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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUÍSTICA APLICADA

LUCY CALDEIRA GOBETI

VIVÊNCIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE INGLÊS NA TERCEIRA IDADE:


UM ESTUDO DE NARRATIVA SOBRE COMUNIDADE DE PRÁTICA E AGÊNCIA

RIO DE JANEIRO - RJ
2023
VIVÊNCIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE INGLÊS NA TERCEIRA IDADE:
UM ESTUDO DE NARRATIVA SOBRE COMUNIDADE DE PRÁTICA E AGÊNCIA

LUCY CALDEIRA GOBETTI

Dissertação apresentada ao Programa


Interdisciplinar de Pós-graduação em Linguística
Aplicada (PIPGLA) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, orientada, como parte das
exigências para obtenção do título de Mestre em
Linguística Aplicada.

Orientador: Prof. Dr. William Soares dos Santos


Coorientadora: Profa. Dra. Christine Siqueira
Nicolaides

RIO DE JANEIRO - RJ
Fevereiro de 2023
FICHA CATALOGRÁFICA
VIVÊNCIAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE INGLÊS NA TERCEIRA IDADE: UM
ESTUDO DE NARRATIVA SOBRE COMUNIDADE DE PRÁTICA E AGÊNCIA

Lucy Caldeira Gobeti


Orientador: Professor Doutor William Soares dos Santos
Coorientadora: Professora Doutora Christine Siqueira Nicolaides

Dissertação de mestrado submetida ao Programa Interdisciplinar de Pós-graduação em


Linguística Aplicada – PIPGLA, Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestra em
Linguística Aplicada.
Examinada por:

_____________________________________________________________________
Professor Doutor William Soares dos Santos - Orientador / Presidente
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

______________________________________________________________________
Professora Doutora Mergenfel Vaz Ferreira – Membro Interno
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

______________________________________________________________________
Professora Doutora Rosalee Santos Crespo Istoe – Membro Externo
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF

______________________________________________________________________
Professor Doutor Marcel Álvaro de Amorim – Suplente Interno
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

__________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Luiz Baptista da Silva – Suplente Externo
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2023
Dedico este trabalho à minha família:
Elizabeth, Jonaci e Helen. Sem vocês,
nada seria possível, nem mesmo eu.
AGRADECIMENTOS

Às participantes da pesquisa, pois sem elas nada teria sido possível. Sou grata por terem
aceitado compartilhar suas histórias, contribuindo tão significantemente para a ciência. Embora
nem todas as entrevistas tenham sido aproveitadas nesta pesquisa, todas contribuíram para o
amadurecimento do estudo.

Aos meus tão amados pais, Jonaci Rodrigues Gobeti e Elizabeth Caldeira Gobeti, por todo amor
e incentivo, por me apoiarem incondicionalmente em toda minha jornada de vida e acreditarem
em minha capacidade, mesmo quando duvidei dela.

À minha querida irmã e melhor amiga, Helen Caldeira Gobeti, que esteve ao meu lado em todos
os momentos, construindo lembranças de uma vida, me acolhendo, me incentivando e me dando
todo suporte, mesmo também tendo uma vida atribulada.

Ao meu companheiro, Kaique Velemen, que esteve à minha disposição para ajudar no que fosse
preciso, não só durante o mestrado, mas ao longo dos últimos sete anos de nossas vidas, sempre
me apoiando, me cobrando, incentivando e tendo paciência nos momentos mais difíceis.

Aos meus amigos Lillian Salarolli, Danielle Marins, Guilherme Diniz, Henrique Miraglia e
Rafael França, que estiveram presentes, me acolhendo ao longo desse percurso, ajudando
sempre que possível, ouvindo meus desabafos e aliviando um pouco o peso que a vida
acadêmica traz. Sem vocês, teria sido ainda mais difícil.

Ao professor William Soares dos Santos, que contribui infinitamente com este estudo,
orientando de forma humanizada, apoiando e sempre me recebendo carinhosamente com bons
conselhos e profissionalismo. Agradeço por ter se disponibilizado a me acolher em um
momento tão difícil.

À coorientadora Christine Nicolaides, que também me recebeu com muito carinho e paciência,
me guiando ao longo da pesquisa e contribuindo com seus conhecimentos.

Ao professor e coordenador do programa de Linguística Aplicada, Rodrigo Borba, um ser


humano excepcional que também me orientou como aluna e me acolheu carinhosamente, com
palavras assertivas e de incentivo.
RESUMO

A população brasileira apresenta aumento significativo na longevidade, conforme apontam


dados do IBGE (2013), o que prevê um crescimento no número de idosos. Embora haja uma
quantidade considerável de pesquisas relacionadas ao envelhecimento, há carência daquelas
que se interessem pela inserção desse grupo em práticas socio-histórico-culturais,
principalmente relacionadas ao ensino-aprendizagem de línguas. Esta pesquisa, fundamentada
teoricamente nos conceitos de Agência (VYGOTSKY, 1978), Comunidade de Prática (LAVE
e WENGER, 1991) e Sentidos e Significados (VYGOTSKY, 1989), investiga a narrativa de
uma aprendiz de língua inglesa na terceira idade. Dentre as questões abordadas estão aquelas
relacionadas ao envelhecimento, à classe social, ao gênero, ao idadismo e à mudança de perfil
da terceira idade. É investigada a relação entre perfil socioeconômico e ensino-aprendizagem
de línguas em uma sociedade globalizada e, ainda, os termos e significados que estão
relacionados a esse grupo e que parecem indexicalizar sentidos com os quais o próprio grupo
não se identifica mais. O objetivo geral é o de compreender melhor as suas vivências diante do
ensino-aprendizagem de língua inglesa por meio do prisma sócio-histórico-cultural,
potencializando as vozes de pessoas com mais de sessenta anos. Houve a tentativa de responder
às seguintes perguntas: qual a percepção que aprendizes de língua inglesa na terceira idade têm
do processo de ensino-aprendizagem? Qual a relação entre ensino-aprendizagem de língua
inglesa e a ressignificação da atual geração de terceira idade? Esses foram os problemas que
guiaram o texto e foram fixados como questões de pesquisa. A metodologia adotada foi a
análise de narrativas orais, geradas através de entrevista com uma aluna de inglês da
pesquisadora (cf. BASTOS & SANTOS, 2013). A análise dos dados levou a considerar, por
fim, que o ensino-aprendizagem de inglês reforça a mudança de perfil que vem ocorrendo na
terceira idade. Pessoas com mais de sessenta anos apresentam fortes traços de agência em suas
atitudes, que podem ser reforçados através de Comunidades de Prática. A mudança de perfil
observada durante a análise faz com que haja a ressignificação dos termos relacionados a esse
grupo, fazendo surgir novas demandas que devem ser ouvidas.

PALAVRAS-CHAVE: envelhecimento / idadismo; agência; sentido-significado; comunidade


de prática.
ABSTRACT

The Brazilian population shows a significant increase in longevity, as shown by data


from the IBGE (2013), which predicts an increase in the number of elderly people. Although
there is a considerable amount of research related aging, there is a lack of research that is
interested in the inclusion of this group in socio-historical-cultural practices, mainly related to
language teaching and learning. This research, theoretically based on the concepts of Agency
(VYGOTSKY, 1978), Community of Practice (LAVE and WENGER, 1991) and Senses and
Meanings (VYGOTSKY, 1989), investigates the narrative of an elderly English language
learner. Among the issues addressed are those related to aging, social class, gender, ageism and
the change in the profile of the elderly. The relationship between socioeconomic profile and
language teaching-learning in a globalized society is investigated, as well as the terms and
meanings that are related to this group and that seem to indexicalize meanings with which the
group itself no longer identifies. The general objective is to understand their experiences in
relation to the teaching and learning of the English language through the socio-historical-
cultural prism, enhancing the voices of people over sixty years old. There was an attempt to
answer the following questions: what is the perception that English language learners in old age
have of the teaching-learning process? What is the relationship between English language
teaching and learning and the resignification of the current elderly generation? These were the
problems that guided the text and were set as research questions. The methodology adopted was
the analysis of oral narratives, generated through an interview with an English student of the
researcher (cf. BASTOS & SANTOS, 2013). Finally, data analysis led to the conclusion that
the teaching-learning of English reinforces the profile change that has been taking place in old
age. People over sixty show strong agency traits in their attitudes, which can be reinforced
through Communities of Practice. The profile change observed during the analysis causes the
terms related to this group to be re-signified, giving rise to new demands that must be heard.

Keywords: aging / ageism; agency; sense-meaning; community of practice.


Lista de Figuras
Figura 1 - Resultado da primeira busca realizada no BDTD ........................................ 21
Lista de Fotos
Foto 1 - carta disponibilizada por aluna ....................................................................... 24
Foto 2 - Ator Flávio Migliaccio em cena, 2018 ........................................................... 47
Foto 3 - Carta de despedida de Flávio Migliaccio ....................................................... 48
Lista de Quadros
Quadro 1- Convenções de Transcrições ....................................................................... 70
Quadro 2- Informações socioeconômica da participante Fonte: criação da autora ...... 76
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 5
CAPÍTULO 1 - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ................................................................. 15
1.1. Interdisciplinaridade e Linguística Aplicada ......................................................................... 15
1.2. Estudos correlatos: o estado da arte ....................................................................................... 17
1.3. Envelhecimento: o locus da pesquisa ...................................................................................... 22
1.3.1. Terceira idade e envelhecimento no Brasil............................................................................. 27
1.3.2. Revolução demográfica: perfil demográfico da terceira idade ............................................. 31
1.4. Teoria Sócio-histórico-cultural e gerontolescência ................................................................ 33
1.4.1. Ensino-aprendizagem de inglês na terceira idade ................................................................. 37
1.5. Contexto recente: o Coronavírus expondo o idadismo .......................................................... 41
1.6. Idoso, gerontolescente? Ressignificação identitária e histórica ............................................ 50
1.6.1. Agência e comunidade de prática na gerontolescência.......................................................... 55
1.6.2. Sentidos e Significados ............................................................................................................. 59
CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA ....................................................................................... 63
2.1. Método e roteiro de entrevistas ............................................................................................... 67
2.2. Estudo de Narrativas ............................................................................................................... 71
2.3. Apresentando o contexto e a participante .............................................................................. 73
2.4. Perfil socioeconômico: visão neoliberal do ensino de línguas ............................................... 75
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DE DADOS ............................................................................... 78
3.1 Análise das falas da participante ............................................................................................ 81
CAPÍTULO 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................... 101
ANEXOS ............................................................................................................................... 116
APÊNDICES ......................................................................................................................... 119
5

INTRODUÇÃO

“Oferecer educação aos idosos vai ao encontro com a


promoção de uma velhice bem-sucedida, visto que
esta pode proporcionar-lhes a manutenção das
competências mentais e sociais, contribuindo para a
construção de sua autonomia.” (MANHÃES et al,
2015, p.82)

De acordo com a Divisão de População da Organização das Nações Unidas (ONU,


2005), a população brasileira com mais de 60 anos era de 14,2 milhões de pessoas em 2000, o
que representava 8,1% da população total. Já a previsão para 2050 é de que a população idosa
chegue a 66,9 milhões, representando 29% do total populacional do país, enquanto a população
brasileira como um todo deve aumentar em escala menor, cerca de 1,3 vezes (30%). Dito de
outra maneira, a população está envelhecendo e a pirâmide demográfica terá alterações
significativas em seu formato ao longo dos próximos anos, o que requer uma nova visão de
como tratamos a terceira idade em nível social, cultural e econômico.
No contexto nacional, a longevidade da população é projetada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE, 2013) ao comparar a demografia da população por gênero e
idade partindo dos dados do ano de 2013 e realizando projeções para os anos de 2040 e de 2060.
De acordo com as projeções do Instituto, há um crescimento significativo da população idosa,
já que o número de indivíduos no grupo etário de 60 a 64 anos em 2013 se concentra em
7.379.912, já a previsão para 2060 atinge 15.379.016 neste mesmo grupo etário. O crescimento
se mantém no grupo de 65 a 69 anos, que apresenta um aumento exorbitante de 5.565.313 em
2013, para 14.288.480 integrantes em 2060. Os grupos etários seguintes – de 70 a 74 anos, 75
a 79 anos, 80 a 84 anos, 85 a 89 anos e mais de 90 anos – também cresceram em milhões, tendo
em 2013 o grupo de 85 a 89 menos de 1 milhão de integrantes (996.763) e, em contrapartida,
em 2060 o mesmo grupo contará com mais que o triplo, uma população de 5.434.778. Diante
disso, percebe-se que pessoas com mais de 65 anos serão mais de um quarto dos brasileiros em
2060 (IBGE, 2013).
O aumento da longevidade e da população acima dos sessenta anos motivou essa
pesquisa, porém não somente isso. Há uma perceptível mudança no perfil daqueles que têm
mais de sessenta anos, incluindo uma busca crescente por atividades que os insira socialmente,
como, por exemplo, aprender uma nova língua. Essa nova forma de envelhecer – ou seja, de
amadurecer – confronta a noção de uma terceira idade inativa e desinteressada, reformulando a
6

visão que se tem desse grupo. Essa ressignificação identitária expõe, ainda, que certas
nomenclaturas já não são mais tão bem aceitas por esse público, como as palavras “velho”,
“idoso”, e até mesmo o termo “terceira idade” e há motivos para isso. Vygotsky declara que “o
sentido de uma palavra é a soma de todos os acontecimentos psicológicos que essa palavra
desperta em nossa consciência. Assim, o sentido é sempre uma formação dinâmica fluida,
complexa, que tem várias zonas de estabilidade variada” (VYGOTSKY, 1934/2001b, p.465).
Dito de outra maneira, o sentido das palavras usadas atualmente para “categorizar” o adulto
com mais de sessenta talvez não os represente mais, pois estão associadas a acontecimentos
psicológicos referentes às gerações passadas desse grupo etário. Hoje, pessoas com mais de
sessenta anos não performam da mesma maneira que pessoas no mesmo grupo etário, mas na
década de 50, por exemplo.
Ainda como fator de motivação para esta pesquisa, a percepção da passagem do tempo
e do envelhecimento/desenvolvimento humano sempre foram questões de interesse pessoal,
tendo em vista que todo ser humano atravessa esse percurso de vida, embora alguns por mais
tempo que outros. Certa vez, ao dialogar sobre envelhecimento com uma terapeuta, fui
questionada se temia a morte. Afirmei que não, não temia interromper o ciclo da vida
repentinamente, mas que achava estranho ver meus cabelos cada vez mais grisalhos e minhas
mãos enrugando lentamente. Em resposta, ouvi que o envelhecimento é um lembrete da finitude
da vida, de que todos caminhamos em direção à morte. Essas palavras pesaram na época, mas
o próprio amadurecimento, ironicamente trazido pelo envelhecimento, trouxe a consciência de
que, da mesma maneira que o que valoriza o ouro é sua escassez, o que dá valor à vida é seu
fim e, consequentemente, como vivemos seu percurso, ou seja, como envelhecemos. Hoje,
penso que devemos valorizar a vida como quem valoriza o ouro, mas descordo de que o
envelhecimento seja um lembrete da morte. Penso que seja, na verdade, uma forma de
percebermos a passagem do tempo e entendermos a mudança do mundo. O envelhecimento é,
na verdade, um lembrete da vida.
Além do interesse pessoal pelo envelhecimento, que acabou se transformando em
curiosidade científica, leciono língua inglesa (aulas particulares) para pessoas mais velhas,
algumas tendo mais de sessenta anos, e a proximidade com alunas na terceira idade também foi
responsável por acender a vontade de aprofundar meus conhecimentos acerca dos aspectos
envolvidos no processo do envelhecimento, principalmente depois de ouvir, mais de uma vez,
uma das alunas relatando que o marido afirmava ser inútil continuar com as aulas de inglês,
porque não se aprende mais nada “depois de velho”. Assim, foi dessas experiências que nasceu
o propósito desta pesquisa, que investiga a vivência de aprendizes de língua inglesa na terceira
7

idade por meio de um estudo de caso, a pesquisa narrativa desta mesma aluna cujo marido
desencorajava a continuar com as aulas.
Aproveito para esclarecer que a aluna cujas narrativas foram analisadas nesta pesquisa
não representa a grande parte da população brasileira com mais de sessenta anos, tendo em vista
que ela está inserida na classe alta e dispõe de recursos financeiros que proporcionam um acesso
facilitado a um envelhecimento ativo e saudável. Rafaela, pseudônimo escolhido pela própria
participante, tem o privilégio da aprendizagem de língua inglesa com uma professora particular.
Foi esta relação de professora e aluna que possibilitou esse estudo, realizado durante a
pandemia, que limitou meu acesso a outros aprendizes com mais de sessenta anos, devido ao
período de isolamento social. Apesar de não representar uma fatia grande da população,
conforme apontam estudos da Fiocruz1 sobre o envelhecimento na América Latina que
comprovam que cerca de 40% dos idosos na América Latina não possuem renda fixa, Rafaela
foi a aprendiz com mais de sessenta anos que consegui acessar. Este esclarecimento visa
justificar a escolha da participante para evitar tendências ao elitismo no meio acadêmico. As
vivências de Rafaela, embora tenham sido influenciadas por sua classe social privilegiada,
também são de grande valor e importantes de serem analisadas, porque podem contribuir com
futuros estudos sobre ensino-aprendizagem de língua inglesa na terceira idade.
Este estudo está ancorado em uma investigação interdisciplinar2 da Linguística
Aplicada (doravante, LA), posto que transcende os limites da Teoria Socio-histórico-cultural
(TSHC) (VYGOTSKY, 1978) e lida com diferentes perspectivas de atuação do idoso na
sociedade, lançando, assim, mão de conceitos da Gerontologia3, da Sociologia, da Psicologia,
da Antropologia e do Desenvolvimento Humano. Apoiada nesses campos epistemológicos,
delineei os princípios que norteiam esta pesquisa e, assim, em nível de análise macro, foram
estabelecidos como categorias os conceitos de agência (VYGOTSKY, 1978; STETSENKO,
2017), comunidade de prática (LAVE E WENGER, 1991), sentidos e significados
(VYGOTSKY, 1989). Tendo como base esses conceitos e levando em consideração, em nível
microtextual, os conceitos de análise de Labov (1972), foi desenvolvido um estudo de caso de

1
Disponível em <https://portal.fiocruz.br/noticia/pobreza-e-principal-obstaculo-para-idosos-da-america-latina>
2
Segundo Moita Lopes (2016, p.19) “o tipo de conhecimento teórico com o qual o linguista aplicado precisaria se
envolver, para tentar teoricamente entender a questão de pesquisa com que se defrontava, atravessava outras áreas
de conhecimento. Essa lógica da interdisciplinaridade possibilita, então, à LA escapar de visões preestabelecidas
e trazer à tona o que não é facilmente compreendido ou que escapa aos percursos de pesquisa já traçados.” Nesta
pesquisa, a interdisciplinaridade é usada com intenção de amplificar as possibilidades de estudo das vivências de
ensino-aprendizagem na terceira idade.
3
Segundo Neri (2008, p.95), a Gerontologia trata de um “campo multi e interdisciplinar que visa à descrição e à
explicação das mudanças típicas do processo de envelhecimento e de seus determinantes genético-biológicos,
psicológicos e socioculturais”. Portanto, este campo investiga experiências relacionadas à velhice.
8

análise da narrativa (MISHLER, 1999; BASTOS & SANTOS, 2013) de uma participante, que
é aprendiz de inglês como Língua Adicional4 (LAd) e tem mais de sessenta anos de idade.
Nesta pesquisa, tenho como objetivo geral investigar vivências diante do ensino-
aprendizagem5 de língua inglesa por meio do prisma sócio-histórico-cultural, potencializando
as vozes de pessoas com mais de sessenta anos. Para tanto, desenvolvi os seguintes objetivos
específicos: i) investigar os papeis de agência, da comunidade de prática e dos sentidos e
significados relacionados com as experiências relatadas; ii) analisar as possíveis influências
socioeconômicas relacionadas ao ensino-aprendizagem dessa língua na terceira idade; e iii)
avaliar a relação entre o ensino-aprendizagem de inglês como Língua Adicional depois dos
sessenta anos de idade e a transformação identitária desse grupo. As perguntas que orientaram
a investigação foram: qual a percepção que aprendizes de língua inglesa na terceira idade têm
do processo de ensino-aprendizagem? Qual a relação entre ensino-aprendizagem de língua
inglesa e a ressignificação da atual geração de terceira idade? Esses foram os problemas que
me guiaram ao longo do texto e que foram fixados como questões de pesquisa.
A fim de situar esta investigação e buscar aporte teórico, foi feita uma análise de
estudos correlatos, que abordaram temas semelhantes, como as de Cardoso, Ribas e Gouvêa
(2015); Bernardo (2018) e Pizatto et al. (2018), que se empenham em criar um novo olhar, não
só para a relação entre terceira idade e o aprendizado de língua inglesa, mas, também, para a
maneira com a qual essa relação reflete na ressignificação social daqueles que constituem essa
faixa etária, que, se comparada com décadas anteriores, de modo geral, ainda que não
exclusivamente, vive por mais tempo e melhor (CARDOSO; RIBAS; GOUVÊA, 2015).
Embora sejam estudos de grande relevância, o estado da arte aponta para uma lacuna nesse
tema, não só no sentido temporal, tendo em vista a data dos estudos anteriores, mas, também,
porque nenhum abrange os aspectos que pretendo discutir nesta dissertação.

4
“Segundo os autores, optar por tal termo, no lugar de ‘línguas estrangeiras’ torna implícito que: priorizamos o
acréscimo dessas línguas a outras que o educando já tenha em seu repertório (língua portuguesa e/ou outras);
assumimos essas línguas como parte dos recursos necessários para a cidadania contemporânea: são úteis e
necessárias entre nós, em nossa própria sociedade, e não necessariamente estrangeiras; reconhecemos que, em
muitas comunidades, as línguas que ensinamos não são a segunda língua dos educandos, por exemplo, em
comunidades surdas, indígenas, de imigrantes e de descendentes de imigrantes; reconhecemos que essas línguas
são usadas para a comunicação transnacional, isto é, muitas vezes estão a serviço da interlocução entre pessoas de
diversas formações socioculturais e nacionalidades, não sendo portanto possível nem relevante distinguir entre
nativo e estrangeiro” (SCHLATTER & GARCEZ, 2012, p.34).
5
Optei pelo uso do termo ensino-aprendizagem, uma vez que a base teórica sócio-histórico-cultural desta pesquisa
remete ao termo “obuchenie” do russo, no qual, ao se referir ao processo de aprendizagem, automaticamente nos
referimos a ensino. Uma vez que, para Vygotsky, esses dois processos nunca estão desassociados.
9

Quanto à relevância da temática aqui apresentada, acredito que este estudo pode
contribuir6 para os processos de ensino-aprendizagem de pessoas com mais de sessenta, dentre
outros motivos, porque, ao trabalhar com conceitos vygotskyanos, os relaciono com as
vivências de ensino-aprendizagem de língua inglesa do público-alvo, possibilitando reflexões
sobre algumas particularidades de como essas pessoas estão aprendendo línguas adicionais, e
sobre os seus desejos e motivações ao se alinharem a uma comunidade de prática de ensino e
aprendizagem de línguas. Visando contribuir para o atual debate científico sobre as temáticas
aqui desenvolvidas, este estudo discute processos de ensino-aprendizagem na idade madura,
por isso, seria muito interessante se a pesquisa gerasse impacto teórico-prático na sociedade, de
forma a contribuir, não apenas para futuras pesquisas relacionadas ao tema, mas, também
impacto de ordem prática, na ressignificação do olhar social que se tem para as pessoas dessa
faixa etária, contribuindo na quebra de paradigmas e preconceitos que o envelhecimento ainda
carrega, sobretudo, na área de educação, buscando, assim, não apenas incentivar o estudo de
uma nova língua, mas também possibilitar reflexões a respeito dos melhores processos de
ensino-aprendizagem de línguas para esse público, que vem revolucionando a forma de viver
da terceira idade.
É importante ressaltar que essa qualidade de vida nos anos adicionados é mais
característica em pessoas inseridas em classes sociais mais elevadas, tendo em vista que nem
todo adulto no mundo com mais de sessenta anos tem acesso à saúde e educação de qualidade.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1995), o próprio conceito de qualidade de
vida – que se refere a uma percepção cultural acerca da posição do indivíduo, seu sistema de
valores, expectativas, padrões e preocupações – é baseado em três princípios fundamentais:
capacidade funcional, satisfação e nível socioeconômico. Em outras palavras, a OMS (1995)
sugere que pessoas com baixo nível socioeconômico tendem, em um sistema capitalista, a ter
uma menor qualidade de vida. Isso se reflete, também, na terceira idade que, presume-se,
quando inserida nas classes média e alta, tenha acesso mais facilitado a um estilo de vida mais
ativo e saudável. Tendo em vista sua relevância, a questão de qualidade de vida relacionada à
situação socioeconômica perpassa esta dissertação em diversos momentos.
A nova forma de viver a fase mais madura da vida, como pessoas ativas e engajadas,
é chamada de “gerontolescência” por Alexandre Kalache (1987), médico geriatra e ex-

6
De acordo com análise de bancos de dados de Teses e Dissertações, conforme pode ser visto mais detalhadamente
adiante, a maioria dos estudos relacionados a aprendizagem de línguas na terceira idade focam questões cognitivas,
neurocientíficas. Mesmo quando vista sob ótica social, vertem para questões afetivas e emocionais. Dessa forma,
esse estudo tem a sua contribuição ao relacionar à aprendizagem na terceira idade, aspectos como Agência,
Comunidade de Prática, Sentidos e Significados.
10

presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (CILB), que afirma que esse termo
estará nos dicionários dentro de alguns anos, assim como o termo “adolescência” também foi
aceito de forma relativamente recente na humanidade, de acordo com a psicanalista Luciana
Coutinho7 (2009). Kalache (2017) afirma que a atual geração de idosos está revolucionando a
velhice e transformando o período em uma nova fase, porque são em maior número, têm um
nível de saúde e vitalidade maior e têm melhor formação do que as gerações que envelheceram
antes deles. Embora esta não seja a realidade de toda atual geração de pessoas idosas, tendo em
vista as questões socioeconômicas mencionadas anteriormente, uma comparação geral nos leva
a crer que há uma mudança ocorrendo no perfil do grupo de pessoas acima de sessenta anos.
Apesar de não haver uma faixa etária exata para designar a gerontolescência, Kalache
(2017), responsável pela criação do termo, sugere que está entre os 58 e 75 anos. O especialista
explicou em entrevista à BBC8 que “gerontolescência significa estar pelo mundo, ativo, criando
uma nova construção do que é envelhecer” (KALACHE, 2017). É interessante notar que não
apenas as palavras mudam de sentido dependendo dos seus contextos, mas o contexto também
pode influenciar as palavras, inclusive no nascimento de novas. Segundo Vygotsky, “houve
quem assinalasse que o sentido pode modificar as palavras, ou melhor, que as ideias por vezes
mudam de nome” (VYGOTSKY, [1934] 2001a, p. 182). Assim, a ideia de “idoso” como aquele
acima dos 60 parece estar mudando de sentido, já que hoje não representa mais aqueles que
acabaram de entrar para a terceira idade e não se sentem representados pelo termo. O uso do
termo gerontolescente, conforme cunhado por Kalache (2017), reflete a ressignificação da
terceira idade, que muda o sentido de envelhecer, modificando o significado atribuído às
palavras pelas quais os nomeiam.
Com intenção de acompanhar essa mudança de comportamento e a demanda crescente
de gerontolescentes por atividades ocupacionais e de desenvolvimento, a quantidade de cursos
voltados para a terceira idade vem aumentando significantemente e, embora não seja o foco da
pesquisa, é importante mencionar o surgimento das Universidades Abertas à Terceira Idade9
(UnATIs) no cenário educacional, porque, além de melhorar a qualidade de vida desse grupo

7
De acordo com a psicanalista Luciana Gageiro Coutinho, professora da Faculdade de Educação da Universidade
Federal Fluminense (UFF) e autora do livro Adolescência e errância – destinos do laço social no contemporâneo,
o conceito de adolescência só foi criado pela cultura ocidental bem no final do século XIX, motivado pela ética
individualista romântica. Após a Segunda Guerra Mundial e com as mudanças sociais da época, o termo passou a
ser adotado com maior frequência para classificar a transição da infância para a fase adulta.
8
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-40336295
9
Para Manhães et al. (2015, p.78) “Como política social no Brasil as UnATIs constituem, nos últimos quinze anos,
uma experiência não só consolidada, mas em franco crescimento. Natural, portanto, que a academia passe a se
interessar por registrar suas origens e os movimentos de sua expansão.”
11

de forma acessível, através desse programa é possível alcançar dados relevantes para as
pesquisas voltadas para terceira idade. Dessa forma, é possível afirmar que, ao abrir as portas
para os idosos, as universidades não só estão promovendo saúde e integração geracional, mas
também estão transformando esse público em novos atores sociais que podem ser pontos de
partida para futuras descobertas de gerontologia, já que eles se inserem em um ambiente de
pesquisa ativo (MANHÃES et al., 2015, p.83).
Assim, tais cursos para pessoas acima de 60 anos não oferecem benefícios somente
para os indivíduos frequentadores em si, mas também para os pesquisadores da área de
Gerontologia e de outras ciências, que podem estudar de maneira próxima as vivências de
ensino-aprendizagem na terceira idade, bem como o perfil desse público, o que leva à
observação de fatos intrínsecos a essa realidade, como, por exemplo, a diferença expressiva
entre homens e mulheres na participação de cursos voltados para a terceira idade, que são mais
frequentemente buscado por elas:

A forma de participação e engajamento entre mulheres e homens idosos nos


espaços oferecidos para a terceira idade se diferencia no que concerne ao
gênero. Eles se refletem na predominância de mulheres nos grupos com
atividades extra-domésticas e propostas culturais, de lazer, organizados por
entidades governamentais ou privadas. A saber, centros de convivência,
clubes e universidades para a terceira idade (MANHÃES et al., 2015, p.25).

A questão de gênero é relevante para a dissertação aqui proposta, pois levo em


consideração que leciono aulas para quatro adultas com mais de sessenta e estive em contato
com outras seis que aprendem o idioma através da UnATI e todas são do sexo feminino. A
participante da entrevista que analiso nesta pesquisa também é uma mulher – com mais de
sessenta anos, residente da cidade de Campos dos Goytacazes e aluna da pesquisadora – que
menciona, em suas falas, como os papeis de mãe e/ou esposa tiveram alguma relação com o seu
percurso de desenvolvimento no aprendizado da língua adicional. Este estudo de caso é
singular, pois se propõe a fazer uma investigação dificilmente encontrada na área de LA, sobre
ensino-aprendizagem de língua inglesa sob a perspectiva da própria participante, envolvendo
diversos aspectos, como gênero, classe, construção identitária e outros.
A fim de situar histórica e politicamente esta pesquisa, vale lembrar que, muito embora
haja um esforço de instituições e professores em manter seus programas de ensino operantes,
atravessamos um momento político de desencorajamento à educação que não pode ser
ignorado. Em 2022 (assim como nos três anos anteriores) foi vivido um momento político-
cultural crítico, de mitificação de políticos, ascensão de uma extrema direita e propagação de
12

Fake News (notícias falsas) e de ideias radicais, não embasadas, contra o conhecimento,
principalmente nas áreas humanas. No Brasil, esse comportamento foi incentivado pelo então
presidente Jair Bolsonaro, que, de acordo com o jornal El País (2019), tem “uma conturbada
relação com o mundo acadêmico e o pensamento crítico.” O jornal descreve, ainda, que
Bolsonaro já criticou a autonomia das universidades federais — garantida pela
Constituição — e seu Governo fez ameaças de que instituições fazendo
“balbúrdia” teriam suas verbas reduzidas, tendo como alvo principal as
ciências humanas, área que supostamente teria forte influência de doutrinação
marxista (EL PAÍS, 2019).

Essa ameaça anti-iluminista nos leva não só à compreensão da importância da pesquisa


científica acadêmica, mas também da necessidade de torná-la mais acessível a todos que tenham
interesse em desvendá-la, não apenas aos acadêmicos. A iniciativa de tornar a pesquisa
acadêmica acessível, para que o povo possa apropriar-se do conhecimento e entender sua
relevância, tomou mais força no ano de 2019, quando, em resposta aos cortes de verba e ataques
do presidente Bolsonaro às universidades públicas, alunos universitários ocuparam praças e
ruas10, apresentando banners com linguagem simplificada do que é estudado na universidade
para que, assim, a população pudesse ter uma compreensão básica do que é feito dentro das
universidades e da importância desses estudos para a sociedade, indo contra o que o então
presidente pregava.
Considerando a LA como uma área científica social e INdisciplinar (Moita Lopes,
2006), inclusive no sentido de potencializar vozes até então não ouvidas, devemos ter a
preocupação de tornar estudos da área atingíveis para diversas esferas sociais. Inclusive,
compartilho aqui o desejo de que esta dissertação não seja apenas ferramenta para outros
estudiosos, mas seja também objeto de reflexão daqueles que estão envolvidos nela: a terceira
idade. Nesse sentido, inspiro-me em Fairclough (1989, p. 04) e em sua visão sobre trabalho
acadêmico,

que seja acessível não apenas para alunos e professores de educação nível
superior, mas também para uma variedade de pessoas em outras esferas, e não
tenho, correspondentemente, assumido que leitores tenham conhecimento
especializado em estudos de línguas ou em teoria social, muito embora
imagine que a maioria dos leitores terão alguma familiaridade com um ou
outro.

Disponível em: https://www.clickfozdoiguacu.com.br/em-defesa-da-educacao-6-mil-pessoas-ocupam-ruas-e-


10

pracas-de-foz/. 1. Acesso em 09 fev. 2022.


13

Tendo em mente a importância de tornar o conhecimento alcançável, serão discutidos e


esclarecidos construtos da Teoria Socio-histórico-cultural (TSHC), que lida com as dimensões
afetiva e cognitiva do funcionamento psicológico e as inter-relaciona, mostrando que existem
influências recíprocas do desenvolvimento do indivíduo e da sociedade (REGO, 2007, p.122).
Para Vygotsky (1994), cuja teoria tem como papel relevante as relações interacionais, é a
inclusão das relações entre pessoas que garante o desenvolvimento humano. Nesse sentido, viso
a inclusão e o desenvolvimento ao buscar escrever de forma acessível.
Já havendo registrado alguns aspectos de minha trajetória de professora e pesquisadora
até aqui e estabelecido minhas motivações, perguntas norteadoras e justificativas que tornam
esse estudo relevante, aproveito para esclarecer a organização do texto, que foi feita da seguinte
maneira: na parte de pressupostos teóricos, abordo elementos como a importância da
Linguística Aplicada como área de estudo que pode ajudar na melhor compreensão do mundo
social, o estado da arte dos estudos gerontológicos e o envelhecimento como locus da pesquisa,
bem como o perfil demográfico da terceira idade, sua definição e relação com conceitos da
TSHC; em seguida, no capítulo de metodologia, escrevo sobre o estudo de narrativas e o método
de entrevistas. Em seguida, apresento a participante da pesquisa para, então, analisar suas falas
e, finalmente, fazer algumas considerações finais.
Ao falar sobre envelhecimento, tive como uma das preocupações desmistificar o termo
como sendo evidente apenas para se referir a uma etapa mais avançada da vida e procurei
aproximar o significado de “envelhecimento” ao de “desenvolvimento” e “amadurecimento”,
tendo em vista que a passagem do tempo, apesar de, geralmente, reduzir as capacidades físicas
apenas em idades muito elevadas, faz com que uma criança envelheça tanto quanto pessoas
mais velhas. O avanço do tempo está presente desde a mais tenra idade, o envelhecimento
ocorre ao longo de toda a vida.
No primeiro capítulo, há interesse em esclarecer a revolução demográfica que vivemos
e em apontar alguns dos preconceitos que pessoas dessa faixa etária sofrem e que ficaram mais
evidenciados durante a primeira fase da Pandemia de Covid-19. Ressalto ainda, a problemática
do termo “idoso” e a necessidade de adaptações de termos, que já aparenta estar ocorrendo,
apesar de em passos lentos, a fim de acompanhar uma mudança de estereótipos, que aponta
para possíveis relações entre o comportamento e atos performativos da atual geração de
gerontolescentes e a nova visão que está sendo proposta de terceira idade como fase socialmente
participativa e economicamente ativa. Assim, associarei essa transformação identitária com a
dialética de sentidos e significados de Vygotsky.
14

Houve a preocupação de expor conceitos sócio-histórico-culturais aparentemente


envolvidos no processo de ensino-aprendizagem na terceira idade. Essas concepções teóricas
foram esclarecidas e relacionadas com o tema desta pesquisa, tendo em conta fatores como as
experiências vividas da participante, que as levaram à tomada de decisão de iniciar os estudos
em língua inglesa no presente momento. Essa tomada de decisão será estudada sob a perspectiva
do conceito de agência (VYGOTSKY, 1978), bem como a inserção social será vista com base
no conceito de comunidade de prática (LAVE & WENGER, 1991) e a mudança de estereótipo
percebida dentro dos estudos de sentidos e significados (VYGOTSKY, 1989), que são
momentos do processo de construção do real e do sujeito, na medida em que a objetividade e a
subjetividade são também âmbitos de um mesmo processo, o de transformação do mundo e
constituição dos humanos.
Em relação aos pressupostos teórico-metodológicos, esta pesquisa é compreendida
como um estudo de caso de abordagem qualitativa, uma vez que foram realizadas entrevistas
com seis mulheres com mais de 60 anos, sendo duas provenientes da minha atuação profissional
como docente de Língua Inglesa. Das seis entrevistas realizadas, apenas uma foi selecionada
para esta investigação, tendo em vista que gerou narrativas férteis para análise, e, também, por
ser mais apropriada aos objetivos estruturais de uma pesquisa de mestrado. Nesse trecho,
estabeleço em quais visões metodológicas de narrativas e entrevistas me apoio na análise.
Após a parte metodológica, foi feita uma análise da narrativa da participante, que é o
que dá vida ao trabalho. Busco observar em sua fala aspectos vistos previamente na
fundamentação teórica, respeitando suas experiências e coconstruindo os dados que foram
investigados, utilizando, principalmente, as categorias de análise de Labov (1972). Foi
realizado, ainda, um pequeno questionário socioeconômico, que também será trazido na parte
de análise de dados. Concluída a análise, foram feitos apontamentos finais a fim de esclarecer
e relacionar pontos relevantes para a pesquisa.
15

CAPÍTULO 1 - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, apresento os conceitos, teorias e discussões que embasam a presente


pesquisa. Para tanto, disserto sobre a Linguística Aplicada sob a perspectiva da Teoria Sócio-
histórico-cultural (TSHC), perpassando por aspectos interdisciplinares. A necessidade de
trabalhar brevemente esse tema reside no fato de ser um escopo maior em que se insere a
pesquisa, tendo em vista que a teoria aqui aplicada faz parte da LA e seria inadequado apontar
um caminho para a pesquisa sem antes estabelecer seu berço. Posteriormente, explano, com
maior detalhe, a TSHC, envelhecimento e terceira idade, bem como as categorias de análise
vygotskyanas, que são Comunidade de Prática, Agência e Sentidos e Significados, como já
mencionado. As categorias labovianas de análise e a questão de gênero foram abordadas na
parte metodológica e na análise dos dados.

1.1. Interdisciplinaridade e Linguística Aplicada

Embora não seja um abordagem muito recente, tendo em vista que já se apresentava
nos anos 60 do século XX “como uma importante precursora não somente na crítica, mas,
sobretudo, na busca de repostas aos limites de conhecimento simplificador, dicotômico e
disciplinar da ciência moderna ou clássica” (PHILLIPI & NETO, 2011, p.20), a
interdisciplinaridade, como vista hoje, apresenta uma nova roupagem, com novas
características, que surgiram através dos desafios que lhe foram apresentados como atividade,
ou seja,

[...] a (atividade) de se propor à tarefa precípua de operar nas fronteiras


disciplinares e na (re)ligação de saberes, tendo como finalidade última dar
conta de fenômenos complexos, de diferentes naturezas. A
interdisciplinaridade busca responder, assim, os problemas gerados pelo
próprio avanço da ciência moderna disciplinar, quando esta se caracteriza
como fragmentada e simplificadora do real.” (PHILLIPI & NETO, 2011,
p.21).

Na década de 80, a Linguística Aplicada (LA) se afastava daquilo que Moita Lopes
chama de “ciência mãe” – ou seja, a Linguística – para se relacionar com outras áreas humanas
e sociais. Compartilho da ideia de que

[...] a LA passa a querer-se interdisciplinar. A psicologia (em geral, cognitiva)


e a psicolinguística (do processamento; da aquisição) passam a fornecer as
16

bases antes buscadas exclusivamente na linguística. Campos tão diversos


como a sociologia, a antropologia, a etnografia, a sociolinguística, a estética e
a estilística, a teoria da leitura passam a ser invocados para a compreensão dos
processos investigados. Entretanto, o procedimento de empréstimos não é
rompido. O que ocorre é, apenas, a dispersão de fontes (MOITA LOPES,
2006, p. 255).

Assim como precede a LA, o estudo aqui se propõe a analisar o sujeito como temporal,
social e histórico, como inserido em situações reais, com foco nas mais diversas acepções da
palavra discurso e no retrato da realidade cultural, bem como suas experiências de vida e
relações psicológicas com o desenvolvimento de uma Língua Adicional. Embora não ocorra
um apagamento do sujeito cognitivo e atemporal, essa nova forma de pesquisa traz à tona o
sujeito psicológico e político, e, ainda, o sujeito sócio-histórico. De acordo com Moita Lopes,

[...] no caso da perspectiva sócio-histórica ou sociocultural, é na psicologia


social de Vygotsky e de seus seguidores que pesquisadores em LA, voltados
sobretudo para as políticas linguísticas e o ensino de línguas, vão buscar seus
instrumentos iniciais de reflexão (MOITA LOPES, 2006, p. 255).

Conceição (1999) afirma que, além da LA, há um crescente número de disciplinas


demonstrando interesse pelo tema terceira idade. A autora afirma, ainda, que essa faixa etária
apresenta um campo complexo de estudo e, ao mesmo tempo, atrai muitas disciplinas
científicas, cada qual com seu método próprio de investigação e objetivo formal. Pizzolato
(1995) também se refere a essa interdisciplinaridade como justificativa para sua pesquisa, que
abarca características próprias da terceira idade ao aprender línguas. Consoante ao autor, existe
um alinhamento interdisciplinar entre Psicologia, Educação e Sociologia com a LA e tal
dinâmica se faz necessária pela aproximação desses ramos com suas constatações a partir do
mesmo objeto.
Destarte, esta dissertação se faz interdisciplinar ao levar em consideração questões de
psicologia social pesquisadas por Vygotsky e que aqui aplico na área de ensino de línguas,
como o desenvolvimento através da interação em comunidades e o ensino-aprendizagem como
experiência social mediada pela interação entre aprendizes, os sentidos e significados que se
desdobram dessas interações e construções sociais, suas ações nesses processos observadas de
forma mais ampla pelo conceito de agência e, por último, as comunidades de prática
estabelecidas nos seus diferentes processos de ensino-aprendizagem. A fim de localizar este
estudo no atual cenário acadêmico, a seguir será abordado o estado da arte, ou seja, os estudos
correlatos.
17

1.2. Estudos correlatos: o estado da arte

Para melhor compreender o contexto em que este estudo se insere, é necessário


explorar outros trabalhos que buscaram se aproximar mais da área de ensino-aprendizagem de
inglês na terceira idade sob a ótica da Linguística Aplicada. Para tanto, realizei o estudo de
alguns trabalhos, a fim de os relacionar com esta pesquisa e indicar diferenças e pontos de
semelhança entre elas.
Em um capítulo publicado na parte de Linguística Aplicada do livro digital
“Linguagem: teoria, análise e aplicações, vol.8”, Cardoso (2015), junto a outras quatro
pesquisadoras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), apresenta as principais
características dos alunos participantes do Programa Línguas para a Comunidade – Línguas
Estrangeiras para a Terceira Idade (LICOM/LETI), que oferece à UnATI (Universidade Aberta
da Terceira Idade) cursos de cinco línguas estrangeiras – entre elas a língua inglesa – que são
ministrados por graduandos-estagiários da Uerj e coordenados por professores dos diferentes
setores. O estudo, intitulado “Aprendizagem de idiomas na terceira idade: muito além de um
passatempo”, trabalhou com uma mostra de 50 alunos e teve como objetivo entender melhor o
perfil do público que procura o curso de inglês do Projeto LICOM/LETI, com intenção de
atender melhor às suas expectativas.
Embora seja um estudo na área da Linguística Aplicada, as autoras se enveredam nas
questões linguísticas ao tratar de plasticidade cerebral11 e desenvolvimento da aprendizagem ao
longo da vida, tratando, por exemplo, de questões como período crítico de aprendizagem. As
autoras afirmam que “fica claro que a premissa da idade ideal baseada em processos biológicos,
pelo menos em relação ao cérebro, não se aplica” (CARDOSO et al, 2015, p.75). Embora
defendam que questões biológicas não se aplicam, o estudo avalia mais esse tipo de
posicionamento do que questões sociais, culturais e interacionais da aprendizagem.
O estudo indica ainda que o interesse dos alunos em aprender era divergente daquele
que os professores presumiam, ou seja, a aprendizagem por puro lazer e hobby. Na realidade,
os alunos de inglês acima dos sessenta procuram aprender não só por se interessarem por outras
culturas (músicas, filmes etc.), mas também com intenção de independência comunicacional
em viagens internacionais ou até mesmo em chamadas de vídeo, quando falam com familiares

11
De acordo com Relvas (2005, p.14) “durante muitas décadas acreditou-se que o cérebro não possuía capacidade
de regenerar suas células nervosas, ou seja, formar novas sinapses e que as conexões entre os neurônios se
congelavam em posições imutáveis. Hoje, sabe-se que o cérebro muda durante a vida e que essa mudança é
benéfica. Essa plasticidade dispara um mecanismo pelo qual o cérebro remodela-se para aprender a sentir-se
melhor, ou pode ser induzido a se auto reparar, para pensar melhor.”
18

que moram em outros países, como irmãos que se mudaram e sobrinhos falantes de inglês como
primeira (às vezes única) língua.
Ao delinear mais claramente os interesses das aprendizes, foi possível desenvolver
materiais mais assertivos para atender às suas necessidades. Este é outro ponto do estudo de
Cardoso et al. (2015), que expõe um problema: a falta de materiais didáticos específicos para a
terceira idade. Cardoso e colaboradoras defendem que existe uma grande lacuna nesse sentido.
Ao considerarmos a existência de materiais voltados para infância, para adolescência e para
vida profissional adulta, que possuem focos e design específicos que atendem as necessidades
de cada faixa etária, é necessário pensamos também um material voltado para a fase da vida
que se caracteriza pela idade mais avançada, talvez com uma fonte de letras maiores, conteúdo
voltado para turismo e contextos do cotidiano. Seria cabível e profícuo uma pesquisa com o
próprio público, a fim de averiguar suas demandas e necessidades.
No estudo de Cardoso et al. (2015), o perfil dos estudantes do curso é delineado através
de critérios como gênero, idade, profissão, contato prévio com a língua e se vivem sozinhos ou
acompanhados. Além de gráficos criados com esses dados, estão presentes no estudo gráficos
que demonstram a motivação dos alunos em estudar inglês e a opinião quanto à adoção de um
material didático. A partir desses dados e de seus pressupostos teóricos, Cardoso et al. (2015)
concluíram que é possível a adoção de um material e que este se torna benéfico, porém precisa
de adaptações que atendam à Terceira Idade. Esse estudo revela as expectativas e interesses de
alunos de inglês para Terceira Idade da Uerj, principalmente com relação ao material didático,
porém não explora o reflexo do ensino-aprendizagem na vida dos aprendizes e nem mesmo o
contexto histórico de suas vidas, não englobando aspectos importantes na construção desse
percurso. É, ainda, um estudo quantitativo que classifica em gráficos os dados gerados durante
a pesquisa, diferente desta dissertação, que se debruça sobre o estudo qualitativo, feito através
de análise de narrativa da participante.
Ainda com o foco no ensino-aprendizagem de línguas adicionais, a pesquisa de
Barroso (2012) identifica outros benefícios e dificuldades no processo de ensino-aprendizagem
de 14 alunos, entre 55 e 65 anos de idade, matriculados no curso básico de inglês oferecido pelo
Instituto de Idiomas da Universidade de Brasília. Essa é uma pesquisa de caráter qualitativo
explanatório, que visa analisar as estratégias do professor em sala de aula e que também tem
como metodologia o uso de entrevistas semiestruturadas em sua geração de dados. Um dos
pontos que diferencia os estudos de Barroso (2012) desta dissertação é a observação das aulas.
Ele participou como ouvinte de aulas com pessoas idosas, já eu me apresento como professora
e, ouso dizer, amiga da entrevistada para essa pesquisa.
19

Apesar de compartilhar um tema semelhante e de, também abordar o ensino-


aprendizagem de língua inglesa e aspectos da terceira idade, o trabalho de Barroso (2012)
investe maior preocupação em aspectos socioemocionais – como autoestima, confiança,
propósito de vida e crescimento pessoal – e trata questões sócio-histórico-culturais de forma
mais superficial. Um ponto de contato desta com a sua pesquisa é que procurarei tratar, também,
desses aspectos, mas, nesta pesquisa buscarei aprofundar os aspectos sócio-histórico-culturais
nos processos de ensino-aprendizagem com a terceira idade.
Outro trabalho de importância sobre a temática é a dissertação de Oliveira (2010), que
trata de questões bem próximas desta minha pesquisa e que foi defendida no Programa de Pós-
Graduação em Linguística Aplicada do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, em 2010
quando o autor investigou as crenças e experiências de ensino-aprendizagem de quatro alunas
idosas de uma escola pública do interior do estado de Goiás, pertencentes ao programa de
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Oliveira (2010), também lançou mão de questionários
socioeconômicos e narrativas coletadas através de entrevistas, mas, para além disso, também
teve como instrumento de pesquisa a observação de aulas com registro de notas de campo e de
diários do pesquisador.
Em seu trabalho, o autor menciona outros dois estudos sobre pessoas de terceira idade
aprendendo uma língua adicional que são importantes de serem mencionados. O de Silva
(2004), que “[...] teve como objetivo de pesquisa investigar o papel da contingência dentro da
aprendizagem da interação sócio-discursiva na aquisição de língua, buscando vislumbrar
alternativas pedagógicas tendo em vista as peculiaridades da faixa etária em questão” (SILVA,
2004 apud. OLIVEIRA, 2010, p.45).

[...] além de tratar sobre a temática das crenças, sua pesquisa trouxe um breve
perfil do idoso no Brasil, contemplando terminologias e demarcações da TI
(Terceira Idade); dados demográficos do idoso feitos com base no IBGE; o
crescimento populacional no Brasil; o fenômeno da feminização; a
distribuição urbano-rural e domiciliar; a questão da educação e do rendimento
financeiro; e ainda refletiu sobre a questão dos programas educacionais
criados em direção ao público idoso (OLIVEIRA, 2010, p.46, explicação
adicionada).

Já o estudo de Silva (2004) ocorreu durante o semestre letivo de um Projeto de


Extensão ligado à Central de Línguas – Instituto de Letras e Linguística na Universidade
Federal de Uberlândia, e contou com a participação de onze alunos, de gêneros variados e idade
média de 65 anos. No que diz respeito à metodologia, Silva (2004) recorreu à gravação (em
áudios) das aulas, a entrevistas com alunos e professores (realizadas individualmente e, no final
20

do semestre, coletivamente) e diários de classe feito pelos estudantes. Silva (2004) apud
Oliveira (2010) conclui que:

1) a interação social serviu como motivação da procura da sala de aula para a


TI (Terceira Idade); 2) a conversação em sala de aula ajuda os alunos a
adquirir a LE (Língua Estrangeira), desenvolve a habilidade para trabalhar
com a contingência, e contém elementos contingentes que poderiam ser
aproveitados para a composição de um plano de aula apropriado para a faixa
etária; 3) o compartilhamento de experiências e conhecimento proporcionou
a solicitação por insumos não contemplados no plano de aula e pôde-se
constituir em estímulo para a aprendizagem de LE (Língua Estrangeira) com
vocabulário adicional e estrutura linguística apropriada para o aluno se
expressar na língua alvo; e 4) os participantes eram conscientes de suas
limitações e o exercício mental proporcionado pela atividade intelectual é
considerado benéfico para a saúde do idoso (SILVA (2004) apud. OLVIEIRA,
2010, p.45, explicação adicionada).

Os estudos que mencionei acima, mostram que ainda são poucos os trabalhos
brasileiros que relacionam ensino-aprendizagem de inglês (ou outras línguas estrangeiras) à
terceira idade sob ótica da LA. Diante desse cenário, esta pesquisa também tem por objetivo
fomentar críticas sobre o tema ao desenvolver questões como agência, comunidade de prática,
sentidos e significados sobre os processos de ensino-aprendizagem de inglês como língua
adicional na terceira idade.
Ao pesquisar em dissertações e teses algumas das teorias discutidas nesta pesquisa,
como, por exemplo, agência, gênero, sentidos e significados e comunidade de prática, observei
a ausência de estudos que contemplem esses conceitos tendo como público-alvo a terceira
idade. Diante disso, recorri à Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD),
outro repositório de pesquisas stricto sensu. A pesquisa de estudos correlatos foi realizada
durante o mês de julho de 2021, quando utilizei a ferramenta de busca avançada considerando
todos os campos (título, autor, assunto, resumo, editor, ano de defesa), bem como todos os
termos. Para tanto, foram utilizados, inicialmente, as seguintes palavras-chave: Terceira Idade;
Agência; Sentidos e Significados; e Comunidade de Prática.
21

Figura 1: Resultado da primeira busca realizada no BDTD


Fonte: BDTD (2021)

Nenhum registro foi identificado na plataforma, o que pode indicar a necessidade de


mais pesquisas sobre o estudo aqui desenvolvido, pesquisas que possam unir tais conceitos na
discussão das vivências de ensino-aprendizagem de Inglês e outras línguas adicionais na
terceira idade. Ressalto, ainda, que “a aprendizagem de língua inglesa” ou sinônimos não foram
evidenciados como palavras-chave na busca realizada, a fim de não limitar ainda mais a referida
busca. Tendo em vista a escassez de estudos sobre o tema, considero que este estudo de análise
de uma narrativa sobre a visão de uma mulher de terceira idade, aprendiz de uma língua
estrangeira (inglês), possa ser importante para se pensar sobre as contribuições do ensino-
aprendizagem de Língua Inglesa na terceira idade. A pesquisa, como pretendo demonstrar na
parte da análise, permitiu-me realizar reflexões a respeito do contexto micro (no qual foi
produzida a entrevista), bem como de contextos macros (ambiente social e atravessamentos
identitários da narradora). Nesse sentido, a seguir trabalho o envelhecimento como locus da
pesquisa.
22

1.3. Envelhecimento: o locus da pesquisa

O envelhecimento é um “processo de diminuição orgânica e funcional, não decorrente


de doença, e que acontece inevitavelmente com o passar do tempo” (ERMINDA, 1999, p. 43).
Essa é uma definição datada e encontrada de forma recorrente em estudos menos atuais, que
focavam mais as questões biológicas e fisiológicas do processo. Minayo e Coimbra (2002, p.
26) apontam que “inicialmente delimitado por estudos biológicos e fisiológicos, o
envelhecimento foi fundamentalmente associado à deterioração do corpo”. Acontece que
envelhecer é natural e, diferentemente da percepção geral e desatualizada, é uma caminhada
que tem início com a vida, não apenas na terceira idade. Nas palavras de Manhães e
colaboradores

o envelhecimento é um processo normal do desenvolvimento humano, que


apresenta diversas características relativas às modificações estruturais
correspondentes aos aspectos neuropsicobiológicos, modificando estruturas
funcionais e determinando novas estruturações psíquicas e sociais
(MANHÃES, 2015, p.113).

Envelhecer é o processo de transformação que o corpo e a mente atravessam ao longo


dos anos, modificando não apenas estruturas físicas, mas também psicológicas e sociais. Essa
transformação ocorre mesmo antes de nascermos, desde a fase embrionária, quando um feto
envelhece, ou seja, se transmuta, dentro da barriga da mãe. O envelhecimento como fase mais
avançada da vida, que tem como sinônimo a palavra senescência12, nada mais é que o
desenvolvimento humano, podendo ser associado ao termo amadurecimento. Muitas vezes, o
envelhecimento é estudado como característico de idades a partir dos sessenta anos.
Conforme o critério da Organização das Nações Unidas (ONU), nos países em
desenvolvimento – entre eles o Brasil – a pessoa com idade de 60 anos ou mais é classificada
como idosa. Este critério foi definido em 1982, na 1ª Assembleia Mundial do Envelhecimento.
Já nos países desenvolvidos, consideram como pessoa idosa aquela com 65 anos de idade ou
mais (ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD, 2000). Apesar de parecer

12
Segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, “‘A senescência abrange todas as alterações
produzidas no organismo de um ser vivo – seja do reino animal ou vegetal – e que são diretamente relacionadas a
sua evolução no tempo, sem nenhum mecanismo de doença reconhecido’, explica o geriatra Wilson Jacob Filho,
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São, portanto, as alterações pelas quais o corpo passa e
que são decorrentes de processos fisiológicos, que não caracterizam doenças e são comuns a todos os elementos
da mesma espécie, com variações biológicas. São exemplos de senescência a queda ou o embranquecimento dos
cabelos, a perda de flexibilidade da pele e o aparecimento de rugas. ‘São fatores que podem incomodar algumas
pessoas, mas nenhum deles provoca encurtamento da vida ou alteração funcional’, explica o médico.
23

limitante estabelecer idades exatas para marcar fases da vida, tendo em vista que muitos outros
fatores estão envolvidos no envelhecimento, o estabelecimento da terceira idade de forma
delineada é importante no que se refere às conquistas sociais e políticas. No que diz respeito à
idade estabelecida por lei como terceira idade, a diferença entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento, como, por exemplo, o acesso a uma qualidade de vida elevada, típica de
países desenvolvidos, influencia na longevidade e na condição que se vive.
Há menos de um século, a expectativa de vida humana era consideravelmente menor,
e, assim, era comum pessoas de idade não muito avançada já terem problemas sérios de saúde
física e mental. Um indivíduo com 65 anos já era julgado “muito velho” e decadente. O IBGE
(2008, p.44) avalia que a expectativa de vida de 1940, por exemplo, era de aproximadamente
entre 45 e 50 anos de idade. Isso significa que aquele que chegava aos 65 já estava, muitas
vezes, com suas funções biológicas comprometidas. Para ilustrar, exponho abaixo a carta que
uma de minhas alunas (também da terceira idade) me enviou ao saber que estudo sobre
envelhecimento. A carta, escrita por sua tia avó, mostra a preocupação de uma mulher com
questões relacionadas à idade, família e saúde. No papel, escrito à mão, lemos o desabafo
saudoso de uma irmã, que, em tempos de forte patriarcado, deseja um feliz aniversário
escondido ao irmão, com quem seu marido tinha desavenças, e diz não querer resposta, com
receio de represálias do esposo ao ver que entraram em contato.
24

Foto 1 - carta disponibilizada por aluna

Na pressa de escrever, provavelmente sem ser notada pelo marido, a autora da carta
resume acontecimentos de sua vida que se passam no ano de 1968. O que chama atenção, e que
gostaria de apresentar como exemplo da mudança que vem ocorrendo (ao longo dos anos) na
forma de envelhecimento, está entre as linhas 13 e 18, quando são mencionados problemas de
saúde (“e com o nervoso da doença pode ter um ataque do coração”, “ele tem vezes 27 de
pressão”) e a idade dos dois é revelada, ele com 60 e ela com 56 anos, já considerados “dois
velhos” que “tem que vencer o tempo” e, aparentemente, enfrentar problemas de saúde talvez
advindos da idade já considerada avançada para a época, tendo em vista que, segundo o IBGE
(2008, p.44), a expectativa de vida geral dos anos 60 era de cerca de 53 anos, sendo a de homens
de 50 anos e mulheres 56 anos, aproximadamente.
25

A expectativa de vida da época em que a carta foi escrita faz com que os envolvidos
na história narrada por Ana, quem assina a carta, não tenham a mesma qualidade de vida que
se tem hoje em dia ao envelhecer, ao passo que, segundo o IBGE, a expectativa atual é de cerca
de 75 anos. Atualmente, é possível envelhecer com mais saúde, graças aos diversos avanços
que vivenciamos nos últimos anos nas áreas da saúde, do saneamento e nas políticas públicas.
A carta assinada por Ana ilustra bem essa diferença e contém diversas outras questões dignas
de análise, contudo, como não são foco principal dessa dissertação, deixo registrado o interesse
de um estudo futuro mais aprofundado. Contudo, creio que tenha sido uma amostra real da
transformação que ocorreu na velhice e na forma com o qual esse grupo se enxergava. Hoje em
dia, uma mulher com 56 anos e um homem com 60 anos estão em plena capacidade de saúde,
isso caso vivam em condições ideais.
De acordo com Goldani (1999), os argumentos preconceituosos que afirmavam uma
fragilidade inexorável da saúde, a pauperização e exclusão na velhice passaram a ser
questionados, haja vista a expressiva participação social e proatividade que esse grupo vem
apresentando. Uma pesquisa de projeção populacional realizada pelo IBGE mostrou que a
expectativa de vida de quem nascer no ano de 2030 será de 74 a 92 anos para os homens e 81 a
90 anos para as mulheres, ou seja, a população mundial está ficando cada vez mais velha. Esse
envelhecimento mais saudável sugere que, atualmente, um indivíduo na faixa dos 60 anos (que
tenha tido acesso a uma boa qualidade de vida) está em plenas capacidades de exercer escolhas
e de viver de modo independente.
Ainda que o envelhecimento seja um processo incessante do decorrer de toda
existência, ao mencionar estudos de envelhecimento, estes, geralmente, não focam no
desenvolvimento humano ao longo de toda vida, mas, sim, na terceira e quarta fase desse
processo. Estudos científicos na área de envelhecimento, com ênfase na gerontologia e geriatria,
vêm tomando cada vez mais força e magnitude. Manhães et al. (2015, p.113) mostra que

o envelhecer na civilização ocidental vem recebendo grande atenção por parte


da sociedade, pois diversos países apresentam uma pirâmide etária com ampla
evolução entre pessoas acima de 60 anos, necessitando, assim, de uma
reestruturação nas políticas das áreas de saúde, mobilidade urbana,
econômica, entre outras (MANHÃES et al, 2015, p.113).

Por conseguinte, a velhice tem atraído cada vez mais foco, não somente de estudiosos,
que buscam conhecer melhor os fatores envolvidos no processo, mas da sociedade como um
todo. Os próprios integrantes da terceira idade têm interesse em aprender a respeito do seu
grupo de pertencimento, tendo em conta que o idoso não é mais representado por uma figura
26

inerte, que apenas observa o mundo passar, mas que quer fazer parte dos acontecimentos e
descobertas. Está no passado a concepção (típica da segunda metade do século XIX) de velhice
como uma etapa da vida caracterizada pela decadência e pela ausência de papéis sociais
(DEBERT, 2004). O idoso que dedica seus dias à espera da morte já não representa o seu
segmento populacional, posto que estão com mais tempo de vida e mais saúde para aproveitá-
la. Segundo Manhães et al. (2015, p.24).

a expressão ‘envelhecimento bem-sucedido’ surgiu na gerontologia por volta


dos anos 60, associado a uma mudança ideológica que rompe com a
concepção de que velhice e envelhecimento são sinônimos de doença,
inatividade e contração geral no desenvolvimento (MANHÃES et al, 2015,
p.24).

O aumento na longevidade decorre dos avanços conquistados, principalmente, durante


o século XX, quando se busca a melhora na qualidade de vida daqueles que passaram dos 60
anos de idade, conforme aponta Carstensen (2007). Vale lembrar, no entanto, que viver muito
não é sinônimo de viver bem, pois para chegar a uma idade avançada com saúde, é necessário
acesso à assistência e políticas públicas voltadas para o envelhecimento, para que, assim, o
envelhecimento bem-sucedido não fique limitado somente aos idosos com situação financeira
estável. Presentemente, é possível notar um aumento nos programas sociais e nas políticas
públicas voltadas para o envelhecimento saudável, com postos de saúde que oferecem
programas gratuitos de acompanhamento da terceira idade. Mesmo que ainda exista a
necessidade de investimento nessa área, muito tem sido feito se comparado às políticas públicas
existentes nas décadas passadas, o que torna o envelhecimento saudável um pouco mais
acessível.
O envelhecimento saudável (não só físico, mas também mental e social) se tornou foco
de pesquisas relativamente recentes, com intenção de perscrutar formas de melhorar esses anos
a mais que foram conquistados. Essas pesquisas são importantes, pois, como consequência,
influenciam e elevam a qualidade de vida de pessoas mais velhas. Por exemplo, colhe-se, hoje,
o resultado dos estudos na área de envelhecimento e gerontologia que foram realizados no
passado, que foram responsáveis pelo avanço na qualidade de vida e pelo rompimento da
concepção de velhice como declínio. Nesse sentido, a pessoa idosa hoje usufrui de um estilo de
vida diferente do de outras gerações, graças a esses estudos, que proporcionaram uma melhor
compreensão do envelhecimento e que também foram evoluindo à medida que a população veio
mostrando indícios de um novo modo de envelhecer, que leva a uma revolução demográfica e
faz nascer a demanda de mais pesquisas sobre envelhecimento.
27

Na próxima seção, investigo o perfil demográfico da terceira idade no Brasil, a fim de


contextualizar o cenário em que vivemos, e trago as categorias usadas por Laslett (1989) a fim
de melhor explanar o que entendo como terceira idade. Da mesma forma, é feita uma análise
dos termos usados para se referir à faixa etária aqui em foco e dos sentidos que tais termos
parecem indexicalizar no contexto atual.

1.3.1. Terceira idade e envelhecimento no Brasil

Laslett (1989), categoriza os grupos com base nas etapas da vida, formando uma espécie
de mapa, que o autor divide em quatro etapas: i) Primeira idade: aquela em que vivemos em um
momento de dependência, de educação, de socialização e de imaturidade; ii) Segunda idade:
marcada pela maturidade, pela responsabilidade profissional, familiar, entre outras; iii) Terceira
idade: fase da satisfação pessoal; iv) Quarta idade: caracterizada pela decrepitude, pela
dependência e pela morte próxima. É profícuo estabelecer uma quarta fase no desenvolvimento
humano, tendo em vista que não há um pulo drástico entre a fase adulta, apontada por Laslett
como segunda idade, e a imagem que se tem de um idoso fragilizado, que seria a quarta idade13.
A terceira idade, conforme descrita por Laslett, se encaixa na definição do termo
gerontolescente, cunhado por Alexandre Kalache (1987), mas vale apontar que o estudo de
Laslett foi publicado na Inglaterra e, por isso, apresenta um recorte sócio-histórico-cultural
diferente daquele em que a terceira idade brasileira está inserida.
A participante deste estudo se encaixa na terceira idade, consoante a categorização de
Laslett (1989), devido ao fato de, atualmente, gozar de maior disponibilidade de tempo e
menores responsabilidades, ao passo que desfruta de habilidades físicas plenas. Em condições
ideais e segundo Silva (2008, p. 804), a realização plena do indivíduo chega junto com a terceira
idade, que é quando o sujeito está dispensado de algumas das obrigações típicas da idade adulta
e pode, finalmente, estabelecer laços e se engajar em atividades que se harmonizem com seus
interesses e expectativas, conforme é o caso da entrevistada.
Apesar de Laslett (1989) e Silva (2008) não caracterizarem o mapa de vida pela idade
e, sim, categorizarem os grupos de acordo com atividades relacionadas a cada um deles, a fim

13
A fim de reforçar as diferenças entre terceira e quarta idade, Minayo e Firmo estabelecem que “há duas formas
de classificar o envelhecimento: o critério demográfico por faixa de idade, ou seja, a do velho-jovem que vai dos
60 a 79 anos, a chamada ‘terceira idade’; e a do velho-velho, de 80 anos ou mais, a ‘quarta idade’. O outro
parâmetro é individual. Distingue as pessoas, com base na herança genética, personalidade e forma de levar a vida.
Assim, encontram-se indivíduos relativamente jovens com dependências mais comuns aos mais idosos e pessoas
de 80, 90, até 100 anos que permanecem saudáveis e autônomas.”
28

de esclarecimento, é importante reforçar que o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), seguindo a


orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), considera pessoas pertencentes à
categoria de idosos as que possuem 60 anos ou mais. Ainda há outras denominações usadas de
forma comumente para se referir a terceira e quarta fase da vida, entre elas a expressão “melhor
idade”. Para Oliveira (2010, p. 27),

[...] essas diversas designações, desde o eufemismo “melhor idade” até


nominações como: TI, adultez avançada, feliz idade, maior idade, idade
madura, velho, velhote, geronte, gerontino, ancião, segundo Goldman (2000),
são termos que, em sua maioria, apenas suavizam no discurso a estigmatização
que os idosos vivem no cotidiano (OLIVEIRA, 2010, p. 27).

Oliveira (2010) aponta que os termos voltados para o envelhecimento estão ligados à
tentativa de se mitigar a estigmatização. Concordo com Oliveira (2010) sobre a estigmatização
dos idosos ao se usar, por exemplo, o termo “melhor idade”. Mais um motivo pelo qual evito o
uso do termo e opto pela designação “terceira idade”, que é usado com maior frequência em
textos acadêmicos e manuais, referindo-se à fase na qual essas pessoas se encontram, essa etapa
da vida em que vivenciam o resultado do curso de suas experiências, expressam uma forma de
pensar e de representar o mundo resultante da descoberta das fronteiras de suas forças,
possibilidades e impossibilidades, além de criarem novas formas de interação, buscando meios
de se acomodar às marcas do envelhecimento (OLIVEIRA, 2010). Em alguns momentos uso,
ainda, o termo gerontolescente, não como forma de suavizar a velhice, mas por acreditar que
essa palavra expressa uma nova forma de envelhecimento ativo, que acredito podermos
encontrar no mundo contemporâneo com frequência.
Patrocínio (2008) aponta que o uso de outros conceitos parece ser mais acessível do
que forçar a valorização social de “velho” como significado de belo e essencial. A autora aponta
ainda que, no passado, o termo “velho” era usado de forma comumente para a população pobre,
enquanto o termo “idoso” era usado para uma classe social mais elevada e que usar o segundo
termo hoje para todos transmite uma noção maior de respeito. Ainda apoiada no que Patrocínio
diz sobre ser mais acessível usar outro termo do que forçar a valoração do termo “velho”, noto
que essa palavra não mudou muito o sentido negativo ao longo dos anos, mas demonstra ainda
recobrar um passado cheio de preconceitos. Isto remete ao texto de Judith Butler (2002),
Critically Queer, no qual a autora inicia apontando como o termo “queer” mudou de significado
ao longo dos anos, deixando de evocar uma cadeia de sentidos negativos e indexicalizando a
força contida em um grupo, ou seja, aflorando um novo sentido positivo.
29

Da mesma forma, Butler aponta que, apesar de algumas palavras mudarem


naturalmente os sentidos que evocam socialmente, como o caso de “queer” ou até mesmo da
palavra “bicha”, que é usada em muitos contextos como posicionamento crítico ou até forma
tratamento entre amigos próximos, algumas outras parecem não seguir o mesmo caminho,
como, em exemplo dado pela autora, a palavra “nigger”, que parece recuperar um trauma
passado e, por isso, é considerada inadequado na maioria dos contextos, sendo usada apenas
por pessoas muito próximas e que tenham lugar de fala. Penso que a palavra “velho” se encaixa
mais nessa segunda categoria indicada por Butler e, por isso, evito o uso dela neste trabalho.
Reforço, ainda, que os materiais oficiais, como manuais e diretrizes da OMS voltados
para envelhecimento, utilizam os termos “terceira idade” e “idosa(o)” como oficiais e esse é
mais um motivo pelo qual serão adotados aqui. Ainda que sob risco de uma mudança futura de
posicionamento, aposto também no termo gerontolescente que, apesar de sofrer fortes críticas
por ainda não ter se enraizado como palavra oficial, representa bem as características que busco
focar nesta pesquisa e que estão presentes no público-alvo, sendo algumas delas, segundo a
descrição de Kalache (2017), a proatividade e a busca por conhecimento. Muitas pessoas idosas
buscam retomar e/ou iniciar os estudos nessa fase da vida. Assim, revela-se a necessidade do
incentivo à Educação, que é tão pertinente para o bom desenvolvimento humano, tanto na fase
infantil, quanto na fase adulta avançada e que, por isso, deve ser direito de todos, pois o ensino-
aprendizagem é sinônimo de desenvolvimento humano.
A terceira idade é representada de forma única em cada cultura e país. Enquanto países
de primeiro mundo já apresentam uma preocupação mais antiga e progressiva com essa faixa
etária – por exemplo, já implementando políticas públicas voltadas para terceira idade ao longo
de anos – o Brasil vem dando mais atenção ao envelhecimento nas últimas décadas. A
população envelhece de forma acentuada e, inversamente proporcional, as taxas de fertilidade
e natalidade no Brasil vêm caindo consideravelmente. Ainda na década de 80, Kalache (1987)
já previa que

para que uma população envelheça, é necessário, primeiro, que haja uma
queda da fertilidade; um menor ingresso de crianças na população faz com
que a proporção de jovens, na mesma, diminua. Se, simultânea ou
posteriormente, há também uma redução das taxas de mortalidade (fazendo
com que a expectativa de vida da população, como um todo, torne-se maior),
o processo de envelhecimento de tal população torna-se ainda mais acentuado.
(KALACHE, 1987, p.217).
30

O envelhecimento da população brasileira crescerá exponencialmente, modificando as


características demográficas e exigindo uma adaptação social. Ainda de acordo com o autor

o envelhecimento da população brasileira é um fato irreversível, e que deverá


se acentuar, no futuro próximo imediato. O impacto desta nova "ordem
demográfica" é imenso - sobretudo, quando se observa que os fatores
associados ao subdesenvolvimento continuarão se manifestando por um
tempo difícil de ser definido. Não estamos, portanto, diante de uma situação
como a européia quando o envelhecimento de suas populações ocorreu, a
maioria dos países europeus já apresentava níveis sócio-econômicos que
proporcionavam, a grande parte de suas populações, condições de vida
satisfatórias. Com isso, os problemas consequentes ao envelhecimento
populacional puderam ser encarados como prioritários. Nem por isso tem sido
fácil resolvê-los. O desafio para nós é, portanto, considerável. O
envelhecimento de nossa população está se processando em meio a condições
de vida, para parcelas imensas da população, ainda muito desfavoráveis. O
idoso não é uma prioridade, como pode ser visto nos países industrializados
(KALACHE, 1987, p.219).

Muito embora o texto de Kalache seja de 1987, ele expõe um debate ainda muito atual,
dado que, embora tenha melhorado em diversos sentidos, a realidade vivida pela terceira idade
brasileira não mudou tão drasticamente desde então. A população, em concordância com o
previsto pelo autor, envelheceu consideravelmente. A Agência IBGE aponta que “a população
brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos e ganhou 4,8 milhões de
idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2 milhões em 2017, consoante a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Características dos Moradores e Domicílios”
(IBGE, 2018). Contudo, a desigualdade de classes não foi amenizada, então ainda continuamos
lidando com um envelhecimento em condições desfavoráveis para grande parte da população,
o que reflete diretamente na qualidade de vida dessas pessoas.
A diferença nas condições financeiras entre gerontolescentes influencia no acesso a
uma velhice bem-sucedida, já que, em uma sociedade capitalista, a qualidade de vida está,
também, associada aos recursos que se tem. Isso reflete na aposentadoria desses adultos (que
muitas vezes continuam trabalhando por falta de opção, para poderem contribuir com a família),
reflete em sua saúde e até mesmo nos processos de ensino-aprendizagem. Embora, conforme
apontado na introdução, existam universidades que ofereçam programas voltados para a terceira
idade, incluindo referente ao ensino de línguas, o gerontolescente que tem aporte financeiro tem
acesso facilitado a meios exclusivos, conforme é o caso da participante desta pesquisa, cuja
classe social possibilitou o acesso ao ensino-aprendizagem de inglês como Língua Adicional,
conforme será aprofundado na parte em que realizo a apresentação da entrevistada. Por
enquanto, cabe evidenciar que ainda há muita desigualdade no Brasil e que os fatores do
31

subdesenvolvimento continuam se manifestando, inclusive na terceira idade, e não têm prazo


de expiração.
É necessário traçar, ainda que brevemente, uma compreensão da atual situação dessa
faixa etária no Brasil para estabelecer o contexto de vida da participante da pesquisa e como
diversos atravessamentos (como, por exemplo, cor, gênero e classe social) podem influenciar
em suas vivências. Afunilando o escopo, na próxima seção abordo dados mais sólidos sobre a
revolução demográfica proporcionada pela longevidade para, em seguida, aprofundar aspectos
da TSHC que estão relacionados com o envelhecimento, ressaltando a dialética vygotskyana de
indivíduo e sociedade. Pretendo, com isso, apresentar e avaliar mais profundamente a conexão
entre a gerontolescência e a sociedade em que se insere.

1.3.2. Revolução demográfica: perfil demográfico da terceira idade

O crescimento da população de idosos, parafraseando Veras (2004, p 149), é um


desafio do mundo contemporâneo que afeta tanto países ricos quanto pobres, ainda que de
forma diferente e específica a cada contexto socioeconômico. No Brasil também é palpável o
crescimento rápido da população idosa, já que este é um país que, segundo Veras (2004, p.149),
“envelhece a passos largos” e, portanto, precisa despertar para essa nova realidade. De acordo
com o Centro Internacional de Longevidade Brasil (CILB, 2015),

o mundo está envelhecendo rapidamente. O legado duradouro do século XX


é a longevidade. Como resultado da rápida redução da mortalidade em todos
os países, inclusive naqueles com renda baixa e média, combinada à alta taxa
de natalidade nas duas décadas após a Segunda Guerra Mundial (o baby
boom), já há 810 milhões de pessoas acima dos 60 anos. A cada segundo, duas
pessoas no mundo celebram 60 anos de vida. Esses anos extra de vida são um
privilégio sem precedentes. O que está acontecendo é de fato uma revolução -
a Revolução da Longevidade (CILB, 2015, p.16).

Os dados demográficos no Brasil indicam um envelhecimento populacional célere e


caracterizado, também, pelo declínio das taxas de natalidade – que, de acordo com IBGE
(2000), iniciou-se a partir de 1960 e foi se intensificando gradualmente até o presente momento
– e pela melhoria nas condições de vida do ser humano, que foram embasadas pelo avanço na
tecnologia e no saneamento.
Logo, pode-se dizer que a longevidade é uma característica acentuada da sociedade no
século XXI, evidenciada através de dados como os gerados pelo levantamento do IBGE (2010)
e divulgados pela Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), que revelam que a
população brasileira de mais de sessenta anos de idade cresce exponencialmente. Essa projeção
32

apresenta um desafio social emergente e projeta transformações significantes na pirâmide etária


brasileira que, de acordo com Almeida (2013), ocorrem devido às mudanças na estrutura etária
populacional que “produz um aumento do peso das pessoas acima de determinada idade,
considerada como definidora do início da velhice” (p. 17).
Saindo um pouco do escopo brasileiro e analisando o contexto mundial, o ano de 2050
é visto como um divisor de águas demográfico, tendo em vista que até lá, em conformidade
com dados do CILB (2015), estima-se que 21% da população mundial estará acima dos 60 anos
– comparado com somente 8% em 1950 e 12% em 2013 – ou seja, em 2050, haverá mais de
dois bilhões de pessoas acima de 60 anos, ultrapassando o número de crianças abaixo dos 15
anos. Calcula-se que 30% da população de cerca de 64 países estará acima dos 60 anos, sendo
a maioria desses países desenvolvidos, mas também estarão nessa lista a maior parte da América
Latina.
No Brasil, conforme explicitado anteriormente na introdução desta pesquisa, a
UNESA (2012) e o IBGE (2013) indicam o aumento, principalmente, da quantidade de idosos
de idade mais avançada (de 70 anos em diante), o que marca o aumento da longevidade e
corrobora com o afirmado pelo Centro Internacional de Longevidade Brasil

os grupos populacionais mais velhos, e aqueles acima dos 80 anos em especial,


estão crescendo proporcionalmente mais rápido do que qualquer outra faixa
etária. Esse processo está ocorrendo mais rapidamente em países de baixa e
média renda do que nos países de alta renda, onde a transição demográfica já
está mais estabelecida. As pessoas acima dos 80 anos representavam 14% da
população idosa mundial em 2013, mas irão constituir 19% dessa população
até 2050 (19). Embora ainda seja uma pequena minoria da população, espera-
se que o número de centenários cresça dez vezes, de cerca de 300.000 em todo
o mundo em 2011 para 3,2 milhões até 2050 (CILB, 2015, p. 17).

Percebe-se, portanto, que a projeção para o Brasil, como para o resto do mundo,
caminha veloz rumo a um perfil demográfico cada vez mais envelhecido. Esse processo, “sem
sombra de dúvidas, implicará adequações nas políticas sociais, particularmente àquelas
voltadas para atender as crescentes demandas nas áreas da saúde, previdência e assistência
social” (IBGE, 2008, p.56). Isso aponta para a necessidade de um tratamento adequado a esse
contingente de pessoas, a fim de que seja viabilizado o exercício pleno da cidadania através da
garantia de políticas públicas que dignifiquem o cidadão idoso. Destarte, será tratado, na
próxima sessão, o contexto sociocultural da terceira idade no Brasil, ou seja, a forma com a
qual o envelhecimento é visto perante a sociedade.
33

1.4. Teoria Sócio-histórico-cultural e gerontolescência

A teoria sócio-histórico-cultural, concebida por Vygotsky, tem como propósito


“caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como
essas características se formaram ao longo da história humana e de como se desenvolvem
durante a vida de um indivíduo” (VYGOTSKY, 1984. p. 21). Lantolf (2000) interpreta que a
TSHC apreende estudos que visam compreender a natureza da mente e das relações humanas,
tendo como conceito mais fundamental a mente mediada. Para o autor,

se opondo a visão ortodoxa de mente, Vygotsky argumentava que da


mesma forma que humanos não agem diretamente no mundo físico,
mas, ao invés disso, dependem de ferramentas e atividade laboral, que
nos permite modificar o mundo e, portanto, as circunstâncias através
das quais vivemos, também usamos ferramentas simbólicas, ou signos,
para mediar e regular nossas relações com outros e com nós mesmos
para, assim, mudar a natureza dessas relações” (LANTOLF, 2000, p.1)

Lantolf (2000) retoma os pressupostos de Vygotsky de que ferramentas, sejam elas


físicas ou simbólicas, são artefatos criados pelos seres humanos para interagir com o mundo e
que são passados, através do tempo, de uma geração para a outra, constituindo, assim, o que
chamamos de cultura. Esses artefatos podem ser modificados ao longo dos anos, se
transformando ao atravessar diferentes gerações. Ainda seguindo o autor, “incluída nas
ferramentas simbólicas então os números, sistemas aritméticos, música, arte e, acima de tudo,
as línguas” (LANTOLF, 2000, p.1) e, da mesma maneira que fazemos com ferramentas físicas,
usamos artefatos simbólicos para estabelecer uma relação indireta (ou seja, mediada) entre
humanos e o mundo que vivem.
Perante a TSHC, o sujeito e dimensão social são contemplados na elaboração da
consciência e do desenvolvimento humano. Vygotsky entende que a compreensão da
consciência se dá por meio das relações sociais mediadas por artefatos culturais, ou seja, o
ensino-aprendizagem acontece através da relação do indivíduo com o meio em que está
inserido, com os sujeitos que o cercam e as ferramentas que permeiam. Nesse contexto,
Vygotsky propõe o indivíduo como ponto central e agente do próprio processo de ensino-
aprendizagem,

as origens das formas superiores de comportamento conscientes deveriam ser


achadas nas relações sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior.
34

Mas o homem não é apenas um produto de seu ambiente, é também um agente


ativo no processo de criação deste meio (VYGOSTKY, 1934, p. 25).

Vygotsky, em sua teoria do desenvolvimento, considerou as implicações psicológicas


das questões sociais, culturais e históricas, colocando o ser humano como agente do próprio
ensino-aprendizagem. Stetsenko (2011), por sua vez, em sua interpretação das pesquisas de
Vygotsky, aponta que o desenvolvimento e o ensino-aprendizagem não são produtos cognitivos
individuais, mas contemplam os aspectos culturais, compreendidos como “os meios
socialmente estruturados” e históricos, definidos como instrumentos culturais “que o homem
usa para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento” (VYGOTSKY, 1934, p. 26).
Souza, Depresbiteris e Machado (2004, p. 137) esclarecem que “Ele [Vygotsky] propõe
a integração entre funcionamento cognitivo, de caráter interno, e processos de interação, de
caráter externo”. Sendo assim, o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivíduos é
moldado pelas práticas sociais. Oliveira (1992, p. 24), observa que “falar da perspectiva de
Vygotsky é falar da dimensão social do desenvolvimento humano”. Diante disso, compreender
o ensino-aprendizagem de língua através da dimensão social envolve observar fatores externos
que podem estar relacionados ao processo.
Além disso, Vygotsky (1934, p.63) defende que “[...] a natureza do próprio
desenvolvimento se transforma, do biológico para o sócio-histórico”. Nesse processo, a cultura
é parte essencial da constituição da natureza humana, o que possibilita compreender o homem
como um ser determinado por sua história, assim como pelas condições socioculturais e
econômicas de sua época. Na mesma direção, Oliveira (1992) destacou que um dos
pressupostos básicos de Vygotsky é a ideia de que o ser humano se constitui como sujeito a
partir da sua relação com o outro, ou seja, por meio de relações sociais. Desse modo, sua
identidade é desenvolvida a partir das relações sociais nas quais está inserido, inclusive, através
das histórias que narra nestas relações. Souza, Depresbiteris e Machado (2004, p.138)
acrescentam que, para Vygotsky, “[...] todo ser humano está inserido em uma realidade sócio-
histórica e só adquire a condição humana se for mediado, em sua relação com o mundo, por
instrumentos de sua cultura”.
Destarte, a cultura torna-se parte da natureza humana em seu processo histórico aliado
ao seu desenvolvimento, capaz de moldar o seu funcionamento psicológico. Souza,
Depresbiteris e Machado (2004, p. 138) ratificam ainda que “[...] a cultura tem a função de se
interpor entre o sujeito e a realidade, dando ao primeiro o contorno humano”. Para Vygotsky
(1934, p. 50) “poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento humano em geral
35

é que os próprios homens influenciam sua relação com o ambiente e, através desse ambiente,
pessoalmente modificam seu comportamento, colocando-o sob seu controle”. Pode-se notar
uma relação de troca mútua entre o contexto e o indivíduo, um moldando o outro igualmente.
Em geral, Vygotsky (1934) postula que as funções psicológicas são construídas ao longo
da história social do homem a partir de sua relação social com o mundo, que é mediada por
instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o que difere o ser humano de outros
animais. Seres humanos agem culturalmente no mundo através desses artefatos e têm parte de
suas identidades construídas também a partir deles. Portanto, para o autor, os processos
psicológicos não possuem fonte única em estruturas psicológicas ou na aprendizagem isolada
do indivíduo, mas na interação e na experiência sociocultural historicamente desenvolvida.
O envelhecimento, socialmente falando, é sinônimo de acúmulo cultural e político de
experiências e interações, sendo caracterizado a partir de construções sociais realizadas em
cenários culturais e históricos específicos. Conforme explicita a doutora em desenvolvimento
humano Maria Szymanski,

Vygotsky (1995) reconhece que a evolução puramente biológica (filogênese)


desempenha importante papel no percurso do desenvolvimento humano, no
entanto, a partir do desenvolvimento histórico e cultural da conduta
(ontogênese), é que o homem, passa da condição de espécie – cujas
características já lhes são dadas no nascimento – para gênero humano. Este
longo processo de apropriação cultural envolve o homem e a história, e
possibilita ao indivíduo internalizar as características que constituirão a sua
subjetividade (SZYMANSKI e VITAL, 2018, p. 288).

O processo de apropriação cultural que os autores mencionam permeia o indivíduo e


reflete em suas escolhas, moldando sua identidade e a sua consciência de mundo, daquilo que
considera certo e errado. Ao internalizar uma cultura e interagir dentro de seus padrões, o
homem torna-se parte de uma comunidade, trazendo um senso de pertencimento e contribuindo
para a manutenção de certos artefatos culturais ao longo tempo. É salutar interpretar o curso de
vida humano como sendo dependente do contexto social onde determinado indivíduo se insere
(CALDAS, 2004).
Nessa perspectiva, Caldas (2004) avalia que a forma de cada sociedade encarar o
processo de envelhecimento condiz com seus padrões de ver e sentir o mundo, unidos aos dados
orgânicos e aos fatos psicológicos, que não podem ser separados desse contexto, pois ambos se
imbricam nessa relação, de modo que a sociedade condiciona ao indivíduo, nesse caso à pessoa
idosa, o seu lugar e seu papel social, ou seja, seu rótulo. O cidadão não é considerado velho
apenas porque seu organismo está, teoricamente, em processo de declínio biológico, mas
36

porque assim é decretado pelos outros. Portanto, a velhice é também um fenômeno cultural
(CALDAS, 2004, p. 52).
Essa questão traz à tona a lembrança de uma fala de João Nery14, disponível em sua
entrevista para a série de vídeos ‘LGBTQ +60: corpos que resistem’, que, aos 68 anos de idade,
diz ter oito próteses no corpo e culpa a velhice por isso, para, logo em seguida repensar sua fala
ao afirmar que “ninguém está velho. Quem diz que você está velho é o outro, sempre. O outro
é que te diz tudo sobre sua própria autoimagem” (Nery, 2018, s/p). Esta é uma observação bem
pertinente e que condiz com o que foi dito anteriormente por Caldas (2004), ao defender que a
velhice é um fenômeno cultural. O indivíduo não pode ser visto como destacado da sociedade
em que vive e, por isso, os estudos de Vygotsky são tão importantes na compreensão do humano
e da sociedade.
Segundo Rego (1995, p.41) o programa de pesquisa de Vygotsky “traduzia a tentativa
de buscar uma abordagem alternativa, que superasse as tendências antagônicas presentes na
psicologia de sua época” e, nessa tentativa de construir uma nova psicologia baseada no homem
enquanto ser biológico e social, Vygotsky fundamentou suas principais teses a partir da
perspectiva do materialismo dialético.

Vygotsky afirma que as características tipicamente humanas não estão


presentes desde o nascimento do indivíduo, nem são mero resultado das
pressões do meio externo. Elas resultam da interação dialética do homem e
seu meio sócio-cultural. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma o
seu meio para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si mesmo
(REGO, 1995, p.41).

Rego defende que os efeitos da modificação de ambiente (através do comportamento)


podem causar, também, influência no comportamento futuro, em uma troca que se retroalimenta
e causa a integração dos aspectos biológicos e sociais do indivíduo. Portanto, as funções
psicológicas superiores15, tipicamente humanas, surgem da interação entre os aspectos

14
João Nery é conhecido como o primeiro homem trans a passar por cirurgia de redesignação sexual no Brasil.
Foi autor, ativista e professor. Formado em Psicologia, perdeu o diploma após realizar a mudança de sexo durante
a ditatura. No link <https://www.youtube.com/watch?v=wABZUUpfTMY&t=156s> é possível conferir a
entrevista citada no texto.
15
Entre uma diversidade de assuntos, Vygotsky dedicou-se, também, à análise e ao estudo das funções
psicológicas superiores, que, parafraseando Rego (1995, p.39) podem ser compreendidas como o processo mental
típico do ser humano, isto é, a capacidade de planejamento, memória voluntária, criatividade etc. Tais funções
recebem o nome de “superiores” por serem sofisticadas, por se referirem a mecanismos intencionais, conscientes
e controlados, ou seja, processos voluntários e que, em concordância com Vygotsky, não são inatos, já que têm
sua origem nas relações entre indivíduos e se desenvolvem através de formas culturais de comportamento, se
distinguindo dos processos psicológicos elementares, que são muito mais biológicos que socias, sendo
característico de crianças pequenas e animais (como reações automáticas, simples e instintivas).
37

biológicos com fatores sociais e culturais (pertencentes apenas à nossa espécie), que evoluíram
através dos anos. Rego argumenta que a segunda tese de Vygotsky é decorrente da anterior, já
que trata da origem cultural das funções psíquicas:

[...] as funções psicológicas especificamente humanas se originam nas


relações do indivíduo e seu contexto cultural e social. Isto é, o
desenvolvimento mental humano não é dado a priori, não é imutável e
universal, não é passivo, nem tampouco independente do desenvolvimento
histórico e das formas sociais da vida humana. A cultura é, portanto, parte
constitutiva da natureza humana, já que sua característica psicológica se dá
através da internalização dos modos historicamente determinados e
culturalmente organizados de operar com informações (REGO, 1995, p.41).

Nesse sentido, os aspectos sociais e culturais de cada povo causam grande influência
na constituição das características psicológicas de uma sociedade, que, seguindo a dialética
indivíduo/sociedade, também é um dos responsáveis por moldar essa mesma sociedade, pois,
assim, são decididos de forma subjetiva quais artefatos simbólicos mantemos e quais deixamos
para trás no passar do tempo, reformulando ou alimentando uma cultura já existente. As formas
de agir sobre o mundo, ou seja, a performance de cada indivíduo inserido em uma cultura,
socialmente situado, é responsável por essa manutenção ou transformação cultural. O
sentimento de pertencimento a um grupo também é responsável por influenciar no
comportamento dessas mesmas pessoas.
Estudar uma nova língua na terceira idade também está relacionado à inserção desse
indivíduo em uma cultura, bem como fomenta sua participação social. Embora ainda seja uma
área carente de investimentos e estudos, o ensino-aprendizagem de línguas na terceira idade
vem conquistando espaço, tendo em vista o aumento na procura de pessoas idosas por cursos
de idioma, estando entre os mais populares o curso de inglês. Nesse sentido, na seção seguinte
serão trabalhadas questões associadas ao ensino-aprendizagem de inglês na terceira idade.

1.4.1. Ensino-aprendizagem de inglês na terceira idade

Para avaliar o atual cenário de ensino-aprendizagem de línguas na terceira idade é


necessário perceber que esse período, marcado por mudanças significativas na vida do
indivíduo, exige quebra de paradigmas educacionais, conforme é registrado no livro
Envelhecimento em Foco I (Manhães et al., 2015, p.157).
38

Sabemos que adequação de vários aspectos ao ensino para a terceira


idade implica no desenvolvimento de uma metodologia específica para
atender os anseios desta fase que privilegie a busca de tópicos de
interesse para os idosos, a dosagem das atividades que envolvam
oralidade, levando-se em conta a diminuição da acuidade auditiva o
incômodo ao se expor diante de uma habilidade que não domina, a
tendência do uso da língua materna nas discussões em grupo, o interesse
pela tarefa de casa e, de modo especial, reconhecer no fator afetividade
um elemento motivador do processo. Além disso, os pressupostos da
Linguística Aplicada podem direcionar a criação de metodologias
alternativas na promoção de um ensino produtivo e eficaz com essa
clientela tão especial e que merece nossa atenção e dedicação.
(Manhães et al., 2015, p.157)

O cenário de ensino-aprendizagem na terceira idade, conforme visto, é comprometido


pela falta de materiais e métodos que acolham as possíveis necessidades e interesses desse
grupo. Existem inúmeros materiais didáticos de língua inglesa desenvolvidos conforme os
interesses da infância, adolescência, com propósitos específicos para o meio acadêmico,
profissional, entre outros. Embora esse não seja o foco desta pesquisa, é interessante deixar
registrado que ainda há uma carência de estudos que se debrucem sobre quais metodologias e
materiais melhor atenderiam pessoas idosas.
Acredito que há muitas contribuições da TSHC para os estudos de ensino-aprendizagem
de línguas na terceira idade, sendo essas contribuições de extrema relevância para fomentar a
participação de adultos +60 em cursos de idiomas. Analisar questões psicológicas, sociais,
emocionais, históricas, filosóficas e culturais envolvidas no processo de ensino-aprendizagem
de inglês na terceira idade mostra a importância da compreensão de que não só de fonemas e
estruturas é feita uma língua, mas que ela tem natureza viva e processual; conforme advoca
Manhães et al, “é importante que os professores e alunos envolvidos estejam conscientes de
que há vários fatores que colaboram e se influenciam durante a aprendizagem de uma língua”
(MANHÃES et al, 2015, p.159). É necessária uma sensibilidade profissional por parte dos
professores e interesse acadêmico em pesquisas, para que sejam consideradas as especificidades
relativas ao envelhecimento e à aprendizagem de línguas.
No que diz respeito a aspectos biológicos da aprendizagem e envelhecimento, pode-se
dizer que não são raros os estudos que evidenciaram questões sobre qual seria a melhor idade
para se aprender línguas (BIRDSONG, 1999; CHOMSKY 1959, 1965; LIGHTBROWN e
SPADA, 1993; SCOVEL, 1969, dentre outros). Nessas pesquisas, há extrema preocupação com
o chamado Período Crítico de Aprendizagem e sua relação com os processos de ensino-
aprendizagem de línguas, os quais trouxeram contribuições cruciais para a ampliação da área e
39

divulgação de conhecimentos científicos, mas que pouco falam sobre questões sociais,
históricas e culturais desse processo e, por esse motivo, demonstraram ser investigações
datadas. Essa crença evoluiu popularmente para uma afirmação de que a infância seria o melhor
(talvez único) período para o bom desenvolvimento de uma Língua Adicional e essa ideia foi
tão difundida que esteve presente, inclusive, no discurso da participante desta pesquisa,
conforme pode ser observado no apêndice16.
Estudos posteriores sobre ensino-aprendizagem de línguas e envelhecimento levavam
em consideração fatores inerentes às condições de personalidade e afetividade de adultos e
ganharam força a partir de temas específicos, a fim de caracterizar, dentre outros aspectos, a
importância de estilos individuais de aprendizagem (BROWN, 1997) e de aspectos sociais da
aprendizagem. Assim, o foco no contexto em que o ensino-aprendizagem se insere e nas
características individuais (ou específicas de cada grupo) torna os estudos mais situados e reais.
A importância de ter as especificidades de pessoas mais velhas consideradas no que
diz respeito ao ensino-aprendizagem de línguas reside no fato de que estudar não se limita
apenas a ter o desempenho comunicacional melhorado no idioma alvo, abrindo portas para
novos artefatos culturais e novas maneiras de existir. De acordo com Manhães et al (2015,
p.177), “como coadjuvantes do funcionamento e do fortalecimento cognitivo na velhice,
destacam-se, entre outros, a motivação, a autoestima, a satisfação com a vida, a autoconfiança
e a segurança de pertencimento a grupos familiares e sociais”. A importância dessa instigação
social está relacionada não apenas à melhora no desempenho da aprendizagem de línguas e
fortalecimento cognitivo na velhice, mas mostra como a sensação de pertencimento a grupos
contribui para a manutenção da aprendizagem.
A concepção do objetivo de aprender uma LAd depende, em grande escala, da
motivação dos aprendizes. A vontade de aprender que move aprendizes de inglês da terceira
idade parece ser, também, intrínseca. Nesse sentido, lembramos:

a dicotomia, motivação ‘intrínseca’ e ‘extrínseca’, tem sido uma das


questões mais discutidas na literatura. A primeira pode ser ilustrada
quando a atividade gera interesse e entretenimento. De acordo com
Guthrie et al. (2004) os alunos que são intrinsecamente motivados ‘têm
maior interesse no que estão lendo e gostam de descobrir os significados
sozinhos (...), eles ainda mostram um senso de responsabilidade maior
e trabalham independentemente’ (ROCHA e BASSO, 2008, p. 148).

16
Ver apêndice A e apêndice B.
40

A iniciativa de pesquisas nessa área, sem dúvida, propicia a desmistificação do estigma


de improdutividade na aprendizagem do gerontolescente, rótulo que foi reforçado pela teoria
do Periodo Crítico de aprendizagem e que tem favorecido a propagação de inúmeros
preconceitos e concepções equivocadas dentro da sociedade em torno do aprender na terceira
idade (PIZZOLATTO, 2008). Há relevância declarada na afetividade e no prazer em aprender
na gerontolescência, porém tem-se por interesse enxergar para além dos fatores de
personalidade: notar o desejo de se inserir, de se ressignificar, de compartilhar conhecimento
em comunidade, e socializar, sendo inserido um contexto.
Seguindo a linha de raciocínio de Manhães et al (2015), “socialmente, é necessário
que o idoso se sinta integrado, fazendo parte do todo que constituí nossas vidas” (Manhães et
al, 2015, p.169). Existe, portanto, uma grande influência social no aumento da busca de alunos
idosos por cursos de inglês, pois além do interesse de se inserir em uma sociedade cada vez
mais bilíngue, também frequentam a aula pelo prazer de interagir com colegas de turma, criando
amizades que, muitas vezes, se estendem para além dos limites de sala. Rocha e Basso (2008)
afirmam que a transformação do inglês em língua de comunicação tem provocado o
crescimento do interesse em se aprender o idioma, e a ampliação de sua oferta para diferentes
faixas etárias é um fenômeno relativamente recente.
Os conceitos sócio-histórico-culturais de agência, comunidade de prática, sentidos e
significados17 se constituem como perspectiva de análise desta pesquisa e como vertentes
carregadas de significações que unem pessoas em um determinado contexto de ensino-
aprendizagem de língua inglesa. Ao compreender os gerontolescentes como sujeitos históricos,
socialmente situados em local, tempo e espaço, com características culturais, sociais e
econômicas específicas, é possível vislumbrar distinções e aproximações de suas vivências em
relação ao ensino-aprendizagem de Inglês como LAd na terceira idade.
Após expor a importância da inserção cultural e social na vida de gerontolescentes,
exponho o preconceito que esse grupo sofre ao tentar fazer parte da sociedade de forma mais
ativa. Por vezes, a idade se torna motivo para segregação, causando consequências gravíssimas,
seja de forma direta ou indireta, na vida daqueles que têm mais de sessenta anos. Não somente
pode causar depressão e até mesmo suicídio, mas o idadismo está frequentemente incumbido
em decisões políticas e de saúde que estão associadas ao que Mbembe (2018) chama de
necropolítica, conforme será visto na próxima seção.

17
Conceitos que serão discutidos com mais profundidade em tópicos adiante,
41

1.5. Contexto recente: o Coronavírus expondo o idadismo

“Se consideramos a política uma forma de guerra,


devemos perguntar: que lugar é dado à vida, à morte e ao
corpo humano (em especial o corpo ferido ou morto)?
Como eles estão inscritos na ordem de poder?”
(MBEMBE, 2018)

No início de 2020, o mundo foi assolado por um vírus mortal e de alto nível de
contágio, causado pela COVID-19 (descoberta em 2019). De acordo com o Ministério da Saúde
(2020), “a COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que apresenta um
quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves”. Essa
doença apresentou enormes desafios, não só no âmbito da saúde, mas também em nível social
e econômico, já que o alto índice de mortalidade18 levou à necessidade da imposição de uma
quarentena, com intenção de diminuir os níveis de contágio e não colapsar o sistema de saúde
nacional. Entretanto, com a quarentena foi inevitável o fechamento de grande parte do
comércio, o que aumentou o índice de desemprego, causou forte impacto na economia e
insatisfação popular. Acrescento que foi devido a esse quadro que as aulas presenciais de inglês
da participante foram encerradas, sem previsão para retorno naquela ocasião. Retomamos
apenas em meados de 2021.
O, então, presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, uma das poucas autoridades políticas
negacionistas da crise epidemiológica, repudiou o isolamento social por valorizar a economia
em detrimento da vida do povo. Entretanto, os governadores e prefeitos decidiram adotar as
medidas propostas pela OMS e apoiar o isolamento horizontal – quando não há seleção de
grupos específicos para distanciamento – indo contra o que Bolsonaro gostaria de ter imposto,
o que o levou a expressar sua insatisfação em diversas mídias sociais, tal como o fez em
videoconferência, promovida no dia 14 de Maio de 2020 por Paulo Skaf19, quando afirmou que
"o governo federal, se depender de nós, está tudo aberto, com isolamento vertical20 e ponto

18
“Uma pesquisa inédita da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que o número de mortes por Covid-19 no
Brasil em 2020 foi 18,2% maior do que o registrado. A análise indicou que foram 230.452 óbitos pela doença no
ano passado e não 194.949. Os resultados do estudo, financiado pelo Programa Fiocruz de Fomento à Inovação
(Inova Fiocruz) foram publicados no Painel Monitora Covid-19 da Fiocruz” (FIOCRUZ, 2021) Disponível em
<https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-analisa-registro-de-obitos-por-covid-19-em-2020>
19
Empresário e político brasileiro, filiado ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e presidente da Federação
das Indústrias do estado de São Paulo (Fiesp), do Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), do Serviço
Social da Indústria (Sesi SP), do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-SP), do Instituto Roberto
Simonsen (IRS) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-SP).
20
O isolamento vertical propõe que apenas grupos de risco (composto por idosos e pessoas com doenças crônicas)
permaneçam em suas residências. Esse método, que tem como principal representante de sua formulação o médico
David Katz, diretor do Centro de Pesquisas em Prevenção de Yale-Griffin, prevê uma suposta imunidade de
rebanho daqueles que não são casos de risco. Contudo, mesmos os médicos que defendem essa prática, como Katz,
42

final. Os governadores assumiram cada um à sua responsabilidade, houve uma concorrência


entre muitos para ver o que fechava mais” (BOLSONARO, 2020). Essa postura do presidente
junto ao alto índice de insatisfação populacional com comércios fechados e desemprego fez
com que aumentasse o nível de estresse e, portanto, de antipatia do povo contra aqueles que,
como diz Bolsonaro, deveriam ser os únicos a se isolar em casa, ou seja, a terceira idade.
Perceba aqui a culpabilização do presidente aos mais velhos, que foram tratados com grande
preconceito por grande parte da sociedade devido a um discurso falacioso de uma figura de
grande influência.
Ao propor o isolamento vertical em seu discurso, Bolsonaro ignorou as recomendações
da OMS de seguir o isolamento horizontal, e transpareceu desconhecer fatos relevantes, como
o de que há pessoas de mais variadas idades morrendo de Covid-19, independentemente de ter
comorbidade ou não. Em seu pronunciamento nacional, feito dia 24 de março de 2020, ainda
no auge da pandemia, o presidente afirmou que

[...] o sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à
normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem
abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte,
fechamento de comércio e confinamento em massa. O que se passa no mundo
tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então,
por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs, com menos
de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos qualquer manifestação, caso se
contamine (BOLSONARO, 2020).

Além de Bolsonaro dizer, sem provas científicas, que o grupo de risco da doença são
as pessoas mais velhas, o que já expõe sua visão preconceituosa, os “dados percentuais”
apontados pelo presidente não têm, do mesmo modo, qualquer embasamento científico e não
são comprovados, tendo sido inventados pelo então presidente da república. Pessoas de mais
idade são, de fato, mais vulneráveis21 às doenças infectocontagiosas, como é o caso da Covid-
19, e têm maiores chances de morrer por complicações decorrentes dela, mas isso não quer
dizer que pessoas mais jovens e sem comorbidades não possam ser mortalmente afetadas pelo

afirmam que o número de mortes seria altíssimo, incluindo jovens nessas estatísticas. Essa estratégia de isolamento
visa a economia e não a saúde e vida do povo e, por isso, é duramente criticado por diversos profissionais de saúde.
Essas e outras informações podem ser conferidas no site da BBC: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-
52043112
21
A Fiocruz realizou um levantamento de dados relacionados à covid-19 e “um dos achados da pesquisa mostra
que três em cada quatro óbitos por Covid-19 (em 2020) aconteceram em pessoas com mais de 60 anos de idade
(175.471 idosos). Nesse grupo, a faixa etária mais afetada foi a de 70 a 79 anos, que concentra 33% dos óbitos de
idosos por Covid-19 em 2020. O estudo aponta que, do total de idosos mortos pela Covid-19 no ano passado, 29%
tinham entre 60 e 69 anos; 27% de 80 a 89 anos; e 11% mais de 90 anos.” (FIOCRUZ, 2021). Disponível em <
https://portal.fiocruz.br/noticia/estudo-analisa-registro-de-obitos-por-covid-19-em-2020>
43

vírus, conforme foi observado durante o ápice da pandemia. O alto índice de mortes que
acomete a terceira idade e suas possíveis razões foi foco de um estudo22 publicado na British
Medical Journal (BMJ, 2020), que apresenta dados sobre os grupos de risco do Sars-Cov-2.
Contudo, isolar apenas um grupo etário não é a solução para uma epidemia e o incentivo a esse
tipo de isolamento é sinônimo de discriminação e de animosidade contra a terceira e a quarta
idades, principalmente contra aqueles que têm necessidade de estar na rua, seja para comprar
alimentos ou medicamentos, ou resolver qualquer outra obrigação típica da vida adulta.
O médico Alexandre Kalache assegura que o preconceito com a terceira idade cresceu
durante a pandemia. Ao ser questionado sobre a cultura do descarte de idosos, em entrevista à
Folha de São Paulo, o especialista disse que

todo preconceito de idade (idadismo), que já existia contra os idosos, apenas


aflora, aumenta com a questão da Covid. ‘Deixa morrer! Já viveu muito! E
daí?’ parece que ninguém se importa mais com a morte de alguém que já viveu
muito. É o que chamo de gerontocídio” (KALACHE, 2020, p. 10).

Esse preconceito gera graves impactos na vida do público-alvo (no caso,


gerontolescentes), podendo, conforme visto, ser até mesmo fatal, já que muitas vezes o fator
idade era levado em consideração da hora de priorizar os pacientes a receberem tratamento.
Conforme publicado no blog do autor e jornalista Diogo Schelp23 (2020, s/p.),

não vivemos tempos normais. A pandemia da Covid-19 está legitimando um


desejo enraizado: o de que o lugar dos velhos é em casa. Não nas calçadas,
“obstruindo” o caminho, não nos caixas de supermercado, desfrutando de uma
fila exclusiva, não no ambiente de trabalho, ocupando funções que poderiam
estar sendo desempenhadas por alguém mais jovem (ainda que mais
inexperiente). Quando alguém diz a um passageiro da terceira idade em um
transporte público, “o que o senhor/a senhora está fazendo aqui?”, pode até,
em alguns casos, ter uma intenção genuinamente positiva. Muitas vezes,
porém, está, implicitamente, passando duas mensagens: a primeira é de que o
idoso não tem discernimento para decidir o que pode ou não fazer (ou seja,
não é capaz); a segunda é que ele não tem autonomia para tomar a decisão de
interromper o isolamento social para fazer algo fora de casa (ou seja, não tem
direito) (SCHELP, 2020, s/p.).

22
Pesquisadores analisaram casos de 113 pessoas que morreram e de outras 161 que se recuperaram da doença em
Wuhan, cidade chinesa onde a epidemia foi deflagrada, o epicentro da Covid-19. Foi constatado que a idade média
dos pacientes que não sobreviveram era mais elevada, estando próxima dos 68 anos de idade. Um dos motivos
para que idosos estejam mais suscetíveis às complicações dessa doença, segundo os pesquisadores, é a quantidade
de alterações no sistema imunológico de pessoas com idade avançada.
23
O texto não apresenta paginação, pois foi acessado através da webpage
<https://noticias.uol.com.br/colunas/diogo-schelp/2020/04/02/pandemia-da-vazao-a-preconceito-represado-
contra-idosos.htm>
44

Tal fala ratifica o idadismo24, presente na sociedade e representado na fala de


indivíduos – como o próprio presidente – que se sentem no direito de opinar sobre a vida da
pessoa idosa, principalmente daqueles que tinham necessidade de quebrar o isolamento durante
a pandemia. Esse questionamento sobre a real necessidade de quebra do isolamento por parte
dos mais velhos, além de infantilizar o poder de decisão desse grupo de adultos, não demonstra,
na maioria das vezes, nem preocupação com o sistema de Saúde Pública e nem muito menos
com o público mais velho em si.
A idade avançada não é responsável pela transmissão da Covid-19, o maior cuidado
com o isolamento dessa parte da população seria com intenção de diminuir o índice de
fatalidades que o vírus causa na mesma. Contudo, o tom de indignação que parte da população
demonstrava contra idosos fora de isolamento – em reportagens ao vivo, por exemplo – não
transparecia tom de cuidado, mas, sim, a percepção de que esses idosos estão contribuindo para
que a pandemia não acabasse, o que não é verídico e apenas corrobora com o idadismo, que
vem ganhando força durante essa fase tão difícil que enfrentamos.
Esse idadismo, como dito por Kalache (2020, s/p) em entrevista, foi substanciado por
discursos do então presidente da república Jair Bolsonaro, que insistia no isolamento de pessoas
idosas, reforçando a percepção de que, por não precisarem sair para trabalhar, idosos deveriam
permanecer “guardados” em casa. A postura de Bolsonaro incitou a hostilidade contra esse
grupo, que, muitas vezes, não tem com quem contar para ações cotidianas e precisa resolvê-las,
afinal são adultos autônomos e, na maioria das vezes, responsáveis por si.
Em uma visão geral, o governo Bolsonaro representou um grande atraso no que diz
respeito às políticas nacionais voltadas ao idoso. Ecoando Kalache, ainda em entrevista
fornecida à Folha de São Paulo online,

[...] o CNDI (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa) sofreu uma
intervenção ano passado por parte do Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos, da Damares [Alves]. São pessoas totalmente ignorantes nas
questões de envelhecimento e que não têm interlocução com a sociedade civil.
Está tudo contaminado por um discurso que discrimina (KALACHE, 2020,
p.10).

24
Idadismo é o preconceito baseado na idade, que é altamente disseminado em nossas culturas e está inserido no
discurso anti-idade, por exemplo, que causa rejeição e ao mais velho e transforma em ‘inimigo’ o corpo em
processo de envelhecimento (FEATHERSTONE e WERNICK, 1995).
45

O idadismo está fortemente presente na política atual e toma ainda mais força em
vários aspectos durante a pandemia, o que representa um grande risco aos idosos. Quando, a
título de exemplo, foi abordada a questão da locação de respiradores25, a idade foi estabelecida
como critério na escolha do paciente a receber o tratamento de emergência. Aqui cabe notar
que a decisão sobre quem vive e quem morre é uma forma de exercício de poder político sobre
os corpos. Em uma visão Foucaultiana, poder é o exercício concreto de dominação e sujeição,
de decisão sobre vida e morte.
Para Krenak (2020), em uma sociedade capitalista e mercadológica o ser humano é
considerado útil apenas na fase de produção. Perceba que ao atingir a terceira idade e se
aposentar, o indivíduo para de produzir e, portanto, passa a ser uma despesa na visão política e
econômica capitalista. O capitalismo criou instrumentos de “deixar viver e fazer morrer” e
pode-se dizer que deixar de produzir é uma condição para se deixar morrer. O autor aponta
ainda que o custo da Previdência faz com que governantes acreditem que a morte dos mais
velhos seja uma redução de gastos. “Os governos estão achando que, se morressem todas as
pessoas que representam gastos, seria ótimo. Isso significa dizer: pode deixar morrer os que
integram os grupos de risco” (KRENAK, 2020, p. 11).
Nelson Teich, médico Oncologista e ministro da saúde por indicação de Bolsonaro na
substituição de Mandetta26, insinuou, em 2019, no painel no 9º Fórum de Oncoguia, que em caso
de recursos limitados, os mais jovens devem receber prioridade de tratamento. Teich afirma, em
vídeo disponível no canal da TV Oncoguia, que

Como você tem dinheiro limitado, você vai ter que fazer escolhas, então você vai
ter que definir onde você vai investir. Então, eu tenho uma pessoa que é mais idosa,
que tem uma doença crônica, avançada, e ela teve uma complicação. Para ela
melhorar, eu vou gastar praticamente o mesmo dinheiro que eu vou gastar para
investir num adolescente, que está com um problema. O mesmo dinheiro que eu
vou investir lá, é igual. Só que essa pessoa é um adolescente que vai ter a vida
inteira pela frente, e o outro é uma pessoa idosa, que pode estar no final da vida.
Qual vai ser a escolha? (TEICH, 2019, s/p).

Além de desmascarar o idadismo presente no cenário político, é possível notar no


discurso de Teich a atuação da necropolítica (MBEMBE, 2018), ou seja, a perpetuação do poder

25
Aparelhos imprescindíveis no tratamento de estágios críticos da Covid-19 e que estão em escassez no país, tendo
um número de pacientes ultrapassado consideravelmente o de respiradores (ou ventiladores mecânicos).
26
Luiz Henrique Mandetta ocupou o cargo de Ministro da Saúde no Governo Bolsonaro por cerca de três meses,
de janeiro a abril de 2020, tendo sido demitido devido a divergências com o presidente quanto à política de
isolamento. Mandetta defendia as medidas sugeridas pela OMS, indo contra os argumentos de Bolsonaro, o que
gerou conflitos entre os dois e culminou em sua exoneração do cargo.
46

de uns sobre os outros no controle da vida e do “deixar morrer” quando se faz necessário na
visão capitalista.
A falta de conhecimento sobre envelhecimento por parte dos profissionais na linha de
frente do combate à Covid-19, para Kalache, é um dos fatores que os leva a fazer esse tipo de
escolha. O gerontólogo defende que esses profissionais “deveriam ter informações suficientes
de que o que deve comandar essa escolha é a comorbidade, a capacidade funcional da pessoa”
no momento da doença e não a idade. Contudo, Kalache afirma, ainda, que essa questão não
entra nos protocolos dos hospitais e que:

[...] para eles, é ‘confortável’ decidir pensando ‘quem já viveu, dança; vamos
dar oportunidade para aquele mais jovem’. De novo, é uma mistura do
idadismo, do preconceito gritante e da ignorância. Eu sei que é uma escolha
muito difícil, não estou minimizando, mas é possível fazê-la com mais critério
(KALACHE, 2020, s/p).

Não bastasse todo o preconceito sofrido devido à idade, como a interpelação de


estranhos e o possível abandono durante a necessidade de tratamento, até mesmo por parte do
sistema de saúde, o atual momento oferece outros riscos para a pessoa idosa, como violência
doméstica, depressão e suicídio. Os casos de violência doméstica, seja contra mulheres, crianças
ou idosos, tem crescido consideravelmente durante a pandemia. Parafraseando Kalache, “houve
um aumento de 50% das ligações nos canais de denúncia. Mas as estatísticas oficiais são muito
tímidas. Isso é só a ponta do iceberg”, pois, reverberando o autor, as pessoas evitam denunciar,
principalmente no caso de idosos, porque “a última coisa que um idoso, uma idosa, quer fazer
é ligar para a polícia e acusar o seu filho, a sua filha, o seu neto. Ainda mais em tempos de
isolamento social em que ele está sendo monitorado o tempo todo. Isso é muito perverso”
(KALACHE, 2020).
A comunicação de idosos em tempo de isolamento se torna ainda mais árdua,
atentando ao fato de que nem todos têm a mesma oportunidade que a participante deste estudo,
por exemplo, que pode contar com smartphones e redes sociais para amenizar o isolamento.
Lamentavelmente, essa não é a realidade da maioria dos idosos que, muitas vezes, não possuem
condições de acesso a esse tipo de tecnologia, ou não possuem conhecimento de como usá-lo,
nem quem se interesse em ensinar. Isso contribui para os casos de depressão e, segundo Feitosa
(2020),
dentre as doenças com maior prevalência entre os idosos destaca-se a
depressão, moléstia que, por afetar a condição mental do indivíduo, apresenta
repercussões sobre o tratamento de outras doenças crônico-degenerativas
devido à interferência a respeito do autocuidado (FEITOSA, 2020, p.4).
47

O grave nível de idadismo que ainda vivenciamos atualmente é algo que parece estar
associado ao aumento da ansiedade e da depressão em idade avançada. A depressão é um alerta
vermelho, pois pode acabar, em casos extremos, levando ao óbito, seja por falta de vontade de
tomar os cuidados necessários para idade, ou pelo suicídio. Em conformidade com a OMS,
idosos compõem o grupo populacional de maior risco para o suicídio, sendo pessoas acima dos
70 anos as que mais cometem suicídio no Brasil. A morte auto infligida requer um grande nível
de desespero e desesperança. Durante a pandemia, houve um aumento significativo de casos de
suicídio27 e, entre eles, um ganhou notoriedade, por se tratar do ator Flávio Migliaccio, que, aos
85 anos, cometeu suicídio em seu sítio, em Rio Bonito (RJ).

Foto 2 - Ator Flávio Migliaccio em cena, 2018


Fonte: Neia Faria/Divulgação28

Assim como tem ocorrido com uma grande quantidade de pessoas idosas atualmente,
a idade avançada não influenciou nas faculdades mentais desse grande ator e autor, que, em
seus últimos anos de vida, apresentava nos teatros uma peça autobibliográfica, Confissões de
um Senhor de Idade, que tratava dos dramas do envelhecimento por ele enfrentados e por muitos
compartilhado. O fato de apresentar uma peça com esse tema demonstra a consciência e
preocupação do autor com o envelhecimento e questões envolvendo o tema.
O caso de Migliaccio chamou atenção durante este estudo, pois os principais fatores
que parecem ter levado o ator a tirar a própria vida foram a idade já avançada e a situação do

27
Segundo dados da Fiocruz, que avaliou de forma inédita o comportamento de suicídio durante a primeira onda
de Covid-19, “os resultados apontam que, em homens com 60 anos e mais da região Norte, o excesso de
suicídios alcançou 26%.” Conforme os estudos apontam, “o padrão também foi observado nas mulheres com 60
anos ou mais do Nordeste, com excesso de suicídios de 40%”. Disponível em:
https://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz-avalia-excesso-de-suicidios-no-brasil-na-primeira-onda-de-covid-19
28
Disponível em https://www.socialistamorena.com.br/a-carta-manifesto-de-flavio-migliaccio-e-um-alerta-
sobre-o-mundo-em-que-vivemos/ . Acesso em 09 fev. 2022.
48

país quando cometeu o suicídio, ambos temas discutidos nesta pesquisa. Os motivos do autor
foram deixados em uma breve carta de suicídio, mais tarde divulgada pelo próprio filho: “Me
desculpem, mas não deu mais. A velhice neste país é o caos, como tudo aqui. A humanidade
não deu certo. Eu tive a impressão que foram 85 anos jogados fora num país como este. E com
esse tipo de gente que acabei encontrando. Cuidem das crianças de hoje!” (MIGLIACCIO,
2020). O desrespeito com o envelhecimento em nosso país, agravado durante a pandemia,
parece ter servido de gatilho para a decisão de Migliaccio em tirar a própria vida.

Foto 3 - Carta de despedida de Flávio Migliaccio


Fonte: Reprodução 29

A carta de Migliaccio revela o desespero com a forma que as pessoas de idade são
tratadas no Brasil e deposita na juventude a esperança de tempos melhores. A perda irreparável
desse ícone do cenário cultural brasileiro que atravessou gerações, é apenas um caso do alto
índice de suicídio, apontado pela OMS (2014), entre pessoas idosas e expõe a seriedade do atual
momento histórico que essa geração de idosos enfrenta. No que diz respeito à idade, o manual
da OMS (2014) de prevenção ao suicídio aponta que que as taxas de casos entre pessoas acima
dos setenta anos de idade (de ambos os gêneros) é consideravelmente maior e esse fato se repete

29
Foto divulgada pelo filho do ator e retirada do site. Disponível em: https://www.socialistamorena.com.br/a-
carta-manifesto-de-flavio-migliaccio-e-um-alerta-sobre-o-mundo-em-que-vivemos/ Acesso em: 09 fev. 2022.
49

em praticamente todas as regiões do mundo. O Coronavírus pode ter acentuado o estado de


saúde mental de pessoas na terceira idade, o que pode causar efeitos graves a longo prazo.
Durante a entrevista, as participantes desta pesquisa comentaram sobre os efeitos do
Coronavírus, sobre como a epidemia influenciou suas vidas, sobre como perderam o direito de
ir e vir, sobre terem tido que parar de ir às aulas e como sentiam falta da professora e da
interação entre colegas. Tratar de questões sociais e históricas da atual geração da terceira idade
sem comentar sobre a crise pandêmica e econômica que atravessam seria deixar de fora um
aspecto muito importante para a melhor compreensão do objeto de estudo aqui proposto. A
carta de despedida deixada por Migliaccio expressa o olhar de um senhor de idade diante do
cenário atual em que vivem essas pessoas diariamente. Contudo, há a esperança de mudança.
Para enfrentar o idadismo é necessária uma reformulação de conceitos na sociedade.
O Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde da OMS (2015) aponta que

[...] combater a discriminação etária exigirá a criação, e a incorporação no


pensamento de todas as gerações, de uma nova compreensão de
envelhecimento. Isso não pode ser baseado em conceitos ultrapassados de que
os adultos maiores são um fardo ou em suposições irrealistas de que os adultos
maiores hoje evitaram, de alguma forma, os problemas de saúde de seus pais
e avós. Em vez disso, demanda uma aceitação da ampla diversidade da
experiência da idade avançada, um reconhecimento das injustiças que estão
muitas vezes subjacentes e uma abertura para perguntar como as coisas podem
ser feitas de maneira melhor (OMS, 2015, p.21).

Para tornar ainda mais claras as formas de combate a esse preconceito, a OMS elenca
as principais ações a serem tomadas, que são

[...] realizar campanhas de comunicação para aumentar o conhecimento e a


compreensão de envelhecimento entre os meios de comunicação, o público
em geral, os tomadores de decisões políticas, os funcionários e os prestadores
de serviços; promulgar legislações contra discriminação baseada na idade;
garantir que uma visão equilibrada do envelhecimento seja apresentada nos
meios de comunicação, por exemplo, minimizando o relato sensacionalista de
crimes contra pessoas maiores (OMS, 2015, p.21).

Além das ações supracitadas, o combate ao idadismo também está no respeito aos
atravessamentos vividos por essas pessoas. Ainda há um longo caminho a ser percorrido no
enfrentamento da discriminação contra pessoas de idade mais avançada, porém é perceptível o
interesse em mudar a situação, principalmente por parte do público de 60 anos ou mais. Na
próxima seção, disserto sobre como a atual geração de idosos pode estar causando impacto na
desconstrução do idadismo e na ressignificação histórica desse grupo.
50

1.6. Idoso, gerontolescente? Ressignificação identitária e histórica

Palavras são manifestações usadas para designar lugares, pessoas, coisas e ideias. Essa,
porém, é uma definição simplista, que não evidencia questões relevantes envolvidas no uso das
palavras. Por que há preferência pelo uso de uma palavra em detrimento de outra? Qual o
contexto em que está sendo usada? Quais significados essa palavra desperta no ouvinte/leitor?
O que ela representa socioculturalmente? Quais sentidos estão imbuídos nela? Estas são apenas
algumas das questões envolvidas nesse processo e uma das que gostaria de abordar aqui é como
essas palavras despertam (ou indexicam) significados que podem mudar dependendo do
contexto e da época em que são usados, conforme apontado por Butler (2002). Mudanças
sociais podem ser responsáveis pela mudança de sentido de uma palavra, ou, ainda, pela
necessidade do surgimento de novos termos.
Parish e Hall (2021, p.2) de forma analógica, dizem que pegadas nos levam a crer na
existência de alguma criatura ambulante de características específicas. A pegada de uma pessoa,
por exemplo, causará imagens mentais de um ser diferente que as pegadas de um gato gerariam.
Da mesma maneira que pegadas indexicam seres, ações indexicam seus agentes. Apesar de
indivíduos de um mesmo grupo se comportarem de formas distintas, pode-se dizer que há um
conjunto de ações que os marca e os categoriza naquele grupo. Essa categorização ocorre de
forma natural, tendo em vista que ações estão ligadas a identidades socialmente reconhecíveis,
mas se consolida de outras formas. O estabelecimento da terceira idade como categoria social,
por exemplo, ocorreu devido a uma série de elementos históricos, como o surgimento da
Geriatria e da Gerontologia30 como áreas de estudo que particularizavam a velhice como fase
dotada de traços específicos, algumas vezes positivos, mas muitas vezes relacionados a perdas
(SILVA, 2008). Outro fator histórico relevante foi a determinação da aposentadoria, que, por
um lado, realçou as limitações das pessoas idosas e a necessidade de resguardo, mas, por outro,
os marcou como categoria política (LASLETT, 1989). Apesar de haver uma ambivalência de
crenças – indicando tendências positivas em contraste a tendências negativas – pode-se dizer
que há uma inclinação para a estereotipação mais negativa da terceira idade.

30
Cabe ressaltar a diferença entre os termos, sendo que geriatria está relacionado à área médica e gerontologia aos
estudos de envelhecimento humano em uma perspectiva mais ampla. Ecoando o Doutor em Saúde Coletiva Daniel
Groisman, “a geriatria seria o ramo da medicina que visa tratar as doenças associadas ao processo de
envelhecimento. Já a gerontologia social incorporaria uma série de disciplinas, tais como a psicologia, o serviço
social, o direito, a nutrição e outras, para o estudo do envelhecimento.” (2002, p. 64) O autor defende, ainda, que
“a história da gerontologia e da geriatria se confundem, de certa forma, pois o estabelecimento de uma
especialidade médica para a velhice precedeu o seu desdobramento em área multidisciplinar” (GROISMAN, 2002,
p.68)
51

A categorização em grupos é socialmente relevante por contribuir na conquista de


direitos e no desenvolvimento de estudos, contudo pode acabar facilitando rótulos sociais
negativos em caso de minorias. No que diz respeito a aposentadoria e mercado de trabalho, por
exemplo, o idoso é julgado como contraproducente, incapaz ou inválido. Há toda uma rede de
discursos preconceituosos que pregam a velhice como um fardo a ser carregado pelos sistemas
econômicos. Contudo, é pertinente apontar que, além de aposentados já terem contribuído uma
vida inteira com o trabalho e impostos, eles constituem parte importante da economia, para
além disso, seja como força consumidora, ou ainda ocupando cargos remunerados, tendo em
vista que muitos escolhem não se aposentar e, ao mesmo tempo, outros nem mesmo têm como
optar pela aposentadoria, pois a família depende financeiramente deles. A existência da
aposentadoria como um direito legal para pessoas mais velhas que contribuíram (e ainda
contribuem) economicamente não deveria estar associado à ideia de idade como um fardo
político-econômico.
Já na relação entre terceira idade e serviços de saúde, a crença de que idosos estão em
decadência, que possuem problemas típicos e tendências a queixas exageradas pode gerar
negligência por parte dos profissionais (PASCHOAL, 2011), que podem acabar associando as
queixas a problemas da idade, não verificando a possibilidade de algo mais sério. Outra
consequência grave gerada pela rotulação, parafraseando Gergov e Asenova (2012), é o medo
de estar se encaixando no estereótipo social e negativo que lhe é dado, o que pode gerar questões
de autoestima e desenvolvimento, demonstrando que a exposição a concepções nocivas pode
gerar impacto significativo no bem-estar individual. Esses preceitos, assim como outros tão
enraizados socialmente, constituem uma base sólida para o idadismo. A esteriotipação pode
causar consequências sérias sobre a vida de indivíduos, especialmente em grupos
historicamente marginalizados e cujas ações são, muitas vezes, interpretadas como inferiores
ou ilegítimas ao serem comparadas com outros grupos considerados hegemônicos.
A categorização da terceira idade faz com que esse termo remeta a um grupo de
pessoas com características específicas. Ao pensar “terceira idade”, “velhice” ou “idoso”, uma
imagem mental carregada de sentidos é criada automaticamente. Assim, há uma relação triádica
entre signo (palavra), objeto e interpretante, sendo o signo algo determinado por um objeto,
neste caso por um grupo social, que desperta uma imagem automática, também conhecida como
interpretante. Exemplificando, o signo “banana” se refere a um objeto com traços próprios,
porém seu interpretante pode variar de pessoa para pessoa, pois a imagem automática de banana
que alguém cria, provavelmente, será esteticamente diferente que outra pessoa criaria. Da
mesma forma que o signo linguístico “banana” é determinado por um objeto de características
52

específicas que o enquadram nessa categoria, os signos “velho” e “idoso” também vão indexicar
interpretantes específicos no imaginário de cada um, podendo variar de acordo com as
ideologias e experiências de cada indivíduo. Contudo, em consoante com o que já foi dito, na
maioria das vezes, os sentidos associados a esse grupo são socialmente desfavoráveis e, por
esse motivo, indivíduos idosos buscam camuflar características que remetam a que grupo etário
pertencem, visando, então, reduzir o preconceito e o estereótipo com o qual são tratados. É
recorrente que recusem o título de idoso em nível pessoal31, criando um distanciamento dessa
palavra, bem como dos termos “velho(a)” e “terceira idade”.
A atual geração vem ressignificando esses termos através da agência, desafiando os
rótulos que lhe são impostos. Embora venham mudando de sentido e indexicando novas
possibilidades, essa mudança ocorre a passos lentos, sendo que parece surgir uma necessidade
mais urgente para essa questão. Nesse sentido, novos termos, (como gerontolescência,
envelhescência, quarta idade), surgiram na intenção de melhor representar essa faixa etária,
cujos integrantes não aceitam mais serem vistos como incapazes e inválidos, termos incutidos
na palavra “idoso” ao longo dos anos, por exemplo.
Não é tão inusitada assim a criação de novos termos que se destinam a representar uma
fase no desenvolvimento humano que surge de forma inédita na história. Após a Segunda
Guerra Mundial, os jovens da época tiveram a oportunidade de se dedicar mais aos estudos
antes de começar a trabalhar. Esse marco causou uma mudança de perfil tão forte nos jovens,
que fez com que se estabelecesse a necessidade de um termo que descrevesse a transição entre
infância e fase adulta. Foi, então, que o termo “adolescência”, criado no final do século XIX,
passou a ser utilizado. Da mesma forma que houve uma grande mudança de perfil populacional
naquela época, a revolução da longevidade vem gerando um novo perfil de idoso e uma nova
fase de transição, entre a vida adulta e o que se tem convencionado como terceira idade.
De acordo com o Centro Internacional de Longevidade Brasil (2015), essa fase de
transição é “delineada mais por marcadores funcionais do que pela idade” e pode ser
considerada “um estágio do desenvolvimento humano singular e sem precedentes” (CILB,
2015, p.23). Em resposta ao surgimento dessa nova fase, surge o termo gerontolescência.
Curiosamente, a mesma geração responsável pelo surgimento do termo “adolescência” está
gerando essa nova demanda para essa nova fase de transição, que, segundo CILB

31
Digo em nível pessoal pois podem buscar os direitos legais que idosos têm, como gratuidade em transporte,
atendimento preferencial, aposentadoria e etc, contudo, geralmente, preferem não ser tratados pelo título de idoso
em outros meios.
53

[...] foi também chamada de ‘final da meia idade’ por alguns, em referência à
manutenção da saúde e das atividades da meia idade e de anos ‘encore’ para
enfatizar a ideia de segunda chance e de novos direcionamentos para
engajamento significativo. Foi também chamada de ‘gerontolescência’ para
nos lembrar que a grande geração do babyboom, que atualmente a define, é
também a mesma corte que criou e definiu a construção social de
“adolescência (CILB, 2015).

Perceba que a geração dos nascidos entre 1940 e 1965, já causava grandes
transformações sociais e culturais durante sua juventude. Não à toa foram também responsáveis
pelo surgimento da necessidade do termo adolescência. Ao revisitar o período histórico que
decorreu entre essas duas décadas, pode-se perceber uma luta marcante da juventude pela
liberdade de expressão e pela individualidade, recusando a imposição de padrões anteriores, o
que fez com que essa geração fosse responsável por uma grande revolução cultural e social,
quando ainda eram jovens. Para Jordana (2011),

as manifestações culturais dos anos 60 e 70 refletiram o espírito de uma época


de intensa contestação dos padrões sociais, das influências estrangeiras na
cultura, de uma geração de jovens que buscavam liberdade através de ideais
contra culturais, políticos e revolucionários. No mundo todo, estes anos foram
marcantes em termos de mobilização social e cultural, conforme ressaltam
Groppo (2000) e Brandão; Duarte (1990). A música, a literatura, o cinema e
os movimentos sociais no Brasil foram atingidos por este clima efervescente
de mudança e conquista por uma cultura nacional e liberdade em diversos
âmbitos (JORDANA, 2011, p.488).

Aqueles que viveram a fase da juventude nos anos 60 e 70 são, enquanto realizo esta
pesquisa, a população que compõe a terceira idade e, apesar de não serem mais considerados
jovens cronologicamente, continuam quebrando paradigmas com o mesmo vigor de antes.
As ações humanas são moldadas pelos contextos em que estamos inseridos. Houve
uma série de fatores históricos que influenciaram o comportamento da juventude dos
gerontolescentes, o que causou uma reação social e, mais uma vez, moldou a sociedade. De
acordo com Elaine Mateus (2009, p.19) “na psicologia sócio-histórico-cultural, os processos de
desenvolvimento ou transformação humana são, quase sempre, relacionados ao conceito de
interiorização/ exteriorização, conforme proposto por Vygotsky (1978/1988)”. A autora diz que

[...] para esse estudioso, as ações externas e internas são dois aspectos inter-
relacionados do mesmo fenômeno; a estrutura instrumental da ação humana
incorpora-se ao sistema de inter-relacionamento com outras pessoas e só aí
poder ser compreendida. Isto porque Vygotsky estudou a atividade produtiva
social que se desenvolve por meio de artefatos, sob as condições de
cooperação entre as pessoas e de transmissão entre as gerações (MATEUS,
2009, p.19).
54

A cooperação de indivíduos e a interação entre eles foi responsável pela transformação


e transmissão de novos valores, contribuindo para a manutenção de formas de vivências
diferentes das vistas em outras épocas. As experiências de vida, ou seja, o lado interno do
indivíduo, foram associadas ao meio externo, isso já desde a juventude dos anos 60 e 70 (o
contexto histórico de pós-guerra, a luta por direitos durante a ditadura no Brasil, a valorização
da cultura americana na reverberação do American Way of Life32 entre outras questões). Da
mesma maneira que sofreram influências do meio, esse grupo de indivíduos gerou influência
no contexto em que estavam inseridos, também o moldando. Assim, essa troca gera influências
sociais significativas que demandam adaptações culturais, inclusive, no uso da língua.
Esse é outro motivo pelo qual esse estudo preza o uso da palavra “gerontolescente”, a
fim de ser mais justo e respeitar o desejo da categoria de evitar palavras ainda estigmatizadas,
como “velho”, e de reduzir o uso de outras, como “idoso”. Há, inclusive, a preferência pelo uso
de termos como “pessoa de idade” e “pessoa idosa” no lugar da palavra “idoso”, pois os
primeiros colocam o indivíduo a frente de sua condição, seja ela qual for. Contudo, ainda é
árduo evitar totalmente o termo “idoso”, principalmente em um trabalho acadêmico, que cita
tantos outros usando essa palavra, ainda considerada a principal para descrever adultos acima
de 60 anos formalmente. Creio que, ao longo do tempo, possa haver uma mudança de sentido
nas palavras que se referem a esse grupo etário, mas uma mudança mais lenta. Por isso, uso um
termo que já corresponde a uma demanda mais urgente.
No percurso histórico da atual geração de pessoas idosas é possível notar uma evolução
social considerável, seja nos sentidos que eram atribuídos à juventude e foram transformados
ao longo dos anos 60 por uma nova juventude questionadora33, que buscava lutar contra a
censura e se desprender de padrões comportamentais de épocas anteriores, seja no momento
desta pesquisa, quando, já na terceira idade, buscam quebrar estereótipos e viver um novo estilo
de vida, reformulando a imagem social que se tem de um idoso fragilizado. Essa geração foi
marcada por uma avidez por liberdade de expressão nas áreas sociais e culturais, sendo moldada
pelos acontecimentos históricos que a cercava e, ao mesmo tempo, moldando uma nova
sociedade.

32 Will Herberg (1955) estabeleceu o American Way of Life como sendo composto quase que igualmente de
democracia e livre iniciativa, sendo considerado a "religião comum" da sociedade americana nos anos 20, que
pregava a meritocracia e vendia a ideia de felicidade pelo consumo.

33
Embora não caiba o desenvolvimento do assunto em uma dissertação, fica aqui o desejo de aprofundamento
futuro sobre os anos de censura militar, sobre a juventude dos anos 60-70, e sua luta por direitos e conquistas.
55

Ou seja, não somente os acontecimentos externos causaram impacto no


desenvolvimento de cada indivíduo da atual geração de gerontolescentes, como a reação deste
grupo a tais acontecimentos foi, também, responsável por moldar um novo perfil: o de pessoas
que buscam dar novos sentidos às suas vivências, não se limitando a estereótipos. Há, assim,
uma ressignificação identitária do grupo em foco, pois apresentam uma nova imagem social de
terceira idade, tanto que surgem nos debates acadêmicos a necessidade de se cunhar novos
termos. As seções seguintes visam elucidar dois conceitos relevantes nesse processo de
transformação social e identitária: agência e sentidos e significados. Veremos como esses
conceitos se relacionam com a mudança de perfil, ressignificação da terceira idade e
aprendizagem de língua inglesa nessa fase da vida.

1.6.1. Agência e comunidade de prática na gerontolescência

Sob uma perspectiva vygotskyana, “agência” é a capacidade de agir de forma


socioculturalmente relevante em tempos e lugares específicos, não se tratando de uma
propriedade individual do ser humano, mas de uma relação de troca e negociação entre seres
subjetivos e a sociedade em que se inserem. Embora essa capacidade não seja sinônimo de livre
arbítrio (Ahearn, 2001), ela promove o controle de escolhas críticas baseadas na ideologia de
cada um. Para Elaine Mateus (2009) “O ponto fulcral da teoria vygotskyana reside sobre o
conceito de transformação e sobre o potencial de controle do ser humano sobre si mesmo e
sobre o mundo a sua volta”. Nesse sentido, o poder de decisão do sujeito está relacionado com
modos de agir socialmente situados.
Para Vygotsky, “estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de
mudança: esse é o requisito básico do método dialético” (VYGOTSKY, 1978/1998, p. 85).
Estudar o processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa na terceira idade torna inevitável
transcorrer o processo de mudança que esse grupo sofreu ao longo dos anos até chegar ao
presente momento, em que tomaram a decisão de iniciar os estudos. Lantolf e Thorn (2006, p.
238) afirmam que “a agência é sempre, e em qualquer lugar, regulada pelos agrupamentos
sociais, pelos recursos materiais e simbólicos, pelas contingências situacionais, pelas
capacidades individuais e grupais, e assim por diante”.
Os gerontolescentes representam um fator de mudança sócio-histórico-cultural
significativo, pois, ao mesmo tempo que se transformam pela sociedade que vivem, também a
transformam e reformulam seus sentidos, em uma forma de existência humana que consiste na
mudança proposital da realidade objetiva-subjetiva. “Ao realizar uma atividade”, esclarece
56

Davydov (1999, p. 39), “os sujeitos também se mudam e desenvolvem”, pois a interação do
indivíduo com as questões de sua época também foi responsável por modificar a sociedade em
que vivemos hoje, o que instiga a pesquisar a relação mútua entre agência e transformação
social, remetendo ao conceito de agência transformadora (STETSENKO, 2017), cujo cerne está
em um movimento coletivo de transformação da realidade e na construção da autoria do
indivíduo sobre sua vida (LIBERALI, 2020).
George Mead (1977), grande pragmatista e psicólogo social, reconheceu que as
pessoas desempenham um papel ativo na construção de suas próprias vidas (PAVLENKO &
LANTOLF, 2000, p.158). Esse papel ativo, responsável por uma transformação significativa
na trajetória daqueles que o desempenham, poderia ser tratado como uma forma de agência.
Não a agência encontrada no processo de aprendizagem em livros, a autonomia acadêmica, mas
sim uma forma de tomar decisões baseados em seus desejos, que são, antes de tudo, socialmente
permeados. De acordo com Taylor (1985, p.15), a capacidade de ponderar desejos está ligada
ao nosso poder de autoavaliação, o que, por sua vez, é uma característica essencial do modo de
agência que nos diferencia como humanos.
A vida é feita de decisões e consequências daquilo que optamos por fazer. Essas
escolhas requerem avaliação, podendo ser do tipo simples ou complexa. O ato de tomar decisões
complexas, que carregam uma questão moral ou social e exigem a avaliação qualitativa dos
desejos do indivíduo (TAYLOR, 1985, p.16) é o que transforma humanos em agentes ativos de
suas escolhas e nos diferencia de outras espécies. Ou seja, agência, em um quadro sócio-
histórico-cultural, também pode ser compreendida como as maneiras pelas quais pessoas
situadas dominam a própria vida (LIBERALI, 2020, p.83). A decisão de se (re)inserir no
contexto de aprendizagem de Inglês torna essa geração de idosos uma parte mais ativa da
sociedade, posto que “a ruptura com o pensamento monolíngue parece apontar para o
fortalecimento da agência dos sujeitos em diferentes contextos” (LIBERALI, 2020, p.80).
Pavlenko e Lantolf (2000) evidenciam que o ensino-aprendizagem de uma segunda
língua, em certas circunstâncias, pode levar à reformulação mental, mudando, inclusive, o
conceito de self de alguns indivíduos, ou seja, a aprendizagem de uma LAd, para os autores,
vai muito além da aquisição de um pacote de regras gramaticais e fonológicas, mas se torna
“um esforço de seres socialmente construídos e sempre situados em participar de um mundo
simbolicamente mediado de uma outra cultura” (PAVLENKO & LANTOLF, 2000, p.155).
Dessa forma, a aprendizagem de uma segunda língua é vista como um esforço por participação
e suas consequências. Esse esforço transforma o sujeito em um novo ator social, ressignificando
sua existência, bem como transforma também o contexto em que está inserido. As pessoas
57

idosas que buscam aprender uma nova língua o fazem por terem um perfil diferente daquele
que era associado de forma preconceituosa a esse grupo. Essa iniciativa pela busca da
aprendizagem reforça esse perfil autônomo e positivo que a classe vem conquistando.
O esforço da terceira idade em se inserir no mundo está associado à ideia de
participação de um coletivo. A interação que passa a existir a partir da aprendizagem de língua
inglesa também está ligada à intenção dos sujeitos em solicitar contribuição do outro e
contribuir com conhecimentos, evocando o conceito de agência relacional ao turbinar a si e aos
demais (LIBERALI, 2020, p.84) através de uma comunidade de prática (WENGER, 1991).
Comunidade de Prática (WENGER, 1991) é uma dimensão coletiva e partilhada em
que os participantes se engajam em um processo mútuo de compartilhar significados e práticas
em ações contínuas, reflexivas, colaborativas, inclusivas e voltadas a aprendizagem e
crescimento (TOOLE e LOUIS, 2002). A força das Comunidades de Prática (CoP - Community
of Practice), conforme interpreta Wenger, reside principalmente na interação entre os membros,
que compartilham dúvidas, preocupações, desafios, problemas, melhores práticas e descobertas
(WENGER, 1998). Comunidades de Prática podem estar presentes em diversas áreas, seja no
âmbito profissional, acadêmico ou pessoal. É comum que pares mais experientes dividam o
conhecimento e guiem os menos experientes, criando uma ligação mútua de respeito e, muitas
vezes, de amizade.
Esse é um conceito de grande valor para esta dissertação, tendo em vista que a
interação social é um dos principais motivos para gerontolescentes ingressarem em cursos de
inglês como língua adicional. A motivação não está somente na interação social que ocorre em
sala de aula, com colegas de turma e professor, mas também na ânsia por futuras viagens com
amigos e familiares que compartilhem da aprendizagem, no interesse em se comunicar com
outros falantes por chamadas de vídeo, como amigos ou parentes que estejam em outros países
e sejam falantes de língua inglesa e em outros fatores. Esse envolvimento com pessoas que têm
um mesmo interesse gera uma comunidade de prática, responsável por integração social de
adultos mais velhos no contexto dessa pesquisa e responsável, do mesmo modo, por conservar
o vínculo desse aluno com a aprendizagem.
O ser humano, por natureza, tem necessidade de estar socialmente inserido no
ambiente em que vive, de criar vínculos e fazer parte de um grupo. A sensação de pertencimento
é de grande valor para pessoas de idade mais avançada e através do ensino-aprendizagem de
inglês, cria-se uma nova Comunidade de Aprendizagem, na qual o compartilhamento de ideias
e experiências gera inserção social daqueles envolvidos no processo. Pode-se dizer que
“Comunidades de Prática são grupos de pessoas que compartilham uma questão, um conjunto
58

de problemas, ou a paixão sobre um tópico, e que aprofundam seus conhecimentos e


experiências em tal área a partir da interação contínua entre os mesmos” (WENGER,
McDERMOTT, SNYDER, 2002, p.4). Quando tratam da paixão sobre um tópico, notamos o
valor de trocas fora de ambientes formais (como uma sala de aula), quando o aprendiz
naturalmente compartilha com pares mais ou menos experientes, no meio pessoal (turismo ou
interações com amigos, seja presencial ou online), suas vivências com a língua inglesa.
Comunidades de Prática possuem grande força, pois são criadas espontaneamente e a
partir de interesses em comum. A interação social que ocorre na Comunidade de Aprendizagem
é relevante para a inserção do gerontolescente no contexto atual. Wenger e colaboradores
(2002) afirmam que

[...] essas pessoas não necessariamente trabalham juntas diariamente, mas se


encontram porque veem valor em suas interações. Conforme passam tempo
juntos, eles tipicamente compartilham informações, pontos de vistas e
conselhos; e ajudam uns aos outros a resolver problemas. Eles discutem suas
situações, suas aspirações e suas necessidades. Eles refletem sobre questões
em comum, exploram ideais e agem como caixas de ressonância. Eles podem
criar ferramentas, padrões, designs genéricos, manuais e outros documentos –
ou podem simplesmente desenvolver uma compreensão tácita que
compartilham. Contudo, eles acumulam conhecimento e se tornam
informalmente vinculados pelo valor que encontram em aprender juntos.”
(WENGER et al, 2002, p.4)

No contexto acadêmico, o tempo que investem para aprender uma nova língua faz com
que os estudantes criem laços de grande valor, pois debatem situações de interesse
compartilhado e se ajudam a fim de solucionar dificuldades que possam surgir. Esse vínculo,
seja formal ou informal, gerado em uma Comunidade de Aprendizagem é fator chave para a
manutenção do interesse do aprendiz de idade mais avançada, pois a interação com outros o
traz de volta à sociedade como membro ativo e participante.
De acordo com Wenger, McDermott e Snyder (2002, p.27) o conceito de Comunidade
de Prática é formalizado através de três dimensões que caracterizam a prática e os indivíduos
envolvidos nela:
1. Um domínio de um assunto que seja de comum interesse entre os participantes,
que não precisam, necessariamente, ter especialização no assunto, podendo ser
inseridos no grupo com intenção de aprender ao compartilhar ideias e aflições.
O domínio cria uma base e uma identidade comum que une e guia os
participantes, sem as quais a comunidade seria apenas um grupo de amigos
(WENGER, MCDERMOTT e SNYDER, 2002, pp. 27-30).
59

2. Uma comunidade que, para além do interesse em comum, interaja entre si,
gerando através dessa interação uma prática.
3. Uma prática que seja consciente – ou seja, que proporcione trocas objetivas a
respeito do assunto de interesse – e que seja composta por artefatos códigos e
narrativas próprias e compartilhadas. A prática é definida por Wenger,
McDermott e Snyder (2002, p. 38) como “um conjunto de abordagens comuns
e padrões compartilhados que criam a base para a ação, comunicação,
resolução de problemas, desempenho e responsabilização”.

Wenger, McDermott e Snyder (2002) apoiam que essa tríade compõe uma estrutura
social de compartilhamento de saberes que pode “assumir a responsabilidade por desenvolver
e partilhar conhecimentos”. Pode-se dizer que a aprendizagem do grupo relaciona a atividade
social aos contextos em que ela se desenvolve e “as teorias da atividade situada não separam
ação, pensamento, sentimento, valor, de suas formas histórico-culturais coletivas de atividade
localizada, interessada, conflituosa e significativa” (LAVE, 1993, p.7). Nesse sentido, o
envolvimento social ocorre de forma espontânea e orgânica também na aprendizagem de alunos
com mais de sessenta, tendo em vista que é difícil separar os valores e sentimentos que
desenvolvem ao longo desse processo.
A importância desse conceito para a análise dos dados está no fato de as narrativas
apresentarem trechos que transmitem o interesse em compartilhar com outros (comunidade)
vivências (práticas) referentes a um mesmo interesse (ou domínio), que, no caso, é a língua
inglesa. Dessa forma, torna-se imprescindível trabalhar as visões de comunidade de
aprendizagem adotadas para a interpretação teórica da fala da participante, a fim de demonstrar
a importância da inserção social na vida desse grupo etário que, ao mesmo tempo que busca
inserção, enfrenta o preconceito por parte da sociedade e, até mesmo, da política, o que pode
causar graves consequências a essas pessoas de idade mais avançada, conforme abordado no
próximo capítulo, que busca contextualizar o preconceito com a idade e o atual momento que
vivemos.

1.6.2. Sentidos e Significados


60

Segundo o Glossário de Técnicas Artísticas da Universidade Federal do Rio Grande do


Sul (UFRGS)34, vitral (do francês vitrail) é um tipo de vidraça composta por pedaços de vidro
coloridos, que são justapostos para representar cenas ou personagens. Os vitrais foram
amplamente utilizados na ornamentação, uma vez que o efeito da luz do Sol que por eles
penetrava conferia uma maior imponência ao ambiente. Proponho uma visão do
gerontolescente tal qual a de um vitral vivo, um indivíduo-quebra-cabeças de pequenas
vivências multicolores, que unidas formam um personagem atravessado pelas luzes do social,
refratando-as em inúmeras direções e sentidos, decompondo-as e as transformando. É vivo,
pois, ao mesmo tempo que transforma o que lhe atravessa, conferindo novos sentidos, também
é transformado por essa dinâmica, sempre disponibilizando espaço para uma nova peça de
vidro/experiência. O “eu real”, conforme menciona Hall (2006), é transformado por uma troca
contínua com os mundos exteriores e suas identidades. A geração de adultos que motiva essa
pesquisa vem sendo responsável por dar novos sentidos ao social que os atravessa, conferindo,
tal qual um vitral, uma imponência à imagem do gerontolescente.
Luria (1993) acrescenta que a questão de sentido perpassa as funções de designação e
de significação, estando além delas. Portanto, é preciso considerar que sentido seria “[...] outro
aspecto funcional da palavra, não menos importante” ou seria “o significado interior que a
palavra tem para o falante e que constitui o subtexto da expressão” (LURIA, 1993, p. 464).
Assim, sentido estaria próximo da interpretação que o indivíduo tem de uma palavra, em dado
contexto histórico e cultural. Há grande valor nessa interpretação, ou seja, nos sentidos
indexicados através de um significado, pois a construção de sentidos é socialmente permeada,
ao mesmo tempo que também é responsável por transformar a cultura em que está inserida,
podendo ser moldada através dos anos.
Como visto anteriormente nesta dissertação, o ser humano interage com outros seres
enquanto busca se compreender e se integrar em seu mundo, contemplando aspectos sociais,
históricos e culturais em seu desenvolvimento. Nesse sentido, a linguagem também faz parte
do contexto, uma vez que a linguagem “[...] é o meio pelo qual o ser humano constitui-se sujeito,
atribui significados aos eventos, aos objetos, aos seres, tornando-se, portanto, ser histórico e
cultural” (COSTAS; FERREIRA, 2011, 213). Desse modo, Vygotsky (1994) ressalta que o
meio é coberto de significados culturais, apreendidos a partir da interação com mediadores “[...]
o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pela experiência

34
Glossário de Técnicas Artísticas (ufrgs.br)
61

sociocultural [...]” (VYGOTSKY, 1996, p. 44). Vygotsky busca uma conceituação do


significado,

o significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do


pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno
da fala ou de um fenômeno do pensamento. Uma palavra sem significado é
um som vazio; o significado, portanto, é um critério da ¨palavra¨, seu
componente indispensável. [...], mas... o significado de cada palavra é uma
generalização ou um conceito. E como as generalizações e os conceitos são
inegavelmente atos de pensamento, podemos considerar o significado como
um fenômeno do pensamento (VYGOTSKY, 1989, p. 104).

Na visão de Baquero (1998, p. 54), Vygotsky atribuía uma relação intrínseca entre a
palavra e o significado “[...] suscetível de uma análise linguística, mas, simultaneamente,
enquanto expressa uma generalização ou um conceito, constitui um verdadeiro ato intelectual”.
Dessa forma, a transição do pensamento para a palavra transita pelo significado: “Isso significa
que o significado da palavra é, ao mesmo tempo, um fenômeno verbal e intelectual”
(VYGOTSKY, 1996, p. 289). Portanto, é possível compreender que significado se trata da
estabilização de ideias por um determinado grupo. Estas ideias são utilizadas na constituição
dos sentidos. Sendo assim, significados têm sentidos que se ampliam em determinados
contextos (COSTAS; FERREIRA, 2011) e o significado de terceira idade aparenta estar
passando por um momento de ampliação de sentido graças a ressignificação da atual geração
de idosos.
Para Vygotsky, significado também compreende qualquer generalização do pensamento
que evolui histórica e culturalmente. “A natureza do significado como tal não é clara. No
entanto, é no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal”
(VYGOTSKY, 1996, p. 4). Porém, o pensamento só é viabilizado por meio da fala e das
palavras,

o significado das palavras é um fenômeno do pensamento apenas na medida


em que o pensamento ganha corpo por meio da fala, e só é um fenômeno da
fala na medida em que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele.
É um fenômeno do pensamento verbal, ou da fala significativa – união da
palavra e do pensamento (VYGOTSKY, 1996, p. 104).

Já o sentido, tem caráter simbólico e se torna elemento mediador da relação entre o


homem e o mundo, necessitando da interação social para internalizar significados (COSTAS;
FERREIRA, 2011). Um exemplo claro para o entendimento do sentido, é a ocorrência do
diálogo entre duas ou mais pessoas que discutem um assunto e determinam um sentido para
aquilo que falam e defendem. Dessa forma, o sentido, diferentemente do significado, é variável
62

e mutável, podendo ser atribuídos novos sentidos em novas situações constantemente


(COSTAS; FERREIRA, 2011). Ainda sobre sentido e significado Vygotsky (1996, p. 125)
afirma,

a primeira, que é fundamental, é o predomínio do sentido de uma palavra sobre


seu significado – uma distinção que devemos a Paulhan. Segundo ele, «o
sentido de uma palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a
palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e
dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é
apenas uma das zonas de sentido, a mais estável e precisa. Uma palavra
adquire o seu sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes,
altera o seu sentido. O significado permanece estável ao longo de todas as
alterações do sentido. O significado dicionarizado de uma palavra nada mais
é do que uma pedra no edifício do sentido, não passa de uma potencialidade
que se realiza de formas diversas da fala.

Atribuindo significado e sentido à palavra Vygotsky (1934, p.333) acrescenta,

esse enriquecimento do significado da palavra com o sentido acrescentado,


procedente do contexto, é o princípio essencial da dinâmica dos significados
da palavra. A palavra está inserida num contexto do qual toma seu conteúdo
intelectual afetivo, impregna-se desse conteúdo e passa a significar mais ou
menos o que significa isoladamente e fora do contexto: mais, porque se amplia
seu repertório de significados, adquirindo novas áreas de conteúdo; menos,
porque o contexto em questão limita e concretiza seu significado abstrato.

Portanto, o caráter dinâmico da palavra se concretiza a partir das interações verbais e


interage com a relação significado e sentido. Dessa forma, esta pesquisa, ao considerar
narrativas de vivências de uma pessoa da terceira idade, lança um olhar sobre o contexto sócio-
histórico-cultural implícito nas interações verbais entre a participante e a pesquisadora.

Nos capítulos seguintes, são apresentados o caráter metodológico da pesquisa,


evidenciando os métodos, instrumentos e perfis das participantes/sujeitos da pesquisa e, em
seguida, a análise das narrativas de uma das participantes da pesquisa. Essas narrativas
imbuídas de sentidos diversos e particulares, bem como significados implícitos em suas falas,
conduzem a uma (re)construção de identidade já na terceira idade, assim como a sensação de
pertencimento que molda o saber e o ser em uma prática que permita a construção do
conhecimento e sua inserção social em um mundo em constante transformação.
63

CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA

Existem duas principais tradições metodológicas na pesquisa acadêmica, segunda


Moita Lopes (2009): o positivismo, característico da metodologia quantitativa, e o
interpretativismo, típico da metodologia qualitativa. Em seu texto sobre ideologia na
metodologia de pesquisa, o autor não apenas discorre a respeito da ciência pura positivista, que
preza dados estatísticos e lança mão de análises duras com intuito de dar veracidade e
significância aos estudos – sendo assim, uma pesquisa aparentemente livre de ideologias – mas
também a contrapõe com a impossibilidade de “separar pesquisador de seu objeto de
investigação” (MOITA LOPES, 2009, p.4), pois é utópico considerar um estudo como neutro
e sem ideologia, mesmo que este seja quantitativo. Ou seja, por mais que haja um esforço por
parte do pesquisador em não imprimir suas marcas, esse esforço acaba sendo ineficiente.
Tendo em vista que as ciências sociais compõe um território complexo demais para se
encaixar em verdades exatas – já que não só a sociedade é moldada por indivíduos, mas estes
também a moldam simultaneamente, em uma perspectiva vygotskyana complexa – a pesquisa
qualitativa interpretativista, que, de acordo com Moita Lopes (2009), avalia os acontecimentos
em uma perspectiva integrada, é a que melhor supre as necessidades dessa área, pois é a forma
mais fiel em observar os pontos de vista daqueles envolvidos no processo social. O
intersubjetivismo, também característico desta tradição metodológica interpretativista, se torna
o foco de pesquisadores que consideram nuances até então despercebidas nessa troca viva e
incessante entre indivíduo e sociedade, levando em consideração a eterna construção e
reconstrução ideológica que ocorre nessa relação.
Chizzotti (2006), argumenta que as pesquisas qualitativas evidenciam um campo
transdisciplinar e multiparadigmático, com multimétodos de investigação e a busca e
interpretação dos fenômenos. Para avançar em um estudo qualitativo, é necessária uma troca
profunda com as pessoas e os fatos envolvidos na pesquisa, pois só através desse convívio é
possível criar significados para a pesquisa, que serão interpretados e cuidadosamente escritos
pelo autor. É preciso grande respeito com a história daqueles que participam de um estudo de
narrativas, pois através dele serão revisitadas experiências vividas, com as crenças individuais
e a cultura de cada um.
Assim como outros espaços do discurso, a metodologia de uma pesquisa se encontra
impregnada de significados, sendo intrínsecas as ideologias que a cercam, posto que se torna
inviável a produção discursiva ausente de efeitos semânticos diversos que imprimem o ponto
de vista de seu criador, mesmo que involuntariamente. Reforço, portanto, que, por mais que o
64

autor busque ser imparcial, comportamento típico de estudos quantitativos, uma pesquisa não
pode ser considerada neutra, já que carrega parte da identidade de quem a compõe e o posiciona
ideologicamente.
Bastos e Biar (2015) apontam que por trás do que chamamos de virada narrativa estaria
uma certa tendência de questionar o estatuto objetivo de descrições etnográficas de grupos
sociais, posto que
“passou-se a assumir que os dados não falam por si, nem descrevem uma
realidade; que o conhecimento produzido em campos é sempre produzido por
um pesquisador, ele próprio um ator social, que, pelas lentes de suas próprias
condições identitárias e contextuais, olha seu objeto de uma determinada
perspectiva, e constrói sobre os campos de pesquisa uma narrativa única.”
(BASTOS E BIAR, 2015, p.101)

Dessa maneira, um trabalho baseado em análise de narrativas é coconstruído entre


pesquisador e participante de pesquisa, tendo em vista que “os significados sociais não são
passíveis de descoberta, e sim de construção ativa” (BASTOS E BIAR, 2015, p.102). Nesse
tipo de pesquisa há uma troca mútua de experiências que leva em consideração os contextos
socioculturais nos quais os envolvidos estão inseridos e que, por fim, refletem na obra.
Santos (2013) lembra que embora a intenção do pesquisador o leve a fazer escolhas
direcionadas de acordo com o ponto de seus estudos, não devemos falar de forma definitiva
pelo outro a fim de evitar um retrato limitado na representação da experiência do narrador.
Narrativas são constituídas de criações, nesse sentido, Santos (2013) argumenta que o mais
importante em um estudo de narrativas são essas criações e não a procura por uma verdade
absoluta que estaria por trás das palavras narradas. Assim sendo, o significado se torna
dinâmico, pois é formado na interação entre as pessoas envolvidas no processo: narrador,
ouvinte, pesquisador e leitor.
Este capítulo se destina a abordar a natureza epistemológica da pesquisa, bem como os
procedimentos metodológicos adotados para realizar a presente investigação. Em seu caráter
metodológico, esta dissertação é compreendida como um estudo de caso de abordagem
qualitativa, cujos dados foram observados (principalmente) por meio de narrativas a partir de
um paradigma interpretativista e crítico, tendo em vista que esta pesquisa não se limita a uma
compreensão simplificada da realidade, mas busca considerar formas de transformação das
relações sociais existentes nela.
Godoy Schimidt (1995, p.21) diz que “partindo de questões amplas que vão se
aclarando no decorrer da investigação, o estudo qualitativo pode, no entanto, ser conduzido
através de diferentes caminhos”. A fim de esclarecer as vertentes do estudo qualitativo, a autora
65

afirma que “a abordagem qualitativa oferece três diferentes possibilidades de se realizar


pesquisa: a pesquisa documental, o estudo de caso e a etnografia” (GODOY, 1995, p.21). Como
o estudo que proponho é um estudo de caso, aproveito para explicar, nas palavras de Chizzotti
(2006), que

o estudo de caso é uma caracterização abrangente para designar uma


diversidade de pesquisas que coletam e registram dados de um caso
particular ou de vários casos a fim de organizar um relatório ordenado
e crítico de uma experiência, ou avaliá-la analiticamente, objetivando
tomar decisões a seu respeito ou propor uma ação transformadora. O
caso é tomado como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente
tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma
intervenção. É considerado também como um marco de referência de
complexas condições socioculturais que envolvem uma situação e tanto
retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de aspectos
globais, presentes em uma dada situação (CHIZZOTTI, 2006, p.102).

Chizzotti (2006) expõe que o estudo de caso permite a reunião de informações sobre
um determinado assunto em seu contexto específico, considerando um pequeno grupo que
compartilhe características homogêneas e identitárias e tomando seu caso como unidade
significativa do todo. A fim de responder as perguntas propostas na presente pesquisa, foi
realizado um estudo de caso que teve como tema uma narrativa sobre o processo de ensino-
aprendizagem de língua inglesa e sua relação com uma possível mudança de estereótipo da
terceira idade. Chizzotti (2006) propõe três fases para um estudo de caso de sucesso: I) a seleção
e delimitação do caso, questões decisivas para análise da situação estudada, segundo o autor;
II) trabalho de campo, que visa reunir e organizar um conjunto comprobatório de informações
de campo a serem documentadas; III) organização e redação de relatório, que visa reunir
documentos, notas de observação, transcrições etc. que comprovem as descrições e as análises
do caso. Nas palavras do autor,

o relatório poderá ter um estilo narrativo, descritivo, analítico, ser ilustrado ou


não, filmado, fotografado ou representado. Seu objetivo é apresentar os
múltiplos aspectos que envolvem um problema, mostrar sua relevância, situá-
lo no contexto em que acontece e indicar as possibilidades de ação para
modificá-lo (CHIZZOTTI, 2006, p.103).

No que diz respeito à primeira fase proposta por Chizzotti, de delimitação de caso, é
estudado o relato de experiência que uma aluna, resultante de um contexto marcado pela
aprendizagem de língua inglesa na terceira idade. A seleção da participante se limitou ao fato
de ter retomado os estudos já estando na faixa etária acima dos sessenta. Quanto ao trabalho de
66

campo, os dados foram observados em contexto de sala de aula, tendo em vista que a
participante é aluna da pesquisadora, e também foram (em sua grande maioria) coconstruídos
através de entrevista (APÊNDICES A)35 entre a pesquisadora e a aprendiz, que aceitou
participar da pesquisa, estando de acordo com todos os quesitos listados no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO A). Como contribuição adicional para a análise
das narrativas identificadas nas entrevistas, fez-se necessário a aplicação de um questionário
socioeconômico (ANEXO B), respondido pela entrevistada.
As narrativas produzidas pela participante possibilitaram uma análise holística de
assuntos interdisciplinares que transcendem a especificidade da Linguística Aplicada, embora
esse campo de estudos por si só seja considerado transdisciplinar e apresente a base para a
análise aqui proposta. São claras as contribuições de Vygotsky (1934) na percepção de ambiente
como sendo mais do que uma mera junção de pessoas, mas, sim, um conjunto de estímulos
capazes de reforçar comportamentos e interações, contribuindo socialmente e sendo, também,
modificado pela sociedade. Dessa forma, a cultura humana ocorre por meio de relações
interpessoais dentro da sociedade à qual o sujeito pertence, ou seja, dentro do seu meio social.
A perspectiva teórico-metodológica deste estudo, tendo como base a teoria vygotskyana
sócio-histórico-cultural, dá luz aos fatores sociais, culturais, históricos e institucionais
implícitos nas narrativas da participante e que podem influenciar os processos de ensino-
aprendizagem do Inglês como língua adicional na terceira idade. Nesse sentido, tem-se como
principais critérios de análise macrotextual os conceitos de agência, de comunidade de prática
e de sentidos e significados, já trabalhados na parte teórica, que serão importantes para a
observação do contexto e do sujeito da pesquisa. Além disso, lido com a pesquisa narrativa, que
é compreendida como uma prática social complexa e de difícil limitação (BASTOS &
SANTOS, 2013), mas que, para fins deste estudo, será observada tendo por base as categorias
da estrutura clássica laboviana (LABOV, 1972).
Destarte, embora use, em alguns momentos, o modelo canônico de Labov (1972) como
norteador desta análise – tendo em vista sua grande importância devido ao fato de preceder e
inaugurar o estudo de narrativas, que teve seu início marcado pela análise de características
formais no desenvolver de histórias contatas – não só nesta fonte será baseada a pesquisa
proposta. Bastos e Liar (2015, p.100) definem que “na abordagem laboviana, a narrativa é

35
Nos apêndices A e B, as entrevistas se encontram transcritas na forma de texto comum, ou seja, sem
anotações indicativas de produção oral que marquem, por exemplo, prolongamento de fala, pausa e etc.
Apenas nos trechos analisados ao longo da dissertação foram transcritos usando convenções, conforme
será visto no capítulo de análise.
67

definida como forma de se recapitular discursivamente experiências passadas a partir de uma


articulação sequencial de orações”. Dentro dessa perspectiva, entende-se que existe,
obrigatoriamente, uma sequência de orações articuladas de maneira cronológica sobre os
eventos passados. Contudo, essa visão desprestigia narrativas menos canônicas, que
recapitulam o passado de forma mais irregular e sem, necessariamente, apresentar uma
sequência cronológica dos fatos narrados. Por isso, embora revise o trabalho de Labov em
alguns momentos, busco ampliar a análise ao avaliar outras questões envolvidas na narrativa
aqui observada.
Tendo norteado o método no qual essa pesquisa se apoia, a seguir serão abordados
aspectos mais específicos para a análise de dados, como questões envolvidas no método de
entrevistas e nos estudos de narrativas, questões associadas ao questionário socioeconômico e
outros dados relevantes da participante que podem contribuir na investigação de suas falas.

2.1. Método e roteiro de entrevistas

Fazer perguntas seria uma forma de entrevista e, a todo instante, o ser humano está
fazendo perguntas ou respondendo-as, seja em discursos corriqueiros ou em ambientes
profissionais/acadêmicos, quer este processo seja formalizado como uma entrevista ou não.
Assim, é possível dizer que nossa sociedade é considerada uma sociedade de entrevistas
(SILVERMAN, 2001). A fim de buscar as respostas para minhas perguntas de pesquisa nas
manifestações dos envolvidos no processo de aprendizagem na terceira idade, foi realizado o
que pareceu mais coerente: levar às estudantes de inglês gerontolescentes perguntas que
contribuíssem na compreensão de suas vivências. Esclareço que, ao todo, foram realizadas seis
entrevistas, porém apenas uma selecionada para análise de narrativas, conforme foi explicado
na análise de dados.
Ainda em relação às entrevistas de pesquisa, acredito que, como observam Bastos &
Santos (2013, p.9), no mundo contemporâneo, “instaurou-se e aumentou o interesse em saber
o que pensam os indivíduos, e estes, com frequência, falam sobre o que pensam contando
histórias.” Embora não seja o foco desta pesquisa, é importante observar que esse fenômeno
também pode ser notado na crescente interação em redes sociais digitais nas quais as pessoas
acompanham entrevistas em diferentes canais. Esse crescimento explicita o fascínio pelas
histórias e opiniões de outros. Através de postagens em redes sociais na internet, as pessoas
estabelecem suas narrativas, respondem perguntas e arrastam (ou não) inúmeros seguidores,
68

que compartilham, na maioria das vezes, construções identitárias semelhantes. Está cada vez
mais em alta a troca de experiências no contexto da web, que, em alguns casos, tenta reproduzir
e em outros busca dar uma nova forma ao mundo social.
Há, contudo, diferenças que marcam uma troca de informações em contexto natural de
uma entrevista acadêmica sistematizada para o universo da internet, ao qual fiz referência
acima. Mishler (1986, p.7) observa que transformar uma conversa em um procedimento de
pesquisa faz com que muito se perca no processo. Pode-se considerar este como um dos poucos
pontos desfavoráveis do método de entrevistas: a perda, em algumas ocasiões, de parte da
espontaneidade e da naturalidade do diálogo. Perda essa que foi amenizada na entrevista
realizada para esta pesquisa, tendo em vista que a participante é minha aluna de longa data, o
que favoreceu um diálogo mais aberto e carregado de valores. Busquei interagir de forma mais
natural possível, para gerar conforto e bem-estar durante a entrevista, que foi feita na casa da
aluna.
A entrevista de pesquisa pode ser definida como um evento social através do qual o
discurso é construído de forma cooperativa (Mishler, 1999). Nesse sentido,

o entrevistado não é mais visto como a fonte de informações a serem


objetivamente coletadas e analisadas, mas, antes, como alguém que
coconstrói, com o entrevistador, o discurso produzido na situação de
entrevista; situação essa que, como mencionado, se faz cada vez mais presente
na vida social contemporânea. Além disso, em entrevistas que estimulem a
fala dos entrevistados sobre suas experiências, cria-se a oportunidade de
produzir replayings (Goffman, 1974), que muito nos podem dizer a respeito
de quem são, e de como se posicionam, os narradores no mundo que nos cerca
(BASTOS & SANTOS, 2013, p.10).

Por conseguinte, a participante não é vista como geradora de dados, mas como co-
construtora de valores, que se posiciona em seu contexto e demonstra parte de quem ela é
através de suas falas situadas. A intenção foi buscar respostas sobre o tema que tivessem como
origem o próprio indivíduo envolvido na experiência estudada e não apenas de questões duras
(muitas vezes irreais) de pesquisa, de estudos prévios que não se aproximavam de quem vive
seus efeitos de fato. Haveria a possibilidade de fazer um levantamento de dados a partir de
questionários aplicados em massa para grupos de pessoas idosas que estivessem aprendendo
inglês como língua adicional, a fim de gerar números que fossem, posteriormente, analisados.
Contudo, embora esse tipo de levantamento tenha o seu valor, nem sempre números e
quantidades são capazes de expor realidades, principalmente em questões mais pessoais e
sociais, por isso esta não foi a alternativa escolhida para a construção e observação de dados.
69

De acordo com Santos, “ao se discorrer sobre qualquer aspecto teórico no âmbito da
pesquisa interpretativista, é importante ter em mente que o papel da teoria nesse tipo de estudo
é o de fornecer um instrumental através do qual se possa criar sentido a respeito da ação social
pesquisada.” (SANTOS, 2013, p.21). Acredito que as experiências dos indivíduos estejam
transpostas e cruzadas com os contextos situacionais em que se inserem, sendo a análise de
entrevistas um instrumento passível de abarcar a complexidade das vivências dos atores do
contexto social investigado, possibilitando que o entrevistado manifeste seu curso de vida de
acordo com seus critérios de relevância e ordenação (RAVAGNOLI, 2018).
Conforme citado por Mishler (1924) no livro Research Interviewing, Maccoby e
Maccoby (1954) afirmam que “para nossos propósitos, uma entrevista se referirá a uma troca
verbal feita face a face, na qual uma pessoa, o entrevistador, busca suprimir informações e
expressões de opinião ou crenças de outra(s) pessoa(s)” (MACCOBY & MACCOBY, 1954,
p.449 apud MISHLER, 1986, p.9). Essa definição representa um pouco o que se buscou fazer
aqui, embora seja válido apontar que o método de entrevista, tomando emprestadas as palavras
de Santos ao se referir às narrativas, resiste um pouco a uma definição precisa, posto que pode
abranger diferentes elementos dependendo de seu contexto (SANTOS, 2013).
O método de entrevistas foi o escolhido com a intenção de melhor possibilitar à
participante narrar suas histórias de vida relacionadas com a aprendizagem de língua na terceira
idade e, assim, pudessem ser observados os processos de ensino-aprendizagem desse grupo,
ouvindo a voz de quem está inserido no cenário. O estudo de narrativas foi priorizado, também,
porque possibilita investigar como a reconstrução de eventos passados tem relação com a
identidade do sujeito, posto que “para que tais eventos sejam interpretados de acordo com as
representações que desejam, a construção de narrativas está intimamente relacionada à
construção identitária” (SANTOS, 2013, p. 24).
Ressalto que as entrevistas foram gravadas no primeiro semestre de 2021. A entrevista
selecionada para análise está disponível de forma íntegra, em forma de texto escrito, no
Apêndice A desta dissertação. Já as narrativas, produzidas durante a entrevista e selecionadas
para análise, foram formalmente transcritas no corpo da dissertação. Bastos & Santos (2013)
afirmam que

a transcrição se constitui no texto ou na “fixação” da narrativa. Sem esse


mecanismo, não poderíamos realizar inferências sobre como as pessoas falam:
suas pausas, inflexões, ênfases, como assimilam sistemas de coerência e
constroem suas identidades, como lidam com relações de poder (BASTOS e
SANTOS, 2013, p.30).
70

As transcrições das entrevistas foram realizadas a partir de convenções simplificadas


e adaptadas de Gail Jefferson (1983), encontradas no livro “A Entrevista na Pesquisa
Qualitativa” (2013), de Santos & Bastos (2013), que afirmam que essas vêm sendo adotadas
em estudos de fala e interação por diversos autores influentes, como Loder (2008), Gagy (2004)
e Osterman (2012). A fim de facilitar a compreensão do leitor, segue o quadro com as
convenções usadas:

Símbolo Significado
... Pausa não medida
(.) Micropausa
Negrito Trechos em destaque para análise
. Entoação descendente, sinalizando finalização
? Entoação ascendente
, Entoação contínua, sinalizando o que mais falará
- Corte abrupto na fala
:: duração mais longa do alongamento da vogal
↑ Subida de entonação
↓ Descida de entonação
Sublinhado acento ou ênfase de volume
Maiúscula fala alta ou ênfase acentuada
>palavra< palavra acelerada
<palavra> palavra desacelerada
°palavra° Trecho falado mais baixo
( ) Palavra/trecho não compreensível – transcrição impossível
(palavra) Transcrição duvidosa
((comentário)) comentário do analista, descrição de atividade não verbal
“fala relatada” fala relatada
hh aspirações audíveis ou riso
.hh inspiração durante a fala
/.../ indicação de transcrição parcial ou de eliminação
Quadro 1- Convenções de Transcrições adaptadas pela autora com base Santos e Bastos (2013)

Após a realização das transcrições usando as convenções acima, realizei a análise


levando em conta os níveis de interpretação de narrativas sugeridos por Santos (2013) e os
aspectos macro e micro textuais envolvidos, a fim de desenvolver compreensões a respeito das
71

trocas realizadas durante os diálogos e criar pontes entre aspectos teóricos e práticos da
pesquisa. Vale ressaltar, ainda, que é de central importância a minha participação como
professora e co-construtora das narrativas (e outras produções discursivas) da
participante/aluna, tendo em vista que, em alguns momentos, além dos dados coletados nas
entrevistas, pode haver alguma informação adicional acrescentada devido a essa experiência e
convivência entre nós duas, o que, quando for o caso, será apontado previamente. A seguir, será
apresentado o embasamento teórico para o estudo de narrativas e, logo após, tratarei do contexto
da realização das entrevistas e de informações sobre a participante.

2.2. Estudo de Narrativas

Dentro do estudo qualitativo e interpretativista, encontra-se o estudo de narrativas, que


será utilizado para atingir o que aqui se almeja, já que através das narrativas sobre ensino-
aprendizagem de uma língua é possível analisar algumas crenças presentes na atuação do
participante durante o processo (KALAJA et al., 2008). Parafraseando Santos (2013), os
estudos de Labov e Waletzky (1967) e Labov (1972) foram grandes marcos na pesquisa de
narrativas. Pode-se dizer que, “segundo esses autores, a narrativa é um método de recapitular
as experiências passadas e se caracteriza por sua estrutura organizada em uma sequência
temporal, por ter um ponto e por ser contável” (SANTOS, 2013, p.23). Nesta pesquisa, o estudo
narrativo me possibilita investigar a experiência de vida da participante com relação ao ensino-
aprendizagem de inglês, que é contada de forma situada e, na maioria das vezes, temporal.
O estudo de aspectos de ensino-aprendizagem de línguas através do uso de narrativas
é de interesse relativamente recente e “se encontra dentro de um movimento maior de estudos
que tem como foco as experiências e narrativas de aprendizes e professores de línguas”
(BARCELOS, 2006b, p. 146). Nesta dissertação, os dados foram cocriados através de narrativas
a fim de observar o sentido que essas pessoas fazem de suas experiências e do mundo que as
cerca (SANTOS, 2013). Diferente de atos de fala constatativos36, que também podem estar
presentes em entrevistas, narrativas são histórias que recapitulam o passado de forma situada e
organizada, e que apresentam características específicas.
Segundo Moita Lopes (2021), uma das características centrais da narrativa é que “ela
precisa ser motivada pela necessidade de ser contada” (Moita Lopes, 2021, p.16), ou seja, ela

36
Um ato de fala constatativo é aquele que descreve o mundo através de fatos observáveis, que manifesta uma
opinião ou descreve aspectos de uma realidade relatada, não sendo necessariamente verdadeira ou falsa, mas que
não, diferente de narrativas, retomam histórias do passado.
72

precisa ser contável, ter algo de extraordinário, chamado por Bruner (1990/1997) de elemento
de excepcionalidade, que é o que lhe dá reportabilidade. Há uma diferença entre reportabilidade
em narrativas geradas espontaneamente e em narrativas elicidatas pelos participantes de uma
entrevista. Para Moita Lopes (2021), narrativas elicitadas são aquelas solicitadas, de forma
investigativa e direta, ao participante de uma entrevista. O autor diz que “tal elicitação pode
ocorrer em contextos discursivo-interacionais enquadrados pelos participantes como histórias
de vida, no qual o entrevistado é solicitado a contar sua história de vida” (Moita Lopes, 2021,
p.19), que foi o que ocorreu na narrativa selecionada para análise nesse estudo.
Ao estudar narrativas nos deparamos com uma gama imensa de aspectos a serem
considerados, já que essa é uma área interdisciplinar de extrema complexidade. Diversas
questões se escondem por trás da fala, que nunca é ingênua, posto que é sempre
socioculturalmente situada. A fim de tornar a análise mais organizada, foram levados em
consideração os componentes estruturais da narrativa estabelecidos por Labov (1972), que,
apesar de serem criticados (devido, por exemplo, ao fato de tratarem a narrativa como
descontextualizada e não trabalharem a relação entre evento passado e memória), são de grande
utilidade a partir de uma perspectiva interacional. Com intenção de amenizar essa visão tão
criticada de narrativa como estrutura autônoma, trabalho, também com subsídios teóricos de
outros autores que levam em consideração valores sociais e culturais da narrativa, tendo em
vista que esta não pode ser estudada fora de seus aspectos contextuais e locais, nem desligada
de suas relações sociais, já que a sua coerência não está presente apenas na estrutura do texto,
mas depende de como os participantes negociam seus significados mutuamente (FABRICIO,
2006, p.195).
Para Labov (1972), a narrativa de experiências era feita através da recapitulação
discursiva de enunciados, que eram articulados de forma sequencial e remetiam a um fato
ocorrido marcante. A organização do relato se dá através de componentes, que podem ou não
ser obrigatórios e que são, geralmente, intercambiáveis, sendo eles: o sumário, que é um breve
resumo do que será contato e pode ou não estar presente; a orientação, que também não é
exigência, mas que identifica o evento narrado e o contextualiza, indicando lugar, tempo e
outras circunstâncias; a ação complicadora, considerada por Labov (1972) o ponto crucial da
narrativa e, portanto, obrigatória, já que se trata da sequência de eventos ocorridos; a resolução,
que culmina da ação complicadora e marca a finalização de uma série de eventos da ação
complicadora; a avaliação, que alinha o ponto de vista do narrador sobre a história narrada,
expressando elementos dramáticos e seu posicionamento diante do que é contado; e, por fim, a
coda que é o gancho que traz o narrador de volta ao presente, demarcando o fim da narrativa.
73

Na análise da narrativa, busco identificar esses elementos ao mesmo tempo que os associo com
outros conceitos que compartilham da visão bakhtiniana (2019) de que existem expectativas
culturais na narrativização de experiências, o que transcende a análise laboviana rígida.
Consoante Fabricio (2006, p.192), por meio de histórias contadas, reconfiguramos as
experiências vividas de forma criativa e damos sentido a elas, imputando-lhes uma ordem lógica
e instaurando realidades sociais que se entrelaçam com a fabricação de identidades. Narrar é o
ato de construir significados a partir da fala, que é sempre performativa, já que a partir dela o
indivíduo está agindo sobre o mundo, criando uma identidade. Segundo Austin (1962), é
possível compreender a linguagem como ação e a narrativa como ato performativo, constituído
de enunciados que causam certos efeitos sobre seus interlocutores.
Para Mishler (1986), através de narrativas, recriamos nosso passado e damos nova
significância aos eventos de acordo com a pessoa que passamos a ser, desvendando conexões
(algumas vezes, até então dormentes) e nos posicionando em relação ao assunto que narramos.
Ao relembrar o passado, a participante desta pesquisa se situa e cria uma história coerente, com
motivos múltiplos, que a levaram até o atual momento. A esse respeito, é importante a
observação de Charlotte Linde (1993, p.3), que nos lembra que “para se existir em um mundo
social com um senso confortável de ser uma pessoa boa, socialmente adequada e estável, um
indivíduo precisa ter uma história de vida coerente, aceitável e constantemente revisada.” Ao
falar sobre o primeiro contato significativo com a língua, a narradora revisita seu passado ao
falar de momentos marcantes, revisando sua história de vida, se situando, assim, no mundo
social e construindo sua identidade, que depende, também, do contexto em que está inserida.
Nesse sentido, serão apresentados dados das participantes que podem contribuir na análise de
suas narrativas.

2.3. Apresentando o contexto e a participante

Dou início a esse trecho estabelecendo que, a princípio, seis mulheres com mais de
sessenta anos e estudantes de língua inglesa foram entrevistadas para a pesquisa. Duas eram
alunas do curso de inglês oferecido pela Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy
Ribeiro (UENF) para pessoas com mais de sessenta anos, duas eram conhecidas de pessoas
próximas a mim e estudavam no curso oferecido pelo Sesc Campos e as outras duas
entrevistadas são alunas particulares minhas. A princípio, as duas últimas foram selecionadas
para estudo, pois, creio que devido ao meu papel de professora na vida das participantes, as
suas entrevistas foram mais prolíficas e constituíram dados mais complexos. Logo na primeira
74

seleção, as outras quatro participantes não foram selecionadas porque suas respostas às
entrevistas não foram tão desenvolvidas quanto as que foram selecionadas, ou seja, as suas
entrevistas não desenvolveram narrativas estruturadas de forma que pudessem ser melhor
analisadas. Creio que isso se deva ao fato de as outras participantes não terem tido nenhum
contato prévio comigo, ou seja, não havia um vínculo de confiança pré-estabelecido.
A princípio, duas entrevistas foram selecionadas para análise, contudo, notei que
apenas uma delas se encaixou no critério de inclusão de narrativas que desejava observar, ou
seja, apenas uma das participantes narrou histórias que se relacionavam com a sua
aprendizagem. A segunda entrevista (com a outra participante que também era minha aluna)
acabou gerando respostas mais constatativas, ou seja, que relatavam situações e opiniões,
diferente de narrativas, que contam histórias de vida. Por isso, acabou não sendo selecionada,
o que reduziu o estudo a uma narrativa apenas. Assim sendo, a entrevista de Rafaela
(pseudônimo) foi a que mais atendeu às expectativas, tendo sido a escolhida para análise, o que
não tira a importância das outras entrevistas, que também contribuíram na percepção geral deste
estudo e que poderão ser utilizadas em estudos futuros.
Com o propósito de melhor explorar o contexto desta pesquisa, faz-se necessário
apontar que minha experiência como professora da entrevistada também proporcionou um
acompanhamento próximo do processo de ensino-aprendizagem de Rafaela, com quem
compartilho experiências há cerca de três anos em aulas particulares, com pausas nesse tempo.
Embora não tenha sido a única motivação da escolha da participante, esse contato me propiciou,
também, a percepção de sua personalidade extrovertida e comunicativa, o que, junto à confiança
que deposita em mim, pode ter promovido narrativas mais complexas e, portanto, criado dados
mais expressivos a serem observados.
Sendo assim, o discurso investigado nessa pesquisa é a narrativa de uma mulher,
aprendiz de língua inglesa e com mais de 60 anos de idade, cujo nome foi mantido em sigilo
após o uso de um pseudônimo (Rafaela), que tem como intuito assegurar os princípios éticos
de investigação e de proteção, para que, assim, nenhuma das informações fornecidas pudesse
refletir em ações que representassem prejuízo à participante (DENZIN & LINCOLN, 2005).
Rafaela faz aulas particulares uma vez na semana, em sua residência. Já tendo cursado aulas há
cerca de três anos, com consecutivas pausas, ela está, no momento da pesquisa, em pausa
novamente, por motivos pessoais.
Como professora, sempre notei o interesse de Rafaela em aprender. Sempre pontual e
com os deveres em dia, para ela, as aulas pareciam ser um momento de crescimento intelectual
sem cobranças, sem prazos curtos, sem desespero ou demandas profissionais. Além disso, era
75

interessante notar como, em alguns momentos da aula, a aluna recordava memórias de


aprendizagem que vieram da juventude e utilizava os seus conhecimentos prévios para
aprofundar as discussões e conteúdos referentes à aprendizagem de Língua Inglesa, o que
ratifica a importância das experiências de vida no processo de ensino-aprendizagem.
Ainda no que diz respeito ao contexto da pesquisa, acredito ser importante salientar
que a maior dificuldade encontrada para o desenvolvimento da pesquisa foi sua execução
durante a pandemia de COVID-19. Durante os primeiros meses da pandemia – que exigia
isolamento social obrigatório – não pude manter contato com a aluna. As aulas foram
interrompidas, tendo em vista a pouca habilidade (e, talvez, pouco interesse) por parte dela em
dar continuidade aos estudos de forma on-line e, também, devido a essa inaptidão tecnológica,
não foi possível realizar a entrevista de outra maneira que não fosse presencial, o que atrasou
bastante a pesquisa.
Como as aulas foram interrompidas e nosso contato ficou restrito devido ao
isolamento, os estudos para a dissertação também ocorreram de forma lenta, tendo em vista que
não podia entrevistar participantes do público-alvo da pesquisa e não havia tido a construção
de dados até então. As entrevistas foram realizadas quando entramos na “Fase Amarela” da
pandemia e houve maior flexibilização da quarentena. Nos encontros presenciais que ocorreram
nessa fase foram adotados todos os protocolos sanitários recomendados por profissionais,
incluindo uso de máscara, álcool em gel fator 70 e distanciamento de 2 metros das entrevistadas,
cuidados estes tomados a fim de não gerar riscos a nenhuma das envolvidas.
Durante as entrevistas, creio que o distanciamento também tenha influenciado nas
respostas das seis participantes. Essa foi outra dificuldade encontrada, fazer as entrevistadas se
sentirem à vontade e fomentar a construção de narrativas elicitadas sem influenciá-las
diretamente. Contudo, creio que, mesmo com as dificuldades, e exclusão de dados que não se
encaixavam no critério, a entrevista de Rafaela – associada à observação de dados como
professora e ao questionário socioeconômico – tenha sido suficiente para investigar as questões
que trabalho ao longo da dissertação. A seguir, serão abordadas questões do questionário que
se relacionam com o ensino-aprendizagem de língua inglesa na terceira idade e que estão
presentes na experiência de vida de Rafaela.

2.4. Perfil socioeconômico: visão neoliberal do ensino de línguas

O questionário socioeconômico (ANEXO B) foi planejado antes da realização das


entrevistas e aplicado na mesma data em que foram realizadas. A escolha desse instrumento
76

surgiu a partir de bases teóricas de trabalhos que lidaram com o público idoso, sobretudo a
pesquisa de Lima (2007), e que mostravam a relação entre envelhecimento bem-sucedido e
classe social. A partir deste estudo, pude refletir ainda mais sobre a importância de observar
valores socioculturais e econômicos das participantes desse contexto que, aproveito para
esclarecer, não foram selecionadas a partir de nenhuma questão relacionada à situação
socioeconômica, mas sim pelos motivos explanados anteriormente: proximidade com a
pesquisadora, disponibilidade para contribuir com o estudo e construção de narrativas ao longo
da entrevista.
O questionário, que apresenta perguntas abertas e fechadas que versam sobre estado
civil, estrutura familiar, renda mensal e situação empregatícia, foi aplicado a fim de
compreender melhor a realidade vivida pelas entrevistadas e, ao investigar os dados ali gerados,
pude observar a relação entre a qualidade de vida de pessoas idosas e classe social, o que
influencia em suas decisões e experiências. Todas as participantes responderam ao questionário,
mas apenas as informações socioeconômicas do questionário de Rafaela foram organizadas no
Quadro 1, a fim de facilitar a compreensão qualitativa dos dados, tendo em vista que somente
a entrevista dessa participante foi analisada. Nesta seção, foram descritas principalmente as
características socioeconômicas e a forma com que interagem com os conceitos nesse estudo.
As perguntas sobre aprendizagem de Inglês que estão no questionário foram trabalhadas na
parte de análise das narrativas e aspectos sócio-histórico-culturais, que estão aprofundados nas
seções seguintes. As informações socioeconômicas foram adaptadas e organizadas da seguinte
maneira:
pseudônimo Rafaela
Ano de nascimento 1961
Cidade onde habita Campos dos Goytacazes
Grau de escolaridade 3° completo, artes visuais
Aposentada Não
Profissão que exercia -
Profissão que exerce Gerencia a clínica do casal
Carga horária Inexata
Renda mensal individual Mais de quatro salários
Classe social Classe alta
Estado civil Casada
Tem filhos? Sim
Com quem reside Marido
Realidade atual Trabalho e sou independente
Estudou majoritariamente em Escolas particulares
Frequentou cursos de inglês Sim
Por quanto tempo? Até o quarto ano do curso
Em qual fase da vida? Fase adulta
Como descreve o nível de inglês Básico
Quadro 2- Informações socioeconômica das participantes
Fonte: criação da autora
77

Conforme observado nos dados e, também, no estilo de vida da participante, Rafaela


possui alto poder aquisitivo, o que confere a ela a possibilidade de acesso a esse bem tão
cobiçado: aprender uma língua. Rafaela declarou receber acima de quatro salários-mínimos, o
que a posiciona na classe alta, considerando o critério de medição de classe a partir da renda
individual e/ou familiar, que caracteriza as classes de modo arbitrário como inferiores e
superiores (LANGONI, 1973 apud GUERRA et al, 2006). Reforço que minha convivência com
ela também proporcionou a observação de um estilo de vida elevado e confortável. Em
conversas informais, Rafaela já relatou que o marido, que é médico e empresário, é responsável
pelos gastos mensais, sendo o principal provedor da família. A renda individual de Rafaela é
para uso de seus interesses, em geral.
No próximo capítulo, apresento as análises dos dados e os seus desdobramentos para
responder às perguntas propostas nesta pesquisa, que tem como objetivo geral investigar
vivências de ensino-aprendizagem de língua inglesa por meio do prisma sócio-histórico-
cultural, potencializando as vozes / experiências de pessoas com mais de sessenta anos e com
objetivos específicos de investigar como as categorias de análise estão relacionadas com as
experiências relatadas por uma aprendiz de língua inglesa na terceira idade; analisar as possíveis
influências socioeconômicas envolvidas na aprendizagem dessa língua na terceira idade e, por
fim, avaliar a relação entre o ensino-aprendizagem de inglês depois dos sessenta anos e a
transformação identitária desse grupo.
78

CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DE DADOS

Neste capítulo analiso os dados do questionário socioeconômico para, depois, discutir


os relatos e as narrativas criadas por meio da entrevista com Rafaela, investigando sua
perspectiva como aprendiz e a possível importância desse processo em sua vida. Ao narrar sobre
suas experiências de aprendizagem de maneira coerente, revisitando o passado e tornando-o
presente em suas falas, Rafaela se torna socialmente inserida e aceita, o que é de grande valor
para o ser humano. Os trechos da narrativa de Rafaela que serão analisados estão transcritos no
corpo da análise, enquanto a entrevista na íntegra está disponível no Apêndice A.
Apesar de ter sido previamente planejada, a entrevista não foi elaborada a partir de um
molde fechado, pois, por ser um estudo de narrativas, intencionou-se deixar a participante o
mais à vontade possível, para que o diálogo fluísse e fosse construído por meio de suas
percepções, sendo conduzido a partir de seu olhar sobre a aprendizagem de Língua Inglesa na
terceira idade. Busquei apenas conduzir as interações a partir de um script que me possibilitasse
manter o foco da pesquisa e uma ordem, para facilitar estudos posteriores.
Durante a análise da entrevista, percebi que a fala de Rafaela recuperava memórias
relevantes em suas vivências com a aprendizagem de Língua Adicional. Os aspectos
considerados para o estudo desses dados foram chamados de categorias de análise e estão
relacionados com os conceitos explorados no referencial teórico, com intenção de reunir ideias
que sejam comuns entre si em uma avaliação da narrativa criada. Os principais conceitos que
me guiaram para responder os questionamentos propostos para esta pesquisa, como já
mencionados, são: Agência (VYGOTSKY, 1978), Comunidade de Prática (LAVE e
WENGER, 1991) e Sentidos e Significados (VYGOTSKY, 1989).
Como coloquei acima, antes de iniciar a análise propriamente dita das narrativas,
gostaria de abordar os dados socioeconômicos (ver Quadro 2) e atrelá-los aos ideais neoliberais
da educação (que enxergam o aluno como um consumidor, como uma parte do mercado
capitalista37), já que o fator socioeconômico está associado à aprendizagem de línguas na
terceira idade. A esse respeito, Ferraz (2015b, p. 52) estabelece que, “se o capitalismo acelerado
(fast Capitalism) é a lei do mercado e o neoliberalismo o fundamenta, a educação sofrerá

37 O neoliberalismo pode ser visto como uma extensão do mercado em todas as áreas da vida (BOURDIEU, 1998).
George Monbiot (2016) assevera que a filosofia neoliberal emergiu como uma tentativa consciente de remodelar
a vida humana e deslocar os locais do poder. O autor define cidadãos como consumidores, cujas escolhas
democráticas são mais bem exercidas ao comprar e vender, em um processo que premia o mérito e pune a
ineficiência. Nesse limiar, a participante encontra-se em posição de poder aquisitivo e assegura seu posto por
possuir, por exemplo, condições de consumir a língua inglesa como um produto.
79

influências marcantes desse discurso/contexto”. Seguindo a mesma linha de raciocínio, a


terceira idade vem, cada vez mais, sendo vista como novo nicho mercadológico nesse momento
de capitalismo acelerado, pois, apesar de ter reduzida capacidade produtiva no mercado de
trabalho, é de grande força no consumo, em alguns casos.
Quando se trata do ensino de língua inglesa e mercado, há dois lados de uma mesma
moeda, já que, ao mesmo tempo que implica a movimentação da economia através da aquisição
de bens de consumo (desde o próprio curso de inglês, a materiais didáticos, livros e compras de
pacotes de viagem, por exemplo), o que atrai atenção positiva do mercado para as possíveis
necessidades da terceira idade nessa área, o ensino-aprendizagem de Línguas na terceira idade
passa a ser mercadoria de consumo, limitando o acesso aos que têm aporte financeiro, na grande
maioria das vezes, tendo em vista que são poucos os cursos oferecidos gratuitamente à
comunidade.
Levando em consideração os dados do questionário socioeconômico com relação à
situação empregatícia, Rafaela assinalou (Quadro 2) que ainda trabalha (ocasionalmente) e que
possui renda própria, porém, não respondeu à pergunta relacionada à carga horária de trabalho
diário, o que é esclarecido em sua entrevista, quando destacou que possui autonomia de fazer o
seu próprio horário de trabalho, pois auxilia o marido nas atividades administrativas da clínica
médica de propriedade do casal, que tem três filhos adultos, todos formados em medicina e que
residem em endereços diferentes dos pais. Rafaela não tem horário fixo para trabalhar e não
depende apenas da própria renda para se sustentar, trabalha apenas como forma de contribuir
com assuntos importantes da clínica de sua família.
No que se refere à educação escolar, Rafaela relatou que a maior parte do tempo
estudou em escolas particulares, tendo desempenho exemplar (conforme relatado na entrevista)
ao longo da vida acadêmica. Rafaela concluiu o ensino superior em Artes e, apesar de não ter
trabalhado na área, pinta telas a óleo com maestria e sensibilidade, já tendo, inclusive,
participado de exposições pela cidade. Quanto à aprendizagem de inglês, Rafaela diz já ter
estudado o idioma em um curso, por cerca de quatro anos, também na cidade de Campos dos
Goytacazes/RJ. Ela relata ter aproveitado bastante esse momento de aprendizagem, porém
parou devido a outras responsabilidades que precisava cumprir na época, conforme será visto
em sua narrativa.
Alguns traços importantes da vida de Rafaela apontam para o fato de ela sempre ter
vivido em situação financeira de conforto, como o fato de ter estudado em escolas particulares
a vida inteira, de ter cursado uma graduação em artes e poder pagar por aulas de pintura em
80

tela, aulas de idiomas, entre outras. Esta realidade, infelizmente, não é a de todo brasileiro.
Aprender um idioma, muitas vezes, demonstra uma posição social de prestígio.
Rafaela retomou os estudos da língua inglesa novamente já na faixa dos sessenta anos
de idade, ou seja, na terceira idade. Pode-se dizer que aprender inglês nesta fase está associado
a desejo de se inserir em uma sociedade globalizada. Zacharias (2009) defende que o Brasil é
um país de terceiro mundo configurado pelo fenômeno da globalização38, uma sociedade
capitalista de contornos neoliberais, caracterizada pela competividade e agilidade, um mundo
ocidental que privilegia o ter em detrimento do ser (grifo próprio). Zacharias (2009) ainda
expõe que esse é um padrão social excludente e autoritário, no qual o avanço da modernidade
cria possibilidades e, igualmente, degrada o conhecimento, tornando-o uma commodity39, o que
causa, como uma de suas consequências, a limitação daqueles que têm acesso à aprendizagem
e às novas produções. De forma similar ao estudo de Pizzolatto (1995), Conceição (1999)
também pontua o fator socioeconômico como determinante em termos de aprendizagem de
línguas nessa faixa etária.
A convivência próxima com a entrevistada possibilitou a percepção de uma classe
social privilegiada, o que foi confirmado nos dados do questionário. Essa posição confere a ela
o prestígio de poder aprender uma língua adicional com uma professora particular, no conforto
de sua casa. Contudo, vale pôr em evidência que poder pagar para aprender uma língua é uma
realidade distante para grande parte dos gerontolescentes no Brasil e em outros países da
América Latina, já que, segundo o site oficial da Fiocruz40, a América Latina é a região do
mundo com maior desigualdade social, havendo uma estimativa de que 40% dos idosos desse
território não tem nenhum tipo de renda própria fixa.
O acesso a recursos financeiros para estudar inglês se restringe a um grupo pequeno,
que apresenta condições financeiras acima da média. Esse fato evidencia a diferença social na
terceira idade e pode fortalecer preconceitos contra esse grupo, que fica às margens da
globalização, posto que a baixa renda concede acesso limitado a esse mercado de ensino-
aprendizagem de línguas. Nesses casos, pessoas com mais de sessenta anos de idade, com baixa
renda familiar, podem recorrer apenas a cursos gratuitos ou de baixo custo que são oferecidos

38
No que diz respeito à globalização, aqui é adotada a mesma visão de Bauman, de que: “Para alguns,
‘globalização’ é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para
todos, porém, ‘globalização’ é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo
que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo ‘globalizados’ — e isso
significa basicamente o mesmo para todos.” (BAUMAN, 1999, p. 5)
39Segundo o dicionário de língua portuguesa Priberam, commodity é a “mercadoria primária produzida em grande
quantidade, cujo preço é regulado pela oferta e pela procura internacionais”, é, ainda, um “produto que resulta de
produção em massa.”.
40
Pobreza é principal obstáculo para idosos da América Latina (fiocruz.br)
81

à comunidade, como ocorre, geralmente, em Universidades (que, na maioria das vezes, são
públicas) com programas voltados para a terceira idade.
Após ter trabalhado as informações contidas no questionário socioeconômico e
associado essas questões à mercantilização do ensino-aprendizagem de língua inglesa, a seguir
veremos a análise das narrativas produzidas durante a entrevista com Rafaela. Vale lembrar que
outras duas inquietações que também nortearam essa análise foram a influência colonial da
cultura inglesa e americana na juventude dos gerontolescentes e a importância da inserção
social para o indivíduo, que busca realizar na aprendizagem de uma nova língua o desejo de
fazer parte do mundo globalizado.
Esse desejo de inserção social se concretiza não apenas nas comunidades de prática
geradas de maneira formal em torno do ensino-aprendizagem de língua, mas, também, em
maneiras mais informais, como na habilidade de se comunicar e de acessar artefatos culturais
(músicas, filmes, etc) de outra língua, já que cada vez mais pessoas buscam essas habilidades
e, ao dominá-las, não apenas se inserem socialmente, mas também gozam de status e prestígio
social. Essa tomada de iniciativa para ser inserir socialmente, a busca por um status social,
também está relacionada com a agência, que transforma a sociedade e que parece ser
característica marcante da atual geração de terceira idade, os gerontolescentes, termo este
utilizado como maneira de registrar uma mudança de significado que vem ocorrendo do que é
envelhecer na sociedade brasileira.

3.1 Análise das falas da participante

Intenciono, nessa seção, observar e estudar as falas de Rafaela, cujas narrativas,


situadas e coconstruídas na entrevista de pesquisa, são tratadas com o máximo de respeito às
experiências de vida da participante. Foram brevemente investigados os componentes
estruturais (Labov, 1972), a fim de identificar o aspecto formal da narrativa, bem como questões
socio-histórico-culturais que, possivelmente, se imbricam na construção identitária da
participante. Nesse contexto, também levarei em consideração a discussão de Mishler (1986)
sobre narrativas em entrevistas de pesquisas e sua articulação com o modelo de narrativas
labovianas.
A entrevista se inicia com o questionamento sobre o motivo que levou a participante a
iniciar o estudo da Língua Adicional na terceira idade e quais são seus objetivos com o ensino
atualmente. A resposta de Rafaela à pergunta foi em forma de história de vida, ao recordar seu
percurso de aprendizagem e elucidar os motivos que a fazem querer aprender, conforme pode
82

ser observado abaixo, no texto que foi organizado em linhas e transcrito sob convenções
adaptadas de Gail Jefferson (1983).

Excerto 1 – Mas o inglês é universal, né?


1 Lucy O que te fez procurar aprender Inglês agora?
2 Rafaela Eu já tentei aprender inglês várias vezes. Já tive inglês no colégio, novinha, né?
3 Depois eu entrei na aula junto com as minhas filhas... Minhas filhas eram
4 adolescentes, eu quis aprender inglês junto com elas, fiz IBEU. Comecei o quarto
5 ano de IBEU e acabei parando, porque sempre tem outras coisas para fazer. Mas eu
6 sempre quis aprender... - cantar em inglês, eu sempre achei lindo as pessoas que
7 cantam em inglês, que entendem, que assistem um filme e conseguem entender o
8 que está acontecendo ali, né? E depois pensei também em viagem, né? Que depois,
9 mais adulta, a gente começou a viajar... e você viaja e não fala na::da! ‘Cê vê, eu
10 viajei com minha filha... menina, Patrícia falava tu::do em inglês, Patrícia comprava
11 tudo, pedia todas as comidas, Patrícia abria a boca ‘ah’... a gente ficava assim “ó::h”.
12 Nós assim, tudo que nem uns patetas. Então, eu acho lindo a pessoa falar inglês.
13 Como eu acho lindo a pessoa falar outras línguas também, mas o inglês é universal,
14 né? Todo mundo fala inglês. - ‘Cê vê, ‘cê tá na academia a pessoa faz uma
15 brincadeira com você e fala uma frase em inglês. Às vezes ‘cê fica assim “ãh?”, né?
16 Então a vontade de aprender é isso, né? Pra poder... pra poder estar mais junto, pra
17 poder participar das coisas, estar junto. Esses dias, por exemplo, a vizinha falou:
18 “vem cá, tem um amigo meu que veio dos Estados Unidos”. Aí, eu falei assim “mas
19 eu vou fazer o que aí?” Quem me de::ra!↑ Se eu pudesse conversar com ele! Mas
20 não dá↓ E eu sou do tipo metida, hein? hh Invento de falar algumas coisas, assim,
21 sem saber nada, e ainda invento de falar! Hh

Rafaela inicia sua narrativa com uma breve contextualização, transcrita na linha 1,
sobre já ter tentado aprender inglês diversas vezes. Esse resumo do que será contado é chamado
por Labov (1972) de sumário e desencadeia uma série de eventos relatados sobre as tentativas
da participante em estudar o idioma. Esses eventos estão relacionados à ação complicadora da
narrativa, que gira em torno de situações que impediram a continuidade da aprendizagem e que
culminam em uma série de resoluções, sobre as quais a narradora elabora ao longo da entrevista,
fazendo avaliações encaixadas sobre o processo.
Bastos e Liar (2015) apontam que a avaliação, segundo Labov (1972), pode ser feita
de duas maneiras: avaliação externa, quando o narrador suspende o fluxo da narração e faz uma
observação descolada da história; e avaliação encaixada, quando o narrador usa recursos que
transmitem o sentido que deseja e, por meio da forma que se expressa durante o discurso,
confere certa carga emocional à história, sem interrompê-la. É muito comum a presença de
avaliações encaixadas em discursos orais, como foi no caso de Rafaela, que transmite sua
opinião não só em palavras, mas, também, na entonação dada à narrativa.
83

Logo no início, Rafaela afirma que teve inglês no colégio, quando era “novinha”, mas
não se aprofunda nesta fase de sua aprendizagem, que talvez não tenha tido grande valor em
sua vida. Em seguida, recorda que estudou com as filhas em um curso de inglês e, neste
momento, narra um pouco mais sobre sua experiência de aprendizagem, afirmando ter estudado
junto com as filhas adolescentes como forma de incentivar ambas a estudarem, criando assim
uma comunidade de prática de forma espontânea e inconsciente.
No excerto 1, Rafaela apresenta uma ação complicadora, que gira em torno dos
afazeres da vida e que a levaram a trancar a matrícula do curso, encerrando este ciclo. Contudo,
a maneira com a qual elabora sobre esta fase demonstra que este foi um contato mais marcante
com o idioma do que o que teve em sua primeira fase, durante a juventude, conforme será
confirmado posteriormente. A narradora dá uma continuidade à história, dizendo que sempre
quis aprender, o que demonstra seu desejo ininterrupto de seguir com a aprendizagem.
Conforme desenvolve a história, Rafaela demonstra admiração pelo idioma e por seu
uso, o que também usa como justificativa para seu desejo de aprender. Ela faz uma avaliação
encaixada ao dizer que acha lindo quem sabe falar inglês, quem entende a língua. A narradora
enfatiza a palavra “lindo” através de um intensificador lexical que lhe confere ênfase, ao passo
que parece querer fazer parte daquela comunidade, parte de algo que ela considera positivo e
admirável. O uso de marcadores orais é um aspecto que dramatiza o contar de histórias ao
enfeitá-la com diferentes tons e, assim, envolver o ouvinte no que está sendo narrado. Esse
desejo de participação de Rafaela também se relaciona com a inserção social, já que, segundo
ela, “todo mundo fala inglês” atualmente.
Depois de afirmar que sua admiração pelo domínio da língua seria uma motivação para
aprender, Rafaela também impõe a independência em viagens como outro motivo para ter
retomado a aprendizagem, e afirma que, ao viajar em família, sua filha, já adulta, se comunicava
com facilidade, enquanto eles ficavam como “patetas” por não conseguir fazer o mesmo. Esse
discurso também apresenta uma ação complicadora, que é não saber falar “a língua universal”
ao viajar, o que constrange a participante desta pesquisa. Ao mesmo tempo, ocorre uma
avaliação da narradora, ao usar um adjetivo negativo (“patetas”) para expressar como se sentiu
por não ter essa habilidade, considerada por ela tão admirável, necessária e trivial demais para
não ser dominada, gerando dependência comunicacional.
É perceptível que Rafaela demonstra interesse em se comunicar de forma
independente, o que aponta para o conceito de agência, pois demonstra a vontade da participante
de não depender de terceiros para realizar ações consideradas por ela como corriqueiras, como
se comunicar em outro idioma durante uma viagem. Essa tomada de atitude, de retomar os
84

estudos com intenção de resolver um problema em sua vida, reforça a mudança de perfil que
vem ocorrendo na terceira idade, contribuindo com a reformulação dos sentidos envolvidos
nesse termo. Ou seja, a terceira idade não é mais caracterizada por sujeitos passivos que se
sujeitam aos acontecimentos da vida com resignação. Os sentidos embricados no
envelhecimento e na terceira idade vem se transformando lentamente e, tendo em vista que a
narradora busca formas de se adaptar ao meio ativamente, esse seu traço agentivo pode
fomentar essa transformação de sentidos na sociedade. Aqui, notamos como o coletivo atua
sobre o indivíduo (a universalidade do inglês gera necessidade de aprendizagem) e o indivíduo
contribui para uma mudança a longo prazo no coletivo (a decisão de resolver os próprios
problemas, de ser independente, reforça o perfil da pessoa idosa ativa).
Aponto, porém, que a agência aqui observada, ligada à rejeição da ideia de
dependência para resolver questões pessoais, está ligada ao fato de Rafaela ter suas habilidades
físicas e mentais completamente preservadas, que, também, relaciona-se ao fato de ter um
padrão de vida elevado, já que nem todo idoso tem acesso à qualidade de vida e envelhecimento
saudável. Portanto, essas características estão sendo observadas em uma participante de classe
alta e com situação financeira estável, realidade que não pode ser tomada como absoluta de
todo gerontolescente.
Na narrativa, é possível identificar a influência do idioma no cotidiano de pessoas que
se mantêm ativas em suas esferas sociais e, principalmente, que estão inseridas em meios
relativamente privilegiados, interagindo com outros indivíduos que também usam a LAd no dia
a dia. “As intenções de uma pessoa para aprender são engajadas e o significado da
aprendizagem é configurado através do processo de tornar-se um participante pleno de uma
prática sociocultural” (LAVE e WENGER, 1991, p.29). Além disso, ela “fornece um meio de
falar sobre as relações entre novatos e experientes, e sobre atividades, identidades, artefatos e
comunidades de conhecimento e prática” (LAVE e WENGER, 1991, p.31). Conforme
observado na fala de Rafaela, causa certo incômodo não entender uma interação proposta em
um idioma considerado universal. Esse incômodo parece estar relacionado com a necessidade
de estar socialmente inserida em uma comunidade.
A aprendizagem desempenha papel central na inserção social do gerontolescente.
Diferente do conceito de aquisição de LAd como internalização de regras gramaticais, a
aprendizagem através de compartilhamento está ligada ao aspecto da participação em
comunidades de prática. Nessa percepção, o indivíduo é visto como ser complexo agindo no
mundo, sendo influenciado por ele e o influenciando ao mesmo tempo, ou seja, sendo agente
de mudanças. A aprendizagem como participação preconiza uma forma evolutiva de se tornar
85

membro da comunidade. Experiência e aprendizagem são mutuamente constituídas, ou seja, a


interação entre indivíduos que compartilham um domínio de interesse fomenta o conhecimento
através da ânsia por um prestígio social que é encontrado na aprendizagem.
Moraes e Witter (2007, p. 237) defendem que “pessoas idosas que frequentam grupos,
em geral, mantêm uma vida social ativa, pois valorizam a convivência e procuram interesses
comuns que os mantenham ativos, com diversificação nas opções”. Percebe-se que o grupo
social de Rafaela é composto por pessoas que têm acesso ao idioma e que o usam ativamente
no dia a dia. Esse grupo tem condição financeira que permite acesso a outras culturas e lugares,
seja através do turismo ou de contato com outras pessoas e artefatos, e essa interação enriquece
ainda mais o processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa, pois a convivência com
pessoas que também têm acesso a esse ensino contribui para a sua participação em uma
comunidade de prática (WENGER, McDERMOTT, SNYDER, 2002) de falantes ou aprendizes
de língua inglesa da mesma geração, através das quais Rafaela troca saberes formais e informais
relacionados à língua.
A importância de uma vida social ativa na terceira idade para se alcançar um
envelhecimento bem-sucedido, conforme previsto por Moraes e Witter (2007), está também
relacionada ao conceito de comunidade de prática, que, retomando Lave e Wenger (1991, p.98),

é uma condição intrínseca para existência de conhecimentos, não somente


porque ela (comunidade de prática) provê um suporte de interpretação
necessário para fazer sentido de sua herança. Deste modo, a participação em
uma prática cultural na qual qualquer conhecimento existe é um princípio
epistemológico de aprendizagem. A estrutura social desta prática, suas
relações de poder e suas condições de legitimidade definem possibilidades
para aprendizagem.

Posto isso, ao retomar os estudos de língua inglesa, Rafaela passa a se inserir na


comunidade de prática referente a essa língua/cultura e redefine as suas possibilidades de
aprendizagem, abrindo portas para novos artefatos culturais e novas formas de desenvolvimento
de sua identidade de agente transformadora.
Como professora, pude também observar uma troca formal de conhecimentos entre
minhas outras alunas e Rafaela, que são amigas de infância e hoje têm mais de sessenta anos.
Elas compartilham o que aprendem não somente quando se encontram para estudar o conteúdo
e fazer as atividades propostas, trocando experiências e auxiliando umas às outras, mas, para
além disso, Rafaela já relatou, durante as aulas e na entrevista, que pratica com amigos fora do
ambiente de aprendizagem, com o marido e com os próprios filhos, que também são aprendizes
de língua inglesa. Esse contexto poderia configurar uma comunidade de prática mais informal
86

em torno da aprendizagem de língua, tendo em vista que compartilham de um mesmo interesse


e trocam informações a respeito dele em um contexto cotidiano, gerando socialização e inserção
de Rafaela no mundo globalizado através do idioma considerado por ela universal.
Ao dizer que o inglês é universal, a participante demonstra que o idioma é usado
corriqueiramente em seu meio social e a falta de compreensão do que é dito nessa língua gera
uma ação complicadora na narrativa de Rafaela, que parece se sentir constrangida quando não
entende algo. É importante notar que Rafaela, em seu discurso, não apresenta propósitos
profissionais para o aprendizado da língua inglesa, mas sim a realização pessoal e a inserção
social, o que pode reforçar essa sensação de frustração. Complemento que, apesar de Rafaela
demonstrar compreensão da universalidade do idioma, a generalização que comete ao dizer que
“todo mundo fala inglês” demonstra certo desconhecimento da participante quanto à realidade
da presença da língua inglesa no mundo, bem como daqueles que são desprovidos de recursos
para aprender uma LAd e que parecem não fazer muito parte de seu círculo social.
Poder investir na aprendizagem de uma língua como forma de realização pessoal,
como é o caso de Rafaela, não representa grande parte da população, principalmente daquela
inserida na terceira idade. Esse “hobby”, que também está relacionado ao turismo internacional,
conforme visto em sua narrativa, reforça a posição de prestígio da participante e a situa
socioeconomicamente, já que atividades de lazer41 nunca estão isentas de significações e
envolvem diversos fatores. Ao considerarmos a vivência de outros gerontolescentes, pode-se
dizer que investir em cursos de línguas adicionais para fins de lazer é um pequeno luxo, que faz
diferença na forma com a qual essas pessoas se relacionam com outros e que reflete suas
trajetórias até o presente momento, influenciando em seu envelhecimento e, inclusive, em suas
performances e construções identitárias. Para Rafaela, aprender a língua inglesa claramente
fomenta a inserção social, principalmente em meios que usam o idioma informalmente, como
em redes sociais ou na academia, conforme os exemplos dados. Não saber um idioma
considerado por ela universal indexicaliza uma carência (de conhecimento) que não combina
com a ostentação e status típicas dos meios em que vive.
Após estabelecer suas motivações em forma de narrativa, a entrevistada,
gradualmente, traz o assunto para um passado mais recente ao falar sobre o convite de uma
vizinha para conversar com um falante de língua inglesa. Ela se situa no presente ao dizer que

41No que diz respeito ao termo lazer, pode-se dizer que “é um termo atualmente utilizado de forma crescente no
Brasil, podendo ser associado a palavras como entretenimento, turismo, divertimento e recreação. Porém, o sentido
do lazer é tão polêmico quanto à origem desse conceito” (AQUINO; MARTINS, 2007, p.484). Para Melo e Alves
Junior (2003, p. 10) “[...] não é possível pensar no lazer como um fenômeno consensual, ingênuo ou dissociado de
outros momentos da vida”.
87

“não dá” e expressar que, apesar do desejo de se comunicar com um falante nativo, não se sente
preparada para isso no presente, demonstrando sua atual insegurança. Logo em seguida, ela
afirma “e eu sou do tipo metida”, usando outro verbo no presente. Esse gancho de volta para o
presente pode ser considerado uma coda, tendo em vista que a narradora traz a história de volta
para o momento da fala. Nesse mesmo trecho, também observamos dois tipos de avaliação:
avaliação encaixada, que é observada através de prosódias (“Quem me de::ra!↑”, “ Mas não
dá↓”), que dramatizam sua fala; e uma avaliação externa, quando Rafaela suspende a narração
para fazer um comentário sobre sua personalidade (“e eu sou do tipo metida, hein?”).
Continuando a entrevista, enfatizo com Rafaela que o importante para desenvolver a
oralidade é, de fato, ter confiança e deixar a vergonha de lado. Rafaela concorda e diz que
muitas pessoas não têm coragem de falar, mas que ela é “cara de pau” para isso. Nesse
momento, ao avaliar sua atual personalidade como extrovertida, ela dá início a uma narrativa
sobre como mudou seu comportamento ao longo dos anos, de uma pessoa mais séria, que se
vestia de maneira formal e se portava com maior respeitabilidade, segundo a sua avaliação, para
uma pessoa mais tranquila e despojada.
Essa mudança de comportamento apresenta a reconstrução de self de Rafaela que,
devido à mudança do contexto que vivia antes (maternidade, maiores exigências no trabalho e
no lar) e vive atualmente (filhos já criados, menos carga no trabalho, mais idade), reformula
sua performance diante do mundo e, consequentemente, sua identidade. A definição de
identidade é complexa e foi classificada por Hall (2006) em três categorias diferentes: a do
sujeito do iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno. Enquanto o primeiro
sujeito (do iluminismo) seria aquele cuja identidade permanecia a mesma ao longo da vida, a
identidade do sujeito sociológico era formada de uma amálgama de outras pessoas que
influenciavam em suas vidas, que mediavam seus valores, sentidos e símbolos, fazendo com
que apresentasse diferentes identidades de acordo com as diferentes esferas sociais em que
estaria inserido. Ou seja, a cultura do mundo que habitava, bem como sua identidade, era
moldada a partir da interação entre o sujeito e a sociedade, sendo que a interação contínua entre
estes era responsável por transformar o “eu real”, que seria a essência individual de cada um.
O sujeito pós-moderno seria aquele cuja identidade é mutável, não fixada ou
permanente, e não moldada apenas socialmente, nem muito menos biologicamente, mas
também com transformações históricas. O sujeito pós-moderno seria aquele que assume
diferentes identidades e performances em diferentes momentos de sua vida, conforme ocorrido
com Rafaela. Hall (2006) aponta, ainda, que existem identidades contraditórias em cada sujeito
e que essas divergem e se empurram em direções diferentes, se revelando em diferentes
88

momentos. A esse exemplo, vemos a divergência entre as duas identidades que Rafaela assumiu
ao longo do tempo em sua narrativa, conforme podemos observar a seguir:
Excerto 2 – Aí eu fui diferente
1 Rafaela Gente, e eu sou muito cara de pau! hh Quando eu estou bem-humorada, então! E
2 normalmente eu estou bem-humorada, graças a Deus, mas eu... eu sou muito cara de
3 pau. Pra tudo! Não, e sou cara de pau hoje, né? Há 20 anos atrás eu não era cara de
4 pau assim, não... eu era toda certinha, toda... - nossa, eu usava terninho para trabalhar!
5 hh Eu era completamente diferente do que eu sou hoje. É, não sei porque... acho que
6 é porque eu tinha uma carga. Eu tinha que... Eu achava que eu tinha que ser muito
7 responsável, porque tinha três filhos para educar, para botar para estudar, para levar
8 para mil aulas, pra... - tinha que obrigar todo mundo a estudar, tinha que tomar conta
9 da minha casa, era... - tinha meu marido, que é médico, sempre foi famoso e eu tinha
10 que... eu tinha que dar conta daquilo tudo. Então, eu era mais séria, mas depois que
11 as crianças cresceram, né? Que eu vi que tudo ia... né? (gesto indicando fluidez) Aí
12 eu fui diferente

Quando Rafaela inicia sua narrativa, dizendo que “há 20 anos eu não era cara de pau
assim”, ela faz um sumário do que será dito adiante, ou seja, ela informa que sua narrativa
abordará a mudança de identidade percebida por ela ao longo do tempo. A narradora afirma que
a cobrança que sentia quando mais jovem era muito maior, principalmente por se ver como
modelo para os filhos ainda jovens, ao mesmo tempo que tinha responsabilidades com a
educação deles, com a casa e com o marido. O corte repentino que ocorre algumas vezes no seu
discurso e o tom usado por ela, demonstram que ela se sentia assoberbada e cobrada, como mãe,
como profissional, dona de casa e esposa. Nesse contexto, é possível notar também a questão
de gênero, como o papel social geralmente incumbido às mulheres como cuidadoras do lar e
dos filhos, como facilitadora da vida do marido.
Rafaela nota uma mudança em seu comportamento ao envelhecer, posto que se sente
mais livre de obrigações cotidianas e reformula sua identidade como alguém mais descontraída,
tranquila e “cara de pau”. Ao não se perceber mais como modelo para os filhos, Rafaela parece
passar por uma ressignificação ao ter desenvolvido traços de extroversão que são, atualmente,
típicos de sua personalidade, ficando registrado em sua forma de falar, de se portar, de se vestir,
ou seja, em sua performance e modo de agir no mundo. Essa mudança de performance
percebida por Rafaela revela, além de uma ressignificação do “eu”, uma nova forma de
envelhecer, diferente das vistas em outras épocas, o que fortalece uma reinterpretação da
terceira idade e indexicaliza novos sentidos para esta fase da vida.
A participante estabelece seus motivos para não ter dado continuidade aos estudos na
segunda fase de sua vida e aponta que a maior disponibilidade de tempo foi um dos fatores que
a fez retomar a aprendizagem na terceira fase, o que reforça o preceito de que, em casos ideais
89

42, aprender uma língua na terceira idade tem como vantagem uma disponibilidade maior de
tempo, seja devido à aposentadoria (ou reduzida carga de trabalho) ou, ainda, devido à
diminuição de responsabilidades para com os filhos, que estão, na maioria das vezes, adultos.
Antes dos sessenta, muitas vezes, outras obrigações cotidianas acabam impedindo a pessoa
adulta de priorizar a aprendizagem, principalmente quando essa não é exigida no ambiente de
trabalho.
Além de ter moldado a performance de Rafaela, ao se sentir isenta do papel de mãe
como referência na vida dos filhos, envelhecer também a fez perceber e aproveitar novas formas
de ocupar o tempo livre. Para Porto (2018), o tempo pode estar associado ao momento ou
ocasião apropriada para a realização de uma determinada ação. A autora denomina esta
modalidade temporal como tempo social e acrescenta que

[...] a consciência sobre o envelhecimento muda padrões sociais. No passado,


pessoas da terceira idade deixavam de ter uma vida social, ficando mais em
casa, cuidando dos netos, ajudando as famílias, e se anulavam com relação à
sua própria identidade. Hoje, já não vemos mais esse comportamento de
maneira tão generalizada. As pessoas da terceira idade desejam viver de forma
diferente, fazendo coisas diferentes que nunca tiveram a oportunidade de
fazer. Essas mudanças de comportamento levam a mudanças nos rótulos
associados a esse público (PORTO, 2018, p.10).

A autora conclui seu pensamento afirmando que as expectativas de aprendizes com


relação ao mercado de trabalho podem influenciar no seu processo de ensino-aprendizagem de
uma língua, o que pode ser notado na narrativa de Rafaela, que não continuou com o curso
quando mais nova por não haver demanda na vida profissional, mas que viu na terceira idade a
oportunidade de aprender inglês, tendo em vista que seu trabalho exige menos tempo e ela pode,
agora, se dedicar a uma nova aprendizagem. A forma como o tempo social é vivido pelos
gerontolescentes demonstra que esse grupo não tem interesse pela reclusão na chegada da
aposentadoria, como ocorria antigamente. Porto (2017) afirma que o idoso do passado se
restringia aos relacionamentos familiares e aos domínios do lar, diferente do gerontolescente,
que tem consciência da importância de se manter ativo socialmente, fisicamente e
cognitivamente.
A diferença entre a forma que Rafaela performa durante a terceira idade e a forma com
a qual as outras gerações de pessoas acima de sessenta anos performavam talvez esteja no fato
de ela ainda ter uma vida ativa em diversos âmbitos (social, físico, educacional, etc) e de se

42
Casos ideais seriam aqueles em que pessoas acima de sessenta anos pudessem aposentar e não tivessem
cobranças profissionais ou filhos dependentes financeiramente.
90

comunicar de maneira dinâmica. Seja pela fala ou através da comunicação visual, sua
performance é marcada por jovialidade, atitude positiva, independência, autonomia e força. A
terceira idade, em seu caso, contribuiu para a redução de cobranças, mas isso não fez com que
ela se acomodasse, mas buscasse novas formas de participar socialmente, como, por exemplo,
através da aprendizagem.
Ao ser perguntada sobre a relação entre idade e aprendizagem, Rafaela inicia o
discurso de uma forma para, em seguida, mudar de opinião. A princípio, ela afirma que “dizem
isso”, ou seja, que a idade influencia na aprendizagem, mas discorda dessa concepção ao dizer
que acha que não, que a idade não influencia. Ela engatilha uma narrativa ao recordar de quando
estudou com as filhas e faz uma comparação com sua juventude e o atual momento de
aprendizagem e, ao longo de sua fala, parece concordar com o senso comum de que a
aprendizagem se relaciona, sim, com a idade, conforme observado no excerto a seguir, que
apresenta uma narrativa menos canônica, se iniciando com um discurso que constata, no
presente, como Rafaela acredita ter mais vontade de aprender agora do que quando mais nova,
e inaugura uma pequena narrativa sobre como se sentia na obrigação de aprender quando
estudava com as filhas, na fase de jovem adulta.
Rafaela inicia uma sequência não cronológica, falando sobre o presente para voltar a
um passado mais recente (jovem adulta) e, em seguida, voltar ainda mais no tempo (infância),
quando afirma que “quando era novinha” teve aulas de inglês por obrigação, provavelmente de
seus responsáveis. Depois, Rafaela retoma para o momento em que estava com mais idade,
quando afirma que foi querer estudar “depois de mais velha”, como visto:

Excerto 3 – Dizem os estudos, né? São pessoas que estudam isso


1 Lucy você acha, Rafaela, que a sua idade influencia de algum jeito na sua aprendizagem
2 hoje em dia?
3 Rafaela Dizem, né? Dizem isso. Eu acho que não. Eu acho que hoje em dia eu sou muito mais
4 leve, muito mais... eu tenho muito mais vontade... que quando eu era mais nova, junto
5 com as crianças, eu tinha vontade, mas eu também me sentia na obrigação... de ir
6 junto com elas, para que elas estudassem também. Quando eu era novinha, o que eu
7 tive de aulas de inglês, era por obrigação, não era porque eu queria. Eu fui querer
8 depois de mais velha. Dizem... você ouve, né? Que tem idade pra tudo na vida, né? E
9 que, com certa idade, quando você está mais novinho, você aprende com mais
10 facilidade qualquer outro idioma que não seja o seu. Não sei, eu não estudei para
11 saber. Mas dizem que a criança de 3 anos, não é isso? Quando começa no colégio e
12 que começa a aprender as duas línguas, tem muito mais facilidade de assimilar tudo
13 quando crescer, quando ficar adulto e o adulto que nunca viu um inglês é muito... tem
14 muito mais dificuldade de aprender do que a criança que já foi encaminhada com
15 isso. Dizem os estudos, né? São pessoas que estudam isso.
91

A visão de aprendizagem que Rafaela parece ter é socialmente moldada pelo que ela
ouviu ao longo de sua experiência de vida, possivelmente falas pautadas em estudos mais
antigos e datados que versavam sobre o período crítico da aprendizagem. Enquanto fala,
Rafaela usa marcadores lexicais que buscam confirmar sua opinião (“dizem, né?”, “você ouve,
né?”, “não é isso?”), mas que, ao mesmo tempo, não são baseados em fatos concretos ou
opiniões profissionais, ela apenas cria uma espécie de “entidade plural” que representa, segundo
ela, os estudiosos da área. Quando afirma que é isso que “eles dizem”, mas que ela não estudou
para saber, Rafaela parece estar se livrando de uma “culpa”, caso esse ponto de vista esteja
equivocado, mas é possível notar em seu discurso que sua visão, embora tenha intenção de
transmitir confiabilidade de estudiosos, foi estereotipada pelo senso comum, ou seja, “o que
dizem por aí”.
Apesar de, mesmo que inconscientemente, compartilhar da crença de que há diferenças
na aprendizagem de acordo com a idade, Rafaela pontua questões positivas da sua experiência,
como maior vontade e disponibilidade de tempo, o que vai contra o estereótipo negativo de
aprendizagem na terceira idade. A visão de que a aprendizagem ocorre de maneira mais eficaz
durante a juventude reforça um rótulo negativo para aqueles que desejam aprender na terceira
idade, que precisam passar por cima de mais este preconceito quando decidem estudar um
idioma depois dos sessenta anos de idade. Esse comportamento, de ir contra crenças populares
e buscar o que deseja, representa um comportamento ativo e independente. Aproveito para
retomar a questão de agência – que aqui é compreendida como a maneira através da qual
pessoas situadas no mundo governam suas vidas intencionalmente, se responsabilizando pelo
curso de suas decisões e pelas práticas morais e culturais que estão implicadas nelas (Liberali,
2020). A decisão de iniciar um curso de inglês pode ser considerada como agência,
principalmente por ter sido tomada na terceira idade, momento socialmente julgado como não
propício para a aprendizagem, conforme pôde ser visto no próprio discurso da entrevistada.
Apesar de ter consciência de um preconceito social que envolve a aprendizagem de
línguas na terceira idade e refletir sobre essa questão, mencionando, inclusive, já ter ouvido
falar sobre estudos a esse respeito, Rafaela, ainda assim, escolheu iniciar o curso de inglês, em
uma atitude desafiadora de agência que pode contribuir para a reconstrução da cultura
futuramente, reproduzindo condições mais dignas para os gerontolescentes das próximas
gerações que possam querer aprender inglês e que, talvez, não precisem enfrentar os mesmos
olhares preconceituosos que ela teve que enfrentar.
Ao longo da entrevista, Rafaela menciona outras questões que demonstram um estilo
de vida autônomo e uma personalidade dinâmica, que busca tomar atitudes e resolver problemas
92

sempre que necessário, sejam relacionados ao trabalho ou às decisões da casa. Esse perfil ativo
também contribui para uma mudança no estereótipo da terceira idade, reforçando a
transformação e a ressignificação do envelhecimento. Contudo, a agência transformadora
também está embebida de questões sociais e culturais, sendo permeada por elas. Ou seja,
embora Rafaela desempenhe uma performance desafiadora de tabus para sua idade, ela, ainda
assim, é controlada por diversos fatores, muitas vezes inconscientes, como a questão de gênero
vista anteriormente.
No excerto 2, Rafaela desabafa sobre como o papel de mãe e esposa acabaram
influenciando em sua decisão de aprender o idioma na fase adulta e, posteriormente, de encerrar
o curso, quando as filhas precisaram parar e ela resolveu também encerrar as aulas, por ter
outras obrigações com a casa e os filhos43. Esse fator evidencia uma questão de gênero,
implícita no papel de mãe. Nesse sentido, as decisões tomadas de maneira agentiva são,
também, socialmente influenciadas, mesmo nos casos de agentes transformadores, eles não
estão isentos da carga da opinião e do senso comum, mas parecem encontrar formas de desafiá-
las. Rafaela deixa claro que a correria da vida do lar a impedia de fazer coisas consideradas por
ela como lúdicas e agradáveis durante a aprendizagem, como pode ser visto no excerto 4:

Excerto 4 – Eu tomo a frente


1 Rafaela Mas a praticidade da vida não te deixa fazer isso, né? A vida é uma correria, você não
2 tem tempo para essas coisas lúdicas, essas coisas que seriam muito agradáveis... você
3 acaba deixando as coisas de lado. Igual quando eu estava fazendo inglês com as
4 crianças, eu comecei o quarto ano... quando eu comecei o quarto ano, eu comecei a
5 fazer uma obra na minha casa. Mas na minha casa, quem compra tijolos, fios... tu::do
6 sou eu! Quem compra tu::do sou eu! Beto não tem o menor jeito... e, por isso, eu
7 tomo a frente, porque eu tenho jeito pra resolver as coisas! Eu tomo as frentes! Não
8 vou esperar que ele faça! Não gosto de esperar nada, que ninguém faça nada... eu
9 gosto de ir lá e resolver. Então... - e também, eu sou do tipo que eu quero fazer tudo
10 certinho, tudo tem que ser perfeito, tem que ser o melhor que eu posso fazer. Então
11 como eu tinha que fazer tudo perfeito, eu pensei, eu não vou continuar com o curso e
12 tirar nota 6, nem nota 5, deixar de fazer exercício porque não deu tempo... vou ficar
13 nervosa, irritada. Então é melhor eu parar do jeito que tá. Porque eu só tirava 10, 9,
14 só tirava notão. E as crianças hh roubavam meu livro de inglês... e copiavam os
15 exercícios tudinho! Elas não faziam os exercícios, elas copiavam os exercícios... e
16 falam isso aqui na maior cara de pau. Hh

43
É válido expor que apesar de se sentir sobrecarregada com as tarefas que exercia, os afazeres domésticos
relacionados à limpeza bruta da casa não eram/são realizados unicamente pela participante, que conta com ajuda
profissional, o que, mais uma vez, ratifica sua posição social privilegiada. Contudo, mesmo tendo ajuda, gerenciar
questões de um lar e a educação dos filhos consome tempo, e o papel do gênero (mulher/mãe/esposa) a fez sentir
responsável por essas tarefas, levando-a priorizar outras obrigações cotidianas e encerrar o curso de inglês quando
jovem adulta. Levando em conta o atravessamento de gênero, deixo um importante questionamento: quais as
chances de um aluno do sexo masculino se sentir sobrecarregado com lar e filhos e se sentir compelido a tomar a
mesma decisão de abandonar a educação? Provavelmente são chances bem menores.
93

Rafaela inicia sua narrativa na terceira linha do excerto 4, quando faz o sumário “igual
quando eu estava fazendo inglês com as crianças” e, logo em seguida, apresenta uma ação
complicadora que atrapalhou sua aprendizagem e influenciou em sua decisão de parar, que foi
a obra de sua casa. Rafaela diz que era responsável por resolver todas as questões relevantes da
construção, enfatizando através da repetição (linhas 5 e 6) que quem resolve “tu:do” na casa é
ela. A seguir, é possível notar uma avaliação encaixada que Rafaela faz de si mesma ao dizer
que o marido não leva jeito para isso, mas que ela “tem jeito para resolver as coisas” e que, por
isso, “toma as frente”. Ela também repete essa frase mais de uma vez (linha 7), enfatizando seu
perfil agentivo de solucionar problemas.
Quando Rafaela fala sobre seu perfeccionismo, ela relembra que as filhas, durante os
anos que estudaram juntas, pegavam seu livro escondido para copiar os deveres de casa. Essa é
uma forma de comprovar que ela era boa aluna e cumpria com suas obrigações, que tirava boas
notas e que preferia encerrar assim, do que deixar seu rendimento cair por conta da vida pessoal.
Em seguida, Rafaela, no fim, faz uma coda que a conecta com o presente, quando diz que até
hoje as filhas lembram de quando copiavam os deveres de casa da mãe e riem disso. Ne relação
que elas desempenhavam, Rafaela servia de modelo para as filhas e era “detentora do
conhecimento”, o que lhe conferia uma certa posição de poder.
No que diz respeito à relação da aprendizagem e poder, também entro na questão de
gênero ao relatar que o marido de Rafaela demonstra certo incômodo no fato de a esposa estudar
o idioma na terceira idade. Isso pôde ser notado na entrevista, mas não apenas nela. Durante a
convivência semanal como aluna e professora, mais de uma vez ouvi Rafaela relatar que o
marido achava uma perda de tempo ela estar investindo em um curso de inglês. Inclusive, a
opinião do marido foi o que a fez interromper nossas aulas na última vez. No seguinte excerto,
é possível notar a opinião de seu companheiro:

Excerto 5 – Mas ele não quer, não sei, não tem tempo.
1 Lucy Por exemplo, as aulas particulares poderiam ajudar você e seu marido, que já têm
2 algum entendimento.
3 Rafaela Então, era o que eu queria, era o que eu queria... saber um pouquinho mais, para entrar
4 junto com ele numa conversação. Uma vez... Nem que fosse de quinze em quinze
5 dias, uma horinha, sentar e conversar um pouquinho. Ele já estudou outras vezes.
6 Uma vez ele falou que não adianta mais fazer curso agora, que não aprende mais por
7 causa da idade... e fala que esqueceu tudo, mas ele não esqueceu, não... ele sabe muito
8 mais do que eu... - Ter pessoas próximas que saibam é um incentivo. Compartilhava
9 muito esses conhecimentos em casa mesmo, com as filhas, vendo filmes em inglês,
10 por exemplo, conversando sobre falas do filme. Isso é importante... Depois que
11 minhas filhas saíram de casa, não pratico tanto mais, então queria aprender pra poder
12 praticar com o Beto, né? Mas ele não quer, não sei, não tem tempo.
94

Na sexta linha do excerto 5, Rafaela inicia uma narrativa sobre a vez em que o marido
disse não adiantar mais estudar um idioma já tendo mais idade, o que transparece não apenas
uma visão preconceituosa, mas um certo incômodo ao ver a esposa estudando. Rafaela faz uma
avaliação externa ao comentar que o marido diz ter esquecido tudo, mas que, em sua opinião,
ele não esqueceu e ainda sabe muito mais que ela. No final de sua fala, Rafaela diz que o marido
“não tem tempo” de fazer aulas e praticar com ela, o que pode demonstrar falta de interesse
dele no processo de aprendizagem dela e um certo desencorajamento, principalmente quando
diz que “não se aprende mais nada depois de uma certa idade” (linhas 6 e 7). Em sua orientação,
a narradora aponta o comportamento do marido como uma ação complicadora que, apesar de
servir como modelo por saber mais inglês que ela, desincentiva sua aprendizagem ao longo do
processo.
Seria possível fazer uma suposição de que ter um nível mais elevado de conhecimento
do idioma coloca o marido de Rafaela em uma posição de prestígio dentro da relação, uma
posição com a qual ele está familiarizado, tendo em vista que é médico e desempenha sua
profissão com sucesso, enquanto Rafaela, apesar de formada em artes, não desempenha essa
função profissional, vivendo em função da clínica do marido, da casa e da família. Talvez Beto
se sinta inconscientemente ameaçado ao ver a esposa almejando níveis mais elevados na
aprendizagem de inglês, enquanto ele não deseja fazer o mesmo. Essa percepção ratifica,
novamente, uma questão de gênero que atravessa as falas de Rafaela. O discurso de
desincentivo do marido (“já esqueci tudo”, “não adianta mais estudar nessa idade”) apresenta
teor machista e posiciona o homem como detentor do saber, como alguém que tenta,
discursivamente, fazer com que a mulher interrompa os estudos e permaneça em uma posição
de submissão em nível cultural.
Rafaela constata a importância da presença de outras pessoas que saibam o idioma,
reforçando o valor da comunidade de prática. Por fim, ela retoma a narrativa falando sobre
como compartilhava conhecimento enquanto os filhos moravam com o casal. Essa troca não
ocorre mais, tendo em vista que os filhos se mudaram e, como resultado da narrativa, Rafaela
faz uma coda com o presente, dizendo que o marido não tem tempo de praticar ou fazer aulas
com ela, o que revela um desfecho que parece não agradá-la, pelo tom de voz que usa ao dizer
“mas ele não quer, não sei, não tem tempo”.
Conforme visto no referencial teórico, comunidades de prática são de grande valor na
aprendizagem, principalmente para alunos com mais de sessenta anos de idade, pois, além de
contribuir com a inclusão social, é o que incentiva o sujeito a dar continuidade aos estudos.
Foram registradas, na fala de Rafaela, trechos que expressam sua compreensão da importância
95

de compartilhar conhecimentos em grupo, como observado no excerto 5, quando diz que queria
“aprender um pouquinho” para poder praticar com o marido, e no excerto 1, quando comenta
que começou a estudar a língua com o intuito de incentivar as filhas, criando, assim, uma
comunidade de prática dentro do ambiente familiar.
Familiares também podem estar inseridos nas definições de comunidade de prática,
preenchendo as três dimensões preconizadas por Wenger, MCDermott e Snyder (2002), ou seja,
o domínio de um assunto de comum interesse, uma comunidade que interaja entre si sobre esse
assunto e uma prática consciente, com trocas objetivas sobre o tópico, conforme ocorria entre
Rafaela e as filhas, que estudavam juntas e compartilhavam conhecimento, sendo Rafaela o par
mais experiente entre elas. Rafaela tentou, também, inserir o marido nessa comunidade de
prática, vendo nele um par mais experiente e a possibilidade de ampliar sua aprendizagem, mas
não teve sucesso em sua tentativa. Uma das justificativas usadas pelo marido de Rafaela para
não estudar mais seria a idade. Nesse sentido, aproveitei o gancho, durante a entrevista, para
falar sobre idadismo.
Ao ser questionada se acreditava que existia preconceito em torno da terceira idade,
Rafaela responde prontamente que sim, que existe. Rafaela afirma que existe preconceito com
tudo que é diferente do padrão e que o preconceito está presente em todas as pessoas, o que
aponta para um certo conhecimento sobre os preconceitos estruturais que enfrentamos em nível
social. Esse discurso constatativo, embora não retome uma história e, por isso, não seja uma
narrativa, é de relevância para compreensão do ponto de vista da participante sobre o idadismo.
Quando questionada sobre a relação entre preconceito com idade e pandemia, Rafaela responde
da seguinte maneira:

Excerto 6 – Mas isso é um comentário natural


1 Lucy Você acha que a pandemia piorou o preconceito com a terceira idade?
2 Rafaela (pausa olhando para cima enquanto pensa) Ah... não sei, não sei...
3 Lucy Eu sentia que no início da pandemia isso era bem visível. Quando as pessoas ainda
4 estavam se mantendo mais em casa. As pessoas diziam, ‘a::h, os velhos estão tudo
5 pegando ônibus, tem que ficar em ca:sa’, ‘Ah, velho não tem que sair pra nada e quer
6 ficar saindo sem necessidade’, ‘Tá todo mundo em casa e os velhos ‘tão na rua’...
7 Rafaela Mas isso é um comentário natural! Não é por causa de preconceito... se fosse com
8 criança também, a gente ia falar ‘criança não pode ir para ru:a’, ‘olha essas crianças
9 na ru:a, essas pais não têm juízo’.

Rafaela parece não ter sentido pessoalmente fortes impactos do idadismo durante a
pandemia, talvez por não ter sofrido um isolamento tão severo (tendo em vista que suas
condições financeiras possibilitam, por exemplo, que ela tenha um smartphone para continuar
mantendo contato com outras pessoas, que tenha carro para se locomover sem depender de
96

transporte público), talvez por estar entrando na terceira idade agora e não ter aparência
fragilizada, por ser uma pessoa ativa e dinâmica. De alguma forma, a pandemia não escancarou
o idadismo para Rafaela, embora tenha sido perceptível para grande parte das pessoas inseridas
nessa faixa etária e, por fim, sem perceber, Rafaela reproduz ingenuamente, em sua fala, um
traço forte do idadismo, que é comparar adultos idosos a crianças (excerto 6, linhas 8 e 9).
Ao dizer que “isso é um comentário natural” (excerto 6, linha 7), Rafaela normaliza o
tratamento infantilizado dado a idosos durante a pandemia e mostra como o idadismo está
enraizado, o que se associa com sua fala anterior, sobre como existe preconceito (estrutural) em
todo indivíduo. Ao ser questionada sobre essa comparação indireta que faz entre idosos e
cuidados com crianças, Rafaela pareceu surpresa e apresentou um certo desconserto ao
responder:

Excerto 7 – Tinha que estar guardadinho dentro de casa


1 Lucy Mas por que você compara um idoso a uma criança, por exemplo?
2 Rafaela Não, porque você tá falando↑... - É porque, a pandemia↓... - vamos supor que a
3 a doença pegasse só criança, né? E os velhinhos pudessem sair... a mesma coisa ia
4 ser! As pessoas iam falar: “como é que essa mã:e deixa essa cria:nça sair? O que essa
5 criança está fazendo na ru:a? Essa criança tinha que estar dentro ca:sa!”
6 Lucy Sim, mas a doença não pega só idosos, eles estão mais suscetíveis a morrer, mas
7 qualquer um pode pegar e transmitir para outros, inclusive para eles, dentro de casa.
8 Rafaela Mas... - no começo... no começo, o jovem pegava e nem sentia, praticamente, que
9 pegou. Era uma gripezinha mesmo, como o presidente falava. Pro jovem, no começo
10 da pandemia era assim, era muito raro o jovem ficar mal, jovem ser internado,
11 entubado, era muito raro.
12 Lucy Mas isso não quer dizer que o jovem não pegava, ele pegava e era vetor pros idosos
13 dentro de casa, por exemplo. Mesmo se o idoso não saísse, o jovem saía e voltava pra
14 casa com a covid e poderia infectar outros. Mas só reclamavam do idoso sair, quando
15 viam jovens na rua, não reclamavam.
16 Rafaela É::.. verdade!
17 Lucy Então, assim, um dos maiores preconceitos sociais com o idoso é a infantilização. Por
18 isso que eu te perguntei, ‘por que você está comparando um idoso com criança?’
19 Porque a gente faz isso sem perceber. Tipo assim, ‘como é que está deixando esses
20 idosos saírem?’ hh
21 Rafaela Tinha que estar guardadinho dentro de casa! hh
22 Lucy Pois é, né? hh Mas e se aquele idoso não tem ninguém para ir no mercado pra ele,
23 sabe? O idoso é um adulto normal, que resolve os próprios problemas.
24 Rafaela Minha filha, uma idosa sou eu!↑ hh Óh, com carteirinha e tudo! hh Mas eu não me
25 vejo como idosa...

Embora venha ocorrendo uma mudança no senso comum no que diz respeito ao
envelhecimento, essa mudança ainda ocorre de forma lenta. Ainda há muito preconceito contra
a terceira idade, inclusive partindo daqueles que ingressaram recentemente no grupo, como é o
caso de Rafaela, que reproduz em seu discurso um idadismo do qual, na maioria das vezes,
97

parece não ter consciência e que parece também ter se agravado durante a pandemia. Sua
resposta, com interrupções e hesitações, demonstra surpresa ao ter sido questionada.
Ao ser lembrada de que a Covid-19 não acometia apenas pessoas idosas, mas outras
faixas etárias, que, inclusive poderiam servir de vetor para os mais velhos em casa, Rafaela
reproduz falas do então presidente Jair Bolsonaro (excerto 7, linha 9), que defendia que a Covid-
19 era apenas uma “gripezinha”, para justificar o motivo pelo qual as pessoas defendiam o
isolamento de pessoas idosas, tirando, assim, sua autonomia. É possível notar como o discurso
do presidente influencia a opinião de seu povo, que, muitas vezes, o reproduz sem pensar nos
sentidos que estão implícitos nele. Expliquei que a infantilização do idoso pode ser considerado
um dos maiores traços do idadismo e o quão grave essa atitude pode ser, pois retira do adulto
sua autonomia e confere a ele uma imagem de fragilidade, como alguém sem poder de decisão.
Ao se lembrar que uma pessoa idosa é alguém responsável por resolver os próprios problemas,
Rafaela responde que ela mesma é idosa, embora não se veja dessa maneira, conforme a mesma
afirma (excerto 7, linhas 24 e 25).
Quando afirma que não se vê como pessoa idosa, Rafaela transparece ter uma opinião
já formada sobre o significado da palavra “idoso”, que parece despertar na participante uma
corrente de sentidos negativos que foram socialmente convencionados e nos quais ela não
considera se encaixar. Por isso, nesta dissertação abordo a possibilidade de usar um termo
diferente para representar esse grupo de pessoas que acabou de entrar na terceira idade e que
parece não se sentir representado pelos sentidos indexicalizados pela palavra idoso. Rafaela
ainda enfatiza que existe uma diferença entre os “tipos de velhinhos”, segundo as suas palavras,
e esses tipos, de acordo com ela, parecem ser definidos pelos atos performativos de cada um,
bem como por suas capacidades físicas.

Excerto 8 – O velhinho nhenhenhém, nenemzinho!


1 Lucy Hoje em dia, a palavra “idoso” está carregando tanto preconceito, que ninguém quer
2 se encaixar mais nesse termo, né? E assim, as pessoas infantilizam muito a terceira
3 idade. Esses dias presenciei uma enfermeira conversando com uma idosa, uma que
4 aparentava ter uns 80 anos, e a enfermeira falava com ela como quem fala com uma
5 criança, mudando a voz, fazendo uma vozinha infantilizada.
6 Rafaela É isso mesmo... é::... isso mesmo!↑ O pior que é!↑ hh Mas também... depende da
7 aparência do velhinho! Dependendo da aparência... Tem velhinho... tem velhinho que
8 não tem aparência... ‘cê até sabe que é velhinho, ‘cê ‘tá vendo que é velhinho... mas
9 é uma pessoa empinada, uma pessoa altiva, uma pessoa de pescoço em pé, ágil,
10 esperta para fazer as coisas... e tem o velhinho que é um velhinho pobre coitado, o
11 velhinho nhenhenhém, nenemzinho!
98

Quando Rafaela diz não se ver como idosa (excerto 7, linha 25), comentei sobre a
carga negativa que o termo carrega, me referindo aos sentidos que indexicaliza na nossa cultura
atualmente, que me fez recordar o caso de infantilização de uma pessoa idosa que presenciei
em um hospital e engatilhou uma pequena narrativa da minha parte sobre esse momento
(excerto 8, linhas 3, 4 e 5). Apesar de ser uma história pequena, ela apresenta uma orientação
que a contextualiza, apresentando os participantes envolvidos (uma pessoa idosa e uma
enfermeira, o que também infere o contexto hospitalar) e ação complicadora envolvendo a
forma infantilizada com a qual a profissional tratava a senhora. Acredito que o relato dessa
história fez com que Rafaela criasse espontaneamente uma imagem mental da personagem
idosa como uma pessoa fragilizada. Ela concorda, em tom bem-humorado, que realmente falam
com idosos como quem fala com crianças, mas defende que só em alguns casos e, logo em
seguida, diferencia os tipos de idosos em sua percepção.
As definições dadas por Rafaela nesse ato comparativo (“velhinho empinado/altivo”
se contrapondo ao “velhinho pobre coitado, nhenhenhém”) podem estar relacionadas às
definições de Laslett (1989) de terceira idade e quarta idade, tendo em vista que uma pessoa
idosa de idade mais avançada tende, na maioria das vezes, a uma fragilidade um pouco maior.
Assim, é significativa a diferença entre essas duas fases da vida, bem como é válido apontar
novamente para o fato de que a gerontolescência, fase vivida por Rafaela, está para a terceira
idade e não para a quarta, que é vista pela participante como outro momento da vida, pela qual
ela não se sente representada.
Não apenas a idade (mais ou menos avançada que sessenta anos) e os atos
performativos são fatores envolvidos na forma como envelhecemos e somos vistos, mas
também o acesso a tratamentos de saúde, a necessidade de trabalhar ou não, a importância dada
a um estilo de vida mais ativo, tanto cognitivamente quanto fisicamente. São diversos aspectos
que podem influenciar se uma pessoa envelhece como uma “pessoa altiva” ou como um
“velhinho nhenhenhém”, que é visto de modo mais fragilizado e, portanto, infantilizado, ou
seja, como um “nenemzinho”, segundo palavras de Rafaela. Ainda assim, independentemente
da forma com a qual envelhecemos e do cuidado que talvez precisemos receber ao envelhecer,
merecemos o devido respeito, que está longe do tratamento infantilizado, embora esse seja
culturalmente convencionado como forma de carinho e cuidado.
Mais para o final da entrevista, perguntei à Rafaela qual havia sido seu contato mais
significativo com a língua inglesa, em que momento ela sentiu que queria aprender o idioma.
Ela faz uma pequena pausa, como quem busca nas lembranças, e afirma que, embora não tenha
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sido o primeiro contato com a língua, o mais significativo em sua jornada foi o tempo que
estudou com as filhas no Ibeu, conforme pode ser visto no excerto 9:

Excerto 9 – O mais significativo pra mim foi o Ibeu


1 Lucy Entendi. Então... você lembra qual foi o seu primeiro contato significativo com o
2 inglês, Rafaela? Assim, na infância, na adolescência... qual foi o momento que você
3 falou ‘caramba, esse negócio aqui é muito legal, queria mesmo aprender isso’?
4 Rafaela Não me lembro... não estou conseguindo... só estou conseguindo lembrar do IBEU
5 junto com as crianças, mas não sei se esse foi meu primei... - não foi meu primeiro
6 contato com o inglês não... mas o mais significativo foi no IBEU. O mais significativo
7 pra mim foi o Ibeu! Eu também sempre quis aprender por causa das músicas... queria
8 muito aprender a cantar as músicas em Inglês, acho lindo a pessoa cantar em inglês.
9 Queria saber o que aquilo significava também... isso desde quando eu era mais nova.
10 Isso eu sempre quis! Isso desde adolescente... acho que é isso.
11 Lucy Muito legal, então vamos começar a pegar mais em música quando retomarmos
12 as aulas. Bem, então é isso, R., acho que finalizamos. Muito obrigada!

Ao afirmar que não consegue se lembrar (excerto 9, linha 4), Rafaela parece estar
buscando nas memórias de infância e adolescência um momento que tenha sido um marco em
sua aprendizagem, mas não o encontra. Ela, então, chega à conclusão de que, embora não tenha
sido o primeiro contato, porque lembra de ter estudado durante a primeira juventude, o mais
significativo foi o curso que fez com as filhas. Rafaela reforça sua fala, repetindo uma segunda
vez (excerto 9, linha 6) que foi, sim, o Ibeu a sua experiência mais marcante, o que pode ser
uma evidência da importância da família em sua vida.
Em seguida, Rafaela recorda que sempre quis estudar o idioma, retomando o mesmo
discurso do início da entrevista, de que acha lindo quem consegue entender o que é dito em
inglês. Essa fala parece remeter às experiências que ela teve durante a infância e adolescência,
que, embora não tenham sido tão marcantes quando o curso com as filhas, parecem formar uma
coletânea de momentos que a fizeram chegar à conclusão de que admira a língua inglesa, o que
gera uma pequena narrativa (excerto 9, linhas 7, 8, 9 e 10) sobre como ela sempre quis aprender
devido a artefatos culturais aos quais ela tinha acesso, como, por exemplo, músicas. Como
forma de concluir o assunto e traze-lo de volta ao presente, acabo fazendo uma coda para a
narrativa de Rafaela ao mencionar que usaremos músicas quando retornarmos às aulas.
A entrevista de Rafaela gerou narrativas a respeito da aprendizagem de uma língua
adicional na fase de gerontolescência, que era, a princípio, o foco principal desta pesquisa.
Contudo, para além das narrativas, alguns discursos constatativos presentes em suas respostas
não poderiam deixar de ser analisados, tendo em vista que expressam sua opinião sobre
envelhecimento e aprendizagem na terceira idade. Através das falas de Rafaela, foi possível
considerar questões que estavam relacionadas ao tema da pesquisa e que eu não havia notado
100

no início do estudo, mas que amadureceram ao longo dele. Assim, foi possível ponderar a
respeito de elementos discursivos e transversais tais como a questão de gênero, a classe
econômica e o idadismo. Além, claro, de refletir sobre os termos relacionados à terceira idade
e sentidos e significados, agência e comunidade de prática, conceitos tão importantes para a
compreensão da construção discursiva do indivíduo socialmente situado. Nesse sentido, faço,
por fim, minhas últimas considerações a respeito deste trabalho.
101

CAPÍTULO 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo nasceu de um interesse pessoal de entender melhor o envelhecimento e a


terceira idade, temas que sempre me despertaram curiosidade ao longo dos anos. Esse interesse
se intensificou quando comecei a trabalhar – como professora particular de língua inglesa –
com um público de idade mais avançada, o que me possibilitou notar características peculiares
desse grupo e, ao compará-las com as outras gerações de terceira idade com as quaisjá lidei
(avós, bisavós, tanto meus quanto de pessoas próximas), percebi uma diferença no
comportamento e na forma de lidar com a vida, ou seja, uma mudança em seus atos
performativos. A curiosidade acerca dessa diferença de perfil amadureceu para um esforço
acadêmico em entender melhor o processo de mudança no perfil da terceira idade, para que,
assim, pudesse contribuir com futuras análises dessa questão e pudesse, também, aperfeiçoar a
minha visão de ensino-aprendizagem para a terceira idade.
Refletir conceitos socio-histórico-culturais de agência, comunidade de prática, sentidos
e significados, em conjunto com conceitos mais amplos como o envelhecimento, gênero e
idadismo contribuiu muito para o meu crescimento acadêmico e profissional, bem como
fortaleceu o embasamento deste estudo. Analisar as respostas dadas na entrevista e as histórias
contadas por Rafaela, aluna de Campos dos Goytacazes, aprendiz de língua inglesa com mais
de sessenta anos de idade e em pleno exercício de suas atividades físicas e mentais, possibilitou-
me uma melhor compreensão do ponto de vista de alguém inserido no processo que busquei
estudar e que contribuiu para a execução desta pesquisa. Foi possível notar que Rafaela passou
por diversos atravessamentos sociais e culturais que a fizeram decidir por iniciar ou interromper
a aprendizagem ao longo da vida e retomá-la apenas na terceira idade, por dispor de mais tempo
e mais vontade. São vários aspectos passíveis de análise no discurso de Rafaela.
Nesse sentido, este estudo se enveredou brevemente pela questão de gênero, ao notar
nas falas de Rafaela como o papel de mulher na sociedade também interferiu no seu processo
de aprendizagem. Em seu discurso, ela desabafa sobre o sentimento de sobrecarga como mãe,
gestora do lar e esposa, afirmando que precisou decidir entre o que era mais importante na época
em que encerrou o curso, quando mais nova. Essa tomada de decisão dela, embora seja uma
forma de expressar autonomia e agência, demonstra como nossas ações são moldadas perante
a sociedade, tendo em vista que a demanda de papeis tipicamente femininos (esposa, mãe, dona
de casa) influenciaram em sua escolha. Assim, embora tenhamos, como característica intrínseca
ao humano, a habilidade de tomar decisões e fazer escolhas complexas, esse poder não é livre
das amarras culturais que vivemos diariamente. Nossas decisões, por mais que tenham traços
102

de agência que podem desafiar construtos socialmente preestabelecidos transforma-los, são


moldadas pelo contexto socio-histórico-social em que estão inseridas. Rafaela precisou
abandonar seus planos de aprender por precisar assumir o “papel de mulher” que lhe foi
socialmente imputado, mesmo ela fazendo parte de uma classe social alta e dispondo de
condições para ter ajuda profissional em diversos setores de sua vida.
No que diz respeito à questão socioeconômica da participante, posso afirmar que a
mesma vive em condições de conforto acima da média, o que contribui para um padrão de vida
elevado e um envelhecimento mais bem-sucedido, tendo em vista que a mesma reside em um
condomínio particular de alta segurança, em uma casa de alto padrão, com acesso à saúde e à
profissionais como personal trainer, empregada, jardineiro etc. Tudo isso contribui para um
bem-estar maior na terceira idade, o que, infelizmente, não é a realidade da maioria daqueles
que envelhecem no Brasil. O fato de estar acima da média em relação à situação
socioeconômica influenciou na possibilidade de aprender um novo idioma como forma de
conquista pessoal na terceira idade.
No que diz respeito ao acesso à aprendizagem de línguas na terceira idade, muitas
pessoas idosas dependem de cursos oferecidos à comunidade em Universidades (na maioria das
vezes federais) por não disporem de recurso para pagar por aulas. Esse não foi o caso de Rafaela,
que pôde pagar a uma professora partícular para aprender a língua inglesa já depois dos sessenta
anos, em um desejo de aprendizagem da língua que não envolve uma questão profissional, mas
apenas pessoal. Através de suas narrativas também é possível perceber que as atividades de
lazer nessa faixa etária, como a própria aprendizagem de línguas sem demanda profissional,
estão relacionadas às condições financeiras de quem as pratica.
Essa decisão de Rafaela de retomar os estudos já na terceira idade envolve uma série de
questões pessoais e sociais que podem ser investigadas sob a perspectiva sócio-histórico-
cultural. Ao mesmo tempo que busca na aprendizagem a inserção em uma sociedade
globalizada, a participante desafia um preconceito socialmente enraizado de que pessoas com
idade mais avançada têm menos habilidades para aprender línguas, sendo o investimento em
seu estudo considerado uma perda de tempo por alguns, como seu próprio marido. Embora haja
essa visão social estereotipada, da qual Rafaela parece ter consciência, conforme observado em
sua narrativa, no que diz respeito à aprendizagem na terceira idade, ela não cedeu ao que lhe
foi socialmente imposto, buscando novas formas de se adaptar e ressignificando a
aprendizagem depois dos sessenta anos de idade, o que pode contribuir para uma redução no
idadismo, favorecendo futuras gerações de gerontolescentes que venham aprender o idioma.
103

As questões que retomo acima orientaram as perguntas de pesquisa deste trabalho, que
aqui relembro: qual a percepção que aprendizes de língua inglesa na terceira idade têm do
processo de ensino-aprendizagem? Qual a relação entre ensino-aprendizagem de língua inglesa
e a ressignificação da atual geração de terceira idade? Para responder essas perguntas, busquei
analisar a relação entre aprendizagem na terceira idade e situação socioeconômica, investigando
os papeis de agência, comunidade de prática, sentidos e significados nas experiências relatadas
por Rafaela.
Começo com a segunda pergunta, respondendo que a relação entre ensino-aprendizagem
de línguas e ressignificação da terceira idade é mútua e, para minha surpresa, codependente. A
princípio, supus que esse grupo encontrava na aprendizagem de língua inglesa uma forma
inconsciente de demonstrar um perfil mais ativo e agentivo do que de outras gerações, mas ao
longo da pesquisa, percebi uma pequena diferença nessa suposição: a aprendizagem não só
fomenta essa mudança de perfil, mas os gerontolescentes tomam a iniciativa de estudar inglês
porque já vêm experenciando uma série de outros fatores sócio-histórico-culturais que o
transformaram e o fizeram mais ativos e independentes. Assim, aprender inglês depois dos
sessenta anos de idade é uma decisão tomada por um grupo que se porta de forma diferente dos
grupos de terceira idade de outras épocas, e a aprendizagem de uma língua também reforça essa
diferença nos modos de agir e performar desse grupo.
Quanto à primeira pergunta, que considero um pouco mais complexa, posso afirmar que
a percepção que os aprendizes tem do processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa está
voltada para questões relacionadas à lazer, inserção social, vida ativa e independência
comunicacional. Pessoas com mais de sessenta anos parecem ver na aprendizagem de línguas
uma forma de se manterem mentalmente ativas e socialmente participativas, podendo se
expressar em contextos que usam a língua sem depender de terceiros para isso. Há uma
consciência de que o envelhecimento ativo é questão de saúde e estudar é uma forma saudável
de manter a mente em exercício. Ao que tudo indica, a terceira idade percebe a aprendizagem
de língua inglesa como algo admirável e necessário para os dias atuais.
Na parte da análise, busquei investigar os papeis de agência, comunidade de prática e
sentidos e significados, a fim de entender as experiências relatadas por Rafaela, ao mesmo
tempo que foi feita uma análise de aspectos microtextuais levando em consideração as
categorias de Labov (1972). Também foi analisada a relação entre ensino-aprendizagem e
questões socioeconômicas, que indica que pessoas acima de sessenta que tiveram melhores
condições financeiras ao longo de suas vidas tendem a ter acesso a um envelhecimento mais
ativo, que inclui acesso à aprendizagem de idiomas e outras atividades de lazer custosas.
104

Creio que, ao avaliar o vínculo que existe entre ensino-aprendizagem de línguas na


terceira idade e a transformação identitária deste mesmo grupo através de um viés sócio-
histórico-cultural – levando, também, em consideração aspectos do estudo de narrativas – foi
possível cumprir com os objetivos desta pesquisa e responder com êxito às perguntas
inicialmente propostas, contudo, deixo registradas perspectivas futuras de aprofundamento no
assunto para uma tese de doutorado, para que possam ser abordadas de forma mais detalhadas
outras questões envolvidas no processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa na terceira
idade.
Espero que este trabalho contribua com o meio acadêmico e possa gerar reflexões a
respeito da aprendizagem na terceira idade, posto que o número de alunos com mais de sessenta
anos tem aumentado consideravelmente e existe uma demanda nessa área que precisa ser
ouvida. É necessário observar os movimentos de mudança de performance e os novos sentidos
que a terceira idade tem indexicalizado para que, assim, a sociedade possa reconhecer, se
adaptar a essas mudanças e respeitar a nova forma com a qual esses indivíduos tem se
posicionado.
105

Referências

"COMMODITY", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020.


Disponível em <https://dicionario.priberam.org/commodity> Acesso em 13 jun 2020.

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Porto Alegre, RS: PUC RS, 2013. Disponível em:
<http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2714> Acesso em 04 mai. 2020.

ALVEZ, J. E. D. O índice de envelhecimento no Brasil e no mundo. Portal do Envelhecimento


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ANEXOS
ANEXO A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (DISCENTE)

Você está sendo convidado a participar de um estudo denominado “VIVÊNCIAS DE ENSINO-


APRENDIZAGEM DE INGLÊS NA TERCEIRA IDADE: COMUNIDADE DE PRÁTICA,
AGÊNCIA, SENTIDOS E SIGNIFICADOS”, promovido pela Professora Lucy Caldeira
Gobeti. A sua participação no referido estudo será no sentido de responder a um questionário
socioeconômico e a uma entrevista relacionada ao seu processo de aprendizagem de língua
inglesa, colocando-se a disposição para responder a esses instrumentos de pesquisas e outros
que, possivelmente, possam aparecer ao logo do estudo. Há, aqui, a garantia do sigilo que assegure
a privacidade e o anonimato dos/as participante/s. Do contrário, caso seja do interesse da pesquisa a
identificação do participante, faz-se imprescindível esclarecer a ele/ela que também que haverá a
divulgação do seu nome quando for de interesse do/a mesmo/a ou não houver objeção. Apresento, ainda,
a garantia expressa de liberdade do/a participante de se recusar a participar ou retirar o seu
consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma; Apresento a garantia expressa
de liberdade do/a participante de se recusar a responder questões que lhe causem desconforto emocional
e/ou constrangimento em entrevistas e questionários que forem aplicados na pesquisa; Fica registrado o
direito de pleitear indenização (reparação a danos imediatos ou futuros), garantida em lei, decorrentes
da sua participação na pesquisa; O participante declara conhecimento de consciência sobre os
possíveis desconfortos e riscos decorrentes do estudo. É assegurada a assistência durante a
pesquisa, bem como é garantido o livre acesso às informações e esclarecimentos adicionais
sobre o estudo e suas consequências. Estando totalmente ciente de que não há nenhum valor
econômico, a receber ou a pagar, pelo envolvimento nesse estudo, manifesto livre
consentimento em participar voluntariamente desse estudo.

Campos dos Goytacazes, _______ de __________________ de 2021.


__________________________________________________
Assinatura da Participante
117

Anexo B

Questionário Socioeconômico
Prezado(a) aluno(a), este questionário é parte integrante de um projeto de pesquisa de mestrado.
Por gentileza, responda às questões e, caso tenha alguma dúvida, solicite ajuda. Sua
contribuição será muito importante para esta pesquisa.

Pseudônimo: ________________________________________________________________
Ano de nascimento: __________________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
Cidade em que vive agora: ____________________________________________________
Grau de escolaridade: _____________________ Formação: _________________________
Profissão: __________________________________________________________________
Estado civil: ( ) solteira ( ) casada ( ) viúva ( ) divorciada/separada ( ) Outro

1-Possui filhos? ( ) sim ( ) não Se sim, quantos?


_______________________________

2- Como você descreveria sua relação com ele(s)/ ela(as)? __________________________


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

3- Você é aposentado(a)?
( ) sim
( ) não

4 - Sua renda mensal individual é de:


( ) menos de um salário mínimo Considerando baixa, média e alta, você
( ) um salário-mínimo
( ) dois salários-mínimos se considera integrante de qual classe?
( ) três salários-mínimos __________________________________
( ) acima de quatro salários-mínimos

5 - Quantos membros de sua família moram com você?


( ) Nenhum
( ) Um ou dois Quem são eles?
( ) três ou quatro ____________________________________
( ) cinco ou seis
____________________________________
( ) mais do que seis
_______

6 - Assinale a situação que melhor descreve seu caso:


( ) Não trabalho e meus gastos são financiados pela família.
( ) Recebo aposentadoria e sou independente.
( ) Recebo aposentadoria, mas ainda preciso de ajuda financeira de outros.
( ) Trabalho e recebo ajuda da família.
( ) Trabalho e sou independente.
( ) Trabalho e contribuo com o sustento da família.
( ) Trabalho e sou o principal responsável pelo sustento da família.
118

7 – Se ainda trabalha, qual sua carga horária diária de trabalho?


_____________________________________________________________________
Caso tenha trabalhado, qual cargo ocupava antes de se aposentar?
_____________________________________________________________________

8 – Em que tipo de escola você estudou anteriormente:


( ) somente escola pública
( ) a maior parte do tempo em escola pública 185
( ) somente particular
( ) a maior parte do tempo em escola particular

9 - Você gosta de estudar inglês?


( ) sim ( ) sim, muito ( ) mais ou menos ( ) não muito
10 – Por cerca de quantas horas, por semana, você se dedica aos estudos de inglês?
________________________________________________________________________
11 - Já frequentou algum curso particular de inglês? Se sim, por quanto tempo e qual?
_________________________________________________________________________
12- Há quanto tempo, aproximadamente, você estuda inglês?
_________________________________________________________________________

13- Atualmente, como você estuda o idioma?


__________________________________________________________________________

14 – Você considera seu nível de inglês como:


( ) Muito básico, aprendi muito pouco.
( ) Ainda básico, mas já aprendi algumas coisas.
( ) Básico para intermediário, consigo entender algumas coisas, mas não me comunico muito
bem;
( ) Intermediário, consigo entender bem e me comunico razoavelmente;
( ) Intermediário para avançado, consigo entender e me comunicar bem, mas cometo alguns
errinhos;
( ) Avançado, consigo entender tudo e me comunico com fluência.

Obrigado pela participação!


119

APÊNDICES
APÊNDICE A

Entrevista com a participante Rafaela.

Lucy: O que te fez procurar aprender Inglês agora?

Rafaela.: Eu já tentei aprender inglês várias vezes. Já tive inglês no colégio, novinha, né?
Depois eu entrei na aula junto com as minhas filhas. Minhas filhas eram adolescentes, eu quis
aprender inglês junto com elas, fiz IBEU. Comecei o quarto ano de IBEU e acabei parando,
porque sempre tem outras coisas para fazer. Mas eu sempre quis aprender... - cantar em inglês,
eu sempre achei lindo as pessoas que cantam em inglês, que entendem, que assistem um filme
e conseguem entender o que está acontecendo ali, né? E depois pensei também em viagem, né?
Que depois, mais adulta, a gente começou a viajar... e você viaja e não fala na::da! ‘Cê vê, eu
viajei com minha filha... menina, Patrícia falava tu::do em inglês, Patrícia comprava tudo, pedia
todas as comidas, Patrícia abria a boca ‘ah’... a gente ficava assim “ó::h”. Nós assim, tudo que
nem uns patetas. Então, eu acho lindo a pessoa falar inglês. Como eu acho lindo a pessoa falar
outras línguas também, mas o inglês é universal, né? Todo mundo fala inglês. - ‘Cê vê, ‘cê tá
na academia a pessoa faz uma brincadeira com você e fala uma frase em inglês. Às vezes você
fica assim “ãh?”, né? Então a vontade de aprender é isso, né? Pra poder... pra poder estar mais
junto, pra poder participar das coisas, estar junto. Esses dias, por exemplo, a vizinha falou:
“vem cá, tem um amigo meu que veio dos Estados Unidos”. Aí, eu falei assim “mas eu vou
fazer o que aí?” Quem me de::ra!↑ Se eu pudesse conversar com ele! Mas não dá.↓ E eu sou do
tipo metida, hein? Invento de falar algumas coisas, assim, sem saber nada, e ainda invento de
falar! hh

Lucy: Mas é isso mesmo! O principal é isso, você desenvolver a oratória para você aprender.
Tem gente que sabe muito, mas fica com tanta vergonha, que não produz nada, né? Tem que
ter cara de pau pra falar mesmo. Está certa!

Rafaela: Não... e é isso, né? Tem gente que sabe tanto quanto eu, mas não tem coragem de
falar! Não tem coragem de falar errado. Acho melhor você falar errado do que você não falar.
Você tem que se comunicar, certo ou errado. hh

Lucy: Concordo! O que importa é a pessoa te entender, se a pessoa está te entendendo, está
certo.

Rafaela: Gente, e eu sou muito cara de pau! hh Quando eu estou bem-humorada, então! E
normalmente eu estou bem-humorada, graças a Deus, mas eu... eu sou muito cara de pau. Pra
tudo! Não, e sou cara de pau hoje, né? Há 20 anos atrás eu não era cara de pau assim, não... eu
era toda certinha, toda... - nossa, eu usava terninho para trabalhar! hh Eu era completamente
diferente do que eu sou hoje. É, não sei porque... acho que é porque eu tinha uma carga. Eu
tinha que... Eu achava que eu tinha que ser muito responsável, porque tinha três filhos para
educar, para botar para estudar, para levar para mil aulas, pra... tinha que obrigar todo mundo a
estudar, tinha que tomar conta da minha casa, era... tinha meu marido que é médico, sempre foi
famoso e eu tinha que... eu tinha que dar conta daquilo tudo. Então, eu era mais séria, mas
depois que as crianças cresceram, né? Que eu vi que tudo ia... né? (gesto indicando fluidez) Aí
eu fui diferente.
120

Lucy: Gerenciar várias vidas deve consumir muito mesmo... e você ainda trabalhava fora, ne?

Rafaela: Ah, eu só trabalhava na clínica, né?

Lucy: Mas também não deixa de ser trabalhar fora, né?

Rafaela: É, mas eu faço meu horário, né? Eu vejo o horário que eu vou. Hoje mesmo fui lá...
Não... Hoje não fui lá, não... fui ontem. Hoje não fui, amanhã eu vou, mas se eu quiser passar
uma semana sem ir lá, eu já resolvo minhas coisas. Estou cheia de trabalho aqui em cima da
mesa... - mas resolvo minhas coisas por telefone mesmo. Eu faço a parte administrativa. O
consultório de Beto44 é junto com a clínica, mas quem toma conta da clínica tudo sou eu.
Compra vacina, vende vacina, bota preço em vacina, paga...

Lucy: Ah, sim, entendo! Mas com relação a aprendizagem... você acha, Rafaela, que a sua
idade influencia de algum jeito na sua aprendizagem hoje em dia?

Rafaela: Dizem, né? Dizem isso. Eu acho que não. Eu acho que hoje em dia eu sou muito mais
leve, muito mais... eu tenho muito mais vontade... que quando eu era mais nova, junto com as
crianças, eu tinha vontade, mas eu também me sentia na obrigação... de ir junto com elas, para
que elas estudassem também. Quando eu era novinha, o que eu tive de aulas de inglês, era por
obrigação, não era porque eu queria. Eu fui querer depois de mais velha. Dizem... você ouve,
né? Que tem idade pra tudo na vida, né? E que, com certa idade, quando você está mais novinho,
você aprende com mais facilidade qualquer outro idioma que não seja o seu. Não sei, eu não
estudei para saber. Mas dizem que a criança de 3 anos, não é isso? Quando começa no colégio
e que começa a aprender as duas línguas, tem muito mais facilidade de assimilar tudo quando
crescer, quando ficar adulto e o adulto que nunca viu um inglês é muito... tem muito mais
dificuldade de aprender do que a criança que já foi encaminhada com isso. Dizem os estudos,
né? São pessoas que estudam isso...

Lucy: Entendo... aqui no Brasil, acho que geralmente matriculam as crianças por volta dos 10
anos, ou na fase da adolescência...

Rafaela: Mas eu acho que hoje, atualmente... acho que Bruno45 quando entrar no colégio, ele
já vai entrar numa escola bilíngue, que já tem os amiguinhos de... os filhos dos amigos de
Rebeca46, por exemplo, já tem os filhos na escola bilíngue. Agora... eu acho que... que a pessoa
que quer... eu acho que eu tenho mais dificuldade de aprender do que eu teria mais nova. Apesar
de eu ter mais vontade de aprender hoje do que eu tinha nova. Eu acho que hoje eu teria mais
dificuldade do que eu teria nova. É contrário, né? A vontade e a dificuldade. Mas se você
perguntar a Betinho, por exemplo, Betinho diz... ele fala assim... “eu não aprendo inglês”. Beto
já se formou em inglês em dois cursos. Ele já fez muita aula de inglês e tem muita dificuldade
pra falar. Esquece tudo. Ele fala “você vai aprender, mas se você não praticar... você esquece
tudo!” e como a gente não pratica, né? Acaba esquecendo tudo.

Lucy: Talvez uma solução seja procurar uma forma de praticar. Tem sites que você conecta
com pessoas lá fora com pessoas que querem aprender português, por exemplo. Então você se

44
Pseudônimo dado ao marido da participante
45
Pseudônimo para o neto de Rafaela.
46
Pseudônimo para a filha mais velha de Rafaela, mãe de Bruno.
121

conecta com um nativo e você vai dando dicas para ele português e ele dá dicas para você de
inglês. Seria uma forma de marcar uma vez na semana pra poder conversar.

Rafaela: Mas a praticidade da vida não te deixa fazer isso, né? A vida é uma correria, você não
tem tempo para essas coisas lúdicas, essas coisas que seriam muito agradáveis... você acaba
deixando as coisas de lado. Igual quando eu estava fazendo inglês com as crianças, eu comecei
o quarto ano, quando eu comecei o quarto ano, eu comecei a fazer uma obra na minha casa.
Mas na minha casa, quem compra tijolos, fios... tu::do sou eu! Quem compra tu::do sou eu!
Beto não tem o menor jeito... e, por isso, eu tomo a frente, porque eu tenho jeito pra resolver as
coisas! Eu tomo as frentes! Não vou esperar que ele faça! Não gosto de esperar nada, que
ninguém faça nada... eu gosto de ir lá e resolver. Então... e também, eu sou do tipo que eu quero
fazer tudo certinho, tudo tem que ser perfeito, tem que ser o melhor que eu posso fazer. Então
como eu tinha que fazer tudo perfeito, eu pensei, eu não vou continuar com o curso e tirar nota
6, nem nota 5, deixar de fazer exercício porque não deu tempo... vou ficar nervosa, irritada.
Então é melhor eu parar do jeito que tá. Porque eu só tirava 10, 9, só tirava notão. E as crianças
hh roubavam meu livro de inglês... e copiavam os exercícios tudinho! Elas não faziam os
exercícios, elas copiavam os exercícios... e falam isso aqui na maior cara de pau. hh

Lucy: Mas você não acha que esse seu perfeccionismo te atrapalha um pouco? Por exemplo,
as aulas particulares poderiam ajudar você e seu marido, que já têm algum entendimento.

Rafaela: Então, era o que eu queria, era o que eu queria... saber um pouquinho mais, para entrar
junto com ele numa conversação. Uma vez... Nem que fosse de quinze em quinze dias, uma
horinha, sentar e conversar um pouquinho. Ele já estudou outras vezes. Uma vez ele falou que
não adianta mais fazer curso agora, que não aprende mais por causa da idade... e fala que
esqueceu tudo, mas ele não esqueceu, não... ele sabe muito mais do que eu... - Ter pessoas
próximas que saibam é um incentivo. Compartilhava muito esses conhecimentos em casa
mesmo, com as filhas, vendo filmes em inglês, por exemplo, conversando sobre falas do filme.
Isso é importante... Depois que minhas filhas saíram de casa, não pratico tanto mais, então
queria aprender pra poder praticar com o Beto, né? Mas ele não quer, não sei, não tem tempo.

Lucy: É importante entender que, muitas vezes, as pessoas não estudam inglês, não por falta de
tempo, mas sim por falta de prioridade. Muitas vezes ficam adiando, até o inglês virar uma
necessidade. Então, assim, não tem que esperar virar uma prioridade... você tem que fazer por
você mesmo, por gostar! Porque é um conhecimento seu, que você vai carregar para essas
situações.

Rafaela: É, tem que definir suas metas, suas vontades, suas prioridades.

Lucy: Acredito que estudar inglês não tem que ser como uma obrigação, mas, sim, como um
hobby, como algo que faz bem... como as pessoas fazem aula de pintura, de violão. Tem que
ser por prazer!

Rafaela: Então, é o que eu, Arita e Betina queríamos... brincar! ((as três faziam aulas
particulares em trio comigo)). O que acabou não dando certo, né? Porque eu queria brincar, mas
queria aprender também! Não queria só brincar. Aí, não deu certo.

Lucy: Sim, verdade... Entendo. Mas, então... você acha que hoje em dia existem preconceitos
sociais envolvendo a terceira idade? Não só pra aprendizagem, preconceitos sociais com a
terceira idade.
122

Rafaela: Claro que existem, não só com a terceira idade, com tudo, né? A gente tem
preconceito, eu tenho, você tem, com tudo, né? Com tudo que é diferente do que a gente gosta,
do que a gente faz, do que a gente é, né? A gente acaba tendo preconceito. Por mais que a gente
fale que não tem, mas tem.

Lucy: Eu falo com a minha irmã que a gente carrega muitos preconceitos, mesmo que a gente
tente lutar contra.

Rafaela: Preconceito e impaciência também, quando tem uma pessoa muito velha na sua frente,
que está andando muito devagar. É::... você acaba... ‘ah, meu De::us, que sa::co, nunca mais
essa pessoa a::nda’, né? Você perde a paciência as vezes.

Lucy: Você se sente assim?

Rafaela: Nossa, no trânsito, então. Eu quase... - dá vontade de matar as pessoas no trânsito!


Tem um que vai na direita se arrastando, outro que vai na esquerda... também se arrastando. Aí,
cê não consegue passar... Aí eu xingo, eu xingo. Aquilo começa a dar uma ansiedade... um sobe
e desce aqui (apontando o peito), uma falta de paciência aqui. É uma coisa que a gente tem que
tratar ne? Eu com 60 anos não tratei isso ainda, não sei quando vou conseguir tratar isso... mas
existe preconceito, sim.

Lucy: Você acha que a pandemia piorou o preconceito com a terceira idade?

Rafaela: (pausa) Ah... não sei, não sei.

Lucy: Eu sentia que no início da pandemia isso era bem visível. Quando as pessoas ainda
estavam se mantendo mais em casa. As pessoas diziam, ‘a::h, os velhos estão tudo pegando
ônibus, tem que ficar em ca:sa’, ‘Ah, velho não tem que sair pra nada e quer ficar saindo’, ‘Tá
todo mundo em casa e os velhos estão na rua’

Rafaela: Mas isso é um comentário natural! Não é por causa de preconceito... se fosse com
criança também, a gente ia falar ‘criança não pode ir para rua’, ‘olha essas crianças na rua, essas
pais não têm juízo’.

Lucy: Mas por que você compara um idoso com uma criança, por exemplo?

Rafaela: Não, porque você tá falando↑...- É porque, a pandemia↓... - vamos supor que a doença
pegasse só criança, né? E os velhinhos pudessem sair... a mesma coisa ia ser. As pessoas iam
falar: “como é que essa mã:e deixa essa criança sair? O que essa criança está fazendo na r:ua?
Essa criança tinha que estar dentro ca:sa!”

Lucy: Sim, mas a doença não pega só idosos, eles estão mais suscetíveis a morrer, mas qualquer
um pode pegar e transmitir para outros, inclusive para eles, dentro de casa.

Rafaela: Mas... - no começo... no começo, o jovem pegava e nem sentia, praticamente, que
pegou. Era uma gripezinha mesmo, como o presidente falava. Pro jovem, no começo da
pandemia era assim, era muito raro o jovem ficar mal, jovem ser internado, entubado, era muito
raro.
123

Lucy: Mas isso não quer dizer que o jovem não pegava, ele pegava e era vetor pros idosos
dentro de casa, por exemplo. Mesmo se o idoso não saísse, o jovem saía e voltava pra casa com
a covid e poderia infectar outros. Mas só reclamavam do idoso sair, quando viam jovens na rua,
não reclamavam.

Rafaela: É::... verdade!

Lucy: Então assim, um dos maiores preconceitos sociais com o idoso é a infantilização. Por
isso que eu te perguntei, ‘por que você está comparando um idoso com criança?’ Porque a gente
faz isso sem perceber. Tipo assim, ‘como é que está deixando esses idosos saírem?’ hh

Rafaela: Tinha que estar guardadinho dentro de casa. hh

Lucy: Pois é, né? hh Mas e se aquele idoso não tem ninguém para ir no mercado pra ele, sabe?
O idoso é um adulto, que resolve os próprios problemas.

Rafaela: Minha filha, uma idosa sou eu!↑ hh Óh, com carteirinha e tudo! hh Mas eu não me
vejo como idosa...

Lucy: Hoje em dia, a palavra “idoso” está carregando tanto preconceito, que ninguém quer se
encaixar mais nesse termo, né? E assim, as pessoas infantilizam muito a terceira idade. Esses
dias presenciei uma enfermeira conversando com uma idosa, uma que aparentava ter uns 80
anos, e a enfermeira falava com ela como quem fala com uma criança, mudando a voz, fazendo
uma vozinha infantilizada.

Rafaela: É isso mesmo... é::... isso mesmo! O pior que é! Mas também... depende da aparência
do velhinho! Dependendo da aparência... Tem velhinho... tem velhinho que não tem aparência...
‘cê sabe que é velhinho, ‘cê ‘tá vendo que é velhinho... mas é uma pessoa empinada, uma pessoa
altiva, um pessoa de pescoço em pé, ágil, esperta para fazer as coisas... e tem o velhinho que é
um velhinho pobre coitado, o velhinho nhenhenhém... nenemzinho.

Lucy: Gostei do adjetivo hh , velhinho nhenhenhém. Mas, assim, se generalizarmos... acho que
a sociedade infantiliza muito a terceira idade.

Rafaela: Cuida, né? Cuida... Acho que essa infantilização, é cuidar.

Lucy: Será? Talvez seja cuidar, mas não do jeito certo, né? Mas, assim, como você diria que
tem sido seu percurso de aprendizagem de inglês desde lá do início até hoje?

Rafaela: Hoje eu sei mais, com certeza, do que eu sabia antes... mas ainda tenho muito o que
aprender. Tenho um caminho muito, mu::ito grande pela frente. Eu pretendo aprender... e::... -
não é fácil. Não é fácil... Não acho que seja fácil aprender inglês, acho que é difícil, sim, mas é
uma coisa que eu gostaria, sim... talvez nem aprender mu::ita coisa, mas saber me virar
direitinho.

Lucy: Entendi. Então... você lembra qual foi o seu primeiro contato significativo com o inglês,
Rafaela? Assim, na infância, na adolescência... qual foi o momento que você falou ‘caramba,
esse negócio aqui é muito legal, queria mesmo aprender isso’?
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Rafaela: (Pausa para pensar) Não me lembro... não estou conseguindo... só estou conseguindo
lembrar do IBEU junto com as crianças, mas não sei se esse foi meu primei... - não foi meu
primeiro contato com o inglês não... mas o mais significativo foi no IBEU. O mais significativo
pra mim foi o Ibeu! Eu também sempre quis aprender por causa das músicas... queria muito
aprender a cantar as músicas em Inglês, acho lindo a pessoa cantar em inglês. Queria saber o
que aquilo significava também... isso quando eu era mais nova. isso eu sempre quis! Isso desde
adolescente... acho que é isso.

Lucy: Muito legal, então vamos começar a pegar mais em música quando retomarmos as aulas.
Bem, então é isso, R., acho que finalizamos. Muito obrigada!

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