Você está na página 1de 4

Lana de Souza Cavalcanti fala sobre o ensino de Geografia com novas abordagens - 07/05/2020 22:47 Lana de Souza Cavalcanti

/05/2020 22:47 Lana de Souza Cavalcanti fala sobre o ensino de Geografia com novas abordagens - 07/05/2020 22:47

caminho que ela trilha até hoje na Universidade Federal de Goiás (UFG).
Lana de Souza Cavalcanti fala sobre Na entrevista a seguir, a pesquisadora afirma que não existe Geografia

o ensino de Geografia com novas escolar de qualidade sem uma ponte que ligue a disciplina à vida
cotidiana dos alunos. Ela defende o protagonismo dos professores e fala
abordagens sobre questões delicadas referentes ao ensino para turmas de Ensino
Fundamental.
Para a especialista, explicar conceitos geográficos
não basta. O educador precisa de reflexão e Existe alguma diferença entre a Geografia como disciplina escolar e
atualização constantes a ciência geográfica?
LANA DE SOUZA CAVALCANTI Sim, embora ambas analisem a
01 de Dezembro | 2010
realidade pela mesma perspectiva. O modo como cada uma compõe e
organiza os temas de estudo é diferente. No mais, a primeira é um feixe
POR:
de referências - e, entre elas, está a ciência geográfica estudada nas
Vários modelos educacionais já foram nossas universidades. Para lecionar no Ensino Fundamental, não basta
experimentados para tratar de questões aplicá-la diretamente, nem de um modo simplificado. A disciplina tem
geográficas na escola brasileira. Durante a história, estrutura e lógica próprias. Muitos professores recém-formados
década de 1970, predominava a tendência do não têm isso claro e se sentem atormentados por não conseguir aplicar o
ensino baseado no trinômio "natureza, homem e que aprenderam na graduação.
economia". Esses conceitos, no entanto, eram
vistos de forma fragmentada, cada qual tendo Qual é a chave para que as aulas da disciplina tenham bases sólidas?
uma lógica própria e isolada dos demais. Depois, LANA O foco na escola deve estar nos mesmos conteúdos aprendidos
até os anos 1980, ocorreu o movimento de na graduação. Mas eles devem ser estruturados de outra maneira para
Lana de Souza Cavalcanti
renovação no ensino da disciplina, que apontava ser apresentados às crianças. Preocupa ver que isso nem sempre é
para a ineficiência da metodologia adotada anteriormente. Surgiu, assim, discutido na universidade. Resultado: quando chegam à sala de aula, os
uma Geografia crítica, acompanhando a evolução da ciência geográfica. recém-graduados abandonam os conteúdos que aprenderam e se
Vivia-se a passagem da década de 1980 para a de 1990, um momento rendem a uma estrutura engessada. É preciso que eles alimentem a
de abertura política e de especificação dos problemas sociais que o disciplina com novas reflexões e abordagens. Isso evita a deterioração da
Brasil enfrentava. A disciplina assumiu a missão de denunciar Geografia acadêmica, pois quem torna a disciplina viva é o educador.
contradições do modo de produção capitalista, tendo como proposta
E a situação de quem leciona para os anos iniciais do Ensino
uma sociedade alternativa. Foi quando a geógrafa Lana de Souza
Fundamental, que não é especialista?
Cavalcanti apresentou sua tese de mestrado e deu início a um percurso
LANA Além de não ser geógrafo, esse profissinal não aprende muito
acadêmico dedicado à disciplina escolar e à formação docente -
sobre Geografia na faculdade de Pedagogia. Por isso, é normal que ele
https://novaescola.org.br/conteudo/901/lana-de-souza-cavalcanti-fala-sobre-o-ensino-de-geografia-com-novas-abordagens Página 1 de 7 https://novaescola.org.br/conteudo/901/lana-de-souza-cavalcanti-fala-sobre-o-ensino-de-geografia-com-novas-abordagens Página 2 de 7
Lana de Souza Cavalcanti fala sobre o ensino de Geografia com novas abordagens - 07/05/2020 22:47 Lana de Souza Cavalcanti fala sobre o ensino de Geografia com novas abordagens - 07/05/2020 22:47

não tenha recursos, ou que os tenha de forma precária e sinta baseado no saber.
dificuldades. Para lecionar com qualidade, basicamente é preciso ter
consciência do que é e de como se constrói o pensamento espacial - um Há professores que reduzem a Geografia à explicação de conceitos -
conhecimento geográfico que faz parte do cotidiano - e saber os o que é uma paisagem, por exemplo. Por que isso é insuficiente?
conteúdos da disciplina. Todos nós ocupamos e produzimos um espaço, LANA Porque, ao se deter no conceito, o professor deixa de explorar os
o do nosso corpo. conteúdos. E é com base nos conteúdos, mas não se reduzindo a eles,
que se ensina uma forma de ver a realidade. Ao apresentar uma
É possível introduzir uma estrutura organizada para o ensino de paisagem litorânea, uma montanha ou uma serra, estou mostrando
Geografia nos cursos de Pedagogia? coisas aos estudantes, e é por meio delas que ensino uma maneira de
LANA Existem algumas disciplinas já consagradas e que recebem mais olhar para o ambiente. Não é preciso dizer logo de cara o que é uma
atenção: Matemática, Língua Portuguesa e Ciências. Socialmente, essas paisagem, pois esse conhecimento será construído. O psicólogo bielo-
são consideradas as mais importantes para a formação básica do aluno. russo Lev Vygotsky (1896-1934) explica que o conceito não se forma na
O pedagogo provavelmente sabe mais a respeito delas e de como cabeça de uma criança quando lhe é ensinado. Ele é elaborado à medida
trabalhá-las porque isso lhe foi ensinado com ênfase. Desejo que, um que os estudantes o constroem. Em outras palavras: você dá o conteúdo
dia, todas as disciplinas básicas sejam trabalhadas com a mesma e, com base nele, a turma elabora o conceito.
dedicação.
Muito se fala sobre o papel da escola na formação de cidadãos. O
Quem está mais preparado para lecionar Geografia: o geógrafo ou o que a disciplina tem a ver com isso?
educador polivalente? LANA Cidadania tem a ver com a vida em sociedade, e isso é objeto de
LANA O professor Clermont Gauthier (titular do Departamento de estudo da Geografia. A escola tem de ajudar o estudante a entender o
Estudos sobre Ensino e Aprendizagem da Universidade Laval, no espaço público como uma produção social, um direito e uma
Canadá) diz que o educador é formado no ofício sem saber, ou no saber responsabilidade de todos. O professor forma cidadãos quando dá
sem ofício. No primeiro caso, que ilustra bem a situação do especialista, subsídios para a turma participar conscientemente da vida social.
aprende-se Geografia sem saber para que ela serve. Exemplo: ele é Infelizmente, o termo "cidadania" está desgastado. Não estou dizendo
capaz de falar que a Geomorfologia trabalha o conceito de erosão, que que experimentar práticas cidadãs na escola seja errado. A questão é
isso ocorre no cerrado e só. O que o aluno vai fazer com esse como fazer isso. A união da instituição com organismos da gestão
conhecimento? Quanto ao ofício sem saber, que geralmente é a situação pública para lutar por determinadas causas, por exemplo, é possível e
do professor polivalente, se discute o que é lecionar, ser educador, a plenamente desejável. Trata-se de uma prática da cidadania real.
escola e seus problemas... Mas o saber, que deveria ser a questão
central, acaba sendo negligenciado. É claro que todos os educadores Temas cotidianos, como as questões extraídas do noticiário, vão
precisam de conhecimentos pedagógicos, mas também é preciso além do conteúdo previsto no currículo. Como dar conta das duas
dominar as informações disciplinares. Gauthier propõe um ofício que seja coisas?
LANA É uma questão de prioridade. Quando o professor tem clareza de
https://novaescola.org.br/conteudo/901/lana-de-souza-cavalcanti-fala-sobre-o-ensino-de-geografia-com-novas-abordagens Página 3 de 7 https://novaescola.org.br/conteudo/901/lana-de-souza-cavalcanti-fala-sobre-o-ensino-de-geografia-com-novas-abordagens Página 4 de 7
Lana de Souza Cavalcanti fala sobre o ensino de Geografia com novas abordagens - 07/05/2020 22:47 Lana de Souza Cavalcanti fala sobre o ensino de Geografia com novas abordagens - 07/05/2020 22:47

para que serve a Geografia e conhece seu contexto, ele sabe o que é elementos correlatos em outros conflitos, que sejam mais próximos da
essencial. Além disso, não se deve ter a pretensão de esgotar um sua vivência. Nessa abordagem, há uma articulação dialética entre
assunto. O conhecimento geográfico e seus conteúdos vão e voltam escalas locais e globais na construção de raciocínios espaciais
várias vezes ao longo do Ensino Fundamental e do Médio. A Região complexos.
Nordeste do Brasil, por exemplo: é um assunto que pode ser enfocado
pelo menos quatro vezes nesse período. Se o professor quiser Há quem defenda que, primeiro, é preciso trabalhar a ideia de rua
interromper esse conteúdo para explorar um episódio momentâneo, para depois seguir com a de bairro, de cidade e assim por diante, até
como um terremoto que virou manchete de jornais e revistas, não há chegar a conceitos macro, como o de continente. De onde vem essa
probema. O educador precisa estar ciente de que não tem de terminar o concepção?
ano na última página do livro didático. Ele precisa cumprir a LANA Recomenda-se uma articulação entre escalas ao trabalhar
programação, é claro. Mas não necessariamente tem de esgotar todos conteúdos geográficos, diferente dessa abordagem que vai do ambiente
os temas. local ao global, ou do mais imediato ao mais distante. Essa concepção é
questionada desde o fim do século 20, mas ainda não foi superada. A
Faz sentido pedir a cópia de mapas nas aulas de Geografia? abordagem multiescalar implica trabalhar, desde o primeiro ano, o lugar
LANA Sim, desde que o objetivo seja levar os estudantes a aprender de vivência imediata das crianças (a casa, o bairro, a escola) com a ideia
algo, como o nome de acidentes geográficos. O trabalho com cartografia de que os espaços vivenciados por elas têm a ver também com a
é importante porque, para aprender a fazer uma leitura geográfica, a produção de espaços maiores (a cidade, o estado, o país e o mundo)
primeira pergunta que se faz é: "Onde?". Essa é uma habilidade de porque são resultantes de um processo histórico e social mais amplo.
representação da realidade que precisa ser desenvolvida ao longo dos Isso quer dizer que determinado lugar não está isolado e não se encerra
anos escolares. Mas isso não significa decorar mapas. O que importa é nele mesmo. O ideal é trabalhar respeitando os níveis de abstração e de
saber consultá-los. cognição da turma, sem dar definições formais, mas apontando
evidências de um lugar como localização de algo que está ligado a
Como a disciplina pode ajudar a entender o mundo globalizado? processos e realidades globais.
LANA Não há enfoques específicos para a abordagem de temas
geográficos. Indicações recorrentes nas pesquisas sobre o ensino de Muitos conteúdos tratados pela Geografia mudam rapidamente
Geografia, no entanto, apontam para a necessidade de ter o lugar em devido a conflitos armados, disputas fronteiriças e emancipações
que se vive como uma referência constante na aprendizagem. Há vários políticas, por exemplo. Como o professor pode se manter
temas geográficos que são mundiais, têm interligações e ressonância atualizado?
globais, mas apresentam ocorrências específicas em certos lugares. Ao
trabalhar determinado tema - um conflito territorial que ocorre em outro
continente, por exemplo -, recomenda-se buscar a ligação desse LANA Acredito e trabalho com ideias que integram teoria e prática, inter-
fenômeno com a experiência cotidiana dos alunos, destacando relacionam ensino e pesquisa, formação continuada e autoformação. Os
dois últimos itens têm tudo a ver com essa questão. Qualquer
https://novaescola.org.br/conteudo/901/lana-de-souza-cavalcanti-fala-sobre-o-ensino-de-geografia-com-novas-abordagens Página 5 de 7 https://novaescola.org.br/conteudo/901/lana-de-souza-cavalcanti-fala-sobre-o-ensino-de-geografia-com-novas-abordagens Página 6 de 7
Lana de Souza Cavalcanti fala sobre o ensino de Geografia com novas abordagens - 07/05/2020 22:47

profissional deve ter acesso a um processo contínuo de capacitação, e


isso não significa pensar apenas nos tradicionais cursos de
aperfeiçoamento, especialização, mestrado e doutorado. A atitude do
educador diante do mundo deve ser sempre investigativa, questionadora
e reflexiva, pois os conhecimentos com os quais ele lida em seu exercício
profissional estão em permanente mutação. O princípio da autoformação,
por sua vez, enfatiza a ideia de que ninguém forma o outro, mas todos se
formam concomitantemente. É um processo reflexivo e contínuo a cargo
do próprio profissional. Sendo assim, defendo que ele mesmo persiga
essa formação contínua. Com o apoio da escola, é claro - ela precisa
reservar tempo e espaço para a aprendizagem coletiva e individual dos
seus docentes. Mas a responsabilidade por esse processo também tem
de ser assumida pelas instituições de Ensino Superior. É fundamental que
ocorra um intercâmbio entre a universidade e a rede básica de ensino
para que o educador se atualize constantemente em relacão às
novidades da produção acadêmica.

Quer saber mais?

CONTATO
Lana de Souza Cavalcanti

BIBLIOGRAFIA
Geografia, Escola e Construção de Conhecimentos, Lana de Souza
Cavalcanti, 192 págs., Ed. Papirus, tel. (19) 3272-4500, 31 reais
Geografia Escolar e a Cidade: Ensaios Sobre o Ensino de Geografia
para a Vida Urbana Cotidiana, Lana de Souza Cavalcanti, 192 págs., 37
reais

https://novaescola.org.br/conteudo/901/lana-de-souza-cavalcanti-fala-sobre-o-ensino-de-geografia-com-novas-abordagens Página 7 de 7

Você também pode gostar