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FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
GRADUAÇÃO
INTERDISCIPLINAR DE LINGUÍ
LINGUÍSTICA
TICA APLICADA
RIO DE JANEIRO
2020
Viviane Ignacio Rosa Cortez
Rio de Janeiro
2020
Viviane Ignacio Rosa Cortez
____________________________________________________________________
Profª. Drª. Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt, PIPGLA, UFRJ (orientadora)
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcel Alvaro de Amorim, PIPGLA, UFRJ (co-orientador)
____________________________________________________________________
Profª. Drª. Kátia Cristina do Amaral Tavares, PIPGLA, UFRJ (membro interno)
____________________________________________________________________
Profª. Drª. Jaqueline dos Santos Peixoto, PROFLETRAS, UFRJ (membro interno)
____________________________________________________________________
Profª. Drª. Maria do Rosario da Silva Roxo, PROFLETRAS, UFRRJ (membro externo)
____________________________________________________________________
Prof. Dr. Mario Cesar Newman de Queiroz, PROFLETRAS, UFRRJ (membro externo)
____________________________________________________________________
Profª. Drª. Eliete Figueira Batista da Silveira, PPGLEV, UFRJ (suplente)
____________________________________________________________________
Profª. Drª. Adriana Leitão Martins, POS-LING, UFRJ (suplente)
Aos meus filhos, Caio e Bernardo, por tudo que
suportaram para que eu chegasse até aqui. Ao meu
marido, Fernando, pelo apoio incondicional. À minha
mãe, Edna, por ter uma filha doutora desde muito antes
desse momento.
AGRADECIMENTOS
Há tantos agradecimentos a serem feitos, mas não serei prolixa, serei suscinta e tentarei
não me esquecer de ninguém. Estudar, aprender, ensinar sempre foi um prazer para mim.
Mas escrever uma tese de doutorado pressionada pelo tempo, em um tempo sem tempos,
foi o meu maior desafio. Ainda bem que eu amo desafios. Neste momento em que me
encontro escrevendo esses agradecimentos, estou finalizando a confecção deste trabalho
que me trouxe muitas alegrias, mas também muitas angústias e situações um tanto quanto
difíceis. Entretanto, aqui estou. Agradeço à minha família pelas alegrias compartilhadas,
pelas conversas, pelas discussões, pela união e pelas diferenças, pelo amor mais profundo
e mais real. Aos meus filhos, Caio e Bernardo, por tudo que viveram durante esses quatro
anos do curso de doutorado, por todo o sacrifício. À minha mãe, por, mesmo sem nunca
ter cursado uma faculdade, sempre me incentivou a estudar cada vez mais. Ao Fernando,
que é meu alicerce e marido, agradeço por toda a parceria, pelo incentivo sempre, pela
paciência, pelos projetos de vida e pela vida já realizada. Agradeço aos meus
catequizandos e seus responsáveis pelo carinho e paciência. Obrigada também aos padres
e amigos que fazem de minha vida uma vida mais feliz e descontraída. À minha equipe
maravilhosa do Colégio Estadual Rubens Farrulla, pela compreensão em diversos
momentos. À minha amiga, Andréa Faustino, professora de língua espanhola, que
corrigiu o meu Resumen, muito obrigada. Amplio esse agradecimento aos professores
deste país que também acreditam, assim como eu, numa educação melhor e que sofrem
diariamente a precarização de suas condições de trabalho e o desrespeito político e social.
Em especial, agradeço aos colegas com quem compartilhei e compartilho minha trajetória
docente, nas escolas públicas e privadas. Aos amigos feitos nos grupos de pesquisa
COGENS e PLELL, no COGENS, no início da minha trajetória no doutorado. Aos
amigos do PLELL (Círculo do Marceltin), por todas as trocas e afetamentos. A todos os
professores do programa em Interdisciplinar de Linguística Aplicada da UFRJ, por todos
esses anos de aprendizados e de crescimento. Aos meus orientadores, Ana Flávia e
Marcel, obrigada por tudo. À Ana Flávia, obrigada por acreditar e confiar em mim, pelo
carinho e afeto, pela compreensão, pelo exemplo. Obrigada pela inspiração como
professora, pelo engajamento em sua prática, pela preocupação, pela dedicação, pela
amizade, pela confiança, pela força de sempre, pelo desejo de mudar e pela ação. Ao
Marcel, agradeço pela preocupação e pela dedicação, pela amizade e pela força de
sempre, pelo aprendizado durante todos esses anos de orientação, pelo exemplo, pela
atenção e pela crença em meu potencial. Obrigada pela história compartilhada, pela
confiança, pela compreensão, por me ajudar na concretização de meus desejos
acadêmicos e profissionais e por sempre me estimular a ser quem eu sou e a lutar para
alcançar meus objetivos. Agradeço aos professores doutores mais que especiais,
Jaqueline, Kátia, Maria do Rosario e Mario, que compuseram minha banca de
qualificação e de defesa e que me inspiraram com seus trabalhos publicados, pela leitura
atenta e pelas contribuições para a melhora desta tese e para a minha formação. Em meio
a essa nossa vida cada vez mais atribulada, agradeço que tenham aceitado dedicar um
pouco de seu tempo para lerem meu trabalho, sempre em construção. Obrigada por me
concederem a honra de sua presença, por todas as críticas e elogios, pelos
questionamentos e pelos comentários. Pretendo levar esses aprendizados para toda a
minha vida, pois me ensinaram o verdadeiro sentido de ser professora e que
carinhosamente me mostraram a importância de ser pesquisadora. Por fim, não poderia
deixar de agradecer a todos os meus alunos, todos aqueles que, de alguma forma,
passaram por mim em minha trajetória como docente e como diretora eleita por eles e
para eles. Esta tese foi feita pensando em vocês, por vocês e para vocês. Mas agradeço,
em especial, a Deus e a Nossa Senhora que nunca me abandonam, fortalecendo minha fé
em tudo e em todos.
“Quem ensina aprende ao ensinar. E quem aprende ensina ao
aprender.”
(Paulo Freire)
“O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte.”
(Friedrich Nietzsche)
RESUMO
Esta tese, como um trabalho em Linguística Aplicada, verifica que concepções de leitura e
leitor são trazidas pelo Caderno de Atividades Pedagógicas de Aprendizagem Autorregulada
seu objeto central e, ao mesmo tempo, procura evidências sobre a leitura nos documentos
orientadores. Para isso, foram selecionados como objetos de análise documentos oficiais e
materiais que estão sendo denominados de objetos reguladores do ensino, uma vez que
demonstram “o que se pensa oficialmente sobre o ensino” (GERHARDT, 2013). São eles:
PCNEM (2000), PCN+ (2002), OCEM (2004), DCNEM (2012a) e BNCC (2018) em nível
nacional. E em nível estadual, o Currículo Básico/Mínimo (2017). Para fundamentar essa
análise, parto dos princípios tomados como teórico da Linguística Aplicada e de estudos
voltados para a compreensão da escola brasileira, das práticas escolares de letramento e da
política linguística (AMORIM, 2014; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1992, 2001, 2007;
GERHARDT, 2006b, 2016; GERHARDT, ALBUQUERQUE e SILVA, 2009; GERHARDT
e VARGAS, 2010; KATO, 1990; KLEIMAN, 2001, 2008, 2010; MARCUSCHI, 1996;
RAJAGOPALAN, 2003; ROJO E BATISTA, 2003,2008; entre outros). Além disso, a tese
expõe algumas visões de linguagem e texto e pretende compreender se há nos documentos
oficiais e no currículo uma abordagem sobre leitura. Com base nisso, o estudo da leitura pelos
documentos reguladores em atividades escolares traz reflexão a essa discussão mais ampla
sobre os documentos oficiais, considerando-se que se trata de um construto cognitivo já
assumido por muitos pesquisadores como definidor de um processo de leitura maduro
(BOTELHO, 2017; GERHARDT, 2017; VARGAS, 2017), no qual o leitor interage com o
texto lido e que, portanto, deve ser bem conhecido e bem trabalhado na escola. É utilizada
uma abordagem que reconhece o processo de construção de conhecimento como sendo,
necessariamente, vinculado ao compromisso com a vida social e, em especial, com a melhora
da educação pública de nosso país. Se, por um lado, há necessidade de um compromisso do
pesquisador com a vida social, por outro, e como consequência, há também a necessidade de
que as pesquisas reflitam “os anseios do momento histórico em que propomos e defendemos
nossas ideias” (RAJAGOPALAN, 2003). Nesse sentido, a tese levanta a necessidade de
pensar novos percursos que interroguem a modernidade, “acarretando profundos
questionamentos sobre os tipos de conhecimentos produzidos e tentando explicar as
mudanças contemporâneas que vivemos” (MOITA LOPES, 2006). Por isso, esta pesquisa se
insere nesta perspectiva de contribuição e procura também elaborar um pensar sobre o ensino-
aprendizado, principalmente pelo interesse em entender como os documentos oficiais e as
atividades elaboradas para a população da escola pública brasileira no estado do Rio de
Janeiro podem contribuir ou não para a educação linguística, apresentando alternativas para o
mundo em que vivemos. É crucial pensar formas de fazer pesquisa que sejam também modos
de fazer política ao tematizar o que não é tematizado e ouvir a voz de quem não é ouvido.
Palavras-chave: Caderno de atividades, documentos oficiais, ensino-aprendizado,
leitura, linguagem, políticas linguísticas.
ABSTRACT
CORTEZ, Viviane Ignacio Rosa. Reading in the notebook of pedagogical activities of self-
regulated learning. Thesis (Doctorate in Interdisciplinary Applied Linguistics). Faculty of
Letters, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
This thesis, as a work in Applied Linguistics, verifies that conceptions of reading and
reader are brought by the Self-Regulated Learning Pedagogical Activities Notebook as its
central object and, at the same time, look for evidence about reading in the guiding
documents. For this purpose, official documents and materials that are being called
teaching regulatory objects were selected as objects of analysis, since they demonstrate
“what is officially thought about teaching” (GERHARDT, 2013). They are: PCNEM
(2000), PCN+ (2002), OCEM (2004), DCNEM (2012a) and BNCC (2018) at the national
level. And at the state level, Curriculum Minimum/Basic (2017). To support this analysis,
I start from the principles taken as a theoretician of Applied Linguistics and studies
aimed at understanding the Brazilian school, school literacy practices and linguistic
policy (AMORIM, 2014; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1992, 2001, 2007; GERHARDT,
2006b, 2016; GERHARDT, ALBUQUERQUE and SILVA, 2009; GERHARDT and
VARGAS, 2010; KATO, 1990; KLEIMAN, 2001, 2008, 2010; MARCUSCHI, 1996;
RAJAGOPALAN, 2003; ROJO E BATISTA, 2003,2008; among others). In addition, the
thesis exposes some views of language and text and aims to understand whether there is
an approach to reading in official documents and in the curriculum. Based on this, the
study of reading by regulatory documents in school activities brings reflection to this
broader discussion about official documents, considering that it is a cognitive construct
already assumed by many researchers as defining a mature reading process (BOTELHO,
2017; GERHARDT, 2017; VARGAS, 2017), in which the reader interacts with the text
read and, therefore, must be well known and well worked at school. An approach is used
that recognizes the process of building knowledge as being necessarily linked to the
commitment to social life and, in particular, to the improvement of public education in
our country. If, on the one hand, there is a need for a researcher's commitment to social
life, on the other, and as a consequence, there is also a need for research to reflect “the
yearning for the historical moment in which we propose and defend our ideas”
(RAJAGOPALAN , 2003). In this sense, the thesis raises the need to think about new
paths that question modernity, “causing deep questions about the types of knowledge
produced and trying to explain the contemporary changes we are experiencing” (MOITA
LOPES, 2006). For this reason, this research is part of this contribution perspective and
also seeks to elaborate a thinking about teaching-learning, mainly due to the interest in
understanding how official documents and activities developed for the population of
Brazilian public schools in the state of Rio de Janeiro can contribute or not to language
education, presenting alternatives for the world in which we live. It is crucial to think
about ways of doing research that are also ways of doing politics when thematicizing
what is not thematic and listening to the voice of those who are not heard.
Keywords: activity book, official documents, teaching-learning, reading, language,
language policies.
RESUMEN
Esta tesis, como untrabajo em Lingüística Aplicada, verifica que las concepciones de
lectura y lector son traídas por el Cuaderno de Actividades Pedagógicas de Aprendizaje
Autorregulable como su objeto central y, al mismo tiempo, buscan evidencias sobre
lalecturaenlos documentos guía. Para este propósito, los documentos y
materialesoficiales que si denominan objetos de regulación docentes si seleccionaron
como objetos de análisis, ya que demuestran "lo que oficialmente sipiensas sobre la
enseñanza" (GERHARDT, 2013). Ellosson: PCNEM (2000), PCN+ (2002), OCEM
(2004), DCNEM (2012a) y BNCC (2018) a nivel nacional. Y a nivel estatal, el Currículo
Básico/Mínimo (2017). Para apoyar este análisis, comienzo de los principios tomados
como teórico de la lingüística aplicada y los estudios destinados a entender la escuela
brasileña, lãs prácticas de alfabetización escolar y la política lingüística (AMORIM,
2014; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1992, 2001, 2007; GERHARDT , 2006b, 2016;
GERHARDT, ALBUQUERQUE y SILVA, 2009; GERHARDT y VARGAS, 2010;
KATO, 1990; KLEIMAN, 2001, 2008, 2010; MARCUSCHI, 1996; RAJAGOPALAN,
2003; ROJO y BATISTA, 2003, 2008; entre otros) Además, la tesis expone algunos
puntos de vista de lenguaje y el texto y tiene como objetivo entender si existe un enfoque
para la lectura en documentos oficiales y enelplan de estudios. En base a esto, el estudio
de la lectura mediante documentos reglamentarios em lãs actividades escolares trae una
reflexión a esta discusión más amplia sobre los documentos oficiales, considerando que
es una construcción cognitiva ya asumida por muchos investigadores como definición de
um proceso de lectura maduro BOTELHO, 2017; GERHARDT, 2017; VARGAS, 2017),
em el que el lector interactúa com el texto leído y, por lo tanto, debe ser conocido y
trabajado em la escuela. Se utiliza un enfoque que reconoce el proceso de creación de
conocimiento como necesariamente vinculado al compromiso com la vida social y, en
particular, com la mejora de la educación pública em nuestro país. Si, por un lado, existe
la necesidad del compromiso de un investigador com la vida social, por otro, y como
consecuencia, también hay necesidad de que la investigación refleje "el anhelo por el
momento histórico em el que proponemos y defendemos nuestras ideas"
(RAJAGOPALAN, 2003). En este sentido, la tesis plantea la necesidad de pensar em
nuevos caminos que cuestion em la modernidad, "causando preguntas profundas sobre los
tipos de conocimiento producidos y tratando de explicar los câmbios contemporáneos que
estamos experimentando" (MOITA LOPES, 2006). Por esta razón, esta investigación es
parte de esta perspectiva de contribución y también busca elaborar um pensamiento sobre
la enseñanza-aprendizaje, principalmente debido al interes em comprender como los
documentos y actividades oficiales desarrollados para la población de las escuelas
públicas brasileñas em el estado del Río de Janeiro pueden contribuir o no a la educación
de idiomas, presentando alternativas para el mundo en que vivimos. Es crucial pensar en
formas de hacer investigación que también son formas de hacer política cuando se
tematiza lo que no es temático y se escuchala voz de quienes no se escuchan.
Palabras-clave: libro de actividades, documentos oficiales, enseñanza-aprendizaje,
lectura, lenguaje, políticas lingüísticas.
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................17
PARTE I – FUNDAMENTAÇÃO CONCEITUAL
1. POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E DOCUMENTOS OFICIAIS ...................................27
1.1 A Linguística Aplicada e a Política Linguística........................................................27
1.2 Historicização dos documentos reguladores oficiais do Ensino Médio em nível
nacional e estadual..........................................................................................................37
1.2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCNEM)...................................................................................................................37
1.2.2 Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN+ Ensino Médio)...............................................................................42
1.2.3 Orientações Curriculares para o Ensino Médio
(OCEM).....................................................................................................................46
1.2.4 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(DCNEM)...................................................................................................................50
1.2.5 Base Nacional Comum Curricular (BNCC).......................................................52
1.2.6 Currículo Básico ou Currículo Mínimo..............................................................56
2. LINGUAGEM, LEITURA E APRENDIZADO .........................................................60
2.1 Linguagem................................................................................................................60
2.2 Leitura......................................................................................................................67
2.3 Aprendizado.............................................................................................................73
2.4 Concepção de leitura que perpassa os documentos oficiais.......................................77
PARTE II – METODOLOGIA E ANÁLISE
3. METODOLOGIA ......................................................................................................86
3.1 Relevância do trabalho para a Linguística Aplicada..................................................86
3.2 Paradigmas de pesquisa............................................................................................89
3.3 Método de pesquisa documental...............................................................................92
3.4 Desenho da pesquisa.................................................................................................93
3.5 A escolha do objeto de pesquisa................................................................................94
4. CADERNO DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS DE APRENDIZAGEM
AUTORREGULADA.....................................................................................................97
16
INTRODUÇÃO
1
O Caderno de Atividades Pedagógicas de Aprendizagem Autorregulada (2010) é um material didático
fornecido pela SEEDUC/RJ aos alunos e professores da Secretaria de Estado de Educação do Rio de
Janeiro.
18
2
A BNCC não estava em vigor na época da construção dos Cadernos, mas olharei para ela considerando
que ela pode representar o que tem sido dito sobre ensino de leitura em nível governamental hoje.
19
3
Segundo Ferraro e Ross (2017), os números absolutos e percentuais de exclusão da escola em 2010 são
relativamente baixos, se comparados com os montantes e taxas de não frequência apurados nos trinta anos
anteriores: “o Brasil chegou a 2010 com uma taxa de exclusão da escola para a população de 7 a 14 anos
equivalente a 11,3% do montante de 1980” (FERRARO E ROSS, 2017, p. 14).
20
4
ENEM – EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO
22
responsáveis pela elaboração deles, quando foram publicados, como surgiram e qual a
relevância deles para a presente pesquisa. Por meio desta discussão sobre cada um deles,
abordo quais são as visões de linguagem, leitura e aprendizado dos documentos, e se
esses documentos trouxeram avanços e retrocessos, pois a descrição deles é crucial para o
desenvolvimento desta tese.
Como se pode perceber, a investigação qualitativa demanda olhar para uma gama
de elementos que se entrecruzam na construção da interpretação. Dessa forma, um único
documento constitui fonte de grande análise. Acredito que o estudo da leitura pelos
documentos reguladores em atividades escolares pode trazer reflexão a essa discussão
mais ampla sobre os documentos oficiais, considerando-se que se trata de um construto
cognitivo já assumido por muitos pesquisadores como definidor de um processo de
leitura maduro (BOTELHO, 2017; GERHARDT, 2017; VARGAS, 2017), no qual o leitor
interage com o texto lido e que, portanto, deve ser bem conhecido e bem trabalhado em
sala de aula.
Logo, para o desenvolvimento desta pesquisa, optei por analisar os Cadernos de
atividades do ensino médio, produzido em 2010, na versão do professor, por conterem
sugestões de respostas e serem prescritivos, já que o dos alunos não possui as respostas
sugeridas e é autoinstrucional. A opção por recortar essa modalidade se deve a minha
busca em perceber, em que medida a leitura prevista nos documentos oficiais é abordada,
por meio das atividades roteirizadas.
A questão que guia as minhas observações será a de verificar que concepções de
leitura são trazidas pelo Caderno de atividades autorreguladas do governo estadual
voltado para o Ensino Médio. E, para tornar esse objetivo possível, tomei como corpus
essa produção da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Não pretendo,
entretanto, generalizar os resultados do estudo a ser realizado, de modo a estendê-los a
outros materiais didáticos, muito menos vislumbrar as práticas pedagógicas relativas à
leitura presentes nas aulas de Ensino Médio de escolas estaduais.
Assim, a presente tese está organizada em cinco capítulos e se assume como um
trabalho em Linguística Aplicada (LA): a teorização aqui feita perpassa diversas disciplinas
que são integradas ao texto através do resultado de pesquisas interdisciplinares que serviram e
servem de apoio à realização de meu estudo. Assim, utilizo uma abordagem que reconhece o
processo de construção de conhecimento como sendo, necessariamente, vinculado ao
compromisso com a vida social e, em especial, com a melhora da educação pública de nosso
país.
23
pensar formas de fazer pesquisa que sejam também modos de fazer política ao tematizar
o que não é tematizado e ouvir a voz de quem não é ouvido. E atravessar fronteiras no
campo do conhecimento, assim como na vida, é expor-se a riscos, ou seja, é um desafio
do trabalho interdisciplinar em Linguística Aplicada que deve ser encarado com
humildade e com alegria de quem quer entender o outro em sua perspectiva (MOITA
LOPES, 2006).
Saliento que não se trata de apagar aqui a relevância da Linguística como
disciplina, inclusive porque muitos dos conceitos em foco neste trabalho se inserem no
campo da Linguística. Além disso, inicialmente a Linguística Aplicada era uma área que
se construía como aplicação de Linguística ao ensino de línguas estrangeiras, não
afetando de início o modo de pensar o ensino de língua materna. Hoje, porém, a
Linguística Aplicada procura criar inteligibilidade sobre práticas sociais em que a
linguagem desempenha um papel central. Assim, fazer pesquisa nesse campo pode ser
uma forma de repensar a vida social, de planejar novos caminhos para a Linguística que
fujam do modelo ainda predominante.
Tal pesquisa exige, ainda, a possibilidade de integrar os pressupostos que
identificam o campo de conhecimento hoje conhecido como Linguística Aplicada. A
consideração da Linguística Aplicada como um campo no qual se insere esta pesquisa,
parte, então, desses movimentos de abertura e de autorreflexão a que todo linguista
aplicado precisa estar submetido. Conforme Moita Lopes (2006), se trata de incluir esta
pesquisa embasada em um conjunto de
Os debates sobre a escola me levam a crer que é do desejo e do interesse dos que
nela agem – alunos e professores –, usando os termos de Moita Lopes (2006),
transformá-la radicalmente. É possível perceber isso através de Movimentos como o das
ocupações das escolas pelos estudantes da rede pública estadual que aconteceram no ano
de 2016 e revelaram o sucateamento da educação no Brasil 5. Um momento político, que
5
Para mais informações, conferir https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/04/ocupacao-de-
escolas-e-legitima-diz-secretario-de-educacao-do-rj.html. Acesso em 17 de setembro de 2019.
29
tenho orgulho de dizer que fiz parte, em que os estudantes e profissionais da educação
lutaram através de greves e ocuparam os espaços escolares, a fim de serem ouvidos.
Observo, também, que é possível à Linguística Aplicada se instaurar como um
campo de pensamento sobre a pessoa, o que lhe permitirá politizar-se de uma maneira
antes não possível, na medida em que se incluem, para além da linguagem, as vozes
daqueles que têm sido, sobretudo, silenciados pelos sistemas opressores e
invisibilizadores. Sigo, dessa forma, o caminho proposto por Cavalcanti (1986), em texto
com apontamentos ainda válidos para a perspectiva elaborada sobre a Linguística
Aplicada:
O percurso de pesquisa em Linguística Aplicada tem seu início na detecção de
uma questão específica de uso de linguagem, passa para a busca de subsídios
teóricos em áreas de investigação relevantes às questões em estudo, continua
com a análise da questão na prática, e completa o ciclo com sugestões de
encaminhamento (CAVALCANTI, 1986, p.6).
permitiu que os linguistas aplicados passassem a se identificar como tais, não apenas por
pesquisas em sala de aula, mas justamente pelas suas ações de pesquisas definidas como
uma dinâmica articulatória entre as disciplinas abordadas para discutir um dado problema
e pela abertura à possibilidade de que suas práticas de pesquisa alterem a teoria.
Assim, a Linguística é diferente da Linguística Aplicada, porque a LA se faz em
um contexto de aplicação e não mediante a aplicação de uma teoria (MOITA LOPES,
1994, p. 102). A Linguística Aplicada Indisciplinar, ao se definir como uma forma de
olhar para as pessoas localizadas às franjas da sociedade e ouvir o que elas têm a dizer,
transforma o exercício de pesquisa num exercício ético. Dentro de linha semelhante de
discussão, é interessante observar, a partir de diversos apontamentos das ciências
cognitivas, que podemos assumir que todas as pessoas são reconhecidas nas práticas
sociais em que se engajam e que somos sempre interpessoas situadas e normatizadas
(SINHA, 1999; GERHARDT, 2014).
Situada nas humanidades e nas ciências sociais, preocupada com questões sociais
nas quais a linguagem tem o papel central, a Linguística Aplicada (LA) é uma área que
não “tenta encaminhar soluções ou resolver os problemas com que se defronta ou
constrói” (CAVALCANTI, 1998). Ao contrário, a Linguística Aplicada procura
problematizá-los ou “criar inteligibilidades sobre eles” (MOITA LOPES, 2006, p. 20).
Nesse sentido, a Linguística Aplicada pode nos auxiliar, inclusive, na formação de
inteligibilidade sobre as diversas políticas linguísticas que vem informando o ensino-
aprendizado de línguas na contemporaneidade.
Ao contrário do que muitas pessoas inadvertidamente pensam sobre política linguística
e como nos coloca Rajagopalan (2004), o termo ‘política linguística’ tem múltiplas acepções e
está sujeito a diferentes interpretações, pois a política linguística é frequentemente confundida
com a política da linguística. Esta envolve questões de interesse estrito de profissionais que
atuam no campo da linguística e diz respeito às questões que abordam, por exemplo, o
reconhecimento da disciplina junto às diversas instâncias do poder e a possível reserva de
mercado para os que possuem diplomas universitários na disciplina.
No entanto, um linguista, simplesmente por ter conhecimento científico sobre o
assunto, não pode ser considerado autoridade final em assuntos relativos a políticas
linguísticas, cujas questões envolvidas são muito mais complexas e não têm donos da última
verdade. Assim como aponta Rajagopalan (2004), o termo ‘política linguística’ é um tema
complexo que nomeia um ramo da política. E, dentro desse contexto, política linguística tem
tudo a ver com a política, entendida como uma atividade na qual todo cidadão, sem exceção,
32
tem o direito e o dever de participar em condições de absoluta igualdade, sem se importar com
classe econômica, sexo, orientação sexual, idade, escolaridade, e assim por diante. Esse
cidadão não só deve ter o direito de expressar suas opiniões livremente, mas também de ser
ouvido e respeitado por elas, por mais ultrapassadas ou ultrajantes que possam parecer.
No tocante ao conhecimento especializado, ao senso comum e ao espírito de
cidadania, o que está em jogo é o futuro de uma língua nacional ou outras questões de
tamanha importância sobre as quais todos os cidadãos, sem exceção, têm ou, se não têm,
devem ter direito igual e irrestrito de opinar. E numa democracia, todos os cidadãos têm o
mesmo direito de expressar suas opiniões e serem consultados na tomada de decisões.
Portanto, essa pesquisa assume que a língua nacional não é um assunto de ciência apenas; ela
pertence à esfera de política. Dizer que quem deve ter voz privilegiada em matéria de política
linguística é apenas o linguista e ninguém mais é um enorme equívoco. O linguista deve
entender a língua de modo mais integral, pelo simples fato de ter dedicado anos a fio ao seu
estudo. Mas isto não o qualifica como perito ou detentor de voz privilegiada na hora de “bater
o martelo” em discussões públicas a respeito, que são políticas por excelência. Por serem de
natureza política, todos os cidadãos têm o direito de serem ouvidos e seus votos contados em
caráter de igualdade como qualquer outro, inclusive o perito com seu mestrado e doutorado,
pois a democracia é um modo de governança em processo evolutivo constante, e ainda não se
inventou a democracia perfeita.
Além disso, é importante indagar o que se ensina e o que se aprende na escola e
questionar se as atividades praticadas nos colégios contemplam as experiências dos alunos
com leituras e textos dentro da escola, para a vivência da política linguística.
Geralmente, os alunos são vistos como se não possuíssem conhecimentos.
Gerhardt (2013) defende que,
Levantar essa discussão é importante para esta tese, pois é com base nessa fricção que
é possível analisar as atividades escolhidas do material didático do Estado e problematizar se
as atividades do Caderno contemplam as experiências dos alunos com leituras e textos dentro
da escola para a vivência da política linguística. Essas indagações sobre o papel da escola com
relação ao ensino-aprendizado de língua(as) e à política linguística são pertinentes porque o
ensino-aprendizado é um direito de todas as pessoas.
Ao pesquisar sobre as línguas, percebo que a prática de ensino de idiomas é longínqua,
mas o interesse pela pesquisa sobre o ensino de línguas é recente. Esse interesse continua nos
dias de hoje por causa da globalização. A Linguística Aplicada teve impulso há muito tempo e
se preocupava quase exclusivamente com o ensino de línguas. Enquanto isso, os Estados
Unidos se encarregaram de divulgar seu próprio idioma no mundo. O aspecto didático do
ensino era tradicionalmente vinculado à Linguística ou Pedagogia, e o linguista aplicado
gerenciava as duas áreas. Havia um descontentamento dos pesquisadores aplicados, pois as
disciplinas com os nomes de ‘aplicadas’ sempre sofreram certo preconceito por parte de quem
acha que fazer teoria seja infinitamente algo mais nobre e digno de um estudioso sério.
34
Agora vivemos novos tempos, novos olhares. Muito já mudou em relação ao ensino de
línguas. Hoje, a língua não é vista como natural, mas como ‘um construto linguístico-político-
retórico’, porque é um produto cultural (JOSEPH, 2006; RAJAGOPALAN, 2007). O ensino
de línguas, quer materna, quer estrangeira, é como parte integral da política linguística de uma
nação e há uma importância da dimensão política das línguas. As políticas linguísticas foram
à mola propulsora da consolidação das línguas nacionais. Segundo Sue Wright (2004), o
conceito de nação nasceu na Grécia Antiga, mas a questão linguística é que evidenciou os
objetivos geopolíticos. A língua nacional foi uma criação política, motivada pelos novos
desafios geopolíticos, as políticas educacionais foram cuidadosamente elaboradas e
zelosamente implementadas a fim de garantir as próprias identidades das nações europeias.
A língua é motivo tanto de unificação de povos comungados em sentimentos e
comprometimento com um destino comum, quanto do desentendimento entre povos
diferentes. Por esse motivo, Rajagopalan (2007) acredita ser mais apropriado falar em ‘ensino
de línguas’ como uma etapa do planejamento linguístico de uma nação, pois o conceito de
língua sempre foi aliado aos conceitos de comunidade, povo e nação. A língua e a política
estão inextricavelmente ligadas uma a outra. A política linguística envolve políticas e decisões
concernentes a línguas oficiais e padronizadas, planejamento linguístico e políticas
acadêmicas e educacionais ligadas às línguas e faz com que decisões importantes sejam
tomadas em resposta ao clamor que vem de baixo, do “povão”.
A própria sala de aula se transforma em um espaço para o exercício de política
linguística, onde o professor precisa escolher bem o caminho a ser seguido. O desafio
para o professor é como cumprir sua missão sem inadvertidamente e ingenuamente agir
como agente de forças opressoras, com suas metas nem sempre louváveis ou benéficas
aos aprendizes. O desafio para o aluno é como aprender a dominar a língua sem ser
dominado por ela. As formas como as línguas são encaradas e ensinadas como parte do
currículo escolar determinam como os alunos vão abordar sua própria identidade como
futuros cidadãos adultos, encarregados de participar nas decisões importantes relativas às
políticas internas e externas do seu país, e de conduzir os rumos do seu país no cenário
global. Seria de importância vital que aqueles que cuidam da elaboração dos currículos e
preparação de materiais didáticos se conscientizassem da natureza política do ensino de
línguas, para que não haja nem desperdício de esforços, tampouco incoerências entre as
diferentes etapas da execução das políticas educacionais. Tal como ressalta Rajagopalan
(2007), o ensino de línguas sempre foi e sempre será parte integral da política linguística
de um país soberano.
35
Nesta seção, meu olhar vai para os documentos oficiais que implementaram as
políticas linguísticas para o Ensino Médio em nível nacional e estadual, entendendo a
elaboração desses documentos como parte da política linguística. Analiso, nessa ordem,
PCNEM (2000), PCN+ (2002), OCEM (2004), DCNEM (2012a) e BNCC (2018) em
nível nacional. Em nível estadual, analiso o Currículo Básico/Mínimo do Rio de Janeiro.
A leitura dos principais documentos oficiais que têm regido o Ensino Médio nas últimas
duas décadas é essencial para o delineamento de toda a pesquisa. E é importante ressaltar
que tenho conhecimento do fato de que a BNCC não estava ainda homologada e
implantada no momento da elaboração dos Cadernos de atividades pedagógicas de
aprendizagem autorregulada do estado do Rio de Janeiro (2017), mas, por já estar sendo
planejado na época, esse documento pode apresentar os discursos em circulação sobre
ensino-aprendizado no período.
Diante disso, passo a analisar os documentos oficiais que implementaram as
políticas linguísticas para o Ensino Médio em nível nacional e estadual.
6
Ministério da Educação (BRASIL, 2000).
39
dos debates realizados nos Estados, coordenados pelos professores representantes, foi
realizada uma análise crítica do material, contendo novas questões e/ou sugestões de
aperfeiçoamento dos documentos. Tanto no nível acadêmico quanto no âmbito de cada
Estado, a metodologia de trabalho visava a ampliar os debates envolvendo os professores
e técnicos que atuavam no Ensino Médio.
Nesta primeira etapa concluída, os documentos foram submetidos à apreciação dos
Secretários de Estado em reuniões do CONSED7 e outras, organizadas pela Secretaria de
Educação Média e Tecnológica com esse objetivo específico. Por meio da participação
dos consultores especialistas em diversas reuniões nos Estados e pela divulgação dos
textos de fundamentação das áreas entre os professores de outras universidades ampliou-
se o debate.
Foram realizadas duas reuniões nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro com
professores que lecionavam nas redes públicas, escolhidos aleatoriamente, com a
finalidade de verificar a compreensão e a receptividade, em relação aos documentos
elaborados, concomitantemente à reformulação dos textos teóricos que fundamentavam
cada área de conhecimento.
Houve uma discussão sobre o projeto em debates abertos à população, como o
organizado pelo jornal Folha de S. Paulo no início de 1997. Neste debate, o professor
Ruy Leite Berger Filho apresentou a proposta de reforma curricular, do qual participaram
os sindicatos de professores, a associação de estudantes secundaristas, representantes de
escolas particulares e outros segmentos da sociedade civil, obtendo dos participantes uma
aprovação consensual.
A partir de inúmeras discussões internas que envolveram os dirigentes, a equipe
técnica de coordenação do projeto e os professores consultores, foram concluídos em
junho de 1997 os trabalhos de elaboração da reforma. O documento gerado foi
apresentado aos Secretários de Educação das Unidades Federadas e encaminhado ao
Conselho Nacional de Educação em sete de julho de 1997, solicitando-se o respectivo
parecer. A Secretaria de Educação Média e Tecnológica trabalhou, nessa etapa,
integradamente com a relatora indicada pelo Conselho, à professora Guiomar Namo de
Mello, em reuniões especialmente agendadas para este fim e por meio de assessorias
específicas dos professores consultores especialistas.
7
Conselho Nacional de Secretários de Educação.
40
como Bronckart (1999) e na educação, como Schneuwly (2004), quanto aos que se
encontram no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento, como é o caso de Vygotsky
(1998) e seus seguidores.
As OCEM consideram a leitura como ferramenta de empoderamento e inclusão
social. As atividades de compreensão e produção de textos levam o leitor a ter uma
relação íntima com a leitura. Assim, a leitura viabiliza nova significação para os
processos subjetivos do leitor e ele fala de si mesmo e do mundo que o rodeia através de
atividades de compreensão/produção de textos. A leitura está numa abordagem proposta
pelo interacionismo e o leitor compreende o que lê, é consciente, produz sentido, e não
apenas extrai do texto.
Toda a descrição do documento reforça meu interesse em verificar que concepções
de leitura e leitor são trazidas pelo Caderno de atividades pedagógicas de aprendizagem
autorregulada do governo estadual voltado para o Ensino Médio, articulando os
documentos oficiais e as atividades escolhidas. Apesar das considerações importantes
encontradas nas OCEM, o documento não parece ter surtido grande impacto em práticas
pedagógicas.
Considero importante mencionar que na prática pedagógica da maioria dos
professores o impacto dos documentos oficiais só se faz sentir, efetivamente, através de
currículos, livros didáticos ou quando há algum concurso de docentes, pois os
documentos em si, nem sempre são alvos de leitura pessoal e/ou discussões nos encontros
pedagógicos. Como evidência desse lamentável fato, confesso ter tido conhecimento
sobre as ponderações das OCEM somente durante o curso do Doutorado que me dediquei
à sua leitura. Faço questão de relatar isso por saber que é a realidade da maior parte dos
professores que, sobrecarregados com rotinas exaustivas em duas, três ou mais escolas,
dispõem de pouco ou nenhum tempo para atualizações profissionais. E hoje, enquanto
estou exercendo a função de diretora, consigo levar palestrantes ao colégio, em uma
semana dedicada à formação dos docentes, para que os meus colegas professores possam
ter conhecimento de diversos assuntos que eles não têm tempo para se atualizarem.
Passo agora à explicitação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (DCNEM) na próxima seção.
50
ensino da leitura no contexto de análise das diretrizes. Por se tratar de um texto de lei,
não há, no entanto, uma apresentação sobre visões específicas de linguagem, leitura e
aprendizado que fundamentem o desenvolvimento de práticas de ensino na escola.
As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) foram
homologadas no dia 20 de novembro de 2018, pelo ministro Rossieli Soares da Silva. O
parecer e o projeto de resolução foram aprovados pela Câmara de Educação Básica do
CNE no dia 8 de novembro de 2018 e têm a função de dizer como a Lei 13.415/2017
deve ser entendida e implementada pelos sistemas de ensino, redes e escolas.
As DCNEM mais recentes são as do Ensino Médio que orientam o planejamento
curricular das escolas que por sua vez também deveriam apresentar diretrizes curriculares
próprias. Assim, as escolas precisam trabalhar os conteúdos básicos nos contextos que
lhe parecerem necessários, considerando o perfil dos alunos que atendem a região em que
estão inseridas e outros aspectos locais relevantes. Porém, com a minha experiência como
professora do Estado do Rio de Janeiro desde 2009 vejo que as escolas não planejam seus
currículos próprios de acordo com o perfil dos alunos, nem de acordo com a região ou
local que eles vivem. O currículo mínimo/básico é elaborado para todas as regiões do
estado do Rio de Janeiro e para todos os alunos de igual forma, sem se preocupar com a
realidade em que os alunos vivenciam. No caso, por exemplo, da baixada fluminense, que
fica distante do centro do Rio de Janeiro e que a população é diferenciada por não ter
facilidade de acesso a certos produtos culturais, muitas vezes até às informações e a tudo
que é oferecido pelas grandes cidades, o currículo das escolas dessa localidade não difere
em nada do que é oferecido aos alunos da zona sul, que pela localidade têm um melhor
acesso às bibliotecas, teatros, museus etc. A realidade é que muitos alunos do Ensino
Médio na baixada fluminense só ouvem falar sobre o ENEM e o ingresso em
universidades quando estão nas escolas e se as escolas divulgarem isso a eles.
Infelizmente, a maioria está fadada a viver à margem, às franjas da sociedade por serem
esquecidos.
Da mesma forma que descrevi anteriormente os PCNEM (2000), os PCN+, as
OCEM e as DCNEM, descreverei, na próxima seção, suscitamente a BNCC, colocando as
ideias mais fundamentais para o meu trabalho.
52
ofertarem os cinco itinerários formativos. Como se isso já não fosse bastante prejudicial
ao ensino, apenas os componentes Português e Matemática são obrigatórios.
O que há por trás dessa não obrigatoriedade é possivelmente uma estratégia para
acabar com a falta de professores no ensino médio, pois hoje enfrentamos um grande
problema com poucos professores, principalmente nas áreas de física e química. Em
termos de números, a reforma parece que vai resolver a questão dos índices, das metas,
mas em termos de qualidade de ensino não resolve. Pelo contrário, essa medida obriga a
quem estuda no ensino básico público, por exemplo, a cursar apenas os itinerários
ofertados pelas escolas da sua região. E isso é muito grave, porque é não só um ‘boicote’
para o ensino médio público, mas também configura um ‘boicote’ ao acesso desses
alunos ao ensino superior, no momento em que as ações afirmativas, na forma de cotas
para estudantes de escolas públicas, cotas para negros e outras políticas de inclusão, dão
acesso para a população mais pobre às universidades públicas. Aos alunos das escolas
privadas, provavelmente será ofertado todo o itinerário formativo, pois tudo dependerá da
escola, e é claro, que as instituições particulares disponibilizarão todo o itinerário
formativo para seus alunos. Pois quando todos forem realizar as provas do ENEM, por
exemplo, todos os conteúdos serão exigidos na prova e o aluno oriundo da educação
pública não terá as mesmas oportunidades que o das escolas privadas, pois o
conhecimento lhe foi negado.
O contexto social em que a BNCC foi construída consiste em um momento
político-econômico brasileiro bastante caótico, devido ao fato de que no ano de 2016,
ocorreram várias manifestações que culminaram no impeachment da presidente Dilma
Roussef e com a posse do vice-presidente Michel Temer. Foram feitas alterações no
plano de governo, como a elaboração de novas normas trabalhistas, projetos de reformas
previdenciárias e corte severo de gastos, sobretudo nas áreas da educação, ciência e
saúde. Junto a isso, crimes de corrupção estavam sendo julgados e amplamente
divulgados na mídia brasileira e internacional. E, nesse contexto, o discurso da crise
financeira prevalece em todos os setores sociais. Enfim, há um clima de instabilidade
que, por conseguinte, acarreta mudanças extremas na vida dos brasileiros,
principalmente, na dos trabalhadores. A BNCC, desse modo, assim como qualquer texto,
não escaparia aos reflexos e refrações dessas situações. Assim, a BNCC Ensino Médio,
nos moldes que se apresenta atualmente, pode propiciar o desmonte da educação básica
pública. E, provavelmente, aumentará ainda mais o fosso que separa o ensino básico
público da educação particular das elites, pois foi nesse contexto político, marcado pela
56
8
http://www.rj.gov.br/web/seeduc
9
Os eixos são, quase em sua totalidade, gêneros textuais e períodos literários no Ensino Médio.
58
uso da língua e produção textual. Sua finalidade é orientar, de forma clara e objetiva, os
itens que não podem faltar no processo de ensino-aprendizado, em cada disciplina, ano de
escolaridade e bimestre.
No entanto, não há no documento qualquer indicação que permita ao professor a
escolha de uma habilidade como foco principal para a aula. Dessa forma, o Currículo
Básico não leva em consideração a realidade social do aluno e suas possibilidades atuais
e proximais com as práticas sociais nas quais a linguagem, a leitura e o aprendizado
sejam relevantes. Além disso, o documento parece não empoderar o professor, não
apenas por não possibilitar a escolha de enfocar mais (ou menos) em determinada(s)
habilidades e competências, mas também por determinar o gênero a ser trabalhado em
cada bimestre.
Na primeira, segunda e terceira séries do Ensino Médio, a visão de linguagem e
leitura do documento está especificada nas habilidades e competências de leitura e uso da
língua, como, identificar o sentido denotativo e conotativo da linguagem; reconhecer as
funções da linguagem: referencial, metalinguística, poética e emotiva; identificar figuras
de linguagem como antítese e paradoxo nos poemas barrocos; reconhecer as funções
referenciais, metalinguística e fática da linguagem; identificar as figuras de linguagem
presentes na estética romântica; reconhecer o emprego de figuras de linguagem na
estrutura de imagens sugestivas; empregar adequadamente a linguagem e os fatores de
textualidade como clareza e objetividade; identificar as figuras de linguagem (como
metáfora e ironia) que produzem diferentes efeitos estilísticos; relacionar os modos de
organização da linguagem às escolhas do autor, à tradição literária e ao contexto
sociocultural da época e identificar o jogo de palavras do Cultismo por meio da utilização
das figuras de linguagem.
Percebo, assim, que o currículo básico/mínimo apresenta uma visão de linguagem
paradoxal, mesclando estruturalismo, trazendo os fatos linguísticos com enfoque nas
estruturas e o sociointeracionismo através da interação social e uma visão de linguagem
como representação.
Diante do exposto e após apresentar os conteúdos procedimentos de leitura e uso
da língua no processamento do texto, que são primordiais para a verificação das
concepções de leitura e leitor trazidas pelo Caderno de atividades pedagógicas de
aprendizagem autorregulada do governo estadual voltado para o Ensino Médio e tem
como base o currículo mínimo/básico, ressalto a importância de que os professores
reinterpretem as orientações curriculares para que essas possam melhor responder às
59
situações locais, que não parecem ser flexibilizadas pelo projeto Currículo
Básico/Mínimo.
No próximo capítulo discorrerei sobre as visões de linguagem, leitura e
aprendizado.
60
2.1. Linguagem
Abordo nesta seção alguns conceitos a respeito do que seja a linguagem e exponho
também apontamentos elencando as principais visões de linguagem e de texto: (1)
linguagem como expressão do pensamento; (2) linguagem como instrumento de
comunicação; e (3) linguagem como forma ou processo de interação.
A esse respeito, Geraldi (1996) postula que, antes de qualquer atividade em sala
de aula, é necessário considerar que toda e qualquer metodologia de ensino relaciona-se a
uma opção política que envolve teorias de compreensão e de interpretação da realidade
com mecanismos usados em sala de aula. E, ao vislumbrar concepções de linguagem,
leitura e aprendizado no material didático do estado do Rio de Janeiro, deparo-me com
alguns conceitos que ultrapassam a discussão sobre a abordagem da linguagem e
esbarram na questão da política linguística e ensino-aprendizado de línguas no Brasil,
descritas no Capítulo 1. Logo, a discussão sobre a linguagem, que é um fenômeno social,
mostra-se, a mim, indispensável às discussões que pretendo tecer sobre a leitura e o
aprendizado no Caderno de Atividades Pedagógicas de Aprendizagem Autorregulada.
A visão de linguagem aqui abordada deriva-se em diferentes visões de texto.
Segundo Koch (2014) são três os principais conceitos de texto: (1) o texto como
representação mental do pensamento; (2) o texto como um simples produto de
codificação de um emissor a ser decodificado por um leitor/ouvinte; e (3) o texto como
lugar da interação.
Na década de 1960, no Brasil, a concepção de linguagem como expressão do
pensamento orientou muitos professores a realizar uma prática preocupada com o ensino
de conceitos normativos, voltados para o domínio da metalinguagem, centrando o
processo de ensino na transmissão de conhecimentos (ZANINI, 1999). De acordo com
Soares (1998), nesse período, o ensino de português concebia a língua como um sistema,
ou seja, o ensino da leitura e da escrita centrava-se em textos literários e no
reconhecimento de normas e de regras de funcionamento da língua, haja vista que os
alunos da época faziam parte de classes privilegiadas da sociedade que já frequentavam a
61
escola com certo domínio da ‘norma culta’. Nesse caso, a concepção de linguagem como
expressão do pensamento fez com que se tivesse o texto constituído da representação do
pensamento do produtor e visto como um produto do pensamento (representação mental)
do autor. É possível relacionar essa concepção de linguagem como expressão do
pensamento com a ‘concepção escolar’ em ensino (KLEIMAN, 2000), pois a concepção
escolar tinha como objetivo o domínio individual do código e via a escrita como um
conjunto de atividades para se apoderar do aprendizado da teoria gramatical que é a
garantia para se alcançar o domínio das linguagens oral e escrita, sendo a leitura uma
forma para exteriorizar o pensamento, avaliando-se o sujeito pela sua capacidade de
expressar-se oralmente (FUZA; OHUSCHI; MENEGASSI, 2011).
Nessa primeira visão, de linguagem como expressão do pensamento, o texto é a
materialização da representação do conteúdo mental do autor, restando ao receptor do
mesmo entender tal representação exercendo, pois, um papel passivo no processo de
leitura. Construindo a expressão no interior do pensamento, a exteriorização seria, então,
uma espécie de tradução das ideias contidas na mente. Essa visão de linguagem nos
apresenta um sujeito individualizado, pois enunciar é considerado um ato monológico,
que não é afetado pela presença do outro nem pelas circunstâncias sociais (AMORIM;
CARVALHO, 2010).
Já na segunda concepção, conforme Amorim e Carvalho (2010), a de linguagem
como instrumento de comunicação, a linguagem é considerada como um conjunto de
enunciados que, proferidos por um emissor, carregam uma mensagem a um receptor,
tendo este o objetivo de analisar os enunciados para a decodificação do significado.
Nessa concepção, a língua “é vista como um código, ou seja, um conjunto de signos que
se combinam segundo regras e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de
um emissor a um receptor” (TRAVAGLIA, 1996, p. 22).
Travaglia (1996) postula que a concepção de linguagem como instrumento de
comunicação separa o homem do seu contexto social, por se limitar ao estudo do
funcionamento interno da língua. Geraldi (1984) também expõe que a linguagem é
concebida como uma ferramenta, empregada para transmitir uma mensagem, uma
informação, utilizando a variedade padrão e desprezando-se as demais variedades
linguísticas.
Na concepção de linguagem como código, o texto é apenas um produto da
codificação de um emissor que deve ser decodificado pelo leitor/ouvinte. Para que isso
62
discurso de outrem. A linguagem passa, então, a ser vista como o ponto de tensão e
interação entre as vozes sociais. Nesta concepção dialógica de linguagem, o discurso se
manifesta por meio de textos, a enunciação e prática social são conceitos intrínsecos,
interligados, sendo que, desta maneira, o ato de enunciação é, na verdade, uma forma de
agir no mundo (AMORIM; CARVALHO, 2010).
Koch (2006, p. 17) afirma que o texto é visto como lugar de interação porque é a
partir dele que professor e aluno interagem e trocam informações. A preocupação básica
do ensino da língua materna é levar o aluno não apenas ao conhecimento da gramática de
sua língua, mas, sobretudo, à reflexão sobre a língua, de maneira crítica, sobre o mundo
que o cerca, feita mediante a compreensão, a análise, a interpretação e a produção de
textos verbais e, em especial, a utilização da língua como instrumento de interação social.
Assim, conforme Geraldi (1984), nessa concepção, o indivíduo emprega a linguagem não
só para expressar o pensamento ou para transmitir conhecimentos, mas também para agir
e atuar sobre o outro e sobre o mundo.
Na concepção interacional ou dialógica da linguagem, na qual os sujeitos são
vistos como atores/construtores sociais, o texto é enxergado como o lugar da interação
entre os interlocutores, sujeitos ativos que, dialogicamente, nele se constroem e são
construídos na interação autor, texto e leitor (KOCH, 2014, p. 17). Aborda-se o texto,
então, como uma dimensão discursiva, considerando-o, em suas múltiplas situações de
interlocução, como resultado de trocas entre as pessoas, situadas em um contexto
determinado, não mais como uma unidade fechada, acabada em si.
Retomando as colocações de Bakhtin (2006, p.15): “Eu sou na medida em que
interajo com o outro. É o outro que dá a medida do que sou.”. Isto foi confirmado pelos
PCN:
o uso da linguagem (tanto verbal quanto visual) é essencialmente determinado
pela sua natureza sociointeracional, pois quem a usa considera aquele a quem
se dirige ou quem produziu o enunciado. Todo significado é dialógico, isto é, é
construído pelos participantes do discurso. Além disso, todo encontro
interacional é crucialmente marcado pelo mundo social que o envolve: pela
instituição, pela cultura e pela história (BRASIL, 1998 p. 27).
coletivas, pelas quais as ações dos sujeitos são reguladas por outros sujeitos. Seguindo
esse raciocínio, pode-se entender, também, que o processo de desenvolvimento do sujeito
está imbricado em seu processo de socialização. Ou seja, é na interação em diferentes
instituições sociais (a família, o grupo de amigos, as comunidades de bairro, as igrejas, a
escola, o trabalho, as associações etc.) que o sujeito aprende e apreende as formas de
funcionamento da língua e os modos de manifestação da linguagem; ao fazê-lo, vai
construindo seus conhecimentos relativos aos usos da língua e da linguagem em
diferentes situações. Como somos pessoas cujas experiências se constroem num espaço
social e num tempo histórico, as nossas atividades de uso da língua e da linguagem, que
assumem propósitos distintos e, consequentemente, diferentes configurações, são sempre
marcadas pelo contexto social e histórico. Mas o fato de que tais atividades recebam seu
significado e seus sentidos singulares em relação aos contextos mais imediatos em que
ocorrem e ao contexto social e histórico mais amplo não elimina a nossa condição para
agir e transformar essa história, para ressignificá-la, enfim.
Isso significa que o professor precisa procurar, também, resgatar do contexto das
comunidades em que a escola está inserida as práticas de linguagem e os respectivos
textos que melhor representam sua realidade. Por meio dela, se assume que o aprendizado
da língua implica a apreensão de práticas de linguagem, modos de usos da língua
construídos e somente compreendidos nas interações, o que explica a estreita relação
entre os participantes de uma dada interação, os objetivos comunicativos que constroem e
as escolhas linguísticas a que procedem. Em outras palavras, a assunção desse ponto de
vista determina que o trabalho com a língua(gem) na escola invista na reflexão sobre os
vários conjuntos de normas – gramaticais e sociopragmáticas – sem os quais é impossível
atuar, de forma bem-sucedida, nas práticas sociais de uso da língua de nossa sociedade.
Os paradigmas estudados pelos autores coexistem no contexto da prática de uso da
linguagem e do ensino de língua materna, não havendo concorrência entre eles em um
dado momento histórico, mas a inter-relação para a efetivação do trabalho com a
linguagem. Interação que é o elemento primário de relações sociais para a efetivação dos
gêneros discursivos, em qualquer situação.
Conforme Zanini (1999, p.86), com minha concordância, diante das concepções
expostas, “não devemos condenar, nem desprezar o que foi feito, porque cada etapa
contribuiu de alguma forma para os professores que hoje lutam por uma escola melhor.”
67
2.2. Leitura
específicas. Durante esse processo, diversos tipos de conhecimento são necessários para
o processamento da leitura, tais como: lexical, sintático, semântico, textual,
enciclopédico, etc. Quando, no ato de construção de significações, um desses tipos de
conhecimento falha, outro é acionado para continuar o processo de leitura.
Sob o enfoque social, a interação vê a leitura como um processo sóciohistórico no
qual se dá ênfase às vozes de outros localizados na estrutura dialógica da linguagem. Para
este enfoque, o significado não está nem no texto, nem no leitor, mas nas convenções de
interação social em que ocorre o ato da leitura (LEFFA, 1999).
É preciso lembrar de que a leitura é uma necessidade e deveria ser um hábito
diário. E o ideal é que todos cultivassem o ato de ler para o aprimoramento de seus
conhecimentos. Assim sendo, um texto não pode ter a pretensão de esgotar a questão em
relação a suas múltiplas faces, que envolvem aspectos políticos e ideológicos, históricos
e sociais, globais e locais, acadêmicos e científicos. Se todos tivessem a leitura como
prioridade, criariam uma própria crítica daquilo que leem e aceitariam ou discordariam,
pois a leitura nos proporciona refletir sobre o que lemos.
Estas palavras reforçam a hipótese de que a escola parece estar cumprindo
somente a condição de alfabetizar, que é uma condição envolvida no ensino de leitura,
mas não é suficiente para a formação do leitor crítico e consciente. Pois, após aprender as
relações entre código oral e escrito, o aluno precisa, pelo letramento10, ser exposto a
diferentes materiais de leitura de modo que possa obter o referencial para o seu
pensamento.
Sendo assim, talvez os alunos queiram ler, mas pode faltar-lhes orientação e
acesso ao livro. Em um colégio onde as condições socioeconômicas dos alunos são boas,
de alto nível, contando com bons orientadores, coordenadores pedagógicos, que também
prestam serviços à área de leitura, pois sabem que esta se coloca no centro do
aprendizado, ocorre muito incentivo à leitura dos alunos. É fácil verificar, portanto, que a
diferenciação de classes sociais e a manutenção da hegemonia começam por aí: pelo fácil
acesso aos livros e pela melhor orientação de leitura que os alunos recebem na escola.
Parece que as classes mais desprivilegiadas não levam vantagem mesmo, porque
enquanto a elite realmente está lendo, o proletariado só se alfabetiza em um colégio onde
as condições socioeconômicas variam e não há orientadores educacionais, coordenadores
10
Letramento aqui é abordado conforme a definição de Magda Soares (1998, p. 39-40): o desenvolvimento
do uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais, sendo que o sujeito letrado vai além, sendo
capaz de dominar a língua no seu cotidiano, nos mais distintos contextos.
69
Assim, quando a pessoa procura uma palavra, ela arrasta junto com ela uma cena
inteira. Paralelamente aos frames, encontram-se os esquemas 12, que estão relacionados a
estruturas de “memória pessoal” e os frames, a estruturas de “memória social”. Leffa
(1999) diz que o conhecimento prévio está organizado na forma de esquemas. E esses
possibilitam que de forma econômica o cérebro, dentro de suas limitações, inventarie a
grande variedade das experiências vividas. Da mesma forma que o conhecimento prévio
de cenas nos possibilita cognizar sobre o que estamos lendo, a nossa própria leitura
também nos leva a construir cenas tão importantes quanto novas perspectivas de cena.
O desinteresse do aluno por aquilo que o professor pretende lhe ensinar acontece,
principalmente, por não conseguir entender a realidade que o professor descreve. É
importante que o aluno interaja de fato com o texto e, com isso, construa novos
significados e agregue-os à leitura inicial, tornando-a mais rica. E de posse de mais
informações do texto, possa compará-las da forma que julgar pertinente e, assim,
expressar e/ou escrever conscientemente e com segurança as suas próprias ideias.
Diante de todo o exposto, a tarefa da escola seria a de que o aluno do ensino
médio, que se prepara para, talvez, realizar as provas do ENEM ou ingressar no mundo
do trabalho, entenda que a leitura dos textos, das cenas e dos quadros apresentados nos
11
Os “frames” são sistemas de conhecimento altamente estruturados nos quais as pessoas confiam para
interpretar o mundo e gerar comportamento adequado (Lord e Foti, 1986; Gail e Sims Jr., 1991). São
também regras que direcionam o processamento de informações. Os frames organizam logicamente o
conhecimento na mente do indivíduo, que o suporta. (FUNCK & VARGAS, 2005, p.5).
12
Os esquemas constituem o modo como a memória de um indivíduo se organiza em termos de
experiências corpóreas e são estruturas cognitivas abstratas que permitem inúmeras realizações, com
ênfase no que é típico e genérico.
73
textos o auxilie, por meio das atividades de leitura, a compreender todos os elementos de
cena e do enquadre, a fim de obter do texto uma compreensão bem mais fiel.
2.3. Aprendizado
ambiente melhora e afeta seus saberes prévios, e essa melhoria em si modifica o ambiente
e as relações de co-participação à sua volta (GERHARDT, 2013, p. 92).
Para Chris Sinha (1999, p. 32-34), o aprendizado e a cognição como situados
implica, normalmente, repensar esses processos em termos de seu enquadramento pelo
contexto e pelas práticas sociocomunicativas, em contraposição às perspectivas
tradicionais que enfocam um sujeito individual, isolado. E repensar o aluno como
aprendiz-leitor é essencial para que ele seja valorizado como tal.
Portanto, com os trabalhos e pesquisas dos teóricos, somos ajudados a
compreender como estamos compreendendo, a entender como entendemos, a aprender
como aprendemos, e a ensinar como ensinamos. Além de nos preocuparmos com o que
ensinamos, é da ordem das preocupações do educador, em todas as suas funções,
investigar como ensinar e por que ensinar de tal forma o que ensinamos e como
ensinamos. Enfim, é preciso pensar sobre o que fazemos, para que fazemos e como
fazemos na prática do cotidiano das escolas. O envolvimento do professor é de suma
importância para melhorar as propostas de atividades de leitura, já que é exclusivamente
através do convívio com os alunos, que o professor pode desenvolver e dispor de uma
metodologia adequada para possibilitar o conhecimento.
Sendo assim, as teorias apresentadas contribuem de alguma maneira para a
formação dos professores e estudantes ao proporem a reflexão de diferentes abordagens
teóricas, através da compreensão e assimilação existente entre as principais teorias acerca
do desenvolvimento humano. A técnica da educação admite que os educadores façam
reajustes nas teorias, para que estas possam ser aplicadas de uma forma mais adequada
em relação aos alunos, levando em consideração o contexto escolar e social.
Dessa forma, noto, que do ponto de vista pedagógico, Piaget, Wallon, Vygotsky e
Skinner contribuem com suas teorias e ideias, de forma significativa, para a compreensão
do desenvolvimento humano no processo de ensino-aprendizado do aluno. Sugiro, assim,
que o professor compreenda as teorias da Psicologia da Aprendizagem para que possa
auxiliar melhor a sua prática pedagógica.
77
o PCNEM: o uso da língua só pode ser social, e o social, longe de ser linear, leva a
intricadas redes de significações. De qualquer forma, o sujeito que produz a linguagem é
único, bem como a situação de produção.
A partir de outras leituras, de seu conhecimento prévio e da sua leitura de mundo,
o sujeito entra no processo de elaboração de significados, criando seu próprio
conhecimento. Entendo, então, que tanto a comunicação quanto a leitura têm importância
fundamental na vida das pessoas.
Nos PCNEM (BRASIL, 2000), não são constatadas seções sobre leitura, escrita e
análise linguística, assim como ocorre nos PCN (BRASIL, 1998). De forma geral,
verifiquei a exposição da leitura de forma fragmentada, cabendo ao leitor complementar
as informações sobre ela.
A partir do exposto, destaco as características de leitura presentes nos PCNEM
(BRASIL, 2000), a saber, a Gramática é estratégia para
compreensão/interpretação/produção de textos, e a Literatura integra-se à área de leitura,
que está centrada na visão de linguagem como interação. A leitura leva à interação entre
textos e discursos e deve levar à formação do leitor crítico. Assim, a leitura é entendida
como meio de interação, cabendo ao leitor relacionar os conhecimentos teóricos e os seus
conhecimentos prévios.
Nos PCN+ Ensino Médio (2002), a visão de leitura e as interpretações adequadas
do mundo e dos textos fundamentam-se, em parte, no domínio desses conceitos e no
trabalho sistemático que se leve a cabo com sua utilização. Nas OCEM (2004) posso
ainda dizer que, por meio das atividades de compreensão e produção de textos, o sujeito
desenvolve uma relação íntima com a leitura – escrita –, fala de si mesmo e do mundo
que o rodeia, o que viabiliza nova significação para seus processos subjetivos. As OCEM
têm uma proposta de ensino e de aprendizado que busca promover letramentos múltiplos,
pressupondo conceber a leitura e a escrita como ferramentas de empoderamento e
inclusão social.
No contexto das DCNEM (2012a), na organização curricular, capítulo 7, seção
7.1, em meio às orientações para a elaboração coletiva do Projeto Político Pedagógico
das escolas, há também a determinação que evidencia a importância da valorização da
leitura e da produção escrita em todos os campos do saber; produção de mídias nas
escolas a partir da promoção de atividades que favoreçam as habilidades de leitura e
análise do papel cultural, político e econômico dos meios de comunicação na sociedade
(BRASIL, 2013, p. 178-179). É pertinente destacar, ainda, que neste documento
79
Como mencionado no quadro acima, nos PCNEM, quanto à leitura, são realizadas
menções bem pontuais e sintetizadas, como: os conteúdos tradicionais de ensino da
língua, ou seja, nomenclatura gramatical e história da literatura são deslocadas para um
segundo plano. O Estudo da gramática passa a ser uma estratégia para uma
compreensão/interpretação/produção de textos e a literatura integra-se a área de leitura
(BRASIL 2000, p. 18). O simples fato de decodificar já não é suficiente, é necessária a
interação entre textos e leitores, assim, o ensino da gramática deve ser realizado por meio
da leitura e da escrita de textos, de forma contextualizada.
81
Conforme exposto, compreende-se que nos PCN+ (2002), a leitura tem como foco
a formação de um leitor crítico, respeitando-se seu conhecimento prévio no processo de
leitura. Nas OCEM (2004) a leitura é ferramenta de empoderamento e inclusão social. As
atividades de compreensão e produção de textos levam o leitor a ter uma relação íntima
com a leitura. A leitura é valorizada em todos os campos do saber nas DCNEM (2012a) e
na BNCC (2018) a leitura deve intensificar a formação do leitor crítico e analítico. Os
papéis de leitor/autor e produtor/consumidor mesclam-se aos novos letramentos e
multiletramentos.
Em relação ao documento em nível estadual, o Currículo Básico/Mínimo (2017)
aborda em cada eixo as habilidades e competências, divididas em três blocos de
conteúdo: leitura; uso da língua; e produção textual com a finalidade de orientar, de
forma clara e objetiva. Mas o problema do Currículo Básico/Mínimo é que não leva em
consideração a realidade social do aluno e suas possibilidades atuais e proximais com as
práticas sociais nas quais a linguagem, a leitura e a aprendizado sejam relevantes.
Portanto, o que percebo, é que o ensino de língua portuguesa regido pelo Currículo
Mínimo/Básico impacta em práticas pedagógicas, pois o foco deixa de ser no aluno e nas
suas relações com a prática de linguagem. Na primeira, segunda e terceira séries do
Ensino Médio, a visão de linguagem e leitura do documento está especificada nas
habilidades e competências de leitura e uso da língua, isto é, a leitura não contribui para a
autonomia dos sujeitos, para a capacidade de análise crítica, não permite refletir sobre
questões da realidade que cercam o aluno e não considera as experiências dos
leitores/alunos. Isso é muito sério, pois vejo inúmeras lacunas neste documento que
embasa o material didático disponibilizado para os professores do estado do Rio de
Janeiro, meu objeto de estudo, o Caderno de Atividades Pedagógicas de Aprendizagem
Autorregulada.
Observo que os documentos de orientação do MEC (LDB, DCNEM, PCNEM,
OCEM e PCN+) não foram os referenciais externos prioritários para a elaboração do
Currículo Mínimo/Básico. Pois no currículo básico deixaram de lado a leitura, que é algo
muito amplo e não pode apenas ser considerada como uma interpretação de palavras
transformadas em som (decodificação); a leitura precisa contribuir para a autonomia dos
sujeitos.
Ao analisar o Currículo Mínimo/Básico (2017), reitero o que foi apontado por
Gerhardt (2013): “o foco dos planejamentos curriculares de língua portuguesa tem
recaído sobre a língua, e não sobre os alunos” (GERHARDT, 2013, p. 80). Desse modo,
82
Neste capítulo, apresento a metodologia sob a qual esta tese está construída, os
corpora selecionados para a construção da análise, os paradigmas e o método de
pesquisa. É importante destacar que desenvolvo a análise de alguns corpora que se
integram na prática de ensino trabalhada no Ensino Médio. A separação entre eles se dá
de maneira a que possamos entender como eles constroem uma cadeia de discursos que
se manifestam nessas práticas.
Esta tese se define como um trabalho da Linguística Aplicada, pois esse campo se
constrói com base numa mesma ruptura de fronteiras de observação dos problemas
relacionados à linguagem por ele recortado, incluindo a pessoa no centro do processo de
pesquisa no estudo do ser humano, em contraposição às epistemologias cartesianas e
positivistas, hegemônicas nas Ciências Sociais, como apontado por Gerhardt (2017,
p.01).
Além disso, a possibilidade de trazer para esta tese a definição da Linguística
Aplicada parte também do princípio de que ela não é disciplina, é uma área de
investigação e os pesquisadores de diferentes orientações teóricas e disciplinares se
convergem para a área Interdisciplinar em Linguística Aplicada. A Linguística Aplicada,
por estar aberta a influências e teorias de várias proveniências e origens, não está refém de
uma única teoria, de forma que para quem a pratica é possível adotar uma abordagem
teorizante em relação aos problemas relativos à linguagem.
Assim, essa tese se insere numa visão interdisciplinar de Linguística Aplicada, no
sentido de que deseja agregar campos disciplinares, continuamente se transformando,
porque deseja ousar pensar de forma diferente, para compreender o mundo atual e, assim,
não se pode ignorar que a vida escolar também é parte da vida cotidiana das pessoas. Esta
pesquisa, com base nisso, se insere nesta perspectiva de construção. Considero, assim,
que, se, por um lado, há necessidade de um compromisso do pesquisador com a vida
87
social, por outro, e como consequência, parte também da necessidade de que as pesquisas
reflitam “os anseios do momento histórico em que propomos e defendemos nossas
ideias” (RAJAGOPALAN, 2003, p.18). Nesse sentido, Paulo Freire nos diz, conforme a
frase utilizada na introdução desta tese, que se a educação sozinha não consegue
transformar a sociedade, sem ela a sociedade também não muda. E Moita Lopes (2006,
p.22) levanta a necessidade de se pensar novos percursos que interroguem a
modernidade, “acarretando profundos questionamentos sobre os tipos de conhecimento
produzidos e tentando explicar as mudanças contemporâneas que vivemos”.
Por isso, esta tese procura também contribuir para a construção de um pensar
sobre a linguagem que se coaduna com a necessidade de ouvir as vozes das minorias,
caracterizadas pelos estudantes oriundos das escolas públicas estaduais do Rio de
Janeiro, não só como uma forma de produzir conhecimento sobre eles, mas
principalmente pelo interesse em entender como os documentos oficiais e atividades
construídas para a população da escola pública brasileira no estado do Rio de Janeiro
podem ajudar à educação apresentando alternativas para o mundo em que vivemos. É
crucial pensar formas de fazer pesquisa que sejam também modos de fazer política ao
tematizar o que não é tematizado e ouvir a voz de quem não é ouvido. E atravessar
fronteiras no campo do conhecimento, assim como na vida, é expor-se a riscos, ou seja, é
um desafio do trabalho indisciplinar que deve ser encarado com humildade e com alegria
de quem quer entender o outro em sua perspectiva (MOITA LOPES, 2006).
A Linguística Aplicada procura criar inteligibilidade sobre práticas sociais em que
a linguagem desempenha um papel central. Assim, fazer pesquisa nesse campo pode ser
uma forma de repensar a vida social, de construir novos caminhos que fujam do modelo
ainda predominante. E a consideração da Linguística Aplicada como um campo no qual
se insere esta tese, dessa maneira, parte, então, desses movimentos de abertura e de
autorreflexão a que todo linguista aplicado precisa estar submetido. Trata-se, então, de
incluir esta pesquisa embasada em um conjunto de “teorizações que dialoguem com o
mundo contemporâneo, com as práticas sociais que as pessoas vivem, como também com
os desenhos de pesquisa que considerem diretamente os interesses daqueles que
trabalham, agem etc. no contexto de aplicação” (MOITA LOPES, 2006, p.23).
Os debates sobre a escola me levam a crer que é do desejo e do interesse dos que
nela agem – alunos e professores –, usando os termos de Moita Lopes (2006),
transformá-la radicalmente. Como exemplo disso, posso falar sobre os movimentos das
ocupações das escolas pelos estudantes da rede pública estadual que aconteceram no ano
88
entender a situação concreta em que se encontra hoje o ensino de leitura nas escolas
públicas do Rio de Janeiro; mas também (b) reflexões que busquem pensar outra
realidade possível, que parta da análise dos documentos oficiais, PCNEM (2000), PCN+
(2002), OCEM (2004), DCNEM (2012a), BNCC (2018), Currículo Básico/Mínimo e dos
pressupostos apresentados.
Em resumo, situada nas humanidades e nas ciências sociais, preocupada com
questões sociais nas quais a linguagem tem o papel central, a Linguística Aplicada (LA) é
uma área que não “tenta encaminhar soluções ou resolver os problemas com que se
defronta ou constrói (cf. CAVALCANTI, 2006). Ao contrário, a Linguística Aplicada
procura problematizá-los ou criar inteligibilidades sobre eles” (MOITA LOPES, 2006, p.
20). Acredito que a discussão que trago nesta tese sobre o ensino-aprendizado em leitura
nos documentos oficiais que regulam o Ensino Médio se encaixa perfeitamente nesse
paradigma, posto que uma metodologia amadurecida de ensino de leitura pode ser
plenamente desenvolvida em qualquer sala de aula deste país, independentemente das
condições tecnológicas, físicas e econômicas que ela venha a ter. Além disso, o ensino
que reconhece que a construção dos significados é a participação do leitor no processo de
leitura se substancia como a manifestação material e concreta da inclusão do aluno nas
aulas de leitura.
Na próxima seção, trago os caminhos metodológicos desenvolvidos nesta tese.
É importante assinalar que, dentro do caminho teórico apresentado nesta tese, faz-
se necessário entender, que é por meio dos paradigmas que os cientistas buscam respostas
para os problemas colocados pelas ciências. Os paradigmas são, portanto, os pressupostos
das ciências. Segundo Kuhn, os “paradigmas são as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções
modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1991, p.13).
Para ele, as ciências evoluem através de paradigmas. Ou seja, os paradigmas são
modelos, representações e interpretações de mundo, universalmente reconhecidas, que
fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade científica. Assim, mais
90
critérios para avaliar uma interpretação” (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 37), esta
pesquisa analisa os documentos oficiais e as atividades das seções destinadas ao estudo
do Caderno de atividades pedagógicas de aprendizagem autorregulada, através do olhar
de quem considera a importância da leitura como indispensável para a formação do aluno
concluinte da etapa referente à Educação Básica. Esse olhar guia-se por teorias voltadas
somente para a leitura, mas também para estudos relacionados aos processos inerentes ao
ensino-aprendizado, e em especial, ao escolar. Guia-se, também, por perspectivas que
consideram o impacto de políticas linguísticas destinadas ao ensino na formação de
cidadãos críticos, conscientes e capazes do pleno domínio da linguagem a fim de que
possam ocupar os espaços e as posições sociais que almejam.
Não se trata, entretanto, de partir de hipóteses pautadas nesses estudos e
perspectivas, mas de olhar para os materiais analisados, entendendo sobre como se dá a
transposição das orientações oficiais para as atividades que chegam às salas de aulas do
Ensino Médio e impactam na vida dos alunos. A perspectiva de pesquisa, nesse caso, é a
indutiva, ou seja, “uma abordagem para a relação entre teoria e pesquisa, na qual a teoria
é gerada a partir da pesquisa” (BRYMAN, 2001, p. 712). A indução, método bastante
comum nas pesquisas qualitativas, mostra-se adequada aos objetivos investigativos deste
trabalho que parte da interpretação decorrente da interação do pesquisador com os
documentos analisados, a fim de captar o fenômeno estudado a partir do diálogo ante as
perspectivas do pesquisador e aquelas contidas nos documentos, em um trabalho
hermenêutico e qualitativo.
Denzin e Lincoln (2006) definem a pesquisa qualitativa como um conjunto de
atividades interpretativas que não privilegia nenhuma única prática metodológica em
relação à outra. O método de pesquisa qualitativo é um método emergente, com questões
abertas, dados de entrevista, observação, documentos, audiovisuais e análise de textos e
de imagens, por isso, considero o mais apropriado aos objetivos desta tese.
Antes de prosseguir com as especificidades do método de pesquisa a ser utilizado,
considero relevante fazer uma breve definição sobre a abordagem utilizada nesta tese, a
fim de mostrar que a compreensão das características dessa abordagem pode contribuir
para o esclarecimento da escolha que realizei.
92
A presente tese seguiu as seguintes etapas: primeiro realizei uma pesquisa nos
documentos orientadores sobre a leitura, fiz um levantamento dos conceitos de leitura
presentes. Em um segundo momento, procurei verificar na literatura teórica os conceitos
de linguagem e de aprendizado. Tracei os objetivos da tese e depois analisei o Caderno
de atividades pedagógicas de aprendizagem autorregulada, o material do estado do RJ,
focalizando e contribuindo com as discussões fomentadoras de práticas pedagógicas nas
quais há espaço para que a leitura seja efetivamente vivenciada.
94
Não foi objetivo de esta análise desenvolver profundamente reflexões sobre novos
usos para os materiais didáticos em sala de aula. Acredito, porém, que aqui se abrem
portas para que elas sejam feitas posteriormente. Adiante, analisarei apenas como os
Cadernos de atividades selecionados para a construção desta tese apresentam o ensino de
leitura aos alunos, através da análise das atividades por eles propostas. Assim, em um
primeiro momento, analiso, especificamente, as atividades de leitura apresentadas e,
posteriormente, verifico que concepções de leitura e leitor são trazidas pelo Caderno de
atividades autorreguladas do governo estadual voltado para o Ensino Médio, com o
intuito de exemplificar e ampliar a discussão trazida.
Além disso, meu corpus, como já dito, é o Caderno de atividades pedagógicas de
aprendizagem autorregulada do governo estadual voltado para o Ensino Médio utilizados
pelo professor da rede estadual do Rio de Janeiro, com o objetivo de verificar que
concepções de leitura e leitor são trazidas pelo Caderno (do professor) selecionado para a
presente pesquisa.
A pesquisa utilizando o Caderno de atividades do professor se faz necessária
porque é o Caderno que vai apontar (mesmo que o professor não leia as respostas ou crie
práticas diferentes em sala) as visões com que esse material foi construído. Nesse
sentido, começo, na próxima seção, a abordar a escolha do Caderno de atividades.
podem ser implementadas no país, tanto no sistema formal de ensino como em projetos
que correm em paralelo ao sistema oficial. Concebo currículo básico como todas as
experiências organizadas pela escola que se desdobram em torno do conhecimento
escolar. Incluo no âmbito do currículo, assim, tanto os planos com base nos quais a
escola se organiza, como a materialização desses planos nas experiências e relações
vividas por professores e alunos no processo de desenvolvimento de habilidades da
linguagem e aprender conhecimentos, saberes. Nessa perspectiva, o professor encontra-se
necessariamente comprometido com o planejamento e com o desenvolvimento do
currículo, pois precisamos discutir a pessoa. Para isso, conforme Gerhardt (2017), alinho-
me à Linguística Aplicada que discute porque os corpos, os seres humanos estão
presentes, mas os saberes estão excluídos.
Ciente das dificuldades envolvidas em qualquer categorização, bem como das
superposições que inevitavelmente ocorrem, verifiquei as temáticas predominantes nos
bimestres do currículo básico e do Caderno de atividades.
O Caderno de atividades de aprendizagem autorregulada é um material didático
elaborado pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, para uso em turmas
de ensino médio e fundamental e se constitui como uma coletânea de exercícios e
avaliações para serem feitas pelos alunos. Analisei os Cadernos do professor, dos quatro
bimestres da 1ª, 2ª e 3ª série do ensino médio. Como docente e diretora da rede estadual
do Rio de Janeiro tive a oportunidade de conhecer os materiais produzidos pela
SEEDUC-RJ e observar de que forma eles são utilizados no cotidiano escolar do colégio
estadual onde trabalho.
Como não há, ainda, investigações desse material, de acordo com os dados
fornecidos pelo banco de teses da Capes (PORTAL CAPES, 2016), atentar para essa
produção da SEEDUC-RJ é uma maneira de contribuir com a conscientização dos
professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro acerca das práticas da
Secretaria.
A investigação realizada enfoca o Caderno da 1ª, 2ª e 3ª série do ensino médio,
pois se trata do final do segmento da Educação Básica, funcionando como uma conexão
entre o ensino fundamental, o médio e o pré-universitário e também verifico que
concepções de leitura e leitor são trazidas pelo Caderno de atividades.
A presente pesquisa visa, também, a contribuir para a tomada de consciência dos
professores que a lerem, possibilitando-lhes ter uma visão crítica acerca do material,
assim como, compreender os não ditos que permeiam o discurso da SEEDUC-RJ,
96
colaborando para uma prática docente mais conscientizada, por meio da análise do
Caderno de atividades de aprendizagem autorregulada – Caderno do professor.
De maneira mais específica, busco neste capítulo colaborar para a compreensão da
forma como se constrói o Caderno de atividades pedagógicas de aprendizagem
autorregulada, por meio dos enunciados que circulam no Caderno do professor,
identificando quais concepções de leitura se manifestam nesse material. E, para tornar
esse objetivo possível, utilizei essa produção da Secretaria de Educação do Estado do Rio
de Janeiro.
97
13
docenteonline.educacao.rj.gov.br
98
O Caderno foi investigado por meio dos recortes feitos pela pesquisadora, e a
análise foi feita em diálogo com os conceitos de leitura, de modo específico, e de
linguagem e aprendizagem, de modo secundário, com o intuito de refletir sobre o
material produzido pela SEEDUC-RJ e verificar que concepções de leitura e leitor são
trazidas pelo Caderno de Atividades Pedagógicas de Aprendizagem Autorregulada do
governo estadual voltado para o Ensino Médio.
Tomando como base o Currículo Básico/Mínimo, a Secretaria de Educação do
Estado do Rio de Janeiro - SEEDUC-RJ elaborou o material didático intitulado Caderno
de Atividades Pedagógicas de Aprendizagem Autorregulada, com o intuito de estimular o
113
14
www.rj.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=34cf5121-9cea-44f3-a484
116
Introdução do próprio Caderno, há uma orientação que explicita quem faz a aplicação do
material:
Caro(a) Tutor(a),
[...] A nossa proposta é que você atue como tutor na realização destas
atividades com a turma, estimulando a autonomia dos alunos nessa empreitada,
mediando às trocas de conhecimentos, reflexões, dúvidas e questionamentos
que venham a surgir no percurso. Esta é uma ótima oportunidade para você
estimular o desenvolvimento da disciplina e independência indispensáveis ao
sucesso na vida pessoal e profissional de nossos alunos no mundo do
conhecimento do século XXI. (SEEDUC-RJ, 2013, p.3)
Orientação didático-pedagógica
1° - Explique aos alunos que o material foi elaborado que o aluno possa
compreendê-lo sem o auxílio de um professor (SEEDUC-RJ, 2013, p.6).
etc.” (PERRENOUD, 1999, p.25). Dessa forma, tudo o que fazemos se insere, de alguma
forma, nessa concepção de competência. A partir do momento que esses esquemas se
tornam rotinizados, passam de competências a habilidades:
A partir do momento em que ele fizer "o que deve ser feito" sem sequer pensar,
pois já o fez, não se fala mais em competências, mas sim em habilidade ou
hábitos. [...] Em certo sentido, a habilidade é uma "inteligência capitalizada",
uma seqüência de modos operatórios, de analogias, de intuições, de induções,
de deduções, de transposições dominadas [...] (PERRENOUD, 1999, p.28;33)
de discursos que se constituem uns a partir dos outros, o que reforça o caráter
essencialmente dialógico dos Cadernos.
A partir dessa organização, sigo com o detalhamento dos objetivos e as atividades
que permitem a compreensão de como a leitura é apresentada e abordada no Caderno e no
Currículo através de quatro Quadros, um por bimestre para cada série do Ensino Médio.
Nesses Quadros, é possível identificar como a leitura está presente no Caderno e no
currículo, acerca de diferentes assuntos.
subtema.
Distinguir um fato da opinião relativa
a este fato.
Reconhecer a importância dos
argumentos para a defesa e consistência dos
pontos de vista defendidos.
Fonte: Elaboração própria.
Cadernos que selecionei para estudo são da primeira série, da segunda série e da terceira
série do Ensino Médio, em que em cada série foi analisada uma ou mais questões de cada
bimestre.
sugerida por questões de ordem prática e pela possibilidade mais imediata de participação
social (BRASIL, 1998, p. 20).
A questão dessa atividade deixa evidente que tem como principal fonte de
resposta o conto “A causa secreta”, de Machado de Assis. Porém, não parece que a
pergunta faz menção ao conhecimento prévio do aluno em termos do acionamento de
informações relativas ao contexto atual, por exemplo. Dessa forma, ultrapassa-se o
escopo do foco na leitura sugerido pelos PCN. Não há, nessa questão, por exemplo,
nenhum tipo de enfoque nos processos de construção cultural e identitária do aluno no
mundo enquanto ser social. A ênfase na questão textual é prevista pelos PCN (BRASIL,
1998, p. 31); entretanto, recomenda-se a compreensão do texto enquanto parte do mundo
discursivo e sócio-histórico.
No 3º bimestre, da 2ª série, o Caderno aborda as estéticas do Parnasianismo e do
Simbolismo e o gênero canção. Na primeira parte deste material, há exemplares da
produção poética parnasiana, da poesia simbolista e das correntes literárias para a cultura
brasileira. Na segunda parte, as atividades são sobre o modo de organização de uma
canção, seu recurso expressivo, suas figuras de linguagem mais frequentes, bem como
sua relação com a poesia. Com relação à literatura, o Caderno contempla as habilidades
de estabelecer relações entre a estética parnasiana e os conceitos da Belle Époque e da
Art Nouveau, e analisa textos simbolistas, identificando recursos ligados à musicalidade.
Em relação à leitura nesse bimestre, as atividades levam o leitor a ter uma relação íntima
com o texto. O leitor fala de si mesmo e do mundo que o rodeia através dessas atividades.
Ele é consciente, produz sentido, e não apenas extrai do texto. O leitor é um agente de
sua própria leitura e é capaz de realizar inferências, conforme as OCEM e DCNEM
orientam.
atividade ocupou quatro páginas porque reproduziu fragmentos dos trechos I e II da obra.
Antes da atividade, há um resumo sobre o autor Guimarães Rosa e sobre a geração do
pós-modernismo literário. No início da atividade há apenas o comando da questão,
indicando a leitura dos dois trechos da obra “Grande sertão: veredas”, conforme a figura
acima. Com relação às concepções de leitura nesse bimestre, a leitura é concebida como
uma forma de interação entre o texto e o leitor, conforme os PCN+ e os PCNEM.
No Caderno de Atividades do 3º bimestre da 3ª série, o aluno aprende sobre a
cosmovisão africana e indígena, assim como lendas e provérbios. Além disso, ele
conhece as principais características, marcas linguísticas e recursos expressivos
expressos pela literatura africana e indígena. Por último, ocorre um reforço do estudo de
conectores e coesão textual, assim como tese e argumento em texto dissertativo-
argumentativo.
Vale dizer que essa atividade apresenta um modelo que requer uma leitura do
texto. Quando a questão solicita a produção de inferências, como na questão 3, da página
39 do Caderno do 3º bimestre da 1ª série, isso se desenvolve a partir da leitura do texto
do exercício e do texto explicativo. Reconheço, em grande parte dessa atividade,
solicitação de pergunta relacional, entre conteúdo teórico em literatura e conteúdo dos
textos. Há solicitação dos conhecimentos prévios dos alunos, em termos das leituras
anteriores, mas não das suas experiências cotidianas para construir significados, o que
pode gerar algum tipo de problema para a construção de significados, pois o aluno não
teria uma referência a ser articulada com o material lido. Penso que esse fator tem em
vista uma sistematização sobre o ensino de leitura em que deveria haver uma exploração
prévia dos conhecimentos trazidos pelo aluno, para seguir ao recorte de informações e
solicitação de inferências. Em relação à leitura nesse bimestre, conforme os PCNEM e as
DCNEM, ler é construir significado, a literatura nas atividades do Caderno integra-se à
área de leitura, e as práticas de leitura são consideradas como competências e
habilidades.
De acordo com o Caderno de Atividades do 4º bimestre da 3ª série, o aluno será
capaz de reconhecer as características e as etapas básicas do texto dissertativo e a
identificar os diversos sentidos que os conectivos atribuem aos textos. Na segunda parte,
vai aprender a reconhecer as intencionalidades no texto através de vários recursos
linguísticos.
Para a análise, busquei verificar quais concepções de leitor e leitura são trazidas
pelo Caderno de atividades pedagógicas de aprendizagem autorregulada do governo
estadual voltado para o Ensino Médio, e se essas concepções estão pautadas nos
documentos oficiais. Na verdade, essa problematização é fundamental para a
compreensão de como o Caderno de atividades funciona e de como ele pode funcionar de
uma melhor maneira, a partir da consciência de que “todo evento de linguagem evidencia
e deflagra, a um só tempo, modelos e planos de realidade e de compreensão da
representação linguística, envolvendo conhecimentos sistematizados de mundo que se
articulam via processos cognitivos intra e interdominiais, e gerando diferentes qualidades
de interpretação, relacionadas às condições pragmáticas de validação de cada construção
linguística” (GERHARDT, 2006, p.02-03).
Como destaca Botelho (2015), ao ensinar a leitura através de uma concepção de
texto como produto acabado e como repositório de informações, a escola, metonimizada
159
pelo livro didático (VARGAS, 2012), acaba não contribuindo para a realização de uma
leitura criativa, reflexiva ou mesmo para que os alunos construam significados a partir do
que leem. Isso também se constata nos Cadernos de aprendizagem autorregulada:
As atividades (...) formam um leitor que não atua sobre o texto e que não
constrói reflexões sobre o que leu, mas que aprende somente a reproduzir
informações que o texto lhe transmite e que não interpreta de forma autônoma a
partir do que leu (BOTELHO, 2015, p.31).
É o que ocorre nos Cadernos. Os textos são tomados como algo dado, e o aluno
não é encarado como capaz de produzir significados ao interagir com ele. Noto que, no
Caderno de atividades assim como nos livros didáticos, o aluno como produtor de
significados também não existe nas aulas de leitura, sendo o seu papel apenas reproduzir
os significados dados pelo texto e confirmados pelo professor ou pelo material didático
utilizado. Assim, em resumo, não se reconhece “a leitura como uma ação que envolve a
participação ativa da pessoa que lê na construção dos significados” (GERHARDT,
BOTELHO e AMANTES, 2015, p.181). Essa visão reprodutora é claramente
demonstrada quando se observa que não há, nas atividades de leitura, a apresentação para
os alunos de objetivos claros para sua realização (BOTELHO, 2015; GERHARDT,
BOTELHO e AMANTES, 2015).
Como dito anteriormente, a concepção de leitura dos Cadernos não nega o fato de
que haja uma real interação entre leitor e texto, ou entre a informação visual e os
conhecimentos prévios do leitor durante o processamento da leitura. Entretanto, essa
premissa não se concretiza em suas atividades.
Em uma perspectiva mais ampla, a visão de leitura como produto, assumida na
prática pelos Cadernos, leva ao que Gerhardt, Albuquerque e Silva (2009, p.89) apontam:
a escola, geralmente, é posta como um cenário de desencontros e falta de diálogos; a
escola fala uma língua, o aluno outra; a escola suscita dele pensamentos alienígenas à sua
vida, e ele, evidentemente, se mantém no lugar de onde veio, e esse estado de coisas se
repete sem que a parte realmente responsável por uma mudança de olhar e de atitude
reconheça as suas responsabilidades. De forma que o aluno sai da escola sem ter
verdadeiramente em algum momento entrado nela.
Também observo no Caderno de atividades uma concepção de leitura e de
compreensão oral que diferencia níveis tomados nessa tese como indissociáveis e que
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS
apresentado se deu em função da busca por, nas palavras de Moita Lopes (2006, p.86),
“criar inteligibilidades sobre a vida contemporânea ao produzir conhecimento e, ao
mesmo tempo, colaborar para que se abram alternativas sociais com base nas e com as
vozes dos que estão à margem”.
Essa pesquisa contou com as seguintes etapas metodológicas: levantamento dos
conceitos de leitura presentes nos documentos orientadores. E em um segundo momento,
verificação na literatura teórica dos conceitos de linguagem e de aprendizado. Por fim,
análise do Caderno de atividades pedagógicas de aprendizagem autorregulada,
focalizando e contribuindo com as discussões fomentadoras de práticas pedagógicas nas
quais há espaço para que a leitura seja efetivamente vivenciada. Não foi o objetivo de
esta análise desenvolver profundamente reflexões sobre novos usos para os materiais
didáticos em sala de aula. Acredito, porém, que aqui se abrem portas para que elas sejam
feitas posteriormente.
Entendendo que, no mundo de hoje, a escola, em especial a escola pública, ainda
tem um papel fundamental na construção das possibilidades de vidas dos alunos que
estão à margem dos processos de globalização e que, no Brasil, ela tem cumprido muito
precariamente seu papel, gerando, entre outras razões, o silêncio e a exclusão em sala de
aula.
Considerando que a sala de aula pode e deve ser um espaço de voz para os alunos
e de construção crítica de questionamento da realidade que lhes traz sofrimento, não foi
meu objetivo encontrar soluções rápidas e resolver todos os problemas apresentados pela
educação do estado do Rio de Janeiro. Entretanto, acredito que, colocando o foco sobre a
leitura no material didático fornecido às escolas públicas do Rio de Janeiro, posso trazer
fricções relevantes para a situação de descaso que hoje se apresenta na escola brasileira e
vislumbrar alternativas para que haja alterações nos documentos analisados nesta tese.
O Caderno de atividades é um documento com o qual estou em desacordo, pois as
atividades são usadas para recuperação dos estudos (recuperação paralela), progressão
parcial (dependência) e até para substituir um professor quando há carência na escola,
conforme foi explicitado na tese no capítulo quatro, seção 4.2.
Nos dias de hoje, é possível observar, por exemplo, que o livro didático, além de
ser um artefato de uso escolar, é um produto que movimenta grande quantia de valores no
mercado. A sua elaboração é realizada em meio a uma arena de lutas onde entram em
jogo interesses advindos de setores educacionais, editoriais e comerciais. Nessa arena, na
qual se movimentam forças de diferentes instâncias sociais, o principal agente de
164
15
Ver em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/01/11/mec-estuda-descartar-29-milhoes-de-livros-
didaticos-ainda-nao-utilizados-diz-jornal.ghtml. Consultado em 11/01/2020.
165
entregue aos alunos das escolas públicas e custou cerca de R$ 20 milhões e as edições
compradas estariam desatualizadas para uso. Confirmando, assim, o que presencio há
anos no colégio em atuo como diretora, ou seja, os alunos não recebem todos os livros
didáticos e isso é fruto da precariedade que se dá em relação ao trabalho com a leitura na
escola brasileira.
Ao assumir que a leitura, assim como a escola, não está a serviço da formação de
seres mais inteligentes ou de seres menos inteligentes, mas sim da formação de pessoas
que pensem sobre como podem usar melhor seu potencial, é possível, portanto, imaginar
caminhos que levem, de fato, a que os aprendizes de uma língua estrangeira (ou mesmo a
materna), como defende Rajagopalan (2013), dominem a língua aprendida sem serem
dominados por ela. Entretanto, tais caminhos não são os mesmos pelos quais nossos
estudantes estão passando na escola de hoje.
Entendendo que, no mundo de hoje, a escola, em especial a escola pública, ainda
tem um papel fundamental na construção das possibilidades de vidas dos alunos que
estão às franjas dos processos de globalização e que, no Brasil, ela tem cumprido muito
precariamente seu papel, foi minha intenção, em cada capítulo, em cada seção e em cada
subseção anteriormente apresentados, problematizar o objeto central desta tese, mas tal
objeto, por sua vez, não foi escolhido aleatoriamente. Ele foi fruto de minhas
experiências em sala de aula e de meu processo de formação como pesquisadora dentro
do mestrado PROFLETRAS da Rural e do doutorado em linguística aplicada da UFRJ. A
escolha do objeto se deu justamente porque, tanto em meus estudos como em minha
prática como professora em diferentes etapas de ensino, ele se mostrou um importante
instrumento para a ruptura com uma lógica escolar, que, buscando o controle sobre o
aprendizado dos alunos, gera o silêncio e a exclusão.
O Caderno de atividades que hoje circula nas escolas estaduais se desenvolveu
justamente para suprir a precariedade da entrega dos livros didáticos aos alunos. Logo, o
livro didático e o Caderno servem à precariedade da escola brasileira, que não pode ser
ignorada. A compreensão dessa trajetória me fez construir essa pesquisa através de um
duplo olhar sobre o Caderno de atividades: de um lado, não cair em um discurso fácil que
recrimine sua presença em sala de aula e que o exclua, de outro, não recair em uma
crítica que culpabilize o livro didático pelos problemas que venham a ocorrer em seu uso
e que jogue sobre ele toda a responsabilidade do processo de seleção e de uso dessas
obras.
166
Então, cabe também dizer que não foi minha intenção atacar os autores ou as
editoras que produziram os livros didáticos, justamente por entender todo o panorama
histórico que leva à inserção desse objeto na sala de aula brasileira tal e como ele se
apresenta hoje e por entender a trajetória da inserção do livro didático, é que não posso
deixar de enxergar esses objetos como manifestando visões de aprendizado, de interação,
de linguagem etc, de um tempo, de uma cultura. Por isso, postulei nas considerações
finais um breve comentário sobre os livros didáticos e o PNLD, que julguei informações
importantes para cotejar com o Caderno de atividades analisados aqui. Sem personalizar
a discussão, foi minha intenção entender como os livros didáticos são aprovados e
escolhidos para serem utilizados nas escolas públicas estaduais para que seja possível
pensarmos nos Cadernos de atividades.
Como dito anteriormente, a leitura foi focalizada por mim porque acredito que ela
consegue, na escola de hoje, ser uma porta para um processo de início de reconstrução da
realidade precária que vivemos na educação. Parto do princípio de que a leitura pode ser
trabalhada com qualquer material didático, em qualquer sala de aula de qualquer escola
brasileira, e pode, portanto, ser um meio para que a educação se desenvolva
minimamente neste espaço. Para isso, porém, torna-se necessário incluir verdadeiramente
os alunos e possibilitar o exercício do agenciamento de seus processos de aprendizado
(GERHARDT, 2013) ou, em outras palavras, proporcionar a eles a capacidade de
desenvolver formas de resistência para que decidam o que é melhor para si
(RAJAGOPALAN, 2003).
Ao longo desta tese, porém, espero ter conseguido mostrar quais são as atividades,
efetivamente, que auxiliam os alunos na construção de sua relação com os textos lidos.
Por conta de toda a trajetória anteriormente descrita, são as atividades apresentadas nos
livros didáticos e/ou nos Cadernos de atividades que deveriam ensinar para o aluno como
ele deve se comportar como leitor, como aprendiz e, prosseguir como deve se comportar
como cidadão, como trabalhador etc.
Entretanto, não se pode negar o importante papel que cumpriram historicamente
para o ensino-aprendizado da leitura no Brasil os documentos oficiais e o processo de
avaliação do PNLD. O interesse por um estudo mais centrado no trabalho desenvolvido
no Caderno de atividades surgiu, então, nesse momento.
Essa pesquisa revela a pouca importância que é dada ao aluno-aprendiz durante o
processo de ensino. A consequência dessa situação de ensino de leitura na escola é que
esse tipo de prática, que coloca o aluno-leitor no lugar de mero decodificador de signos
167
prática que representa uma política linguística contra a qual precisamos lutar
emergencialmente.
Não pretendia fazer aqui nesta tese uma leitura crítica exaustiva dos documentos
reguladores oficiais, apenas pontuar as questões mais interessantes para os
encaminhamentos desta pesquisa. Nesse sentido, cabe salientar que os parâmetros
(PCN+) elegem a habilidade de leitura como a principal habilidade a ser aprendida na
disciplina escolar de Língua Portuguesa, o que se encaixa perfeitamente com a discussão
feita aqui. Assim, caberia perguntar como processualmente a escola contribuiria para essa
construção a partir da concepção posta no documento de como tal construção se daria.
Entretanto, não há resposta explícita para isso. Os Parâmetros explicam que os
conhecimentos “compõem a competência comunicativa do aluno e o preparam para o
engajamento discursivo” (BRASIL, 1998, p.29). Não há uma discussão sobre os aspectos
cognitivos envolvidos na construção desses conhecimentos.
A análise sobre as evidências de leitura nos documentos oficiais, assim como
sobre sua influência na formação leitora dos alunos também foram indispensáveis para a
construção da presente tese. Por isso, escolhi os documentos oficiais nacionais e estadual
como fontes de referencial teórico e já analisado nesta tese no capítulo I, seção 1.2.1,
pois considerei relevantes nessa trajetória da pesquisa os PCNEM, PCN+, OCEM,
DCNEM, BNCC e CURRÍCULO MÍNIMO/BÁSICO.
Os alunos precisam de atividades que evidenciem uma utilidade prática na vida
deles, mas eles desconhecem a importância da leitura. E é justamente aí que reconheço a
relevância da escola. O Caderno é um instrumento de ensino e de avaliação, por isso, é
crucial se inteirar sobre esse material.
Desse modo, é necessário que os professores reinterpretem as orientações
curriculares para que essas possam melhor responder às situações locais, o que não
parece ser flexibilizado pelo projeto Currículo Mínimo/Básico, por exemplo. E é
essencial lembrar que os conteúdos descritos nesse documento são cobrados em
avaliações universais aplicadas em toda a rede estadual para se testar a qualidade do
ensino no Estado do Rio de Janeiro.
Os professores da rede estadual precisam se conscientizar acerca das práticas da
SEEDUC/RJ, e é importante se inteirarem sobre o Caderno de atividades, pois é um
material utilizado pelo professor e que propicia aos alunos enxergarem a sociedade bem
como os inserem nela. A escola é o lugar de empoderamento e inclusão social e o
Caderno tem pouca contribuição para o ensino-aprendizado da leitura. A leitura é um
169
direito que em muitos contextos só se tem conhecimento através da escola e essa é uma
das funções da escola em relação à leitura, pois ela é essencial na vida das pessoas.
Nesse sentido, entendo que uma concepção de leitura sempre emerge dos
discursos sobre o ensino que circulam no Brasil. Além disso, é importante também que se
abram oportunidades para que sejam divulgados os resultados de pesquisas
contemporâneas.
Com este estudo, espero contribuir para investigações futuras nos campos da
Linguística Aplicada. Além disso, tenho a expectativa de que a pesquisa possa inspirar
trabalhos futuros, voltados para incentivar a leitura dos alunos. Acredito na ideia de que
somente a e pela educação que conseguiremos reescrever a vida social. Assim, quem
sabe, outras narrativas acerca de quem somos e quem podemos ser possam ser contadas.
Destaco, ainda, a contribuição da pesquisa para a melhoria no ensino-aprendizado
escolar e as perspectivas futuras de análise que os resultados da pesquisa poderão
apontar, sempre valorizando os alunos.
A ponderação que se faz ao fim de todo esse processo é que o caminho da leitura
não deve ser abandonado. Na verdade, o caminho precisa ser percorrido mais vezes, de
preferência desde o início, quando os alunos dão os primeiros passos dentro da escola. Se
o ensino de leitura não vem dando bons resultados, é preciso haver mais pesquisas na
área. E, seguramente, a presente pesquisa pretendeu trazer significativas contribuições
para novas reflexões e novas práticas no campo da leitura. A proposta fundamental é a de
que este trabalho contribua para a sociedade produzindo conhecimentos e reconhecendo
sua relação direta com a escola pública brasileira.
170
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ANEXOS
181
CURRÍCULO BÁSICO/MÍNIMO
Pelas imagens acima (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 7), é possível verificar que as
habilidades e competências estão divididas em leitura, uso da língua e produção textual.
No quarto bimestre da mesma série, em leitura, pede-se para identificar o tema, as ideias
centrais e secundárias, e ainda as informações implícitas do texto. A divisão feita em
Leitura, Uso da Língua e Produção Textual está relacionada à leitura, gramática e escrita.
188