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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

RAIMUNDO NONATO DE OLIVEIRA

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: A


CONSTITUIÇÃO DOS ETHÉ DISCURSIVOS NA PERSPECTIVA DOS
LETRAMENTOS DIGITAIS

Guarulhos
2022
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

RAIMUNDO NONATO DE OLIVEIRA

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: A


CONSTITUIÇÃO DOS ETHÉ DISCURSIVOS NA PERSPECTIVA DOS
LETRAMENTOS DIGITAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Letras (Área de concentração: Estudos Linguísticos), da
Universidade Federal de São Paulo, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Professor
Doutor Sandro Luís da Silva.

Guarulhos
2022
Oliveira, Raimundo Nonato de.
A formação continuada de professores de língua portuguesa: a constituição dos ethé
discursivos na perspectiva dos letramentos digitais/ Raimundo Nonato de Oliveira-2022- 122 f.

Dissertação (mestrado em Letras) – Guarulhos: Universidade Federal de São Paulo,


Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Orientador: Prof. Dr. Sandro Luís da Silva.

The continuing education of Portuguese language teachers: the constitution of


discursive ethnets from the perspective of digital literacies.

1. Análise do Discurso. 2.formação continuada. 3. Ethos. I Prof. Sandro Luís da Silva. II. A
formação continuada de professores de língua portuguesa: a constituição dos ethé discursivos
na perspectiva dos letramentos digitais.

Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos


autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório
Institucional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer
ressarcimento dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico
para fins de divulgação intelectual, desde que citada a fonte.
Raimundo Nonato de Oliveira

A formação continuada de professores de língua portuguesa: a constituição dos ethé discursivos


na perspectiva dos letramentos digitais

Aprovado em: 25 de abril de 2022.

_____________________________________________________________
Prof. Dr. Sandro Luís da Silva
Orientador

_____________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Elisa Ribeiro
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais- CEFET-MG
Titular

______________________________________________________________
Prof. Dr. Anderson Ferreira
Universidade Federal do Espírito Santo-UFES
Titular

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Felipe de Souza Costa
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
Suplente
Dedico este trabalho à minha esposa, a meu filho e à memória de meu pai que partiu.
AGRADECIMENTOS

À minha querida esposa, personificação perfeita da palavra companheirismo.


À minha família, pela compreensão de minha ausência nesses dois anos.
Ao professor Dr. Sandro Luís da Silva, quem, desde o início da minha trajetória como
mestrando, acreditou no meu projeto, dando me força, humanismo em momentos muito triste
que cercaram esse ano, para ele e para mim, e com todos os obstáculos, tirou forças e toda
atenção, dedicação e orientação das leituras e também da escrita. Eterna gratidão por todo o seu
apoio e conhecimento.
Agradeço à professora Profa. Dra. Ana Elisa Ribeiro e ao Profa. Dr. Anderson Ferreira
por aceitarem o convite em compor a banca de qualificação e de defesa e pela leitura cuidadosa
e crítica desta dissertação. Minha gratidão pelo direcionamento e pelas palavras de incentivo.
Agradeço a todos os professores e alunos da UNIFESP com os quais tive a oportunidade
de conviver num ambiente propício ao crescimento, ao debate e à pesquisa.
Sou eternamente agradecido aos meus amigos na figura do grupo GEPEDTEC. Com
vocês, o debate e o conhecimento são frenéticos.
Aos professores que participaram e contribuíram muito com a confecção deste trabalho:
gratidão eterna.
Grato aos meus alunos de ontem, hoje e amanhã: inspiração para que eu busque sempre
melhorar como profissional e, acima de tudo, como pessoa.
Grato a Deus por me permitir registrar este momento em minha vida.
A pequena área da vida me aperta contra o seu vulto, e nesse abraço
diáfano é como se eu me queimasse todo, de pungente amor. Só hoje
nos conhecermos! Óculos, memórias, retratos fluem no rio do sangue.
As águas já não permitem distinguir seu rosto longe, para lá de setenta
anos... senti que me perdoava, porém nada dizia. As águas cobrem o
bigode, a família, Itabira, tudo.
(ANDRADE, Carlos Drummond, 1991, p. 11)
RESUMO

Esta dissertação está filiada à Análise do Discurso de linha francesa e objetiva analisar a
constituição dos ethé discursivos dos professores de língua portuguesa da educação básica da
rede estadual paulista, a partir da análise do currículo oficial de São Paulo implantado em 2007,
em interface com os Letramentos digitais. Tendo em vista a importância do processo de ensino-
aprendizagem, esta pesquisa observa as relações discursivas entre os letramentos digitais e os
ethés discursivos na formação continuada no espaço escolar à luz da Análise de Discurso de
linha francesa. Sob a perspectiva de Gil (2002) adotamos a pesquisa bibliográfica, e, no tocante
às análises, foram adotados dois procedimentos: uma documental e uma análise qualitativa de
entrevistas semiestruturadas realizadas individualmente, com dois professores de língua
portuguesa. Os sujeitos da pesquisa foram os professores da escola estadual prefeito Rinaldo
Poli, em Guarulhos, considerando suas vivências com a tecnologia digital, mídias e letramentos
digitais. A fundamentação teórica se assentou em Maingueneau (2013; 2015;2020) acerca do
discurso, ethos e cenografia e competência discursiva; em Ribeiro; e Coscarelli (2005) no
tocante aos letramentos digitais, e na formação continuada, a dissertação pautou-se em Tardiff
(2014); Zabala (2010; Gadotti (2000), além do conceito de interação e interatividade trazido
por Almeida (2003; 2009) e Silva (2001). Nosso campo analítico, guiou-se por categorias
analíticas diversas: Ethos, cenografia e a marca de letramentos digitais na formação continuada
nos documentos oficiais. Pelo documento oficial, observa-se um perfil específico de professor
que subjaze o discurso da Secretaria de Educação Estadual. Percebe-se no documento um aceno
às linguagens tecnológicas, contudo não revelam, na prática, os Letramentos digitais esperado
na formação continuada, o que compromete o processo de ensino-aprendizagem dos alunos da
Educação Básica. A pesquisa revelou, ainda, por meio das entrevistas, que há um descompasso
entre documentos que norteiam formação continuada, o ensino-aprendizagem além dos
problemas como investimento na estrutura da escola, na conexão com a Internet na própria
formação docente. Concluímos que existe uma distância entre o que está no documento e a
prática, e essa distância impacta decisivamente o ensino-aprendizagem, pois, o que nos chegou
às mãos, revelou o chamado estado mínimo, escancarando problemas inerentes às políticas
públicas de educação, todavia, os sujeitos-professores seguem firmes no chão da escola.

Palavras-chave: Discurso, Cenografia, Linguagem, Letramento Digital, Ethos


ABSTRACT
This dissertation is affiliated to the French Discourse Analysis and aims to analyze the
constitution of the discursive ethos of Portuguese language teachers of basic education in the
state of São Paulo, from the analysis of the official curriculum of São Paulo implemented in
2007, in interface with the digital literacies. In view of the importance of the teaching-learning
process, this research observes the discursive relations between digital literacies and discursive
ethos in continuing education in the school space in the light of French Discourse Analysis.
Under the perspective of Gil (2002) we adopted bibliographic research, and, regarding the
analyses, two procedures were adopted: a documental and a qualitative analysis of semi-
structured interviews conducted individually with two Portuguese language teachers. The
subjects of the research were the teachers of the state school Prefeito Rinaldo Poli, in Guarulhos,
considering their experiences with digital technology, media, and digital literacies. The
theoretical foundation was based on Maingueneau (2013; 2015; 2020) about the discourse,
ethos and scenography and discursive competence; in Ribeiro and Coscarelli (2005) regarding
digital literacies, and in continuing education, the dissertation was based on Tardiff (2014);
Zabala (2010; Gadotti (2000), besides the concept of interaction and interactivity brought by
Almeida (2003; 2009) and Silva (2001). Our analytical field was guided by several analytical
categories: ethos, scenography, and the brand of digital literacies in continuing education in
official documents. From the official document, one can observe a specific profile of a teacher
that underlies the State Education Secretariat's discourse. The document shows a nod to
technological languages, but does not reveal, in practice, the digital literacies expected in
continuing education, which compromises the teaching-learning process of students in Basic
Education. The research also revealed, through the interviews, that there is a mismatch between
the documents that guide continuing education and the teaching-learning, in addition to
problems such as investment in the school's structure, in the Internet connection, and in the
teacher training itself. We concluded that there is a distance between what is in the document
and the practice, and this distance decisively impacts the teaching-learning, because what we
got our hands on revealed the so-called minimum state, exposing problems inherent to public
education policies, however, the subject-teachers remain firm on the school ground.

Keywords: Discourse, Scenography, Language, Digital Literacy, Ethos


LISTA DE QUADROS E DE TABELAS

Quadro 1 Engajamento pedagógico-social ..............................................................................59


Tabela 1 – Blocos que evidenciam coleta de dados que visam ao objetivo da pesquisa..........78
Quadro 2 – Categorias de análise que podem ser avaliadas enfocando a linguagem………...79
Quadro 3 – Categorias que podem ser avaliadas enfocando a adequação das perguntas sobre
os letramentos digitais letramento digital…………………......……………………….…......80
Quadro 4 – Categorias que podem ser avaliadas enfocando a adequação das perguntas
Currículo oficial........................................................................................................................87
Quadro 5 – Categorias que podem ser avaliadas enfocando a adequação das perguntas
Formação continuada……………….………………………………………….......................91
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AD – Análise do Discurso
ATPC – Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo
BNCC – Base Nacional Comum Curricular
CEALE – Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
EFAPE – Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação
EAD – Educação a Distância
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FMI – Fundo Monetário Financeiro Internacional
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
MMR – Método de Melhoria de Resultado
MGME – Melhor Gestão, Melhor Ensino
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
SARESP – Sistema de Avaliação e Rendimento
SEDUC – Secretaria de Educação de São Paulo
TDIC- Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação
UFABC – Universidade Federal do ABC
UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo
SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS..............................................................................................13
CAPÍTULO 1.......................................................................................................................... 20
DISCURSO, CENOGRAFIA, ETHOS DISCURSIVO E COMPETÊNCIA
DISCURSIVA: REFLEXÕES SOBRE QUESTÕES DISCURSIVAS..............................20
1.1. O Discurso e suas nuances....................................................................................... 20
1.2 Cenografia e Contexto Educacional.......................................................................... 24
1.3. Ethos/Ethé Discursivo(s): a intersecção entre as imagens e as relações discursivas26
1.4. A Competência Discursiva: entre o discurso e a produção de discurso..................29
CAPÍTULO 2.......................................................................................................................... 34
INTERAÇÃO/ INTERATIVIDADE E LETRAMENTOS DIGITAIS: UMA
FORMAÇÃO CONECTADA................................................................................................34
2.1. Interação e Interatividade: pressupostos para uma formação continuada................ 34
2. 2. Letramento(s) Digital (is) e os caminhos formativos.............................................. 37
2.3. Letramentos digitais: seu papel na sociedade...........................................................40
2.4. Letramentos digitais e formação de professor: limites e possibilidades.................. 42
CAPÍTULO 3.......................................................................................................................... 46
A PROPOSTA CURRICULAR, A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSOR E
A INTERFACE COM AS TECNOLOGIAS DIGITAIS: CONTEXTOS E SENTIDOS46
3.1. Concepção de uma formação humanista, para além do burocrático........................ 46
3.2. Formação em processo: diálogo com a prática educativa........................................ 48
3. 3. Humanizar a formação além do saber técnico.........................................................51
3.4. A humanização da formação por meio dos programas "Melhor Gestão e Melhor
Ensino" e "Método Melhorias e Resultados"............................................................................ 54
CAPÍTULO 4.......................................................................................................................... 59
PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DA PROPOSTA CURRICULAR
OFICIAL DE SÃO PAULO...................................................................................................59
4.1- Natureza da pesquisa: a qualitativa e exploratória................................................... 59
4.2. O contexto da produção da Proposta Curricular São Paulo faz escola – 2008.......61
4.3. A Proposta Curricular do Estado De São Paulo: uma proposta inovadora.............. 64
CAPÍTULO 5.......................................................................................................................... 71
COM A PALAVRA OS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: A
CONSTITUIÇÃO DO(S) ETHOS/ETHÉ DISCURSIVO(S).............................................. 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 96
APÊNDICE I – Transcrição da entrevista nº 1..................................................................103
APÊNDICE II – Transcrição da entrevista nº 2................................................................114
13

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Quando se fala em Educação, sobretudo quanto aos problemas relativos à


aprendizagem, ou, ainda, quanto à defasagem da Educação, em especial nas escolas públicas,
o que vem em mente é a formação dos professores. Várias são as indagações: que tipo de
formação - inicial e continuada - tem sido oferecida aos professores e que tipo de relação essas
formações estabelecem com a qualidade da Educação? E mais: de que qualidade estamos
falando? Ou para ser mais objetivo: essas formações (quando acontecem) contemplam as
tecnologias digitais, tão presentes no cotidiano dos sujeitos que fazem parte do universo
escolar? Essas são algumas questões, dentre outras, que, embora não sejam objeto central da
nossa pesquisa, permeiam todo debate quando o assunto é formação continuada de professor
para a qualidade da educação.
De maneira geral, é consenso falar sobre a formação docente como espaço equalizador
para se atingir as metas propostas pelas políticas públicas em Educação. Nos documentos
oficiais, como exemplificam os do Estado de São Paulo, é corrente esse mantra: é preciso
investir na formação docente, na formação continuada de docentes como meio para alcançar
mais qualidade na Educação. E, neste contexto, lançam-se programas, fazem-se parcerias com
instituições privadas ou públicas, tornando esse discurso como único e verdadeiro no caminho
da qualidade da Educação, numa espécie de uma mão única, muitas vezes desprovido de
criticidade e debate sobre o que é de fato qualidade no processo de ensino-aprendizagem.
A formação continuada de professor é um expediente muito caro à qualidade da
Educação, no entanto, é salutar que pensemos essa formação continuada em outros termos, em
diálogos com diversos sujeitos, em variados espaços, dentro ou fora do ambiente escolar. É
pertinente pensá-la, também, sob a égide da Análise do Discurso (AD) e, assim, reconhecer os
papéis discursivos dos sujeitos envolvidos nas práticas pedagógicas nos vários discursos que
circulam no interior das escolas. E mais: se eles de fato estabelecem relações profícuas na
construção do conhecimento que seja aos professores sujeitos ativos e reflexivos de sua
formação continuada e da própria prática no processo de ensino-aprendizagem.
A formação continuada é assunto que sempre me intrigou1, uma vez que, para além das
atribuições como docente (preparar aulas, fazer relatório, preencher diários etc.), o professor
tem de lidar com as inovações que permeiam a realidade, contemplar concepção teórica e, com

1
O autor faz uso da primeira pessoa por se tratar de um relato pessoal.
14

base nessas atividades, levar o aluno a se superar, tirar do aluno todo potencial que ele possui,
para que atue como sujeito da sociedade em que esteja inserido. Porém, à medida que os anos
passavam, essas atribuições docentes limitavam-se ao aspecto mais burocrático da escola e a
função genuína da formação continuada, que é a discussão acerca dos documentos, ao passo
que estratégias de ensino-aprendizagem, ficavam em segundo plano.
Com esse relato, quero explicitar minha entrada no magistério, enunciar
questionamentos, observações e fazer reflexões sobre ser professor na rede pública e minhas
inquietações acerca da formação continuada oferecida pela Secretaria de Educação no que tange
à prática no ensino dos conteúdos e a relação-interação com os pares, a gestão e à comunidade,
escolar e local.
Minha primeira experiência em sala de aula como professor se deu logo após a
conclusão do curso de Licenciatura em Letras pelas Faculdades de Guarulhos, em 2005. Tal
experiência se deu em uma escola pública da rede estadual de São Paulo, na cidade de
Guarulhos, na época, como eventual, ou seja, professor que esporadicamente entra em sala, na
ausência do titular da sala.
Ao entrar na escola, sempre me criam certas expectativas, geralmente de ser aplicada na
prática docente o que se aprendera na faculdade. Embora eu tivesse feito estágio, o que me
colocou em contato com os alunos e escola como um todo, mas, trabalhar com uma turma de
40 alunos, como professor em diálogo direto com os alunos, é diferente. E o que mais me
inquietou é que a inspetora vinha com uma planilha e ia chamando os nomes dos eventuais e
direcionava-os às salas que estavam sem professor titular. Em outras palavras: na ausência do
professor titular de sala, o professor eventual ia preencher a falta daquele. Não me foi dada
nenhuma orientação de como funcionava o mecanismo da escola, a dinâmica do dia a dia de
uma aula. Era como se a formação, em determinada licenciatura, já fosse o bastante para estar
em uma sala de aula.
Na época, só fui apresentado à direção na entrega dos documentos, o que foi
rapidamente direcionado à secretaria para abrir um livro-ponto para fins de pagamento. Não
houve qualquer contato direto com a coordenação pedagógica da escola naquele momento.
Satisfeitas às exigências burocráticas, eu me apresentei à escola. Ficava com os outros
professores eventuais à espera de ser chamado para uma possível substituição. As reuniões de
trabalho pedagógicos se limitavam aos professores com aula atribuída. Assim começava o
início da carreira docente: estranhamento e falta de uma formação para trabalhar com alunos;
uma sensação de não pertencimento àquele ambiente.
15

Com o passar do tempo, minha situação de eventual/temporário passou a de efetivo,


devido à aprovação em concurso público. Entretanto, as inquietações permaneciam: a formação
continuada não vinha. Eram muitas as demandas da Secretaria de Educação por meios de suas
diretorias que ocupavam quase todo o tempo em que me reunia com os outros professores em
hora de trabalho coletivo. A formação pela escola, de fato, ficava a desejar. Concluí que a falta
de formação não se limitava à condição de professor eventual, temporário ou efetivo; ela, a falta
de formação, era uma situação endêmica do espaço escolar
Ser professor iniciante implica certas expectativas, que vão além das suas ações em sala
de aula, sobretudo com os eventos burocráticos, como preencher um diário, elaborar um plano
de aula, fazer uma chamada, dentre outros. Participar de conselhos de classe, promover/reter
alunos são responsabilidades que de fato a universidade não prepara ou pelo menos não
preparava o futuro professor em sua formação inicial, pelo menos não me preparou; eu tive de
aprender na escola, com os meus pares, não por meio de uma formação continuada, não por
meio de instruções de uma coordenação pedagógica, mas na prática do dia a dia.
Senti-me desafiado com os percursos da minha carreira na fase inicial e essas por que
passei ao ingressar na escola básica, pois não bastam todas essas observações dentro da
universidade; "ser professor se aprende na prática”, era o que mais ouvia. Exercer o papel de
professor exige mais do que ir à escola cumprir sua jornada, sua carga horária, ou cobrir um
colega que faltou. Ser docente é ter um olhar seguido de uma humanidade ímpar, reconhecer as
dificuldades inerentes ao cargo, ao lugar e ao papel social que ocupa e fazer desse cenário um
lugar de aprendizagem pessoal e coletiva. Saber que a formação continuada é um ofício
intrínseco à nossa profissão, e quando o Estado não oferece essa preparação ao docente, este
deve se posicionar e buscá-la.
Ao pensar a formação continuada no espaço oficial instituído, ou seja, no contexto da
escola básica, outros pontos importantes vêm à tona. Dentre eles, o de considerar os aspectos
discursivos que se constroem naquele lugar social. Desse modo, o tema trazido para pesquisa é
“a constituição dos ethé discursivos de professores de língua portuguesa” no cenário formativo
escolar, numa perspectiva da AD de linha francesa, sobretudo, os estudos de Dominique
Maingueneau (1997; 2006; 2008; 2013; 2016; 2018; 2020). Esta pesquisa considera também os
conceitos de discurso, cenografia e ethos/ethé discursivo(s) desses sujeitos discursivos, ou seja,
os professores de língua portuguesa da educação básica.
AD caracteriza-se por transdisciplinar “e se inscreve em conjunturas diversas e articula
em determinado momento, sua reflexão em torno de certo número de questões privilegiadas”
(MAINGUENEAU, 1997, p. 20). Nesse sentido, uma das funções que se atribui à AD é a
16

construção de sentido que são produzidos discursivamente, considerando as interações


sociodiscursivas. A partir dessas perspectivas, pretendemos lançar luz à constituição dos ethé
discursivos do professor de língua portuguesa, considerando as formações continuadas
promovidas pelos órgãos oficiais do Estado de São Paulo.
O interesse em investigar a formação dos professores, com base na constituição do
ethos discursivo, se deu a partir do desenvolvimento da monografia para conclusão de curso
em Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal do ABC (UFABC), a
qual objetivava investigar como a tecnologia digital é trabalhada (quando trabalhada) nas
formações continuadas de professores da escola básica e, ainda, se de fato ela melhora a
qualidade da prática pedagógica do professor no processo de ensino-aprendizagem de língua
portuguesa.
Naquela pesquisa foram investigadas comunicação, linguagem e utilização das novas
tecnologias no meio educativo por meio de sequências didáticas. Foram aplicadas nove
sequências articuladas em disciplina, com forte interação dos professores. A partir da análise
realizada, foi possível perceber a pertinência de prosseguir nos estudos daquela temática, numa
perspectiva mais concentrada, apenas em uma disciplina, a fim de dar possibilidade de respostas
sobre este tema tão complexo: como aliar a tecnologia digital à qualidade na Educação, neste
caso, o ensino de língua portuguesa, considerando a formação continuada do professor.
Nesta perspectiva, esta pesquisa, embora também trate de formação continuada, ganha
outros contornos em relação àquela, porque nesta, a inquietação decorre de estudos do ponto
de vista da AD, considerando, sobretudo, discurso, cenografia e ethos discursivo, além dos
conceitos de competências discursivas e competências digitais e a interface com os letramentos
digitais.
Esta pesquisa foi realizada numa perspectiva qualitativa. A respeito das pesquisas
qualitativas, Gil (2002) considera que “[...] métodos de pesquisa qualitativa estão voltados para
auxiliar os pesquisadores a compreenderem pessoas e seus contextos sociais, culturais e
institucionais” (GIL, 2002, p. 94). Quanto ao delineamento adotado para a coleta de dados, Gil
(2010) classifica “dois grandes grupos de delineamentos: aqueles que se valem das chamadas
fontes de papel e aqueles cujos dados são fornecidos por pessoas: no primeiro grupo estão as
pesquisas bibliográficas e a documental, no segundo, estão as pesquisas ex-post facto, o
levantamento e os estudos de casos.’’ (GIL, 2010, p. 43).
Neste sentido, adota-se a pesquisa bibliográfica no levantamento, seleção, fichamento e
arquivamento de informações relacionadas à pesquisa. O tipo de pesquisa adotado nesta
dissertação é a exploratória. Gil (2002) ainda explica que a pesquisa exploratória tem como
17

finalidade proporcionar maiores informações sobre o assunto que se vai investigar, ademais,
seu planejamento é bastante flexível, o que permite um olhar acurado do objeto de pesquisa.
Tendo em vista esse contexto, nossa pesquisa tem como objetivo geral: compreender o
modo pelo qual é\ são constituídos (s) ethos/ethé discursivo(s) do professor de língua
portuguesa da educação básica, a partir da apropriação dos letramentos digitais na sua prática
pedagógica.

Os objetivos específicos são:

Analisar, numa perspectiva discursiva, a formação do(s) ethos/ethé discursivo(s) do


professor de língua portuguesa da escola básica no espaço formativo da unidade escolar.
Discutir o protagonismo que os letramentos digitais têm nas práticas do professor de
língua portuguesa.
Examinar de que maneira os letramentos digitais auxiliam os professores de língua
portuguesa no desenvolvimento de atividades no processo de ensino-aprendizagem.
Diante desses objetivos, partimos das seguintes indagações:
Como é/são constituído(s) o(s) ethos/ethé discursivo(s) do professor de língua
portuguesa a partir de sua participação nos espaços formativos escolar? Em que medida os
letramentos digitais contribuem para a constituição desse(s) ethos/ ethé do sujeito professor de
língua portuguesa da escola básica?
A partir dessas questões, levantamos algumas hipóteses:
O(s) ethos/ethé discursivo(s) do professor é/são constituído(s) da relação entre teoria
apreendida nos cursos e a prática em sala de aula, criando expectativa de profunda
transformação no fazer pedagógico. Para esse professor, os espaços de formação, as Aulas de
Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC), nas escolas têm uma relação estreita com a realidade
em que esse profissional esteja inserido, de forma que os conteúdos ministrados no curso
alcancem as necessidades do professor e do aluno.
Os letramentos digitais são realidades urgentes em vários âmbitos da sociedade,
inclusive na escola. No contexto formativo, os letramentos digitais têm papel relevante na
prática docente, pois possibilitam atividades integradoras e democráticas, que permitem a
participação mais efetiva dos alunos mediadas por metodologias específicas, levando-os a
refletir sobre os mecanismos de linguagem, sobre os processos de interação dentro e fora da
escola.
18

Os sujeitos-participantes desta pesquisa estão vinculados à Escola Estadual Prefeito


Rinaldo Poli, localizada na Avenida Martins Junior, 2884, Jardim Bela Vista. CEP: 07141-000.
Guarulhos - São Paulo. A Escola está estruturada em 3 prédios, com 3 pavimentos. Atende a
800 alunos do Ensino Fundamental, 6º aos 9º anos, divididos em 25 turmas, distribuídos nos 2
turnos: matutino e vespertino. A escolha desta escola se deu tendo em vista as perspectivas
propostas no estudo desta dissertação, sobretudo no que se refere à formação continuada,
entorno da escola e a familiaridade do pesquisador. Além disso, trata-se de uma escola em que
este pesquisador tem acesso com maior facilidade.
Este trabalho está estruturado em cinco capítulos, além desta introdução, a pesquisa é
constituída da conclusão das referências e dos anexos.
No primeiro capítulo, apresentamos um recorte acerca dos conceitos de discurso,
cenografia e ethos/ethé discursivo(s), situando-os no contexto do espaço formativo da
instituição escolar. Partimos da premissa de que, sendo o espaço formativo um lugar
privilegiado, ganha-se relevância o discurso desses sujeitos baseado nesse tripé: discurso,
cenografia e ethos discursivo, a partir dos estudos de Maingueneau (2013; 2015;2020).
O tema do segundo capítulo são os letramentos digitais. Neste capítulo, discutem-se os
principais conceitos de letramentos digitais e a sua pertinência de serem abordados numa
dissertação, cuja formação docente é um dos objetivos. Nesse sentido, debater a formação
continuada a partir das vivências com a tecnologia digital, mídias e linguagens ganha relevo,
quando pesquisada juntos aos conceitos de letramentos digitais inseridos na prática pedagógica.
A interpretação dos Letramentos digitais segue os conceitos de Buzato, (2006; 2007 e 2010);
Coscarelli (2016), Kenski (1997); Ribeiro (2013) Rojo e Moura (2019).
O terceiro capítulo discute, ainda, a formação continuada em paralelo aos conceitos com
o Currículo Oficial do Estado de São Paulo. Além disso, optamos por discutir uma formação
continuada ancorada nos ideais humanistas de Paulo Freire (1996), a fim de considerar os
saberes profissionais trazidos por Tardiff (2014). Esses conceitos englobam, de maneira mais
geral, que esta dissertação pretende debater: uma formação local com variadas possibilidades
de diálogos, e ganhos acadêmicos tendo o conhecimento sendo partilhado, como apontamos no
primeiro objetivo específico já mencionado nesta parte da dissertação.
O quarto capítulo trata das questões relativas à metodologia da pesquisa: a abordagem,
a descrição dos sujeitos e do corpus analisado. O quinto capítulo, por sua vez, centrou-se na
análise do nosso corpus: a análise do documento oficial, das entrevistas semiestruturadas com
os professores de língua portuguesa daquela escola já descrita nestas considerações iniciais.
Este capítulo apresenta um recorte das propostas de formação continuada da Secretaria de
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Educação do Estado de São Paulo (SEDUC) para os professores de língua portuguesa, a partir
do currículo oficial implantando no Estado em dois mil e oito, e demais atos normativos
publicados nos anos de dois mil e treze e dois mil e dezessete.
Nesse sentido, um dos motivos que justifica esta pesquisa de dissertação estar situada
na linha de Linguagem e Novos Contexto do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal de São Paulo é o fato de termos a chance de refletir sobre que imagens
são construídas desses sujeitos-professores a partir da inserção dos letramentos digitais no
processo de ensino-aprendizagem. Ao examinar essa dinâmica do professor face aos
letramentos digitais, também nos dá a chance de refletir, por meio de seu(s) ethos/ethé
discursivo(s), no contexto das tecnologias digitais, que imagem(ns) vai/vão sendo constituída(s)
desse professor e nos colocam a pensar na prática desse profissional em sala de aula nesse
contexto de uso da linguagem e sua própria formação.
Justifica-se, pois, ainda, esta pesquisa pelo fato de que, ao propor a análise da formação
continuada de professores de língua portuguesa no viés da AD, nos são proporcionadas
reflexões sobre questões pouco debatidas, ou seja, colocar o papel do professor no centro do
debate, do seu papel discursivo, das suas impressões, no caminho formativo e os discursos do
sujeito-professor. É possível vislumbrar possibilidades que tais estudos possam ter, com base
em implicações em práticas que subjazem ao discurso instituído pelos órgãos oficiais e a voz
de quem está no chão da escola, no caso, a voz do sujeito professor.
Por fim, este estudo justifica-se, também, na medida em que a pesquisa se encaixa no
contexto contemporâneo, cuja intercompreensão entre ciência e senso comum permeia toda a
sociedade. Nesse sentido, discutir a formação continuada de professor, nos moldes que a
trazemos nesta dissertação, permite promover reflexões que vão além da escola escolhida para
esta pesquisa, mas na escola pública de forma geral, dentro da especificidade de cada lugar e
dos objetivos de estudos escolhidos.
Em vista do tema desta dissertação, espera-se, em certa medida, que os estudos em tela
possam contribuir com novas perspectivas e reflexões acerca dos estudos da linguagem,
letramentos digitais e formação continuada, tendo como os pressupostos da análise do discurso
no bojo do processo de ensino-aprendizagem, mais especificamente no ensino de língua
portuguesa, com vistas a aprofundar os estudos nessa área do conhecimento. Espera-se também
que se possa verificar a importância da análise do discurso como veículo de reflexão-ação nos
diferentes papeis do nosso cotidiano, sobretudo na escola pública de forma geral, dentro da
especificidade de cada lugar e dos objetivos de estudos escolhidos.
20

CAPÍTULO 1

DISCURSO, CENOGRAFIA, ETHOS DISCURSIVO E COMPETÊNCIA


DISCURSIVA: REFLEXÕES SOBRE QUESTÕES DISCURSIVAS

Este capítulo objetiva abordar os conceitos inerentes à Linguística, mais


especificamente aqueles voltados para a AD, sobretudo aos estudos de Dominique
Maingueneau. São conceitos que fundamentam esta pesquisa: discurso, cenografia, ethos
discursivo e competência discursiva, além da interface da constituição do(s) ethos/ethé
discursivo(s) do professor de língua portuguesa no processo de ensino-aprendizagem na
educação básica.
Na primeira parte, tratamos do discurso e suas nuances, passando pelas leis dos
discursos, o campo discursivo e os efeitos de sentido causados pelo processo de interação entre
os sujeitos discursivos. Na seção seguinte, é abordada a cenografia. Este conceito ocupa um
lugar de suma importância na teoria de Maingueneau, ao lado do ethos discursivo, objeto da
discussão seguinte. Na última seção, não menos importante, é tratada a competência discursiva,
que coloca o enunciador e enunciatário em papéis bem específicos na construção do discurso.

1.1. O discurso e suas nuances

A AD é um campo da Linguística especializada em analisar construções presentes no


produto e no objeto da atividade discursiva, ou seja, o texto como discurso. Entretanto, só esse
aspecto não basta para AD; outros fatores são relevantes, como o lugar discursivo de onde
emerge o discurso e as estratégias discursivas, uma vez que considera o enunciatário e a
cenografia no processo de enunciação. Fazem-se relevantes, ainda, os vários pressupostos e as
diversas normas que o discurso exige para que, de fato, um ato se efetive como discurso. O
termo discurso é plurissêmico, como afirma Maingueneau (2015). Não há ponto comum acerca
desse conceito, se considerarmos diferentes áreas do conhecimento.
Maingueneau (2015) classifica a noção de discurso como “uma instabilidade” no campo
da AD. O autor lembra que as obras de referência não se dedicam a explicar tal termo e o coloca
de duas maneiras: como substantivos não contáveis e como substantivo contável. Aquele ligado
às estruturas, às crenças de um determinado grupo social; ele está relacionado a um
21

acontecimento de fala, ou mesmo a um conjunto de texto. Maingueneau (2015, p. 25-29)


apresenta oito características do discurso:
1 - Discurso é uma organização além da frase. Desse ponto de vista, ele não é visto
necessariamente superior à frase; o discurso, nessa perspectiva, mobiliza certas estruturas que
formam unidades completas de sentidos.
2 - Discurso é uma forma de ação, ou seja, o discurso é uma ação sobre o outro e não
apenas uma representação no mundo. Ações como prometer, sugerir, afirmar são vistas como
ações modificadoras.
3 - O discurso é interativo. A interação em questão pressupõe dois ou mais parceiros em
posições em que há interação; os interlocutores se coordenam e percebem o efeito da palavra
em si.
4 - O discurso é contextualizado. Contexto e discurso interagem mutuamente. O
contexto, nesse caso, é o próprio lugar em que ocorre o enunciado.
5 - O discurso é assumido por um sujeito: a validade de um discurso está diretamente
associada a um sujeito um /EU/ que se coloca como fonte de referências pessoais, temporais e
parciais, ou seja, alguém assume esse discurso no tempo e um lugar; sem sujeito não há
discurso.
6 - O discurso é regido por normas. As normas a que se refere esse conceito dizem
respeito às leis do discurso. Nesse sentido, Maingueneau argumenta que qualquer atividade
verbal ou social é regida por normas particulares que se adequam a toda troca verbal.
7 - O discurso é assumido no bojo de um interdiscurso: - um discurso passível de
interpretação; só é cabível se colocado em relação a outro discurso. Para Maingueneau (2015),
só podemos fazer uma interpretação efetiva de um enunciado qualquer, se pudermos relacioná-
lo a outros enunciados no qual ele se apoia.
8 - O discurso constrói sentido socialmente. Essa visão trata das interações orais a
respeito das demandas coletivas cujo objeto é um público mais amplo. O sentido do discurso
pode e deve ser construído seguindo a peculiaridade que lhe é própria, pois a noção de discurso
constitui assim uma espécie de invólucro comum para posições às vezes fortemente
divergente." (MAINGUENEAU, 2015, p. 29). Por essas perspectivas, o discurso permite, ainda
de acordo com Maingueneau (2015), situá-lo concomitantemente, e, num paralelo, diferenciá-
lo a cada cenografia em que é empregado.
É o que ocorre, por exemplo, com o discurso da Secretaria de Educação e o discurso da
escola: do diretor, do coordenador, dos agentes, dos professores. Podemos observar o discurso
se referindo à Educação. Eles se divergem, entre outros aspectos, pelo lugar social de cada
22

sujeito que os emite. Quando um professor muda de escola, ou quando se muda o próprio
Secretário de Estado, cada sujeito adapta seu discurso ao momento em que o profere e ao
próprio papel discursivo que ocupa na enunciação.
Um outro discurso corrente da Secretaria de Educação é o da otimização, entre outros,
do uso do recurso tecnológico nas escolas. Equipar escola não será a solução para os problemas
educacionais. Esses discursos são válidos e encontram sua importância na escola, porém
precisam ser avalizados pelos professores; precisam ser considerados nas práticas pedagógicas,
sobretudo nos seus aspectos sociais que subjazem as tecnologias no dia a dia do processo de
ensino-aprendizagem. Ademais, outros aspectos vão ao encontro desse discurso da otimização
dos recursos tecnológicos como tábua de salvação; no entanto, há outros, como o baixo
letramento digital, ou mesmo problemas mais pontuais de ordem muito diversa dentre eles, a
baixa conectividade acaba por não trazer resultados positivos na prática pedagógica.
Com efeito, há discursos muito diversos na escola: discurso pedagógico, discurso
administrativo; discurso dos funcionários, dos alunos, dos pais, da comunidade de forma geral
e esse discurso traz os efeitos que podem ser muito diversos e abarcam as práticas diárias da
escola em vários segmentos responsáveis por quebra de paradigmas que, muitas vezes, tirem
do professor a imagem do detentor de um conhecimento uno; atribui-se a ele um papel
intelectual, de relevância social alinhado aos discursos provenientes da Secretaria de Educação.
O discurso recorrente é que o professor exerça a função de um mediador responsável na
construção do conhecimento, que deve ocorrer de forma coletiva e colaborativa no processo de
ensino-aprendizagem.
De fato, o termo discurso, como foi colocado, carece de definição a depender da
cenografia, todavia quanto à carga ideológica que ele carrega, não há dúvidas. Cada discurso
faz uma espécie de encaixamento representativo a depender do lugar e do sujeito que o enuncia.
Seja em um aviso, seja em um recado, seja um curso formativo, dentro de um corpus, tudo
apresenta um discurso. É nesse contexto que dizemos que nenhum discurso acontece no vazio,
sem que haja, por trás dele, alguns pressupostos discursivos. Todo discurso é cortado por outros
discursos; todo discurso é engendrado, é construído em outro discurso. De acordo com
Maingueneau (2015, p. 117-118),

De fato, o discurso pressupõe certos quadros definidos pelas restrições dos gêneros,
mas deve também gerir esse quadro pela encenação de uma encenação. Mas como
verá, a relação entre o quadro prévio e a encenação da fala que a enunciação implica
não é a mesma em todos os gêneros de discurso.
23

Levando em consideração o conceito de Maingueneau (2015) de que o discurso é


situado, ou seja, acontece num determinado lugar, de uma determinada forma, o espaço escolar
é, então, um lugar privilegiado para o discurso se materializar em ações. Tendo em vista o
contexto educacional, muitas vezes, ele é imposto pela Secretaria Estadual de Educação, por
exemplo, quando se trata da esfera discursiva pedagógica, atividades pedagógicas a serem
desenvolvidas nas unidades escolares.
Essa perspectiva, tendo em vista os objetivos desta pesquisa, implica olhar o sistema
educacional de forma ampla, nas suas mais diversas ramificações. Embora pertencente ao
mesmo sistema escolar, uma escola não tem as mesmas necessidades nem às urgências que
outra. Daí a importância de se ter uma formação setorizada que leve em consideração o local,
o contexto e os projetos de vida dos alunos.
Nessa mesma linha argumentativa, é mister refletir que discursos chegam à escola por
vias muito variadas, e como são recepcionados pelos sujeitos presentes neste espaço de
construção de conhecimento coletivamente. É preciso observar se os sujeitos são meros
consumidores de um discurso já instituído ou se se tornam produtores de um novo discurso,
dando voz ao lugar de produção, não de recepção, apenas. Como aponta Maingueneau (2015,
p. 29):

Vê-se que o emprego do discurso tem duplo alcance. Permite ao mesmo tempo
designar objeto de análise (o discurso da imprensa, o discurso dos médicos...) e
mostrar que se adota um determinado ponto de vista sobre eles. Dizer, por exemplo,
que esse panfleto ou esse jornal são discurso é também mostrar que eles são
considerados como discurso, mobilizadores de certas ideias – força.

É nesse contexto que inscrevemos nossa pesquisa, apostando nas formas várias de
produção de discurso. Reconhecemos que existem, dentro da escola, outras vozes e não basta
exercer um papel burocrático enquanto ocupante de um cargo de professor; é preciso que esse
papel de professor se efetive por meio do dizer do sujeito-professor, em sua prática pedagógica
na sala de aula. Um exemplo mais amplo é o discurso do fracasso escolar ou da qualidade
escolar. É preciso situar esses discursos dentro das ‘normas’ que garantam a sua validade para
que não sejam apenas ‘simulacros’, e que, de fato, caracterizam-se como uma produção social.
Podemos entender, assim, o discurso como forma de interação a partir de um lugar
específico, no caso desta pesquisa, a escola. Os sujeitos envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem devem ser capazes de construir sentido, mobilizar formas e conteúdo em vários
gêneros de discurso que circulam no ambiente formativo educacional, sem, contudo, se anular.
24

1.2 Cenografia e contexto educacional

O terreno da AD é, sobretudo, o das categorias de análise que se debruçam acerca dos


papeis discursivos em que seus atores estão envolvidos, ou seja, o discurso. Com efeito,
“Enunciar não é apenas ativar as normas de uma instituição de fala prévia; é construir sobre
essa base uma encenação: uma cenografia" (MAINGUENEAU, 2015, p. 122). Essa cenografia
tem o papel de validar um determinado discurso, para o autor:

A noção de cenografia se apóia na ideia de que o enunciador, por meio da enunciação,


organiza a situação a partir da qual pretende enunciar. Todo discurso, por seu próprio
desenvolvimento, pretende, de fato, suscitar a adesão dos destinatários instaurando a
cenografia que o legitima. Esta é imposta logo de início, mas deve ser legitimada por
meio da própria enunciação (MAINGUENEAU, 2015, p. 123).

A cenografia legitima um enunciado; ela faz com o que o discurso proferido por um
sujeito, o qual pertence àquela cenografia, seja condizente ao mundo configurado. Nesse
sentido, pensar a formação continuada de professores, levando em consideração as cenografias
diversas que o sujeito da escola escolhe para atuar, desempenhar seu papel social, é pensar nos
discursos que, além de serem validados socialmente, encontram a adesão de seus participantes.
Essas vertentes subjazem a posição do sujeitos-professores como construtores sociais e de
participação na sociedade em que estão inseridos.
Maingueneau (2015) nos lembra que uma instância enunciativa “resulta do recorte de
um setor da atividade social caracterizável por uma rede de gêneros de discurso”
(MAINGUENEAU, 2015, p. 118). Nas palavras dele, esses gêneros discursivos acontecem de
forma paradoxal, isso porque, ao mesmo tempo em que a instância enunciativa dá sustentação
ao sujeito, ela é condição determinante do processo sócio-histórico do discurso, ou seja, subjuga
o sujeito às mesmas condições de produção discursiva. Esse fato faz com que o sujeito, mesmo
reconhecendo-se, esteja no bojo dessas mesmas regras do discurso, a uma mesma cenografia.
Essas mesmas regras discursivas, no entanto, não levam em conta as estratégias
discursivas que cada sujeito lança mão para poder se manifestar. Quanto ao discurso, cada
sujeito deve observar certas regras discursivas, porém quanto à cenografia, cada um deve
levantar uma cenografia própria. É o que acontece, por exemplo, com o discurso monologal em
que devemos considerar as cenas de enunciação, nas quais acontecem os discursos. Nesse
sentido, segundo Maingueneau (2015), a cenografia não é simplesmente um quadro, um
cenário, como se o discurso aparecesse inesperadamente no interior de um espaço já construído
e independente dele. Nas palavras do autor:
25

Uma cenografia só se desenvolve plenamente se o locutor puder controlar seu


desenvolvimento. Nesse sentido, as cenografias mais destacadas e as mais estáveis
são as enunciações monologais, nas quais o locutor pode dominar o conjunto do
processo. Em uma interação oral, é difícil, para os participantes, impor a mesma
cenografia ao longo de toda a interação: eles são obrigados a reagir imediatamente a
situações imprevisíveis suscitadas pelos interlocutores e, então, a modificar
continuadamente a encenação de sua palavra. (MAINGUENEAU, 2015, p. 123)

A cenografia é, portanto, considerada o modo pelo qual os sujeitos enunciam entre o


que se diz, do lugar de produção do discurso pelo seu produtor. Dessa forma, a escolha de uma
cenografia, segundo o autor, não se dá de modo aleatório, já que o discurso está intrinsecamente
ligado a ela com o objetivo obter a adesão de seu enunciatário.
Neste sentido, não basta termos um espaço formativo com horários de funcionamentos;
é preciso que esse espaço se legitime pelas ações, pelos discursos, a ponto de reconfigurar o
instituído pelos documentos oficiais, dando voz aos sujeitos de discurso em formação
continuada. Como vimos, o discurso impõe sua cenografia.
Essa formação continuada deve ser legitimada pelos participantes por meios de cenários
próprios da escola, construindo certas cenas que são suscitadas pelo formador e reconstruídas
pelos professores, uma vez que a cenografia se apoia entre o que se diz e o que se tem a dizer.
As formações são necessárias para fortalecer o discurso pedagógico, mas as cenas em que elas
ocorrem devem legitimar essas necessidades. De fato,

O termo “cena” apresenta ainda a vantagem de poder referir ao mesmo tempo um


quadro e um processo: ela é ao mesmo tempo, o espaço bem delimitado no qual são
representadas as peças [...] e as sequências das ações, verbais e não verbais que
habitam esse espaço [...] (MAINGUENEAU, 2015, p. 117)

A escola como espaço pedagógico permite ao professor atuar nessas cenas ao receber o
discurso da Secretaria de Educação (SEDUC), por exemplo, - como um orientador merecedor
de crédito “com tudo o que isso implica em termos de relações sociais e de construção da
subjetividade.” (MAINGUENEAU, 2015, p. 170). Assim, a própria Secretaria de Educação
atua como fonte de formação necessária para uma atuação e mudança na prática pedagógica de
forma centralizada, cujos “papéis "estatutários" (presidente, comerciante, professor etc.)
associados a comportamentos discursivos e papéis "verbais" (MAINGUENEAU, 2015, p. 121).
O discurso institucional se apresenta ampliado e coloca-se em atividades prontas para serem
reproduzidas nas salas por meio de materiais semiprontos, apostila, sequências didáticas.
O espaço formativo da escola não deve se limitar a um lugar em que os professores se
reúnem para reproduzir o que vem da SEDUC. Neste espaço, é instituída uma cenografia a cada
26

vez que o discurso formativo trazido pelos documentos oficiais é reelaborado pelos professores
nas interações entre os pares, ou mesmo entre eles e os diálogos com a própria gestão
administrativa. O espaço social em que se apoia, então, esta pesquisa, permite observar a
especificidade dos discursos que cortam e se entrecruzam espaço educacional produzindo
cenografias variadas, e diz respeito aos professores, aos alunos, aos funcionários, sujeitos que
atuam naquela escola com seu público específico.

1.2. Ethos/Ethé discursivo(s): a intersecção entre as imagens e as relações discursivas

Dominique Maingueneau teoriza, operacionaliza e relê o conceito de ethos em diversos


trabalhos, todavia, para o autor, “estudar o ethos é, na realidade, estudar a enunciação em seu
conjunto, mas sobre um determinado ângulo”, (MAINGUENEAU, 2020, p. 8). Ele ainda nos
adverte: “esse ângulo seja pertinente, ofereça um ponto de observação interessante para
destravar certas propriedades dos enunciados que nos proponhamos a estudar"
(MAINGUENEAU, 2020, p. 8). De acordo com autor, o ethos discursivo é parte integrante de
toda enunciação de todo discurso.
O ethos se constrói no e pelo discurso. Ele se manifesta no momento da enunciação. O
enunciador se coloca numa cena enunciativa e o seu enunciatário avaliará tal comportamento
em relação ao enunciado, aderindo ou não a seu discurso, construindo uma imagem do seu
enunciador.
Assim, “estudar o ethos, é se apoiar em um dado simples e intuitivo, coextensivo a todo
uso da linguagem: o destinatário constrói sua representação do locutor por meio daquilo que
ele diz e da maneira de dizê-lo’’ (MAINGUENEAU, 2020, p. 9). Essa imagem, no entanto, não
é explícita; ela se constrói num processo de interação discursiva, pois “é uma noção
fundamentalmente híbrida (sociodiscursiva), um comportamento avaliado, que não pode ser
apreendido fora de uma situação de comunicação precisa, integrada e numa conjuntura sócio-
histórica” (MAINGUENEAU, 2015, p. 17).
O ethos, nessa perspectiva, articula seu discurso numa dada cena, levando em
consideração o papel do fiador, ou seja, a convergência entre o que se diz e o que se mostra por
meio do seu enunciado. “Trata-se de uma concepção marcadamente escarnada do ethos. Algo
da ordem da experiência sensível entra em jogo na comunicação verbal”. (MAINGUENEAU,
2020, p.14). Ou seja, por meio de certas estratégias discursivas. Para o autor,
27

O Fiador vê atribuído a si um caráter e uma corporalidade, cujo grau de precisão varia


de acordo com o texto. [...] já quanto à corporalidade, ela está associada a uma
compleição física e uma maneira de vestir, a um modo de se mover no espaço social,
a um comportamento. O destinatário constrói, de maneira mais ou menos fluida mais
ou menos consciência, a figura desse fiador apoiando-se em um conjunto difuso de
representações sociais estereotipadas, valorizadas ou desvalorizadas, que a
enunciação contribui para reforçar ou transformar (MAINGUENEAU, 2020, p.14)

O conceito de ethos abordado por Maingueneau (2020) opera no discurso, esperando de


seu enunciatário não o convencimento, mas sim a adesão. Essa adesão consiste em levar o
enunciatário a se identificar com a movimentação de um corpo investido de valores socialmente
construídos.
No caso desta pesquisa, é possível observar que, além do discurso da Secretaria de
Educação, há o produzido na escola, que se revela uma inquietação em vários aspectos tais
como a discussão de políticas públicas para os magistérios, desafios para os docentes, o que
implica repensar não somente o currículo da Secretaria de Educação, mas também como são
feitas as formações continuadas nas escolas a partir de uma normatização orientadora da
Proposta Curricular vigente (2019).
A formação continuada é um processo de construção da escola, e também para imagem
do professor, em relação aos discursos oficiais; ela está vinculada à sua prática pedagógica em
sala de aula, a concepção de educação, sobretudo quanto à concepção de ensino. A essas
formações, são criadas certas expectativas que são levadas à sala de aula e percebidas pelos
pares e pelos alunos, numa espécie de curriculum vitae, estabelecendo com seu público, fortes
relações discursivas.
Neste contexto, o ethos discursivo do professor, a partir daquele espaço de formação
continuada, é construído em diferentes representações, tais como o professor intelectual, o
crítico, o questionador etc. quando ele interage, discute as propostas da rede estadual de
educação com seus pares e se coloca como sujeito de discurso atuante no seu espaço formativo.
O ethos discursivo, nas palavras de Maingueneau (2020), nos dá duas demonstrações,
ou duas subcategorias, duas maneiras de se sobressair que, somando-os, é expresso pelo
enunciador, a fala sobre si: sou democrata, sou honesto, ou seja “o ethos está crucialmente
vinculado ao ato de enunciação” (MAINGUENEAU, 2020, p.12). O ethos mostrado é a
verificação, é a imagem que o enunciatário constrói acerca do discurso desse enunciador
quando este enuncia.
Levando-se em consideração os objetivos desta pesquisa, é lícito afirmar que esse ethos
é formado numa cenografia específica em que as formações ocorrem, quando se conjugam, no
discurso, nos atos e nos posicionamentos, no caso desta pesquisa a do professor de língua
28

portuguesa. O ethos desse professor é “mostrado no ato de enunciação”, e “não no dito”. Esse
ethos vai se manifestar na prática, nas concepções que esse professor carrega para sala de aula.
A respeito da imagem que construímos de um sujeito enunciador, ou seja, o ethos,
Maingueneau (2020) argumenta que essa imagem se dá no discurso em suas múltiplas relações
com o outro (sujeitos e discursos) e imerge na articulação entre variados elementos (verbais e
não verbais, éticos e estéticos). Por isso, para escolher um ethos convincente, aliás, “é decisivo
nos gêneros discursivos em que os locutores têm de conquistar um público ainda não ganha sua
causa” (MAINGUENEAU, 2020, p. 14). É nessa conjuntura que se espera que os discursos
oficiais da SEDUC tenham a devida adesão pelos professores em formação continuada.
A formação discursiva que cerca um curso formativo também deve ser considerado
como restrição enunciativa, em que se cristalizam conflitos discursivos de diferentes ordens:
escolha do curso, relação com a prática docente, papel multiplicador do conhecimento. Em
textos anteriores, por exemplo, Maingueneau já afirmava que o ethos discursivo se instala por
meio de três ações complementares: discurso, interação, híbrido.
Ao relacionar o ethos à cenografia, uma vez que esta se caracteriza como o lugar em
que discurso é materializado, Maingueneau (2020) traz outras categorias em que o ethos se
relaciona a três dimensões: categorial, experiencial e ideológica, interagindo fortemente uma
com outra de acordo com os papeis que o sujeito exerce. O ethos não é revestido de
características físicas, mas sim da imagem como ele é visto pelo seu destinatário.
O estudo acerca do ethos discursivo voltado à formação continuada nos permite um
olhar mais acurado acerca da percepção dos professores além do discurso; todavia, com o
cuidado reflete as práticas pedagógicas em sala de aula e o olhar que esses têm quanto à imagem
que se constroem por meio de uma formação continuada, os documentos oficiais que lhe servem
de embasamento norteador e, sobretudo, em que esse professor acredita enquanto profissional
da educação.
Ao dizer que o ethos se manifesta no ato da enunciação, é mister dizer que ele não está
no ato enunciado, ou seja. o ethos não está representado em falas, mas no conjunto de enunciado
que o enunciador promove, levando em conta a cenografia que ele próprio construiu por meio
do discurso. À AD o que realmente interessa é a ação discursiva, ou seja, “Sua área de
rendimento máximo [..] através de textos escritos ou orais, se define uma identidade individual
ou coletiva que, por um trabalho de posicionamento implícito ou explícito, deve fazer ‘boa
figura’, mostrar uma forma coerente e significativa para determinada coletividade”
(MAINGUENEAU, 2020, p. 168). Ademais, o ethos discursivo, a partir de cenas enunciativas,
29

manifesta-se por meio das interações entre o curso formativo e as práticas pedagógicas, que
naquele contexto, são socialmente distribuídas entre os sujeitos.
Esta seção evidenciou o conceito referente ao ethos discursivo que norteia a análise do
corpus desta dissertação.

1.4. A competência discursiva: entre o discurso e a produção de discurso

Competência discursiva deve ser entendida como pressuposto para abordar os conceitos
inerentes à formação continuada de professor, mais especificamente aqueles voltados para a
atuação dos professores de língua portuguesa ao se verificar a interface com os letramentos
digitais. São conceitos caros, os quais fundamentam e ajudam a explicitar o(s) ethos/ethé
discursivo(s) do professor, que leva(m) em conta o discurso e a cenografia já explicitados
anteriormente. Para fazer esse caminho, nos cercamos num referencial teórico que discute uma
formação continuada, além dos documentos oficiais que vislumbram um debate acerca do
processo de ensino-aprendizagem.
A formação continuada promovida na escola é um processo de construção coletiva, pois
pressupõe que os sujeitos-professores se reúnem em grupos, ou em pares e, nesse contexto,
outro aspecto ganha relevância: a competência discursiva. Por serem sujeitos constituídos
de/nas linguagens, faz-se necessária uma interação com os pares, e reconhecer o suporte em
que elas estão inseridas e a maneira como os pares recorrem aos textos nos seus mais variados
formatos.
No contexto atual, exige-se também dos sujeitos familiaridade com as ferramentas
digitais, mas também certa criticidade das informações disponíveis na web. Diante dessas
circunstâncias, surge a necessidade de olhar a importância de uma competência discursiva
voltada na formação continuada, haja vista que com a inserção das tecnologias digitais na
escola, ainda que pelas redes sociais, temos que saber como tirar proveitos pedagógicos dessa
nova forma de se comunicar socialmente no fazer docente.
Competência discursiva, nesse aspecto, está diretamente relacionada com o mundo que
nos cerca, ao discurso, às tecnologias digitais, ou seja, está intrinsecamente relacionada quando
interagimos, usando as diversas linguagens que temos à nossa disposição.
Em cada um desses discursos subjaz uma linguagem e eles estão disponíveis em vários
espaços. Para acessá-los, faz-se urgente mobilizarmos certas tecnologias para conseguirmos
interagir com as novas formas de linguagens como produtor/consumidor das tecnologias
digitais, pois, nessa nova era, não dá mais para ocupar um lado apenas, produtor/receptor das
30

tecnologias nos afeta simultaneamente de tal forma que, ao mesmo tempo, produzo, sou
produzido. Neste contexto em que o professor é alçado à condição de sujeito de linguagem, ou
seja, responsivo e social, há a necessidade de um espaço formativo com relevância. Nesse
sentido, tomamos outro conceito de competência discursiva trazido por Maingueneau (2008, p.
52-53):

O princípio de uma competência discursiva permite esclarecer um pouco a articulação


do discurso e a capacidade dos Sujeitos de interpretar e de produzir enunciados que
dele decorram. Nesse ponto, retomamos uma problemática clássica em gramática
gerativa, a do modo de aquisição das estruturas gramaticais (...)No caso da
competência discursiva, mais que invocar uma espécie de “impregnação” misteriosa
para explicar sua aquisição, seria mais verossímil postular que existe uma relação 37
estreita entre a simplicidade do sistema de restrições do discurso e a possibilidade de
dominá-lo. (...) Mas o que se mantém como determinante é que, sem a construção de
um modelo que apresente uma coerência semântica máxima, seríamos completamente
incapazes de atribuir um conteúdo minimamente preciso.

Ao conceituar a competência discursiva, podemos perceber que o autor considera o


universo discursivo do qual o analista deverá mobilizar certas hipóteses no interior de cada
enunciado, ou seja, construir uma formação discursiva que considera heterogeneidade presente
no próprio interdiscurso que subjaz o discurso na totalidade. Ainda em Maingueneau,
observamos que:

A competência discursiva supõe que o enunciador de um discurso seja capaz de


reconhecer enunciados como “bem formados”, isto é, que pertencem a sua própria
formação discursiva, mas seja também capaz de produzir um número ilimitado de
enunciados inéditos pertencentes a essa formação discursiva. (MAINGUENEAU,
2008, p. 54)

Competência discursiva, como a proposta por Maingueneau (2008), pressupõe, então, o


entendimento de certas formações discursivas que vão reger a própria noção de discurso dentro
de um sistema amplo de comunicação como atividade social. Maingueneau (2013) afirma que
o discurso é reflexivo, o que exige um destinatário capaz de legitimar sua própria ação enquanto
fala, que deve ser legitimada pelo próprio direito de falar. Maingueneau (2008) afirma que:

[...] a competência interdiscursiva supõe a aptidão para reconhecer a


incompatibilidade semântica de enunciados da ou das formações(ões) do espaço
discursivo que constitui(em) seu Outro; a aptidão de interpretar, de traduzir esses
enunciados nas categorias de seu próprio sistema de restrições (MAINGUENEAU,
2008, p. 55)
31

Uma concepção de formação continuada que se reconheça discursivamente é capaz de


trazer para o espaço formativo diferentes ferramentas no sentido de que “aquilo que foi
efetivamente dito” para “aquilo que pode ser dito” (MAINGUENEAU, 2008, p. 51) e sejam
capazes de dialogar com diferentes perspectivas de ensino- aprendizagem. Não há só um
caminho; temos uma escolha ampla. Um curso de formação continuada, por exemplo, objetiva,
também, a capacidade de explicitação de ideias, conceitos, práticas pedagógicas, considerando
o contexto escolar. Um professor tem uma formação inicial; é papel da formação continuada
auxiliar esse professor a explicitar esse conhecimento tácito, e isso se faz nas formações, nos
trabalhos coletivos, ou seja, nas interações entre colegas, documentos formativos concepção
teórica e com seu público-alvo,
Segundo Maingueneau (2013), o domínio de tais competências não são suficientes para
uma atividade verbal. O autor argumenta que a competência linguística, ao lado do saber
enciclopédico, ocupa lugar de fundamental importância na interpretação dos discursos. Ainda
de acordo com o autor, na competência enciclopédia não podemos nos valer apenas dos saberes,
mas também temos que mobilizar habilidades para encarar certas ações estereotipadas do
mundo para que façamos uma boa interpretação.
No caso da escola, em que não basta reconstruir os discursos vindos da Secretaria de
Educação, é preciso criar condições para que esses eventos discursivos se manifestem. O foco,
então, dessas instituições que marcam esse lugar de fala, por meios de seus sujeitos, se dá nas
posições discursivas, que, muitas vezes, não são sempre ligadas pelas classes sociais que a
praticam, mas se materializam quando imprimimos a ela os efeitos pretendidos. No momento
em que o discurso ganha corpo e atinge os fins dentro de uma cadeia discursiva, vemos que não
é possível formular uma teoria acerca da ideologia, porque ela está em toda parte; ela está a
serviço de um interesse de um grupo social.
Uma formação continuada, numa perspectiva discursiva, centra-se na estrutura que
compõem as nuances dialógicas que marcam o real posicionamento do sujeito e este passa a ser
visto como aquele que fala, considerando o lugar em que enuncia respeitando certas regras e se
constituindo corresponsável pelos efeitos provenientes de suas ações discursivas. Em meio a
essas tensões, acontece a interação entre sujeitos e o mundo mediado pela linguagem. Essa
interação se configura em discursos que são formulados numa dada instância sócio-histórica e
passa a circular socialmente.
Como o discurso é sempre situado, ou seja, ele retrata o que está no social, como o do
professor, pronunciamos um discurso voltado a uma ação pedagógica no sentido de que, se não
32

pode mudar o discurso, que vem instituído, pode, ao menos, combinar formas de organizar suas
ações a partir das próprias cenografias escolares, que são, por natureza, variadas.
O saber não está fechado entre o professor e o aluno, entre a proposta pedagógica e a
escola. O sujeito professor medeia essas informações por meios de outras ferramentas, entre
elas as tecnologias digitais. O currículo escolar é o padrão, mas pode ser mediado e adaptado
ao contexto de atuação. Há uma instabilidade permanente, pois, se por um lado temos a
Secretaria de Educação como instância superior, por outro, temos certos espaços que exigem
variações que vão organizar, na ponta, na escola, o agenciamento dessas competências
discursivas.
A competência discursiva se organiza em torno das vivências do sujeito e se relaciona
às funções ideacionárias, interpessoal e textual da língua. Nesse sentido, adequam-se às
necessidades de acordo com as cenografias em que estamos inseridos. Esta pesquisa não
considera ser a competência discursiva inata, inerente ao sujeito, uma vez que elas se constroem
ou se dão no decorrer das próprias práticas discursivas em diferentes instâncias discursivas.
Essas relações entre textos e os discursos provenientes deles, em certa medida, legitimam as
manifestações culturais intervindo positivamente na sociedade.
Pela competência discursiva, percebe-se que vão sendo construídas, na formação inicial
ou continuada, a possibilidade de entender os documentos oficiais que norteiam a educação
pública, como ferramenta cara à educação, justamente porque ela, a proposta, não é direcionada
a um público unitário, mas abrange o Estado de São Paulo (no caso desta pesquisa) com
necessidades específicas.
O público, as escolas, seus professores, seus alunos são diferentes; cada comunidade
possui a sua escola identidade. O sujeito discursivo é o ser que não está associado a lugar algum,
ele está flutuante. Ele está vinculado a sua própria formação, suas convicções e identidades para
entender o contexto em que expressa seus valores implicados na relação entre a proposta em
que se apresentam as estratégias discursivas, o que vou fazer e como vou fazer quando eu me
apropriar do espaço escolar revestido do papel de professor.
Considera-se, a partir do que foi exposto, que a competência discursiva, sobretudo na
formação continuada, em que os sujeitos professores constroem seus papéis discursivos,
interagindo nas diversas cenografias escolares, revestem-se, nas palavras de Maingueneau
(2008) de uma incorporação dos próprios discursos proferidos. Portanto, faz-se necessário que
o sujeito-professor se apresente como um sujeito social, consciente do papel discursivo que ele
exerce, interagindo com outros sujeitos, seja professor, seja com os alunos.
33

Assim sendo, compreender como o conceito de competência discursiva se articula e


como ele impacta as crenças, mobiliza valores e, no caso, às próprias práticas de ensino,
pressupõe um sujeito enunciador capaz de produzir discursos e se posicionar diante deles, pois
uma competência discursiva “mobiliza simultaneamente diversos canais” (MAINGUENEAU,
2015, p.159). Nesse sentido, em última instância, competência discursiva, portanto, tendo em
vista o contexto desta pesquisa, deve fazer com que o sujeito-professor interaja com o caráter
social da linguagem.
34

CAPÍTULO 2

INTERAÇÃO/ INTERATIVIDADE E LETRAMENTOS DIGITAIS: UMA


FORMAÇÃO CONECTADA

Este capítulo está organizado em três tópicos: interação e interatividade; competência


digital, e letramento (s) digital (is), subdivididos em seis seções, nas quais são tratadas as
práticas pedagógicas como pressupostos inerentes à formação continuada, mais
especificamente aquelas voltadas para a atuação dos professores de língua portuguesa.
Competência digital, em certa medida, implica letramento digital que, por sua vez,
implica uma interação/interatividade, quando se trata dos letramentos digitais, muito embora o
contrário não seja verdadeiro. Todavia, interação/interatividade é um pressuposto para os
letramentos digitais, que são os conceitos adotados nesta dissertação, uma vez que são
pressupostos para uma competência digital necessários a uma formação continuada. São
conceitos que, nos limites desta dissertação, fundamentam e ajudam a explicitar a constituição
do(s) ethos/ethé discursivo(s) do professor de língua portuguesa e jogam luz aos discursos e às
cenografias, já explicitados anteriormente, que, em conjunto, perfazem os caminhos formativos
daqueles sujeitos.
Assim, na primeira parte, tratamos da interação/interatividade no sentido de explicitar
como esses conceitos abarcam diferentes papéis, tanto na formação continuada quanto na
prática pedagógica como instrumentos que são construídos coletivamente. Na seção seguinte,
o objeto de discussão são as competências digitais inerentes às tecnologias digitais, das quais,
é parte integrante, os letramentos digitais.
A terceira seção discute as tecnologias digitais, sobretudo a internet e seu papel na
sociedade e o que elas podem oferecer; as possibilidades de criação coletiva, interativa,
conjunta, por meio de práticas na formação continuada dos docentes.
A seção quarta e derradeira trabalha com os limites e as possibilidades dos letramentos
digitais na prática pedagógicas no sentido de que as tecnologias digitais estão entranhadas nas
vidas das pessoas e ultrapassaram os muros da escola, ou seja, as tecnologias digitais nesse
novo contexto que se vislumbra não são salvadoras, mas são recursos essenciais na formação
continuada docente e que têm impacto e social muito diverso.

2.1. Interação e interatividade: pressupostos para uma formação continuada


35

Buscar uma formação continuada de professores nesse cenário permeado pelas


Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação - TDIC’s - implica uma ação reflexiva no
sentido de redimensionar a própria noção de espaço e lugar. Nesse ambiente formativo, as
tecnologias digitais impõem como novas formas de pensar o ensino- aprendizagem e, por sua
vez, novas formas de formar o docente. Segundo Libâneo (2001), a formação de educadores
requer novas habilidades, com “a reconfiguração da identidade profissional dos professores,
para além de sua especialização na ciência/matéria de ensino em que deve ser formado’’.
(LIBÂNEO, 2001, p. 24), e, por pressuposto, interações com as tecnologias digitais na
formação continuada.
Interação, segundo Silva (2001), não se confunde com interatividade. Para o autor,
interatividade está ligada às tecnologias; interação é um conceito de comunicação; porém ele
foi adaptado à informática por esse dispositivo propiciar a comunicação humana e os serviços
e as máquinas e entre usuário e serviço, o que pressupõe um novo conceito de interagir com as
máquinas e as tecnologias. Logo, a interação pressupõe as ações humanas por meio de um
objeto qualquer que tem por fim, num processo dialógico, dar respostas que inquietam os
sujeitos. O autor ainda afirma que a interatividade se constitui como a libertação das amarras
analógicas do século XIX.
Segundo Silva (2010), interatividade é um princípio inerente ao mundo digital e da
cibercultura e, nos limites desta pesquisa, entendemos por cibercultura “dizer modos de vida e
de comportamentos assimilados e transmitidos na vivência histórica e cotidiana marcada pelas
tecnologias informáticas, mediando a comunicação e a informação via internet.” (SILVA, 2010,
p. 38). Isto é, do novo ambiente comunicacional baseado na internet, no site, no game, no
software.
Belloni (2002) também distingue interação e interatividade. Segundo a autora,
interatividade diz respeito à virtualidade técnica, ou seja, à relação entre homem e as máquinas
e a interação se dá nas relações entre as pessoas, tendo as máquinas, ou no caso as tecnologias,
como meio, como suporte mediadas pelas máquinas. Nesse sentido, podemos afirmar que há
interação quando se refere a relações humanas e existe interatividade na ocorrência da relação
homem-máquina.
A ideia de interação pressupõe duas ou mais pessoas, ou seja, troca entre dois sujeitos,
no caso de nossa dissertação, pelos sujeitos discursivos no ambiente escolar. Por um lado, nessa
troca, não há uma ideia de perda, e sim de somatória; quando há essa troca na interação, os
sujeitos envolvidos ganham experiências que podem ser aproveitadas em vários contextos; por
36

outro, a ideia de interatividade está relacionada ao contato com as tecnologias atuais de acordo
com as reais necessidades de cada um.
Neste aspecto, o conceito de aprendizagem deixa de ser visto de forma individualizada,
ou seja, na meritocracia e passa a impactar a própria formação continuada, porque nessa nova
configuração, o papel do professor na sala de aula também é modificado e precisa ser discutido
sob o viés dessa nova conjuntura. Um ensino baseado na decodificação não promove a interação
entre os sujeitos e os textos. Muito menos a interatividade, haja vista que somos desafiados a
interagir, por meios das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs), em
vários contextos, o que exige uma postura crítica, não meras decodificações de certos
comandos.
Notadamente nas redes sociais, um dos espaços em que mais interagimos, faz-se
necessário um posicionamento diante do papel que assumimos na WEB, seja como consumidor,
seja como produtor de notícias, de textos que circulam no ambiente da WEB. De todo modo,
exercemos interatividade com os textos seja de qualquer formato em que nos apresenta. Em
qualquer situação, é necessária a competência discursiva que se adquire entre outros meios,
pela interação com outro, no nosso caso, falamos da formação continuada.
A interação/ interatividade medeia de maneira ampla essa interface entre os usuários de
uma língua em vários contextos e o suporte por onde circulam os textos. Seja nas relações
cotidianas em que precisamos explicitar nossa subjetividade, ou mesmo intervir num dado
contexto nos colocando, construindo discurso. Assim, esses conceitos interação/interatividade
dialogam com as competências discursivas na medida em que os sujeitos-professores, no espaço
da formação continuada, reconheçam-se como sujeitos sociais abertos para o novo, para o
dialético de forma reflexiva.
Com efeito, a interatividade evidencia, entre outras possibilidades, a comunicação
colaborativa que subjaz a relação dos sujeitos com as tecnologias digitais cercados pelos signos
semióticos que são construídos pelas cenas digitais em os discursos ocorrem. Todavia na
perspectiva abordada por essa pesquisa, interatividade diz respeito às relações humanas e
tecnologias digitais, no caso ainda mais específico, dos sujeitos professores em que, agindo
numa dada cenografia, precisam materializar sua ação comunicativa assumindo diversas
posições, aderindo, engajando-se socialmente, diante das tecnologias digitais.
Portanto, uma visão ampla que nos permite legitimar a ação de fala dos sujeitos-
professores dentro das cenas escolares, são os discursos. São seus posicionamentos efetivos, a
forma como eles recorre às tecnologias os quais permitem, ainda, escolher um ethos
conveniente a cada vez que enunciam.
37

2. 2. O (o) Letramento(s) digital (is) e os caminhos formativos

O século vigente colocou o processo de ensino-aprendizagem em terrenos de muitos


conflitos e acirrou a discussão sobre a formação continuada de docente em relação aos usos de
tecnologias digitais no que diz respeito à própria ação pedagógica, reforçando a necessidade de
repensar as novas tecnologias além das práticas sociais, tornando-as componentes fundamentais
de sua formação inicial e continuada que visem intervir no ensino, na escola, e, agora fora da
escola, por meios das mais variadas formas de se fazer essa comunicação, utilizando-se os mais
variados formatos de cursos, híbrido, sala invertida, que, em muitos casos, são conhecidas por
meio de novas nomenclaturas, como metodologias ativas.
Diante desse cenário de experimentações tecnológicas, surgem os letramentos digitais
que vão ocupar especialistas em educação, sobretudo no ensino da linguagem. Os letramentos
digitais também se caracterizam como uma nova forma de produzir e compartilhar
conhecimentos. Isso porque, com o advento das (TDICs), processos como ler, produzir textos
ganharam uma nova reconfiguração. E a escola, por ser uma das principais agências em que se
congregam diversos conhecimentos, não pode ficar alheia a essa conjuntura que se instala na
vida de professores e alunos.
O tema em tela já fora debatido em outros momentos, com diferentes enfoques e
perspectivas. Todavia, no cenário atual, em que se discutem variadas formas de ensino,
sobretudo com a educação a distância (EAD) em plena pandemia imposta pela COVID-19 “Os
efeitos disso na educação foram logo sentidos[...]os primeiros estabelecimentos a serem
fechados foram as escolas.” (RIBEIRO, 2020, p. 3). Nesse contexto, diferentes nomes foram
dados à experiência do ensino fora das escolas: ensino remoto emergencial, ensino remoto
síncrono, assíncrono. Mas de fato, é que “As pontes que não criamos fazem falta num momento
como este, imprevisível e inimaginável.” (RIBEIRO, 2020, p. 05) que é a própria escola fechada
sem alunos e professores. É por isso que “e a excepcionalidade deste episódio talvez nos leve
a aprender algo sobre tecnologias e educação, sem abandonar nosso compromisso social e
ético.” (RIBEIRO, 2020, p.5). com aquilo que é social, pois para Ribeiro (2021) os letramentos
são práticas sociais e não se restringindo apenas as demandas acadêmicas.
Letramentos digitais, então, retornaram com importância e potencial para rediscuti-los
no panorama da formação continuada quando o ensino e a própria noção de ensinar passaram
expor as vísceras de um sistema educacional caótico e carente de investimento, tanto físico,
falta de equipamentos, quanto digital, falta de uma conexão de qualidade, e uma formação.
38

Com a inserção das TIDCs no ambiente escolar, houve necessidade de realinhar essas
ferramentas com as práticas pedagógicas, a fim de potencializar as práticas docentes, fazendo
com que atores envolvidos ganhassem voz e participassem cada vez mais das atividades
pedagógicas do espaço escolar.
Na atual conjuntura, usar as tecnologias e a informática como recurso de ensino-
aprendizagem ganhou formas e metodologias muito variadas. Embora grandes empresas
tenham realizado parcerias com as principais Secretarias de Educação, sejam estaduais, sejam
municipais, oferecendo inclusive pacotes, dados, plataforma digitais, tais ações resultaram-se
ineficientes para boa parte dos alunos e dos professores acessarem aos conteúdos e interagirem
em um ambiente de aprendizagem, seja em virtude de carências daqueles recursos, ou seja, o
físico, o equipamento, seja por falta de habilidades para o uso das tecnologias digitais. É nesse
contexto que o termo letramento(s) digital(is) retornou como uma realidade presente no dia a
dia do ensino remoto.
Essa situação colocou ao mesmo lado professores e alunos com as mesmas necessidades
e dificuldades. Percebeu-se que escolas bem equipadas agora não têm muitas vantagens, pois,
acessá-las, ficou impossível devido a uma gama de variações tal como tempo, oferta de curso,
ou mesmo a hibridização da educação, como sala invertida ou outras metodologias presentes
no processo de ensino-aprendizagem. Esses cenários inusitados colocaram em evidência
realidades extremamente distintas que agora se aproximam e nos trazem um olhar mais acurado
no sentido de que nossos alunos e professores possam prosseguir aprendendo
colaborativamente.
Feitas essas considerações, colocamos em evidências o que se define como
letramento(s) digital(is), sob diferentes perspectivas. Para fundamentar esta parte da
dissertação, tem-se por pressuposto teórico a perspectiva de concepção de letramento digital
trazido por Coscarelli (2005) e Ribeiro (2013), além dos teóricos, apresentam-se as reflexões
de Gavin Dudeney, Nick Hockly e Mark Pegrum (2016), e Marcelo Buzato (2006; 2007; 2010)
no que tange aos letramentos digitais.
Suplementando o termo letramento digital, cujo uso se dá em experiência bastante
específica, temos as concepções de letramentos digitais. Os autores Gavin Dudeney, Nick
Hockly e Mark Pegrum (2016) se posicionam:

Os letramentos digitais é o que sugerimos, estão vinculados a ambos os imperativos:


São habilidades essenciais que nossos alunos precisam adquirir para sua plena
participação no mundo além da sala de aula, mas também para enriquecer sua
aprendizagem na sala de aula (DUDENEY HOCKLY e PEGRUM, 2016, p. 20)
39

Os autores ainda colocam os letramentos digitais como as “habilidades individuais e


sociais necessários para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficaz no âmbito
crescente dos canais de comunicação digital" (DUDENEY, NICK HOCKLY E MARK
PEGRUM, 2016, p. 17).
O conceito de letramento carrega, além do adjetivo, uma multiplicidade de novos
conceitos. Daí falar de letramentos múltiplos2. Não há consenso entre os autores a respeito
desses qualitativos, porém outros3 dizem ser necessário, pois como a vida é dinâmica, e não
damos conta de tudo, é mais que pertinente o uso do qualitativo depois de letramento no sentido
de especificar qual habilidade devemos mobilizar para atender uma ou outra necessidade.
Soares (2002) define letramento digital por uma apropriação da tecnologia, o que,
segundo ela, vai diferir do letramento tradicional que está diretamente relacionado à leitura do
papel impresso. Assim a autora define letramento digital:

Certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia


digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela diferentes do estado ou
condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel
(SOARES, 2002, p. 151).

Esse estado ou condição ao qual a autora se refere, dentro de um panorama mais geral,
trata de como se exercem as práticas dentro dessa nova tecnologias para que se “pluralize a
palavra letramento e se reconheça que diferentes tecnologias de escrita criam diferentes
letramentos" (SOARES, 2002, p. 155), uma vez que a própria noção tecnologias por si só já
mobiliza outros canais de interação e de apropriação do conhecimento. É por isso que não
falamos em letramento digital, mas em letramentos digitais, termo que adotado nesta
dissertação
Ribeiro (2009) concorda com os conceitos de Soares. Para tanto, a autora faz um recuo
ao conceito de letramento, para então definir o que seria letramento digital e conclui que tal
termo é deveras difuso, ou seja, letramento digital apresenta uma gama de possibilidades de
acordo com o uso subjetivo, conforme a necessidade real de cada um. Em 2005, Ribeiro e
Coscarelli assim definiram letramento digital: “[...] o letramento digital é o nome que damos,

2
Roxane Rojo trata dos Letramentos múltiplos numa perspectiva de inclusão social na escola
3
Carla Coscarelli defende a multiplicidade do qualitativo depois do letramento; para ela ninguém é ‘bom em tudo
‘e para isso temos que nos aperfeiçoar cada vez mais, e para isso há a necessidade de os qualitativos depois de
letramento por pressupor uma integração social do letramento. Daí o letramento acadêmico, social, digital etc.
40

então, à ampliação do leque de possibilidades de contato com a leitura e a escrita também em


ambiente digital.” (COSCARELLI e RIBEIRO, 2005, p. 09).
Para Coscarelli (2005) e Ribeiro (2016), o letramento digital diz respeito às práticas
sociais de leitura e produção de textos em ambientes digitais, por computador ou por
dispositivos móveis, tais como celulares e tablets, em plataformas como e-mails e redes sociais.
Para as autoras, o letramento digital é a capacidade de interação do sujeito com o mundo
moderno mediado pelas plataformas digitais que se renovam constantemente de proliferação
dos conhecimentos historicamente construídos.
Ao entrar em contato com esses conceitos de letramentos propostos pelas autoras em
épocas pretéritas, vimos que, apesar de terem sido formulados com um espaço de tempo
razoável, pois, em se tratando das tecnologias, o tempo é relevante, percebemos que ainda é
pertinente, trazê-los, com ajustes, para nosso contexto. Isso porque o que nos vale são os
conceitos, e a ele nos cabe apropriarmos e fazermos as devidas considerações tendo em vista
um determinado contrato. Nesse sentido, é urgente que a criticidade ao manipular as tecnologias
digitais sejam um fator preponderante quando se fala em Letramentos digitais
Linguagem e Letramentos estão fortemente aglutinados entre si: por uma parte, porque
a verdadeira noção de letramentos digitais se baseia nas multiplicidades de linguagem que as
tecnologias digitais proporcionam; por outro, porque todos os letramentos se conectam com a
interação em sentido bastante variado, ou seja, por linguagens nos canais frequentemente
complementares. Dessa forma, linguagem e os letramentos digitais são pertinentes em âmbitos
variados de ensino-aprendizagem no sentido de dar uma resposta às reais necessidades do
aluno, uma vez que ele está interagindo constantemente com as plataformas, e realizando
atividades, postando atividades, lendo os textos, comentando, dando e refutando opiniões, tudo
isso, às vezes de forma on-line.
O adjetivo posposto ao termo Letramento tem sido objeto de reflexões bastante
profícuas de acordo com o interesse em estudo. Assim, não falaremos mais em letramento
digital, mas em letramentos digitais por considerar justamente o percurso que ocorre nos
ambientes digitais e aos interesses que motivam essas incursões.

2.3. Letramentos digitais: seu papel na sociedade

Os letramentos digitais vão colocar em lados antagônicos, e, por que não, distintos, qual
o papel das TDICs para a formação dos professores e sua relação como sujeito de transformação
de uma realidade mediado pelas interações digitais com seus alunos de maneira crítica, pois as
41

TDICs estão permeadas no cotidiano do nosso aluno, mas isso não garante, ainda, o acesso às
tecnologias digitais nem mesmo as interações sociais provenientes delas
Sob esta ótica, Vasconcelos e Alonso (2008, p. 5) destacam que “Vivemos um novo
momento que, pouco a pouco, a aprendizagem passa a ser apoiada pelas TDICs. De fato, tais
tecnologias têm potencial para suportar formas diversificadas de interação, de comunicação e
49 de colaboração”. Ou seja, por meio das TDICs podemos (re)significar o mundo,
contextualizando-o por meio das variadas linguagens.
Logo, a reflexão sobre uma formação continuada que viabilize a utilização das
tecnologias digitais nos coloca num lugar privilegiado cercado de várias linguagens que
permitem explorar este universo tecnológico, como parte integrante da função pedagógica.
Nesse sentido, umas das maneiras de inserir e praticar os letramentos digitais no
processo de ensino-aprendizagem, para que eles impactem na educação, é propor condições de
acesso aos equipamentos e manejo deles e softwares disponíveis, acesso democrático à conexão
de banda larga, entre outras possibilidades. Tudo isso agregado a uma formação constante e
consistente do professor, articulando teoria e prática na própria ação escolar e fora da escola.
Dessa forma, é impossível falar em letramentos digitais sem distribuir igualitariamente
as formas de acesso a eles, uma vez que, no próprio conceito de letramentos digitais, subjaz
uma relação, mesmo implícita, de poder, o que impossibilita, em certa medida, os letramentos
digitais de exercer seu papel enquanto práticas sociais. Nesse sentido, satisfeitas as exigências
de acesso de forma democrática, temos que garantir o acesso a elas como direito inalienável, o
que pressupõe acesso, em termos, à educação de qualidade.
No momento atual, marcado pelos avanços das TDICs, somos levados a refletir sobre
como jovens e adultos não ou pouco escolarizadas estariam posicionados em sociedades
crescentemente, centrada na escrita, hierarquizada e desigual, como a nossa, nas quais o acesso
a essas tecnologias não acompanham, ou seja, expande-se gradativamente o número de usuário
e excluem-se da mesma forma as camadas mais pobres.
Sabemos que ainda enfrentamos um cenário educacional complexo com maus
resultados de aprendizagem na escolarização básica, manutenção de um número elevado de
analfabetos e analfabetos funcionais e de baixas taxas de escolarização gerando reflexos
alarmantes aos acessos aos bens e serviços disponíveis. Nesse sentido, outra situação se
evidencia: a forma pela qual está se dando a educação básica. Explicação somente do professor,
exercício e provas já não dão conta das novas exigências da educação que almeja a participação
ampliada das pessoas, inclusive nos letramentos digitais. O paralelo entre a escrita e os avanços
das TDICs colocam em evidência, novamente, todo um contexto de retrocesso, o descaso de
42

políticas públicas eficazes, falta de oportunidade para os menos favorecidos, distribuição


desigualitárias dos bens de consumo, e acesso aos bens culturais, a participação dessa camada
da população nas práticas e uso dos letramentos digitais.
Para Buzato (2006), não basta “fetichizar as tecnologias, defendê-las ou combatê-las”.
Segundo o autor, o discurso é outro: temos que entender as desigualdades de forma estrutural e
buscar caminhos para resolver tanto os problemas da alfabetização, quanto da inclusão digital,
ou seja, não se trata de uma dicotomização. Trata-se de, em um contexto específico para
objetivos específicos, buscar saídas que não reproduzem as desigualdades dentro de um
ambiente escolar.
Nesse aspecto, Buzato (2006) nos convida a pensar os letramentos digitais “para
finalidades específicas, tanto em contextos socioculturais geograficamente e temporalmente
limitados, quanto naqueles construídos pela interação mediada eletronicamente”. (BUZATO,
2006, p. 16). É o que vimos, durante o ensino remoto, nos anos de 2020 e 2021, quando pessoas
das mais variadas classes sociais usaram as tecnologias digitais no processo de ensino-
aprendizagem. Mas, é preciso pensar que elas também já eram usadas pelos cidadãos, seja para
pagar contas, seja para receber benefícios, seja para cumprir seu papel de cidadão nas eleições,
justificando ausências no dia da votação, por exemplo.
Os avanços das tecnologias digitais, assim como a tecnologia da escrita, não podem
ficar privados de uma camada restrita de um lado, e de outra como promessa e arma de coerção
e poder por parte do Estado. É preciso e urgente que o uso dos novos letramentos digitais seja
expandido no ambiente escolar. Seu uso meritocrático deve dar lugar a uma nova agenda, a
agenda democrática do acesso e do uso, e participação entre indivíduos, que estabeleça
vínculos, que encurtam as distâncias físicas e espaciais possibilitando uma interação que,
conforme Buzato (2007), rompa com fronteiras geográficas e culturais.
A internet, assim como a existência de comunidades virtuais centradas em interesse e
construção de conhecimento específico abre na sociedade novos canais para aprendizagem
coletiva. A esse respeito, consideramos os letramentos digitais como um recurso extremamente
importante, capaz de conseguir dar respostas às questões sociais que fogem ao senso comum.

2.4. Letramentos digitais e formação de professor: limites e possibilidades

A reflexão acerca dos letramentos digitais pressupõe o entendimento de conceitos e


concepções sobre a comunicação, a linguagem e a utilização das TDICs, no contexto deste
estudo, no meio educativo e a sua interação na formação continuada de professores e ao uso
43

social que fazemos das ferramentas digitais. Com o advento das TDICs, houve um
realinhamento da sociedade em relação ao uso dessas ferramentas que podem ser utilizadas
como lazer, entretenimento, trabalho, dentre várias outras finalidades, para dar voz a um sujeito
de discurso que também quer ser ouvido.
Contudo, o discurso de otimização do uso do recurso tecnológico precisa ser
considerado pelo menos em dois aspectos: o da equipação dos prédios públicos com recurso
que propiciem uma pesquisa, ensino e a integração dos conteúdos ao repertório tecnológicos,
e, também, o da formação além da escola, no sentido de fazer uma reflexão sobre como esse
conhecimento é produzido e recepcionado fora das estruturas de um prédio público, ou seja, no
ensino remoto, mas que, em alguma medida, tem-se relação com o papel de professor. A esse
respeito, sob a criticidade necessária em relação às tecnologias, Buzato aponta:

Se adotarmos de forma acrítica qualquer um desses discursos para pensar na


problemática da tecnologia na escola, estaremos certamente trabalhando contra a
própria ideia de escola como lugar de inclusão: ou deixaremos a cargo dos produtores
de hardware e software a solução de nossos problemas, acreditando que
informatizando a escola estaremos promovendo inclusão social ou nos
entrincheiraremos contra os computadores na escola, acreditando estar protegendo os
alunos da escalada nas desigualdades de poder e de capital que as TIC facilitam
(BUZATO, 2006, p. 6)

Trazendo a discussão para nosso contexto, é possível observar que os problemas de


inclusão e de exclusão nos alcançam de maneira bem diferente, porém tocou um ponto em
comum que é a própria estrutura/ou a falta dela para lidar com problemas tão complexos que
cercam a educação básica. Se por um lado ficaram evidenciados os abismos que cercam nossas
escolas, impossibilitando-nos de acessar certos meios de serviços digitais que corroboram
afirmativamente na realidade da escola e, com isso, ressignificar e problematizar no contexto
do ensino-aprendizagem, os sujeitos envolvidos, por outro, são os desafios que as escolas
enfrentam no que tange às tecnologias, fora escola, no diz respeito à aprendizagem significativa,
que seja capaz de permitir a todos acessarem aos bens disponíveis que somente é permitido a
uma parcela que detém tal conhecimento “fetichizar” as tecnologias como soberanas no
processo de ensino-aprendizagem. (Buzato, 2006).
Os letramentos digitais nas esferas escolares pressupõem algumas proposições que nos
serviram de bases na discussão desta dissertação, tais como verificar como eles são tratados nos
documentos formativos, e como esses conceitos são recepcionados nas escolas. Como letra em
aspecto normativo, o uso crítico dessas está consubstanciado em vários documentos oficiais,
como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018). De acordo com o documento oficial:
44

Não se trata de deixar de privilegiar o escrito/impresso nem de deixar de considerar


gêneros e práticas consagrados pela escola, tais como notícia, reportagem, entrevista,
artigo de opinião, charge, tirinha, crônica, conto, verbete de enciclopédia, artigo de
divulgação científica etc., próprios do letramento da letra e do impresso, mas de
contemplar também os novos letramentos, essencialmente digitais. (BRASIL, 2018,
p. 67)

Ainda em relação ao documento normativo, a BNCC (2018) trouxe como base princípio
em uma das dez competências: “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de
informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas
sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações”.
(BRASIL, 2018, p. 67). Ou seja, são trabalhadas habilidades que analisam o fenômeno da
disseminação de notícias falsas nas redes sociais e desenvolvem estratégias para reconhecê-las,
a partir da verificação/avaliação do veículo, fonte, data e local da publicação. Nesse sentido,
como documento norteador, as bases dos letramentos digitais constam também na BNCC.
Na educação básica, esses pontos de trabalho são discutidos nas escolas de maneira mais
abrangente, de modo que seus tangenciamentos, reduzindo às aulas em laboratório de
informática, ou apresentações de Power Point em nada contribui para qualidade da educação.
É nesse contexto que os letramentos digitais, aliados à formação continuada, buscam, como
prática social, colocar o sujeito-aluno em interação com as tecnologias e as novas tecnologias
no sentido de que, “invisíveis”, tornam-se uma realidade na escola no processo de ensino-
aprendizagem.
Neste contexto, a linguagem. apesar de parca (qualidade de conexão, falta de aparelhos
móveis, ou p.c., suporte técnico) deixou reflexões muito positivas acerca do papel docente das
potencialidades e limites em interagir com os letramentos digitais para “conhecer os gêneros
discursivos e linguagens digitais que são usados pelos alunos, para integrá-los, de forma criativa
e construtiva, ao cotidiano escolar.” (FREITAS, 2010, p. 10), e essa busca abre espaço para
uma discussão acurada acerca dos letramentos digitais.
Por essa perspectiva, conhecimento e competências relacionados aos sujeitos do
processo de ensino-aprendizagem funcionam, nessa nova configuração, em variadas
circunstâncias podendo ser entendidos em uma contínua aprendizagem, obedecendo aos
princípios pedagógicos estabelecidos no próprio projeto político pedagógico de cada escola, no
qual as práticas letradas digitais estariam pressupostas a partir de determinados níveis de
escolaridade, mas também de um conjunto de novas habilidades que precisam ser desenvolvidas
para interação com interfaces digitais.
45

Esta seção buscou apontar a relevância acerca da formação continuada no contexto


atual, a fim de que os sujeitos envolvidos na prática pedagógica possam apropriar-se das
ferramentas tecnológicas e, por meio delas, fazer a diferença na sala de aula e além dela,
considerando as especificidades de cada aluno, sua conjuntura social e cultural. Foi objeto desta
seção a reflexão de agir criticamente sobre a nova possibilidade de ensino-aprendizagem,
considerando a inserção mais efetiva das tecnologias digitais.
Portanto, é imperioso avaliarmos estas diferentes formas de se trabalhar os conteúdos
escolares que são revelados pela inserção dos letramentos digitais nas escolas, bem como suas
influências, seus impactos no cotidiano da escola ou mesmo fora dela, onde os sujeitos alunos
interagem. E essa forma de olhar para as múltiplas possibilidades que os letramentos digitais
apresentam, além de nos possibilitar novas linguagens no universo de ensino-aprendizagem,
pode também proporcionar uma nova ordem democrática no universo escolar na construção do
conhecimento e consequentemente na aprendizagem.
46

CAPÍTULO 3

A PROPOSTA CURRICULAR, A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSOR E


A INTERFACE COM AS TECNOLOGIAS DIGITAIS: CONTEXTOS E SENTIDOS

O presente capítulo objetiva trazer reflexões sobre a formação continuada de professor


da escola básica. Para atingir este objetivo, optamos por dividir o capítulo em quatro seções em
que discutimos uma formação continuada mais humanista, voltada para prática educativa do
professor da escola básica. Buscamos, ainda, trazer o contexto da produção da Proposta
Curricular do Estado de São Paulo de 2008, assim como os documentos oficiais relacionados
aos Programas Melhor Gestão e Melhor Ensino e Método Melhorias e Resultados, lançados
posteriormente a 2008.

3.1. Concepção de uma formação humanista, para além do burocrático

O currículo implantado em 2007/2008 passou por mais duas reformulações: uma em


2012 e outra em 2016, mas em todas as versões do documento oficial, as concepções de
língua(gem) permaneceram como “produção sociais que se estruturam mediadas pelos códigos
[...]pela comunicação e pela informação” (SÃO PAULO, 2008, p. 16), ou seja, a linguagem
numa perspectiva interacionista, defendida por Geraldi (1984) e assumida por esta pesquisa,
pois acreditamos que a interação pela linguagem “[...] mais do que possibilitar uma transmissão
de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é [...] um lugar de interação humana”
(GERALDI, 1984, p. 41).
A linguagem é para Bakhtin (1979) uma prática discursiva, de natureza interacional e
dialógica; o autor amplia o conceito de discurso, ideológico e dialógico, perpassado pelos
enunciados de um autor e por todos os outros enunciados que o compõem, formando um
‘tecido’ advindo dos fios dialógicos/ideológicos. Com base nessa perspectiva, destacamos que,
segundo Bakhtin:

Na composição de quase todo enunciado do homem social-desde a curta réplica do


diálogo familiar tem as grandes obras verbais ideológicas (literárias, científicas e
outras) existe, numa forma aberta ou velada, uma parte considerável de palavras de
outrem, transmitidas por um outro processo. (BAKHTIN, 1979, p. 153)
47

Geraldi (1997, p. 4) corrobora com essa concepção de linguagem proposta por Bakhtin,
quando afirma: “A questão da linguagem é fundamental no desenvolvimento de todo e qualquer
homem, [...] que permitam os sujeitos compreender o mundo e nele agir [...]”. Essa mesma ideia
é trazida pelo autor, em outros trabalhos; para ele, a linguagem, na perspectiva da interação,
coloca em lugar de igualdade, autor e interlocutor quando esse assume o discurso. Nessa
perspectiva, o lugar de fala em que o discurso é produzido deve ser considerado. Essa tese, com
as devidas considerações, é defendida por Geraldi (1984), a qual esta pesquisa corrobora, pois
acreditamos que a interação pela linguagem “[...] mais do que possibilitar uma transmissão de
informações de um emissor a um receptor, permite ser [...] um lugar de interação humana”
(GERALDI, 1984, p.41). Ou seja, a linguagem humana amplia a concepção de comunicação,
estabelecendo meios discursivos que se adequam a cada contexto, usando linguagem sobre a
linguagem no processo de comunicação. É nesse jogo discursivo de vivências, sobretudo, as
relações discursivas, que os pressupostos e os subentendidos da linguagem precisam estar bem-
marcados.
Desse modo, podemos perceber que o documento, a Proposta Curricular, prioriza a
interação mediada pelos gêneros de discurso que circulam socialmente. Esse fato favorece essa
concepção de linguagem cuja mediação entre os sujeitos, alunos e professores, vai refletir sobre
as práticas e posicionamentos deles, de acordo com o espaço em que ocupam, sendo então o
próprio sujeito de linguagem numa visão discursiva.
Todavia, para que essa concepção interacionista envolva os sujeitos, é preciso que
questões metodológicas estejam envolvidas no processo de ensino-aprendizagem que cortam o
currículo e vão ao encontro dos objetivos do Estado, da Escola, do professor e do aluno. O
documento esclarece o que tem de ser ensinado, como tem de ser ensinado, mas não reflete
acerca da realidade de cada escola com suas especificidades sociais e culturais. Nesse contexto,
é preciso pensar em uma formação continuada que dê suporte e desenvolva habilidades e
competências do professor para que ele possa trabalhar com a linguagem que permeia a
sociedade de forma geral. É necessário que a formação continuada esteja de fato explicitada no
documento, seja via de curso de especialização por meio de parceria com uma universidade
pública ou privada, seja via palestras nas horas atividades na própria escola com seu público a
partir de seus interesses.
Do ponto de vista conceitual, o currículo de 2008 atendeu, em partes, aos interesses de
um programa que de fato vislumbrasse uma educação de qualidade, entretanto deixou lacunas
quanto as já citadas, sobretudo no que diz respeito à formação continuada e aos seus aspectos
mais centrais, sobretudo no que se refere às questões teórico-metodológicas.
48

Tendo em vista essas considerações, faz-se necessário discutir e rediscutir a formação


continuada do professor da escola básica, uma vez que esta deve acompanha as mudanças no
panorama educacional, contudo, faz -se necessário que essas mudanças devam estar nos
documentos como norte, de modo que esse recorte para os currículos vise a formadores de
professores respaldados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996) e
também, a partir de 2018, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018). A LDBEN
(1996), em seu artigo 62, trata dos requisitos para a atuação dos magistérios, quanto à formação
inicial; em seu inciso primeiro, o documento evidencia a atribuição dada aos Estados e
Municípios: a incumbência da formação continuada:

§ 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de


colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos
profissionais de magistério. (BRASIL, 2006, p. 42)

Precisamos de uma formação “que o auxilie a ajustar sua didática às novas realidades
da sociedade, do conhecimento, do aluno, dos diversos universos culturais” (LIBÂNEO, 2001,
p. 10). Uma formação continuada que vise à construção do conhecimento a qual vê na escola
uma agência que vislumbra uma sociedade justa e democrática, no sentido de discutir e rever
seus posicionamentos tanto no letramento institucional, quanto no letramento digital, haja vista
que a escola, como colocado, constitui-se em um lugar em que o conhecimento se constrói a
partir das relações multilaterais, das interações entre professores e alunos, e comunidade
escolar.

3.2. Formação em processo: diálogo com a prática educativa

A formação continuada defendida nesta dissertação é aquela que discute as práticas,


metodologias, que cruzam informações entre as disciplinas, contudo sem hierarquizá-las e, a
nosso ver, deve levar em consideração o contexto em que estão inseridos os sujeitos. Um gênero
de discurso tal como defende o currículo não pode estar circunscrito apenas à língua portuguesa
baseada em competência unificada, mas sim por meio de gêneros e por suas categorias
instáveis. A partir dessa compreensão ampliada dos gêneros, mas numa perspectiva discursiva,
é capaz de se convertê-lo em uma ferramenta de suma importância para implementar um
currículo que enseja uma educação de qualidade e uma formação completa da educação básica.
Nesse sentido, autores como Delors (2003), Freire (1996), Nóvoa (1999), Pimenta
(1996), Libâneo (2013), Lima e Coimbra (2013), evidenciam a importância de investimento na
49

formação continuada como uma oportunidade de ressignificar conhecimentos adquiridos na


formação inicial. Delors nos convida a pensar:

A qualidade de ensino é determinada tanto ou mais pela formação contínua dos


professores, do que pela sua formação inicial… A formação contínua não deve
desenrolar-se, necessariamente, apenas no quadro do sistema educativo: um período
de trabalho ou de estudo no setor econômico pode também ser proveitoso para
aproximação do saber e do saber-fazer (DELORS, 2003, p. 160)

A formação continuada é o momento privilegiado para refletir sobre a prática


pedagógica com as disciplinas que compõem o currículo e, por que não, dialogar com outros
atores, funcionários, pais, e corpo discente. Pensar sobre a prática docente, coloca em evidência
o progresso, os fracassos e as perspectivas de transformações dentro da escola, ou seja, espera-
se que a escola seja o lugar para se pensar sobre a teoria e a prática. Em resumo, é um momento
de troca, de interação e de colaboração entre todos que compõem aquela escola, e não somente
aos professores. Pimenta (1996) assevera que, além dos ganhos que uma formação continuada
proporciona, ela serve também para a construção de uma identidade profissional. De acordo
com a autora,

[o professor] continua tratando sobre a identidade profissional, expondo que a mesma:


Constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor,
confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores de seu modo de
situar-se no mundo, de sua história de vida, de seus saberes, de suas angústias e
anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor. Assim como a partir de sua
rede de relações com outros professores, nas escolas, nos sindicatos e em outros
agrupamentos (PIMENTA, 1996, p.76)

O momento da formação continuada exige do professor um papel discursivo diferente


daquele da formação inicial; não que ele chegue à universidade como tábua rasa, contudo, na
prática docente, exercendo um papel profissional, esse professor terá que ser reflexivo
pesquisador e investigador e, ainda, acreditar que sua formação que nunca se dá por completo,
por satisfeito. O professor deve buscar incessantemente a reflexão na formação continuada,
porque a sua profissão a exige, e, também, por lidar com pessoas em formação.
Uma formação continuada, de preferência setorizada - na qual acreditamos, propicia ao
professor ter uma visão panorâmica do seu próprio fazer pedagógico. Nas palavras de Zeichner:
“refletir sobre o próprio ensino exige espírito aberto, responsabilidade e sinceridade”
(ZEICHNER, 1993, p.17). Para uma efetivação bem-sucedida das formações continuadas de
professores, é urgente criar um lugar que dê condições para o trabalho em equipe, um trabalho
coletivo no sentido de reflexão, que, por sua vez, leva a mudanças de teorias e práticas dentro
50

do espaço escolar. Esse espaço não deve ser meramente um lugar em que se executam
atividades burocráticas, mas sim o de um lugar de experenciação, de busca do conhecimento
de reflexão mútua para que a prática se estabeleça.
Acreditamos na formação continuada aliada à educação ampliada para além da escola
numa perspectiva que enxergue o professor como mediador processo de ensino-aprendizagem
que estimule o aluno a participar ativamente da construção do conhecimento em todo espaço
social em que ele interage. Uma formação continuada que defendemos articula em sua bagagem
a antecipação, tomada de decisão, reflexão, instrumento, além do planejamento e da
sistematização das ações pedagógicas que pretendam alcançar uma educação de todos garantida
qualidade e equidade baseada nas novas tecnologias, nas interações digitais e, os letramentos
digitais.
Colocar os letramentos digitais nessa seara de estudo surge como uma forma de
interação social de agir e manipular as multimodalidades de texto, como nos diz Rojo (2008).
Constatamos ser urgente discutir a forma de inserir na escola as tecnologias digitais voltadas às
práticas pedagógicas, para garantir a todos as possibilidades de bens de serviços, cultura e
educação que estão disponíveis na escola e fora dela. Assim se justificam as reflexões de
Coscarelli e Ribeiro (2017), quando nos falam a respeito de uma formação crítica para o ensino
de língua portuguesa por meio da atividade leitora e escritora. Por isso “Os alunos precisam
saber aprender, saber onde encontrar as informações de que precisam e ter autonomia para lidar
com essas informações, avaliando, questionando e aplicando aquelas que julgarem úteis e
pertinentes" (COSCARELLI, 2017, p. 32). Ou seja, os alunos precisam desempenhar um outro
papel que não somente os de consumidores de informações, mas o de pesquisador. E pesquisar,
pressupõe, avaliar descartar excesso.
As mídias digitais, os hipertextos, as redes sociais configuram materiais importantes
para que essa criticidade, por meio dos letramentos digitais, coloquem os alunos como
protagonistas da sua aprendizagem, e aos professores, mediadores por natureza, o papel
orientação propondo práticas que sejam significativas, que levem aos alunos a se reconhecerem
nas próprias atividades, e que essas façam um link, um aproveitamento do que eles têm como
teoria, e a realidade vivida. Fazer essa transposição didática não é tarefa fácil, e exige do
professor um profundo conhecimento teórico e prático. Essas mediações são umas das funções
das formações continuadas.
Portanto, o grande desafio dos professores é tentar harmonizar o rápido avanço
tecnológico, articulado com a cultura quebrando paradigmas existentes e construindo outros
51

dentro das suas ações didático-pedagógicas que vislumbrem uma formação alinhada na
conjuntura educacional em voga no processo de ensino-aprendizagem.

3. 3. Humanizar a formação além do saber técnico

A formação continuada que esta dissertação defende é a em serviço; contudo, nada


impede que ela seja ofertada fora do espaço escolar. A formação em serviço, na perspectiva de
uma educação crítica, permite que a construção do conhecimento e a identidade docente
convirjam num ato simbólico, fazendo com que os sujeitos se sintam pertencentes àquela
realidade escolar. Nesse sentido, é possível agregar conhecimentos de natureza muito diversas
que, num ambiente acadêmico escolar, seja reconfigurado, ressignificado de acordo com a
realidade local. Além desse papel agregador, que os aproxima. De acordo com Tardif,

No tocante à profissão docente, a relação cognitiva com o trabalho é acompanhada


de uma relação social: os professores não usam o “saber em si”, mas sim saberes
produzidos por esse ou por aquele grupo, oriundos dessa ou daquela instituição,
incorporados ao trabalho por meio desse ou daquele mecanismo social (formação,
currículos, instrumentos de trabalho etc.) (TARDIF, 2014, p. 19)

Muitos docentes, depois da formação inicial, buscam uma formação continuada, no


sentido de suprir alguma lacuna que ficou na própria formação inicial, contudo, uma formação
dentro dos muros da escola conseguirá ver o que é específico de cada instituição escolar. Isso
não significa que qualquer formação continuada atenderia às necessidades de qualificação para
o momento e o contexto específico, mas seria um importante passo para que se compreenda a
realidade da escola, dos alunos, enfim, da comunidade em que estão inseridos os sujeitos da
prática pedagógica.
As medidas sugeridas para a humanização de uma formação docente relacionam-se à
implantação de um programa de qualidade, com definição clara e objetiva com valorização do
profissional, além de referências que orientam a discussão, pois “exige-se cada vez mais, que
os professores se tornem profissionais da pedagogia, capazes de lidar com os inúmeros desafios
suscitados pela escolarização de massa em todos os níveis do sistema de ensino” (TARDIF,
2014, p. 114-115), mas não lhe é devidamente proporcionado um espaço propício de debate, da
práxis além do burocráticos, além da “escola de papel.”
É neste contexto que uma formação humanizadora encontra fundamento, pois, se
estamos inseridos, direta ou indiretamente, nesse cenário de atores diversos, “[...] cabe,
52

também, à educação a responsabilidade de abrir as portas da mente e do coração e de apontar


horizontes de construção partilhada de sociedades humanas mais humanizadas” (BRANDÃO,
2002, p. 22). Espera-se também dos atores envolvidos no processo de formação um discurso
condizente que possa transformar tanto as atividades sociais, econômicas, lazer, e também, por
que não, às escolares, pois “a humanização enquanto vocação tem, na desumanização, sua
distorção” (FREIRE, 1994, p. 184). Logo, “a educação é um ato de amor, por isso um ato de
coragem. Não pode temer o debate” (FREIRE, 1983b, p. 104).
Em tempos de individualização, é esperado que o “educador, ao definir uma
determinada metodologia de trabalho, planeje, decide e produza determinados resultados
formativo-educacionais que têm consequências na vida dos educandos [...]” (ZITKOSKI, 2006,
p. 51). E essas ações são feitas coletivamente dentro de um espaço que somente os atores
envolvidos sabem decidir, mas dentro de um parâmetro institucional mínimo, ou seja, o
Currículo Estadual. Todavia não como um modismo, mas como um componente curricular
capaz de atender à necessidade iminente da sociedade contemporânea que vive e faz uso dos
mais variados meios tecnológicos.
Se a empatia e a humanização são fundamentais na vida das pessoas, é no cotidiano de
uma sociedade que se faz perceber o quão importante é esse investimento, pois:

[...] não é possível ao (à) educador (a) desconhecer, subestimar ou negar os saberes
de experiência feitos com que os educandos chegam à escola. [...] partir do saber que
os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber. [...] partir do
“saber de experiência feito” para superá-lo não é ficar nele (FREIRE, 1992, p. 59; 70-
71)

Então, é urgente que se repense a formação continuada do docente, como “[...] princípio
essencial e propulsor para a realização de qualquer conquista, pois fornece as forças necessárias
para que a luta seja enfrentada” (VASCONCELOS, 2006, p.106), principalmente no sentido de
complexizar o debate em torno das políticas públicas que legislam acerca desse tema, tendo os
professores, sujeitos ativos, os produtores de conhecimentos.
Segundo a etimologia da palavra educação, trata-se da busca do equilíbrio entre
conservação e transformação, um fazer consciente. A tecnologia digital, nesse aspecto, tem
papel relevante, estabelecendo “nós” de significação. Ela articula com tudo que acontece em
volta criando redes de relações, formando um ensino em cadeia por meio das demais
tecnologias que cercam o processo de ensino-aprendizagem. De acordo com Tardif,
É aqui que entram em cena as verdadeiras tecnologias de ensino. Elas correspondem
às tecnologias da interação, graças às quais um professor pode atingir seus objetivos
nas atividades com o aluno. Podem ser identificadas três grandes tecnologias da
53

interação: a coerção, a autoridade e a persuasão. Elas permitem que o professor


imponha o seu programa de ação em detrimento daquelas ações desencadeadas pelos
alunos que iriam em sentido contrário a esse programa (TARDIF, 2014, p. 137).

Essas contribuições tecnológicas revelam a grande necessidade de desenvolver uma


formação na perspectiva da interação humanistas, formação continuada atrelada a um cenário
atuante que amplie os meios com os quais se buscam suas fontes de informação, seja
tecnológico, mídias digitais. Nesse sentido,

Vários autores preocuparam-se em estabelecer a genealogia dessa questão, estudando,


por exemplo, os laços que a ligam ao movimento de profissionalização do ensino, às
recentes reformas escolares ou às transformações do saber que afetam nossas
sociedades modernas avançadas ou pós-modernas. Não é minha intenção refazer essa
genealogia nem delimitar as condições sociais, culturais e educacionais que foram
determinantes na edificação da questão do conhecimento dos professores (TARDIF,
2014, p. 228).

As tecnologias digitais configuram-se como produtos sociais e culturais da era da


informação, que, por sua vez, acabam por interferir na “subjetividade” dos sujeitos envolvidos,
visto que estes se utilizam de técnicas e esquemas imaginários para sua concretização. Para
Tardif,

Os professores de profissão possuem saberes específicos que são mobilizados,


utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas cotidianas. Noutras
palavras, o que se propõe é considerar os professores como sujeitos que possuem,
utilizam e produzem saberes específicos ao seu ofício, ao seu trabalho. A grande
importância dessa perspectiva reside no fato de os professores ocuparem, na escola,
uma posição fundamental em relação ao conjunto dos agentes escolares: em seu
trabalho cotidiano com os alunos, são eles os principais atores e mediadores da cultura
e dos saberes escolares (TARDIF, 2014, p. 228)

Dessa forma, os professores, como sujeito de sua formação, têm chances de se tornarem
produtores do seu próprio discurso, no sentido de participação efetiva, plenos na sociedade da
informação, reivindicando, partir de determinadas ações, disposto na fundamentação que cerca
seu papel de professor, o protagonismo, não como meros consumidores, e sim produtores da
tecnologia, de discurso, agindo e transformação a sociedade mediados pelo conhecimento.
Libâneo (2013), defende a formação continuada de forma mais abrangente, de modo
que ela alcance toda a discussão que envolve o cotidiano da escola numa espécie de participação
coletiva. Para ele, essa formação continuada “[...] se faz por meio do estudo, da reflexão, da
discussão e da confrontação das experiências dos professores [...]”, ou seja, a formação na
escola requer disposição, pois “[...] o compromisso com a profissão requer que ele tome para si
54

a responsabilidade com a própria formação” (LIBÂNEO, 2013, p. 191). Em outras palavras, é


“preciso situar o saber do professor na interface entre o individual e o social, entre o ator e o
sistema, a fim de captar a sua natureza social e individual como um todo. Ela se baseia num
certo número de fios condutores” (TARDIF, 2014, p. 16). A formação continuada, por essa
perspectiva, envolve além do pedagógico, uma vez que ela é:

[...] condição para a aprendizagem permanente e para o desenvolvimento pessoal,


cultural e profissional de professores e especialistas. É na escola, no contexto de
trabalho, que os professores enfrentam e resolvem problemas, elaboram e modificam
procedimentos, criam e recriam estratégias de trabalho e, com isso, vão promovendo
mudanças pessoais e profissionais (LIBÂNEO, 2013, p. 188)

Esses saberes específicos contribuem de forma decisiva para o processo pedagógico que
é feito na escola, justamente pelo fato de sermos sujeitos individuais, com saberes individuais,
mas com objetivos coletivos acontecendo naquela escola. É o que, na prática, Maingueneau
(2008) chamou de interdiscurso, sendo corroborado na práxis educativa. Essa prática é
sustentada na formação local, ampla, enviesada pelos vários discursos que cortam o ambiente
educativo, tornando os professores, mais uma vez, pertencentes à escola.

3.4. A humanização da formação por meio dos programas "Melhor Gestão e Melhor
Ensino" e "Método Melhorias e Resultados"

A SEDUC, em 2013, lançou o programa Melhor Gestão, Melhor Ensino (MGME)


dedicado aos professores de língua portuguesa e matemática no modelo semipresencial, por
meio de encontros presenciais e atividades a distância no Ambiente Virtual de Aprendizagem
da Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação: EFAPE (AVA-
EFAPE), tendo como critério de seleção aqueles professores que atuavam nas séries finais do
ensino fundamental II. O objetivo do curso era:

a: Oferecer formação continuada aos gestores escolares e professores de Língua


Portuguesa e de Matemática de todas as unidades escolares que atendem o Ensino
Fundamental (EF) Anos Finais;
b. Promover o fortalecimento da gestão escolar e da prática docente, articulando os
conteúdos das diferentes áreas e o aprimoramento das competências leitora e escritora
dos alunos do EF Anos Finais;
c. Propiciar a reflexão e a socialização de práticas que possam fortalecer a gestão
pedagógica, de modo a promover a melhoria da qualidade da educação. (EFAP, 2013,
p. 24)
55

Os objetivos do programa foram os de colocar os professores trabalhando em conjunto


com a gestão escolar. De fato, os anos finais do Ensino Fundamental, por meio dos documentos
oficiais, apresentam certas carências na parte leitora, sobretudo da compreensão de textos e
precisam ser acatadas no sentido de que, ao chegar ao ensino médio, tais deficiências sejam
minimizadas. Entretanto, no modelo que se apresenta, não nos parece que tenha o efeito
esperado a longo prazo, pois, assim, estará mais para ‘treinamento’, do que para formação.
Além disso, é necessário diálogo permanente com os professores de todas as séries e, se
possível, de outras escolas, pois bem sabemos que as escolas, na sua maioria, são divididas por
ciclos4. Dessa forma, o Estado cumpre seu papel no que diz respeito ao disposto na LDBEN
(1996), porém, equivoca-se ao querer fazer da escola um lugar de produtor de tarefas.
Em 2017, a SEDUC implantou o Programa Gestão em Foco em 1.082 escolas estaduais,
de 13 diretorias de ensino no Estado de São Paulo. O programa utiliza o Método de Melhoria
de Resultados (MMR) para que as escolas conquistassem avanços educacionais, pedagógicos e
de gestão democrática.
O objetivo do Gestão em Foco é melhorar o aprendizado de um milhão de estudantes
do Ensino Fundamental e Médio com a formulação de planos de trabalho personalizados e
monitorados pela própria comunidade escolar. O método é utilizado desde o planejamento
estratégico para o ano letivo, que passa por etapas como identificar os desafios, planejar formas
de superá-los e implantar as soluções elaboradas.
Em conjunto com a Associação Parceiros da Educação, que conta com empresas,
empresários e organizações da sociedade civil para auxiliar a Secretaria em projetos
educacionais, uma experiência-piloto foi realizada em 2016, em 77 escolas da região leste de
São Paulo. Durante o período, a média dos alunos do Ensino Médio no Índice de
Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP) registrou crescimento de 15%
se comparado à edição de 2015, segundo a própria Secretaria de Educação.
Diferente do MGME, o MMR se concentrava em todas as escolas para que essa
articulação refletisse nos números da escola em relação ao Sistema de Avaliação de Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo- SARESP. Porém, as avaliações do SARESP só contemplam
língua portuguesa e matemática; logo, de forma estanque, as responsabilidades pelo sucesso ou
fracasso na novamente sobre essas duas disciplinas: língua portuguesa e matemática.

4
A educação básica é dividida em três ciclos. O Ciclo I da Educação Fundamental (do 1º ao 5º ano). O ciclo II,
do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. O terceiro e último ciclo, 1º, 2º e 3º ano do ensino médio.
56

O MMR, no sentido didático, vislumbrou um maior engajamento da escola, pois aquela


perspectiva uniu a escola e dividiu em tarefas a serem cumpridas, pelo menos na teoria. Dessa
forma, o MMR consistia em oito passos: “Conhecer o problema; quebrar o problema. Identificar
a causa; elaborar um plano de melhoria; implementar; acompanhar os resultados; corrigir os
rumos; registrar e acompanhar boas práticas” (EFAP, 2013, p. 15).
O programa apresenta um viés totalmente organizado, aproximando-o de uma estrutura
de uma empresarial, com papéis estabelecidos por todos os envolvidos naquela escola, gestores,
professores,5 e os demais profissionais. O que nos leva a aproximá-lo do diagrama de Ishikawa,
que é largamente aplicado na indústria, transformando operários em líderes que "vestem a
camisa”. A escola não é uma fábrica, nem os alunos são produtos. Querer trazer conceitos do
mundo corporativo para a escola, sobretudo a pública, é desastroso do ponto de vista humano
e das relações que ali se estabelecem.
A escola é o espaço de produção do conhecimento. Ou seja, um conhecimento ligado à
noção de acumulação de capital cultural (Bourdieu, 2007), como condição para acessar ao
capital econômico e aos bens materiais. E esse caminho passa pelo papel que os sujeitos ocupam
dentro de uma estrutura social. A escola nesse aspecto passa a integrar diretamente os capitais
social, financeiro e cultural, na medida em que a própria sociedade nos coloca algumas
condições (diploma, título) para acessar certos bens de consumo e alguns privilégios.
Neste contexto, uma formação continuada precisa ter seu reconhecimento de igual
dignidade de universos simbólicos e do julgamento de igual valor de culturas que ocupam
posições diferentes no campo social, econômico e político que trabalhe para que os
conhecimentos atinjam a sociedade em que vivemos na perspectiva da Figura 1:
Figura 1 Engajamento pedagógico-social

diversidade conhecimento cultural realidade

Fonte: autor da dissertação, 2021


É um conhecimento trabalhado com a própria realidade em que a escola está inserida,
em cujas "aprendizagens metódicas da escola preenchem a mesma função dos esquemas

5
O Diagrama de Ishikawa, também conhecido como Diagrama de Causa e Efeito ou Diagrama Espinha de peixe,
é um gráfico cuja finalidade é organizar o raciocínio em discussões de um problema prioritário, em processos
diversos, especialmente na produção industrial.
57

inconscientes que se descobre nos indivíduos desprovidos de instituições escolares”


(BOURDIEU, 2007, p. 204). Para uma formação surtir efeito sobre os sujeitos que dela
participam, é preciso que contemple as reais necessidades daquela escola em específico.
Não se pode, portanto, falar em generalização dos conteúdos pois escapa ao papel
fundante da escola que é justamente o contraditório, não “modelar os espíritos dos discentes e
docentes tanto pelo conteúdo e pelo espírito da cultura que transmite como pelos métodos
segundo efetua esta transmissão” (BOURDIEU, 2007, p. 227). No sentido de querer replicar
conceitos de transmissão de conteúdo para de aumentar índices de avaliações externas, além de
contraditório aos preceitos do papel da escola, em nada contribui para o conhecimento.
Os professores precisam entrar em contato com diferentes metodologias, diferentes
conceitos e práticas de ensino, sempre dialogar e dialeticamente. É urgente que essas formações
sejam inseridas em todas as disciplinas da escola e avaliadas como um todo. Gadotti (1990)
asseverou que devemos ter outro olhar que nos aproxima de uma nova pedagogia, a pedagogia
do conflito6, um olhar que caracteriza a dialética da sociedade, que busque o conflito no
indivíduo no contexto da transformação coletiva da sociedade.
É preciso, como diz Kenski (1997), um redimensionamento do trabalho docente,
principalmente, quanto aos procedimentos didáticos justamente porque a aprendizagem não é
mais papel exclusivo da escola. Aprendemos de várias formas e maneiras numa perspectiva
ampliada do vale e o que não vale no campo do conhecimento. Exige uma reflexão profunda
sobre as concepções do que é o saber, e sobre as novas formas de ensinar e aprender.
Kenski (1997) advoga acerca de uma formação reflexiva, profunda e crítica sobre as
concepções do que é o saber e sobre as novas formas de ensinar e aprender, assim deve ser a
formação continuada. A autora argumenta que:

as velozes transformações tecnológicas da atualidade impõem novos ritmos e


dimensões à tarefa de ensinar e aprender. É preciso que se esteja em permanente
estado de aprendizagem e de adaptação ao novo. Não existe mais a possibilidade de
considerar-se alguém totalmente formado, independentemente do grau de
escolarização alcançado (KENSKI, 1997, p. 60)

Para a autora, a necessidade de estarmos em constante formação é uma urgência, pois


as tecnologias digitais afetam nossas práticas em vários segmentos da sociedade. Nesse ponto,

6
Gadotti (1990) explica que não podemos construir uma educação socialista baseada na ética burguesa;
consequência: i o conflito. Esse conflito não está estruturado para se opor a outras teorias, e sim um pressuposto
para buscar a própria ação pedagógica, ou seja, ser sujeito da aprendizagem e não ser conduzido por preconceitos.
A pedagogia do conflito supõe que o junto à busca da dialética da sociedade, busque também a dialética do
indivíduo, que implica uma ética da esperança
58

considerando as tecnologias digitais como ferramenta didático-pedagógica para uma formação


continuada, é preciso levar em consideração que ambiente digital proporciona uma pluralidade
de linguagens e discursos, exigindo do professor uma nova forma de interagir com as
linguagens nele produzidas, de tal forma que, além de consumir/produzir novas linguagens, de
modo que o professor as produza, a fim de atender aos padrões estéticos e éticos.
E, com a investigação em tema, constatamos que ela não ocorreu, simplesmente a
formação no currículo consiste em prescrições narrativas por meio das quais se enumera-se uma
série de padrões normativos que vise compreender os conteúdos, as habilidades e as sequências
didáticas a serem implantadas na escola, sem levar em conta as relações humanas e, sobretudo,
ignoram o debate, as reflexões epistemológica que uma formação docente exigente para que de
fato alcancemos a educação de qualidade naquele currículo.
Essas reflexões teóricas acerca dos principais teóricos e documentos que embasam a
formação continuada na rede estadual de ensino de São Paulo revelam a necessidade de se
investir no docente, na sua carreira, na escola e principalmente na concepção de ensino e de
linguagem que se quer defender, e essa concepção há de ficar clara nos documentos e na
formação continuada.
59

CAPÍTULO 4

PERCURSO METODOLÓGICO E ANÁLISE DA PROPOSTA


CURRICULAR OFICIAL DE SÃO PAULO

Nesta oportunidade, apresentamos as duas opções metodológicas adotadas para a coleta


e as análises dos dados envolvidos nesta pesquisa: a primeira é a análise documental, ou seja,
quando nos debruçamos nos documentos oficiais (A Proposta Curricular do Estado de São
Paulo de 2008; o Programa Melhor Gestão, Melhor Ensino de 2013 e o Método de Melhorias
de Resultados, 2017), que tratam da formação dos professores no Estado de São Paulo. O
segundo procedimento é a análise de uma entrevista semiestruturada, que, devido ao contexto
pandêmico, ocorreu via Meet, com perguntas específicas para nos auxiliarem na construção do
nosso objeto de pesquisa: a construção do(s) ethos/éthe discursivo(s) do professor de língua
portuguesa.

4.1- Natureza da pesquisa: a qualitativa e exploratória

A opção da pesquisa exploratória se deu por ela nos oportunizar uma melhor interação
aos problemas e às hipóteses elencadas na introdução desta dissertação. Segundo Gil (200), por
meio desses procedimentos, os levantamentos bibliográficos, as entrevistas e a análise dos
dados obtidos, é possível uma resposta mais profícua a respeito da pesquisa qualitativa. Desse
modo, um levantamento das referências já analisadas e publicadas por meios analógicos e
digitais nos permitiram refletir sobre o tema investido nessa dissertação, no sentido de nos dar
respostas às indagações feitas nas considerações iniciais.
Foram feitas atividades de localização, de seleção, de análise de teses, dissertações e
artigos que tiveram como tema o discurso, as tecnologias digitais e a formação continuada,
buscando embasar em conhecimentos prévios existentes sobre o tema, para que houvesse um
respaldo teórico que podem proporcionar um ponto de vista novo, ajudando a responder e
analisar as questões existentes sobre os novos meios de comunicação. Este percurso também
nos auxiliou quanto aos métodos e aos caminhos a serem percorridos durante a pesquisa.
A respeito das pesquisas qualitativas, Gil (2002) considera que “[...] métodos de
pesquisa qualitativa estão voltados para auxiliar os pesquisadores a compreenderem pessoas e
seus contextos sociais, culturais e institucionais” (GIL, 2002, p. 94). Para Minayo (2001), a
60

pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,


valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Ainda no tocante às pesquisas de abordagem qualitativa, percebemos que ela nos
permite “descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos”
(GIL, 2010, p. 26), e, de acordo com Fonseca (2002), a “pesquisa qualitativa [...] permite
recolher mais informações do que se poderia conseguir isoladamente”. (FONSECA, 2002, p.
20). Marconi e Lakatos afirmam que “uma pesquisa de ordem qualitativa considera que há uma
relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo
objetivo e a subjetividade do sujeito.” (MARCONI; LAKATOS, 2004, p. 62). E foi com base
nessas considerações que optamos por esse tipo de pesquisa, a qualitativa, pois entendemos ser
a mais eficaz, no contexto desta pesquisa, de retratar a realidade pretendida com este estudo.
Na pesquisa qualitativa, o pesquisador tem a possibilidade de desempenhar um papel
duplo no desenvolvimento da pesquisa: ser sujeito e objeto justamente pelo fato de o
desenvolvimento da pesquisa ser imprevisível, diante de um conhecimento um tanto limitado
do ponto de vista objetivo.

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas


ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização das variáveis.
(MINAYO, 2000, p. 21-22)

O papel do pesquisador, enquanto investigador, é dar conta de informações


aprofundadas e ilustrativas, sem a necessidade de quantificar seus resultados. Nesse contexto,
pelo fato de esta pesquisa se preocupar com a realidade que são difíceis de serem quantificados,
ela vai se centrar na compreensão e explicação dos fenômenos no que concerne, no espaço
formativos, como é são constituídos(s) ethos/ethé discursivo(s) do professor de língua
portuguesa como sujeito produtor de discurso naquele espaço de formação continuada.
Feitas as entrevistas com os sujeitos-professores, e a partir das informações que nos
estavam em mãos, partimos para uma segunda etapa que é cruzar os dados, ou seja, nossa
análise. Nessa etapa, fomos ao encontro do tipo de pesquisa que adotamos, a qualitativa, e assim
procedemos com todo material em nossa disposição pois “numa pesquisa qualitativa, é
aconselhável que se utilize indistintamente os dados ‟e „materiais “ao se fazer referência a todo
tipo de informação que o pesquisador reúne e analisa para estudar determinado fenômeno
61

social”. (TRIVIÑOS, 1992, p. 141). Nessa perspectiva, a exploração dos dados e das
informações partiram de uma leitura atenta, das perguntas e de suas respostas.
Foram feitas as atividades de localização, seleção, análise, buscando, em
conhecimentos prévios existentes sobre o tema, um respaldo teórico no sentido de que as
inquietações levantadas no projeto de pesquisa, nos objetivos e nas hipóteses fossem
vislumbradas, pelo menos em partes nessa dissertação. E, para isso, nos foram oportunizadas
as entrevistas semiestruturadas nas quais nos permitiram sentir a escola e suas especificidades.
Dessa maneira, a entrevista semiestruturada é um recurso importante para nortear e
qualificar o trabalho pedagógico com vistas aos objetivos desta pesquisa. Ela esclarece questões
e favorece possíveis intervenções justamente por ser flexível; evita, pois, um congelamento,
nas perguntas e nas respostas, o que nos revela as impressões mais próximas da realidade dos
sujeitos-professores. Permite, ainda, a reflexão ao mesmo momento em que as intervenções são
feitas. ou seja, pesquisador e sujeitos se enriquecem e se legitimam mutuamente. Em resumo é
momento de troca, de interação e de colaboração entre os envolvidos na entrevista em
perspectivas de transformação sobre a teoria prática.

4.2. O contexto da produção da Proposta Curricular São Paulo faz escola – 2008

Ao final de 2007, a Secretaria de Educação começou uma série de estudos no sentido


de elaboração de um documento que aglutinasse todo o conteúdo curricular das disciplinas que
compõem o ensino fundamental e médio. Essa ação ganhou nome: Programa São Paulo faz
escola (SPFE) e, como subtítulo, Proposta Curricular definitivamente implantada no início
do ano letivo de 2008. Ao analisar o documento, é possível observar que sua elaboração e sua
implantação se deram após resultados não satisfatórios nos exames do SARESP7 e do ENEM8.
Nesse contexto de resultados que não atingiram de modo satisfatoriamente aos interesses da
secretaria surge esse currículo cujo objetivo é integrar e articular todo o sistema educacional
em torno de uma base comum para todas as escolas estaduais de São Paulo.
A elaboração da Proposta Curricular foi um tanto quanto precária, restringindo-se ao
envio de e-mails em que se relatam as suas práticas docentes, e a consulta no formato on-line,

7
O Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) é aplicado pela Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo com a finalidade de produzir um diagnóstico da situação da escolaridade básica
paulista. Os resultados são utilizados para orientar as ações da Pasta e também integram o cálculo do Índice de
Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp).
8
O Exame Nacional do Ensino Médio, criado em 1996, tinha como meta avaliar a educação em nível nacional, sua
segunda versão, em, 2009, passou a ser um dos critérios de acesso ao ensino superior.
62

teve um espaço de consulta muito curto, do dia 16 de outubro a 3 de dezembro de 2017,


inclusive, para as escolas e os professores fazerem sugestões. Numa rede imensa e com
características específicas como a do Estado de São Paulo, faltou, por exemplo, um diálogo in-
loco, com os docentes e a observação da comunidade para sentir as reais circunstâncias ou
necessidades de cada região. Nesse sentido, a proposta não se ateve às premissas mais básicas
que regem nossa educação que é e gestão democrática.
Nas referências do documento da Proposta Curricular, observa-se que nomes de grandes
de pesquisadores9 que estavam presentes na elaboração daquele documento contribuíram para
a escrita de documentos mais abrangentes como Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs,
1998) e no Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM. Desse modo, é possível observar que
a gestão desses documentos privilegiou aspecto de uma visão mais abrangente, cujo
compromisso era políticas educacionais que visassem à capitalização de recursos financeiros
por meio de resultados educacionais, bem com as exigências impostas pelo Fundo Monetário
Financeiro Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial. Essas instituições estiveram muito
presentes nas reformas educacionais da América Latina.
Com a implantação da LDBEN (1996), os sistemas de educação ficaram unificados,
descentralizando as obrigações do governo federal de responder pela educação básica. Os
governos respondem apenas por meio de investimento, sendo que os próprios estados e
municípios por meio de suas secretarias de educação têm o papel de oferecer a educação básica
como prioridade. E foi nesse contexto de reforma e possibilidades de se fazer acordos com
entidades financeiras que o governo paulista criou e implantou o currículo centralizado em
competências para resultados de avaliação em larga escala, como o SARESP, de forma muito
perspicaz, interferindo na prática docente e das escolas como um todo, colocando toda realidade
como se fosse uma só, pois, ao elaborar os “cadernos de aprendizagem”, por exemplo, o
governo não abre espaço para que a própria a escola elabore seu próprio projeto educacional,
porque tem um currículo para dar conta.
O nosso corpus de estudo, a Proposta Curricular para o ensino estadual paulista,
implantada pela resolução SE nº76/112008, estabelecia as principais metas e objetivos para o
padrão de qualidade da educação que visavam garantir aos alunos o acesso às competências
essenciais para continuar aprendendo.

9
Maria Helena Guimarães de Castro, Maria Inês Fini, Guiomar Namo de Mello, Lino de Macedo, Luís Carlos de
Menezes e Ruy Berger (1928-2012).
63

A Proposta Curricular, para o ensino fundamental e médio, passou a vigorar como


item obrigatório, e com ela, uma nova reformulação de todo sistema educacional, bem como as
formações continuadas, bem como os materiais apresentados nas escolas. Ela contém 36
páginas subdivididas nas áreas do conhecimento. Para compor o nosso corpus, optamos apenas
pela parte que contempla as linguagens e suas tecnologias, mais especificamente para a
formação de língua portuguesa e, num recorte mais profundo, os professores de língua
portuguesa das séries finais do ensino fundamental II.
O documento é composto em duas partes e organizado em quatro grandes áreas do
conhecimento na primeira divisão: “Ciências da Natureza e suas Tecnologias” (p. 26);
“Matemática e as áreas do conhecimento” (p. 32); “Ciências Humanas e suas Tecnologias” (p.
35); e “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias” (p. 37). A segunda divisão ocupou-se em
orientar a gestão do próprio currículo, que se voltava mais especificamente aos dirigentes
regionais de ensino, e suas respectivas diretorias de ensino e, mais especificamente, aos gestores
locais, como diretor e coordenadores.
Como um documento norteador, o currículo implantado em 2008 apontou como “[...]
recursos tecnológicos e com ações de capacitação e monitoramento que, mediante a
participação direta e contínua dos educadores da rede de ensino, possibilitarão seu
aperfeiçoamento.” (SÃO PAULO, 2008, s. p.). Para cada ciclo, a proposta foi apresentada de
uma forma: para o ciclo 1(um) “Orientações Curriculares do Estado de São Paulo: Língua
Portuguesa e Matemática” (SÃO PAULO, 2008). No que tange ao ensino de língua portuguesa,
a proposta se dividia em três partes: “O ensino da Língua Portuguesa nas séries iniciais” (p. 7);
“Língua Portuguesa (Leitura, Escrita e Comunicação Oral); e Expectativas de Aprendizagem”
(p. 9) e “Orientações Didáticas para o Ensino da Língua Portuguesa (Leitura, Escrita e
Comunicação Oral)” (SÃO PAULO, 2008, p. 12).
Outras partes significativas da proposta curricular dizem respeito aos Cadernos do
professor e dos alunos, organizados bimestralmente por disciplina, ficando a cargo dos gestores
“[...] como agentes formadores, devem aplicar com os professores tudo aquilo que recomendam
a eles que apliquem com seus alunos” (SÃO PAULO, 2008, p. 12), replicar aos professores,
nas ATPCs, os conteúdos do currículo.
Nesse sentido, o currículo do Estado de São Paulo centrou se em competências para a
aprendizagem, para que o aluno fizesse uma “[...] leitura crítica do mundo, para compreendê-
lo e propor explicações, para defender suas ideias e compartilhar novas e melhores formas de
ser, na complexidade em que hoje isso é requerido” (SÃO PAULO, 2008, p. 14).
64

Uma das preocupações do currículo é a articulação das aprendizagens com os “[...]


currículos de formação geral e currículos de formação profissional, em que o primeiro se
encarrega das competências básicas, fundamentando a constituição das mesmas em conteúdo,
áreas ou disciplinas afinadas com a formação profissional” (SÃO PAULO, 2008, p. 25). Outro
ponto interessante é a perspectiva construtivista na qual o currículo nos chega, quando afirma:
“[...] representar, comunicar e expressar são atividades de construção de significado
relacionadas a vivências que se incorporam ao repertório de saberes de cada indivíduo” (SÃO
PAULO, 2008, p. 16). Mais adiante, "[...] os sentidos são construídos na relação entre a
linguagem e o universo natural e cultural em que nos situamos” (SÃO PAULO, 2008, p. 16).
Essa construção se dá, obviamente, pela competência já amplamente explicitada.
Pelo que foi exposto nesta seção, é válido dizermos que optamos pela análise
documental, porque acreditamos na relevância que o currículo paulista teve na formação dos
professores naquele ano de 2007, apesar de todas as suas limitações e a conjuntura político-
social que ele carrega no seu bojo e por se tratar de um documento que, apesar das contradições,
marcou um período de estudo, de preocupação norteadora do ensino que permite jogar luz aos
pressupostos de uma educação de qualidade. Ademais, a formação dos professores no Estado
de São Paulo, guiou-se por meio dele e de outros atos normativos que vieram a partir de suas
orientações, daí sua importância de ser visto como um documento que marcou os rumos que a
secretaria de educação vislumbrou para nossa educação básica do Estado de São Paulo.

4.3. A Proposta Curricular do Estado De São Paulo: uma proposta inovadora

Com a inserção das tecnologias digitais no ambiente escolar, houve uma necessidade
realinhar as relações das ferramentas por elas oferecidas com as práticas pedagógicas, a fim de
potencializar as ações docentes, fazendo com que os atores envolvidos, no caso, os professores,
ganhassem voz e participassem cada vez mais das atividades pedagógicas do espaço escolar,
não apenas como sujeitos transmissores de conhecimentos. Nesse sentido, a Proposta
Curricular do Estado de São Paulo de 2008 se apresenta como uma ação norteadora capaz
de não somente inovar no sentido curricular, mas possibilitar que o professor leve em
consideração mecanismos tecnológicos na hora de preparar suas atividades docentes e, com
isso, colocar a escola de fato no século XXI. Para que isso aconteça, é necessário verificar se e
como a proposta aborda conceitos relacionados às tecnologias digitais, ou, mais
65

especificamente, ao letramento digital, para que o professor possa refletir sobre essa
possibilidade, tendo em vista que o documento é direcionado aos professores
Essa ação ganhou o nome Programa São Paulo faz escola (SPFE), e como sobrenome,
Proposta Curricular Definitiva, em 2008. Nesse sentido, com objetivo de contribuir para a
melhoria da qualidade e do processo de ensino-aprendizagem dos alunos, essa proposta
curricular partira das experiências e das práticas já acumuladas nas práticas pedagógicas, ou
seja, apostar em um “currículo referenciado em competências é uma concepção que requer que
a escola e o plano do professor indiquem o que aluno vai aprender” (SÃO PAULO, 2008, p.
15). Essa ação possibilitou às escolas certa liberdade para organizar a aprendizagem dentro de
uma concepção pré-estabelecida pela própria proposta curricular, vinculada à organização
curricular, caracterizando uma liberdade relativa também às ações de gestão pedagógica no
sentido de promover a formação continuada dentro das escolas.
O documento é composto por uma apresentação cuja intenção é trazer as ideias
principais da proposta. Nesse sentido, “a Secretaria pretende que esta iniciativa seja, mais do
que uma nova declaração de intenções, o início de uma contínua produção e divulgação de
subsídios que incidam diretamente na organização da escola como um todo e nas aulas". (São
Paulo, 2008, p. 8). Nessa perspectiva, pretende-se apoiar o trabalho realizado nas escolas
estaduais e contribuir para a melhoria da qualidade das aprendizagens de seus alunos, sem
descuidar da unidade proposta para todo sistema educacional estadual. O documento ainda
acrescenta: “a Secretaria procura também cumprir seu dever de garantir a todos uma base
comum de conhecimentos e competências" (SÃO PAULO, 2008, p. 8). Essas competências
vêm ao encontro de reivindicações antigas dos professores, ou seja, um currículo norteador.
Nessa apresentação, é possível perceber, embora o documento seja de 2008, algumas
aproximações com a BNCC (2018), como observamos a seguir

competência no sentido de mobilizar conhecimento, conceitos e procedimentos,


habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais) atitudes e valores para resolver
demandas complexas da vida cotidiana do pelos exercícios da cidadania e mundo do
trabalho” (BRASIL, 2018, p 8)
Essa passagem da BNCC (2018) revela um alinhamento com aquele documento tanto a
concepção de linguagem que se pretende formar no aluno a partir de sua competência, quanto
à competência como guia-mestra de toda a formação do aluno no que diz respeito à sua
capacidade de intervir no mudo, pois para o “enfrentamento dos desafios sociais, culturais e
profissionais do mundo contemporâneo" (SÃO PAULO, 2008, p.8). É urgente que se trabalhem
os conteúdos de forma unitária, assim:
66

São os Cadernos do Professor, organizados por bimestre e por disciplina. Neles, são
apresentadas situações de aprendizagem para orientar o trabalho do professor no
ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Esses conteúdos, habilidades e
competências são organizados por série e acompanhados de orientações para a gestão
da sala de aula, para a avaliação e a recuperação, bem como de sugestões de métodos
e estratégias de trabalho nas aulas, experimentações, projetos coletivos, atividades
extraclasse e estudos interdisciplinares. (SÃO PAULO, 2008, p. 9)

A proposta vislumbrava uma reorganização da escola, ou seja, de todo o sistema


educacional estadual, a fim de oferecer uma educação de qualidade a todos os sujeitos nela
envolvidos. De acordo com o documento,

Essa sociedade, produto da revolução tecnológica que se acelerou na segunda metade


do século passado e dos processos políticos que redesenharam as relações mundiais,
já está gerando um novo tipo de desigualdade, ou exclusão, ligada ao uso das
tecnologias de comunicação que hoje mediam o acesso ao conhecimento e aos bens
culturais. (SÃO PAULO, 2008, p. 9)

A Secretaria de Educação abre a Proposta Curricular evidenciando a preocupação com


a qualidade do ensino, ou seja, pretende mostrar a melhoria que pretende implantar na rede de
ensino, com a preocupação que a “presença maciça de produtos científicos e tecnológicos e a
multiplicidade de linguagens e códigos no cotidiano (SÃO PAULO, 2008, p. 11). Evidencia-se
a preocupação do documento em aproximar o processo de ensino-aprendizagem à realidade do
aluno, na tentativa de inserir o documento no Letramento Digital. O currículo que dá conteúdo
e sentido à escola precisa levar em conta esses elementos, porque só assim, o ensino passa a ter
sentido e significado, haja vista que:

A tecnologia imprime um ritmo sem precedentes no acúmulo de conhecimentos e gera


uma transformação profunda na sua estrutura e nas suas formas de organização e
distribuição. Nesse contexto, a capacidade de aprender terá de ser trabalhada não
apenas nos alunos, mas na própria escola, enquanto instituição educativa: tanto as
instituições como os docentes terão de aprender. (SÃO PAULO, 2008, p.12)

Nessa passagem, é nítida a preocupação da proposta com a formação continuada do


professor. Mas não é qualquer formação, é a formação in loco, ou seja, na escola, com seus
pares. Nesse aspecto, fica claro que a escola, como organização educativa conhecedora de sua
própria realidade, terá que exercer seu papel formativo, levando os sujeitos à transformação
almejada pela educação.
67

Este aspecto da proposta é relevante para a prática docente e vai ao encontro do que
defendemos nesta dissertação no que tange aos caminhos que se seguem para perseguir uma
educação de qualidade à altura dos desafios contemporâneos.
Levando em consideração esses aspectos, de acordo com a Proposta, “Isso muda
radicalmente nossa concepção da escola como instituição que ensina para posicioná-la como
instituição que também aprende a ensinar" (SÃO PAULO, 2008, p. 12), uma vez que “o
currículo é a referência para ampliar, localizar e contextualizar os conhecimentos que a
humanidade acumulou ao longo do tempo” (SÃO PAULO, 2008, p. 13), bem como o que se
constrói ao longo do dia, nas relações diárias em relação com o conhecimento. Essas
habilidades são características importantes de uma escola bem-informada sobre o mundo ao seu
redor, pois, de acordo com a Proposta:

Competências, neste sentido, caracterizam modos de ser, raciocinar e interagir que


podem ser depreendidos das ações e das tomadas de decisão em contextos de
problemas, tarefas ou atividades. Graças a elas podemos inferir se a escola como
instituição está cumprindo bem o papel que se espera dela no mundo de hoje (SÃO
PAULO, 2008, p. 13)

Percebemos que o Currículo em 2008 introduziu o trabalho por competência. O que


temos na Base Nacional Curricular Comum (2018), as chamadas competências curriculares e
retomadas pelo currículo paulista, já era uma preocupação em 2008 na educação dos docentes
no Estado de São Paulo, como se vê na passagem a seguir; “Valorizar o desenvolvimento de
competências nesta fase da vida implica em ponderar, além de aspectos curriculares e docentes,
os recursos cognitivos, afetivos e sociais de que os alunos dispõem” (SÃO PAULO, 2008, p.
14). Essa preocupação de desenvolver habilidade no ensino por meio das competências
específicas, então, é ratificada pela Base em 2018, o que de certa forma, “Implica, pois, em
analisar como o professor mobiliza conteúdos, metodologias e saberes próprios de sua
disciplina ou área de conhecimento, visando desenvolver competências em adolescentes, bem
como instigar desdobramentos para a vida” (SÃO PAULO, 2008, p. 14). A expressão “educar
para a vida” pode ganhar seu sentido mais nobre e verdadeiro na prática do ensino (SÃO
PAULO, 2008, p. 18), o que é corroborado neste seguinte trecho
Esta Proposta Curricular adota, como competências para aprender, aquelas que foram
formuladas no referencial teórico do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio.
Entendidas como desdobramentos da competência leitora e escritora, para cada uma
das cinco competências do Enem transcritas a seguir, apresenta-se a articulação com
a competência de ler e escrever (SÃO PAULO, 2008, p. 19)

Com efeito, as tecnologias digitais sempre estiveram em diálogo estreito com a escola.
Com as tecnologias digitais em franca ascensão, esperava-se que o letramento digital ganhasse
68

certos protagonismos, sobretudo porque vinha sendo debatido, discutido nas mais variadas
pesquisas naquele momento10 e, devido à sua relevância, ele se manifestaria em todos os
documentos oficiais que tratassem de currículo educacional, ou, de maneira mais restrita, de
linguagem, e como prática, a ultrapassar os muros das escolas e alcançar formas significativas
nas vivências sociais além da escola. Dessa forma, as tecnologias digitais teriam um duplo
papel: a de inclusão, pois colocariam os alunos em par de igualdade e, nesse aspecto, outro
debate viria, que é a própria aquisição dos computadores, implantação de ambientes
tecnológicos nas escolas, promovendo inclusão de todos digitalmente, independentemente da
classe social.
E, para ser inclusiva, a escola não pode estar alheia ao que acontece no mundo, às
mudanças em todas as esferas de atividade humana, às quebras de paradigmas; ela precisa estar
à frente, inclusive com a inserção das tecnologias digitais nas práticas educativas. Nesse
sentido, interpretar, compreender, atuar e produzir são ações muito caras e que, em maior ou
menor grau, impactam o conceito de criticidade que tanto almejamos que a escola seja, tanto
no universo digital, em que o aluno vai interagir num universo quase ilimitado de textos,
hipertexto, quanto no analógico, quando ele vai defender um ponto de vista.
Este é o desafio para a escola do século XXI: ser inclusiva. Mais que isso. Uma escola
inclusiva constitui-se num modelo educacional que considera igualdade e diferença como
valores indissociáveis, pois “A sociedade do século XXI é cada vez mais caracterizada pelo uso
intensivo do conhecimento, seja para trabalhar, conviver ou exercer a cidadania” (SÃO
PAULO, 2008, p. 9). E ela é “produto da revolução tecnológica que se acelerou na segunda
metade do século” (SÃO PAULO, 2008, p. 9). Esta escola que se apresenta na proposta
curricular objetiva-se a ser inclusiva, sobre esses dois aspectos: exercer a cidadania, formando
alunos críticos, e inserindo-os no universo das tecnologias digitais.
Uma escola inclusiva envolve mais que a integração, junção de pessoas ou máquinas
tecnológicas. Neste contexto, é correto afirmar que o fato de esses alunos estarem no mesmo
ambiente com os demais não quer dizer que estejam incluídos, visto que “já está gerando um
novo tipo de desigualdade, ou exclusão, ligada ao uso das tecnologias de comunicação que hoje
mediam o acesso ao conhecimento e aos bens culturais.” (SÃO PAULO, 2008, p. 9). Ou seja,
ter um documento unificador que abranja o Estado como um todo; mais que uma preocupação
curricular, há de ser, também, uma necessidade de reconhecer as especificidades de cada lugar,

10
Entre outras pesquisas de relevância, cito a do Grupo de Nova Londres e a Pedagogia dos Multiletramentos (96)
que, ausente nos documentos oficiais, veio a aparecer, como fundamentação teórica somente na base nacional
curricular de 2018.
69

fazendo com que essa inclusão alcance de fato os alunos, sobretudo os das camadas mais
pobres. Segundo o documento oficial:

Em mundo no qual o conhecimento é usado de forma intensiva, o diferencial será


marcado pela qualidade da educação recebida. A qualidade do convívio, assim como
dos conhecimentos e das competências constituídas na vida escolar, será o fator
determinante para a participação do indivíduo em seu próprio grupo social e para que
tome parte de processos de crítica e renovação. (SÃO PAULO, 2008, p.10)

Por essa perspectiva, conhecimento e competências relacionados ao uso da escrita e aos


modos como os textos funcionam em variadas circunstâncias são entendidos dentro de um
contínuo tipológico, no qual as práticas letradas digitais pressupõem não só o domínio prévio
da escrita alcançado a partir de determinados níveis de escolaridade, mas também de um
conjunto de:

Quadro ganha importância redobrada a qualidade da educação oferecida nas escolas


públicas, pois é para elas que estão acorrendo, em número cada vez mais expressivo,
as camadas mais pobres da sociedade brasileira, que antes não tinham acesso à escola.
A relevância e a pertinência das aprendizagens escolares nessas instituições são
decisivas para que o acesso a elas proporcione uma oportunidade real de
aprendizagem para inserção no mundo de modo produtivo e solidário. (SÃO PAULO,
2008, p.10)

Essa é uma projeção embasada na experiência de adultos que, em idade avançada, já


tendo concluído níveis mais altos de escolarização, optaram ou foram forçados pelas demandas
sociais a se tornarem usuários das tecnologias digitais, “a democratização do acesso à educação
tenha uma função realmente inclusiva não é suficiente universalizar a escola. É indispensável
a universalização da relevância da aprendizagem." (SÃO PAULO, 2008, p. 10). Numa
perspectiva com as tecnologias digitais, o compartilhamento do mesmo espaço físico das
demais enfatizam a inserção como uma forma de integrar essas pessoas na sociedade. Nesse
sentido, “a escola que aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como eixo
de aprendizagem, a prioridade da competência de leitura e de escrita, a articulação das
competências para aprender e a contextualização no mundo do trabalho". (SÃO PAULO, 2008,
p. 11), ou seja, a escola como aquela agência certificadora, como detentora do passaporte para
se almejar certos privilégios da sociedade, não da sociedade pensante, mas do trabalho, da
construção, da mão de obra. É o que se observa nessa passagem:

A capacidade de aprender terá de ser trabalhada não apenas nos alunos, mas na própria
escola, enquanto instituição educativa: tanto as instituições como os docentes terão de
70

aprender [..]A vantagem é que hoje a tecnologia facilita a viabilização prática desse
ideal. (SÃO PAULO, 2008, p. 12)

Há uma preocupação do documento em relação às escolas quanto à formação dos


professores e se os professores estavam preparados para o trabalho com a leitura cujas
habilidades estariam sendo desenvolvidas em sala de aula pelos alunos. Essa preocupação foi
sistematizada numa revisão ampla dos documentos publicados pela aquela Secretaria anos
adiante, trazendo circulares, como o Melhor Gestão Melhor ensino e Método Melhorias e
Resultados, ou mesmo reformulando a própria proposta curricular anos de 2009; 2011. Esse
movimento evidencia um diagnóstico das políticas públicas voltadas para educação já
existentes, e também uma análise dos resultados, ou projetos iniciados ou realizados pela
Secretaria de Educação
Com as mudanças que estão ocorrendo na sociedade, como o excesso de informação
acontecendo numa velocidade cada vez mais rápida, o papel da escola e do professor ganha
outras ressignificações diante dessa revolução digital. Assim, espera-se que as próprias
disciplinas curriculares também se ressignifiquem, e dentre outras formas de ressignificação
necessárias, estão os letramentos digitais que qualificam para a vida, estimulam capacidades e
competências, com o intuito de desenvolver todas as inteligências de seus alunos. O professor
deve se reconstruir, transformando o aluno em um ser crítico, na medida em que auxilie na
formação de sua personalidade, valorize seu espaço na sociedade, para que possa derrubar
barreiras e vencer obstáculos que a vida lhe proporcione.
71

CAPÍTULO 5

COM A PALAVRA OS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA: A


CONSTITUIÇÃO DO(S) ETHOS/ETHÉ DISCURSIVO(S)

Este capítulo objetiva a análise de duas entrevistas que fizemos com os professores de
língua portuguesa, como a parte final da nossa dissertação, mas não menos importante. A partir
dessas entrevistas, analisamos a constituição do(s) ethos/ethé discursivo(s) do professor de
língua portuguesa, amparados nos conceitos trazidos por Maingueneau, sobretudo em sua obra
Variações sobre o ethos discursivo (2020). Nela são abordados aspectos relevantes quanto à
constituição do(s) ethos/ethé discursivos em interface com os letramentos digitais em face à
formação continuada de professores. A análise das entrevistas foi estruturada para encetar a
necessidade de compreender os ethé discursivos calcados nas categorias cenas de enunciação,
cenografia, competência discursiva, gêneros do discurso.
Com base no que foi mencionado, diante das vivências de quem trabalha com educação,
partimos, daquela realidade da escola, para a escolha de dois professores que ministram aulas
de língua portuguesa para as séries finais do ensino fundamental, considerando a adequação aos
objetivos da pesquisa, a formação continuada, a natureza da pesquisa, as características dos
professores, como faixa etária, tempo de magistérios, enquadramento funcional (vínculo efetivo
na escola, acúmulo de cargos ambos possuem acúmulos de cargos ), as condições de trabalhos,
sonhos, perspectiva dentro da carreira.
A entrevista semiestruturada, cuja finalidade é subsidiar a pesquisa, foi elaborada com
uma carta de apresentação para o diretor da escola em que os sujeitos- professores estão
inseridos (Apêndice I). Nessa carta, elencamos os objetivos da pesquisa, a instituição a que ela
se vincula, a identificação do pesquisador e a do professor orientador responsável e as condições
necessárias à participação do professor como sujeito da pesquisa. Como procedimento
metodológico para coleta desses dados, a entrevista foi feita via MEET, com dois professores,
sendo que a primeira no dia 17/02/2021, às 16h, e a segunda, ocorreu na terça -feiras, dia
18/05/2021, às 10h com os critérios já ditos nas Introdução desta dissertação.
Os sujeitos-participantes estão vinculados à Escola Estadual Prefeito Rinaldo Poli,
localizada na Avenida Martins Junior, 2884, Jardim Bela Vista. CEP: 07141-000. Guarulhos -
São Paulo. A Escola está estruturada em 03 prédios com 3 pavimentos. Atende a 800 alunos do
ensino fundamental, 6º ao 9º ano, com 25 turmas, distribuídos nos 02 turnos: matutino e
vespertino.
72

Sua instalação predial é composta por 15 salas de aulas; sala de diretoria; sala de
professores; laboratório de informática; com os seguintes aparelhos tecnológicos: TV; DVD;
impressora; aparelho de som; projetor multimídia (Datashow). A unidade escolar possui, ainda,
quadra de esportes coberta; cozinha; sala de leitura; sala de secretaria; despensa; almoxarifado;
pátio e sala poliesportiva cobertos.
A escola goza de uma infraestrutura bem robusta que atende perfeitamente aos alunos.
Ela oferece, também, alimentação escolar. Por todo o prédio, é possível encontrar bebedouro
que possui água filtrada. Por estar numa parte urbana da cidade de Guarulhos, conta com
energia elétrica, esgoto, coleta periódica de lixo; acesso à Internet banda larga.
O principal motivo pela escolha foi o fato de esta Escola estar localizada em uma área
pouco privilegiada da cidade de Guarulhos, nas proximidades de várias fábricas, o que
evidencia as contradições do currículo unitários, centralizado em competências, o que de certa
forma impacta a forma de trabalho docente na Escola e sua integração com comunidade. Ela
está localizada em uma comunidade periférica onde o contato com o ambiente que cerca a
escola apresenta contrastes socioeconomicamente e cultural, como desemprego, violência,
moradia irregular, alto índices de criminalidade, fatores que precisam ser pontuados para
entender o contexto educacional, e que o papel formativo dos alunos deve ser levado a cabo nas
práticas cotidianas das escolas, mediadas pelos professores, dando a elas novas perspectivas
para a vida.
Foram necessárias três etapas para coleta de dados:
(i)contato com a escola por meio de autorização da Gestão escolar;
(ii) etapa destinada à elaboração de um roteiro para entrevista;
(iii) realização das entrevistas individuais com professores, a partir de um roteiro
semiestruturado e que, devido ao distanciamento social imposto pela COVID 19, aconteceu a
distância, via pela plataforma Meet.
Os dados coletados por meio dos métodos e procedimentos já descritos foram analisados
com base em: roteiros para análise de documentos, roteiro de observação e estabelecimento de
categorias para análises das entrevistas.
Com esses procedimentos em mãos, espera-se perceber a escola por meios das vozes de
seus sujeitos-professores, das suas impressões, de seus lugares de fala exercendo seus papéis
discursivos sobre as práticas e a formação continuada tendo em vista a percepção de que o
avanço tecnológico é um desafio para todos que estão envolvido no processo de ensino-
aprendizagem.
73

Aos dias 17 do mês de maio, as 16h e aos 18 do mesmo mês de 2021, às 10h,
virtualmente pela plataforma MEET, reuniram-se para a entrevista que objetivava coletar dados
para pesquisa de mestrado, o pesquisador, mais duas professoras, as quais eu são denominadas,
nesta pesquisa, de sujeito 1 e sujeito 2. A escolha dessa modalidade de entrevista, virtual, se
deu pelo contexto pandêmico ao qual estamos passando e, com isso, impedidos de nos
encontrarmos pessoalmente.
A escolha desses sujeitos considerou os objetivos da pesquisa que é a constituição do(s)
ethos/ethé discursivos, bem como a natureza da pesquisa, qualitativa, sem a necessidade de um
número maior de escola ou de professores. Ademais, levou-se em conta a disciplina, ambos
lecionam língua portuguesa, faixa etária, tempo de magistério. Observa-se que há uma diferença
razoável em relação à prática pedagógica, 14 anos entre o sujeito 1 e o sujeito 2, o que permite,
também, observar a construção do ethos de cada um no que tange a visão que ambos têm da
escola - considerando experiência, formação, visão de mundo, tempo de prática docente, dentre
outros fatores, e por último enquadramento funcional: ambos têm vínculo efetivo na escola e
não possuem acúmulo de cargos, o que os colocam em condições de trabalhos iguais na escola.
A escola contemporânea enfrenta o desafio de quebrar um paradigma cada vez mais
evidente para a educação: ofertar ao professor uma formação continuada. A formação
continuada, mais do que desenvolver as competências profissionais do sujeito-professor que,
em muitos casos, dispõem apenas da formação inicial, exigência para a vivência do cargo, busca
a construção da identidade profissional de professor.
A escola é o espaço pedagógico que permite aos sujeitos construir seus discursos;
permite ainda situá-los no tempo e no espaço dos acontecimentos que circulam o contexto local,
nacional e mundial que, em certa medida, impactam, menos ou mais, sua prática pedagógica
situando-os como sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem.
Ao se colocar como sujeito ativo nesse processo, o professor também se insere em várias
cenas enunciativas, algumas impostas, no caso dos programas curriculares, horas-aulas, horas
formativas, outras mais flexíveis como, suas estratégias, na sala de aula, na interação dos alunos
em que o professor tem de adaptar seu conteúdo didático às características próprias de cada sala
em que ele ministra suas aulas.
Essas mudanças de cenas exigem do professor certas performances para atender às
expectativas do currículo oficial, dos projetos pessoais inclui-se seu plano de aula e o próprio
Projeto Político Pedagógico da escola.
O professor da escola pública representa, no caso desta pesquisa, o Estado, e precisa
deixar marcadas as ideologias que a proposta curricular preconiza, mas sem se deixar invisível,
74

ou seja, sem se anular enquanto sujeito, que ocupa um lugar de fala, que exerce sua profissão
por meio do qual que interage com a comunidade, e para atingir esse objetivo fim do fazer
docente. E para cada umas dessas cenas, percebem- se certos ethé desses sujeitos a partir das
cenografias enunciativas em que seu papel discursivo se apresenta enquanto professor,
responsável por receber do Estado um documento formativo e, por meio dele, se colocar como
profissional do ensino. Essa variação cenográfica permite aos seus destinatários construírem
variadas imagens deste professor estadual de língua portuguesa.
Ao ministrar sua aula, subjaz um percurso individual de quem passou por uma formação
inicial, que teve seu ingresso na rede pública, que buscou/produziu conhecimento, por parte do
governo ou por conta própria, e que, apesar de tudo, falta de investimento, estrutura, produz,
compartilha conhecimento, pois satisfez as exigências e que está, de fato, preparado a exercer
sua profissão. Essas antecipações sugerem, em certa medida, como é construída a imagem do
que é ser professor da rede pública. Porém, essas imagens ainda não garantem a aceitação por
parte dos seus destinatários, no caso aluno, pais e comunidade.
É preciso dizer como é ser professor da rede pública, respeitando o seu papel discursivo.
Essas colocações foram o gatilho da nossa conversa.
As perguntas das entrevistas foram divididas em quatro blocos: tempo de entrada no
magistério; conhecimento sobre os letramentos digitais; conhecimentos da Proposta
Curricular oficial implantada em 2008; a formação continuada. Essas questões são
importantes para nossa pesquisa, porque elas se relacionam entre si, e nos ajudam na construção
do(s) ethos/ethé discursivo(s) dos sujeitos que enunciam a partir do seu papel social; e
possibilitam, observar como eles se apresentam, a partir de suas vivências, fazer uma interface
dos letramentos digitais na constituição do(s) ethos/ethé discursivo(s) desses enunciadores.

Tabela 1 – Blocos que evidenciam coleta de dados que visam ao objetivo da


pesquisa

Categorias Perguntas Itens Total

Entrada no magistério 2 4 6

Letramentos digitais 9 12 21

Currículo oficial 8 16 24
75

Formação continuada 11 3 14

Fonte: autor da dissertação, 2021

A tabela ilustra as categorias de perguntas feitas aos sujeitos que participaram da


entrevista. No primeiro item, quanto à entrada no magistério, foram duas perguntas - uma para
cada sujeito; a pergunta se desdobrou em mais duas para cada um dos sujeitos; 9 questões para
cada uma sobre os letramentos digitais, que se desdobraram em 6 para cada um deles. Em
relação ao currículo oficial, foram elaboradas 8 perguntas para cada um dos sujeitos, as quais
resultaram em mais 8 para cada um. E, por último, quanto à formação continuada, foram feitas
11 perguntas, que, conforme a entrevista se desenrolou, levou a mais 3 perguntas para cada um
deles. A entrevista aconteceu de forma espontânea, sem que os sujeitos se limitassem a
responder a pergunta inicial, apenas. Esse fato ajudou na análise dos dados obtidos em relação
ao contexto em que eles estão inseridos, levando à análise e à interpretação de como pode ser
constituído o(s) ethos/ethé discursivo(s) desses sujeitos.
Foram feitas questões objetivas sobre os itens mencionados e subitens decorrentes dela
(anexo 1). Pelas questões formuladas, podemos verificar que a maioria delas objetivam
descrever ou tentar conhecer o relacionamento dos professores com o letramento digital e o seu
conhecimento deles em relação ao currículo oficial. A formação continuada teve um peso
relevante na entrevista, pois, por meio desse procedimento, é possível apreender informações
sobre o cotidiano escolar, visão de cada professor acerca das categorias discursivas, tais como
cenografias, interação e competências discursivas para essa pesquisa. Nesse sentido, o tempo
de entrada no magistério foi um ponto, mas não acaba ocorrendo como ponto crucial na
pesquisa, uma vez que inseridos nos quadros da Secretaria, os professores passam pelas mesmas
formações, e não importam o regime de contratação, ou seja, efetivo ou contrato; eles têm a
mesma formação para trabalhar na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Dessa forma, uma das grandes marcas do processo formativo que rege o corpo docente
é o lugar que o outro assume para legitimar seu dizer, suas concepções, de educação continuada,
valendo-se da imagem que se projeta sobre si mesmo. Essa percepção revela a real importância
de se olhar para as políticas públicas educacionais, sobretudo quando se coloca a educação
como serviço essencial.
Quadro 1 – categorias de análise que podem ser avaliadas enfocando a linguagem
76

Pesquisador -Boa tarde, Sujeito 1 Atuo na educação, Sujeito 2/1- Em 2011


professora, tudo bem com como professora, 23 anos
você. Quanto tempo você
atua na educação

Pesquisador- Sempre na Sujeito 1- parte desses 23 Sujeito 2- Coincide. eu


educação pública? anos na pública e 10 anos no concluir a faculdade em
particular 2009.

Fonte: autor da dissertação, 2021

Nas respostas dadas pelos sujeitos, há uma diferença entre ambos em relação à prestação
de serviços na Secretaria de 12 anos. Enquanto o sujeito 1, tem 23 anos de serviços prestados,
o sujeito 2 contabiliza 10 anos. Esse fato evidencia que o primeiro sujeito teve conhecimento,
e participação plena na constituição do documento, enquanto o segundo sujeito teve apenas os
efeitos dessa proposta. Esses aspectos, aliadas à formação continuada e letramentos digitais,
ajudam na constituição do ethé discursivos dos professores, pois podem ser evidenciados a
partir de seus papéis discursivos enquanto servidores nos quadros da Secretaria de Educação.
Ou seja, os sujeitos, a partir de seu papel discursivo, têm restrição quanto aos seus discursos ou
não.
A partir de sua entrada no magistério, os professores se veem a pensar em que espaço
podem exercer sua fala como sujeito discursivo, legitimado pelo cargo que ocupa, dentro de
um papel que assume e cada cenas interativa. Esses papéis variam de acordo com sua atuação
dentro da escola. De fato, ser professor da rede pública de educação engloba um papel mais
geral.
Maingueneau (2013) associa um discurso ao assunto, o que o autor chamou de cena
englobante. E dentro dessas cenas há outras cenas que exigem outros discursos. Um gênero
discursivo é um evento que não pode acontecer em qualquer lugar de forma aleatória; é preciso
adequá-lo aos propósitos comunicativos e às cenografias. Isso quer dizer que pela cenografia
somos legitimados a dizer, não pelos gêneros proferidos. A construção de uma encenação é
sempre singular e impositiva. Não basta ser professor para dar aula, ter um diploma; é preciso,
num primeiro momento, pelas vias legais, serem satisfeitas todas as burocracias como contrato
etc. Entretanto, a legitimação do ato de lecionar só acontece de fato quando ele atua como
professor nas suas cenas próprias, que, por sua vez, legitimaram suas falas, ações que são
proferidas na escola.
77

Assim, escola passa a ser um lugar que acrescente informações para os que estão lá, e
para quem vai buscar, numa frente dialética, conhecimentos. E esses conhecimentos passam,
entre outras instâncias, pelo letramento digital. Sobre o letramento digital, foram levantadas
algumas questões, e sobre elas os sujeitos se posicionam:
Quadro 2 – Categorias que podem ser avaliadas enfocando a adequação das perguntas
letramento digital

Pesquisador- em Sujeito 1 a minha relação, Sujeito 2 Vou exemplificar com


relação aos letramentos atualmente, vem sendo bem um trabalho com o terceiro ano do
digitais. Qual a sua grande, né. Devido o ensino médio com leitura de livros,
relação com os momento Mundial que nós né. Obras de literaturas. E até por
letramentos digitais? vivenciamos a relação conta da questão mesmo de grade
online ela tá acontecendo horária do ensino médio, ser
diariamente, através de ensino noturno, em que você tem
realização de seminários um tempo menor com aluno em
com os meus alunos. Posso sala de aula e é um período
dar exemplo da aula de bastante importante na educação
hoje? Exemplo da aula de porque aquele aluno está a um
hoje. Eu me vi nessa nessa passo de prestar vestibular, entrar
transição, né. Como Inovar na universidade, curso técnico ou
a minha aula on-line? É só no mercado de trabalho então se
o professor fala, é o aluno trabalha bastante a literatura. A
ele só ouve o tempo todo? leitura desses livros ou ele
Então, eu tentei inovar acontecia, na época, com o aluno
usando realmente o que ele tinha o aparelho celular ele
letramento digital, fazendo conseguiu baixar em PDF, ou
com que o aluno usasse a então ele fazer a leitura do livro
ferramenta físico. Mas a devolutiva precisava
ser por e-mail e por um texto
digitado, redigido por ele digitado
por ele e formatado para ele.
Então essa é a minha experiência
que eu tenho com a letramento
digital.
Pesquisador que você Sujeito 1- Professor? Sem Sujeito 2- - Nós precisamos de
acha que deveria ser feito dúvida né eu acho que vem dois aspectos. Nós precisamos de
para inserir de vez os sendo constante uma escola com conectividade.
letramentos digitais de aprendizado tanto para nós Uma conectividade na internet que
na sala de aula? educadores quanto para os atenda realmente. Não um pacote
alunos, né. Nós víamos aí de dados ou um sinal de internet
um cenário dos alunos que que é muito fraco e causa
para ter um Facebook, por travamento, traz uma série de
exemplo, eles necessitavam problemas. Eu acho que esse é o
apenas de um e-mail. primeiro passo. O segundo passo,
Porém, se você pegar um nós precisamos de equipamentos
aluno na aula de tecnologia na sala de aula nós precisamos de
como eu já peguei aluno de
78

oitavo ano não sabe enviar computadores na sala de aula


um e-mail? Mas ele tem um conectados à internet
e-mail que alguém criou
para ele. Que nem foi ele
porque muitos deles
relataram isso para mim. “aí
professor um amigo criou o
e-mail’ e eu só tenho conta”.
Mas não sabe enviar um e-
mail para nós. Outra, outra
coisa que observo muito no
ensino-aprendizagem, é o
Google form, não é
formulário que nós
aprendemos a fazê-los.
Pesquisador -Na sua Sujeito 1- Promovo Sujeito 2 É porque você entrou no
prática profissional. Nas bastante, professor. Eu Universo da Criança, né. Porque
suas séries em que você tento que interagir muito as uma coisa é a gente tem uma
trabalha, você consegue minhas aulas. Hoje em dia geração que era voltada para
promover outras eu posso falar que eu sou tecnologia e que ela não tem o
atividades que envolve uma professora que eu já domínio do letramento digital. O
os letramentos digitais? abolir a lousa. E u uso ela conhecimento dela rede social e
muito pouco. É raro, às games. Outra coisa é você usar
vezes que eu uso a lousa essa mesma tecnologia dentro de
porque eu tento interagir sala de aula para tornar aula mais
com os alunos de uma atrativa para trazer para dentro da
maneira bem prazerosa, E e realidade do aluno.
eu me esforço muito para
levar esse letramento
digital, as tecnologias para
sala de aula. Tanto no
presencial quanto no online.
79

Pesquisador - Você tem Sujeito 1- Então por que Sujeito 2- Sim, dentro desta
alguma experiência de ocorreu né você enquanto atividade mesmo que relatei. O
alguma atividade em professor de língua aluno que ele não tinha
que, o não recurso do portuguesa já deve ter conhecimento do letramento
letramento digital,ocorrido nas suas aulas. digital para ele fluir assim foi
contribuiu para a não Ocorre em momentos nas bastante difícil. Foi um aluno que
realização da proposta nossas aulas que parece que ele teve um atraso em relação aos
dentro dessa atividade? a gente tá falando meio outros da turma.
Russo com nosso aluno. E
você explica, não sei se é o
conteúdo chega a ser difícil
para ele. O entendimento
fica difícil para ele, mas
parece que a gente fala
inglês, fala russo fala
espanhol - português eu
compreensão dele e fica
difícil, né E você percebe
que não é 1, 2 alunos. Que
a turma não, não entende.
SE a turma tá na gente né tá
em você tá no educador.
Então ali eu já vejo já saí
para uma outra aula
preparada para trazer uma
nova ferramenta. E aí onde
eu busco, eu pesquiso eu
vou atrás de algo para
interagir. Quando eu vejo
que a minha aula deixou
muita dúvida, eu já lanço
então. para o aluno procurar
pesquisar para ele fazer uma
pesquisa porque ele tem
uma cabeça diferente da
minha.
Fonte: autor da pesquisa, 2021
Para a primeira questão sobre os letramentos digitais, ambos deram exemplos práticos
de sua experiência como professores. O sujeito 1 diz que tem consciência dos letramentos
digitais, bem como se preocupa com a aula no sentido de que não se transforme em uma-palestra
“onde o professor só fala”. Ela delega tarefas aos alunos para que estes façam pesquisas, a fim
de suscitar certa autonomia e inseri-los- nos Letramentos digitais. Nota-se que a professora não
deixa claro nem explicita quais estratégias ela utiliza para atingir tais objetivos. Contudo, de
certa forma, ela tenta promover o espírito de pesquisador em seus alunos e levá-los a atingir
autonomia por meio dos letramentos digitais.
80

Por outro lado, o sujeito 2 descreve uma atividade, mas sem se ater aos letramentos
digitais, objeto da pergunta. Ela apresenta uma concepção um tanto diferente para letramentos
digitais, até pelo perfil da turma, são alunos do terceiro ano do ensino médio. A professora
pede que eles interajam fazendo uso de um recurso específico, o e-mail. O sujeito 2- se mostra
bem alinhado à proposta curricular (2008) quando diz que temos que preparar nossos alunos
para o mundo de trabalho quanto a “articulação das competências para aprender e a
contextualização no mundo do trabalho” (SÃO PAULO, 2008, p. 11), mas essa preocupação se
estende para o vestibular, para a professora, mandar e-mail, naquele contexto, caracteriza os
letramentos digitais. É interessante levar em consideração que o sujeito 1 vivenciou a
implantação da Proposta Pedagógica está há mais tempo na rede, no entanto o sujeito 2 que
alcançou a prática (pelo menos o que explicitou) aos estudantes que usou as ferramentas
digitais.
Tomando como base os conceitos de letramentos digitais de Gavin Dudeney, Nick
Hockly e Mark Pegrum (2016), e Marcelo Buzato (2006;2007;2010), para quem os Letramentos
são práticas sociais, é possível analisar, com base nas respostas, que ambos os sujeitos ainda
não apresentam, de fato, conhecimento do que sejam os letramentos digitais. Eles afirmam que
conhecem os letramentos digitais, todavia, a prática vai de encontro com as respostas. O que
sugere a necessidade de serem trabalhados esses conceitos em formações continuadas, para que
o professor faça de sua prática pedagógica um momento de transformação dos sujeitos com
quem trabalha, para que se tenha, de fato, uma educação libertadora. É preciso que haja uma
conciliação entre a teoria e a prática, a fim de que as propostas objetivem aos alunos a
possibilidade de transpor e subverter àquela proposta do Currículo Oficial.
Ao responder à questão 2, sobre o que precisava ser feito para a implantação dos
letramentos digitais na escola, há um embaraço nas respostas, o que pode ser explicado pela
falta de conhecimento desses sujeitos quando o conceito não condiz com a prática. O sujeito 1
aponta para uma formação ampla, professores e alunos, pois usar as redes sociais como
interação social apenas entre os colegas não é o suficiente para que os Letramentos digitais
alcancem seus objetivos acadêmicos. O sujeito 2 é mais pragmático, mas, em certa medida,
corrobora com as ideias do sujeito 1. Ele aponta dois aspectos cruciais para que os letramentos
digitais sejam de vez implantados: aparelho e conexão. Infere-se que, com esses dois pontos,
conexão e equipamentos, os letramentos digitais aconteceriam.
Na questão 3, cujo objetivo era saber sobre a prática profissional e a promoção dos
letramentos digitais, o sujeito 1 se apresenta com uma proposta bem interessante. Ele tenta
trazer uma inovação para as aulas “tento trazer inovação às aulas”, mas não explicita qual é
81

essa inovação, o que reafirma a necessidade de conhecer os letramentos digitais para que estes
possam de fato auxiliar significativamente na prática pedagógica. letramentos digitais não são
meramente apropriação da tecnologia, ou na perspectiva de Soares (2002) diferir o digital da
leitura do papel impresso. É importante ressaltar que os letramentos digitais requerem conexão
e equipamentos, mas também a competência dos sujeitos, no caso do professor e do aluno para
que estes possam realizar leitura e produção textual nas aulas de língua portuguesa.
Na mesma resposta, o sujeito 1 afirma “Eu tento que interagir muito as minhas aulas.
Hoje em dia eu posso falar que eu sou uma professora que eu já abolir a lousa.”. Coscarelli
(2005) e Ribeiro (2016), afirmam que letramento digital diz respeito às práticas sociais de
leitura e produção de textos em ambientes digitais. Isso quer dizer que o letramento digital
acontece, de fato, em ambiente digital. Todavia, a pergunta visava à promoção dos letramentos
que tem, entre outros conceitos, práticas sociais que “se modificam mútua e continuamente, em
virtude e/ou por influências das TICs” (BUZATO, 2007, p. 168).
O fato de termos lousa branca não significa que o professor tenha letramentos e
competência digitais. Pensar letramento digital requer o conhecimento e o uso de diferentes
linguagens, uma vez que o texto passa a considerar o iconotexto (Maingengeau, 2020) o que
passa a ter os efeitos de sentido. Para o sujeito 1, a lousa escolar é sinônimo de atraso. Isso
mostra uma preocupação bastante atual, porque a lousa nos passa uma ideia de volta ao passado.
Uma lousa passa a ideia de alunos enfileirados, a da “educação bancária”. Assim, esse
posicionamento inovador vai ao encontro das primeiras respostas quando o sujeito 1 solicita
aos alunos que pesquisem, por si mesmos, os conteúdos na internet.
Em relação os letramentos digitais, os sujeitos entrevistados apresentaram respostas
bem pragmáticas, na tentativa de trazer o conceito de letramentos digitais para sua prática
diária. A primeira resposta contextualizou a relação com os letramentos digitais ao contexto
pandêmico, muito provavelmente, devido às aulas serem transmitidas pela plataforma MEET.
A resposta 2 trouxe uma experiência feita com leitura do ensino médio em que a professor a
estava fazendo um trabalho com leitura, e o feedback foi comprometido pela falta de habilidade,
ou seja, de um conhecimento prévio com os componentes tais como mandar e-mail, formatar o
texto etc.
A escola tem como origem histórica ser homogeneizadora, cujas práticas escritas
sempre tiveram status privilegiado. Nesse sentido, práticas sociais ligadas aos letramentos,
sobretudo aos digitais, estão implicadas numa relação de poder, haja vista que essas práticas
são tácitas, é uma abstração enquanto prática social, interagir com os colegas, mandar e-mail
etc. Assim, ao serem questionados acerca dos letramentos digitais, o que se nota é uma tentativa
82

de promover a importância desses conceitos, sobretudo com exemplos, mas quem não
encontram guarida em no letramento digital, de Cascarelli (2005) e Ribeiro (2016), muito
menos no de Gavin Dudeney, Nick Hockly e Mark Pegrum (2016), e Marcelo Buzato
(2006;2007;2010) no que tange aos letramentos digitais.
Os letramentos digitais ocupam um lugar especial no processo de formação docente.
Nas duas respostas esses aspectos ficam latentes quando os sujeitos se esforçam para estar
atento a eles. Mas, vemos um discurso que não condiz com a prática. No entanto, isso não quer
dizer que os sujeitos de fato não conhecem, muito menos que não praticam os letramentos
digitais em suas atividades pedagógicas. O que eles nos mostram é um ethos discursivo
preocupado em responder afirmativamente uma resposta, um ethos de um sujeito-professor
inovador que leva para a sala de aula as tecnologias digitais a fim de aprimorar a construção do
conhecimento, a interação entre os sujeitos e o mundo, entretanto, os exemplos não condizem
com a fala dos sujeitos evidenciando-se, assim, um ethos dito e o mostrado, o que revela uma
imagem de um enunciador contraditório, que quer construir uma imagem positiva, mas não
consegue, tendo em vista a falta de conhecimento para embasar sua resposta.
Maingueneau (2008) chama de competência discursiva aquilo que pode e deve ser dito
“é necessário pensar de uma forma ou de outra no fato de que essa posição seja ocupável, que
o discurso seja enunciável.” (MAINGUENEAU, 2008, p.51).
Nesse sentido, para se responder acerca dos conceitos de letramentos digitais, os
sujeitos-professores se valem de estratégias discursivas que visam relacionar as perguntas à sua
prática docente, contextualizando, inclusive.
Os sujeitos tentam passar a importância dos letramentos digitais em suas respostas.
Todavia, ainda se prendem aos resultados práticos que esses letramentos digitais devam ter, ou
pelo menos, os sujeitos esperam que tenham. As respostas abordam dando destaque às suas
práticas pedagógicas, numa tentativa de validar os letramentos digitais para esses sujeitos-
professores. De fato, ocupam uma interface entre o analógico e o digital, o que nos mostra um
ethos discursivo atento ao resultado de uma aula, de uma atividade, sem a preocupação de
acompanhar as tendências das tecnologias digitais em que os alunos estão interagindo, ou seja,
nas suas práticas sociais do uso, ou seja, outro ethos que se preocupa mais com o resultado, não
com o aprendizado.
Mais que aprender os conceitos dos letramentos digitais, o sujeito professor terá que
estar associado a um lugar em que todos os jovens estão, ou seja, o professor há de criar uma
identidade, um pertencimento, um ethos que remete, com efeito, “à imagem desse “fiador” que,
por meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade compatível com o mundo que ele
83

deverá construir em seu enunciado” (MAINGUENEAU, 2004, p. 99), em outras palavras, a


confirmação de que os letramentos digitais são valores que estão fortemente implicadas na
própria ação pedagógica de ser professor.
Por isso, “é necessário pensar de uma forma ou de outra no fato de que essa posição seja
ocupável, que o discurso seja enunciável.” (MAINGUENEAU, 2008, p. 51). E, para que esse
discurso seja validado, inclusive pela cenografia em que as respostas foram dadas, percebe-se,
então, certa discursivas, isto é, saber o que falar, e como falar para quem falar.
As respostas evidenciam um acontecimento no espaço e no tempo no que tange à prática
pedagógica dos professores; elas revelam um ethos discursivo totalmente acolhedor à Proposta
Curricular e se colocam na vanguarda dos letramentos digitais. Os professores, como sujeito,
não podem mudar a regra do currículo em questão, pois o “currículo que dá conteúdo e sentido
à escola precisa levar em conta esses elementos. (SÃO PAULO, 2008, p.11)”, todavia podem
combinar certas posições considerando o papel discursivo que exercem na atividade
pedagógica. O saber não está cristalizado entre a escola, o currículo e o professor. É o que
vemos nas respostas que versam sobre o currículo oficial.
Quadro 3 – Categorias que podem ser avaliadas enfocando a adequação das perguntas
Currículo oficial

Pesquisador: Ainda, sobre Sujeito 1- Professor, o Sujeito 2 Sem eu acho que ele
a proposta curricular de currículo de 2008, ele propõe, mas ele não garante
2008. Ela desenvolve, na prioriza, sim essa
educação, aspectos dos ferramenta, porém ele
letramentos digitais? Você não tinha, Ele veio
acha que o documento traz acontecendo certo
alguma contribuição para tempo para cá, né. A
trabalhar, no sentido de uma proposta de 2008, ela
formação continuada nas tinha essa visão,
ATPC, para que o professor porém não ocorria.
pudesse desenvolver alguma
atividade nessa toada?

Pesquisador - Em relação ao Sujeito 1- Já Era bem Sujeito 2 Ele não garante na parte do
documento. Na sua opinião comum. Porém para equipamento. É porque quando você
ele desenvolve na educação trabalhar o letramento fala de uma proposta em 2008, nós
básica alguns aspectos sobre digital dentro do estamos em 2021. Então nós estamos
os letramentos digitais, mas currículo, ainda não 10 anos à frente e ainda não temos
no sentido de formação acontecia. A proposta equipamentos necessários para
continuada. Você acha que tinha sim, porém não trabalhar o letramento digital na
ele que ele que ele propõe a ocorria verdadeira escola pública. Então, lá atrás
alguma ação voltada aos como ocorre hoje também não é diferente. Se a gente
letramentos digitais? pensar no tipo de tecnologia lá de
84

2008, não lembro se nós já tínhamos


Whats, mas o forte nos celulares
ainda eram as mensagens de texto, as
máquinas eram bem diferentes do que
são hoje e não havia recurso na escola
pública
Fonte: autor da dissertação, 2021

O sujeito 2 se mostra um tanto cético quanto à proposta no que diz respeito aos
letramentos digitais. Para ele a Proposta traz questões referentes aos letramentos digitais, mas
não garante que eles se efetivem na prática pedagógica. Não garante no sentido de equipar as
escolas, tanto físico, quanto tecnológico. Para reafirmar essa afirmação, o sujeito 2, recorda que
em 2008, os tipos de tecnologias, sem descrever, “lá atrás também não é diferente” e no lapso
temporal, tanto em 2008, época em que foi publicada a proposta, tanto nos dias de hoje, “Então
nós estamos 10 anos à frente e ainda não temos equipamentos necessários para trabalhar o
letramento digital na escola pública”, ou seja, o estado não garante que se trabalha com os
letramentos digitais.
Este sujeito insiste na ideia de que os letramentos digitais estejam vinculados a
equipamentos, esquecendo-se dos desenvolvimentos das competências digital que o sujeito
precisa ter.
O sujeito 1, por sua vez, faz certa confusão, ao afirmar que “o currículo de 2008, ele
prioriza,” a, “não tinha” e que não aconteceu de imediato. Para este sujeito, a preocupação em
trabalhar com letramentos digitais nos documentos oficiais vem “acontecendo certo tempo para
cá”.
Nessa parte da entrevista, o objetivo era saber se os professores tinham conhecimento
da proposta curricular no que diz respeito aos letramentos digitais, e se o currículo viabilizava
tais recursos. Ambas as respostas foram nesse sentido: havia menção na proposta, mas não se
caracterizou, ou seja, não se efetivou na formação dos professores, tampouco na prática
pedagógica. O sujeito 1 caracteriza essas falhas como falta de comprometimento, tese essa
reforçada pelo sujeito 2, acrescido pela falta de investimento.
As entrevistas trazem informações importantes acerca do programa de formação
continuada oferecido no estado de São Paulo nos últimos anos. São posicionamentos que
evidenciam a falta de investimentos num setor caro aos professores e que em certa medida,
trazem considerações relevantes entre a proposta do estado, os discursos e a real formação.
Ao responder às questões suscitadas na entrevista, observamos que a preocupação dos
sujeitos é a de marcar um ethos próprio, conscientes das complexidades da estrutura da
85

Secretaria de Educação. Ambas as respostas concordam com a propostas no sentido de uma


implantação dos conteúdos digitais nas escolas, e também, ambas reclamam das dificuldades
de essas políticas públicas se efetivarem “A proposta tinha sim, porém não ocorria verdadeira
como ocorre hoje” e, assim, reafirmam a preocupação.
Quadro 4 – Categorias que podem ser avaliadas enfocando a adequação das perguntas
Formação continuada

Pesquisador- professora Sujeito 1- ÓTIMA pergunta essa Sujeito 2- Muito


eu vou insistir ainda nos pergunta ela veio de encontro aos importante, muito
letramentos digitais. Em anseios de muitos educadores, né. A importante. Por que nós
relação a eles, a escola nossa formação ela não vem da escola. precisamos da formação
em sim. Agora falando não vem das nossas formações de continuada? Como eu
para escola, no espaço ATPC de nenhum âmbito escolar. Eu falei em 2008, eu
formativo, né. Ela... ela creio que a minha formação ela vem considero um ensaio. E
recebe alguma orientação dos meus esforços das minhas quem, o professor que
para trabalhar os pesquisas. Pouquíssimas vezes eu ele conseguiu se
letramentos digitais ou recebi orientação formação pedagógica antenar. Se inteirar de
tudo que você tem você relevante à proposta curricular. E tudo todas as tecnologias.
recebeu nas suas que eu sei eu fui atrás. na maioria das Quando fala todas, não
vivências. ou seja, sua vezes. Tanto na escola atual, quanto na 100%, mas grande parte
formação continuada a escola antiga. Porque eu só trabalhei da tecnologia como
ela que dá na escola ...ou em duas escolas estaduais, no decorrer ferramenta de no
onde se da sua formação da carreira. As formações foram muito processo de ensino-
continuada? poucas, Muito. Deixando bastante a aprendizagem, ele hoje
deseja e deixam ainda. Isso no meu ver, tá à frente, com certeza.
né. No meu ponto de vista E outros, eles ainda
estão engatinhando é
porque que eu falo que
estão engatinhando hoje
no momento. É que eles
também foram
resistentes a chegada da
tecnologia.
Pesquisador- essa falta Sujeito 1- eu não tenho dúvidas que Sujeito 2- Então a
podem oferecer mais. Por que que se formação. É, falar que a
te inquieta, te deixa
apegam a tantos papéis há tanta formação continuada
angustiada? você acha papelada enquanto o principal que é o não é necessária é
foco. Somos os educadores, somos condenar a educação ao
que poderia te oferecer
deixados tão para trás. E a gente se fracasso, condenar o
mais? vira, se virar sozinho o tempo todo não professor ao fracasso.
é só com proposta não é só com tudo, é Porque mesmo quando
com tudo que a gente se virar sozinho, nós nem ouvimos falar
atualmente ainda no letramento
digital, a gente já
precisava dessa
formação continuada.
Então não existe um
bom professor que não
86

seja formado
continuamente.
Pesquisador - Qual a Sujeito 1- então professora algo posso Sujeito 2 Olha essa
formação você defende? falar o que eu tô sentindo real no pergunta é bem difícil, é
Uma formação in-loco ou momento atual carência de Formação porque é o momento em
uma formação geral? aí eu acho que não tá só em mim, né. Está que eu me sinto
que o professor vai atrás no quadro geral na educação, porque dividida. Porque o
da formação, qual você você vê nós fazemos a formação de professor que ele quer é
defende? ATPC, principalmente da nossa área de assim como aluno que
linguagens, as quartas-feiras. Onde quer, ele vai atrás. Ele
terminou a formação? Tem lá depois as vai conseguir. Quando a
nossas turminhas de recuperação a gente fala do in-loco,
gente assistir as ideias muito bonito mesmo professor que
maravilhoso ouvir tudo lá no centro de não quer, ele também
mídias. Só que depois precisou correr não vai fazer ele não vai
um desdobramento de conteúdo, tirar proveito. Porém,
principalmente para recuperação das porque que eu tenho
habilidades que os alunos vão uma tendência maior
contemplarão. Eu não tô vendo isso pelo in-loco por conta
ocorrer não sei se tá tudo muito do acompanhamento.
tumultuado se sou eu que só eu que Então se você está in-
estou percebendo que não está loco, você está em
ocorrendo, E e eu tô me sentindo Órfã. grupo, normalmente
Como que eu posso falar? órfão mesmo você está em pares, e
de conteúdo que você acabou de falar, isso ajuda muito não é
de Formação mesmo para gente poder somente a criança, mas
tá levando para sala de aula ajuda o adulto também.
Então o professor in-
loco, eu acredito que o
resultado é maior
Fonte: autor da dissertação, 2021.

No último bloco que versou sobre a formação continuada, tivemos respostas bem
interessantes. Por um lado, o sujeito 1 se mostra bem frustrado sobre a formação continuada.
Para ele não há formação continuada nas escolas, ou quando há, não atende às necessidades
individuais, por outro lado, ele acredita que deva existir essa formação. O que revela um ethos
que procura o conhecimento, aperfeiçoar-se. É possível dizer que este enunciador está em busca
de desafios que possam levá-lo à construção do conhecimento, para se tornar um professor
crítico e ser capaz de transformar seus alunos por meio da prática docente.
Ele não acredita na escola como agência formadora em nenhum aspecto. Talvez esses
pessimismos se deem pelo fato de que o sujeito 1 ter trabalhado em apenas duas escolas, e na
visão dele, a escola como espaço formativo se abdique desse papel e lança os professores apenas
em papéis burocráticos. Para o sujeito 1, a escola como instituição formadora, deixa muitas
87

lacunas, e muitas vezes essas lacunas têm que ser preenchidas fora da escola, com investimentos
próprios.
O sujeito 2, por sua vez, em um primeiro momento não respondeu. Mostrou o ethos de
um sujeito hesitado, sem ter muita certeza do que responder, buscou melhores palavras que
contemplassem sua visão de formação, Ele afirma: “É, falar que a formação continuada não é
necessária é condenar à educação ao fracasso, condenar o professor ao fracasso” “valoriza a
formação continuada num viés performativo”. Ele ainda aponta um atraso considerável nesse
aspecto, um descompasso que contraria diametralmente oposta a resposta do sujeito 1
apostando na formação “ In-loco, eu acredito que o resultado é maior”. O sujeito 2, quando se
trata de formação continuada, apresenta um ethos que valoriza o ensino tradicional. “E também
porque nós ainda estamos presos, parte de nossa geração, ainda tá preso na questão professor-
aluno, mesmo a formação continuada”, o que revela, pelo discurso, uma dificuldade de
compreender os mecanismos de uma formação continuada, bem como, anteriormente, sobre os
Letramentos digitais.
Essas contribuições revelam a grande necessidade de desenvolver uma formação na
perspectiva da interação digital, que proporcione ao professor em formação continuada discutir
criticamente os meios e os recursos tecnológicos, mídias digitais e linguagens que cercam sua
formação e sua prática pedagógica, seus posicionamentos frente às variações de informações
disponíveis na web ou outras plataformas digitais
Ainda sobre as respostas do sujeito 2, há uma resistência dos professores no que diz
respeito às tecnologias esse fato dificulta um pouco a formação continuada. O Sujeito 2 aponta
que essa formação continuada voltada às tecnologias digitais estão desde 2008 nos documentos
oficiais, porém ele afirma que precisamos prosseguir pesquisando, ou seja, precisamos correr
atrás de uma formação continuada que atenda às demandas de uma educação pública de
qualidade haja vista que o que está no papel, não corresponde à realidade de cada escola.
Quando questionamos sobre a discrepância que há entre o que está no papel e a prática
materializada em formação continuada, e se esse descompasso é angustiante, ambas as
respostas são unânimes. Precisamos de formação continuada. Esse expediente é muito caro à
educação para que as responsabilidades qualidade da educação não caiam somente nos
professores. Nesse aspecto, o discurso formativo terá mais efeito se é o feito no local de
trabalho, ou o mais geral. O sujeito 1 permanece desacreditando na escola como agência
formadora e foi bastante enfática “me sinto órfã”. ela ainda replica essa insatisfação no “quadro
geral da educação’’. Diz ainda que, percebe uma discrepância entre o que está no currículo é o
que se pratica
88

O sujeito 2, nesse ponto, diverge do sujeito 1, pois ele acredita que a formação
continuada acontece, mas o professor “não aproveita”. Nesse ponto, o sujeito 2 se afasta do
lugar de professor e toma um papel de formador, de alguém que acompanha esse professor nos
caminhos formativos. Todavia, ao longo da resposta, ele se volta ao lugar de professor que
precisa atuar “em pares’’. Há uma alternância no sujeito que enuncia, e no limite, diverge do
sujeito 1. Vê-se a formação continuada pelo lugar de atuação do professor como uma
oportunidade, o que sugere um olhar de formador, de gestor.
Em ambas a resposta se observa uma dificuldade de se trabalhar a formação continuada
na escola seja. Para o sujeito 1, o relato sobre a dificuldade se dá pelo fato de que as formações
são desintegradas. Não há consistência, apesar de termos um currículo norteador. Para o sujeito
1, as contradições estão justamente pelo fato de termos um currículo que repassa as diretrizes
às escolas pelas suas diretorias de ensino e sendo assim, as formações deveriam ser uniformes
nas escolas.
Nesse ponto retomamos Maingueneau (2013). Segundo o autor francês, agenciamento
organiza o lugar de fala. Isto é, impacta na restrição mais ou menos da cenografia em que o
sujeito enuncia. Por agenciamento, “entende-se como a categoria que organiza o lugar” de fala,
assim restringindo esse lugar considerando o discurso como acontecimento no espaço e no
tempo.
Um professor não enuncia de um lugar neutro, ele se coloca de um lugar imposto. Para
Maingueneau (2013) a cenografia não é imposta pelo tipo de gênero do discurso, mas instituída
pelo próprio discurso. Daí cada professor construir seu próprio agenciamento para ter garantido
seu lugar de fala. O lugar da sala de aula não é um lugar estável, levando em conta os atores
que passam por ela, os alunos e professores. Portanto, eis aí uma explicação possível dessas
divergências nas visões dos sujeitos no que diz respeito às formações continuadas. O sujeito 1
observa a formação pelo olhar de professor, afastado da sala de aula, o sujeito, vê a formação
como extensão da sala de aula, acredita ainda que formação é aprendizado. Sendo assim, todos
podem aprender.
A formação docente é um processo de construção pela interação feita na/pela
linguagem, “além de aspectos curriculares e docentes, os recursos cognitivos, afetivos e sociais
de que os alunos dispõem” (SÃO PAULO, 2008, p.14). Trata de uma formação reflexiva,
profunda e crítica sobre as concepções do que é o saber e sobre as novas formas de ensinar e
aprender, assim deve ser a formação continuada.
A construção dos gêneros de discursos leva em conta as condições de enunciação, o
que faz com que o que se diz seja viável, pois o professor ocupa uma posição relativamente
89

privilegiada entre o Estado e o público. O sujeito 1, em certa medida, atribui a frustração da


formação continuada na escola aos professores que deviam exercer sua criticidade enquanto
sujeito atuante no espaço formativo, e não “um professor-aluno’’, pois para este sujeito
“estamos aprendendo e discutindo ideias’’. Ou seja, para ele, a formação continuada é o lugar
de agir, com seu papel de professor.
A formação continuada é, sem dúvida, uma preocupação latente às duas respondentes.
O que revela um ethos preocupado com sua formação individual, de ‘correr atrás de sua própria
formação’. Nesse sentido, percebe-se que a pessoa empírica se confunde com a pessoa
discursiva com o cargo que ocupa, embora seja uma entrevista a distância com recursos muito
aquém do esperado, travamento do vídeo, conexão ruim etc. é possível, nesse ponto da
entrevista, um ethos distintos com posições distintas, não sobre a formação continuada, mas os
caminhos para se chegar até ela. Ficam evidentes as variações desse ethos que se coloca como
o que busca a própria formação e o que não acredita na formação, embora ambos acreditem que
ela seja primordial na educação. Ademais, outra consideração que nos coloca a pensar é o
distanciamento que há entre o mundo da proposta, o que está posto, escrito como oficial, e o
mundo da escola, por meio de cursos de formação de professores, políticas públicas,
capacitação de professor coordenador, para que se materializam as linguagens e discursos nos
espaços das escolas.
A linguagem é uma ação, faz parte do mundo. Nesse sentido, um discurso político-
pedagógico não contém apenas as proposições de quem o emite, no caso os sujeitos-professores,
mas uma ideologia ligada pelas classes sociais que o representa, ou se faz representar, mas que,
no fundo, estão intimamente relacionadas. Maingueneau (2013) nos diz que o discurso é
interativo, atuado sempre dentro de outros discursos. Assim, a palavra é sempre situada dentro
de um sistema mais amplo regido por normas tendo como reflexo o discurso que vai legitimar
a ação de fala. Esta fala é legitimada pelo próprio direito de falar. Mas que imagem mostramos:
uma repelida pelo tempo, por anos a fio sem investimento, sem recursos, sem condições
mínimas, ou uma outra, cujo papel formativo só depende do professor.

Sujeito 1- então professor, algo posso falar o Sujeito 2 Olha essa pergunta é bem difícil, é
que eu tô sentindo real no momento atual porque é o momento em que eu me sinto
carência de Formação eu acho que não tá só dividida. Porque o professor que ele quer é
em mim, né. Está no quadro geral na educação. assim como aluno qu
e quer, ele vai atrás.

Fonte: autor da dissertação, 2021


90

Retornamos a essas duas respostas, porque elas evidenciam um ponto alto da nossa
pesquisa, o que suscita discussões valiosíssimas do que se tem feito nas escolas acerca das
formações continuadas. Percebemos, nessas respostas, um não lugar, alguém que não se sente
contemplado pelas formações e isso caracteriza um não pertencimento do lugar de fala que não
promove a socialização do sujeito-professor que se encontra entre o lugar de produção e
recebimentos do conhecimento.
Essa resposta do sujeito 1 revela um éthos angustiado, que é dividido com outros
colegas, “está no quadro geral da educação”, por outro, um ethos que coloca a responsabilidade
da formação no professor, uma linha meritocrática, “igual ao aluno, quando quer correr atrás"
sem levar em consideração outros aspectos. É um estranhamento do dizer e do fazer, diz-se
que a formação in-loco tem mais resultado, por outro lado, o “professor quando quer correr
atrás”. Esse posicionamento revela posturas estigmatizadas quanto ao papel do professor.
Sobretudo quando vem os índices que medem a qualidade da educação, geralmente por provas
externas. Daí esse afastamento da identidade docente, dos saberes, da capacidade e valores que
comportam a função docente.
As entrevistas retomam aspectos da formação continuada que podemos analisar à luz de
uma semântica global, sendo esta categoria definida como “aquilo de que um discurso trata, em
qualquer nível que seja”, (MAINGUENEAU, 2008, p. 81), para que “sua ação é perceptível em
todos os pontos do texto”. (MAINGUENEAU, 2008, p. 81). Portanto, não se trata de
hierarquizar as entrevistas, outrossim colocá-las no bojo de uma intertextualidade que seja
capaz de compreender a constituição do ethos dos professores e sua manifestação discursivas.
Sabemos que o discurso constrói socialmente sentido. Ele não é o espelho de uma
sociedade, então essas entrevistas não são o retrato fiel de um sistema de educação, mas por
meio de um discurso, temos acesso a uma sociedade, a uma realidade. Isso significa que temos
regras discursivas que se legitimam em uma dada época. Os sujeitos desta pesquisa não são
professores porque dizem que são, embora tenham um documento, um diploma que prove que
são professores, mas são professores porque exercem um papel legitimado pela comunidade
escolar por meios de suas ações, sobretudo discursivas.
Reiteramos nossa filiação a Maingueneau (2013) que diz que o discurso é sempre
situado. Como professor, nossos discursos estão sempre em relação com a ação pedagógica que
praticamos que se legitima ao mesmo tempo com outros discursos o jurídico, o político, por
isso há de ter uma conexão, uma convenção social que assegura o professor este espaço de
dizer, bem como outras instâncias enunciativas, tais como a própria formação continuada. Um
91

discurso da formação continuada dos professores evidência, em certa medida, como são
construídas as imagens dos professores da educação de São Paulo.
92

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término desta dissertação, refletimos acerca dos objetivos que a orientaram, bem
como a continuidade destes estudos que buscam contribuir para a análise, os conceitos e as
concepções de teóricos sobre AD, em especial a constituição do ethos discursivo, letramentos
digitais, a linguagem e a utilização das tecnologias digitais como instrumentos para a formação
continuada do professor de língua portuguesa da escola básica.
A pesquisa procurou responder, fundamentalmente, às questões sobre a compreensão
pelo qual é/são constituídos (s) o(s) ethos/ethé discursivo(s) do professor de língua portuguesa
da educação básica, a partir da apropriação dos letramentos digitais na sua prática pedagógica
em diálogo com a formação continuada de professores de língua portuguesa na educação básica.
Ao nos debruçar sobre os documentos oficiais que nortearam a educação básica Estadual
Paulista, por meio de sua Proposta Curricular (2008) como princípios para uma escola
formadora, não conseguimos constatar no documento relação prática entre o que se discutia
naquele texto e o que de fato chegou nas escolas, na prática pedagógica do dia a dia em sala de
aula. Embora o próprio documente faça menção às necessidades e às urgências do processo de
ensino-aprendizagem para abordar diferentes perspectivas sobre as tecnologias digitais, não
explicita os Letramentos digitais de forma clara, evidenciando diretrizes que mostrem
possibilidades para o trabalho com os letramentos digitais nas aulas de língua portuguesa, por
exemplo. Não estamos nos referindo à formatação de aula, à receita, mas reflexões que levem
o professor a entender a língua(gem) que faz parte destes Letramentos, presentes não só na
escola, e que muito pode contribuir para a construção do conhecimento, tornando os alunos
críticos, reflexivos, sujeitos de discurso.
Nesse sentido, fundamentando-nos nas leis do discurso de Maingueneau esperávamos
perceber essas ferramentas digitais em diálogo permanente com a escola e além da escola,
atendessem aos interesses desses sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem a
partir dos letramentos digitais como prática social. Contudo, o que se revelou nas entrevistas
nos leva para o outro lado distante: escola cada vez mais individualizada, e um descompasso
entre a Proposta Curricular a própria formação docente e a prática em sala de aula.
Ao rever os objetivos, poder-se-ia dizer que o objetivo geral que era o de compreender
o modo pelo qual é constituído o ethos discursivo do professor de língua portuguesa, a partir da
apropriação dos Letramentos digitais na sua prática pedagógica foi parcialmente cumprido, uma
vez que no decorrer das análises, observamos que os sujeitos-professores não se constituem, no
momento de uma interação discursivas, de apenas um ethos, mas de vários ethé. Nesse sentido,
93

a entrevista revelou, de fato, que os professores de língua portuguesa daquela escola se sentem
representados socialmente quando estão desenvolvendo suas atividades fazendo uso dos
recursos digitais, contudo eles se assumem de modo muito diverso a respeito das tecnologias
digitais, da formação continuada e da própria secretaria de educação como norteadora do
processo de formação docente.
No que diz respeito aos objetivos específico:
Neste trabalho, buscamos enfatizar as mudanças causadas pela transformação
tecnológica digital e seus impactos na educação, sobretudo na prática do professor no cotidiano
escolar, na sua interação com os alunos. Sendo assim, um dos objetivos específicos proposto
nesta pesquisa foi o de analisar o ethos do professor no espaço de formação continuada a partir
da interface dos documentos oficiais com os letramentos digitais.
Um aspecto relevante apontado, o que revelou, nas entrevistas, o uso generalizado das
tecnologias digitais que se ampliou nos discurso docentes dando lugar as mais variadas formas
de narrar, descrever, expor e argumentar as particularidades que compõem o fazer pedagógico,
ou seja, a formação continuada que são diferentes de uma escola a outra, ou seja, embora o
documento fale de uma formação unificada, dentro de um mesmo município, encontramos
realidades distinta, o que enseja uma formação também distinta que entra em conflito na própria
escola.
Os resultados dos objetivos que versam sobre o protagonismo que se espera dos
letramentos digitais na prática do professor indica que, quando atrelada ao fazer pedagógico,
deve fundamentar-se no contexto social dos alunos. Os sujeitos da pesquisa reiteraram que a
ideologização das tecnologias, sem um olhar para as camadas mais pobres, sem investimento
consistente nas infraestruturas, como materiais pedagógicos apropriados, mais exclui do que
aproxima. Esperamos que a conectividade sirva de aproximação, proponha uma interação
professor/aluno/aluno/aluno, escola/escola/ escola/mundo, e a partir desses pontos encarar os
limites e possibilidades que as tecnologias podem oferecer como propostas pedagógicas que
coloque o ensino-aprendizagem num patamar diferenciado.
Assim, observamos que o segundo objetivo também foi alcançado, uma vez que as
respostas dos sujeitos-professores na entrevista semiestruturada revelaram que os letramentos
digitais quando praticados nas tarefas escolares, seu uso reflete, do ponto de vista dos sujeitos,
ganhos muito significativo no processo de ensino-aprendizagem.
Nenhuma mudança pedagógica acontece sem um fazer prático que se se sustente, sem
uma fundamentação teórica, buscando compreender que o uso da língua atrelado com as suas
concepções diárias, frequentemente assumem novos significados. Diante disso, o nosso
94

objetivo de analisar as possibilidades diversas que os letramentos digitais têm de auxiliar os


professores em sua prática pedagógica resultou atingido porque os professores apresentaram,
dentro de suas possibilidades, diversos recursos para melhorar suas aulas. Ou seja, os
professores têm consciência de que os Letramentos digitais, como prática social, devem fazer
parte de sua rotina diária. Ao professor, cabe inserir os alunos como sujeitos ativos no processo
de ensino-aprendizagem, mesmo tendo os limites de sua atuação, seja no conhecimento teórico,
seja na própria ação, seja na falta de recurso. Esses entraves, em conjunto, nos levam a pensar
acerca na importância de uma escola bem municiada com os recursos tecnológicos de que um
bom trabalho necessita, mas acima de tudo, da formação continuada setorizada.
Diante desses objetivos que nos guiaram, nossas indagações acerca de como é
constituído o ethos do professor de língua portuguesa dentro do espaço escolar, e se ethos tem
relação com os Letramentos digitais encontram relação com as nossas hipóteses, ou seja, o
professor cria certas expectativas quando é inserido num contexto de formação, todavia, essa
expectativa se frustra quando ele vai para a sala de aula diante dos poucos recursos de que a
unidade dispõe.
Este ethos é constituído discursivamente durante a entrevista, ele muda de acordo com
as perguntas formuladas, e como se trata de uma entrevista semiestruturada, cujas respostas não
são limitas a certo ou errado, o sujeito-professor tem a liberdade de ir se ajustando à medida
que a conversa se desenvolve. Este ethos é, nas palavras de Maingueneau (2020), flutuante, ou
seja, ele se desdobra entre o que é respondido nas entrevistas e nas ações propriamente ditas
nas experiências em sala de aula, permitindo encaixá-lo às categorias discursivas, ou seja, os
papeis discursivos ou extradiscursivos capaz de desempenhar um papel quando foi indagado.
O ethos discursivos desse sujeitos-professores nos apresenta pelas diversas interações
nessas três categorias em que se relacionam: categorial”; “experiencial” (e “ideológica”. Este
ethos passeia pelas “experenciação” estereotipadas nas respostas prontas, mas o que se fato de
revela é sua ideologia, ou seja, seu posicionamento efetivo diante das situações específica da
própria função docente quando este apresenta atividades que demandam a utilização de
tecnologias digitais. Vê-se um sujeito falando de si mostrando toda a preocupação com os
letramentos digitais, mas o que é mostrado não confere com a prática a adotada. Daí dizer que
os sujeito-professores não nos apresentam um ethos, mas vários ethé para cada situação em que
ele interage quando estão em contato com atividades que demandam interação com os
Letramentos digitais. O que nos levam a conclusão de que o ethos mostrado não corresponde
ao ethos dito, ou seja, eles não são condizentes.
95

Ainda é latente a sensação de que os letramentos digitais se fazem exclusivamente com


os equipamentos tecnológicos. Em partes está certo. Todavia as tecnologias, sobretudo as
digitais, sozinhas não resolvem os problemas da educação, considerando que os letramentos
digitais, nesse contexto, sejam voltados às práticas escolares. É preciso, insistirmos, uns
investimentos pesados nas formações continuadas que vão desde a exploração das
potencialidades das novas mídias, aí incluem-se as plataformas, às próprias práticas em sala de
aula, até as formas de avaliação.
Outro aspecto notado nas entrevistas semiestruturadas diz respeito à própria hora
atividade que não reflete à sua realidade. Esse ponto é interessante para essa pesquisa, embora
não tenha sido objeto dela, que nos leva a outro ponto: uma formação para o formador de
professores nas escolas. Para muitos professores, é considerada como formação continuada
aquela que é feita por conta única e exclusivamente individual, ou seja, fora da escola.
Nesse sentido, defendemos a formação setorial a partir de uma realidade específica, ou
seja, considerando a realidade específica daquela escola específica. Como no “trabalho, das
artes, da vida pessoal” colocar em perspectiva essas simbioses, implica uma nova forma de lidar
com as práticas pedagógicas própria que passam a exigir, dadas as circunstâncias em que se
encontra uma escola, seu corpo docente, a inserção das tecnologias digitais, debater a rede
escolar, principalmente no que tange às linguagens digitais; faz-se necessário nas formações
locais o debate crítico aos novos gêneros de discurso que surgem no mundo virtual que chegam
à escola.
Concluímos estas reflexões, com o pensamento do início deste trabalho: buscar o
conhecimento, continuar a formação, refletir sobre a tecnologia, aliada ao equipamento de
informática para aquisição e facilitação da interação e comunicação construir seu conhecimento
na escola e fora dela, tendo o professor como mediador. Desse modo, os Letramentos digitais
são práticas sociais que se apoiam nas TICs; seu uso impacta a formação docente, a vida do
sujeito-aluno e do sujeito-professor, que são convidados a interagir em sociedade como agentes
de linguagem.
Essa investigação não se quer concluída, porque aborda uma das vertentes da AD, diante
de tantas outras, na perspectiva da formação continuada. Ademais, faz-se necessários observar
outros olhares, outras pesquisas a forma como elas são recepcionadas pelas comunidades
acadêmicas dentro e fora da escola.
Discutir os Letramentos digitais na proposta curricular, debater a formação continuada,
colocar o ethé em perceptiva, dá voz aos professores: são esses alguns dos pontos que esta
dissertação permitiu discutir.
96

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APÊNDICE I – Transcrição da entrevista nº 1


Entrevista Com Professora Da Escola Estadual Prefeito Rinaldo Poli

Entrevistado(a): Cátia Cilene


Data: 17/05/2021
Hora: 16h:00
Local: síncrona, via Meet

Pesquisador -Boa tarde, professora, tudo bem com você. Quanto tempo você atua na
educação?

Sujeito 1: Atuo na educação, como professora, 23 anos


Pesquisado- Sempre na educação pública?
Sujeito 1- parte desses 23 anos na pública e 10 anos no particular.

Pesquisado- Você tem algum alguma Familiaridade, conhece a proposta curricular do


Estado de São Paulo que foi implantada em 2008?

Sujeito 1- Eu ingressei no estado em 2007 né, quando estava ocorrendo a transição né


a implantação da proposta curricular. Então foi assim eu peguei bem no comecinho né da
implantação, mesmo quando eles iniciaram até mesmo com jornal. Não era o caderno do aluno
como é hoje. Então era uma coisa bem dificultosa até para a gente manusear para os alunos
entenderem. Mas eu conheço proposta.

Pesquisado- em relação aos letramentos digitais. Qual a sua relação com os letramentos
digitais?

Sujeito 1 a minha relação, atualmente, vem sendo bem grande, né. Devido o momento
Mundial que nós vivenciamos a relação online ela tá acontecendo diariamente, através de
realização de seminários com os meus alunos. Posso dar exemplo da aula de hoje? Exemplo
da aula de hoje. Eu me vi nessa nessa transição, né. Como Inovar a minha aula online? É só o
professor fala, é o aluno ele só ouve o tempo todo? Então, eu tentei inovar usando realmente o
letramento digital, fazendo com que o aluno usasse a ferramenta. Então eu pedi, solicitei para
que eles fizessem a com a consulta de pesquisa de quem era o Quino. Que eles pesquisarem em
104

uma tirinha da Mafalda e falasse, interpretasse a tirinha que ele pesquisou. E, por incrível que
pareça, saiu um trabalho, mas LINDO que o outro, né. Porque Mafalda em sim, né, professor,
já é uma personagem riquíssima de ideias.

Pesquisado Muito rica em ideias, muito mesmo. Qual é a série que você está
trabalhando?

Sujeito 1 Eu estou trabalhando lá sétimo ano. A maioria dos alunos não conhecem essa
personagem, veem muito nas APs, ne. Para eles realizarem, mas a personagem eles não
conhecem

Pesquisado é o que seria APP, professora?

Sujeito 1 -APS- são avaliações que o Estado envia para avaliar os alunos

Pesquisado- e são de quaisquer disciplinas? Ou tem disciplina específica?

Sujeito 1- por hora são somente de língua portuguesa e matemática, né. Agora estão
acrescentando História e Ciências Naturais

Pesquisado - então assim, você acha relevante os letramentos digitais no processo de


ensino-aprendizagem de língua portuguesa e ainda e ainda nessa questão. Na sua opinião, os
letramentos digitais influenciam na qualidade da educação? Ou seja, você acha que se os alunos
se apropriarem dos letramentos digitais, a qualidade do ensino melhoraria?

Sujeito 1- Professor? Sem dúvida né eu acho que vem sendo constante aprendizado
tanto para nós educadores quanto para os alunos, né. Nós víamos aí um cenário dos alunos que
para ter um Facebook, por exemplo, eles necessitavam apenas de um e-mail. Porém, se você
pegar um aluno na aula de tecnologia como eu já peguei aluno de oitavo ano não sabe enviar
um e-mail? Mas ele tem um e-mail que alguém criou para ele. Que nem foi ele porque muitos
deles relataram isso para mim. “aí professor um amigo criou o e-mail’ e eu só tenho conta”.
Mas não sabe enviar um e-mail para nós. Outra, outra coisa que observo muito no ensino-
aprendizagem, é o Google forms, não é formulário que nós aprendemos a fazê-los. Eu mesma
tive bastante dificuldade até chegar ao pé da letra, saber dominar bem, né? Para mim também
105

foi um letramento digital muito importante. Para os alunos foi de grande valia, tanto que eles
amam responder um formulário digital é formulário Google. A utilização das plataformas para
nossos os nossos alunos. Digitar no chat para eles é um grande desafio. É letramento digital
muito grande porque eu observava muito isso no chat. Aluno que levava meia hora para digitar
uma palavra hoje ele já tem um domínio maior porque nós já estamos aqui trabalhando com
umas ferramentas digitais a um e meio aproximadamente

Pesquisado -É também interessante também. Como você falou, que você deu,
anteriormente, começou a dar Mafalda. Eles foram pesquisar também. Dá a eles uma certa
autonomia, né, nesse sentido.

Sujeito 1- O importante foi ver o compromisso que cada um teve. O nervosismo que
até mesmo nós né pelo menos eu enquanto professora eu falo que cada aula já era um friozinho
na barriga. Pelo menos o professor que prepara aquela aula mesmo, ele não sabe a reação que
vai ter aquela aula para cada turma né?

Pesquisado- Então você comentou que a pesquisa que incentivam a autonomia dos
alunos, né. E também, os professores. Eles devem constar? Qual a relevância de constar ou não
em numa proposta curricular. Ali, o conceito de letramento digital mesmo. Você tem
importância do estar num o documento oficial ou não?

Sujeito1- na verdade já está focado né no Currículo mesmo

Pesquisado- Não, assim textualmente, eu tô falando da proposta com o galo 2008. você
acha que ele tem que estar ali registrado ou não que tem pouco impacto?

Sujeito 1- eu acho que tem bastante impacto que deveria estar registrado sim. Com
certeza. Porque se faz parte professor, não faz sentido andar separado, concorda?

Pesquisado- Concordo. Concordo... Em relação, ainda, sobre a proposta curricular de


2008. Ela desenvolve, na educação, aspectos dos letramentos digitais? Você acha o documento,
Ele traz alguma contribuição para trabalhar, no sentido de uma formação continuada nas ATPC
para que o professor pudesse desenvolver alguma atividade nessa toada?
106

Sujeito 1- Professor o currículo de 2008, ele prioriza, sim essa ferramenta, porém ele
não tinha, Ele veio acontecendo certo tempo para cá, né. A proposta de 2008, ela tinha essa
visão, porém não ocorria.

Pesquisado= você acha que ela que então no seu no seu ponto de vista não foi um
ensaio?

Sujeito 1- Provavelmente o ensaio que não foi bem-sucedido, se perdeu no caminho,


alguma coisa ocorreu que lá em 2008 não aconteceu. Nem em 2009. A gente vem percebendo
essa mudança de 2011 para cá

Pesquisado - Mas em 2008 já era bastante comum as redes sociais na internet, as


conexões, ne?

Sujeito 1- Já Era bem comum. Porém para trabalhar o letramento digital dentro do
currículo, ainda não acontecia. A proposta tinha sim, porém não ocorria verdadeira como ocorre
hoje

Pesquisado- você achava que fosse viável ter trabalhado, ou ou não?

Sujeito 1- Eu acho que sim. Sabe por que professor, já faz parte do nosso dia a dia, é
nosso momento. e já era lá atrás também. Ele não é o momento atual hoje, em 2008 já fazia se
também ser o momento

Pesquisado- você consegue você consegue perceber na proposta e 2008 alguma


orientação para trabalhar os letramentos digitais como facilitador para o processo de ensino-
aprendizagem?

Sujeito 1- eu compreendo que a proposta, ela permite que o aluno, compreenda


diferentes linguagens, diferentes habilidades que ele possa inserir no dia a dia dele. Isso é
notório, desde lá de 2008 até hoje.

Pesquisado- você comentou que você conseguiu trabalhar com os alunos. É porque
eles pesquisar sobre a Mafalda, etc. e tal, né. Que eles pesquisassem sobre o autor em si, ne.
107

Fazendo o que eles fossem atrás, usassem o recurso tecnológico que tem para buscar a contento
o que se propunha naquela atividade. Na sua prática profissional. Nas suas séries em que você
trabalha, você consegue promover outras atividades que envolve os letramentos digitais.

Sujeito 1- Promovo bastante, professor. Eu tento que interagir muito as minhas aulas.
Hoje em dia eu posso falar que eu sou uma professora que eu já abolir a lousa. E u uso ela muito
pouco. É raro, às vezes que eu uso a lousa porque eu tento interagir com os alunos de uma
maneira bem prazerosa, E e eu me esforço muito para levar esse letramento digital, as
tecnologias para sala de aula. Tanto no presencial quanto no online. Por quê? Nós dois
sabemos que não é fácil não é simples, tem aí uma série de empecilhos, né, mas a gente vai
passando por cima de todos os empecilhos e fazendo acontecer. Eu trabalhei também,
recentemente o podcast, que é o auge do momento e os alunos têm bastante dificuldade para
realizar porque eles precisam fazer uma entrevista em primeiro lugar, por escrito e depois fazer
ela falar nada, né. Então foi uma outra ferramenta que eu encontrei para estar trabalhando com
os meus alunos de oitavo ano e eu tive para minha surpresa, 30 podcast de entrevistas. E isso
no primeiro bimestre com os meus alunos. Então é uma proposta que se eu gosto muito do
caderno do professor por isso que lá tem aquela sugestão para gente e que se você usar aquela
sugestão para sua aula é muito bem-sucedida. Eu fico assim muito chateada quando não a gente
não recebe essa proposta porque ela não vem para a gente, né. Ela vem em PDF. A gente fica
se matando no livro lá de 300 páginas para encontrar sua série e ir para procurar justamente
essas sugestões que eu priorizo tanto no caderno no caderno curricular.

Pesquisado: Você acha então que essas ações norteadoras do currículo ela é mais, ela
de certa maneira, o trabalho fica mais orientado?

Sujeito 1- fica mais não, fica totalmente orientado, Raimundo. Porque assim, não é algo
engessado, professor. É algo que...

Pesquisado – É isso que eu ia perguntar, não fica engessado?

Sujeito 1- Não. Não corre, porque você tem os meios, você tem a ideia a ideia você ou
pega ela completa um todo ou você partilha. Nem sempre eu pego a ideia num todo, eu partilho
a ideia e aí eu faço as minhas próprias ideias dentro da ideia de um contexto, entendeu?
108

Pesquisado- Por exemplo dá para replicar uma atividade e outra ou você vai adaptando
de acordo com a sala de aula. Você sente essa necessidade de adaptação? Até porque as turmas
não são homogêneas, ne?

Sujeito 1- Geralmente não dá para replicar não. A gente de aplicar ideia, mas a
devolutiva é bem diferente é a maneira como a gente aplica também é totalmente diferente.

Pesquisado- professora eu vou insistir ainda nos letramentos digitais. Em relação a


eles, a escola em sim. Agora falando para escola, no espaço formativo, né. Ela... ela recebe
alguma orientação para trabalhar os letramentos digitais ou tudo que você tem você recebeu nas
suas vivências. ou seja, sua formação continuada a ela que dá na escola ...ou onde se da sua
formação continuada?

Sujeito 1- ÓTIMA pergunta essa pergunta ela veio de encontro aos anseios de muitos
educadores, né. A nossa formação ela não vem da escola. não vem das nossas formações de
ATPC de nenhum âmbito escolar. Eu creio que a minha formação ela vem dos meus esforços
das minhas pesquisas. Pouquíssimas vezes eu recebi orientação formação pedagógica relevante
à proposta curricular. E tudo que eu sei eu fui atras. na maioria das vezes. Tanto na escola
atual, quanto na escola antiga. Porque eu só trabalhei em duas escolas estaduais, no decorrer da
carreira. As formações foram muito poucas, Muito. Deixando bastante a deseja e deixam ainda.
Isso no meu ver, né. No meu ponto de vista.

Pesquisado- essa falta te inquieta, te deixa angustiada? você acha que poderia te
oferecer mais?

Sujeito 1- eu não tenho dúvidas que podem oferecer mais. Por que que se apegam a
tantos papéis há tanta papelada enquanto o principal que é o foco. Somos os educadores, somos
deixados tão para trás. E a gente se vira, se virar sozinho o tempo todo não é só com proposta
não é só com tudo, é com tudo que a gente se virar sozinho, atualmente. E isso vem ano de
2008 para cá. A a proposta foi jogada para gente. Eu sinto isso na pele em 2008 2009 2010 a
proposta foi jogada nas minhas mãos. E se eu não corri atrás, eu não sou que isso hoje
profissional que eu sou hoje.
109

Pesquisado - Mas na proposta curricular ela diz escreve que os professores foram
convidados a participar da sua construção? você conhece alguém que foi que participou da
construção?

Sujeito 1- Eu desconheço. Não conheço quem que foram convidados a participar, então
quem serão esses educadores quem foram os atores que foram convidados a participarem eu
não conheci nenhum...

Pesquisado- você falou, comentou né que tá a pesquisa do Google form da alunos


participam de atividades, inclusive das atividades que você envia aos alunos nesse momento
pandêmico são pelo Google form, né? Descreva uma situação. Qualquer, pode ter até uma
qualquer séria tanto aqui como não nossa escola é que você notou que é interação com a
tecnologias, naquele contexto de aprendizagem, fossem essenciais e que sem as tecnologias
digitais você não faria tal atividade. Isso já lhe ocorreu?

Sujeito 1- Então por que ocorreu né você enquanto professor de língua portuguesa já
deve ter ocorrido nas suas aulas. Ocorre em momentos nas nossas aulas que parece que a gente
tá falando meio Russo com nosso aluno. E você explica, não sei se é o conteúdo chega a ser
difícil para ele. O entendimento fica difícil para ele, mas parece que a gente fala inglês, fala
russo fala espanhol - português eu compreensão dele e fica difícil, né E você percebe que não
é 1, 2 alunos. Que a turma não, não entende. SE a turma tá na gente né tá em você tá no
educador. Então ali eu já vejo já saí para uma outra aula preparada para trazer uma nova
ferramenta. E aí onde eu busco, eu pesquiso eu vou atrás de algo para interagir. Quando eu
vejo que a minha aula deixou muita dúvida, eu já lanço então. para o aluno procurar pesquisar
para ele fazer uma pesquisa porque ele tem uma cabeça diferente da minha. Por exemplo, eu
tive uma situação com esses emojis que falam, né. Esses emojis aí. É cada um que eles me
mandaram e eu não sabia o que significava. É muito engraçado um aluno te mandar um emoji
e você não sabe o que significa ou então ele escrever para você nessas linguagens, essas gírias
abreviadas. E eu me pego muito com isso, eu não entendo. E aí eu peço para eles fazerem uma
pesquisa para eu poder entender a linguagem deles pelo menos eu vou falar de igual a igual
com ele. E e eu tenho muito isso de Mandar WhatsApp para os meus alunos. E eu tenho grupo
com eles. Então eles me mandam uma carinha lá, professor que eu não sei o que é. E ai eu não
consigo responder o aluno e eu fico com vergonha que eu não sei o que é. Ai eu peço para ele
110

interagir com a turma. Eu trabalho em duas escolas. Em uma delas, a sala de informática pode
ser usada normalmente,
então eu tô indo lá no presidencial duas vezes por semana e esse fato aconteceu. Levei
os meus alunos para sala de informática e eles pesquisaram os emojis que eu não sabia o
significado. Eles pesquisaram e falaram ra turma toda o que o significava. Daí eu já abordei o
que eu precisava saber, neh: gíria, que eles usam muitas. Que eu também desconhecia. Eu pedi
pra que eles trouxessem algo diferente e explicando o que significa cada gíria. Usando as
ferramentas tecnológicas da sala de informática. E uma delas que me chamou muito a atenção
muita atenção uma palavra. Posso falar qual foi? A aluna falou assim, eu ouvi o
comentário. Ela não falou para mim, mas só que ele ficou na minha cabeça “Olha a unha da
professora que é chavosa?” Eu não sei você se você sabe o significado? eu não sabia então
quer dizer eu tenho essa mania de falar muito formalmente, praticamente eu quase não uso
gírias, eu conheço pouquíssimas gírias. E e eu terminei a aula ali, acabei o assunto. Sentei-me,
peguei meu celular e fui procurar a palavra ‘chavosa’ eu não quis falar para a aluna que eu não
sabia o significado. Aí procurei, né. Aí cheguei depois na aluna, eu falei obrigada você achou
a minha a minha unha estilosa, só que assim é ostentação, não. porque eu vi também que a
palavra chavosa é ostentação. Os funkeiros que usam e tudo mais. eu falei mais minha unha
não é chamada não, ela quebra acontece como qualquer outra coisa normal. E aí eu vou
interagir essas coisas acontece de você não saber o que é e você usa aluno para trazer a resposta.
Isso já aconteceu várias vezes

Pesquisado - Então essa é uma das é uma das funções das tecnologias no na
comunicação né comunicação ela é rápida né era errada é cortada lembra enviada e assim eu da
escola nesse sentido não repudiar essas linguagens como você mesmo fiz né, mas quando
contextualizada né dessa deve se aposentar porque também o aluno pode também querer só o
que ele quer né o gosto dele ele tem que entender que tá no processo de ensino-aprendizagem.

Sujeito 1 É uma linguagem. Ne professor até bonito para eles. Mas não é uma linguagem
que informal que ele pode usar sempre.

pesquisador -É, nem, mas daí a agente vai ter que trabalhar questões de lugar, lugar de
fala
111

Sujeito 1 Mas tem que ser feita com todo jeitinho, cordialidade. Com educação, interage
com o aluno

Pesquisador Porque também, o aluno ter só o que ele quer. Neh o gosto dele. Ele tem
que entender que ele está no processo de ensino aprendizagem

pesquisador- mas tipo assim ainda, ainda tá já tá caminhando para concluir. o que você
considera se você acha que poderia ser feito de formação continuada. por que tem para chegar
até o aluno o professor tem que saber formado né? Vai tomar para conduzir os passos né aquela
de conta dele que conduza aquela aula que aquela aula e vai caminhando meu aluno. O que vc
acha que deveria ser feito?

Sujeito 1- então professora algo posso falar o que eu tô sentindo real no momento atual
carência de Formação eu acho que não tá só em mim, né. Está no quadro geral na educação.
porque você vê nós fazemos a formação de ATPC , principalmente da nossa área de linguagens,
as quartas-feiras. Onde terminou a formação? Tem lá depois as nossas turminhas de
recuperação a gente assistir as ideias muito bonito maravilhoso ouvir tudo lá no centro de
mídias. Só que depois precisou correr um desdobramento de conteúdo, principalmente para
recuperação das habilidades que os alunos vão contemplarão. Eu não tô vendo isso ocorrer não
sei se tá tudo muito tumultuado se sou eu que só eu que estou percebendo que não está
ocorrendo, E e eu tô me sentindo Órfã. Como que eu posso falar? órfão mesmo de conteúdo
que você acabou de falar, de Formação mesmo para gente poder estar levando para sala de aula

Pesquisado- aula, mas essa dificuldade de informação, de interação com as tecnologias


ela não é de agora, neh. Ela é uma herança, né. Uma herança que os professores foram trazendo
de lá para cá. Mas mesmo nessa nessa SEARA de dificuldade, há algum ponto em comum que
você acha que que foi relevante para a proposta curricular? Não essa. Mas aquela anterior. Você
acha que que tem alguma coisa que você possa citar como agregadora no currículo?

Sujeito 1- você disse a de 2008 OU atual tratar

Pesquisado- De lá para cá, ne né porque fizemos o que tem hoje o marco inicial foi
2008
112

Sujeito 1- NÉ se ele foi uma comparação entre as duas ou não

Pesquisado- alguma coisa é agregadora né que que não valeu para nada que que foi
tudo certo

Sujeito 1- é isso mesmo você é bem sincera. Porque não dá para enfeitar algo que não
tem como enfeitar. Eu sou uma pessoa bem realista na educação e eu penso assim que o
currículo existe sim, no papel muito bonito. Mas parte dos educadores buscam o próprio
conhecimento.

Pesquisado Fora da escola?

Sujeito 1 Fora da escola. Não sou só eu que falo isso, né. Você pode fazer essa
entrevista, COM A mesma pergunta para outros educadores a maioria vai te responder isso.
Não generalizando, obvio. Muita coisa a gente vende na escola, mas essa parte que de busca
mesmo de conhecimento é cada um por si. Porque se a gente não investir na nossa carreira, a
escola não investe. O estado não investe

Pesquisado, Mas a cobrança vem, ne?

Sujeito 1A cobrança vem. Tanto que. não sei se você fez o cursinho de f formação do
INVOVA. Professor, me desculpa, mas que cursinho mais fraquinho para o nível de
professores. Algo que tinha no curso que a gente já sabe. são coisas que na prática já ocorreram
com a gente dentro da escola a gente tem que se virar para aprender então eles vieram com uma
bagagem atrasadíssima porque no curso de tecnologia foi o único que eu fiz dos três né projeto
de vida eletivas e tecnologia o curso de tecnologia ele deixou algumas enormes e nem essas
porque lá no curso de tecnologia já não falava de Google forms não falava da real situação que
a gente vivesse em sala de aula de um computador que você vai usar lá na sala e não funciona
do que você tem que fazer muita teoria e prática nada . Eu acho que o curso de tecnologia e tem
que vir tudo na prática pé não na teoria quanto na prática?

Pesquisado- E como seria um curso na... na prática?


113

Sujeito 1- Então você está vendo como uma pergunta traz outra então na formação na
prática fica online a outra escola por exemplo o Plínio. Eles vieram concurso na prática para
gente de um novo formulário optar tá saindo daí já não é mais o Google forms já é um outro
mais avançado que eu amei de paixão e que esse é mais fácil até para a gente fazer E os alunos
podem interagir dentro do formulário com a gente. Então se uma escola tem a capacidade de
dança formação, todas têm

-Pesquisado- Então você acha que essa dificuldade está no lugar de trabalho e não há
uma diretriz do currículo no lugar de trabalho

Sujeito 1- No lugar de trabalho. porque a diretriz no currículo enviou esse esse


formulário essa aula, essa prática de ensino para todas as diretorias de ensino e todas as DEs
formaram as suas UEs , e suas UES formaram seus professores? Eu pergunto para você. Não!
Eu estou formada por uma outra escola, mas eu só ouvi falar em uma e na outra? Quer dizer,
tem sim uma carência, de Formação. Que é uma de uma escola para outra, existe sim. Porque
ele não se fala porque que eu vejo muito isso até já ouvi falar já chegaram para mim falaram.
Não compara Professor uma escola com a outra. Mas se é o mesmo sistema é a mesma rede é
a mesma diretoria de ensino. Eu sei que o vídeo veio de lá. O que que é uma escola passa
trabalha em cima e a outra não. Então quer dizer se eu sei mais, por que meus colegas também
não podem saber? Concorda comigo?

-Pesquisado- Concordo. Tem uma lacuna aí, na verdade que tem uma formação

Sujeito 1- E o vídeo, professor, da formação é só um exemplo. Existem muitas coisas


que ocorrem. Se a gente for da letra, SE gente começar a notar realmente, a gente leva um dia
aí anotando as coisas para ver a diferença de uma ESCOLA PARA OUTRA. C como você
falou né, se eu acho que acontece de uma escola para outra, acontece sim muito,

Pesquisado- obrigado pela participação viu foi de grande dia não foi de grande valia
muito obrigado assim que baixar aqui a gravação eu passo para você obrigada tá bom muito,
muito obrigado tchau tchau.
114

APÊNDICE 2 – Transcrição da entrevista nº 1


Entrevista Com Professora Da Escola Estadual Prefeito Rinaldo Poli

Entrevistado(a): Rosa Maria


Data: 17/05/2021
Hora: 16h:00
Local: síncrona, via Meet

Pesquisador- Bom dia, professora. Eu começo a nossa... nosso bate-papo perguntando.


quando se deu a sua entrada no magistério?

Sujeito 2/1- Em 2011

Pesquisador- De lá para cá. você se formou e já foi para magistério ou você atuou para
outros caminhos? A sua formação coincide com sua entrada no magistério?

Sujeito 2- Coincide. eu concluir a faculdade em 2009.

Pesquisador - a senhora já viu falar do termo letramento digital?

Sujeito 2- já /

Pesquisador - - Qual é a sua relação com os letramentos digitais?

Sujeito 2- Eu acho letramento digital, embora se fale bastante, e ultimamente vou


colocar aí nos últimos anos na verdade, né tem que ser tem se intensificado, mas eu acho que
ele não é sistematizado por completo ainda.

Pesquisador - E o que que você consideraria por sistematizar?

Sujeito 2- A sistematização, eu coloco como atividades, que sejam voltadas para isso,
especificamente. Então muitas vezes você pega o caderno do aluno, caderno do professor você
pega uma sequência didática e que você tem que aplicar sim, essas atividades com recursos
digitais. Mas não está claro, nem para o professor e nem para o aluno que isso se trata de um
115

letramento digital. Talvez essa essa falta, seja porque, erroneamente, a gente entende que essa
geração seja completamente tecnológica e já tenha domínio disso.

Pesquisador - Então você acha que além de estar, estar consignado, as atividades teriam
que fazer propostas para prática?

Sujeito 2- Sim, Com certeza.

Pesquisador - Então, ainda nesse caminho, né. Considerando os potenciais ensino-


aprendizagem de língua portuguesa. Na sua opinião, os letramentos digitais influenciam na
qualidade da educação e se influenciam, eles podem ou devem constar uma proposta curricular?

Sujeito 2- Eles influenciam sim e muito. Eles devem constar numa proposta até porque
quando a gente pensa na questão do letramento digital, da tecnologia, a relação da criança do
na questão aprendizagem mesmo. Quando a gente pensa relação da criança da geração de hoje
com as tecnologias e como eu já falei, a gente concluir erroneamente que essa criança tem
domínio é não tem aquele caminho dentro da escola para solidificar para basificar ficar. o passo
a passo. Somente para exemplificarmos, né. A criança quando, a gente vai dar uma aula de
verbo a criança, ela sabe que ela tá aprendendo o verbo. Porém, quando a gente pega um texto
para essa criança acessar no celular ou mesmo no computador, a gente não tá dizendo para ela
que é uma aula sobre letramento digital. A gente não tá preparando aquela criança para lidar
com essa tecnologia como uma ferramenta não só para tornar cidadã, mas também para torná-
la para desenvolver as competências necessárias, inclusive, para o mercado de trabalho. Hoje
uma coisa que não é raro nas empresas, é um entrevistado, jovem, não conseguir avançar na
parte da tecnologia. E eu não estou dizendo nem de gamers e grandes programas, mas eu tô
dizendo do simples fato dele elaborar um e-mail, que faz parte muitas vezes, ali, do teste, e
encaminhar para o RH. E o jovem não consegue fazer isso. Porque o domínio dele dentro da
tecnologia, o letramento digital que esse jovem tem é de rede social, é, basicamente, de rede
social e games.

Pesquisador É, tem razão mesmo - E em relação à proposta curricular de 2008. A


senhora tem conhecimento do documento?
116

Sujeito 2 Eu tenho conhecimento do documento. Eu li. Embora ele faça menção já dá


do letramento digital. Eu achei bastante interessante quando eu peguei para fazer a leitura a
gente tem apresentação do letramento digital, mas nós não tínhamos as condições, como até
hoje escola, escola pública não tem condição para implementação desse letramento digital como
competência para aluno.

Pesquisador - Em relação ao documento. Na sua opinião ele desenvolve na educação


básica alguns aspectos sobre os letramentos digitais, mas no sentido de formação continuada.
Você acha que ele que ele que ele propõe a alguma ação volta aos letramentos digitais?

Sujeito 2 Sem eu acho que ele propõe, mas ele não garante

Pesquisador - - E que medida., ele não garante?

Sujeito 2 Ele não garante na parte do equipamento. É porque quando você fala de uma
proposta em 2008, nós estamos em 2021. Então nós estamos 10 anos à frente e ainda não temos
equipamentos necessários para trabalhar o letramento digital na escola pública. Então, lá atrás
também não é diferente. Se a gente pensar no tipo de tecnologia lá de 2008, não lembro se nós
já tínhamos Whats, mas o forte nos celulares ainda eram as mensagens de texto, as máquinas
eram bem diferentes do que são hoje e não havia recurso na escola pública. Como hoje não
existe recurso suficiente para garantir isso. Então é uma proposta que ela se apresentar dentro
do tempo, quando a gente pensa num país de primeiro mundo e muito à frente do tempo quando
nós pensamos num país como o nosso e muito utópica para nossa realidade da época.

Pesquisador - - Você acha proposta curricular de 2008 era utópica?

Sujeito 2 No letramento digital, eu acho que era.

Pesquisador - Mas embora, embora... de lá para cá, outro documento que tenha sido
atrelado né?

Pesquisador - Então você acha que aquele passo foi Inicial, um ensaio?

Sujeito 2 Sim, um ensaio. A palavra certa é essa um ensaio.


117

Pesquisador - - Na sua na sua prática profissional. Na sua prática profissional, né quais


são as atividades que você desenvolve para promover os letramentos digitais?

Sujeito 2-Vou exemplificar com um trabalho com o terceiro ano do ensino médio com
leitura de livros, né. Obras de literaturas. E até por conta da questão mesmo de grade horária
do ensino médio, ser ensino noturno, em que você tem um tempo menor com aluno em sala de
aula e é um período bastante importante na educação porque aquele aluno está a um passo de
prestar vestibular, entrar na universidade, curso técnico ou ou no mercado de trabalho então se
trabalha bastante a literatura. A leitura desses livros ou ele acontecia, na época, com o aluno
que ele tinha o aparelho celular ele conseguiu baixar em PDF, ou então ele fazer a leitura do
livro físico. Mas a devolutiva precisava ser por e-mail e por um texto digitado, redigido por ele
digitado por ele e formatado para ele. Então essa é a minha experiência que eu tenho com a
letramento digital.

Pesquisador - - Ainda na proposta curricular. Insistindo ainda, lá. Você consegue


perceber ali alguma orientação voltada para formação de aprendizagem língua portuguesa,
incluindo os letramentos digital?

Sujeito 2 Sim, consigo

Pesquisador - Você acha possível trabalhar os letramentos digitas nas serie finais DO
Ensino Fundamental?

Sujeito 2- Dentro da nossa realidade eu acho que é possível até por conta do momento
que a gente está vivendo, né. A pandemia, ela nos obrigou a sair do ensaio foi feito lá em 2008
e trazer isso a prática, agora em 2020/2021.

Pesquisador - Você comentou, né, da atividade desenvolvida com a turma do ensino


médio do 3º ano. Você tem alguma experiencia de alguma atividade em que, o não recurso do
letramento digital, contribuiu para a não realização da proposta dentro dessa atividade?

Sujeito 2 Sim, dentro desta atividade mesmo que relatei. O aluno que ele não tinha
conhecimento do letramento digital para ele fluir assim foi bastante difícil. Foi um aluno que
ele teve um atraso em relação aos outros da turma.
118

Pesquisador --Então para, ...na sua opinião, o ensino por meio dos letramentos digitais,
ele fica, mais tem mais resultado, mas ele mais significativo?

Sujeito 2 É porque você entrou no Universo da Criança, né. Porque uma coisa é a gente
tem uma geração que era voltada para tecnologia e que ela não tem o domínio do letramento
digital. O conhecimento dela rede social e games. Outra coisa é você usar essa mesma
tecnologia dentro de sala de aula para tornar aula mais atrativa para trazer para dentro da
realidade do aluno. Aí então, hoje a criança que ela chega na escola. Vou colocar lá no ensino
infantil mesmo. A criancinha na primeira infância, quando ela chegar na escola, talvez ela
nunca tenha visto um GIZ ias talvez ela nunca tenha visto um giz de cera. Mas ela já viu um
celular. Então você trazer essa criança, você trazer a aula para realidade dessa criança. Assim
a aula vai ficar muito mais atrativa

Pesquisador - - Então seria uma adaptação de didática mesmo de recursos

Pesquisador que você acha que deveria ser feito para inserir de vez os letramentos
digitais de na sala de aula?

Sujeito 2- - Nós precisamos de dois aspectos. Nós precisamos de uma escola com
conectividade. Uma conectividade na internet que atenda realmente. Não um pacote de dados
ou um sinal de internet que é muito fraco e causa travamento, traz uma série de problemas. Eu
acho que esse é o primeiro passo. O segundo passo, nós precisamos de equipamentos na sala
de aula nós precisamos de computadores na sala de aula conectados à internet.

Pesquisador - - E a formação continuada?

Sujeito 2- Muito importante, muito importante. Por que nós precisamos da formação
continuada? Como eu falei em 2008, eu considero um ensaio. E quem, o professor que ele
conseguiu se antenar. Se inteirar de todas as tecnologias. Quando fala todas, não 100%, mas
grande parte da tecnologia como ferramenta de no processo de ensino-aprendizagem, ele hoje
está à frente, com certeza. E outros, eles ainda estão engatinhando é porque que eu falo que
estão engatinhando hoje no momento. É que eles também foram resistentes a chegada da
tecnologia. Então a formação. É falar que a formação continuada não é necessária é condenar
a educação ao fracasso, condenar o professor ao fracasso. Porque mesmo quando nós nem
119

ouvimos falar ainda no letramento digital, a gente já precisava dessa formação continuada.
Então não existe um bom professor que não seja formado continuamente.

Pesquisador - Estamos indo para o final ...e nesse nesse caminho da formação
continuada. Qual a formação você defende? uma formação in-louco ou uma formação geral?
aí que o professor vai atrás da formação, qual você defende?

Sujeito 2 Olha essa pergunta é bem difícil, é porque é o momento em que eu me sinto
dividida. Porque o professor que ele quer é assim como aluno que quer, ele vai atrás. Ele vai
conseguir. Quando a gente fala do in-loco, mesmo professor que não quer, ele também não vai
fazê-lo não vai tirar proveito. Porém, porque que eu tenho uma tendência maior pelo in-loco
por conta do acompanhamento. Então se você está in-loco, você está em grupo, normalmente
você está em pares, e isso ajuda muito não é somente a criança, mas ajuda o adulto também.
Então o professor in-loco, eu acredito que o resultado é maior. E também porque nós ainda
estamos presos, parte de nossa geração, ainda tá preso na questão professor-aluno, mesmo a
formação continuada. Então quando você tá ali aprendendo discutindo comentando ideias a
produtividade e a apropriação é maior.

Pesquisador - Muito obrigado, obrigado mesmo gostei muito das suas ideias das suas
colocações e será de grande valia

Sujeito 2 Eu que agradeço assim!

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