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A cartografia social e a percepção geográfica entre alunos do

9o ano do ensino fundamental II

Ellen Cristina do Monte Silva1


Ana Cristina Freire de Oliveira2
Renan José Florentino Pina3

1 INTRODUÇÃO

A extensão universitária é um importante caminho para a formação


docente. Foi com esse intuito que durante o período de 2016 a 207
desenvolveu-se o projeto Alfabetização cartográfica como instrumento educativo
para a percepção geográfica do Bairro da Marambaia. Essa iniciativa contou
com a participação de licenciandos em Geografia do IFPA-Campus Belém,
professores do Ensino Fundamental II da rede pública municipal e professores
do IFPA. As atividades do projeto estiveram sob a coordenação da professora
Ellen Cristina do Monte Silva.
O objetivo principal dessa prática extensionista foi despertar entre
os estudantes do ensino fundamental o entendimento sobre as categorias
de “paisagem” e “lugar” a partir das realidades sociais onde moram e as
representá-las na cartografia social.
Adotou-se para essa prática a perspectiva da alfabetização geográfica por
meio da cartografia. A expressão “alfabetização cartográfica” perpassa pelo ato
de ensinar o que não foi apreendido anteriormente, neste caso os discentes
precisam apreender a ler os elementos que representam um mapa, uma carta ou
uma planta. Para o Castrogiovanni (2009) “a cartografia oferece a compreensão
espacial do fenômeno. Tanto para o cotidiano como para o científico”.

1
Profª. Ma. Ellen Cristina do Monte Silva (orientadora). Licenciada em Geografia Instituto
Federal do Pará (IFPA); Mestre em Geografia (Área Geografia Física)-PPGEO/UFPA. E-mail:
ellen.silva@ifpa.edu.br.
2
Licencianda em Geografia do IFPA, bolsita Pibid. E-mail: anafreireoliveira@gmail.com.
3
Licencianda em Geografia do IFPA, bolsita Pibid. E-mail: renanjfpina7@gmail.com.
A cartografia social é muito além de normas e técnicas cartográficas, são
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subjetividades do sujeito diante da sua vivência e o seu modo de vida. Essa técnica
mostra algo que não é visível, como a subjetividade das relações sociais, além
do que problematiza a vivência em sociedade no contexto do espaço geográfico.
O desenvolvimento das atividades de extensão permitiram a observação
e o estudo científico do processo ensino-aprendizado na Escola Palmira de
Lins de Carvalho; unidade subordinada à Secretaria Municipal de Educação
(SEMEC), localizada no conjunto habitacional “Euclides Figueiredo”, no
bairro da Marambaia (área periférica do município de Belém, Estado do
Pará). Trabalhou-se com uma amostra de 42 alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental II, que se envolveram nas dinâmicas propostas pelos licenciandos
em Geografia do IFPA e pelos professores Ellen Cristina (coordenadora) e
Michel (vice-coordenador).
A problemática do ensino da Geografia faz parte do rol de discussões
levantadas a algum tempo por alguns autores, tais como Almeida e Passini
(1994); Brasil (1996; 1998); Castelhar e Vilhena (2010); Castrogiovanni
(2009); Simielli (2011) dentre outros que deram contribuição à práticas
metodológicas no ensino da Geografia dinamizando a forma de ensinar,
procurando fazer experiências que possam priorizar a prática na sala de
aula, para que o aluno tenha uma maior interação com a ciência geográfica
permitindo-lhes se afastar da ideia de que a Geografia é uma disciplina que se
decora, para isso buscou-se provocar reflexões acerca dos conceitos e categorias
da ciência geográfica e fazer o discente a se perguntar: Como? Para que? E para
que serve o conteúdo geográfico para a vida do estudante?

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o desenvolvimento da pesquisa trabalhou-se com uma amostra


de 42 estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental II, pertencentes à Escola
Palmira de Lins de Carvalho. A priori tentou-se trabalhar com alunos residentes
apenas no bairro da Marambaia, mas ao longo da pesquisa constatou-se que
nem todos moravam nesse bairro. Contudo, no percurso casa-escola, passavam
diariamente pelo bairro da Marambaia que, conforme Viana (2016) está
compreendido na área da bacia hidrográfica do Una e localiza-se no Distrito
Político Administrativo do Entroncamento (DAENT).

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Para a implementação do projeto de extensão na escola foi salutar a au-

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torização da gestão do período permitindo se realizar as atividades propostas e a
receptibilidade dos professores da escola, inclusive nos permitindo usar as insta-
lações do laboratório de informática para a aplicação da metodologia proposta.
O bairro da Marambaia segundo Borges, Marim e Rodrigues (2012)
apresenta uma média qualidade ambiental, tendo como parâmetro de análise
a cobertura vegetal, isto é, em comparação aos demais bairros do município
de Belém. Suas áreas verdes são representadas por áreas institucionais, praças,
corredores arbóreos e pelo Parque Ecológico de Belém. Porém, devido ao
processo de expansão imobiliária e comercial, essas áreas veem diminuindo.
Ressalta-se que, em consequência da falta de planejamento urbano, outros
problemas assolam o bairro, como a poluição de rios canalizados, despejos de
resíduos sólidos nas vias públicas, entre outros.
A pesquisa trabalhou com um viés qualitativo na medida em que um dos
métodos empregados foi a observação de aspectos do bairro da Marambaia para
relacionar com as categorias geográficas paisagem e lugar. Para o entendimento
dessas categorias foram utilizadas referências bibliográficas de autores como
Milton Santos (2008), livros didáticos de Geografia e artigos acadêmicos que
tratam do assunto.
Outra atividade prevista no projeto foi a capacitação dos alunos da
licenciatura em Geografia, com carga horária semanal de 4h para orientações
sobre o entendimento do projeto, execução e planejamento das oficinas para
serem executadas na escola.
Por último, os licenciandos devidamente capacitados dialogaram com
os professores de Geografia da escola Palmira Lins de Carvalho para a execução
das oficinas com os alunos do 9º ano, por objetivo oferecer duas atividades: 1)
oficina sobre “Lugar”; 2) Oficina sobre “Paisagem”.

3 REFERENCIAL TEÓRICO E RESULTADOS

3.1 Discussões sobre paisagem e lugar

A cartografia social é um ramo que abrange importantes categorias da


ciência Geográfica tais como, as de Lugar e Paisagem. Ambas evidenciam a
subjetividade e a percepção do sujeito. Neste sentido, foram pensadas duas
oficinas para os alunos do 9o ano, cada uma representando as categorias

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geográficas mencionadas acima. Assim como, durante o período de confecção
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ou preparo das oficinas foi percebida também a necessidade de elaborar


atividades que conseguissem tanto despertar o interesse dos alunos quanto
passar de maneira eficiente esses conceitos.
Então para a oficina de lugar foram pensadas três atividades que
envolvessem a utilização de recursos alternativos em sala de aula como a
música, jogos e vídeos. A primeira atividade chamada “Adedonha do lugar”
consistia em uma planilha contendo um jogo de “Adedonha” comum, porém
com algumas modificações, em relação ao estabelecimento de novas regras,
onde eram feitas três rodadas de adedonha com 5 minutos de duração cada,
e os alunos seriam divididos em grupos de quatro ganhando o grupo com
melhor pontuação na coluna “total” (Ver figura 1).
Outra modificação seria com relação ao conteúdo de suas colunas que
vinham com temas relacionados ao conceito de lugar tendo como foco o Bairro
da Marambaia. Assim com esta primeira atividade foi pretendida estimular os
alunos a pensarem sobre seu próprio bairro, os nomes de ruas, os objetos, os
pontos de referência, a aparência do bairro e as atividades de lazer que fazem
parte do dia a dia dos alunos, a partir de algo que eles tenham afinidade e
estimule sua curiosidade e competitividade como um “Jogo de Adedonha”.

Figura 1: Oficina sobre a categoria lugar - Adedonha do Lugar

Fonte: autores/Atividades do projeto (Fev. de 2017).

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As segundas e terceiras atividades chamadas respectivamente “Texto

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Musical” e “Caracterização do seu Lugar”, consistiam na utilização de música
e na materialização da aprendizagem por meio de uma representação feita, a
lápis e papel pelos alunos, sobre o lugar que eles mais gostaram ou se sentiam
à vontade de estar. As duas atividades foram pensadas para serem executadas
em conjunto se complementando, pois na atividade “Texto Musical” os
alunos teriam que assistir e escutar vídeos com duas músicas, “Vida Inteira”
da banda Raimundos e “Madureira” do cantor e compositor Arlindo Cruz,
no sentido de fazer uma comparação entre duas versões diferentes de uma
mesma melodia, destacando em suas letras as palavras que representam o
lugar para cada autor considerando ainda que esses possuem subjetividades
diferentes, assim em seguida pela atividade “Caracterização do seu Lugar” os
alunos caracterizariam em um papel, o lugar que melhor carregava afetividade
e representava a sua própria identidade (Ver figura 2).

Figura 2: Oficina sobre a categoria Paisagem – texto musical

Fonte: autores/Atividades do projeto (Fev. de 2017).

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Para a oficina de paisagem foram pensadas duas atividades “Caça-Palavras
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Musical” e “A Caracterização da Paisagem”. As duas atividades tiveram o


objetivo de também se complementarem e serem executadas após uma breve
explanação sobre o conceito de Paisagem e suas várias perspectivas (Ver figura 3).

Figura 3: “Caça-Palavras Musical”

Fonte: autores/Atividades do projeto (Fev. de 2017).

O “Caça-Palavras Musical” consistiu em um jogo de caça palavras que


só poderia ser resolvido após ser escutada a música que continham as palavras a
serem achadas, para o entendimento do conceito de Paisagem seria utilizado um
vídeo contendo várias imagens de diferentes perspectivas natural, humanizada,
cultural, com a música “Paisagem da Janela” do cantor e compositor Beto
Guedes. Logo os alunos iriam procurar somente as palavras associadas ao
conceito de Paisagem pela letra da música no “Caça-Palavras” e em seguida
fazer a caracterização de qualquer perspectiva de paisagem que eles desejassem.
Portanto, evidenciou-se fazer uma breve análise sobre as categorias
paisagem e lugar, para diferenciar o significado do sujeito (aluno) diante do

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concreto (o bairro onde mora). Diariamente os alunos da escola percorrem o

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mesmo caminho sem analisar de fato o que está em seu entorno. Neste caso,
a ciência geográfica fornece elementos para se discutir uma paisagem cultural,
urbana, rural, entre outros. Já o estudo de lugar requer uma identidade pelo
aluno do bairro onde vive e da sua afetividade com relação ao ambiente de
estudo e seu entorno. Isso requer uma objetividade na pesquisa de fazer os
alunos compreenderem os elementos de discussões de uma paisagem e do
lugar onde vivem. Como diz Castrogiovanni (2009), o espaço é visto apenas
do ponto de vista da forma e da estrutura, do visível, não desperta emoções
nos alunos (Ver figuras 4).

Figura 5: Oficina de Lugar

Fonte: autores/Atividades do projeto (Fev. de 2017).

3.2 A Cartografia Social

A Cartografia Social veio para inovar e reduzir rigidez das normas e


técnicas da cartografia tradicional promovendo uma análise da realidade no
qual o sujeito da pesquisa pode problematizar a sua vivência e destacar na
cartografia dita social.
A Cartografia Social tem o interesse de levantar uma problemática
indicada pela população residente de determinada região, além de o mapa
ser composto por elementos que a sociedade julga ser importante, elementos

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esses como o posto de saúde municipal, a escola, uma farmácia, sorveteria, etc.
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A Cartografia Social também conhecida como nova Cartografia se preocupa


com o âmbito social de representar aspectos que estão além do que é definido
no mapa tradicional.
Na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Palmira Lins de
Carvalho abordado-se a Cartografia Social pensando nas categorias geográficas
Paisagem e Lugar que foram trabalhadas nas oficinas, a tarefa inicial dos
alunos era de construir um mapa onde o trajeto do aluno até a escola fosse
destacado, os mesmos apresentaram seus mapas e abordaram elementos que
faziam parte do seu cotidiano.

Figura 5: atividades da oficina-confecção da cartografia social

Fonte: autores/Atividades do projeto (jun. de 2017).

Nestes mapas os mesmos elegeram algumas questões, dentre elas o


lixo, a violência, a desigualdade social, e os grupos sociais que se reúnem nas
praças do bairro. A partir desta percepção feita pelos alunos os idealizadores
do projeto exibiram um documentário que abordava a desigualdade social no
Brasil, a música Criminalidade de Édson Gomes, para tratar sobre a violência,
além de fotos demonstrando o lixo urbano em Belém e Região Metropolitana.
Após a exposição de cada foto os discentes representassem colando adesivos
personalizados nas áreas do bairro, onde existissem as questões eleitas por eles.
Os alunos destacaram tanto questões negativas quanto positivas, existentes
em seu bairro. Porém estas temáticas sociais estão longe de serem abordadas
por um mapa tradicional (Ver figura 6).

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Figura 6: Elaboração da cartografia social

A cartografia social e a percepção geográfica entre alunos do 9o ano do ensino fundamental II


Fonte: autores/Atividades do projeto (jun. de 2017).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maior preocupação durante as atividades do projeto foi deixar claro


aos estudantes que a cartografia social necessitava ser problematizada pelos
alunos. Mostrar-lhes que ela seria uma prática que pudesse sensibilizá-los
para a relação da sua vivência em seu bairro. Esse foi o intuito das oficinas
realizadas que puderam captar as percepções dos alunos sobre o bairro da
Marambaia e a partir daí estabelecer um diálogo com as categorias geográficas
de paisagem e lugar.
Os alunos desenvolveram um “croquí” desenhando o caminho de
casa até a escola, sendo que foram evidenciados elementos que somente eles
conseguiriam registrar, como por exemplo: vizinhas fofoqueiras, pobres, ricos,
violência, tráfico de drogas, praças, comércios, etc.
Ao realizarem-se as oficinas os alunos passaram a entender a “paisagem”
em que mora e os elementos que identificam o seu “lugar”. Ambas são
categorias geográficas essenciais para despertar a percepção do aluno sobre o
lugar onde mora e as principais problemáticas identificadas por ele.
A etapa final do projeto resultou na confecção de um mapa com uso da
cartografia social que diagnosticou as problemáticas no bairro. As atividades
serviram estimulo a construção de uma visão mais crítica da rotina diária do
aluno ao se direcionar da casa até a escola ou vice-versa.

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REFERÊNCIAS
Entre a Escola e a Academia: saberes e fazeres da prática docente nas experiências do PIBID-geografia

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