótico socialmente formado e culturalmente dado para criar significado. Sendo
a escrita, imagem, layout, música, gestos ou imagens em movimento alguns exemplos de modos
semióticos. É possível depreender até aqui, que as mudanças sociais geram, automaticamente,
novos modos semióticos.

O mundo semiótico contemporâneo coloca questões agudas sobre o texto. Cada vez
mais os fabricantes de texto utilizam vários modos de representação e, em muitos
textos, escrever não é o meio central para criar significado. A multimodalidade dos
textos está intimamente ligada a mudanças profundas nas relações sociais entre
aqueles que fazem e aqueles que se envolvem com o texto (BEZEMER ;KRESS,
2010, p. 10)6.

Em se tratando de linguagem, a escolha que se faz do modo é pensada, principalmente,


pelos seus potenciais e limitações, portanto, os modos atuam em conjunto e não podem ser
dissociados de sua ambientação na hora da produção. Corroborando essa afirmação, Kress
(2010) diz que os modos semióticos não funcionam separadamente, mas em uma interação,

6
The contemporary semiotic world poses sharp questions about text. Increasingly text makers draw on several
modes of representation and in many texts writing is not the central means for making meaning. The multimodality
of texts is intimately connected with profound changes in the social relations between those who make and those
who engage with text. BEZEMER, KRESS, 2010, p. 10).
32

todos realizando os significados que fazem parte de seu potencial semiótico. Dessa forma, um
modo não se sobressai ao outro, mas o complementa, ou seja, na sala de aula o livro didático
continuará sendo usado como material didático, mas o professor pode complementar esse
recurso com outros modos semióticos que estão em voga atualmente.
Continuando com a apresentação do aporte teórico, será abordado na próxima seção,
os conceitos de texto e leitura sob a ótica da multimodalidade. Nela, será discutida as
concepções de texto e leitura e suas implicações para o ensino.

2.3 MULTIMODALIDADE E ENSINO: CONCEPÇÃO DE TEXTO E LEITURA

A multimodalidade é um traço característico da linguagem, nitidamente acentuado na


sociedade contemporânea. Entre celulares, tablets, computadores, redes sociais e aplicativos,
nossas possibilidades de comunicação se ampliaram significativamente, gerando modos
comunicacionais híbridos que nos desafiam no dia a dia. A velocidade das informações bem
como, os seus impactos sociais, exigem de nós novas habilidades de compreensão textual.
Portanto, a multimodalidade é uma abordagem, não uma teoria, sendo um fator constitutivo da
linguagem, ou seja, ela sempre existiu. No entanto, são recentes os estudos que se aprofundam
na temática e que buscam disseminar a sua importância no meio educacional.
De acordo com Kress e Van Leeuwen (1996), não existe texto monomodal. Aqueles que
julgamos ser no qual vemos “apenas uma folha escrita”, por exemplo, apresentam uma escolha
de layout da página, tipo de papel, cor das linhas e etc. Atualmente, temos uma comunicação
pautada na linguagem multimodal o que, naturalmente, implica a multiplicidade de recursos
semióticos. “Sabemos que as pessoas utilizam seus recursos modais disponíveis para fazer
sentido em contextos específicos” (JEWITT, 2008, p. 246).
Como reafirma Kress (1996, p. 32), “a comunicação é multimodal: às vezes pela fala,
como um comentário falado, como uma instrução ou pedido, pelo olhar; por meio de ações -
passar um instrumento, estender a mão para pegar um instrumento, pelo toque.” Considerando
que essa ideia de comunicação que pode ocorrer de diferentes formas não faz parte do processo
de formação docente, vale destacar a importância do laço que se deve estabelecer entre as
pesquisas acadêmicas e as escolas, maiores beneficiadas com os resultados das pesquisas
desenvolvidas.
Em 1920, o termo multimodalidade foi usado pela primeira vez, de acordo com Van
Leeuwen (2011). O autor ainda afirma que dessa década em diante, a mídia em massa tornou-
se cada vez mais multimodal. Revistas adquiriram ilustrações coloridas, sofisticados layouts e
33

novas tipografias. O fato é que, a partir da década de 1990, impulsionadas pelas transformações
tecnológicas, a comunicação nível global começou a mudar e foi alçando voos cada vez maiores
até os dias atuais.
Apesar de não ser um fenômeno recente, a combinação de várias linguagens na
comunicação vem se acentuando, e, chamada pelo termo de multimodalidade, é objeto
de estudo e análise em diversas áreas de pesquisa como comunicação visual, artes e
design, análise do discurso, estudos de gêneros discursivos, e estudos de linguística
sistêmico-funcional (HEMAIS, 2010, p. 01).

Entende-se a multimodalidade como múltiplos modos, explicitado pelo termo multi.


Esses modos vêm crescendo numa velocidade ímpar e logo se integraram às nossas práticas
sociais e textuais. Observando a conjuntura vigente, as possibilidades de combinações dos
modos também vêm mudando e se readequando às nossas necessidades de produção de
sentidos, como demonstram os textos impressos, animados, visuais e audiovisuais, dentre
outros. Segundo Silva (2016), numa perspectiva multimodal, imagem, ação e outros se referem
a modos como conjuntos organizados de fontes semióticas para fazer sentido. Para Hemais
(2010), a multimodalidade pode ser definida da seguinte forma:

A multimodalidade é entendida, em termos gerais, como a co-presença de vários


modos de linguagem, sendo que os modos interagem na construção dos significados
da comunicação social. O que é importante nessa visão de uso de linguagens é que os
modos funcionam em conjunto, sendo que cada modo contribui de acordo com a sua
capacidade de fazer significados (HEMAIS, 2010, p. 01).

Já para Van Leeuwen (2017), a multimodalidade é o estudo de como os significados


podem ser feitos, e de fato são feitos em contextos específicos, com diferentes meios de
expressão ou modos semióticos. A realidade é que, a multimodalidade está presente em tudo e
a sociedade é multimodal por natureza. Sendo assim, todos os dias nossas interações e
produções de texto estão “recheadas” de gêneros multimodais.
E quanto à escola? Que lugar a multimodalidade e o letramento multimodal crítico,
ocupam nas aulas de línguas? Afinal, a escola como espaço político e democrático só tem a
ganhar ao desenvolver os letramentos necessários para a formação integral dos estudantes. Isso
nos leva a crer que, acompanhar as mudanças e transformações comunicacionais do mundo em
si, tornou-se uma urgência para o currículo escolar.
Corroborando essa pesquisa acerca do letramento multimodal crítico no processo de
ensino e aprendizagem, torna-se relevante chamar a discussão para autores como: Kress; Van
Leeuwen (1996), Kress (2010), Van Leeuwen (1996), Cope; Kalantzis (2000), Jewitt (2008) e
Callow (2008, 2013), dentre outros. Para uma melhor compreensão do referido trabalho,
trazemos uma introdução a ideia de letramento multimodal crítico e o que ele representa:
34

Letramento multimodal, também inclui uma dimensão estética, uma capacidade de


produzir e apreciar a estética, usos de layout, cor e tipografia que são, hoje, não só
encontradas na arte, mas também em muitas formas de comunicação escrita do dia a
dia. E finalmente, inclui uma dimensão crítica, particularmente no que diz respeito à
forma que a tecnologia digital contemporânea favorece, ou mesmo impõe, modos de
comunicação adequados aos propósitos da cultura corporativa, mas pode ter
desvantagens em outros contextos (VAN LEEUWEN, 2017, p. 01).7

Sob essa perspectiva, é evidente que a leitura dos textos visuais é um ponto
extremamente importante para que o letramento multimodal crítico seja estimulado. Na
dinâmica da sala de aula, explorar os textos visuais é uma forma de trabalhar com os alunos
aspectos estéticos que estão evidentes no contexto midiático.

As noções de cultura visual e visualidade nos ajudam a entender a perspectiva


multimodal, no sentido em que esclarecem a forma pela qual valorizamos o contato
com o mundo e até a nossa ação no mundo. Os nossos valores, que se concretizam nas
práticas de leitura e de ação, determinam e ao mesmo tempo dependem dos
significados criados por palavras e imagens em conjunto” (HEMAIS, 2010, p. 02).

No entanto, para que o letramento multimodal crítico seja realmente implantado no


processo de ensino e aprendizagem, é preciso repensar a noção de texto que predomina no
espaço escolar. No entendimento geral, o código escrito ou linguagem verbal é o principal meio
para a comunicação e esse é o ponto chave para a nossa discussão.
O conceito de texto pode ser amplamente interpretado, por exemplo, “quando as
pessoas falam ou escrevem, elas produzem texto, e texto é o que ouvintes e os leitores se
envolvem e interpretam. O termo "texto" se refere a qualquer instância da linguagem, em
qualquer meio, que faça sentido para alguém que conhece a língua [...]” (HALLIDAY, 2014,
p. 03).
Partindo desse pressuposto, define-se texto como produção de sentidos e essa
produção, pode se dar por outros meios além da palavra escrita, mas o que se tem apregoado
amplamente é o conceito de texto e, consequentemente, o de leitura, restrito ao uso do código
escrito. A priori, uma reavaliação da concepção de texto e leitura por parte dos professores é
essencial para a quebra de ideias cristalizadas no ensino de línguas, principalmente, na aula de
língua inglesa, de agora em diante, LI.

7
Multimodal literacy also includes an aesthetic dimension, an ability to produce and appreciate the aesthetic uses
of layout, colour and typography that are, today, not only found in art, but also in many forms of everyday written
communication. And finally it includes a critical dimension, particularly with regard to the way contemporary
digital technology favours, or even imposes, modes of communication that suit the purposes of corporate culture
but may have drawbacks in other contexts (VAN LEEUWEN, 2017, p. 01).
35

Quando nos deparamos com a palavra leitura, a relacionamos primeiramente à


decodificação da forma escrita. Mas decodificar não basta. Há que se interpretar o que
se lê. Portanto, leitura, em um primeiro momento, vem a significar decodificação e
interpretação de uma mensagem representada pelo código escrito. Nossa sociedade
opera com esse conceito de leitura, tanto a nível de senso comum, como institucional,
incluindo-se aí a escola (DESCARDECI, 2002, p. 01).

A supracitada autora, reitera a definição de leitura com veemência defendida por Freire
(1989, p. 09), “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”. Descardeci (2002), interpreta
o significado do termo leitura no contexto referenciado pelo educador brasileiro "o mundo",
segundo essa afirmativa, é algo que não está descrito em palavras. Leitura, nesse caso, não
significa "decodificação e interpretação do código escrito", mas a construção de significados
que já somos capazes de atribuir antes de irmos para a escola. “Muito antes de entrarmos em
contato com a forma sistematizada do “mundo da escrita”, vivemos experiências de interação
com outras representações do mundo, as quais precisamos compreender” (SOUZA, 2020, p.
27).
A visão do educador brasileiro defende que, as representações que os alunos levam
para o ambiente escolar devem ser valorizadas e tomadas como insumo para o desenvolvimento
de outras formas de comunicação e da aprendizagem. “Assim, antes da escolarização, não só
lemos o mundo, como escrevemos o mundo, ainda que não com a utilização do código
valorizado pela escola” (DESCARDECI 2002, p. 20).

Isso quer dizer que, ao entrar na escola, o aluno carrega, em sua bagagem, experiência
de leitura e de escrita que deve ser considerada e aprimorada, não substituída.
Podemos citar como exemplo, as habilidades de se expressar oralmente, a capacidade
que as crianças têm de fazer suas representações, através de desenhos e rabiscos
atribuindo-lhes significados (SOUZA, 2020, p. 28).

Quando criança, nossas primeiras representações de leitura se constituem através de


expressões faciais, gestos, toques, imagens, sons e cores, por exemplo. “A leitura transcende o
processo de decodificação da escrita. Ler, nesse contexto, envolve um processo de compreensão
tanto do código escrito, quanto das representações visuais” (SOUZA, 2020, p.28). Ao ingressar
na escola, o sinal escrito passa a preponderar na aprendizagem, ficando as imagens e demais
recursos semióticos em segundo plano, como meros mecanismos de suporte para a
compreensão do texto. Considerando-se o sentido amplo de leitura proposto por Paulo Freire,
a autora ainda nos traz a seguinte reflexão:

Minha proposta é de que a escola passe a trabalhar o conceito de leitura com uma
visão mais ampla, considerando como fatores interferentes no processo de ler outras
formas de representação da mensagem impressa. Preocupa-me o fato de que as
crenças escolares sobre leitura, limitadas à leitura do código escrito, têm subestimado
36

o valor das outras formas de representação presentes na composição da mensagem


escrita, sendo estas tão portadoras de significado quanto aquele. Refiro-me, mais
precisamente, a todos os recursos de composição e impressão do texto, como: tipo de
papel, ilustrações, cores, diagramação da página, formato das letras, etc. A esse
conjunto de elementos, a semiótica social refere-se como a multimodalidade das
formas de representação (DESCARDECI, 2002, p. 20).

Diante dos impasses mencionados, levantamos os seguintes questionamentos: o


modelo de ensino, no qual, predomina o código escrito é suficiente para a formação do aluno?
Ele promove os letramentos necessários às práticas sociais dos alunos? Para os professores,
refletir sobre esses questionamentos é o primeiro passo para uma mudança sistemática e
coerente.
É preciso também levar em conta que, alfabetizar é diferente de letrar, pois,
acreditamos que os letramentos, que serão aprofundados posteriormente, são um complemento
para a alfabetização. Isso significa dizer que, leitura é mais do que decodificar o signo escrito,
ela é a construção de significados que o aluno faz através do sinal, seja ele escrito, falado,
imagético ou gestual e a sua interpretação está imbricada às suas vivências.
Portanto, é necessário não somente ampliar a concepção de texto e leitura, mas também
“perceber que a discussão sobre concepção de leitura não pode ser realizada de forma
desvinculada do conceito de texto, tampouco do contexto social e cultural em que vivemos”
(SOUZA, 2020, p. 28). Dito isto, somos levados a pensar no quanto a nossa sociedade mudou
nos últimos anos em termos tecnológicos e de comunicação, soma-se a isso, a massificação das
redes sociais. Para Kress (2005, p. 06)8, essas mudanças, por si só, justificam o termo revolução:

As mudanças semióticas são vastas o suficiente para justificar o termo "revolução",


de dois tipos; dos modos de representação, por um lado, da centralidade da escrita ao
crescente significado da imagem; e dos meios de divulgação, de outro, da central do
meio do livro para o meio da tela. O fato de que estes ocorrem como constelações -
meio do livro com modo de escrita e agora meio da tela com modo de imagem -
significa que o efeito foi experimentado de forma amplificada. A distinta cultura de
tecnologias estruturais para representação e disseminação tem sido confundida - e não
apenas no senso comum popular, de modo que o declínio do livro foi visto como o
declínio de escrever e vice-versa.

Os efeitos dessa “revolução” são sentidos de forma imediata na sala de aula. Os


estudantes sentem-se mais atraídos ao movimento e as imagens do que unicamente ao código

8
The semiotic changes are vast enough to warrant the term ‘revolution’, of two kinds; of the modes of
representation on the one hand, from the centrality of writing to the increasing significance of image; and of the
media of dissemination on the other, from the centrality of the medium of the book to the medium of the screen.
The fact that these occur as constellations—medium of book with mode of writing and now medium of screen
with mode of image—means that the effect has been experienced in an amplified form. The distinct cultural
technologies for representation and for dissemination have become conflated—and not only in popular
commonsense, so that the decline of the book has been seen as the decline of writing and vice-versa (KRESS 2005,
p. 06).
37

escrito. Pode-se afirmar que, as mudanças semióticas e comunicacionais têm como carro chefe:
as imagens. Para Oliveira (2006), estamos, cada vez mais, percebendo o mundo por meio de
imagens, ícones, símbolos, gráficos e desenhos e a junção dos modos semióticos é o que
acreditamos ser o melhor caminho “assim, recursos visuais como a imagem e o verbal se
fundem e constroem novos sentidos (SILVA, ARAÚJO, 2015, p. 314).
O texto visual permeia boa parte das nossas produções diárias, portanto, ler o visual
tornou-se uma necessidade já que “as novas noções de leitura estão trazendo mudanças no que
os leitores são, então novos usos modais e novas mídias estão tendo efeitos igualmente
profundos na escrita e na noção de autor e autoridade” (KRESS, 2005, p.18-19). As imagens
ganharam um espaço nas nossas relações porque “produzem e reproduzem relações sociais,
comunicam fatos, divulgam eventos, e interagem com seus leitores com uma força semelhante
à de um texto formado por palavras” (FERNANDES, ALMEIDA, 2011, p. 01).
Com o aparato das telas, nossas mensagens são constituídas em grande parte por
símbolos e imagens, devendo o aluno aprender a ler essas mensagens identificando as intenções
na sua composição. Essas mensagens multimodais têm seu processo de leitura pautado na não
linearidade, oferecendo uma leitura de forma mais ampla e dinâmica para compreensão das
informações” (SOUZA, 2020, p. 29).
Se o mundo pós-moderno exige essas leituras, então, cabe aqui o questionamento:
como elas estão sendo trabalhadas nas salas de aulas? A escola busca oferecer aos alunos acesso
à essas novas mídias? É na prática pedagógica que o trabalho com o texto deve ser rearranjado
sob a ótica da multimodalidade. Corrobora-se com Silva; Araújo (2015) ao afirmarem que,
lidamos diariamente com uma série de sistemas de comunicação visuais que exige que tracemos
novos rumos para as nossas práticas pedagógicas, em especial, se tratando do ensino de línguas.
Como essa pesquisa tem locus na aula de LI, a exploração dos textos visuais sob uma
abordagem multimodal é o cerne da discussão. “Diante disso, a leitura deve ser abordada numa
perspectiva ampla, considerando o desenvolvimento de letramentos adequados para a
realização de uma compreensão eficaz” (SOUZA, 2020, p. 30). Para essa condição de
criticidade através da leitura em seus mais diversos modos é o que se denomina como
letramento multimodal crítico.
Na próxima seção, nos aprofundaremos na Pedagogia dos Multiletramentos e nos seus
desdobramentos para a prática escolar, também fazemos a distinção entre alfabetização e
letramento assim como, desenvolvemos alguns aspectos que consideramos relevantes para
atribuir a pedagogia dos multiletramentos a condição de práxis necessária.
38

2.4 MULTILETRAMENTOS NA SALA DE AULA: UMA PRÁXIS NECESSÁRIA

Nesta seção, exploraremos a teoria dos Multiletramentos perpassando por sua origem,
a distinção entre alfabetização e letramento assim como, conduzimos a discussão para a
necessidade de uma abordagem pedagógica que estimule os letramentos.
Por que propor uma pedagogia dos multiletramentos? Indaga Rojo (2012) que tem
feito importantes contribuições para o assunto no Brasil. No entanto, antes de adentrarmos
numa justificativa, Silva (2016) alerta que antes de surgir tal termo, era a noção de Letramento
que vigorava, definida por Anstey ;Bull (2006, p. 19), como “flexível e sustentável domínio de
um repertório de práticas com textos de tradicionais e novas tecnologias de comunicação via
fala, impressão e multimídia” e são os mesmos autores que apontam que o termo
multiletramentos é um conceito que evoluiu em resposta à preocupação sobre como o ensino
dos letramentos pode equipar os alunos para as mudanças no mundo onde eles vivem.
No centro dos debates, que duraram uma semana, estavam as mudanças emergentes
no cenário mundial, sugeridas em grande parte, pelo avanço da tecnologia. Numa perspectiva
vanguardista, o Grupo Nova Londres, doravante GNL, composto por dez acadêmicos (Courtney
Cazden, Bill Cope, Norman Fairclough, James Gee, Mary Kalantzis, Gunther Kress, Allan
Luke, Carmen Luke, Sarah Michaels e Martin Nakata) defendia uma proposta educacional que
tinha como principal compromisso proporcionar aos alunos uma aprendizagem que permitisse
a participação completa na vida econômica, comunitária e pública (SOUZA, 2020). Esse fato,
justificaria a proposta de uma pedagogia dos multiletramentos, ou seja, o foco na prática social
do aluno. Rojo (2012, p. 12), compartilha das ideias apregoadas pelo GNL:

Nesse manifesto, o grupo afirmava a necessidade de a escola tomar a seu cargo (daí a
proposta de uma “pedagogia”) os novos letramentos emergentes na sociedade
contemporânea, em grande parte — mas não somente — devidos às novas tics2, e de
levar em conta e incluir nos currículos a grande variedade de culturas já presentes nas
salas de aula de um mundo globalizado e caracterizada pela intolerância na
convivência com a diversidade cultural, com a alteridade.

No manifesto de 1996, A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures


(Pedagogia dos Multiletramentos: Desenhando Futuros Sociais), o GNL atinava e apontava
para o fato de que os jovens já contavam (há quinze anos) com outras ferramentas de acesso à
comunicação e à informação e de agência social, que acarretavam novos letramentos, de caráter
multimodal ou multissemiótico (ROJO, 2012, p. 12-13). A autora também justifica o termo
“multi” pela necessidade de abranger a multiculturalidade característica das sociedades
39

globalizadas e a multimodalidade dos textos por meio dos quais a multiculturalidade se


comunica e informa (ROJO, 2012).
Anstey; Bull (2006), também reiteram a necessidade do termo multi afirmando ser uma
evolução de letramento e referir-se à gama de letramentos e práticas letradas usadas em todos
os setores da vida e como essas práticas letradas são semelhantes e diferentes. Sendo assim, é
necessário discriminar letramento de alfabetização. Ferreiro (2002 apud SOUZA, 2020)
defende que a ideia de letramento está implícita no conceito de alfabetização, porém, observa-
se particularidades no desenvolvimento dos dois conceitos. Assim como Souza (2020),
acredita-se na necessidade da existência dos dois conceitos, tendo em vista as peculiaridades
que envolvem o desenvolvimento de habilidades no processo de alfabetização e de letramento.
Acerca do conceito de alfabetização, a BNCC afirma que “Alfabetização está ligada
ao conceito de codificação e de decodificação e ao desenvolvimento da leitura com gêneros
propostos para leitura/escuta e produção oral, escrita e multissemiótica, nos primeiros anos
iniciais (SOUZA, 2020, p. 32)”. Temos aqui, uma valorização do verbal no processo de leitura
que não abrange, ou pelo menos não especifica, textos multimodais e a construção de
significados. Já o conceito de letramento de acordo com Rojo (2019 apud SOUZA 2020), vem
recobrir os usos de práticas sociais de linguagem, envolvendo a escrita de uma ou de outra
maneira, socialmente valorizadas ou não, de âmbito local, global, em contextos sociais diversos,
e em grupos sociais e comunidades culturalmente diversificadas.
O indivíduo pode ser letrado sem ser alfabetizado e vice-versa. Uma pessoa
alfabetizada não necessariamente incorpora ou se apropria plenamente da leitura e da escrita
para uma prática social (SILVA, 2016), enquanto uma pessoa letrada, por exemplo, demonstra
habilidades em suas práticas no supermercado ao selecionar produtos de acordo com os seus
critérios ou em suas interações nas atividades de lazer (ANSTEY; BULL, 2006). Essas
afirmações, comprovam que alfabetização e letramento têm abordagens distintas, mas precisam
ser desenvolvidas em conjunto.
Considerando que as formas de comunicação não são monomodais, e sim multimodais,
as práticas de letramentos e os seus desdobramentos acompanham a dinâmica social, o que
reitera a urgência em abordá-los na sala de aula para que os alunos se estabeleçam numa
sociedade com pluralidades de signos. No entanto, como essa pluralidade de signos pode ser
trabalhada nas aulas de LI? Como os multiletramentos são concatenados na prática escolar?
Essa pesquisa defende o uso de recursos de aprendizagem que explorem outras
habilidades de leitura além do código verbal escrito. Essa linha de pensamento se encontra com
40

o olhar investigativo que o GNL teve durante os debates e a produção do manifesto. No


documento, o GNL defendia dois argumentos para a prática da pedagogia dos multiletramentos.

O primeiro está relacionado com o aumento da multiplicidade e integração de modos


significativos de construção de significado, onde o textual também está relacionado
ao visual, o áudio, o espacial, o comportamental e assim por diante. Isso é
particularmente importante na mídia de massa, multimídia, e em uma hipermídia
eletrônica (NEW LONDON GROUP, 1996, p. 04)9.

Chama a atenção, o fato de o GNL atentar para as mudanças comportamentais. Nosso


comportamento também foi afetado com tamanhas mudanças e hoje, temos uma mídia que nos
atravessa diariamente e nos bombardeia com tantas informações. Entende-se que, para não
sucumbirmos ao desgaste com tantas informações e as famigeradas fake news, a inserção dos
multiletramentos na prática escolar se faz necessária com o intuito de fazer o aluno adquirir
subsídios de criticidade. Dessa maneira, o discente poderá distinguir, no vasto universo das
mídias, o que é real e o que não é, exemplificando assim, o porquê da necessidade de letrar e
não só alfabetizar. O segundo argumento defendido pelo GNL diz respeito a definição do termo
multi para abranger as mudanças comunicacionais.

Em segundo lugar, decidimos usar o termo "multiletramentos" como uma forma de


focar nas as realidades do aumento da diversidade local e conexão global. Lidar com
as diferenças linguísticas e culturais agora torna-se central para a pragmática de nossa
vida profissional, cívica e privada. Cidadania efetiva e trabalho produtivo agora exige
que interagimos efetivamente usando vários idiomas, vários ingleses, e padrões de
comunicação que mais frequentemente cruzam fronteiras culturais, comunitárias e
nacionais. A diversidade subcultural também se estende à gama cada vez maior de
registros especializados e situacionais nas variações da linguagem, sejam técnicas,
esportivas ou relacionadas a agrupamentos de interesse e afiliação (NEW LONDON
GROUP, 1996, p. 13)10.

A proposta apresentada pelo GNL converge com as ideias do educador brasileiro Paulo
Freire, pois, ambos advogam por uma educação dialógica movida pelas vivências que o aluno
traz para o processo de construção da aprendizagem. Freire (1987), afirma ser a dialogicidade
a essência da educação como prática da liberdade e, que através dela o pensamento crítico do

9
The first relates to the increasing multiplicity and integration of significant modes of meaning-making, where the
textual is also related to the visual, the audio, the spatial, the behavioral, and so on. This is particularly important
in the mass media, multimedia, and in an electronic hypermedia (NEW LONDON GROUP, 1996, p. 04).
10
Second, we decided to use the term "multiliteracies" as a way to focus on the realities of increasing local diversity
and global connectedness. Dealing with linguistic differences and cultural differences has now become central to
the pragmatics of our working, civic, and private lives. Effective citizenship and productive work now require that
we interact effectively using multiple languages, multiple Englishes, and communication patterns that more
frequently cross cultural, community, and national boundaries. Subcultural diversity also extends to the ever
broadening range of specialist registers and situational variations in language, be they technical, sporting, or related
to groupings of interest and affiliation (NEW LONDON GROUP, 1996, p. 13).
41

aluno seria estimulado. Em sua obra Pedagogia do Oprimido (1987), Freire se utiliza dos
termos codificação e descodificação da realidade como pilares para o que chama de:
significação conscientizadora.
Ao trabalhar as vivências dos alunos e proporcionar que eles olhem para o seu contexto
social, o professor trabalha o processo de descodificação através do letramento crítico
dissolvendo ideias cristalizadas pelo próprio sistema para que o aluno permaneça estático
socialmente, o que Freire (1987) chama de manobra de dominação. A educação, quando
desempenhada de forma isonômica a fim de promover a equidade, é a ponte que conduz o
estudante para uma prática social efetiva.
Freire (1987), ao defender a leitura de mundo que implica nos multiletramentos, já
trazia à tona a posição dos alunos como produtores de sentidos. Pensar a sala de aula como um
lugar de possibilidades é o que o nos motiva a investigar como as séries de tv são capazes de
potencializar as produções de sentidos e de colocar os alunos como centralizadores dessas
produções. “Em consonância com aqueles pressupostos, na pedagogia dos multiletramentos, os
alunos, como produtores de sentido, tornam-se agentes da comunicação e representação e, por
extensão, da própria aprendizagem” (BARBOSA, 2017, p. 94).
Sob essa ótica “por vezes, os textos escritos, quando comparados aos textos visuais, se
sobressaem no contexto educacional, isso ocorre pela crença de que textos visuais não possuem
potencialidade educativa” (MORAIS, 2020, p. 37). Considera-se essa visão um empecilho na
construção de um ensino que corresponda às demandas socioculturais exigidas pela sociedade
contemporânea. Cabe aqui, uma impo rtante ressalva nas conceituações de letramentos e
multiletramentos:

Diferentemente do conceito de letramentos (múltiplos), que não faz senão apontar


para a multiplicidade e variedade das práticas letradas, valorizadas ou não nas
sociedades em geral, o conceito de multiletramentos — é bom enfatizar — aponta
para dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas
sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural
das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos
quais ela se informa e se comunica (ROJO, 2012, p. 13).

É possível perceber e consumir textos híbridos em diferentes formatos, além disso, os


alunos são expostos diariamente a uma gama de produções textuais, em sua maioria, através
das mídias. Dizer que o aluno não lê possivelmente é um equívoco hoje em dia e está
diretamente associado ao conceito pessoal de leitura defendido por cada professor. Se o aluno
utiliza as redes sociais, posta fotos, escreve legenda, lê as legendas de outros usuários ou assiste
42

um tutorial no YouTube para aprender algo, todas essas ações são construções de sentidos que
exigem leituras e letramentos diferenciados, portanto:

Em outras palavras, os recursos visuais e escritos, quando são trabalhados


conjuntamente, são capazes de intensificar o significado do discurso por eles
trabalhados, pois cada um apresenta, em si, signos que representam um significado, o
que leva ao enriquecimento da informação contida nos textos. A respeito da leitura e
letramento visual crítico, podemos dizer que, quando trabalhados em sala e
estimulados a serem praticados fora dela, são capazes de ajudar no desenvolvimento
intelectual e ativar a criticidade dos sujeitos a respeito de questões sociais, culturais,
políticas etc, de forma significativa (MORAIS, 2020, p. 37).

No que tange às aulas de LI e ao papel da escola nessa discussão, é factível o respaldo


no manifesto do GNL ao centralizarmos a escola como instituição que deve fornecer os
subsídios para o letramento crítico, embora os alunos tenham inúmeras interações fora do
ambiente escolar, nem sempre essas interações proporcionarão o desenvolvimento dos
múltiplos letramentos.

As escolas sempre desempenharam um papel crítico na determinação das


oportunidades de vida dos alunos. Escolas regula acesso às ordens do discurso - a
relação dos discursos em um espaço social particular - ao simbólico capital -
significados simbólicos que têm circulação no acesso ao emprego, poder político e
cultural reconhecimento. Eles fornecem acesso a um mundo de trabalho ordenado
hierarquicamente; eles moldam os cidadãos; elas fornecer um suplemento aos
discursos e atividades de comunidades e mundos da vida privados. Como estes três
reinos principais da atividade social mudaram, então os papéis e responsabilidades
das escolas devem mudar (NEW LONDON GROUP, 1996, p. 09)11.

Em consonância com as premissas aqui defendidas Souza (2020), reafirma a


importância de a escola fornecer aos discentes, condições de empoderamento através do uso da
língua, contribuindo para a compreensão de ideologias presentes nos discursos que defendem e
representam o sistema capitalista. Freire (1989), se posiciona nessa discussão também quando
coloca a realidade social, não por acaso mas, como produto da ação dos homens e, portanto,
esta não se transforma por acaso, mas também por intervenção dos homens.
Seguindo essa perspectiva social, os membros do GNL argumentam em prol de uma
educação integral que vai muito além do conteúdo curricular, uma educação na qual o aluno se

11
Second, we decided to use the term "multiliteracies" as a way to focus on the realities of increasing local diversity
and global connectedness. Dealing with linguistic differences and cultural differences has now become central to
the pragmatics of our working, civic, and private lives. Effective citizenship and productive work now require that
we interact effectively using multiple languages, multiple Englishes, and communication patterns that more
frequently cross cultural, community, and national boundaries. Subcultural diversity also extends to the ever
broadening range of specialist registers and situational variations in language, be they technical, sporting, or related
to groupings of interest and affiliation (NEW LONDON GROUP, 1996, p. 09).
43

aproprie das diversas formas de linguagem no mundo contemporâneo para estabelecer suas
interações e capacidades de se expressar, falar, analisar, bem como, participar criticamente dos
aspectos sociais e políticos.

Nesta interpretação da dinâmica do capitalismo de hoje, como criamos uma pedagogia


da alfabetização que promove uma cultura de flexibilidade, criatividade, inovação e
iniciativa? Ainda mais claramente do que era o caso há dez anos, a antiga
alfabetização e sua economia moral subjacente, não são mais adequados por conta
própria. Na pedagogia dos Multiletramentos, tentamos desenvolver uma pedagogia de
alfabetização que funcione pragmaticamente para a "nova economia", e para o mais
comumente conservador de razões - o que ajudará os alunos a conseguir um emprego
decente, especialmente se os dados de oportunidade parecem estar carregados contra
eles. A alfabetização precisa de muito mais do que noções básicas tradicionais de
leitura e escrita na língua nacional; na nova economia local de trabalho é um conjunto
de estratégias de comunicação flexíveis, variáveis, sempre divergentes de acordo com
as culturas e linguagens sociais de tecnologias, grupos funcionais, tipos de
organizações e clientes de nicho (COPE; KALANTZIS, 2006, p. 06)12.

Julga-se ser necessário atentar para o quanto a sociedade é excludente em diferentes


aspectos, o que caracteriza uma intencionalidade em manter a população não letrada e, é no
espaço escolar, que muitos estudantes poderão questionar e refletir sobre esses padrões há
tempos reproduzidos, ou seja, fazer a leitura crítica do mundo e de sua realidade para ter
condições de quebrar esses paradigmas. “As relações de poder são evidenciadas através das
oportunidades oferecidas aos estudantes que podem ser de posição crítica que lhe favoreça o
empoderamento, ou não” (SOUZA, 2020, p. 37). Cope; Kalantzis (2006 apud SOUZA, 2020,
p. 38) trazem os fatores que compõem a Pedagogia dos Multiletramentos:

A partir dessa visão de pensamento, os autores argumentam que a pedagogia é uma


interação complexa de quatro fatores: prática situada, que tem como base as
experiências desenhadas ou construídas pelo aprendiz; o ensino explícito, em que o
estudante desenvolve a capacidade de explicar para eles mesmos usando a
metalinguagem dos designs; o enquadramento crítico, em que o aluno faz a relação
do contexto social proposto para construir o significado; e a prática transformada, em
que o estudante tem a capacidade de transferir práticas de construção de sentido de
um contexto para outro com o propósito de recriar e ressignificar o design (desenho
estrutura) dentro do processo de redesenhar a partir da prática situada, do ensino
explícito e do enquadramento crítico.

12
In this interpretation of the dynamics of today’s capitalism, how do we create a literacy pedagogy which
promotes a culture of flexibility, creativity, innovation and initiative? Even more clearly than was the case ten
years ago, the old literacy and its underlying moral economy, are no longer adequate on their own. In the pedagogy
of Multiliteracies, we have attempted to develop a literacy pedagogy which will work pragmatically for the ‘new
economy’, and for the most ordinarily conservative of reasons—what will help students get a decent job,
particularly if the dice of opportunity seem to be loaded against them. Literacy needs much more than the
traditional basics of reading and writing the national language; in the new economy workplace it is a set of supple,
variable, communication strategies, ever-diverging according the cultures and social languages of technologies,
functional groups, types of organisation and niche clienteles (COPE & KALANTZIS, 2006, p. 06).
44

Portanto, esses quatro pilares devem sustentar o trabalho na sala de aula para tornar o
aluno letrado no mundo pós-moderno. Nessa perspectiva defendida por Cope ;Kalantzis (2006),
o professor é um designer e cria combinações semióticas nas suas atividades para orientar os
alunos na construção da aprendizagem. O professor é um agente de transformação e a ideia é
que o ensino seja uma relação horizontal e não vertical. “Professores e gerentes são vistos como
designers de processos e ambientes de aprendizagem, não como chefes ditando o que aqueles
que estão sob sua responsabilidade devem pensar e fazer” (NEW LONDON GROUP, 1996, p.
10)13.
Anstey; Bull (2006, p. 19) nos oferecem uma definição do que seria uma pessoa letrada
deixando mais explícito, principalmente, para os professores como eles podem trabalhar para
atingir esse objetivo. A seguir, uma síntese adaptada (tradução nossa) dessa definição de pessoa
letrada, a qual que deve ser:
Flexível - é positiva e estrategicamente responsável com as mudanças no letramento;
É capaz de sustentar o conhecimento o suficiente para reformular o conhecimento atual
ou acessar e aprender novas práticas letradas;
Tem um repertório de práticas – possui uma gama de conhecimentos, habilidades e
estratégias para usar quando apropriado;
É capaz de usar textos tradicionais - usa impressão e papel e cara a cara em encontros
orais; e
É capaz de usar novas tecnologias de comunicação – usa textos digital e eletrônico que
têm vários modos (por exemplo, falado e escrito), muitas vezes simultaneamente.
Mediante o exposto, evidenciamos o quanto a pedagogia dos multiletramentos é uma
práxis necessária, e por que não, urgente de ser desenvolvida pelas escolas, tomando essa
última, a sua responsabilidade em atender às demandas da sociedade multimodal.
Na próxima seção, será abordado os letramentos visual e digital através de um breve
panorama histórico e comportamental que nos ajudará a entender o percurso que a sociedade
traçou no que se refere ao contexto tecnológico e aos níveis de comunicação que temos hoje.

2.5 LEITURA MULTIMODAL: A RELEVÂNCIA DOS LETRAMENTOS VISUAL E


DIGITAL

13
Teachers and managers are seen as designers of learning processes and environments, not as bosses dictating
what those in their charge should think and do (NEW LONDON GROUP, 1996, p. 10).
45

Os textos têm ganhado novas composições e formatos na sociedade contemporânea,


notadamente, cada vez mais multimodal, o que implica que a nossa leitura também precisa ser
multimodal. Nessas novas composições, a linguagem escrita tradicional não é mais a única
capaz de produzir sentidos, tampouco, os letramentos necessários para as práticas sociais dos
alunos. O código escrito é uma das formas de texto na era do visual, como assinala Oliveira
(2006). Imagem, vídeo, gifs, ilustrações, emojis, podcast, são muitas as possibilidades que a
tecnologia e as mídias digitais oferecem.
O poder do visual é um fator a ser considerado e repensado pelo corpo docente que se
propõe a construir uma educação integral, no que diz respeito as habilidades sócio interacionais
dos estudantes. Barbosa (2016, p. 44) afirma ser “uma testemunha de uma quebra da hegemonia
da escrita e um empoderamento da imagem e que, a sociedade contemporânea se vê desafiada
a entender esse processo de visualização das diferentes experiências humanas.” Já Oliveira
(2006, p. 17), atenta para o caráter “voyeurístico” da sociedade. A autora nos diz:

Aliado a tal contexto some-se a característica típica de nossa sociedade


contemporânea, qual seja a do imediatismo lúdico-hedonista. Cada vez mais sentimos
a urgência do olhar como fonte voyerística de prazer: é preciso digerir imagens
rapidamente, consumir mensagens consubstanciadas em símbolos de internalização
muitas vezes efêmera e de alta volatilidade disponíveis na TV, na Internet, nos jornais,
etc (OLIVEIRA, 2006, p. 17).

Diariamente lidamos com textos visuais em diferentes espaços que exigem a nossa
interpretação. Nas redes sociais, na televisão, nos anúncios, nas ruas, o visual é um elemento
presente na maioria de nossas produções estabelecendo uma nova forma de comunicação. Basta
observar ao nosso redor para percebermos a quantidade de imagens que expressam momentos,
sentimentos, ideologias, valores e relações de poder.
Assim sendo, a pergunta central para a nossa discussão é: “como podemos ajudar
nossos alunos a ler criticamente tendo o texto visual como base?” Indaga Oliveira (2006).
Barbosa (2017), adota o termo letramento visual e letramento visual crítico para respaldar essa
inserção da habilidade comunicativa de ver as demais habilidades linguísticas como uma
resposta às exigências do cenário educacional do século XXI.
O leitor do século XXI não lê apenas texto escrito ou impresso, ele consome texto o
tempo todo, produz significado o tempo todo. De acordo com Lemke (2010, p. 456),
“documentos e imagens de notações verbais e textos escritos propriamente ditos são meros
componentes de objetos mais amplos de construção de significados.” Desenvolver essas novas
percepções é possível através de um conjunto de habilidades que compõem o letramento visual.
Analisar o porquê do uso de determinadas cores, o ângulo escolhido na imagem, a posição na
46

qual as pessoas estão dispostas, a tipografia escolhida e o seu tamanho, são alguns exemplos de
como explorar o letramento visual.
Mas então, o que é letramento visual e qual a sua importância enquanto competência
linguística para a sala de aula? De acordo com Bamford (2003, p. 01)14, “letramento visual é
interpretar imagens do presente e do passado e produzir imagens que efetivamente comuniquem
a mensagem a um público.” Para Barbosa (2017, p. 101), “letramento visual é a capacidade de
ler, entender, interpretar e utilizar informações visuais em eventos sociais comunicativos”
enquanto Newfield (2011, p. 82)15, entende “o letramento visual como a compreensão do pape
e da função das imagens na representação e na comunicação, especialmente na mídia”.

Quadro 01 - Descrevendo o letramento visual/multimodal


Silva (2016), baseado em Anstey e Bull (2006)
A tabela acima descrevendo o letramento visual/multimodal criada por Anstey; Bull
(2006) e adaptada por Silva (2016), apresenta definições que dialogam e que nos dão uma
representação do poder da imagem, principalmente, na contemporaneidade com o uso das
mídias, no entanto, historicamente, as imagens sempre foram uma fonte de representação social
do homem e de seu contexto, como as pinturas rupestres, por exemplo. Entendemos que hoje,
a sociedade exige novas competências comunicativas:

14
Visual literacy is about interpreting image of the presente and past and producing images that effectively
communicate the message to an audience (BAMFORD, 2003, p. 01).
15
Visual literacy is education that enhances understanding of the role and function of images in representation and
communication, especially in the media (NEWFIELD, 2011, p. 82).
47

De fato, do aluno será exigido também ler o conotativo (interpretar); ler o dito, mas
saber perceber o valor do que foi omitido, apontar motivos (avaliar), perceber
intenções (fazer inferências) e, tirar conclusões acerca do que foi lido, com a clara
intenção de atuar sobre situações, visando à sua transformação, tanto em meio
monomodal (texto linear tradicional) quanto e cada vez mais no meio multimodal
(OLIVEIRA, 2006, p. 22).

Tomemos a seguinte frase: “Uma imagem vale mais do que mil palavras.” Muitos de
nós, já ouvimos essa expressão para exemplificar uma situação, ideia ou pensamento. De fato,
essa frase reitera a força que uma imagem tem e o quanto ela pode representar em termos de
significado. Não é do nosso interesse que um modo se sobressaia em detrimento de outro
monopolizando a comunicação, durante a produção de sentidos, é o produtor de signos quem
deve escolher qual modo semiótico melhor atende aos seus interesses.
Dessa maneira, ensinar a leitura do visual significa uma abordagem que explore a
composição da imagem através das cores, dos tamanhos, das disposições dos elementos
imagéticos, enfim, tudo o que compõem a imagem e a sua significação. Entretanto, essa
abordagem passa pelas crenças que o professor tem a respeito do que é um texto. A maioria dos
docentes tiveram uma formação que separa imagem de texto, atribuindo a essa um mero papel
coadjuvante para a compreensão textual. O que se propõe com a essa discussão, é demonstrar
ao longo da análise que imagem e texto dialogam na construção de sentidos e se complementam
no processo ensino-aprendizagem.
Explorar as imagens na sala de aula pode ser uma atividade prazerosa utilizando o livro
didático ou outros recursos semióticos, tais como: memes, filmes e, no nosso caso, as séries de
tv. Analisar uma imagem vai muito além do que estamos acostumados a fazer. Oliveira (2006,
p. 18), nos apresenta alguns critérios para observarmos durante a análise imagética na sala de
aula.
Qualidades lexicais (ex. cores, saturação, nitidez);
Qualidades sintáticas (ex. aparência e movimento: linhas, padrões, tamanhos e
formas);
Qualidades semânticas (ex. objetos representados explicitamente ou apenas sugeridos
e como podem ser interpretados);
Qualidades pragmáticas (ex. inteligibilidade geral da imagem, utilidade, função) com o
propósito fundamental de construir interpretações socialmente significativas (cf.
Shneiderman, 1998).
Como se pode observar, o processo de decodificação do visual apresenta o que
chamamos de orientações. Na obra Reading Images: The Grammar of Visual Design (Lendo
Imagens: Gramática do Design Visual), doravante GDV, de Kress e van Leeuwen (1996), os
48

autores descrevem o uso das imagens na sociedade contemporânea ocidental com base na
Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday com o intuito de orientar o processo de
compreensão do texto visual, ou seja, é possível desenvolver o letramento visual e o letramento
visual crítico no ambiente escolar estimulando os alunos, por exemplo, a identificarem o
contexto de produção das imagens e, consequentemente, suas intencionalidades.
Para tanto, a GDV apresenta uma metalinguagem intitulada de metafunções para
ajudar no processo de compreensão das imagens. A primeira delas é a metafunção
representacional, que explora as interações presentes na imagem bem como, entre o texto e o
leitor, subdividindo-se em narrativa e conceitual.
A segunda, é a metafunção interativa, que se constitui nas dimensões do olhar (de
oferta e de demanda), do enquadramento (distanciamento o dos participantes da imagem em
relação ao leitor) e a perspectiva (ângulos presentes na cena).
Por fim, a GDV apresenta a metafunção composicional, que trata da combinação de
elementos visuais com elementos verbais a fim de verificar a coerência dos sentidos presentes
nos textos. Essa metafunção subdivide-se em três sistemas: o valor da informação, a saliência
e moldura.16
É importante reiterar que nenhum texto é neutro. Todo texto serve a propósitos
definidos anteriormente pelos seus produtores. Um texto visual tem a capacidade de refletir
relações sociais, ideológicas e políticas, e é o desenvolvimento do letramento visual crítico que
possibilita a compreensão dessas ideias por trás das imagens. Assim sendo:

O letramento visual envolve o desenvolvimento de um conjunto de habilidades


necessárias para ser capaz de interpretar o conteúdo do visual imagens, examine o
impacto social dessas imagens e discuta o propósito, o público e a propriedade. Inclui
a capacidade de visualizar internamente, comunicar-se visualmente e ler e interpretar
visualmente imagens. Além disso, os alunos precisam estar cientes dos usos
manipulativos e implicações ideológica de imagens. A alfabetização visual também
envolve fazer julgamentos da precisão, validade e valor de imagens. Uma pessoa
visualmente letrada é capaz de discriminar e dar sentido a objetos visuais e imagens;
criar recursos visuais; compreender e apreciar os recursos visuais criados por outros; e
visualizar objetos em seus olhos da mente. Para ser um comunicador eficaz no mundo
de hoje, uma pessoa precisa ser capaz de interpretar, criar e selecionar imagens para
transmitir uma variedade de significado (BAMFORD, 2003, p. 01)17.

16
Para uma leitura mais detalhada da GDV, recomendamos a leitura do original presente nas nossas referências.
Além disso, vários são os trabalhos brasileiros que fazem uma descrição mais minuciosa da GDV, por exemplo:
Almeida e Fernandaes (2008), Gualberto (2013), Silva (2016) dentre outros.
17
Visual literacy involves developing a set of skills needed to be able to interpret the content of visual images,
examine the social impact of those images, and discuss purpose, audience, and ownership. It includes the ability
to visualize internally, communicate visually, and visually read and interpret images. In addition, students need to
be aware of the manipulative uses and ideological implications of images. Visual literacy also involves making
judgments about the accuracy, validity and value of images. A visually literate person is able to discriminate and
make sense of visual objects and images; create visual resources; understand and appreciate visuals created by
49

Já é possível compreender a essa altura da discussão, a importância de novos olhares


para o visual no processo educacional, especialmente no ensino de LI, tendo em vista que, esse
processo é facilitado pela apreciação que os alunos têm com o visual. O livro didático continua
sendo a principal ferramenta na sala de aula e reconhecemos que essa ação ocorreu tardiamente,
ou seja, desde os primórdios a aula era fundamentada no código escrito e essencialmente
expositiva com o uso do quadro e giz. Sendo assim, o livro didático veio como ferramenta que
sistematiza os conteúdos além das vantagens de conter atividades implicando na otimização do
tempo, que é um fator determinante para o planejamento e aproveitamento dos conteúdos.
No entanto, o professor como designer deve observar a produção desse material,
identificando os conteúdos relevantes, adaptando esses conteúdos para os seus objetivos e
observando quando é necessário explorar outras ferramentas na sala de aula. Para realizar essa
análise (design), é necessário que o professor seja letrado visualmente significando as imagens
do livro e analisando como ele aborda questões pertinentes à sociedade, em que os alunos estão
inseridos. A partir desse olhar analítico, o docente amplia a sua concepção de material didático
percebendo o quanto outros meios e mídias podem contribuir no ensino de LI.
No contexto escolar é comum que, “o aluno ao ler o texto acadêmico encara o linear
como texto e a imagem como apenas apêndice ilustrativo” diz Oliveira (2006, p. 20), mas no
tocante aos docentes, estes também apresentam concepções de leitura que perpassam pela
hegemonia do verbal reverberando essa crença na sua prática pedagógica. Leitura não é apenas
compreensão e recepção (SILVA, 2021, p. 39), tampouco, uma atividade passiva como muitos
acreditam ser. O processo de leitura envolve interpretação, fazer relações com o mundo,
reflexão sobre o que foi lido e, por fim, uma transformação do que foi assimilado no texto para
a prática social do leitor.
Mas como podemos, então, definir ou afirmar que um indivíduo é letrado visualmente?
Acredita-se que essa questão deve motivar e envolver a prática pedagógica, pois, ela leva a
refletir as competências que precisam ser trabalhadas e como elas podem ser avaliadas.
Pesquisadores como Kress; van Leeuwen (2006), Cope; Kalantzis (2006) e Callow (2008),
assinalam que a escola tem papel fundamental na preparação dos estudantes para o século XXI
e em fazê-los ler todo tipo de texto, já que, estamos na era do visual (OLIVEIRA, 2006).
Com objetivos bem definidos, o professor pode formular melhor as atividades e
recursos que exploram e desenvolvam o letramento visual crítico do seu aluno. Existem muitas

others; and visualize objects in your mind's eye. To be an effective communicator in today's world, a person needs
to be able to interpret, create and select images to convey a variety of meaning (BAMFORD, 2003, p. 01).
50

formas de trabalhar uma imagem e acreditamos ser no dia a dia da sala de aula, a melhor maneira
de os alunos internalizarem, gradativamente, que imagem é texto corroborando a ideia de que
ver é mais que apenas apreciar imagens (CALLOW, 2013). “Dessa forma, não há como
desvencilhar o letramento visual/multimodal do letramento crítico nas práticas cotidianas e
escolares” (SILVA, 2016, p 40).
Alinhada aos nossos propósitos e aos do GNL, Oliveira (2006) destaca em seu texto
que a pergunta recorrente deste século se refere ao tipo de ensino-aprendizagem que devemos
expor nossos alunos para que possam interagir e competir de forma positiva e bem-sucedida na
sociedade. Considerando que, o processo de formação está em constante adaptação, a sala de
aula nos ensina tanto quanto os nossos estudos e formação acadêmica. Sob essa ótica, devemos
estar sempre atentos para refletir, avaliar e mudar, quando necessário, a nossa prática
metodológica, o que significa olhar para o mundo e para o que ele exige em termos de
participação social dos alunos.
A partir desse olhar atento para o mundo que nos rodeia e que se reflete na sala de
aula, as mídias digitais se destacam como componentes importantes na exploração dos
letramentos. Elas revolucionaram a nossa comunicação e transformaram as nossas práticas
linguajeiras, assim, o visual caminhou junto com as mídias já que, elas proporcionam muitas
possibilidades no que tange a junção de modos semióticos.
Nos últimos anos, pudemos acompanhar a transição do meio impresso para as telas.
O código escrito foi cedendo lugar a outros modos, de maneira que, o texto ganhou novas
formas de produção, consumo e armazenamento. Essa transição, e já notadamente, revolução
tecnológica teve início em meados da década de 1990, período no qual, o GNL se reuniu para
discutir essas mudanças no cenário educacional e mundial. Foi nesse período também, que a
ideia de hipertexto começou a circular entre estudiosos e entusiastas da tecnologia, com os
primeiros computadores e celulares chegando ao mercado. “O hipertexto era visto como algo
capaz de fornecer um ambiente no qual a aprendizagem exploratória e por descoberta poderia
florescer. Os alunos poderiam tornar-se mais independentes como modeladores ativos do
conhecimento” (SNYDER, 2010, p. 05).
Em linhas gerais, o hipertexto é uma forma de escrita e leitura não linear, usado
inicialmente na informática, com blocos de informações ligados a palavras, partes de um texto
ou imagens, por exemplo. De acordo com Snyder (2010, p. 04), “o hipertexto era considerado,
por muitos estudiosos, como uma invenção excitante, que oferecia a leitores e escritores algo
totalmente diferente do texto impresso”, o autor também diz, que pesquisadores em educação
celebraram o potencial do hipertexto como ferramenta para melhorar o ensino e a
51

aprendizagem. Obviamente professores, comunidade escolar e sociedade em geral, não


imaginavam o quanto a nossa comunicação se transformaria, e a ideia de hipertexto ganharia
novos contornos.
Nesse ínterim, as mídias digitais alcançaram a população em massa e o ecrã tornou-se
uma ferramenta essencial nas nossas relações pessoais e de trabalho. Com velocidade ímpar, as
redes sociais se estabeleceram e geraram mudanças nas nossas interações e noções de
socialização, esse último ponto, inclusive, é tema de uma discussão proeminente acerca dos
malefícios que as redes sociais vêm causando na sociedade contemporânea, principalmente, às
crianças e adolescentes que nasceram na era digital, o que Prensky (2001) chamaria de nativo
digital. As telas tornaram-se nossas amigas ou inimigas? Vale a ponderação, seja no ambiente
escolar ou pessoal.

É notório que, com o resultado da globalização, mudanças sociais e tecnológicas


proporcionaram novas formas de comunicação e, consequentemente, a linguagem e a
concepção de texto passaram a ser reestruturadas, dando espaço à inserção de textos
multimodais no processo comunicativo (MORAIS, 2020, p. 29).

Diante desse contexto tecnológico, é importante os docentes avaliarem o potencial das


mídias no processo de ensino e aprendizagem. Reiteramos nesta pesquisa que, cada modo tem
os seus potenciais e limitações (affordances), portanto, pregamos que o caminho da revolução
tecnológica deve ser visto como uma aliada ao ensino e somada a prática pedagógica. Uma
metodologia não precisa ser implantada em detrimento de outra.
A diversidade presente na sala de aula demonstra como a sociedade mudou acarretando
consigo a necessidade de entendimento dos múltiplos modos semióticos existentes. “A
heterogeneidade sócio-cultural que há na escola favorece para que os sujeitos tenham acesso a
essa diversidade da linguagem, para que os estudantes se apropriem dos múltiplos modos de
comunicação” (MORAIS, 2020, p. 29). Como o professor pode contribuir para os letramentos
dos já, nativos digitais? Segundo Snyder (2010, p. 10):

[...] os docentes têm pouco tempo para refletir sobre o que fazem, de modo que,
quando tentam trabalhar com as mídias digitais nas salas de aula, não há muitas
oportunidades para urdir parcerias criativas com os colegas e para fazer
experimentações com novos letramentos.

Sublinhamos que a abordagem metodológica necessita, sobretudo, de uma autocrítica


por parte dos professores de LI e de uma avaliação das práticas engessadas no âmbito escolar.
Sob a luz da SS, nossa discussão reitera que tudo é linguagem e o domínio dessa, transforma as
pessoas e as coloca em posição de efetiva atuação social na sociedade multimodal.
52

O que a multimodalidade então implica para a área de linguagem quanto ao que


ensinar e o que aprender, então, poderia ser resumido em: os diferentes códigos
semióticos, como funcionam e que significados são produzidos pelos seres humanos
quando os usam. Seria uma conscientização do fato de que usando a linguagem,
agimos socialmente (SILVA, 2021, p. 48).

Com os recursos tecnológicos, nossas práticas sociais se diversificaram. Nossos alunos


fazem frequentemente uso dos meios digitais, muitos possuem um smartphone e são usuários
das redes sociais, compartilham suas vidas, publicam fotos, escrevem legendas, contudo,
podemos considerá-los digitalmente letrados? Os alunos são capazes de atribuir significados às
imagens às quais são constantemente expostos?
Os nativos digitais, pessoas nascidas entre 1995 até então, cresceram em um mundo
onde as telas fizeram e fazem parte de suas rotinas. Estendendo o olhar para a sociedade no
geral, as crianças estão entrando em contato com as mídias cada vez mais cedo, possivelmente,
antes mesmo do meio impresso. Esses nativos digitais têm uma característica que nos chama a
atenção: eles aprendem fazendo. Diferente dos que Prensky (2001) denomina imigrantes
digitais, eles não leem manuais de como fazer algo, são mais diretos e práticos, gostam da
velocidade que as mídias tecnológicas proporcionam (RIBEIRO, 2019) e essas características,
se apresentam na sala de aula escancarando, em algumas situações, o abismo colossal entre
alunos e professores.
Abismo esse, que pode ser sinal de que, mais uma vez, as práticas sociais dão passos
mais largos e mais ágeis em direção à mudança, enquanto a discussão e mesmo a
teoria vêm atrás, no intuito de compreender ou mesmo de descrever o que acontece e
o que se transforma em nossa sociedade (RIBEIRO, 2019, p. 05-06).

WhatsApp, Facebook, Instagram, YouTube e mais recente, o TikTok, tornaram-se as


redes sociais mais comuns na rotina de muitos de nós. Essas redes sociais somam milhões de
usuários e os mesmos as utilizam com as mais variadas finalidades. Cada público, escolhe a
rede social com mais potencial para o seu objetivo, seja este objetivo voltado para o
entretenimento, a informação, trabalho, estudo, entre outros. Escolhido o modo semiótico (rede
social), o produtor de significados (usuário da rede social) tem à sua disposição uma gama de
recursos semióticos (imagem, som, gif, ilustração, palavra, emoji) para construir o seu texto e
direcioná-lo ao seu público receptor de acordo com o formato escolhido.
Essa analogia com as redes sociais exemplifica que, o código escrito não é mais
exclusivamente necessário para se produzir sentidos diante de tantos outros modos que estão
surgindo. O visual, o digital, o audiovisual, o gestual são modos que interagem e produzem
textos com diferentes composições. Vale ressaltar que, no espaço escolar, o debate ganha outro
contorno com a proibição dos aparelhos celulares, muito embora, saibamos da desobediência
53

de boa parte dos discentes. A discrepância sobre o assunto se instaurou de vez no último ano
com a pandemia de COVID-19, momento no qual, o telefone celular tornou-se crucial para a
continuidade do ano letivo no modelo remoto.
Nessa empreitada, o discurso proibicionista se voltou contra os profissionais da
educação que, agora, levantam e defendem a importância do aparelho como ferramenta
pedagógica sem contar que, os docentes tiveram que “correr atrás do prejuízo” no que tange ao
letramento digital a fim de dar conta da logística do ensino remoto e mitigar uma defasagem no
processo de ensino-aprendizagem. O uso do aparelho celular envolve diretamente o letramento
digital, termo usado pela primeira vez por Paul Gilster (1997) em seu livro de mesmo nome.
Lemke (2010), delineia os letramentos como tecnologias e que eles nos dão condições para usar
tecnologias mais amplas:

Letramentos são sempre sociais: nós os aprendemos pela participação em relações


sociais; suas formas convencionais desenvolveram-se historicamente em sociedades
particulares; os significados que construímos com eles sempre nos ligam a uma rede
de significados elaborada por outros (LEMKE, 2010, p. 458).

Pode-se inferir que o letramento digital engloba outros letramentos, mas em síntese, é
a capacidade de ler, escrever e produzir sentidos a partir dos recursos tecnológicos disponíveis.
O consumo dos textos, por exemplo, sofreu uma mudança significativa, pois, o kindle cresceu
como um novo formato de leitura, sem contar que, os nossos celulares são capazes de armazenar
diversos livros no formato PDF. O letramento digital acabou por se tornar, juntamente com o
visual, necessário para os indivíduos. Sob essa perspectiva, o professor automaticamente
parece sempre estar atrás no que se refere às tecnologias digitais como se intrinsecamente um
pé no “passado” fizesse parte de sua formação (RIBEIRO, 2019).
De fato, precisamos destacar que modos tradicionais de ensino continuarão a existir
tendo a sua parcela de contribuição no processo educacional, afinal, não precisamos excluir
nenhuma metodologia, mas para que esse processo ocorra, suscitamos a dúvida de Prensky,
(2001, apud RIBEIRO 2019, p. 03) “Os nativos digitais devem aprender das velhas maneiras
ou os imigrantes digitais devem aprender a novidade?” Ribeiro (2019) nos fornece mais
reflexões sobre o tema:

O construto de Prensky em 2001 propõe novos rótulos para o que ele separa em dois
tipos de pessoas: as que têm contato desde jovens com as tecnologias digitais e as que
só têm esse contato tardiamente (à revelia delas, já que não têm culpa de terem nascido
cedo demais). As primeiras se tornariam experts nos usos das TDICs, além de se
tornarem seres diferentes das segundas pessoas, isso é, aquelas seriam mais ágeis,
mais rápidas na aprendizagem, menos lineares, multitarefas, sugerindo-se que estas,
mais velhas, são sempre e generalizadamente o contrário. Entre esses dois tipos de
54

seres, que têm entre si a barreira da idade ou da geração, haveria, segundo o autor, um
fosso, uma distância, para ele intransponível, que afeta o ensino, a aprendizagem e a
escola, de maneira preocupante (RIBEIRO, 2019, p. 16-17).

Então, esses professores (imigrantes digitais), que segundo Ribeiro (2019), é uma
metáfora inadequada usada por Prensky (2001), sobretudo, no contexto social contemporâneo,
precisam “correr” atrás do prejuízo para integrar nas suas práticas educativas as mídias digitais
e o letramento multimodal crítico. É fora da escola que o aluno começa a ler o visual e a interagir
no meio digital, contudo, será dentro do espaço escolar que ele se apropriará da prática do
letramento multimodal crítico de forma consciente. Nesse percurso crescente do visual e do
digital, a sala de aula, enquanto reflexo da sociedade, fica imbuída de ampliar as percepções
dos estudantes explorando para além do livro didático, que muitas vezes, não promove essas
habilidades.
A orientação para o professor de LI é, instigar o letramento multimodal crítico através
dos diferentes formatos de texto que os alunos encontrarão nas esferas sociais as quais estão
inseridos. Fazendo essas conexões com o mundo externo, o docente atribui sentido aos
conteúdos abordados em sala, sem contar na gama de possibilidades e recursos digitais para
dinamizar suas aulas, proporcionando também, o acesso a informações e mídias para aqueles
que se encontram em condição socioeconômica desfavorável.
Devido a pandemia de COVID-19, a educação perpassa um momento crítico sob o
viés logístico e de sistematização do modelo de ensino remoto. São muitas as fraturas que o
sistema educacional evidenciou nestes últimos meses, sobretudo, a desigualdade social do
Brasil, que interfere diretamente no processo de ensino e aprendizagem. A pandemia já é
considerada por alguns, um limiar histórico no que tange a comunicação. A educação, sentiu o
grande impacto do isolamento social, tendo em conta que ela sempre funcionou,
majoritariamente, no modelo presencial e podemos inferir também que as nossas práticas
sociais já estão em transformação por conta da crise sanitária. O The PanMeMic Collective
(2020)18 explica essa ideia:

Porque o perigo afeta nossos corpos, e as tentativas de prevenção envolvem manter


os corpos separados, mudanças em como realizar ações básicas envolveram todos e
todas as esferas da vida, para uma maior ou menor extensão. As dimensões da
interação social mudaram sua combinação de possibilidades, conforme os tempos e
ritmos, os espaços e lugares de nossas atividades e papéis tiveram que tem mudado,

18
Grupo de semioticistas de diferentes países do mundo que estudam a criação de significado, comunicação e
interação social.
55

bem como os meios de comunicação e os recursos semióticos através dos quais os


realizamos (THE PANMEMIC COLLECTIVE, 2020, p. 05)19.

Entretanto, esse ponto crítico não deve ser analisado de forma unilateral, pois, ele
pode ser uma ponte construída, involuntariamente, entre os professores e a necessidade de
novos letramentos no processo pedagógico. Para Lemke (2010, p. 456), “os letramentos
produzem uma chave entre o eu e a sociedade: o meio através do qual agimos, participamos e
nos tornamos moldados por sistemas e redes ‘ecossociais’ mais amplos. ”
Portanto, consideramos que os letramentos visual e digital se configuram em
habilidades necessárias para a formação discente, o que vai de encontro com a nossa pesquisa
que utilizará um recurso midiático que requer essas habilidades. Considerando que as séries de
tv é um recurso que está presente no cotidiano dos alunos, iremos explorá-la estrategicamente
para atingir os nossos objetivos.
Na seção a seguir, discutiremos o potencial das séries de tv como ferramenta
pedagógica e material didático para as aulas de LI com o intuito de promover o letramento
multimodal crítico dos estudantes.

2.6 AS SÉRIES DE TV COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA NA AULA DE LÍNGUA


INGLESA

A LI é tida como a língua da comunicação, da tecnologia e dos negócios e, por


conseguinte, o inglês está presente na maioria das nossas interações. Oliveira (2020, p. 30)
explica que “a língua inglesa, nesse processo, pode ser considerada como uma espécie de
patrimônio linguístico-cultural, alcança o status de língua hegemônica, passa a ter grande
prestígio e exercer muita influência no mundo globalizado”. Diariamente, entramos em contato
com a LI, por exemplo, através dos rótulos de embalagens, manuais de instruções, jogos,
estrangeirismos que se apresentam nos nomes de marcas e comércios, e, mais notadamente, na
internet e redes sociais.
A importância em aprender a língua estrangeira ganhou mais destaque com a
implementação do novo ensino médio, doravante EM cujo projeto, nomeia a Língua
Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa como disciplinas obrigatórias. Em resumo,

19
Because the danger affects our bodies, and prevention attempts involve keeping bodies apart, changes in how to
carry out basic actions have involved everybody and all spheres of life, to a greater or smaller extent. The
dimensions of social interaction have changed their combinatory possibilities, as the times and paces, the spaces
and places of our activities and roles have had to change, as well as the media and semiotic resources through
which we carry them out (THE PANMEMIC COLLECTIVE, 2020, p. 05).
56

delineamos apenas alguns motivos que tornam o ensino do inglês indispensável frente a
necessidade de atuação de qualquer indivíduo no mundo globalizado.

Contudo, o inglês é desvalorizado por grande parte da sociedade, em especial, dentro


do ambiente escolar. São raros os esforços empreendidos no sentido de aprimorar o
ensino da disciplina, fazendo com que a maioria dos alunos saia da Educação Básica
com capacidade de comunicação precária. A dificuldade observada de maneira geral
no país reflete o panorama complexo no qual se encontra a educação básica nos dias
atuais, especialmente na rede pública. Sabe-se, portanto, que não há como garantir
uma educação formadora de indivíduos com domínio satisfatório da língua inglesa,
mas é preciso buscar formas de assegurar, ao mesmo, os níveis básicos de
compreensão e comunicação (FRANCO, 2018, p. 02).

Partindo da premissa de fissuras históricas no ensino de LI no que tange desde a


logística da carga horária, limitações do material didático, professores sem a formação
adequada e falta de recursos, podemos ter um parâmetro para compreender a defasagem do
processo de ensino e aprendizagem da LI. No âmbito escolar, as línguas estrangeiras, na maioria
das vezes, tiveram um olhar secundário que, no mínimo, subestimava a função e papel social
delas no currículo pedagógico.
Com tamanhas falhas estruturais, não é surpresa que as aulas de LI tenham se tornado
mecanizadas, descontextualizadas e com atividades demasiada repetitivas. Sob essa ótica,
planejar uma aula de língua estrangeira não é tarefa fácil para os professores compromissados
com a sua prática pedagógica, na qual, o “fazer diferente”, muitas vezes, causa certo
desconforto tanto para alunos, que já estão acostumados a rotina mecanizada de exercícios,
como para os professores, que são cobrados por inovação metodológica.

Entre os diversos problemas relacionados à disciplina, um dos principais deles


encontra-se no fato de que seu ensino muitas vezes é feito de maneira
descontextualizada e mecânica, não sendo capaz de motivar os alunos e despertar seu
interesse. Uma das formas para amenizar o problema é pensar em métodos
alternativos de ensino, que fujam daquilo que se costuma observar na sala de aula:
atividades de memorização e repetição, voltadas para as estruturas gramaticais
(FRANCO, 2018, p. 02).

Diante de uma educação que pede a cada dia mais inovação e adequação às novas
mídias, cabe ao professor manter a sua formação continuada e analisar constantemente a sua
didática colocando-se como aprendiz da sua prática, portanto, destacamos que o fazer
pedagógico tem viés político, pois, envolve as crenças e experiências dos docentes.
Esse processo de aprendizado certamente envolve não só a conscientização da
influência dos contextos sociocultural e institucional sobre suas ações na sala de aula
(encorajando determinadas práticas pedagógicas e desestimulando e até silenciando
outras), mas também a conscientização do impacto de suas escolhas e ações para os
alunos, a escola e a comunidade (TAGATA, 2014, p. 326).
57

Alinhado com esse pensamento, Morais (2020) também advoga para que os
professores identifiquem em sua prática o que precisa ser modificado, de acordo com as
exigências da sociedade contemporânea e, é a mesma autora quem assinala para o fato de que,
os discentes convivem diariamente com os avanços tecnológicos e é preciso fazer uso destes
recursos de modo que, o cotidiano esteja presente na sala de aula.
O professor socialmente atento consegue identificar que vivenciamos uma revolução
tecnológica e essa concepção, por si só, merece uma reflexão de como os alunos estão
construindo sentidos a partir dos diferentes modos e recursos semióticos veiculados na
sociedade multimodal, não mais somente pela escrita, mas pelo visual, pelo gestual, pelo
espacial e etc.
Com a massificação da internet e dos smartphones, temos, literalmente na palma da
mão, acesso a um universo de informações e possibilidades que tem como principal
característica: a velocidade. De acordo com Ribeiro (2019), o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) divulgou os resultados de uma pesquisa, na qual, constatou-se que há mais
telefones celulares do que habitantes no Brasil.
Faz-se necessário destacar também que, o uso da internet se dá, em boa parte, pelo
aparelho. Os jovens estudantes trazem para a sala de aula essa inquietação e sede por
informações rápidas. O contato precoce com as mídias os faz acreditarem que já dominam tudo
relacionado ao assunto, contudo, muitas vezes, esse domínio se restringe às redes sociais e não
a algum letramento específico.

Uma das características da nova forma de aprender e ensinar, estimulada pela


globalização e pela tecnologia, é o foco na rapidez da troca de informações. É natural,
portanto, que o interesse estudantil esteja voltado para esta rapidez. É preciso que o
educador acompanhe a velocidade, já durante o planejamento das aulas (FRANCO,
2018, p. 05).

Essa exposição às mídias digitais gera no aluno o anseio de estar sempre conectado,
portanto, ao utilizar recursos visuais o professor mostra-se atento ao mundo digital, mas
também, disposto a inovar a sua prática pedagógica. Nossa pesquisa tem o intuito de estabelecer
uma discussão em torno das potencialidades das séries de tv como material didático a fim de
estimular o letramento multimodal crítico. Todavia, ressaltamos que o uso das séries de tv nas
aulas de LI não deve ser feito de maneira aleatória, sem planejamento ou objetivos definidos.
A metodologia deve ser baseada de acordo com a realidade e as necessidades da turma, a partir
58

disso, movimentos, cores, expressões faciais, vestimentas e tantos outros pontos podem ser
subsídios para enriquecer a formação do aluno e o seu repertório cultural.

O audiovisual é um dos recursos mais capazes de trazer uma contribuição


significativa para o ensino da língua inglesa. Sua utilização, quando aliada à proposta
adequada, pode auxiliar o desenvolvimento das quatro habilidades fundamentais da
língua: audição, fala, escrita e leitura. A escolha da proposta é determinante para que
este desenvolvimento ocorra, pois, a atividade não pode estar centrada apenas no
vídeo, mas a uma meta estabelecida previamente pelo docente, na qual ocorrem
situações de uso legítimo da língua (FRANCO, 2018, p. 08).

Outro fator de destaque que corrobora o uso das séries de tv na sala de aula é a
popularidade das plataformas de streaming, sendo a Netflix, a principal delas. A plataforma
oferece uma variedade de títulos como séries, filmes, documentários e reality shows e tem o
seu catálogo constantemente atualizado promovendo a rapidez e dinamicidade que atrai o
público adolescente.

Sendo assim, trabalhar os gêneros em sala de aula, visando à introdução das novas
tecnologias, além de garantir a função libertadora que a tecnologia promove, ainda inclui nos
currículos a grande variedade de culturas já presentes nas escolas, fazendo com que o aluno
se identifique e tenha sua diversidade contemplada. Hoje, os estudantes contam com novas
ferramentas de acesso à comunicação e informação, que acarretam novos letramentos de
caráter multimodal e hipermidiáticos, o que nos leva à ideia de “multiletramentos” (VANZ;
MELLO, 2019, p. 03).

Uma série de tv, por exemplo, é capaz de fomentar o letramento crítico através dos
aspectos sociais, políticos e ideológicos presentes na narrativa além de, ambientar o aluno
dentro de culturas diferentes trazendo-lhe novas perspectivas de mundo. Explorar cada uma
dessas nuances dentro da sala de aula, e mais especificamente, na aula de LI é possível sob a
ótica da multimodalidade e dos multiletramentos. Se atentarmos que a aula de LI é circunscrita
pela gramática, na qual, os alunos estudam regras e praticam com exercícios no livro didático,
veremos o quanto se perde no processo ensino-aprendizagem em termos culturais e de práticas
sociais.

O uso de séries televisivas pode, dessa forma, contribuir com o processo de ensino-
aprendizagem, pois desperta a curiosidade e o interesse dos alunos, colaborando para
com a sua aprendizagem e possibilitando uma nova forma de compreensão, visto que
serão capazes de assimilar que a língua aprendida está ligada a uma cultura, e que
ambas são diferentes da sua língua e cultura maternas. Fator secundário a esse, no
aspecto educacional, é contribuir para o findar do mito de que o uso de filmes e de
séries, recursos audiovisuais de modo geral é um mero tempo livre e/ou passar o
tempo (FERREIRA; MORAIS, 2019, p. 147).
59

A utilização deste recurso visual na sala de aula contribui para uma dinamicidade, tão
ausente nas aulas de LI e demonstra para os alunos e comunidade escolar em geral, que a
aprendizagem pode ocorrer com outras ferramentas, pois, os percursos metodológicos
engessados são justificados por uma resistência ao novo.
Deve-se observar que mudanças na prática pedagógica envolvem também o caráter
motivacional e flexível dos professores para que esses atentem que, o conhecimento adquirido
através da combinação de sentidos tem um maior potencial de aprendizagem, ou seja, os alunos
se engajam mais ao conteúdo quando as ideias são apresentadas por meio de outros recursos e
não só de palavras.
Diante da pandemia de COVID-19, a educação teve que lidar rapidamente com
metodologias ativas que dependem exclusivamente de recursos tecnológicos como o celular, o
computador e a internet. Os professores têm experimentado o ensino remoto, e em alguns casos,
o modelo híbrido, que acaba exigindo o uso das novas mídias como recursos pedagógicos.
Nossa proposta didática não antevê o futuro porque nós já estamos nele, no entanto,
ela se apresenta extremamente pertinente para o cenário educacional e para a implementação
do novo ensino médio. O que nos faz levantar a seguinte questão: que conhecimentos são
necessários para a formação do professor de LI do século XXI?
Apesar de serem um fenômeno na contemporaneidade, as séries de tv já existem há
bastante tempo. Pinwright’s Progress foi o primeiro seriado da história exibido em 1946, e
produzido na Inglaterra, no entanto, Lima (2013, p. 06) nos alerta que “os seriados, assim como
o cinema, são fortes produtos de exportação e de divulgação da cultura dos Estados Unidos para
o mundo”. De fato, nossos primeiros contatos com essas produções televisivas, todas de origem
americana, se davam pelos canais de tv aberta a despeito das constantes alterações de horário e
cronologia dos episódios. Diante desse contexto, a LI ganhou destaque por ser o idioma mais
utilizado nas produções audiovisuais, o que facilita a sua inclusão na prática pedagógica da sala
de aula de LI.

Na década de 1990, a chegada das emissoras a cabo no Brasil fez com que o hábito
de assistir às séries norte-americanas retornasse em pelo menos parte do público
brasileiro. A grande variedade de canais que dedicam quase toda sua grade de
programação aos seriados respeita a ordem sequencial de episódios e de temporadas
e transmite as séries em som original com legendas, contribuindo para a divulgação
desses conteúdos. A partir daí as séries conseguiram conquistar um público fiel, que
acompanhava as histórias do início ao fim (LIMA, 2013, p. 07).

Para entendermos a ascensão das séries de tv na contemporaneidade, nos basearemos


em três fatores elencados por Silva (2014) que são: o formato das séries, o contexto tecnológico
60

e o modo de consumo. Segundo o autor, “esses fatores se consubstanciaram, nas duas últimas
décadas, para promover esse panorama em que as séries ocupam lugar destacado dentro e fora
dos modelos tradicionais de televisão” (SILVA, 2014, p. 243).
No percurso traçado pelos seriados, nos chama a atenção as mudanças que as narrativas
sofreram ao longo dos anos. Nesse ínterim, novos modelos de enredos, roteiros e gêneros foram
surgindo e ganhado cada vez mais espaço, especialmente, entre os estudantes de EM. Na década
de 1990, o formato sitcom (situation comedy – situação cômica), ou seja, uma abordagem do
cotidiano de maneira cômica, teve como expoente mundial a série Friends exibida entre os anos
de 1994 e 2004 no canal NBC. A série conta com um total de 236 episódios divididos em dez
temporadas. O enredo da narrativa girava em torno de seis amigos que moravam juntos e
vivenciavam situações de fácil verossimilhança com o nosso cotidiano, com temáticas que
permeavam: amor, amizade, consumo e etc, porém, devemos destacar que essas situações foram
extraídas e espelhadas na cultura norte-americana.
O formato sitcom foi adaptado de acordo com os gostos dos novos telespectadores, por
exemplo, as famosas risadas de fundo, conhecidas como claques, têm sido cada vez menos
usadas nas produções. Os roteiros têm sido pouco convencionais e abordam temáticas que
provocam as nossas concepções estéticas, morais, políticas e ideológicas bem como,
estabelecem relações simbólicas com o telespectador proporcionando a criticidade nas suas
práticas sociais e culturais. A identificação que os episódios geram através dos personagens, a
linguagem ou os lugares é uma excelente estratégia para atrair o público do EM e uma forma
de instigá-los numa aprendizagem colaborativa e contextualizada socialmente promovendo o
letramento multimodal crítico.
No que diz respeito ao contexto tecnológico, certamente, ele possibilitou um alcance
maior desses novos formatos de produções audiovisuais e as plataformas de streaming
ampliaram, consideravelmente, as opções do público espectador tirando, de certo modo, a
hegemonia da televisão. Evidenciamos também, o fator de migração do público da tv aberta
para a rede mundial de computadores, popularmente internet, onde as pessoas têm acesso
facilitado para consumirem seus seriados favoritos com maior rapidez assim que são liberados.

Nos dias atuais, é comum que se fale em convergência midiática. O tema tem sido
objeto de estudo para vários pesquisadores ao redor do globo e observamos a
aplicação prática desse termo no convívio social. As pessoas estão mais ligadas a seus
aparelhos eletrônicos e cada vez mais dependentes deles para se comunicar, pesquisar,
se informar e, principalmente, se divertir. Podemos observar que esse comportamento
social é o indicativo que melhor representa a organização na qual nos encontramos
hoje. Vivemos em uma sociedade que se baseia na informação e se estrutura através
dela. A internet desempenha um dos papéis mais importantes nesse processo que foi
61

se desenvolvendo, em grande parte, à medida que os avanços tecnológicos


relacionados à rede também foram evoluindo. Hoje, parte do planeta se encontra
conectada e a rede mundial de computadores pode ser considerada um grande veículo
de comunicação que engloba outros meios e aumenta sua força através deles. Tudo
pode ser acessado em um clique (LIMA, 2013, p. 10).

Com tantos usuários e possibilidades de entretenimento a um clique, os nossos


estudantes têm o ecrã como objeto indispensável nas suas práticas cotidianas, e é dentro dessas
práticas que o professor, como um bom designer, pode atuar na sala de aula ao explorar com os
discentes através de recortes de cenas ou episódios completos de séries, o quanto a tecnologia,
incluindo os seus aparelhos celulares, e óbvio, a internet, podem contribuir para o ensino-
aprendizagem da LI e para a formação deles como indivíduos visualmente e criticamente
letrados.
O segundo fator, trata do consumo, esse pode ser observado sob o ponto de vista
socioeconômico quando os alunos interagem em sala de aula expondo suas coleções (repertório
de escolhas pessoais). Nessas situações, é possível relacionar cada preferência citada a dinâmica
social vivida pelo estudante e, observar como esta influência atua na construção de sentidos e
relações de poder que o aluno estabelece através dos símbolos e signos presentes nas produções
visuais. Aprender a ler essas construções visuais e compreender o que elas disseminam, negar
ou reafirmar as suas intenções é o que nos leva a propor um novo olhar para as séries de tv a
fim de que o letramento multimodal crítico empodere o nosso aluno para a leitura do mundo.

Quando falamos de cultura da mídia, duas concepções levam centralidade e uma


correlação conceitual. Identidade e consumo são temas que cercam os modos e
maneiras da relação do sujeito na sociedade contemporânea. É na cultura da mídia, e
em seus produtos midiáticos, como os seriados, que se aplica, de forma
eminentemente exemplar, a complexidade desses universos, que se integram e
explicam formas identitárias de uma cultura. Isso porque a mídia é a principal
auxiliadora na construção de identidades, um campo de busca extenso e demasiado,
que promove e reforça significados, ideologias, modelos de comportamento e papéis,
e por decorrência o consumo, como resultante de interpretação e ferramenta de
construção do eu (SANTOS, 2018, p. 05).

Contudo, todo esse acesso às novas mídias não significa, necessariamente, que os
estudantes estão desenvolvendo os multiletramentos. O envolvimento dos estudantes enquanto
telespectadores dos seriados televisivos se apresenta no que Lima (2013) chama de
convergência midiática. Para a autora, a convergência midiática modificou o comportamento
dos consumidores em relação à busca por informações e entretenimento assim como, alterou a
forma como esses conteúdos se apresentam e são assimilados. Para Jenkins (2009), esse
processo de convergência midiática define desde transformações tecnológicas até aquelas
62

culturais e sociais. De acordo com a autora, a grande mudança ocorre em relação à função do
consumidor que também participa dos fluxos de conteúdos de mídia e, por isso, também se
torna produtor desses conteúdos.

Para cada série de televisão bem-sucedida, há um sem número de comunidades


virtuais que agregam os fãs, de diferentes localidades e matrizes culturais, em torno
da troca de informações, experiências e outras práticas participativas, como a criação
de fan-art, fanfiction e fanfilm, obras pictóricas, literárias e audiovisuais feitas e
divulgadas pelos fãs. Com a facilidade de acesso propiciado pelo digital, que, além
disso, permite assistir aos episódios para além do fluxo televisivo, os fãs passam a
demonstrar um conhecimento amplo sobre os modos de encenação, os diálogos, a
caracterização dos personagens, o desenvolvimento das tramas e a montagem das
cenas (SILVA, 2014, p. 248).

Essas interações e produções que acontecem nas comunidades virtuais e que são
facilmente encontradas em fóruns online, sites sobre assuntos específicos, blogs, ambientes de
compartilhamento de fotos, vídeos e redes sociais, exemplificam como as séries de tv engajam
os telespectadores instigando-os a serem produtores de conhecimento através de suas
afinidades.
Nessas comunidades virtuais, popularmente chamadas de fandom, o público
consumidor se reúne em torno de seus gostos em comum, discutem os episódios e possíveis
soluções para os roteiros, criam histórias com os seus personagens favoritos (o que denominam
hoje de fanfic) e produzem, através de um letramento digital e metamidiático, vídeos de
divulgação das séries, ou seja, é inegável o papel das séries de tv na formação e construção de
sentidos na contemporaneidade. Sobre essas novas construções textuais, Lemke (2010, p. 461),
nos diz:
Habilidades de autoria multimidiática e análise crítica multimidiática correspondem
de forma aproximada a habilidades tradicionais de produção textual e de leitura
crítica, mas precisamos compreender o quão estreita e restritiva foi, no passado, nossa
tradição de educação letrada para que possamos ver o quanto a mais do que estamos
dando hoje os estudantes precisarão no futuro. Nós não ensinamos os alunos a integrar
nem mesmo desenhos e diagramas à sua escrita, quanto menos imagens fotográficas
de arquivos, vídeo clips, efeitos sonoros, voz em áudio, música, animação, ou
representações mais especializadas (fórmulas matemáticas, gráficos e tabelas etc.).

Baseado em Silva (2014), apresentamos os três pilares do processo que envolve as


séries de TV e que demonstram as condições que sustentam o cenário de investimento em novas
formas narrativas, de complexificação do contexto tecnológico e de modos de consumo cada
vez mais multifacetados. Na figura abaixo, temos o diagrama de vetores dos elementos
constituintes de uma cultura das séries criado pela autora Silva (2014).
63

Figura 01 – Elementos constituintes da cultura de séries

Criado por Silva (2014)


As reverberações socioculturais promovidas pelas séries de tv podem ser sentidas no
comportamento dos indivíduos e nos seus hábitos de consumo. Um exemplo disso, foi a grande
repercussão da série O gambito da Rainha, que estreou no dia 23 de outubro pela plataforma
Netflix. A produção mostra a trajetória de um enxadrista prodígio e adentra ao mundo do xadrez
citando as estratégias, os nomes das jogadas e regras do jogo.
O que se sucedeu na vida real foi uma alteração comportamental que será descrita
posteriormente, assinalando o impacto e a influência que essas produções audiovisuais podem
ter sobre os assinantes da plataforma. Vejamos a seguir, como a série O gambito da Rainha
afetou os seus telespectadores com informações adaptadas dos perfis da rede social Instagram
@agenciadebolso__ e @carvalhando.
Desde o lançamento da série, as pesquisas por “como jogar xadrez” aumentaram
em todos os idiomas com uma média de 170% de crescimento.
O app “Chess – Play; Learn” teve mais de 400 mil downloads em menos de 30
dias.
Também aumentou o número de pesquisas sobre o melhor jogador de xadrez,
campeonato de xadrez e jogar xadrez online.
64

No Brasil, os principais canais do YouTube sobre a temática apresentaram


crescimento além do convencional, ganhando uma média de 400 inscritos por
dia.
Esses dados instigam e corroboram a nossa pesquisa a fim de demonstrar todo o
potencial dos recursos audiovisuais no contexto do ensino. Com tamanha popularidade e
engajamento, as séries de tv, se utilizadas como material didático, podem contribuir bastante
para um ensino contextualizado e que aborde temáticas necessárias às práticas sociais dos
educandos. De acordo com Kensky (apud OLIVEIRA, 2020, p. 47):

[...] a relação entre educação e tecnologia pode ser considerada a partir de duas
perspectivas: a socialização da inovação e a mediação no processo educativo. Por um
lado, para que novas tecnologias sejam utilizadas, é preciso que os usuários aprendam
as formas de apropriação dos recursos oferecidos para atender as necessidades das
pessoas. Assimilar a inovação resulta não só na familiarização do usuário com a
máquina, aparelho ou dispositivo, mas também na reorientação de relacionamentos,
valores e comportamentos; são aprendizagens que mudam nossa forma de pensar,
sentir e agir. Por outro lado, essas tecnologias podem ser utilizadas como ferramentas
mediadoras para auxiliar no processo educativo. Elas podem produzir mudanças na
forma de organizar o ensino; podem alterar a natureza do processo educacional e a
comunicação entre os participantes; podem provocar mudanças no comportamento de
professores e alunos; podem levar a um melhor conhecimento e um maior
aprofundamento dos conteúdos estudados; estes são alguns exemplos de mudanças
positivas para a educação.

Dessa maneira, advogamos para que os professores entrem em contato com esses
recursos digitais e midiáticos e os transforme em ferramenta pedagógica. Segundo Oliveira
(2020), essas mudanças representam grandes desafios para a educação no século XXI e, ao
mesmo tempo, significam um convite ao questionamento, a reflexão e a discussão acerca da
maneira como estamos ensinando e aprendendo.
Os recursos já existem, o desafio se concentra agora em o professor transformá-los em
metodologias ativas, ou seja, centrar na participação efetiva dos estudantes combinando os
recursos semióticos e explorando os multiletramentos.
Na próxima seção, abordaremos o modelo Show me criado pelo educador australiano
Jon Callow (2008) e suas contribuições ao unir teoria e prática para o desenvolvimento do
letramento multimodal/visual crítico nas aulas de LI.

2.7 O MODELO SHOW ME DE JON CALLOW

Nesta seção, apresentaremos o modelo Show Me (Mostre-me) do australiano Jon


Callow (1999) que sugere uma proposta didático-pedagógica para o ensino de línguas com foco
65

no letramento multimodal crítico. Vale ressaltar, que esse modelo tem como base a Gramática
do Design Visual, doravante GDV, de Kress e van Leeuween (1996). Conforme Silva (2016, p.
82), “o modelo de Jon Callow não somente engloba a GDV, mas a amplia numa extensão que
contempla outras dimensões, no caso dimensões afetivas e críticas, tornando-a, a meu ver, mais
aplicável à sala de aula de línguas. ”
A GDV é uma grande referência para os estudos de multimodalidade na atualidade,
especificamente, no que tange ao letramento visual. No entanto, ela não foi pensada para ser
uma gramática pedagógica, tampouco normativa com direcionamentos para a sala de aula
(SOUZA, 2020). Em vista disso, trazemos a proposta didático-pedagógica de Callow, Show Me
Framework, para pautar a nossa pesquisa-ação e as nossas investigações. Nele, o autor
apresenta um modelo de exploração das imagens na sala de aula e propõe referências, exemplos
e tarefas para desenvolver o modelo no contexto escolar. Vale ressaltar que, o presente trabalho
se baseará, essencialmente, no modelo de Jon Callow, que já engloba a GDV, entretanto, em
alguns momentos, iremos retomar algumas classificações específicas da GDV.
Consoante com outros estudiosos como Kress (1996), Van Leeuwen (1996), e Jewitt
(2008), Callow (2008) nos mostra com o seu trabalho Show Me: Principles for Assessing
Students’ Visual Literacy (Mostre-me: Princípios para Avaliar o Letramento Visual de
Estudantes) a importância e a necessidade de promover o letramento visual nas escolas como
parte de um currículo que se adequa às novas práticas sociais contemporâneas. Dessa maneira,
Callow (2008) defende o ensino de LI sob uma abordagem multimodal que explore imagens,
ângulos, cores, tamanhos, tipografias, ou seja, o modelo é um guia para educadores
desenvolverem suas próprias práticas baseados em contextos, aulas e fontes de aprendizagem
disponíveis (SILVA, 2016).
Sob a ótica de Callow (2008), faz-se necessário ter uma linguagem para falar sobre a
linguagem (metalinguagem) e também para dar o devido espaço que as imagens devem ocupar
na construção de sentidos na aula de LI. A partir dessa premissa, poderemos, enquanto
educadores, desenvolver uma estrutura de avaliação voltada para o letramento visual sem cair
no monopólio verbal, que não deixa de ser uma zona confortável. Vejamos três pontos
considerados fundamentais por Callow (2008) para a compreensão do letramento visual:
Todos os textos são partes de mudanças locais e globais e contextos sociais;
As visões dos estudantes devem estar incluídas na criação e discussão de textos,
considerando os aspectos afetivos, composicionais e críticos;
Inclusão de aprendizagem sobre a construção de textos, usando o conhecimento dos
multiletramentos para redesenhar novos textos a partir da prática aplicada.
66

Tomando por base os postulados de Kress e van Leeuwen na GDV, o educador


australiano desenvolveu uma proposta com três dimensões para orientar a exploração das
imagens e o letramento visual crítico, essas dimensões se configuram em: afetiva,
composicional e crítica. Segundo o autor, ao ler ou produzir uma imagem, o aluno ou produtor
aciona sua carga afetiva, como também sua visão de mundo, e é importante uma metalinguagem
que o ajude a compreender criticamente essas estruturas.
Nas subseções a seguir, detalharemos cada dimensão proposta pelo modelo Show me
de Callow (2008) e apresentaremos os quadros de orientação e sugestões para o professor
trabalhar na sala de aula.

2.7.1. Dimensão Afetiva


Na dimensão afetiva, somos levados a refletir sobre o potencial sinestésico das
imagens através de “expressões de prazer ao examinar imagens” (CALLOW, 2008). Para Souza
(2020, p. 51), “o visual tem impactos emocionais e afetivos e um efeito imediato” enquanto
para Silva (2016, p. 84), “ninguém passa por uma imagem livre de qualquer que seja a sensação:
compaixão, tristeza, recordações boas ou ruins, paixão, encantamento, cidadania, revolta,
curiosidade, conhecimento cultural [...].
A dimensão afetiva envolve a relação que estabelecemos com as imagens através dos
nossos gestos, das nossas expressões faciais e da nossa interação ao examiná-las. De acordo
com Barnard (2001, apud CALLOW 2008, p. 618), “o afetivo também envolve interpretação
pessoal, onde os observadores trazem suas próprias experiências e preferências estéticas a uma
imagem. ”
Apresentamos a seguir, um quadro contendo sugestões e questões de como explorar a
linguagem visual com vistas ao letramento visual crítico baseado no currículo de escolas
australianas. O quadro foi traduzido e adaptado por Silva (2016):
67

Quadro 2 – Modelo Show Me: Dimensão Afetiva

Callow (2008), traduzido e adaptado por Silva (2016)

2.7.2. Dimensão Composicional

Na dimensão composicional, os elementos que constituem a imagem são


considerados e analisados conforme aspectos culturais, estruturais e semióticos através “do uso
de uma metalinguagem específica” (CALLOW, 2008). De acordo com Callow (2008),
conceitos como ações, símbolos, comprimento da foto, ângulos, olhar, cor, layout, saliência,
linhas e vetores refletem um conhecimento metalinguístico sobre textos visuais. Para Silva
(2016, p. 85), essa dimensão “reconhece o papel crucial de entender como os elementos e signos
trabalham para criar sentido na estrutura de uma imagem, bem como o impacto de situações
sociais específicas e o contexto cultural mais amplo”.
Percebe-se assim, que a dimensão composicional nos ensina a observar como as
imagens são construídas e apresentadas. De acordo com Silva (2016, p. 85), “essa é a dimensão
em que as metafunções da GDV se apresentam dentro do modelo de Callow, pois contempla
elementos estruturais e a forma como estão compostos, seguindo padrões de design e de
estrutura”. Vejamos agora, os dois quadros propostos por Callow (2008) para trabalhar a
dimensão composicional que tem a tradução e adaptação de Silva (2016).
68

Quadro 03 - Modelo Show Me: Dimensão Composicional

Callow (2008), traduzido e adaptado por Silva (2016)


69

Quadro 04 – Modelo Show Me: Dimensão Composicional

Callow (2008), traduzido e adaptado por Silva (2016)

2.7.3. Dimensão Crítica

Na dimensão crítica, reconhece-se a importância de trazer à tona a crítica social de


imagens (SILVA, 2016). Para Callow (2008) “a avaliação de entendimentos sóciocríticos
variará dependendo do texto e da situação de aprendizagem”. As imagens são construtos
simbólicos que podem transmitir mensagens dos mais variados níveis. Aprender a lê-las e
interpretá-las como parte do processo de aprendizagem é o fio condutor desta pesquisa. De
acordo com Silva (2016, p. 88):
É nessa dimensão, principalmente, que reside o letramento crítico. A capacidade de
ler, de interpretar, de reconhecer esses discursos marginalizados ou privilegiados, de
70

concordar e de discordar do que vê, de endossar ou de refutar, de poder reconhecer


dominação, manipulação ou tendenciosidades nos textos compostos visualmente.

A compreensão da visualidade envolve também o processo de recepção do texto bem


como, as experiências do leitor e sua visão de mundo que, inextricavelmente, irão moldar os
sentidos criados através da visualidade. Nessa dimensão, reside o olhar atento que reconhece
ou tenta reconhecer o que está tanto explícito quanto implícito.

Para estudantes mais jovens, comentários sobre como o ilustrador não desenhou uma
cena claramente ou efetivamente pode ser precursor de críticas mais complexas de
escolhas feitas na ilustração. Estudantes mais velhos podem usar comentários mais
específicos, tais como falar sobre como as posições de uma imagem faz o observador
pensar ou sentir de forma particular (SOUZA, 2020, p. 55).

Veremos a seguir, o quadro produzido por Callow (2008) e adaptado por Silva (2016)
com as sugestões para o professor desenvolver o letramento com foco na dimensão crítica.

Quadro 05 – Modelo Show Me: Dimensão Crítica

Callow (2008), traduzido e adaptado por Silva (2016)


71

Quadro 06 – Modelo Show Me: Sugestões de Atividades

Callow (2008), traduzido e adaptado por Silva (2016)

Observadas as particularidades de cada dimensão do modelo proposto por Callow


(2008), “o escritor ainda propõe atividades para desenvolver em cada dimensão do modelo
Show Me, demonstrando a sua preocupação em contribuir com a realização de um ensino mais
eficaz no que diz respeito a práticas de letramentos multimodais” (SOUZA, 2020, p. 56). No
quadro abaixo, o educador australiano sugere atividades para cada uma das dimensões descritas
anteriormente, que incluem tanto a leitura como a produção de imagens através de
retextualizações (redesenhos) feitas pelos alunos (SILVA, 2016).
Tomando por base as ideias e atividades sugeridas por Callow (2008), é possível que
professores trabalhem em sala de aula sob a perspectiva do letramento visual e, por conseguinte,
72

o multimodal. O modelo Show Me oferece ao docente o aporte teórico para a sua prática, de
modo a orientá-lo nesse percurso que será novo também para o professor.
Para esse autor, após diagnosticar que conceitos e metalinguagens os alunos já trazem
para as imagens, o professor pode planejar experiências de aprendizagem para auxiliar
no desenvolvimento destes como observadores, produtores e críticos de textos
multimodais e visuais (SILVA, 2016, p. 90).

Dessa maneira, o professor cumpre o papel de observador e evidencia o repertório dos


alunos para que estes sintam-se contemplados na sala de aula e não excluídos. Na prática
pedagógica, o discurso pode incluir ou excluir grupos bem como, valorizar determinadas
experiências em detrimento de outras. Consideramos que o princípio da isonomia deve moldar
as atividades do docente e sob essa perspectiva, a valorização de todas as produções de sentidos
fora do espaço escolar deve ser considerada.
No próximo capítulo, apresentamos os percursos traçados por nossa pesquisa,
detalhando os procedimentos metodológicos e quais critérios foram utilizados para cada escolha
feita durante o processo de investigação com a finalidade de atingir os objetivos definidos
anteriormente.
73

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

“Não é o que o mundo reserva para você,


mas o que você traz para o mundo. ”
Anne with an “e”

Neste capítulo, apresentamos os aspectos metodológicos da pesquisa. De início,


abordamos a natureza do estudo e descrevemos os elementos teórico-metodológicos da nossa
investigação. Em seguida, apresentamos o contexto da pesquisa que se constitui na descrição
do corpus, do locus, dos participantes envolvidos e, por fim, dos instrumentos e procedimentos
para a coleta e análise dos dados.
3.1 A NATUREZA DA PESQUISA
Esta pesquisa se insere no campo da Linguística Aplicada, mais especificamente, na
área do ensino de línguas. Nossa investigação se dá pelo método fenomenológico e tem
abordagem qualitativa. Com base nos nossos objetivos, classificamos essa pesquisa como
descritiva e interpretativista. Quanto aos procedimentos adotados, trata-se de uma pesquisa-
ação, em que “planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora
de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da
própria investigação” (TRIPP, 2005, p. 446).
A escolha da abordagem qualitativa se deu pelo fato de investigarmos a construção de
sentidos e significados através de recursos audiovisuais buscando interpretar, criticamente, cada
resposta recebida nos materiais coletados como: questionário de sondagem semiestruturado e
roteiro de análise semiestruturado, além das análises das aulas gravadas. Portanto, de acordo
com Chizzotti, (2003, p. 221), “O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas,
fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados
visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível [...]”.
Para a nossa pesquisa, a abordagem qualitativa se adequa aos objetivos propostos, pois,
trabalhamos com a subjetividade e as experiências dos sujeitos participantes, de acordo com
suas realidades. Com base nisso, nosso olhar se volta para o processo de ensino-aprendizagem
com vista às práticas sociais dos alunos de modo que, possamos analisar se a série de tv
escolhida como ferramenta pedagógica é capaz de desenvolver o letramento multimodal crítico
dos discentes.
A pesquisa qualitativa parte de um pressuposto básico: o de investigação dos
fenômenos humanos (CHIZZOTTI, 2003). O mesmo autor também elenca algumas
características desse tipo de pesquisa ao afirmar que elas “criam e atribuem significados às
74

coisas e às pessoas nas interações sociais e estas podem ser descritas e analisadas, prescindindo
de quantificações estatísticas” (CHIZZOTTI, 2003, p. 222).
Esse estudo foca na descrição detalhada das interações dos alunos com algumas cenas
pré-selecionadas da série escolhida de maneira que, a interpretação dos dados coletados nos
forneça subsídios para entender o processo de significação da realidade a partir das cenas
veiculadas bem como, o diálogo que o estudante faz com a sua prática social. Considerando
que a análise proposta para os discentes se restringe às representações sociais da mulher,
buscaremos descrever o que é reforçado, reivindicado ou criticado nas cenas trabalhadas
durante a aula de LI.
Expandiremos assim, a noção de affordances ao averiguarmos o potencial didático do
recurso semiótico: séries de tv. O desenrolar do trabalho se dá pelo caráter interpretativista ao
focarmos no “significado construído, não o significado esperado” (KRESS, 2010, p. 128).
Analisaremos como os alunos constroem sentidos a partir das cenas exibidas baseadas no
Modelo Show Me e em como eles configuram o papel social da mulher ante as suas vivências,
identificando pontos de aproximação, identificação ou outras ideias e experiências que surjam
a partir das cenas construindo assim o letramento visual crítico.
Outro aspecto importante para a feitura deste trabalho, é o pressuposto metodológico
pautado na pesquisa-ação. Temos o intuito de intervir na aula de LI ministrada pela
pesquisadora que atua na instituição, e suscitar reflexões e possíveis mudanças sob a perspectiva
de que, a nossa pesquisa venha a responder as questões baseadas na problemática encontrada
no ensino de LI. “A pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégia para o
desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas
pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos” (TRIPP,
2005, 445).
Nosso trabalho, objetiva desenvolver o letramento multimodal crítico através das
representações sociais da mulher no seriado Anne with an “e”, tendo como aporte teórico os
conceitos sobre SS, multimodalidade e multiletramentos e tomando como principal referência
para a efetiva metodologia as dimensões afetiva, composicional e crítica do modelo Show Me,
de Jon Callow (2008, 2013).

3.2 O CONTEXTO DA PESQUISA


Nesta seção, apresentaremos os elementos que constituem o corpus da nossa pesquisa
de modo que, fique devidamente descrito o contexto no qual ocorreu a nossa investigação bem
como, os recursos metodológicos que escolhemos para atingir os objetivos definidos
75

previamente. Em seguida, trazemos o locus da pesquisa, o perfil dos sujeitos participantes, e


por fim, as categorias criadas para a análise dos dados.
3.2.1 O corpus da pesquisa
O corpus da nossa pesquisa se constitui das informações retiradas das gravações das
aulas, em especial, a transcrição das falas mais relevantes para as nossas análises e das respostas
contidas no roteiro de análise semiestruturado perfazendo um total de 03 (três) aulas para o
escopo da pesquisa. A princípio, nossa intervenção seria composta por cinco aulas, mas, devido
um atraso no início das aulas do ano letivo de 2022, tivemos que readaptar o nosso plano de
ação, reduzindo-o às três aulas ministradas.
As gravações foram executadas por dois telefones celulares. Um posicionado no birô
da professora, de onde se tinha uma visão frontal da sala enquanto o outro aparelho celular, foi
manipulado por um professor que ficou sentado no fundo da sala. As aulas aconteceram no
formato presencial nos dias 10, 17 e 24 de fevereiro de 2022 sempre às quintas-feiras, dia da
aula de LI da turma 2ªB no turno da manhã, seguindo os protocolos sanitários vigentes devido
a pandemia de COVID-19. As intervenções ocorreram na própria sala da turma e tiveram
duração de 50 (cinquenta) minutos cada.
A partir dos elementos constitutivos do nosso corpus, fizemos as observações das aulas
gravadas, que totalizavam 150 minutos de gravação, tomando nota dos recortes que mais
explicitavam o engajamento estudantil e as interações dos alunos para em seguida, analisarmos,
sob as dimensões do modelo Show Me, as informações coletadas.
Quanto aos roteiros de análise semiestruturado, eles continham 07 (sete) perguntas
subjetivas baseadas nas sugestões de atividades do modelo Show Me. Imprimimos 37 (trinta e
sete) roteiros de análise, número de alunos que constava na chamada da turma, mas nos dias da
nossa intervenção, entregamos e recolhemos 29 (vinte e nove) roteiros. Analisamos todos os
roteiros de análise recolhidos, totalizando 203 respostas analisadas. Da identificação dos alunos
no roteiro de análise quanto ao sexo, tivemos 14 participantes do sexo feminino e 15
participantes do sexo masculino.
O contato com a escola ocorreu de modo facilitado, pois, a pesquisadora é professora
de LI na instituição e, portanto, leciona a disciplina na turma escolhida para participar da
pesquisa. Detalharemos o perfil dos sujeitos participantes bem como, a composição de cada
aula do nosso plano de ação nas subseções posteriores.
3.2.2 O locus da pesquisa
As aulas de intervenção aconteceram numa Escola Estadual de Ensino Médio que
oferta anualmente vagas para 1ª, 2ª e 3ª séries no formato regular. A instituição, que se localiza
76

no interior do estado do Ceará, mais especificamente, no município de Russas, recebe em média


900 alunos anualmente. A escolha do espaço em questão se deu tanto pelo vínculo estudantil
como pelo vínculo profissional da pesquisadora com a instituição de ensino. Selecionamos uma
turma de 2ª série do turno manhã para aplicar a nossa intervenção por se tratar da turma que a
professora é responsável de acordo com a distribuição feita pela escola para acompanhamento
durante o ano letivo, o que torna o acesso a turma mais rápido através do grupo de WhatsApp.
A escola, pertencente a jurisdição da CREDE 10, vem passando por algumas reformas
durante o período de pandemia da COVID-19 com vistas a melhoria da infraestrutura das salas
de aula, como a climatização de algumas delas. O espaço da instituição é amplo, possui quadra
de esportes e laboratórios de informática e de ciências, porém, esses espaços carecem de
equipamentos mais adequados para o desenvolvimento das atividades. O quadro de professores
da escola é formado, em sua maioria, por professores efetivos, concursados e com formação em
licenciatura específica na sua área de atuação. Em alguns casos, os docentes ministram outras
disciplinas da área de conhecimento para fechamento da carga horária exigida.

3.2.3 O perfil dos participantes da pesquisa

Os sujeitos participantes da nossa pesquisa são adolescentes devidamente matriculados


na instituição em questão. A faixa etária da turma varia entre 15 (quinze), 16 (dezesseis) e 17
(dezessete) anos de idade, portanto, por se tratar de uma pesquisa-ação com menores de idade,
foi solicitado junto aos pais dos estudantes a assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) – APÊNDICE A, de modo a cumprir os procedimentos éticos para a
pesquisa assim como, foi enviada para a escola a Carta de Anuência e uma apresentação
simplificada do nosso projeto de pesquisa para o conhecimento das nossas ações em sala de
aula. Esses documentos podem ser vistos nos nossos anexos.
A maioria dos estudantes da turma selecionada é da zona rural, o que se configura
numa característica do público da escola. O turno da manhã é priorizado por estudantes da zona
rural devido ao uso do transporte escolar. A turma conta com 38 (trinta e oito) alunos no total,
mas houveram algumas ausências durante as três aulas ministradas. No dia da aplicação do
roteiro de análise, por exemplo, tivemos um público de 29 (vinte e nove) alunos presentes.

3.3. OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


O nosso procedimento metodológico dividiu-se em duas etapas: a primeira, consistiu
na avaliação da série e das suas potencialidades para tornar-se objeto da nossa pesquisa e a
77

segunda, a nossa intervenção em si. Por já ser uma produção consumida pela pesquisadora,
rever as três temporadas da série Anne with an “e” foi o primeiro passo. Ao revê-la, fomos
observando que a série apresentava em todos os seus episódios situações que poderiam ser
exploradas na sala de aula e suscitar algumas discussões com os alunos acerca das opiniões
emitidas pelas personagens e dos comportamentos evidenciados nas cenas.
Numa primeira seleção, tomamos nota de seis cenas para serem revisadas
posteriormente. Revendo as cenas escolhidas foi preciso restringir esse número de acordo com
o calendário escolar vigente, desse modo, selecionamos três que serão descritas mais à frente.
Nas três cenas escolhidas, a principal motivação para a nossa escolha foi trazer a questão de
gênero para o centro do debate na sala de aula a partir dos nossos estímulos com a finalidade
de construirmos, coletivamente, um novo olhar para os papéis sociais existentes.
A partir dessa premissa, selecionamos as três cenas que usamos na intervenção de
modo que elas contemplassem pontos que gerassem discussões e reflexões sob o olhar discente.
Segue uma ilustração que exemplifica o nosso percurso metodológico:

Figura 02 – Percurso metodológico

Produzido pela pesquisadora

Como demonstrado na ilustração acima, o primeiro passo foi a seleção das cenas que
comporiam a nossa intervenção. A seguir, estão as três cenas escolhidas com a minutagem
78

descrita para o seu acesso e uma melhor leitura do trabalho assim como, a compreensão dos
nossos resultados.

Figura 03 – Anne tentando convencer Marila a adotarem

Fonte: 01ª temporada, 01º episódio, 24min e 43s


Figura 04 – Anne se recusa a sair de casa devido ao seu cabelo curto

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 13min e 40s


79

Figura 05 – A professora Stacey chega à comunidade de Avonlea

Fonte: 02ª temporada, 09º episódio, 01min e 03s

Com as cenas selecionadas, partimos para a elaboração do nosso plano de ação conciliando-o
com o calendário escolar para que fosse possível a realização da pesquisa em tempo hábil.
Detalhamos o plano de ação a seguir, de acordo com a composição de cada aula:
1ª aula: exibição da primeira cena (01º episódio da 1ª temporada), discussão direcionada
e em seguida, a aplicação do roteiro de análise semiestruturado.
2ª aula: exibição da segunda cena (06º episódio da 2ª temporada), discussão direcionada
e em seguida, a aplicação do roteiro de análise semiestruturado.
3ª aula: exibição da terceira cena (09º episódio da 2ª temporada) e discussão
direcionada.
Para a exibição das cenas utilizamos notebook, caixa de som e datashow. Na primeira
aula, apresentamos a série de tv escolhida para a intervenção: Anne with an “e”. A série de tv
é uma produção canadense, exibida originalmente pelo canal CBC Television e pela plataforma
de streming Netflix, entrando no seu catálogo em 2017. A história é baseada nas obras de
literatura infantojuvenil Anne de Green Gables, cuja publicação original data de 1908 e foram
escritas pela autora canadense Lucy Maud Montgomery.
Portanto, trata-se de um roteiro adaptado constituído de três temporadas e vinte e sete
episódios no total. Na produção audiovisual, a protagonista que dá nome a série é uma garota
de doze anos que chegará na terceira temporada com dezessete anos, ou seja, no decorrer das
80

três temporadas o telespectador acompanha as descobertas e experiências da jovem bem como,


as suas percepções sobre o feminino através das relações que ela estabelece na comunidade de
Avonlea.
Anne chega na fazenda Green Gables por uma falha de comunicação visto que, o casal
de irmãos Marila e Matthew Cuthbert queriam adotar um menino para ajudar nos serviços da
fazenda. O primeiro episódio gira em torno desse desencontro e de como a protagonista Anne
confronta os papeis sociais, apesar da pouca idade. Depois do conflito instaurado, o casal de
irmãos decide, com receio, adotar a garota e, a partir de então, vemos uma família não
convencional criar laços e promover reflexões sensíveis sobre diversos temas.
Um deles, as representações sociais da mulher, será posto em cena algumas vezes por
Anne e Marila e também, pela professora Stacey que aparece na segunda temporada causando
um alvoroço na comunidade de Avonlea. A protagonista causará desconforto com o seu
comportamento feminista para a época em esferas sociais diversas no contexto da série como
na escola, nas casas dos vizinhos ou no vilarejo de Carmody.
Por ter uma aparência e personalidade diferente, Anne sofrerá algumas discriminações
até se fixar na comunidade. Suas sardas, seu cabelo ruivo, seu jeito falante e eloquente chamam
a atenção dos moradores, além do fato de ela ser uma menina e, portanto, não “servir” para o
casal de irmãos. Na escola, a menina criará um vínculo com algumas garotas, mas sempre
contestando o pensamento do grupo e trazendo um novo olhar para as vivências femininas.
Na primeira aula, a professora/pesquisadora fez uma sucinta apresentação da série
oralmente. Nessa introdução, contextualizamos a série como descrito nos parágrafos acima,
durante esse momento, dois alunos afirmaram terem assistido a série e demonstraram um
engajamento afetivo com a produção, afirmando terem gostado, já os demais, não conheciam a
série.
Figura 06 – Pôster de divulgaão da série Anne with an “e”

Fonte:https://br.pinterest.com
81

Figura 07 – Capa de uma edição brasileira de Anne de Green de Gables

Fonte: https://br.pinterest.com

Dando sequência, a pesquisadora entregou o roteiro de análise semiestruturado que


continha 07 perguntas subjetivas baseadas no Modelo Show Me de Callow e contemplavam as
três dimensões: afetiva, composicional e crítica. Em seguida, exibimos a primeira cena e
observamos as primeiras reações no que tange a dimensão afetiva e fomos fazendo as nossas
anotações. Exploramos o potencial educativo e formativo da cena que representava socialmente
a mulher no contexto da época e que já fornecia parâmetros para a discussão da desigualdade
de gênero após a exibição. Silva e Guimarães (2019), que também desenvolveram um trabalho
sobre a série Anne with an “e”, dialogam com o nosso critério de escolha da série:

[...] a série é permeada de debates e temáticas que podem ser considerados pertinentes
para uso em sala de aula, ao mesmo tempo em que consideramos ser educativa, nesse
aspecto, por desencadear reflexões a partir de uma estratégia cognitiva muito peculiar
em narrativas cinematográfico-televisivas, ou seja, a capacidade de emocionar o
público (SILVA; GUIMARÃES, 2019, p. 114).

Na segunda aula, seguimos o mesmo roteiro da aula anterior e entregamos o roteiro de


análise semiestruturado para as anotações dos estudantes enquanto a segunda cena da série era
exibida. Vale ressaltar que a obra literária e, consequentemente, a série abordam a questão
feminista antes mesmo do termo existir e são muitas as cenas, nas quais, vemos a personagem
principal, Anne Shirley Cuthbert, confrontar pessoas em situações de desigualdade de gênero,
o que justifica a seleção prévia das cenas analisadas. Após a exibição da cena, os alunos tiveram
um tempo de 10 minutos até o recolhimento dos roteiros de análise.
82

Na terceira aula, exibimos a terceira e última cena e, em seguida, direcionamos a


discussão a partir de perguntas norteadoras feitas pela professora de LI. Essas perguntas,
seguem os moldes das atividades sugeridas por Callow (2008, 2013) no modelo Show Me
contemplando as três dimensões: afetiva, composicional e crítica.
a) Descreva a cena que você acabou de ver.
b) Como a professora Stacy é tratada na cena?
c) Quais as roupas da professora Stacy?
d) O que mais chamou a sua atenção na cena?
e) Você se identificou com a cena? De que forma?
Nossa intervenção se baseou nos diálogos desenvolvidos oralmente com os alunos, nos
quais, a professora lançava as perguntas e ouvia as respostas dos alunos deixando-os livres para
expressarem as suas opiniões. Observamos que houve mais interações e engajamento na
discussão da cena por parte das participantes mulheres.
Com base nas respostas avaliamos as perspectivas dos alunos, se houve ou não, uma
criticidade acerca das ideias apresentadas e se os alunos contextualizaram as cenas com as suas
práticas sociais após concluído o processo de exibição das três cenas e estímulo do letramento
multimodal crítico.

3.3.1 Instrumentos para a coleta dos dados

Os instrumentos se constituem em: roteiro de análise semiestruturado e gravações das


aulas ministradas. O primeiro instrumento de coleta é o roteiro de análise semiestruturado. Esse
instrumento já tem um ponto de partida definido através das questões que elaboramos baseadas
no modelo Show Me de Callow (2008). Ele foi aplicado na primeira e segunda aula, de acordo
com o nosso plano de ação e objetivamos com ele, investigar como os alunos compreenderam
e realizaram a leitura visual das cenas seguindo como parâmetro as dimensões afetiva,
composicional e crítica.
O segundo instrumento para a coleta dos dados da nossa investigação foi a gravação
das aulas que nos forneceu material visual para uma análise mais completa das dimensões de
Callow (2008) e das expressões e posturas dos estudantes bem como, de suas respectivas falas.
Logo, a análise desses dados será classificada de acordo com as categorias que serão
informadas a seguir determinando qualitativamente se o letramento multimodal crítico foi
desenvolvido ou não, de acordo com os objetivos definidos.
83

3.4 CATEGORIAS PARA A ANÁLISE DOS DADOS

Para a análise e interpretação dos dados coletados, utilizamos a abordagem qualitativa


como forma de averiguar as nossas questões de pesquisa assim como, as teorias que embasam
esse trabalho. O processo de análise dos dados se configura da seguinte maneira: a) observação
das aulas gravadas e leitura das anotações feitas durante as aulas; b) interpretação dos dados
coletados no roteiro de análise semiestruturado e c) organização das seções em categorias
elaboradas de acordo com cada questão levantada na pesquisa. Cada seção, visa analisar e
discutir, de acordo com os resultados obtidos, se atingimos ou não os objetivos propostos. Para
tanto, criamos as seguintes categorias:
Concepções discentes sobre representações sociais da mulher
Nessa categoria, objetivamos desenvolver o olhar crítico acerca das concepções
estruturais dos estudantes sobre o papel social da mulher construído e representado na série
Anne with an “e”. Deste modo, descrevemos como os estudantes reconheceram essa construção
social nas cenas e que aspectos promoveram esse reconhecimento.
Dimensões afetiva, composicional e crítica nas cenas trabalhadas
A partir das cenas selecionadas e trabalhadas na aula de LI, observamos as respostas
contidas no roteiro de análise com o intuito de identificarmos como as dimensões afetiva,
composicional e crítica se apresentam nas falas e interações dos alunos. Descrevemos e
interpretamos essas falas e respostas de acordo com o modelo Show Me de Callow (2008, 2013).
O letramento visual crítico e o contexto social dos estudantes
Nesta última categoria de análise, interpretamos as informações obtidas através do
roteiro de análise semiestruturado e transcrevemos algumas falas apresentadas pelos alunos
durante a gravação da aula bem como, o diálogo traçado por eles entre as cenas e os seus
respectivos contextos sociais sobre a representação social da mulher observada nas cenas.
84

4 O LETRAMENTO MULTIMODAL CRÍTICO EM ANNE WITH AN “E”: UMA


PROPOSTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

“As meninas podem fazer tudo


que os meninos fazem e mais.”
Anne with an “e”

Neste capítulo, dividido em três seções definidas anteriormente como categorias de


análise dos dados, abordamos os dados coletados sob a perspectiva do letramento multimodal
crítico no ensino de LI. Analisamos a nossa intervenção pedagógica, primeiramente, sob a ótica
discente acerca das representações sociais da mulher nas cenas da série Anne with an “e” sob
o viés do letramento multimodal crítico.
Na sequência, discutimos a partir das respostas do roteiro de análise e das gravações
das aulas, as dimensões afetiva, composicional e crítica do modelo Show Me de Jon Callow a
partir do roteiro de análise das cenas à luz do modelo Show Me de Jon Callow. Por fim,
analisamos como ocorreu o letramento visual crítico dos alunos e se eles dialogaram com os
seus respectivos contextos sociais.

4.1 CONCEPÇÕES DISCENTES SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MULHER

As representações sociais da mulher, historicamente, seguem padrões


comportamentais que fundamentam a cisão de gênero. O discurso é um elemento no qual
podemos perceber como as relações de poder se estabelecem e constroem a simbologia
inextricável da dualidade homem/mulher.
Essa construção ideológica visa reforçar a dominação masculina o que Bourdieu
(1998) chama de “a construção social dos corpos”. Sendo assim, desde a infância somos
ensinados através da fala, dos gestos, das roupas, dos comportamentos a uma significação dos
modos que representam os gêneros homem/mulher. Qualquer desvio dessa conjuntura
engendrada é visto como “errada”. De acordo com Bourdieu (1998, p.09):

A divisão entre os sexos parece estar “na ordem das coisas”, como se diz por
vezes para falar do que é normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente,
ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas (na casa, por exemplo, cujas partes
são todas “sexuadas”), em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos
e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção,
pensamento e de ação.
85

Partindo desse pressuposto, o público alvo dessa pesquisa, adolescentes entre 15 e 16


anos, chegam no ambiente escolar apresentando concepções dicotômicas sobre gênero,
esquematizadas dentro das suas esferas de convivência que vão desde o grupo familiar,
religioso, esportista dentre outros. Esse comportamento pode ser detectado na rotina da sala de
aula por meio da reprodução de falas discriminatórias que, muitas vezes, não são questionadas
pelos próprios alunos.
Diante desse contexto estabelecido, a análise sobre as concepções dos discentes acerca
das representações sociais da mulher na série Anne with an “e” se deu através da observação
das aulas gravadas e das respostas contidas no roteiro de análise para a pergunta de número 03:
Como a mulher é representada nas duas cenas exibidas? Essa pergunta, baseada no Modelo
Show Me, contempla o nosso objetivo de explorar e reconhecer as concepções dos discentes
sobre o papel social da mulher a partir dos sentidos veiculados. Denominaremos as respostas e
falas dos alunos nas transcrições de AEM, acrescidos de numeração, representando: aluno (a)
do ensino médio e, destacamos de negrito, as palavras que consideramos essenciais para a nossa
discussão.

Figura 08 – Anne discorda de Marila quanto aos afazeres da fazenda

Fonte: 1ª temporada, 1º episódio, 25min e 06s


Na primeira cena exibida, logo após a descoberta do engano sobre a adoção e o
momento de desespero que consome a protagonista, Marila explica para Anne que uma menina
não serviria ao casal de irmãos, pois, segundo Marila, uma menina não conseguiria ajudar nos
86

serviços braçais da fazenda de Green Gables, em seguida, Anne discorda, para o espanto da
senhora Cuthbert, como demonstra a imagem acima.
Nossa intervenção começou com a preparação do material (datashow, notebook e caixa
de som) no birô da professora, também posicionamos o celular da pesquisadora para a gravação
da aula no fundo da sala visando um ângulo ampliado de toda a turma. Em seguida, distribuímos
os roteiros de análise semiestruturado individualmente e fomos explanando para a turma que,
ao assistirem a cena observassem todos os elementos que a compõem. Segue a fala da
pesquisadora:
PESQUISADORA: É importante dizer que na cena tudo é texto, todos os
elementos podem ser interpretados e querem passar uma ideia ou mensagem, tá bom?!
Então, vocês olhem tudo ao redor da cena, roupas, posturas, expressões faciais, ok?!

Depois que os alunos assistiram à cena, a professora/pesquisadora suscitou a pergunta


de número 03: Como a mulher é representada nas cenas exibidas? Uma das respostas obtidas
foi “A mulher é representada pelas ideias padrão da sociedade (AEM). ” A partir dessa
resposta, questionamos os alunos quais ideias padrão seriam essas e selecionamos as mais
significativas:

PESQUISADORA: Gente, e quais são essas ideias padrão que alguns de vocês
citaram?

AEM1: Como inferior ao homem, devendo fazer “coisas de mulher” como cozinhar,
cuidar da casa e dos filhos enquanto o homem era responsável pelo sustento da
família.

AEM2: Que a mulher não tem importância na sociedade, que ela não consegue
fazer as mesmas coisas que os homens, tendo uma posição submissa.

AEM3: Que não pode fazer nada além de fazer as coisas de casa (AEM).
Como ela era mulher tinha que ficar na cozinha e jamais poder fazer as mesmas
coisas que os meninos.

AEM4: Em um nível abaixo que o homem.

As palavras destacadas nos chamam a atenção para a compreensão dos estudantes em


relação à posição social da mulher nas cenas exibidas. Notamos que as palavras usadas pelos
estudantes denotam uma interpretação coerente com a cena, destacando a situação de
inferioridade na qual a mulher é vista e colocada, pelo menos pela personagem Marila. Ao
perguntarmos como a mulher era representada nas cenas, intencionávamos analisar o olhar dos
alunos e as suas percepções de comportamento, uma vez que, poderia haver espanto ou
87

indiferença com a cena de acordo com a educação machista que nos é repassada. Nessa
educação patriarcal cabe a mulher um papel específico: o de submissão e fragilidade.
Observemos as seguintes palavras e expressões destacadas: inferior, não tem
importância, não consegue, não pode fazer, jamais poder fazer e abaixo. Todas essas
palavras denotam o senso de superioridade que a sociedade patriarcal prega. Como podemos
perceber, a palavra “não” se repete em algumas respostas e entendemos que, essa negativa
presente na maioria das respostas carrega consigo séculos de repressão e privação dos direitos
das mulheres.
De maneira impositiva, a sociedade foi sendo organizada por homens e para homens.
Deste modo, é possível afirmar que os privilégios e direitos que o sexo masculino desfrutou
amplamente, foram, impreterivelmente, negados ao sexo oposto. Evidenciamos que, embora os
alunos tenham elaborado em suas respostas o comportamento machista de uma mulher, eles
não citam o termo machismo para designar as concepções representadas nas cenas, no entanto,
compreendem suas implicações no contexto de desigualdade de gênero.
Já aqueles que deram uma única palavra como resposta, em sua maioria o próprio
termo “machismo”, não elaboraram mais do que isso, ficando então, o questionamento se esses
alunos tinham a consciência do que o termo cunhado significava. Acreditamos que, em níveis
diferentes, eles compreenderam que o machismo estava representado nas cenas. Um dado
importante que evidenciamos, por exemplo, é que em 08 roteiros de análise o termo
“machismo” foi dado como resposta para a pergunta de número 03 sendo 04 respostas do sexo
feminino, porém, ao escreverem apenas a palavra sem nenhum adicional, não podemos avaliar
em que nível de compreensão do termo os estudantes se encontravam.
Ainda sobre as palavras destacadas temos: padrão, coisas de mulher e ficar na
cozinha. É possível estabelecer uma ligação entre todas se pensarmos da seguinte maneira: que
ideias padrão a sociedade reproduz? A de que existem certas funções que são para as mulheres
executarem, neste ponto, ressaltamos que os serviços domésticos são tidos como uma qualidade
inata do sexo feminino, e podemos sublinhar esse comportamento como uma atitude
consolidada pela educação patriarcalista. Acreditamos que essas respostas foram bem
pontuadas diante das cenas apresentadas e que são exemplos da construção dicotômica e social
dos corpos. Uma fala que se ajusta perfeitamente a nossa afirmação é a de Bourdieu (p. 09,
1998):
A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a
visão androcêntrica impõem-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em
discursos que visem legitimá-la. A ordem social funciona como uma imensa máquina
simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a
divisão social do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada
88

um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do
espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado, reservado aos homens, e a casa,
reservada às mulheres; ou, no interior desta, entre a parte masculina, com o salão, e a
parte feminina, com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, a jornada,
o ano agrário, ou o ciclo de vida, com momentos de ruptura, masculinos, e longos
períodos de gestação, femininos.

Em diversas áreas, a dualidade é existente, sendo assim, entendemos o mundo como


um espaço de relações duais, bom/mal, certo/errado, direito/esquerdo e quando levamos essa
construção para o corpo biológico, ela se constitui no binarismo homem/mulher. Lembrando
que, o corpo biológico corresponde ao sexo e nem sempre é compatível com o gênero, o que
gera um conflito para os que defendem os papéis sociais arraigados no binarismo de gênero.
A professora pediu aos alunos que evidenciassem a diferença de comportamento entre
as personagens Anne e Marila a partir de suas posturas e falas. Ao exporem os seus pontos de
vista em relação às personagens, os alunos usaram o termo “mulher mais velha” para se
referirem a Marila, constatamos que, esse termo permeia o que se apresenta na cena como um
conflito de gerações.

PESQUISADORA: Vocês observaram as posturas e falas das personagens? Elas


concordam ou discordam no diálogo?
AEM1: A mulher mais velha é representada com ideias padrão da sociedade
diferente da garota que luta por direitos iguais.

AEM2: Na visão da mulher mais velha, a mulher é frágil e não tem capacidade pra
fazer os mesmos trabalhos do homem e na visão da Anne é o contrário.

Ao deixar claro para Anne que o casal de irmãos queria adotar um menino para ajudar
nos serviços da fazenda e que uma menina não seria útil, Marila, a mulher mais velha, reproduz
ideais machistas que para ela eram naturalizados na educação da época, a personagem
reproduzia discursos que reforçavam a desigualdade de gênero sem nenhuma criticidade porque
assim tinham lhe ensinado e Anne possivelmente foi a primeira pessoa a confrontá-la por esse
comportamento.
Segundo suas falas, Marila defende que mulher deve estar na cozinha e não fazendo
serviços fora dela, ou seja, a representação das “ideias padrão da sociedade” como respondeu
um de nossos participantes. É importante evidenciar que, nessa cena, os alunos reconheceram
que Anne pensava diferente mesmo sendo a mais nova na situação de conflito e que ela “lutava
por direitos iguais.”
89

Marila se surpreendeu ao ouvir as falas convictas de Anne corroborando a ideia de que


esse olhar crítico não era comum, portanto, não havia o questionamento dos papéis sociais, se
avaliarmos o contexto em que a série se ambienta, no século XIX.
Em 04 roteiros de análise, obtivemos a resposta “uma mulher machista” o que nos
levou a reflexão: a desigualdade de gênero não é reproduzida apenas por homens, as mulheres
são ensinadas de tal modo que elas reproduzem e cerceiam umas às outras. Muitas vezes não
somos levadas a parar e refletir o porquê de determinadas ações ou falas, naturalizamos a
rivalidade feminina, os padrões altíssimos de beleza ou o fato de a maioria dos espaços serem
ocupados por homens.
Para compreendermos melhor a ideologia do patriarcado, “ele representa a estrutura
que organiza a sociedade favorecendo uns e obrigando outros a se submeterem ao grande
favorecido que ele é, sob pena de violência e morte (TIBURI, 2018, p. 59)”.
Em todo modelo dominante há um grupo interessado em manter os seus privilégios
enquanto outros trabalham para manter esse sistema, no patriarcado não é diferente. Basta
analisarmos os comportamentos de homens em relação a ascensão de mulheres, alguns podem
sentir-se até mesmo ameaçados visto que, sempre estiveram ali mantendo o status quo.
Na segunda cena exibida, Anne aparece com o cabelo curto. A protagonista da série
sofria com o padrão de beleza da época, seu cabelo era ruivo e ela tinha muitas sardas o que lhe
rendia bullying e insultos, principalmente, na escola. Por conta disso, Anne pinta o cabelo numa
tentativa de adequar-se ao padrão de beleza, entretanto, a empreitada não funcionou e a menina
precisou cortar o cabelo curto.
Esse trecho exibido apresenta duas ambientações: na primeira, Anne e Marila estão
novamente na cozinha e na segunda, Anne vai à cidade acompanhada de Jerry, o ajudante de
Matthew, com muito receio de ser excluída por seu cabelo curto.
Na figura 09, vemos a metafunção composicional representada pela saliência, na qual,
o ângulo da câmera foca na personagem Anne, na sua postura e no seu rosto, enquanto os demais
elementos como a personagem Marila e o cenário de fundo estão desfocados.
90

Figura 09– Marila pede Anne para ir à Carmody comprar comida

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 13min e 40s


Após negar o pedido de Anne, Marila dá as costas para a menina que fica imóvel na
cena. Nesse momento, a câmera foca no cabelo curto da menina, o que Kress e van Leeuwen
(1996) chamam de ângulo fechado ou close-up, um recurso de filmagem onde a câmera fica
bem próxima do objeto ou pessoa, sem deixar grandes espaços à sua volta. É um plano que
demonstra intimidade entre o participante da imagem e o leitor. Na cena, o close-up reforça que
o cabelo curto é motivo de muita angústia para a personagem.
Figura 10 – Close-up do cabelo curto de Anne

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 14min e 10s


91

A angústia e desespero da menina ao saber que precisa ir à Carmody comprar


mantimentos e, consequentemente, todos a veriam com o cabelo curto é um sinal da importância
que é atribuída a essa parte do corpo feminino, mais do que isso, a percepção que as próprias
mulheres têm de si passam pelo cabelo, especialmente, o cabelo longo que é associado ao
gênero feminino, tido como uma característica feminina, de modo que, uma mulher com cabelo
curto, independentemente de sua orientação sexual, será vista como masculinizada. A
professora questionou os alunos sobre essa relação de Anne com o cabelo e as suas ações na
cena apresentada:
PESQUISADORA: O que o cabelo representa para a Anne na cena
que vocês acabaram de ver?

AEM1: Que tem que ter cabelo comprido e seguir o padrão de beleza.

AEM2: Que precisa ter o cabelo grande pra ser uma mulher feminina.

AEM3: Que o cabelo é uma fonte de feminilidade.

Como citado por um dos estudantes, a mulher é pressionada para seguir o padrão de
beleza. Incutindo esse padrão de beleza, temos a indústria do consumo, que não existia na época
em que a série se ambienta, e que atualmente, bombardeia as mulheres diariamente com
propagandas que pregam a realização e satisfação através de algum produto. Já as redes sociais,
essas desempenham um papel crucial na opressão estética sofrida pelas mulheres. Observado o
nosso contexto atual, o cabelo é visto socialmente como uma fonte de feminilidade, porém, é
certo que uma mulher com cabelo curto pode ser tão feminina quanto uma mulher com cabelo
comprido.
As próprias características tidas como femininas reiteram a construção social de
gênero, pois, ao limitarmos o que é feminino e o que é masculino, não damos espaço para a
diversidade de modos da existência humana que rompem esse binarismo. Algumas dessas
características vão desde o comprimento do cabelo, a gestos suaves, voz mansa, postura
comportada, vestimentas ou cores básicas para citar algumas. A seguir um exemplo de como a
multimodalidade atua em nossas produções diárias, e em como uma cor pode estabelecer uma
comunicação temos a relação associativa que se faz de rosa para meninas e azul para meninos.
Naomi Wolf em seu livro O Mito da Beleza explica como essa composição da beleza feminina
é construída:
O mito da beleza não tem absolutamente nada a ver com as mulheres. Ele gira em
torno das instituições masculinas e do poder institucional dos homens. [...]As
qualidades que um determinado período considera belas nas mulheres são apenas
símbolos do comportamento feminino que aquele período julga ser desejável (WOLF,
2018, p. 31).
92

Isto posto, o padrão de beleza é definido por um grupo dominante visando os seus
interesses. Vale ressaltar que, em cada período da história o padrão de beleza sofreu mudanças.
Nesse sentido quem define o padrão de beleza a ser seguido? Claramente, não são as mulheres
que fazem essas escolhas, no decorrer dos anos, elas foram dissuadidas de poder escolher para
se sentirem obrigadas a seguir o que lhes era imposto. Por essa ótica, o padrão de beleza
funciona como mais um mecanismo da dominação masculina sobre o corpo feminino cerceando
as mulheres e as escolhas que envolvem os seus corpos. Fato que pode ser observado quando
Anne decide se vestir “como um menino” para experimentar o “outro lado”.
Figura 11 – Anne chega à Carmody com trajes masculinos.
Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 17min e 43s

Para Anne, já que a veriam como um menino devido o cabelo curto, vestir-se como
um lhe traria a experiência completa do sexo oposto. A personagem explana isso na sua fala:
“já que todos pensam que sou um menino, pensei que seria melhor se realmente fosse um.
” Essa fala é direcionada a Jerry que fica imóvel ao ver Anne vestida como um garoto, como
representado na cena acima. Foi então questionado aos participantes:

PESQUISADORA: Quais as roupas que Anne vestiu e que são consideradas de


garotos?

AEM1: Calças e sapatos de homem.

AEM2: As luvas, o chapéu, pois as meninas usavam outro tipo de chapéu e o cachecol
também.

AEM3: Calças, blusa longa, chapéu e sapato.


93

Podemos constatar pelas respostas dos alunos, como eles identificaram e associaram
determinadas roupas ao sexo masculino. O principal exemplo dessa constatação é o uso de
calças pela protagonista, item essencialmente masculino no contexto da série. A partir da
composição das peças masculinas, Anne conseguiu facilmente se enturmar em esferas sociais
que excluíam as mulheres como: jogar bolas de gude com um grupo de garotos ou descarregar
uma pequena mercadoria por algum dinheiro. Para Anne, essas interações facilitadas pelo
gênero designado pelas roupas, a fizeram sentir-se livre nos apontando como a distinção entre
os gêneros pode limitar a inserção social feminina assim como, as atividades que as mesmas
podem desempenhar.

Figura 12 – “Ser um garoto é bem libertador!”

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 19min e 23s

A figura 13 é um exemplo de como a metafunção representacional pode atuar na


interpretação visual, uma vez que, pode-se identificar os vetores a partir da linha do olhar entre
Anne e a sua interlocutora bem como, a sua expressão de contentamento. Em conjunto com o
texto verbal da cena (título dado a figura), temos também, a representação da metafunção
composicional, na qual, verifica-se a coerência dos sentidos existentes nos textos visuais, no
nosso caso, as roupas, tidas como masculinas aliadas ao discurso de Anne.

PESQUISADORA: Que emoções são representadas nessa cena da Anne vestida com
roupas masculinas?
AEM1: Ela está muito feliz, dá pra perceber pelo seu sorriso.
AEM2: O rosto dela mostra felicidade por estar vivendo outras coisas que antes era
proibido por ela ser mulher.
AEM3: Anne se sente livre por poder fazer qualquer coisa vestida como um menino.

Através dos nossos estímulos, os alunos atentaram-se, principalmente, às expressões


faciais da menina citando as seguintes palavras: feliz, felicidade e livre. Estes termos
corroboram a metafunção composicional através dos elementos que constituem a cena, sendo
94

eles: O vetor (linha do olhar), o ângulo da cena, a saliência (Anne se destaca na cena), as roupas
masculinas e as expressões faciais. No conjunto, a experiência de viver um dia como menino
foi prazerosa para a protagonista.

Figura 13 – Anne jogando com um grupo de meninos

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 19min e 23s

PESQUISADORA: O que vocês observam nessa cena?

AEM1: Que Anne joga com um grupo de meninos, mas eles pensam que ela é um
menino.

AEM2: Que uma mulher pode fazer coisas com meninos, como praticar esportes e
futebol.

Nesta cena, o que de fato chamou atenção foram as respostas dos alunos no que diz
respeito a relação da prática esportiva na qual as mulheres são discriminadas ao realizar como
por exemplo: o futebol. Os patrocínios e incentivos ao futebol masculino são inúmeros
reiterado pelos salários altíssimos que os jogadores recebem o que, por sua vez, não acontece
com o futebol feminino. Nesse aspecto, observamos também que os alunos trouxeram para a
cena o seu repertório cultural, provavelmente, eles tenham conhecimento do mundo desportista
e traçaram essa relação no contexto que lhes foi apresentado.
95

Figura 14 – Um homem pede ajuda a Anne pensando ser um menino

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 17min e 53s

Diante da conjuntura exposta através dos elementos constituintes das cenas exibidas e
analisadas, percebemos que, a identidade do corpo feminino e suas implicações subjetivas
passam pelo critério do patriarcado, um sistema que visa os interesses masculinos. “A cultura
estereotipa as mulheres para que se adequem ao mito, nivelando o que é feminino em beleza
sem inteligência ou inteligência sem beleza (WOLF, 2018, p. 94) ”. Esse pensamento, por sua
vez, promove a distorção da autoimagem das mulheres que “precisam” escolher entre uma
mente ou um corpo, ambos, não são permitidos.
Concluímos através das respostas dos discentes que, os mesmos são sujeitos que
reconheceram nas cenas, falas e comportamentos machistas, embora, esses alunos não tenham
demonstrado conhecer com mais afinco as características do termo cunhado. Para além da
etimologia da palavra, as respostas carregavam consigo a concepção da desigualdade de gênero
e uma compreensão dos efeitos que ela produz na sociedade.

4.2 DIMENSÕES AFETIVA, COMPOSICIONAL E CRÍTICA NAS CENAS


TRABALHADAS
Nesta seção, fazemos a análise das respostas dadas às perguntas de número 02, 05 e
07 no roteiro de análise. Essas perguntas foram elaboradas de acordo com as atividades
propostas por Callow no modelo Show Me (2008; 2013) para trabalhar as dimensões afetiva,
composicional e crítica. Transcrevemos as respostas dos estudantes seguindo o critério de
96

significação e relevância para a nossa pesquisa. Deste modo, destacamos em negrito palavras
que nos chamaram a atenção e que consideramos essenciais para o nosso texto.
Na dimensão afetiva, observamos como os alunos se conectaram com as cenas
trabalhadas através das respostas dadas no roteiro de análise e pelas expressões faciais e gestuais
dos estudantes que foram, devidamente registradas durante a intervenção. Ao serem
questionados se conheciam a série, dois estudantes afirmaram que sim, expressando terem
gostado da produção canadense. Para os demais, a série era totalmente nova. Começamos com
a cena representada na figura abaixo.

Figura 15 – Anne confronta Marila sobre não poder ajudar na fazenda

Fonte: 1ª temporada, 1º episódio, 25min e 25s

Observamos que os olhares ficaram atentos durante a exibição das cenas, os alunos
mostravam-se interessados nos elementos visuais expostos em um primeiro momento. Durante
a exibição, foi frisado pela pesquisadora que, os estudantes se atentassem para todos os
componentes e para a importância deles na compreensão da série e do contexto. Em seguida,
finalizada a cena, questionamos:

PESQUISADORA: O que mais chamou a sua atenção nas cenas exibidas?


AEM1: O machismo nas duas cenas e a forma com que Anne lidava com ele, com
seus pensamentos futuristas já naquela época.

AEM2: Ela tentando passar confiança para Marila para ela e o irmão adotarem ela.
A força e a coragem de Anne.
97

AEM3: O empoderamento de Anne, as ideias dela que é muito à frente do seu


tempo.

AEM4: Que por causa de um cabelo ela é tratada diferente, que ela precisou se vestir
igual um menino pra não sofrer preconceito.

Destacamos as palavras machismo e empoderamento nas respostas acima, por se


tratarem de opostos complementares. A estudante que cita o termo machismo, logo em seguida,
aponta para o pensamento futurista de Anne, corroborando o que entendemos hoje por
empoderamento feminino, ao mesmo tempo, a palavra futurista se alinha com a expressão
usada em outra resposta “à frente do seu tempo”.
Sendo o machismo um sistema que alimenta a dominação masculina e os privilégios
de um gênero em detrimento de outro, toda mulher que se impõe ao status quo desse sistema é
vista de maneira negativa e com parcialidade. Observamos que os estudantes perceberam
através dos elementos visuais como as roupas e os meios de transporte que apareceram nas
cenas, o contexto de época da série e, portanto, as dificuldades de expressão enfrentadas pelas
personagens femininas.
Esse reconhecimento da subversão feminina, e, por conseguinte, o empoderamento de
Anne, pode ser identificado através das palavras força, coragem, futurista e à frente do seu
tempo. Torna-se evidente que, o comportamento de Anne em confrontar Marila sobre os
serviços da fazenda ou vestir-se de menino para sentir-se aceita, demonstram o quanto a
personagem tem consciência da condição feminina na sociedade do século XIX. O fato de ela
ser uma menina com doze anos de idade questionando uma mulher adulta, reforça o trecho
citado pelos estudantes como “tentando passar confiança”, nesse caso, a jovem órfã sabia que
tinha argumentos convincentes para o diálogo com Marila.
Figura 16 – Movimento de Anne demonstrando aflição enquanto segue Marila pela cozinha

Fonte: 1ª temporada, 1º episódio, 25min e 15s


98

Segundo a nossa observação durante a intervenção, não identificamos resistência para


a participação nas atividades propostas, todos os alunos presentes nas duas primeiras aulas
responderam o roteiro de análise semiestruturado. Sobre a dimensão afetiva, “Elas também
podem ser avaliadas através das discussões engajadas sobre uma imagem e do evidente prazer
que as crianças têm quando participam de uma atividade (CALLOW, 2008, p. 618). ” As
avaliações dos estudantes acerca das cenas exibidas continuaram com forte apelo nas
expressões da protagonista.
PESQUISADORA: O que mais chamou a atenção de vocês nas cenas?
AEM1: A grande aflição da menina nas cenas.

AEM2: Por que ela sofria bullyng na escola por causa do cabelo curto.

AEM3: A parte que Anne aparece de cabelo cortado.

AEM4: O modo que o menino olha para Anne quando ela se veste como homem.

AEM5: O preconceito das pessoas com o cabelo dela ser pequeno.

Como leitores críticos, os alunos interpretaram e reconheceram as expressões faciais


das personagens como expressões de aflição, desespero e espanto relacionando-as aos termos
bullying e preconceito. O engajamento afetivo também envolve interpretação pessoal além da
identificação, como afirma CALLOW (2008). Outro fator que corrobora a percepção das
dimensões afetiva e crítica dos alunos, é a interpretação que deram as expressões faciais de
Anne na primeira cena com a palavra aflição que se repetiu nas respostas obtidas.
No que se refere a dimensão composicional, “o uso de metalinguagem específica é
fundamental para essa dimensão (CALLOW, 2008, p. 618).” A partir das cenas exibidas, toda
a composição delas pode ser analisada sob a ótica multimodal, visto que, na cena, estamos
lidando com diferentes modos semióticos que englobam as expressões faciais, os olhares, as
roupas, os gestos, os movimentos, as posturas, ângulos das cenas, iluminação, entre outros.
Ao analisarem a primeira e segunda cena, os alunos foram sugestionados pela pergunta
de número 05 do roteiro de análise semiestruturado, a observarem a postura corporal,
expressões faciais, olhares e gestos. Verificamos que algumas percepções dos estudantes se
repetiram nas respostas e as apresentamos a seguir:

PESQUISADORA: Como os personagens se posicionam nas cenas? (postura


corporal, olhar e gestos)

AEM1: A menina está sempre dialogando de cabeça erguida querendo defender a


opinião dela.
99

AEM2: A mulher mais velha tem atitudes ríspidas, principalmente o olhar.

AEM3: A Anne se posiciona firme e confiante e Marila se posiciona um pouco


desconfortável.

AEM4: Anne está com uma postura bem firme e com um olhar bem confiante.

AEM5: Na primeira cena Anne tem uma postura e um olhar confiante, corajoso e
forte.

Observamos que as palavras firmes e confiante se repetem fazendo referência à


postura da personagem Anne. De acordo com a metafunção interativa da GDV, a perspectiva
da imagem se configura como uma dimensão interativa, expressa através dos ângulos. Na cena
abaixo, o ângulo da câmera mostra Marila, mais alta, demonstrando posição de superioridade e
Anne, menor, demonstrando uma certa desvantagem na situação, no entanto, sua cabeça se
mantém erguida de modo que, o seu olhar foca em Marila. Ambas as personagens se olham
numa representação bidirecional, onde, os participantes podem ser metas e atores, de acordo
com a GDV.

Figura 17 – Ângulo de confronto

Fonte: 1ª temporada, 1º episódio, 25min e 42s

Os elementos visuais que levaram os estudantes a mencionarem as palavras firme e


confiante foram o olhar fixo de Anne para Marila, sua postura ereta e segura enquanto
conversava e o movimento que ela faz de seguir Marila pela cozinha (figura 17) defendendo os
seus argumentos e tentando convencê-la de que, uma menina teria a mesma utilidade que um
menino, sem distinção alguma.
Para essa interpretação acontecer, os alunos fizeram a leitura das cenas, ou seja, as
cenas configuram-se como textos visuais, portanto, passíveis de interpretação através do
100

conjunto de signos e os seus significados dentro do contexto da série, exemplificando o que


Halliday (2004), afirmou de que, texto se refere a qualquer instância que faça sentido. Embora,
os alunos ainda não compreendam as cenas como texto, eles são capazes de analisarem alguns
dos aspectos constitutivos desse texto visual.
Com relação à postura das duas personagens, nos chamou a atenção o termo cabeça
erguida para demonstrar o quanto Anne estava segura na cena, enquanto Marila, se apresentava
numa posição desconfortável expressa por seu olhar e por seu movimento de não prosseguir
com a conversa. Acreditamos que esse desconforto e espanto é exposto pela expressão facial
da personagem que olha Anne com surpresa, nesse momento, a câmera foca em Marila
deixando as suas expressões faciais mais evidentes.
Figura 18 – Expressão facial de Marila ao ouvir Anne

Fonte: 1ª temporada, 1º episódio, 25min e 42s

No que se refere à segunda cena, Anne aparece de cabelo curto depois de uma tentativa
frustrada de mudar a cor do mesmo, uma vez que, a garota não se achava bonita por não se
encaixar no padrão estético da época. Ao ser pedida para ir à cidade com Jerry, o ajudante de
Matthew na fazenda, cena já descrita anteriormente, a expressão do rosto da menina muda
bruscamente tornando evidente o desespero no seu olhar, interpretado pelos alunos como
aflição. Vejamos a imagem:
101

Figura 19 – Expressão facial de Anne ao saber que precisa ir à Carmody

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 13min e 46s

Como podemos percebemos, Anne apresenta uma expressão facial, na qual, podemos
identificar seus olhos, suas sobrancelhas e sua boca como elementos visuais. No entanto, os
alunos responderam sobre a cena focando, principalmente, na emoção que esses elementos
representavam na cena sem citá-los diretamente. Vejamos o diálogo:

PESQUISAORA: E aí, pessoal, como a Anne reage na cena que tem que ir comprar
comida na cidade?

AEM1: Anne está aflita e angustiada por causa do seu cabelo.

AEM2: Um olhar de aflição.

AEM3: Já na segunda cena, mostra-se aflita porque cortou o cabelo e estava


parecendo um menino.

AEM4: Na segunda cena, ela parece mais aflita, enquanto Marila é rígida, Matthew
é bastante paciente.

Como percebemos, o comportamento aflito de Anne foi identificado pelos estudantes,


principalmente, pelo modo semiótico do olhar aliado ao discurso da personagem que, recusa-
se a cumprir o pedido de Marila veementemente. Analisando por partes, a cena começa com
Anne descendo as escadas com semblante leve e, ao ouvir o pedido da mulher, a jovem muda
a sua expressão de leveza bruscamente. Ela arregalou os olhos, suas sobrancelhas se ergueram
mostrando tensão e a boca ficou semiaberta demonstrando medo. A continuidade da cena se dá
102

com Anne correndo para o celeiro amedrontada e fugindo de Marila. A personagem, então, se
esconde numa tentativa de não fazer o que lhe foi pedido. Esse momento, é apresentado com a
personagem encolhida em um canto e chorando.
Figura 20 – Anne se esconde para não ir à Carmody

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 14min e 28s

Nesse ponto da cena, Matthew chega no celeiro e escuta o choro de Anne, em seguida,
ele vai ao seu encontro. Ao conversar com Anne, Matthew, extremamente pacífico,
característica essa explorada ao longo da série, aponta as qualidades da menina como forte e
corajosa, incentivando a garota a não se importar com o que pensarão a seu respeito por conta
do cabelo. Então, a menina se empolga com o discurso de Matthew e se convence a ir à
Carmody.
Constatamos que, essa cena apresenta modos semióticos que são capazes de nos
conduzir junto às emoções da personagem e observamos que, nesses momentos de angústia e
medo os alunos mostravam-se compenetrados com a cena, comovendo-se com a situação ali
descrita. Entendemos que, nos engajamos com uma imagem ou cena, de acordo com as nossas
vivências, particulares ou coletivas, e assim, a nossa interpretação de mundo interfere
diretamente nas nossas percepções.
Com base em Callow (2008), procuramos identificar a dimensão crítica nas respostas
dadas a pergunta de número 06 e como os alunos compreenderam essas cenas criticamente.
Embora cada aspecto da visualização seja importante, para Anstey; Bull (2000), a crítica
ideológica talvez seja a mais desafiadora para estudantes e professores. No que diz respeito a
103

uma análise crítica, os alunos não elaboraram respostas complexas ou contextualizadas acerca
das cenas, contudo, identificaram nas cenas, a exclusão das mulheres.
O letramento crítico na aula de LI torna-se então, uma necessidade para que os
estudantes possam refletir sobre os diferentes modos como construímos sentidos além da
escrita. Assim sendo, pensar em como podemos nos apropriar e transformar esses sentidos para
a nossa prática social configura-se no letramento crítico. Segundo Tagata (2014, p. 329):

Mais do que apenas ensinar regras gramaticais, o professor de inglês deveria, numa
perspectiva de letramento crítico, levar os alunos a refletir sobre o status dessas regras,
e como os usuários da língua inglesa se relacionam com elas, respeitando-as ou
modificando-as conforme seus próprios interesses, necessidades ou intenções
comunicativas em uma situação determinada.

A partir desse pensamento, entendemos que, a série Anne with an “e” pode contribuir
na prática escolar cotidiana a partir da abordagem multimodal e da pedagogia dos
multiletramentos. A dialética entre professor, aluno, gestão e comunidade escolar produzem o
conhecimento contextualizado, entretanto, na sala de aula esse fazer político ganha corpo e
robustez ao ser explorado pelo viés do letramento crítico.
O alunado já chega no ambiente escolar com a sua coleção (repertório sociocultural,
gostos e predileções), no entanto, ao ser exposto a uma nova linguagem, o aluno será instigado
a ler criticamente aquele texto e onde fazê-lo com o direcionamento necessário? Na escola,
espaço no qual, o professor pode estimular e transformar o possível consumidor acrítico em
analista crítico.
Isto posto, perguntamos aos estudantes se eles observaram inclusão ou exclusão de
algum grupo nas cenas trabalhadas de modo a identificar se os mesmos, foram capazes de
associar as ações representadas por Anne como enfrentamento a exclusão das mulheres na
sociedade da época. As respostas obtidas nos fornecem um parâmetro bem instigante.

PESQUISADORA: Há inclusão ou exclusão de algum grupo nas cenas? Qual grupo?

AEM1: Exclusão das mulheres por acharem que não podem fazer o trabalho de um
homem.

AEM2: Exclusão de mulheres em trabalhos com visões machistas da sociedade e


padrões estabelecidos também pela sociedade para mulheres.

AEM3: Sim, as meninas não podem fazer as mesmas coisas que os meninos então
ela era afastada nisso.

AEM4: A exclusão do grupo feminino em diversas cenas e atitudes da época.


Sim, pois ela quer fazer coisas masculinas, mas a sociedade não deixa ou acha que é
errado.
104

AEM5: Anne é excluída por ser menina já que na época o pensamento era bastante
machista, onde a mulher seria inferior ao homem e deveria fazer “coisas de mulher”
como ficar na cozinha e limpar a casa.

AEM6: Não. A Anne quer ser igual um homem, porque nós somos os melhores.

Destacamos alguns pontos em negrito que correspondem a tópicos pertinentes para a


discussão, por exemplo, como constituem-se as tarefas de mulher e as tarefas de homem? O
AEM6 evidencia em sua resposta que a exclusão do grupo feminino é justificável, uma vez
que, a protagonista “queria ser igual um homem”. Na sequência, perguntamos ao aluno o porquê
ele achar isso e o mesmo respondeu:

AEM6: Porque ela quer fazer serviço pesado, coisas de homem.


PESQUISADORA: O fato de Anne querer ajudar na fazenda não significa que ela
quer ser um homem, no sentido de mudar o gênero, lembrem o que ela falou que
preferia ficar nos serviços da fazenda do que ficar presa na cozinha, ou seja, era uma
escolha dela.

A partir dessa colocação, foi enfatizado que, a sociedade se estrutura no binarismo de


gênero determinando quais são as tarefas de mulher e as tarefas de homem. Então, os papéis
sociais são pré-determinados independendo da subjetividade do indivíduo que, naturalmente,
pode não se identificar com esses papéis que lhe são arbitrariamente atribuídos. Bourdieu
(1998) diz:
O trabalho de construção simbólica não se reduz a uma operação estritamente
performativa de nominação que oriente e estruture representações, a começar pelas
representações do corpo (o que ainda não é nada); ele se completa e se realiza em uma
transformação profunda e duradoura dos corpos (e dos cérebros), isto é, em um
trabalho e por um trabalho de construção prática, que impõe uma definição diferencial
dos usos legítimos do corpo, sobretudo os sexuais, e tende a excluir do universo do
pensável e do factível tudo que caracteriza pertencer ao outro gênero – e em particular
todas as virtualidades biologicamente inscritas no “perverso polimorfo” que, se
dermos crédito a Freud, toda criança é para produzir este artefato social que é um
homem viril e uma mulher feminina (BOURDIEU, 198, p. 17).

Essa definição de características constitui-se numa opressão social, uma vez que,
aqueles indivíduos que não se adequam a elas, são invariavelmente, excluídos. Podemos
entender que, os estudantes interpretaram que houve exclusão das mulheres nas duas primeiras
cenas trabalhadas, vide o próprio termo “exclusão” repetido nas respostas transcritas acima.
De acordo com Callow (2018), todos os textos fazem parte de contextos globais, locais e sociais
em constante mudança, portanto, a ideia que os alunos têm sobre o papel social da mulher
também sofre variações.
Alguns termos usados pelos alunos evidenciam a construção social dos gêneros e, por
conseguinte, as tarefas atribuídas a cada um como, por exemplo, os termos: “trabalho de um
homem, coisas masculinas e coisas de mulher”. Propomos as seguintes reflexões: o que eles
105

compreendiam por trabalho de um homem e o que seriam coisas de mulher. Se os alunos usaram
essas expressões, provavelmente, elas fazem parte do contexto social deles e são reproduzidas
no ambiente familiar ou em suas outras esferas sociais de convívio.

PESQUISADORA: O que vocês entendem por trabalho de homem e coisas de


mulher?
AEM1: Os homens devem trabalhar na fazenda e as mulheres ficar na cozinha.
AEM2: As mulheres devem cozinhar e limpar a casa e homens trabalham no serviço
pesado.

Salientamos que, esses termos não foram citados nas cenas, sendo expressões de
conhecimento prévio do aluno. Para o questionamento do que seriam “coisas de mulher” o
AEM2 respondeu “cozinhar e limpar a casa”, assim, consideramos importante essa fala que
demonstra como os papéis de gênero são reproduzidos na nossa educação e cultura.
É importante levantarmos a discussão sobre o porquê de o gênero feminino ser
atribuído a determinadas tarefas e partes da casa, independentemente, de sua escolha. A
justificativa a atribuição do gênero é tão arraigada culturalmente que, muitas vezes, as próprias
mulheres não se questionam sobre o assunto, apenas obedecem e cumprem o seu papel. Até
porque o próprio fato de questionar algo, não é um comportamento aceitável na cultura
patriarcal.
O efeito contrário também se dá na educação masculina. Para os homens, a virilidade
deve ser expressa na força física e, portanto, seu papel é usá-la nos serviços pesados como
mencionou o AEM1. Essa característica por si só, generaliza também o sexo oposto e podemos
observar essa construção nos discursos cotidianos. Aqueles homens que não seguem o padrão
de comportamento pregado pela sociedade patriarcal também serão discriminados.
Isto posto, acreditamos que esses alunos também foram educados para seguirem papéis
sociais determinados e nesse processo, não tiveram a oportunidade de refletirem sobre a questão
de gênero, o que a nossa intervenção oportunizou. Também destacamos que, nas discussões em
sala de aula é importante aproximar os discentes da sua função como cidadão e que, nós
formamos a sociedade, ou seja, também deve partir de nós, enquanto indivíduos vivendo em
coletividade, a transformação desses padrões danosos.

4.3 O LETRAMENTO VISUAL CRÍTICO E O CONTEXTO SOCIAL DOS ESTUDANTES


Nesta seção, abordamos como o letramento visual crítico dos alunos ocorreu ou não,
a partir das respostas dadas às perguntas 01, 04 e 07 do roteiro de análise semiestruturado e a
observação da terceira aula em que foi exibida a terceira cena, na qual, a professora Stacey
106

chega à comunidade de Avonlea e causa verdadeiro espanto por suas atitudes consideradas
incorretas para uma mulher no século XIX.
A pergunta de número 01 pedia para os alunos descreverem as cenas assistidas, assim,
focaremos nas cenas 02 e 03 para a nossa análise inicial a fim de encontrarmos conexões
implícitas ou explícitas que apontem para o contexto social dos participantes. Sendo a língua
um mecanismo para a disseminação de ideologias (KRESS, 2010), procuramos verificar até
que ponto os alunos de EM sistematizam esse conhecimento ao assistirem as cenas
selecionadas.
PESQUISADORA: Descreva as cenas que foram exibidas.

AEM1: Anne aparece com o cabelo curto e com vergonha.

AEM2: Anne tem vergonha de seu cabelo curto.

AEM3: A professora Stacey veste calças e os homens a olham diferente.

AEM4: Na terceira cena, a professora está numa bicicleta elétrica e os homens acham
estranho por ser uma mulher.

Figura 21 – Anne sente vergonha do seu cabelo

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 14min e 30s

De acordo com a análise dos estudantes, Anne sente vergonha do seu cabelo curto e
acredita que será discriminada por isso, um fato que se faz presente na sociedade
contemporânea que continua atribuindo feminilidade ao cabelo longo. Sob a ótica multimodal,
entendemos que os alunos conseguiram analisar aspectos consistentes para as suas
107

interpretações através das expressões faciais de Anne que, como demonstra a imagem acima,
são expressões de angústia e medo identificadas pelo o seu olhar aflito, as sobrancelhas
franzidas e a postura encolhida.
Levar em consideração o contexto social, cultural e intelectual dos leitores é de
fundamental importância para que o texto possa cumprir o seu propósito comunicativo.
Segundo Morais (2020), para que um texto seja lido, interpretado e compreendido, é substancial
que os discentes possuam um conhecimento prévio sobre o tema abordado, para que o texto
seja assim, capaz de produzir significado aos leitores. Callow (2012), também ressalta que o
engajamento afetivo é um elemento poderoso quando os alunos interpretam um texto visual e
o mesmo autor salienta que, embora os alunos possam se conectar com um texto visual por uma
variedade de razões – desde referências à cultura popular ao imediatismo que uma imagem
visual oferece – o fator crítico é como o professor desenvolve isso como parte da experiência
do aprendizado. Observamos esse fator com a resposta de uma estudante a seguinte pergunta:

PESQUISADORA: Você se reconheceu nas cenas? De que forma?

AEM1: Sim, minha irmã é lésbica e cortou o cabelo curtinho e todo mundo exceto
pai e mãe excluem ela.

Essa afirmação, corrobora a importância de percebermos o contexto social dos alunos


para que a prática pedagógica possa ser pensada e executada por uma ótica sócio-crítica.
Salientamos que, o letramento visual crítico não é o simples olhar com atenção, pelo contrário,
o mesmo exige habilidades de associação, relação e reflexão das simbologias implícitas ou
explícitas, portanto, não é algo fácil de ser desenvolvido, mas que deve ser trabalhado na escola
gradualmente instigando essas habilidades para a prática social dos discentes.
Também destacamos que, como nossa pesquisa apresentou limitações de tempo devido
o calendário escolar, não intentamos suprir carências elementares da educação ou supor que ela
introduzirá o letramento visual crítico de modo definitivo nas aulas. Contudo, objetivamos
apresentar possibilidades para a prática pedagógica do professor de LI para além do livro
didático com foco na multimodalidade e estimulando os multiletramentos.
O reconhecimento da aluna com a cena delineia como as dimensões afetiva,
composicional e crítica podem atuar no processo de ensino e aprendizagem levando em conta
situações comuns das vivências dos estudantes. Nesse caso, a questão de gênero atribuída ao
cabelo está atrelada também à sexualidade e é interessante atentarmos que, gênero é diferente
de sexualidade, sendo o gênero a identidade do indivíduo e como ele se reconhece perante a
108

sociedade e sexualidade, sua orientação afetiva, ou seja, por quem ele sente atração, portanto,
trata-se de uma questão mais abstrata e simbólica, assim nos diz Zinani:

Gênero, construção simbólica que abrange os aspectos sociais e culturais inerentes a


uma identidade biológica, não pode ser confundido com sexualidade
(preferência/orientação sexual de um indivíduo) ou sexo (característica biológica).
Como o gênero está relacionado ao processo cultural, constitui uma categoria que
possibilita não só a análise da diferença, mas também o desmascaramento das
questões de dominação e poder- a assimetria que permeia as relações entre masculino
e feminino (ZINANI, 2010, p. 58).

Essa discussão vem ganhando espaço nas questões educacionais, dado que, a escola é
um espaço de convívio social politicamente demarcado pela pluralidade de contextos e
vivências. Nesse âmbito, torna-se importante conhecer essas distinções para que, o espaço
escolar não seja discriminatório reproduzindo aspectos socioculturais vigentes. Assim, o
suporte aos alunos que não se identifiquem com o binarismo estrutural será mais embasado e,
as situações de desigualdade de gênero, melhor combatidas.
Assim como Callow (2013), consideramos as imagens ferramentas de aprendizagem
em que, a atração imediata dos alunos pelo visual promove o envolvimento nas aulas. Então, a
partir da observação da segunda cena e dos modos semióticos atuantes nela como: o olhar, os
gestos e a postura assim como, o reconhecimento da situação evidenciada, a aluna engajou-se
visualmente refletindo criticamente e participando da nossa intervenção.
Callow (2013), divide o uso de recursos visuais pelos professores em duas categorias:
aprender por meio de recursos visuais e aprender sobre recursos visuais. Nesse caso, estávamos
estimulando os alunos a lerem o visual, portanto, eles estavam aprendendo sobre o visual.
Reiteramos que, a concepção de texto que se estende a toda produção de sentidos e a
nossa tentativa de promover uma leitura multimodal na sala de aula de LI nos mostrou a
dificuldade dos alunos em interpretar todos os elementos visuais como um texto. Como
observado nas respostas, o foco dos discentes se voltou para os modos semióticos mais
explícitos como: os olhares, as expressões faciais, as roupas, entonação da voz e os gestos sendo
importante ressaltar que essas observações foram sugestionadas pela pesquisadora.
Elementos como a iluminação da cena, o enquadramento ou efeitos de aproximação e
distanciamento da câmera não foram citados nas respostas. Vale ressaltar que, mesmo os modos
semióticos explícitos citados pelos alunos, precisaram ser estimulados oralmente durante a
intervenção ou sugestionados no roteiro de análise semiestruturado, do contrário, é provável
que as análises se concentrariam apenas no texto verbal.
109

A exploração do visual, “pode ajudar os professores a estabelecer uma conexão entre


a mudança social e econômica de seus alunos (HULL; SHUTZ, 2001). ” Estabelecer essa
conexão é extremamente importante para que o aluno veja sentido no que está aprendendo na
escola, dessa forma, a sua realidade não se torna tão distante do que ele vê visualmente
propagado pelos livros didáticos. Como um designer, o professor pode usar os textos visuais e
multimídias como agentes transformadores, selecionando imagens e textos que possam ser
explorados em sala de aula de acordo com o seu público.
Logo, a nossa intervenção demonstra como é importante o aluno se sentir representado,
seja no material escolar ou nas atividades direcionadas. A partir dessa afirmação da aluna,
podemos pensar no quanto a representatividade dessas pautas sociais são necessárias nas
discussões em sala de aula. Callow (2013, p. 76) exemplifica como esse processo de
contextualização acontece unindo estudante – escola – contexto do estudante e que, nas
condições descritas na imagem abaixo, o aprendizado se constrói.

Figura 22 – Processo de contextualização

Fonte: Callow (2013, p. 76)


Na terceira cena exibida, conhecemos a professora Stacey que era viúva, morava
sozinha, era independente financeiramente e tinha métodos nada convencionais para ministrar
suas aulas, por esses motivos, ela foi rejeitada pela comunidade de Avonlea e vista como uma
má profissional. O comportamento da professora Stacey, transgressor para o século XIX,
começa pelo fato de a professora estar de calças pilotando uma bicicleta elétrica.
110

Figura 23 – A professora Stacy vai ao encontro do grupo de mães progressistas

Fonte: 02ª temporada, 09º episódio, 01min

A série Anne with an e evidencia personagens femininas em muitas cenas, como


podemos ver nas cenas aqui representadas. O uso da saliência, segundo Kress e van Leeuwen
(1996), estabelece uma hierarquia de importância entre os elementos do texto, que são feitos
para atrair a atenção do espectador em diferentes graus. Assim sendo, entendemos que, ao
evidenciar as personagens femininas nas cenas, a série também se propõe a levantar a discussão
sobre as representações sociais da mulher.
Primeiro, por se tratar de uma protagonista mulher que, embora tenha doze anos, já é
capaz de confrontar os valores pregados no seu contexto social, valores esses repassados por
Marila, uma mulher mais velha que, no decorrer da série irá se despir de muitos preconceitos e
passará por uma autotransformação ao lado de Anne. Na escola, Anne se cerca de um grupo de
meninas e vai, gradativamente, influenciando-as a pensarem em si como protagonistas de suas
histórias.
Anne se destaca nos seus grupos de convívio por ser falante, otimista, determinada e,
principalmente, saber se comunicar. A protagonista faz uso do seu vasto vocabulário para expor
suas ideias e sonhos ao mundo. Anne é destemida, uma característica que por si só, não é
atribuída ao sexo feminino, estereotipado como o sexo frágil. Essa característica é explorada ao
longo das três temporadas, onde podemos ver Anne influenciando o seu grupo de amigas e os
demais estudantes em situações conflituosas. Corroborando nossas afirmações:

A primeira vista, a personagem expõe uma menina sonhadora, com personalidade


otimista, criativa e muito comunicativa, dotada de conhecimentos incomuns à sua
111

idade, gênero e perfil social. De fato, a característica que prepondera na personalidade


da personagem é sua inteligência, sagacidade de raciocínio e inesgotável curiosidade
por novos conhecimentos (SILVA E GUIMARÃES, 2019, p. 115).

A personalidade de Anne vai contra os principais valores atribuídos às mulheres no


contexto histórico e social da série, no qual, mulheres deveriam ser polidas, recatadas,
submissas aos seus maridos, saber costurar ou tocar piano, cozinhar e cuidar da casa. Todos
esses atributos são rechaçados pela nossa protagonista, o que provoca espanto e indignação na
comunidade de Avonlea, tanto em homens quanto em mulheres.
A professora Stacey torna-se rapidamente uma inspiração para Anne, influenciando-a,
inclusive, a desejar seguir a mesma profissão. Para Anne, Stacey é tudo o que ela acredita e
defende, que mulheres estudem, trabalhem e sejam independentes, essas qualidades se
apresentam em Miss Stacy por ela não usar espartilho, item obrigatório na época, morar
sozinha, andar de bicicleta entre outras. Particularmente, o caso da professora Stacy, que é viúva
e optou por não se casar novamente, levanta um debate sobre a validação social da mulher.
São inúmeras as tentativas de Rachel Lynde, vizinha intrometida dos Cuthbert de
arrumar um marido para a professora. Enquanto Rachel acredita fielmente que uma mulher
precisa de um marido para se tornar completa e feliz, Miss Stacy acredita que está muito bem
sem a necessidade de um novo parceiro. O simples fato de ela escolher ficar sozinha é um ato
transgressor para a época, uma vez que, até hoje, observa-se um padrão comportamental
rigoroso que as mulheres devem seguir como casar e ter filhos. Como afirma Tiburi (2018, p.
37), “não há nada mais absurdo para o patriarcado do que o direito ao corpo”.
Outro aspecto que a série evidencia sobre representações sociais da mulher, é o direito
a educação. Anne já tem o pensamento progressista acerca do assunto e, vez ou outra, declara
que quer estudar e trabalhar, sem citar casamento. Diana, sua melhor amiga, quer ir para a
faculdade, assim como Anne, Gilbert e outros colegas, no entanto, os seus pais querem que ela
vá para uma escola de etiqueta na França. Os Barry, assim como outras famílias de Avonlea,
acreditavam que uma mulher devia aprender tudo para ser uma boa esposa e o ensino superior
não está dentro desses planos. A partir de então, a garota trava uma batalha com os próprios
pais para defender o seu direito de estudar.
Isto posto, reiteramos o potencial que a série Anne with an “e” apresenta para o
trabalho pedagógico contextualizado na abordagem multimodal. As personagens femininas são
retratadas ao longo das três temporadas em suas vivências individuais e coletivas atravessando,
cada uma a seu modo, os conflitos de uma sociedade patriarcal e extremamente opressora. As
112

narrativas dessas mulheres se entrelaçam mostrando ao espectador diferentes perspectivas de


como o modelo patriarcal afeta a vida das personagens.
A série é permeada de debates e temáticas que podem ser considerados pertinentes
para uso em sala de aula, deste modo, a produção canadense pode contribuir muito para o
letramento crítico e o repertório sociocultural dos alunos a partir do olhar único e complexo da
protagonista. Já Silva; Guimarães (2019) afirmam que a série tem potencial educativo, “por
desencadear reflexões a partir de uma estratégia cognitiva muito peculiar em narrativas
cinematográfico-televisivas, ou seja, a capacidade de emocionar o público. ”

Figura 24 – Moradores se espantam ao ver a professora Stacy

Fonte: 02ª temporada, 09º episódio, 01min e 10s

Perguntamos aos alunos como os homens se comportavam nas cenas ao verem a


professora Stacy dirigindo uma bicicleta elétrica e usando calças, uma vez que, a cena focava
em determinados ângulos que evidenciavam a atitude transgressora da personagem. Dessa
maneira, os estudantes foram estimulados a olharem com mais afinco para as posturas,
movimentos e expressões faciais dos personagens masculinos.

PESQUISADORA: Como os homens reagem a professora Stacy?

AEM1: Os homens acham estranho.

AEM2: Os homens a olham diferente.

AEM3: Os homens se assustam.


113

As respostas referentes à cena 24 demonstram que, ao serem instigados, os alunos


leram as expressões faciais, os gestos e os movimentos dos dois homens atribuindo-lhes os
termos: estranho, diferente e assustam. De acordo com Silva (2016), atualmente, os estudos
sobre leitura e linguagem passaram a considerar como texto todas as representações
comunicativas capazes de produzir significados e/ou produzir informação. Assim sendo, os
alunos leram a cena, mais especificamente, as ações dos dois personagens, interpretando o
conjunto de ações, por exemplo, virarem-se para olharem com expressão de incredulidade para
a professora.

PESQUISADORA: Gente, na época em que a série se passa, não era permitido para
as mulheres usarem calças, ou pelo menos não era comum ou conveniente, entendem?
Era uma peça usada somente por homens e as roupas das mulheres eram vestidos,
espartilhos, saias e etc.

Foi salientado para os estudantes que, no contexto histórico e social da série, não era
permitido ou conveniente às mulheres usarem calças, já que, elas eram uma peça
essencialmente masculina. Já os trajes considerados femininos para a época eram vestidos, saias
e espartilhos, por exemplo. Ao tomarem conhecimento, os discentes mostraram-se surpresos,
declarando não saberem dessa informação, ou seja, promover a contextualização histórica é
essencial para estimular o pensamento crítico.
Neste ponto, levantamos a reflexão crítica sobre como a dominação masculina se
estabeleceu e se estabelece atualmente reforçando padrões dicotômicos baseados no sexo
biológico e no uso das roupas como definição de gênero. As diferenças visíveis entre o corpo
feminino e masculino formaram o pilar da visão androcêntrica e, a partir dela, fomos
incorporando e naturalizando a dominação masculina. Baseado em Bourdieu (1998, p. 17), a
força da dominação masculina vem do fato de ela acumular e condensar duas operações: “ela
legitima uma relação de dominação inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, por sua
vez, ela própria uma construção social naturalizada. ”
Tomando por base os conceitos da GDV sobre a metafunção representacional que
apresenta as três dimensões interativas, olhar (de oferta e de demanda), o enquadramento e a
perspectiva pudemos observar que, com relação ao enquadramento, a câmera aproxima os
leitores da cena, fazendo uso da metafunção interativa com o recurso de filmagem close-up
(ângulo fechado). Esse enfoque da câmera, prioriza o ângulo da bicicleta e da calça da
114

personagem colocando-os em perspectiva para o leitor, o que levou os alunos a associarem os


olhares de espanto dos moradores a professora Stacey.
Retomando os pensamentos de Kress e van Leeuwen (1996), assim como a linguagem,
as imagens podem ser simples ou complexas e os processos simbólicos que envolvem a sua
interpretação são diretamente influenciados pelos elementos composicionais como cores,
ângulos, movimentos e etc.

Figura 25 – Enfoque na calça e bicicleta elétrica pelo ângulo da câmera

Fonte: 02ª temporada, 09º episódio, 01min e 10s

Paramos a cena nesse momento da figura 25, com enfoque em alguns elementos
específicos para a leitura dos estudantes. A cena é um exemplo de como os princípios de
composição das imagens são visualizados pelo espectador, de acordo com a GDV. No que tange
ao valor da informação, temos a bicicleta centralizada na cena dando ênfase ao veículo, o que,
por sua vez, se configura no aspecto da saliência, ou seja, uma hierarquia de importância entre
os elementos.
O foco dado a bicicleta coloca o leitor em perspectiva e sugere a transgressão
comportamental da professora, por fim, temos a estruturação da cena que se apresenta com a
parte do corpo da professora e a bicicleta em primeiro plano e o fundo totalmente desfocado.
Já a composição da cena 26, enquadra quatro personagens femininas. A professora
Stacy e a mãe que a recebe estão em um primeiro plano e as outras duas mães levemente
desfocadas em um segundo plano. Enquanto a professora Stacey se apresentava para a líder do
115

grupo de mães progressistas, é possível perceber os olhares curiosos e julgadores das outras
mães presentes direcionados à professora. Enquanto um modo semiótico, o olhar pode
comunicar e transmitir as mais variadas emoções como vemos na cena.

Figura 26 – A professora Stacey se apresenta ao grupo de mães progressistas

Fonte: 02ª temporada, 09º episódio, 02min e 20s


De acordo com a metafunção interativa da GDV e a dimensão interativa do olhar, a
cena apresenta um olhar de oferta, no qual, as participantes representadas não olham
diretamente para o observador/leitor e os participantes da imagem são itens de informação ou
objetos que devem ser contemplados e observados. A disposição das personagens na cena tem
valores informacionais específicos, por exemplo, pela dimensão da perspectiva, o ângulo da
cena centraliza a professora Stacey olhando fixamente para a sua interlocutora, estando elas em
primeiro plano para chamar a atenção do espectador, enquanto isso, as duas personagens que
se entreolham demonstrando espanto estão posicionadas no recanto da cena, com menos nitidez
e levemente desfocadas, ou seja, estão em um segundo plano.

PESQUISADORA: Como é o olhar das mães que estão presentes na cena?


AEM1: São olhares de julgamento para a professora.
AEM2: Elas estão assustadas porque a professora está de calça.
AEM3: São olhares julgadores.
116

Ao questionarmos os alunos como eram os olhares das personagens, os mesmos os


caracterizaram como: olhares assustados, julgadores e de julgamento. Nessas respostas,
temos a confirmação de que, o olhar comunica tanto quanto o verbal afirmando-se como um
modo semiótico. Também perguntamos qual o possível motivo dos olhares julgadores das duas
personagens no segundo plano da cena.

PESQUISADORA: Por que as mulheres estão olhando dessa forma para a professora
Stacey?
AEM1: Porque a professora está usando calças.
AEM2: Porque elas são preconceituosas.
AEM3: Porque para elas é estranho uma mulher usar calças naquela época.

As respostas foram semelhantes: o motivo dos olhares era o fato da professora estar de
calças, fator que, inclusive, a levará a ser tratada com hostilidade e discriminação pela
comunidade de Avonlea. Atualmente, as mulheres podem usar calças sem serem discriminadas,
já que, o item foi inserido ao guarda-roupa feminino. Todavia, no âmbito profissional, elas
continuam tendo que trabalhar arduamente para ocuparem espaços e, de certo modo, provarem
a sua competência. Ao não seguir as regras sociais, uma mulher é rapidamente excluída ou
vista de forma inferior, independentemente do tempo histórico, ou seja, no contexto da série ou
nos dias atuais, essa máxima prevalece.

Figura 27 – A professora Stacy cruza com os irmãos Cuthbert e Anne

Fonte: 02ª temporada, 09º episódio, 01min e 16s


117

A figura 27 representa o momento em que a professora Stacy está indo encontrar o


grupo de mães progressistas de Avonlea e acaba cruzando no caminho com a charrete dos
irmãos Cuthbert. Essa cena contém um diálogo que instigou bastante os alunos e causou riso
durante a exibição. Nela, o modo semiótico da entonação da voz foi observado e perguntamos
como as entonações podiam ser interpretadas aliadas ao contexto da série. Transcrevemos o
diálogo da cena logo abaixo:

MARILA: Meu Deus!


ANNE: Meu Deus!
MARILA: O que é aquilo?
ANNE: Quem é aquela? Ela tava vestindo calças!
MARILA: Como assim calças?

Perguntamos aos alunos o que a entonação da voz de Marila e Anne significavam para
eles de acordo com o conteúdo da cena exibida, já que, elas falavam a mesma pessoa com
interesses diferentes. Os alunos destacaram alguns pontos relevantes para esse modo semiótico.

PESQUISADORA: O que vocês entendem pela entonação da voz de Marila e Anne


nessa cena?

AEM1: Marila fala julgando a professora e Anne fala com alegria e admiração.

AEM2: As duas falam a mesma palavra, mas com sentimentos diferentes.

AEM3: Marila está julgando a professora e Anne fala com empolgação.

A mesma expressão - Meu Deus! - dita por Marila e Anne apresentava entonações
diferentes e, consequentemente, interpretações diferentes para a situação veiculada, o motivo
dessas entonações: o fato da professora Stacy estar vestindo calças. Enquanto Marila fala com
uma entonação de julgamento, Anne fala a expressão com empolgação e admiração, termos
usados pelos estudantes.
Outro ponto no discurso verbal da cena que foi suscitado se refere aos termos
aquilo/aquela. Marila se refere a professora como “aquilo” termo esse que objetifica a
professora e também delineia o seu espanto com a situação. Já Anne, sorrindo, se refere a
professora com curiosidade em conhecê-la com o termo “aquela” evidenciando uma admiração
pelo comportamento transgressor da professora. Na cena e no diálogo, as duas personagens
defendem ideias e opiniões pessoais através dos modos semióticos, discurso, entonação da voz,
expressão facial e movimentos.
Se nos voltarmos para o enquadramento da cena, vemos que ela distancia o observador
das personagens ao ampliar o campo de visão da imagem ao apresentar um ângulo que
118

centraliza a passagem da professora Stacy pela charrete dos irmãos Cuthbert. Segundo a
metafunção composicional da GDV, a imagem se configura no sistema de valor da informação,
visto que, cada elemento da imagem tem sua importância de acordo com a posição que ocupa
em relação aos outros. Kress e van Leeuwen (2000) argumentam que, a posição que os
elementos ocupam no visual lhes confere “valores informativos específicos” fazendo com que
esses elementos se relacionem entre si.
As imagens ou textos visuais têm o poder de reforçar ideologias, muito embora, a
maioria dos receptores não perceba conscientemente essa manobra, acreditamos que a
exposição constante a determinadas ideias pode produzir um efeito de manipulação nos
indivíduos, portanto, o letramento visual crítico torna-se importante para as nossas práticas
diárias. Kress (2010), chama essa relação de “a relação de poder implicitamente codificada em
modelos autoritários. ”
Corroborando a ideia de Kress (2010), está o quantitativo de participantes que
responderam “não” à pergunta de número 07 do roteiro de análise semiestruturado: Você se
reconheceu nas cenas? De que forma? Dos 29 roteiros analisados, obtivemos 21 respostas
negativas para a identificação com as cenas trabalhadas e 08 positivas. Das 21 respostas
negativas, 12 foram do sexo masculino e 09 do sexo feminino, dentro desse quantitativo
feminino, uma participante é transgênero, se identificando como mulher no roteiro de análise
semiestruturado.
Para as nossas análises, esses números foram surpreendentes nos fazendo levantar a
seguinte reflexão: seria a falta do letramento visual crítico um fator importante para esse
resultado? Acreditamos que, os alunos não fizeram a leitura crítica das cenas de acordo com as
ideologias, opiniões e situações que elas representavam, embora, tenham citado o termo
machismo em algumas das suas respostas, a compreensão de como esse sistema de
discriminação de gênero atua, ainda precisa ser esclarecido para o público da nossa pesquisa.
Para que haja a compreensão da mensagem pelo receptor, Kress (2010) apresenta uma
sequência que explica esse processo de significação que o leitor elabora. Segundo ele, o
interesse gera a atenção o que produz o engajamento, o engajamento leva a seleção de
elementos da mensagem o que promove a repartição desses elementos, e por sua vez, a
transformação e transmissão de um novo signo.
Desse modo, entendemos que, o processo de significação não se cumpriu pelos
discentes no ponto da transformação dos elementos da mensagem em uma nova produção de
sentidos. O trabalho semiótico de transformação e transmissão consiste na interpretação
(KRESS, 2010), portanto, interpretar as falas dos personagens, suas expressões faciais,
119

vestimentas e posturas corporais, exige habilidades com foco na multimodalidade e nos


multiletramentos. Isso explicaria a “falha” no processo de transformar todos os elementos
composicionais das cenas em uma interpretação crítica do que elas apregoavam.
No que tange ao número de respostas positivas para a pergunta de número 07, as
separamos por gênero para analisarmos de que forma esse reconhecimento se deu a partir dos
contextos sociais vividos por ambos os gêneros, também analisamos como os alunos
processaram os elementos composicionais das cenas dialogando com a sociedade. Destacamos
três respostas do gênero feminino que estão transcritas a seguir:

PESQUISADORA: Você se reconheceu nas cenas? De que forma?

AEM1: Sim. Em ralação ao que as mulheres “devem” fazer.

AEM2: Sim. Na forma que Anne defende as mulheres com seu posicionamento
feminista.

AEM3: De certa forma sim, por achar que sou mulher e não posso fazer certas coisas.

Na primeira resposta, a participante colocou aspas na palavra “devem”, ou seja, a


discente compreende que a estrutura patriarcal priva ou limita as mulheres de exercerem
determinadas funções e tarefas, o mesmo contexto se observa na terceira resposta, na qual,
destacamos o trecho “não posso fazer”. Nessa resposta, o olhar crítico e confessional da aluna
corrobora em como a estrutura patriarcal internaliza, nos homens e mulheres, a sua ideologia.
Essa construção ideológica de gênero ao ser reproduzida em ampla escala nas mais
diversas esferas sociais, o que o GNL (1996) definiu como: vida profissional, vida pública e
vida privada, acaba por construir mulheres também machistas.
Na segunda resposta, a aluna cita o termo “feminista” como uma forma de
identificação com as cenas, ainda destacamos, o fato de ela associar o verbo “defender” a sua
resposta. Nesse ponto, vemos que a prática situada e a instrução aberta, componentes
sugeridos pela pedagogia dos multiletramentos, atuam no processo de significação. Embora a
aluna demonstre que tem conhecimento sobre a desigualdade de gênero representada nas cenas,
compreender o que apregoa o feminismo e suas vertentes é importante para que o seu conceito
não se minimize a defender as mulheres, mas, acima de tudo, equiparar os seus direitos na
sociedade patriarcal.
Referente à identificação do sexo masculino com as cenas, selecionamos três respostas
que consideramos relevantes para essa discussão. Trazemos o olhar do sexo masculino, uma
vez que, o patriarcado atua de maneira distinta para os sexos opostos e sabemos que os olhares
serão diferentes de acordo com as vivências particulares desses indivíduos, portanto, a partir
120

dos trechos destacados em negrito, problematizaremos essas respostas para o melhor


entendimento.

PESQUISADORA: Você se reconheceu nas cenas? De que forma?

AEM1: Sim. Por ser menino e fazer trabalho de homem e não trabalho de mulher.

AEM2: Sim. Na parte do menino trabalhando os serviços de homem.

AEM3: Sim, pois como homem eu tenho certas vantagens na sociedade do que a
mulher como exemplo: emprego.

Como podemos perceber, a primeira e segunda resposta se assemelham na forma como


os alunos atribuíram significado às imagens em que Anne está com trajes masculinos e é
chamada para trabalhar descarregando mercadorias. As escolhas lexicais dos alunos “trabalho
de homem” e “serviço de homem” evidenciam como eles enxergam os papéis sociais dos
gêneros e, consequentemente, quais funções cada um deve exercer. A cena 29 aborda a divisão
sexual do trabalho que impera há séculos. Federici (2017) afirma que:
Sobre esta base, foi possível impor uma nova divisão sexual do trabalho, que
diferenciou não somente as tarefas que as mulheres e os homens deveriam realizar,
como também suas experiências, suas vidas, sua relação com o capital e com outros
setores da classe trabalhadora. Deste modo, assim, como a divisão internacional do
trabalho, a divisão sexual foi, sobretudo, uma relação de poder, uma divisão dentro da
força de trabalho, ao mesmo tempo que um imenso impulso à acumulação capitalista
(FEDERICI, 2017, p. 232).
Considerar esses contextos sóciosculturais e promover a criticidade sobre eles requer
esse espaço, que estamos sinalizando com essa pesquisa, na sala de aula. A partir do texto
visual, é possível explorar ideias implícitas ou explícitas que reforcem o condicionamento das
mulheres, por exemplo, ou que busquem manipular a população a partir dos interesses
individuais. Por isso, um aspecto importante de se considerar no desenvolvimento do
letramento visual crítico é atentar para o produtor do texto e o seu interesse com a produção.
Figura 28 – Anne trabalha descarregando mercadorias

Fonte: 02ª temporada, 06º episódio, 17min e 52s


121

Considerando a imagem analisada (figura 28) e a necessidade de incorporar os


multiletramentos na prática escolar, propomos com o nosso trabalho essa possibilidade para o
professor de LI contextualizar sua aula fazendo uso de uma ferramenta midiática e estimulando
a criticidade dos estudantes visando a sua atuação na sociedade. O GNL (1996) afirma que:

Para responder às mudanças radicais na vida profissional que estão em curso,


é preciso trilhar um caminho cuidadoso que proporcione aos alunos a
oportunidade de desenvolver habilidades de acesso a novas formas de
trabalho por meio do aprendizado da nova linguagem de trabalho. Mas, ao
mesmo tempo, como professores, nosso papel não é simplesmente ser
tecnocratas. Nosso trabalho não é produzir trabalhadores dóceis e obedientes.
Os alunos precisam desenvolver a capacidade de falar, negociar e ser capazes
de se envolver criticamente com as condições de suas vidas profissionais
(NEW LONDON GROUP, 1996, p. 06).

A relação escola – sociedade precisa, então, caminhar em consonância para que o


ensino seja de fato, eficiente e útil para os estudantes. Nesse ponto, o GNL, já na década de
1990, pressupunha que era preciso um redesenhar da forma que se educava visando uma
educação integral que fosse além dos conteúdos, vistos isoladamente. Decerto, a comunicação
contemporânea pautada no visual, exige o nosso letramento crítico diário para nos
comunicarmos melhor. Logo, essas habilidades podem ser estimuladas e oportunizadas na sala
de aula, principalmente, porque a dinamicidade do visual apresenta muitas possibilidades para
a prática docente.
Ao invés de ignorar as interações midiáticas dos alunos, a escola ganhará mais força
valorizando os conhecimentos prévios dos indivíduos em seus contextos particulares, afinal, a
sala de aula é um espaço, por si só, heterogêneo e cada aluno tem o que contribuir para a
construção da aprendizagem coletiva e individual.

Cada sala de aula inevitavelmente reconfigurará as relações de diferença local e global


que agora são tão críticas. Para serem relevantes, os processos de aprendizagem
precisam recrutar, em vez de tentar ignorar e apagar, as diferentes subjetividades -
interesses, intenções, compromissos e propósitos - que os alunos trazem para a
aprendizagem. O currículo agora precisa se mesclar com diferentes subjetividades, e
com suas linguagens, discursos e registros que os acompanham, e usá-los como
recurso de aprendizagem (NEW LONDON GROUP, 1996, p. 09).

Validando o nosso pensamento, o GNL aponta para o conjunto de subjetividades que


devem ser exploradas na sala de aula como ponte para alcançar a aprendizagem desejada, sendo
assim, relacionar as matérias, selecionar os conteúdos de acordo com a comunidade na qual a
escola está inserida, promover discussões críticas sobre e através do visual são meios de
contextualizar o ensino socialmente e de promover o letramento visual crítico.
122

As séries são uma, entre as muitas possibilidades de recursos midiáticos existentes


atualmente. O professor de LI precisa, contudo, observar o espaço no qual atua de modo que,
possa identificar qual recurso metodológico funcionará com mais eficácia para o seu público e
comunidade escolar.
Pudemos constatar com os nossos resultados que, trabalhar com séries de TVs pode
ser útil na prática pedagógica da aula de LI, oportunizando aos alunos de escola pública a
ampliação da concepção de texto e o contato com essas novas formas de produções textuais.
Evidenciamos o potencial das séries de TVs como recurso metodológico que contempla tanto
aspectos linguísticos como aspectos sócioculturais. Elencamos no quadro abaixo, os modos
semióticos mais citados pelos participantes nos roteiros de análise.

Quadro 07 – Modos semióticos mais citados pelos alunos

1. Expressões Faciais: 25
2. Discurso: 24
3. Olhar: 23
4. Vestimenta: 17
5. Entonação da Voz: 08
6. Movimentos Corporais: 07
Com base nas cenas trabalhadas, acreditamos que as imagens têm um forte apelo
comunicativo para o público adolescente, faixa etária dos participantes da pesquisa, sendo esse
fator um atrativo para explorar o visual dentro do contexto escolar. Qualificamos o engajamento
dos estudantes durante a nossa intervenção como positivo, visto que, todos os alunos presentes
nas três aulas ministradas não apresentaram resistência.
Evidenciamos também, como o trabalho com textos visuais pode promover uma
aproximação entre a escola e a condição social dos alunos fazendo-os refletir, questionar e
opinar sobre aspectos sóciocríticos das suas realidades, no nosso caso, aspectos das
representações sociais da mulher presentes nas cenas. O modelo Show Me é uma possibilidade
de amparo teórico-metodológico para os professores começarem a estimular o letramento visual
crítico, sendo assim, a proposta didático/pedagógica de Callow precisa ser mais disseminada
nas formações docentes, por exemplo.
Logo, nossa intervenção trouxe uma possibilidade de atividade que explore o
letramento multimodal crítico tão necessário na sociedade contemporânea. Propor a análise das
cenas sob uma ótica multimodal demonstrou aos discentes que as imagens podem funcionar
123

independentemente de texto escrito e que elas, não são apenas meros suportes do código verbal.
A seguir, apresentamos uma proposta de exploração das cenas em um formato de cartilha
pedagógica para auxiliar o professor na sua prática em sala de aula.

A MULTIMODALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: EXPLORANDO


REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MULHER NA SÉRIE “ANNE WITH AN E”

1 APRESENTAÇÃO

A dinamicidade da sociedade contemporânea tem afetado a nossa comunicação


significativamente. Nos últimos anos, pudemos constatar a transição de um mundo analógico
para o digital e, com ele, novos aparelhos, novos recursos e novas redes sociais. Com essa
mudança, passamos a produzir textos em diferentes formatos explorando, principalmente, o
visual. O modo visual está presente em todas as nossas produções e atrai o nosso olhar por se
configurar em múltiplos modos como: sons, movimentos, cores, imagens e etc. Na verdade,
todas as nossas produções sempre foram multimodais (KRESS, 1996), mas, atualmente, estão
mais evidentes.
Nessa perspectiva, atribuímos à escola e aos professores o dever de oportunizar na sua
prática pedagógica o desenvolvimento de uma leitura multimodal que possa formar o aluno
criticamente para a sua vida social. Esse ensino pode se dar através das inúmeras ferramentas
que as mídias digitais nos oferecem, como por exemplo, o recurso semiótico escolhido para a
nossa intervenção: uma série de tv. Cada recurso semiótico apresenta suas limitações e suas
potencialidades (affordances) de acordo com o que se pretende desenvolver (BEZEMER;
JEWITT, 2009), ficando a cargo do professor, atuar como um designer, (BEZEMER, KRESS,
2014) selecionando e adequando a ferramenta aos seus objetivos.
Para esta intervenção, utilizaremos a série Anne with an “e”, disponível na plataforma
de streaming Netflix, que é um roteiro adaptado e produzido por Moira Walley-Beckett. A
produção audiovisual se baseia nas obras literárias de Lucy Maud Montgomery com
classificação infanto-juvenil e é permeada de temáticas que podem ser exploradas na sala de
aula. Com o intuito de estimular o letramento multimodal crítico dos estudantes, trabalharemos
as representações sociais da mulher contidas nas cenas que selecionamos para a aula de língua
inglesa com o intuito de discutir papéis sociais representados nas cenas analisadas.
124

Sob essa perspectiva, esta cartilha levará para a sala de aula de língua inglesa uma
proposta didático-pedagógica com base nos aspectos propostos pelo modelo Show Me de Jon
Callow (2008, 2013), que contemplam as dimensões afetivas, composicionais e críticas. O
modelo, por sua vez, baseia-se na Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen (1996,
2006). O intuito desta cartilha é fornecer um guia prático para os professores da área de línguas
explorarem nas suas aulas a abordagem multimodal objetivando assim, a ampliação do conceito
de leitura e interpretação dos estudantes através das séries de tv. Com as nossas sugestões de
atividades, o docente poderá adaptá-las e adequá-las de acordo com o seu contexto educacional
estimulando a criticidade dos discentes.
2 TEMA

Propomos com esta cartilha a exploração da temática de igualdade de gênero e


construção de papéis sociais, especialmente, o das mulheres. Essa discussão se enquadra na
proposta de um ensino crítico contextualizado com as nuances sociais em voga.
Entendemos que, a sala de aula é o espaço onde a discussão e reflexão de temáticas
necessárias para a sociedade devam ser promovidas. Deste modo, estimular o pensamento
crítico é imprescindível para a prática pedagógica dos docentes da área de línguas.

3 CONTEXTO DE APLICAÇÃO DA PROPOSTA


125

Professores do Ensino Médio (1ª, 2ª e 3ª séries)


PÚBLICO
PÚBLICO-ALVO Alunos do Ensino Médio (1ª, 2ª e 3ª séries)

ÁREA DE Ensino de Língua Inglesa


CONCENTRAÇÃO
DURAÇÃO 04 horas/aulas

4 MATERIAL DIDÁTICO

❖ Para esta proposta didática, selecionamos duas cenas da série Anne with an e,
disponível na plataforma de streaming Netflix. Na descrição abaixo, informamos a
temporada, episódio e minutagem das cenas selecionadas para que a atividade seja
realizada focada nesses recortes visuais.
❖ Para a realização da proposta é necessário o uso de datashow, caixa de som e
notebook.

1ª CENA

02ª temporada, 06º episódio, 13min e 40s


126

2ª CENA

02ª temporada, 09º episódio, 01min e 03s

5 OBJETIVOS

Explorar a potencialidade das


séries de tv como ferramenta Conhecer as concepções dos
pedagógica na sala de aula de discentes sobre representações
língua inglesa à luz da sociais da mulher na série Anne
multimodalidade e do letramento with an “e” na sala de aula de língua
visual crítico; inglesa do ensino médio;

Estimular a percepção dos alunos Oportunizar o exercício do


em relação às dimensões afetiva, letramento visual crítico com os
composicional e crítica, a partir da alunos, dialogando com as práticas
série; sociais dos alunos.
127

6 O MODELO SHOW ME DE CALLOW: TRÊS DIMENSÕES PARA A LEITURA DE


TEXTOS VISUAIS

1ª DIMENSÃO: AFETIVA

Explora o aspecto afetivo dos


textos visuais (sentimentos,
sensações, conhecimento prévio
etc.)
2ª DIMENSÃO: COMPOSICIONAL

Faz uso da metalinguagem


específica para explorar os textos
visuais.

3ª DIMENSÃO: CRÍTICA

Estimula o entendimento sócio


crítico considerando as relações de
poder presentes nos textos
visuais/multimodais (ideias,
conceitos e classificações
representadas nas imagens).

7 PASSO A PASSO

1ª CENA e 2ª CENA

Contextualize a série e especificamente, a cena que será exibida para os estudantes


informando-os, por exemplo, que ela é baseada em livros, informando quantas
temporadas tem e onde está disponível.

Estimule os alunos a observarem toda a composição da cena incluindo posturas


corporais, expressões faciais, vestimentas, movimentos e ângulos.
128

Exiba o recorte da cena.

Enquanto a cena é exibida, sugerimos que o professor faça alguns comentários


reforçando a leitura visual dos alunos.

Após a exibição da cena, o professor pode estimular os alunos através das perguntas
sugeridas pelo modelo Show Me para cada dimensão:

Questões para explorar a dimensão afetiva

1. O que você mais gostou na cena? Por quê?


2. E o que você não gostou? Por quê?
3. Quando você olha para essa cena, o que você sente? Diga-me por que você sente isso.
4. O que na cena faz você se sentir dessa forma?
5. Essa imagem representa alguma experiência vivida por você? Por quê?
6. Você se identifica com alguma imagem da cena? Qual? E, por quê?
7. As pessoas representadas na cena lhe inspiram algum tipo de sentimento (alegria,
tristeza, medo, solidão)?
8. Você já se sentiu como essa personagem?

Questões para explorar a dimensão composicional

1. Você pode me dizer o que está acontecendo ou o que a personagem está fazendo?
2. Como as personagens se comportam na cena?
3. O que as expressões faciais das personagens expressam?
4. Que tipo de ideia e/ou sentimento essa cena representa?
5. Como essa cena representa isso?
6. O que está acontecendo na cena?
7. Você pode dizer onde se passa essa história? Por quê?
8. Existem alguns elementos (como cores, formas, texturas) que se remetem a uma cultura em
especial? Quais? E qual cultura tentam representar? Por que você acha que a cena foi composta
dessa forma?
9. Essa imagem representa um tema, uma ideia ou sentimento? Qual?
10. Você pode me dizer quem está olhando por cima e quem está olhado por baixo?
11. Quem parece mais forte, a personagem que olha por cima, ou a personagem que olha por
129

baixo? Por quê?


12. Que outras características demonstram quem é mais forte?
13. Descreva a relação entre as personagens e diga o que levou você a essa conclusão.

Questões para explorar a dimensão crítica

1. Na sua opinião, como as mulheres são representadas nas cenas?


2. As personagens concordam ou discordam nas cenas? Por quê?
3. Você concorda com o pensamento das personagens? Por quê?
4. A personagem Anne defende qual ideia? E a personagem Marila?
5. Você concorda com a forma que as mulheres são representadas nas cenas? Por quê?
6. Podemos perceber que a personagem Anne não se sente confortável com o cabelo curto. Na
sua opinião, como é possível perceber isso?
7. O que você acha da atitude da personagem em relação ao cabelo? Você já esteve em alguma
dessas posições?
8. Você conhece alguém que tem atitudes parecidas com as da personagem?
9. Você considera alguém bom ou mau nessa cena? Quem? Por quê? Quais elementos fizeram
você pensar assim?
10. Você acha que tem alguém em desvantagem nessa cena? Quem? Por quê?
130

8 CONCLUSÃO
Nesta proposta pedagógica, partimos do pressuposto de que as interações sociais estão
sofrendo mudanças significativas que exigem a nossa atenção. O avanço veloz da tecnologia
tem transformado a nossa comunicação e o uso de diferentes modos e signos representacionais
estão presentes em todas as esferas sociais. Compreender essa diversidade de modos e signos
tem se tornado uma necessidade diária.
Procuramos aqui, nortear o trabalho do professor de modo que este possa explorar na
sala de aula de língua inglesa as mais diversas formas textuais de forma crítica e consciente.
Com a propagação das séries de tv em alta, utilizá-las como ferramenta pedagógica é promover
o letramento multimodal crítico.
Com esta cartilha, o docente poderá adequar as nossas sugestões ao seu contexto
podendo fazer uso de outro seriado e selecionando as perguntas coerentes com os seus
objetivos. Nosso intuito é contribuir para um ensino crítico e contextualizado socialmente.
131

REFERÊNCIAS

CALLOW, J. Show me: principles for assessing students visual literacy. The Reading
Teacher, 6 (18), 2008, p. 616 - 626.

CALLOW, J. Literacy and the visual: broadening our vision. In: English Teaching: Practice
and Critique. 2013, p. 6-19.

BEZEMER, J.; JEWITT, C. Social semiotics. In: Östman J-O et al. (Ed.) Handbook of
Pragmatics. Amsterdam: Benjamins Publishing Company, 2009.

BEZEMER, J. KRESS, G. Young people, Facebook and pedagogy: Recognizing


contemporary forms of multimodal text making. In: KONTOPODIS, M.; VARVANTAKIS,
C.; DAFERMOS, M.; WULF, C. Youth, Tube, Media: Qualitative insights and international
perspectives, Berlin: Waxmann, 2014. 1-15.

KRESS; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of visual design. London and
New York: Routledge, 1996, 2006.
THE NEW LONDON GROUP.A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures. In:
COPE, B.; KALANTZIS, M. (eds). Multiliteracies – Literacy learning and the design of
social futures. London: Routledge, 1996, 2000.

Na próxima seção, apresentamos as nossas considerações finais acerca do nosso


trabalho de modo a, revisitarmos a estrutura na qual ele foi escrito, os seus objetivos e
finalidades bem como, traçamos a nossa conclusão dos resultados obtidos e se, esses foram
positivos ou negativos de acordo com os objetivos definidos.
132

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Ninguém além de você pode
determinar o seu valor.”
Anne with an “e”

A presente pesquisa partiu do pressuposto de que as interações sociais estão sofrendo


mudanças significativas que exigem a nossa atenção. O avanço veloz da tecnologia tem
transformado a nossa comunicação e o uso de diferentes modos e signos representacionais estão
presentes em todas as esferas sociais. Compreender essa diversidade de modos e signos tem se
tornado uma necessidade diária.
Entende-se por modos semióticos imagens, cores, sons, palavras, postura, pois, eles
exigem a interpretação, ou seja, a leitura do que esses modos representam em termos de
significado ou ideologias. Interpretar um texto é uma ação que exige criticidade, reflexões e
habilidades de compreensão, todavia, integrar esse conjunto de fatores na prática pedagógica
ainda é um caminho a ser percorrido, para tanto, é necessária a reavaliação da concepção de
texto, principalmente, entre os docentes.
Os estudos da linguagem sob a abordagem da multimodalidade têm contribuído para
essa ampliação do que se entende ser um texto, pois, consideram a composição do texto a partir
de vários modos semióticos, ou seja, todo texto é multimodal por apresentar mais de um modo
além da palavra. Diante do exposto, integrar a abordagem multimodal na prática escolar
desenvolverá as habilidades concernentes aos multiletramentos, tornando os alunos
criticamente letrados.
Observados esses aspectos, consideramos relevante para o professor de língua inglesa
trabalhar as suas aulas sob a perspectiva multimodal integrando a elas as novas mídias digitais.
No mundo globalizado em que vivemos, os alunos estão expostos constantemente a
informações através das mídias e os textos visuais são uma característica desse mundo e
globalizado que, também tem destacado o quanto é importante dominar um segundo idioma,
portanto, acreditamos que as aulas de língua inglesa podem e devem ser dinamizadas de modo
a contemplarem tanto o aspecto língua como o aspecto linguagem.
Diante disso, a nossa pesquisa intentou promover o letramento multimodal crítico
através da série de tv Anne with an “e” de modo a verificar e exemplificar como as séries de tv
podem se tornar ferramentas pedagógicas na sala de aula de língua inglesa. Trabalhando as
cenas sob a ótica da multimodalidade, os alunos foram levados a interpretá-las como textos
visuais que são, analisando todos os componentes presentes e produzindo sentidos a partir dessa
análise.
133

Assim sendo, oportunizamos aos alunos participantes que registrassem suas


percepções sobre as cenas exibidas em um roteiro de análise semiestruturado elaborado de
acordo com a proposta didático-pedagógica do modelo Show Me de Jon Callow e alguns
elementos da GDV. Recolhemos 29 (vinte e nove) roteiros que continham 07 (sete) perguntas
subjetivas cada, e no total, analisamos 203 respostas.
Concomitantemente, foram feitas as gravações das aulas, perfazendo um total de 03
(três) aulas que tiveram 50 (cinquenta) minutos cada, totalizando 150 minutos de gravações. A
partir da análise do material coletado averiguamos, a priori, as concepções dos estudantes sobre
as representações sociais da mulher nas cenas exibidas, avaliar como os alunos interpretaram
as cenas de acordo com as dimensões afetiva, composicional e crítica e qualificar se houve ou
não, letramento visual crítico pelos estudantes dialogando com os seus respectivos contextos
sociais.
Com base nisso, objetivamos responder as seguintes questões da pesquisa: 1) Quais
concepções sobre representações sociais da mulher os alunos identificaram nas cenas da série
Anne with an “e”? 2) Como as dimensões afetiva, composicional e crítica foram identificadas
pelos alunos? e 3) O letramento visual crítico foi estimulado nas cenas dialogando com as
práticas sociais dos alunos?
De acordo com as questões norteadoras, os nossos objetivos foram definidos em geral
e específicos, sendo o objetivo geral: 1) Investigar a potencialidade das séries de tv como
ferramenta pedagógica na sala de aula de língua inglesa à luz da multimodalidade e do
letramento visual crítico; e os objetivos específicos: 1) Explorar as concepções dos discentes
sobre representações sociais da mulher na série Anne with an “e” na sala de aula de língua
inglesa do ensino médio; 2) Verificar como as dimensões afetiva, composicional e crítica foram
identificadas pelos alunos; e 3) Analisar se o letramento visual crítico foi estimulado
dialogando com as práticas sociais dos alunos.
Para respondermos às questões da pesquisa, criamos categorias de análise de forma a
sistematizarmos os dados coletados mediante os nossos dois instrumentos: roteiro de análise
semiestruturado e gravações das aulas. As categorias de análise se alinhavam com as questões
de pesquisa e exploravam, de um modo resumido: 1) Concepções discentes sobre
representações sociais da mulher; 2) Dimensão afetiva, composicional e crítica nas cenas
trabalhadas; e 3) O letramento visual crítico e o contexto social dos estudantes. Os resultados
obtidos foram expostos e discutidos no capítulo 4.
A questão 1, refere-se a análise das concepções registradas pelos alunos acerca das
representações sociais da mulher identificadas nas cenas trabalhadas. A partir das respostas
134

dadas a pergunta de número 03 do roteiro de análise semiestruturado e da observação da


gravação da aula constatamos que, em sua maioria, os alunos conseguiram identificar uma
situação de discriminação entre as duas personagens da cena, principalmente, através do diálogo
entre as duas, o que de certa forma, expõe como o código verbal, escrito ou falado, é valorizado
no processo de compreensão textual. Outros modos semióticos como: iluminação, cores e
distanciamento das personagens na cena não foram registrados pelos alunos como aspectos
importantes para as suas interpretações.
Em suas respostas, os alunos mostraram entender as opiniões defendidas na cena 01,
apresentando um conhecimento prévio acerca dos termos machismo e feminismo explicitado
nas suas respostas ao roteiro de análise. Nas suas associações, os discentes relacionaram o termo
machismo a Marila e o termo feminista a Anne, o que propôs uma discussão relevante para o
nosso trabalho, refletindo sobre como as mulheres são afetadas pela sociedade patriarcal que as
torna machistas no processo de construção social dos gêneros.
Na questão 2, que se refere às dimensões afetiva, composicional e crítica nas cenas
trabalhadas, ficou evidente o engajamento afetivo dos discentes durante a nossa intervenção
expressa pela unanimidade da participação, preenchimento do roteiro de análise e pela
identificação com as cenas. Constatamos que, essa dimensão foi a mais explícita nos nossos
resultados. As dimensões, composicional e crítica foram identificadas, ainda que de forma sutil
e com o estímulo da professora – pesquisadora, através dos modos semióticos: olhar, postura,
discurso, vestimentas, movimentos, expressões faciais e entonação da voz. Entretanto,
destacamos como positiva a produção de sentidos realizada pelos discentes referentes as
dimensões afetiva, composicional e crítica.
No que tange a questão 3, tratamos do estímulo do letramento visual crítico a partir
dos sentidos veiculados na terceira cena, e como os alunos dialogaram com os seus respectivos
contextos sociais. Analisamos detalhadamente as falas dos estudantes e as suas respostas a
pergunta de número 07 do roteiro de análise semiestruturado em busca de qualificarmos como
se desenvolveu o letramento visual crítico. Observamos que, os alunos apresentaram pouco
domínio de leitura crítica e, por consequência, pouco acesso ao letramento visual crítico
observado tanto pelo quantitativo de respostas negativas para a pergunta de número 07, como
pelas poucas respostas elaboradas que contextualizavam o visual das cenas com as práticas
sociais dos estudantes.
Constatamos que, a ampliação da concepção de texto é o primeiro passo para que a
abordagem multimodal seja implementada na rotina da sala de aula. A compreensão de textos
multimodais acaba por ser necessária dentro da prática pedagógica, portanto, o olhar dos alunos
135

pode e deve ser treinado para as novas composições textuais que estão surgindo. Observamos
que, os alunos não fizeram referência a determinados aspectos visuais presentes nas cenas,
embora a professora – pesquisadora tenha enfatizado antes e durante a intervenção que texto é
tudo aquilo que produz sentidos, logo, podemos fazer a leitura de tudo ao nosso redor.
Compreendemos também que, o monopólio do texto verbal em detrimento de outros modos
passa pela formação dos docentes que, por sua vez, reproduzem nas salas de aula
No que diz respeito à aula de língua inglesa, promover o acesso dos estudantes as
novas mídias é uma forma de dinamizar o material didático e estabelecer conexões com outros
contextos culturais sem sair do foco pedagógico. O uso do livro didático de língua inglesa, que
foi uma grande conquista para a educação brasileira, não precisa ser o pilar de todos os
conteúdos programados para o currículo escolar. Utilizar as séries de tv, que já estão inseridas
no cotidiano de boa parte dos discentes, promove o engajamento afetivo e o estímulo do
letramento visual crítico. A questão é: tornar os multiletramentos uma prática e não, uma
exceção na rotina escolar.
Concluímos que, as séries de tv, no nosso caso, a série Anne with an “e” oferecem
potencial como ferramentas pedagógicas para explorar o letramento multimodal crítico na sala
de aula de língua inglesa abordando o aspecto da linguagem, contanto que seja trabalhado
também, a definição de textos visuais. Consideramos os resultados positivos, a despeito de
nossas ressalvas já descritas, uma vez que, os estudantes, em escalas diferentes de compreensão
visual, demonstraram identificar situações de discriminação de gênero e as suas implicações a
partir dos sentidos representados nas cenas trabalhadas, interpretando o todo da composição
multimodal e não apenas o verbal.
Logo, nossa pesquisa fomenta a discussão da desigualdade de gênero tão enraizada na
nossa história até os dias atuais. Entendemos ser de extrema importância que os alunos tenham
contato com essas temáticas sociais que interferem diretamente nas nossas interações e em
como as relações de poder se estabelecem, visto que, os multiletramentos defendem essa
contextualização de conteúdos na sala de aula de modo que, a educação possa se alinhar com
as práticas sociais dos indivíduos formando leitores críticos do mundo e sujeitos atuantes na
sociedade multimodal.
Nossa pesquisa focalizou no letramento multimodal crítico através de cenas retiradas
da série de tv, Anne with an “e, por este motivo, consideramos relevante que futuras
investigações contemplem outros recursos semióticos e midiáticos assim como, seus potenciais
enquanto ferramentas pedagógicas a exemplo de: podcasts, videoclipes, aplicativos e o próprio
136

aparelho de telefone celular a fim de, compreender melhor como esses recursos atuam no
desenvolvimento do letramento visual crítico na sala de aula.
Por fim, desejamos que esta dissertação possa fomentar os estudos sobre
multimodalidade e possa contribuir para a discussão da representação social da mulher
contextualizada atualmente, promovendo a reflexão das limitações impostas pelo patriarcado.
Esperamos que, a leitura deste trabalho possa ajudar a desenvolver o olhar crítico dos leitores
para a questão de gênero e, a partir desse olhar, que consigamos construir uma sociedade que
impulsione as suas mulheres a ocuparem os espaços que lhe foram, historicamente, negados.
137

REFERÊNCIAS

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Sul: Educs, 2010. ZOLIN, Lúcia Osana; BONICI, Thomas. Teoria literária: abordagens
históricas e tendências contemporâneas. 3. ed. Maringá: Eduem, 2009.

ZOLIN, Lúcia Osana; BONICI, Thomas. Teoria literária: abordagens históricas e tendências
contemporâneas. 3. ed. Maringá: Eduem, 2009.
141

APÊNDICES
142

APÊNDICE A

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO


NORTE - UERN
CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS (CAPF)
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO (PPGE)

Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE)


Curso de Mestrado Acadêmico em Ensino (CMAE)
Rodovia BR 405, Km 153, Bairro Arizona, Pau dos Ferros/RN
E-mail: ppge.pferros@gmail.com
Fone /Fax: (84) 3351.2560/3909

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Este é um convite para você participar da pesquisa “O LETRAMENTO


MULTIMODAL CRÍTICO NO ENSINO DE LÍNGUA INGLESA: EXPLORANDO
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MULHER NA SÉRIE ANNE WITH AN “E” coordenada
pelo (a) Prof. Fernanda Rodrigues de Sousa e que segue as recomendações das resoluções
466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares.
Sua participação é voluntária sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou penalidade.
Caso decida aceitar o convite, seu (a) filho (a) será submetido ao seguinte procedimento:
gravação das aulas ministradas perfazendo um total de 04 aulas com 40 minutos cada e
preenchimento de um roteiro de análise semiestruturado cuja responsabilidade de aplicação é
de Fernanda Rodrigues de Sousa, Graduada em Letras-Inglês pela UECE e mestranda pelo
PPGE/ Campus Avançado de Pau dos Ferros - Universidade Estadual do Rio Grande do Norte.
Essa pesquisa tem como objetivo geral: investigar a potencialidade das séries de tv
como ferramenta pedagógica na aula de língua inglesa à luz da multimodalidade e do letramento
visual crítico e como objetivos específicos: explorar as representações sociais da mulher na
série Anne with an “e” na sala de aula de língua inglesa do ensino médio; identificar como o
uso da série contribui para o letramento visual crítico dos alunos por meio do modelo Show Me
de Jon Callow e verificar como a série Anne with an “e” estimula o letramento crítico dos
alunos para as suas práticas sociais a partir dos sentidos veiculados.
O benefício desta pesquisa é a possibilidade de melhoria do ensino de língua inglesa
através de uma aprendizagem colaborativa e contextualizada socialmente promovendo o
letramento multimodal crítico. Garantimos o anonimato/privacidade do participante na
pesquisa, onde não será preciso colocar o nome do mesmo e para manter o sigilo e o respeito
ao participante da pesquisa, apenas a pesquisadora aplicará os instrumentos e os manuseará.
Todas as informações são sigilosas e não serão divulgadas por ocasião da publicação dos
resultados. Os dados serão guardados em local seguro e a divulgação dos resultados será feita
de forma a não identificar os voluntários. Toda dúvida que você tiver a respeito desta pesquisa,
poderá perguntar diretamente para Fernanda Rodrigues de Sousa no endereço Av. Joaquim de
Sousa Barreto, 464 – Tabuleiro do Catavento, CEP: 62900-000, Russas-CE ou pelo telefone:
(88) 99805-7354.

Consentimento Livre

Concordo em participar desta pesquisa declarando, para os devidos fins, que fui devidamente esclarecido
(a) quanto aos objetivos da pesquisa e aos procedimentos aos quais meu filho (a) será submetido (a).
Foram garantidos a mim esclarecimentos que venham a solicitar durante a pesquisa e o direito de desistir
143

da participação em qualquer momento, sem que minha desistência implique em qualquer prejuízo a
minha pessoa ou a minha família. Autorizo assim, a publicação dos dados da pesquisa, a qual me garante
o anonimato e o sigilo dos dados referentes à minha identificação.

Russas – CE, _________ de _________ de ___________.

Responsável legal pelo (a) participante da pesquisa:

Assinatura: _______________________________________________________________________

Participante da pesquisa:

Assinatura: _________________________________________________________________

Pesquisadora responsável:

Assinatura: ________________________________________________________________

Muito obrigada por sua contribuição!


Fernanda Rodrigues de Sousa
Mestranda em Ensino de Línguas/PPGE/UERN

APÊNDICE B
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
NORTE - UERN
CAMPUS AVANÇADO DE PAU DOS FERROS (CAPF)
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO
(PPGE)

Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGE)


Curso de Mestrado Acadêmico em Ensino (CMAE)
Rodovia BR 405, Km 153, Bairro Arizona, Pau dos Ferros/RN
E-mail: ppge.pferros@gmail.com
Fone /Fax: (84) 3351.2560/3909

INSTRUMENTO DE COLETA DO CORPUS DA PESQUISA:


O letramento multimodal crítico no ensino de língua inglesa:
explorando representações sociais da mulher na série Anne with an “e”
144

INFORMAÇÕES DO (A) ALUNO (A) PARTICIPANTE


Nome ou Pseudônimo: ____________________________________________________
Sexo: ( ) feminino ( ) masculino
Idade: _________

ROTEIRO DE ANÁLISE DAS CENAS

1. Descreva as cenas que foram exibidas.

2. O que mais chamou a sua atenção nas cenas?

3. Como a mulher é representada nas duas cenas exibidas?

4. Como as personagens se comportam nas cenas?

5. Como as personagens se posicionam nas cenas (postura corporal, olhar, roupas e


gestos)?

6. Há inclusão ou exclusão de algum grupo nas cenas exibidas? Qual grupo?


145

7. Você se reconheceu nas cenas? De que forma?

Muito obrigada por sua contribuição!


Fernanda Rodrigues de Sousa
Mestranda em Ensino de Línguas/PPGE/UERN

APÊNDICE C

MODELO DE PLANO DE AULA

02 AULAS

CONTEÚDO: Análise multimodal das cenas 01 e 02 da série Anne with an “e”.

OBJETIVOS: Observar a interação dos alunos com as cenas exibidas.


Aplicar o roteiro de análise para as cenas exibidas.
Colher material para a investigação da pesquisa.

METODOLOGIA: Inicialmente, será feita uma introdução à série Anne with an “e” a fim de
contextualizá-la para a turma. A professora/pesquisadora distribuirá o roteiro de análise
semiestruturado para cada aluno, orientando que os mesmos, façam as suas anotações e
146

observações durante e depois da exibição das cenas. Em seguida, as cenas serão exibidas e, ao
final da segunda cena será dado um tempo de dez minutos para os alunos concluírem as suas
percepções. A professora/pesquisadora recolherá os roteiros de análise. A aula será gravada.

RECURSOS METODOLÓGICOS: Data-show, notebook, caixa de som, quadro e roteiro de


análise semiestruturado impresso.

AVALIAÇÃO: Interação dos alunos durante a realização da intervenção e preenchimento do


roteiro de análise.

APÊNDICE D

MODELO DE PLANO DE AULA

01 AULA

CONTEÚDO: Análise multimodal da cena 03 da série Anne with an “e”.

OBJETIVOS: Observar a interação dos alunos com a cena exibida.


Promover a discussão direcionada acerca da cena 03.
Colher material para a investigação da pesquisa.

METODOLOGIA: Nesta terceira aula, será exibida a terceira cena da série Anne with an “e”
que tem, aproximadamente, 05 minutos. Em seguida, a professora/pesquisadora direcionará a
discussão sobre a cena focando nas dimensões afetiva, composicional e crítica, instigando os
alunos a dialogarem com os seus contextos sociais. Enquanto isso, a professora/pesquisadora
irá tomando nota das suas observações. A aula será gravada por dois aparelhos celulares.
RECURSOS METODOLÓGICOS: Data-show, notebook, caixa de som, quadro e celulares.

AVALIAÇÃO: Participação dos alunos durante a discussão direcionada.

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