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ESTÁGIO SUPERVISIONADO

II EM LETRAS INGLÊS
ESTÁGIO SUPERVISIONADO
II EM LETRAS INGLÊS
Copyright © UVA 2019
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meio sem a prévia autorização desta instituição.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa.

AUTORIA DO CONTEÚDO PROJETO GRÁFICO


Ana Cristina dos Santos UVA

REVISÃO DIAGRAMAÇÃO
Janaina Senna UVA
Maria Lucia Daflon

R343

Rego, Angela

História da língua portuguesa no Brasil [livro eletrônico] /


Angela Rego. – Rio de Janeiro: UVA, 2019.

727 KB.

ISBN 978-85-5459-044-4

1. Língua portuguesa - Brasil - História. 2. Sociolinguística


- Brasil - História. I. Universidade Veiga de Almeida. II.
Título.

CDD – 469.800981

Bibliotecária Katia Cavalheiro CRB 7 - 4826.


Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UVA.
SUMÁRIO

Apresentação 6
Autor 8

UNIDADE 1

As práticas de ensino de Língua Portuguesa no Ensino 9


Básico: uma introdução
• Ensino de Língua Portuguesa na Escola Básica: a importância de em-
basamento teórico-metodológico para a atuação docente

• Preparando a regência de aulas de Língua Portuguesa no Ensino Fun-


damental: relação entre práticas de linguagem, objetos de conheci-
mento e habilidades

• Preparando a regência de aulas de Língua Portuguesa no Ensino Mé-


dio: relação entre campos de atuação social, competências específicas
e habilidades

UNIDADE 2

Aprofundando os saberes didático-pedagógicos em 32


Língua Portuguesa nas atividades de regência no Ensino
Fundamental II e no Ensino Médio
• Conhecimento sobre a Língua Portuguesa e a norma-padrão em aulas
de Língua Portuguesa na Escola Básica

• Análise e funcionamento da língua em contextos de diversidade lin-


guística em aulas de português na Escola Básica

• Importância do equilíbrio entre os eixos de leitura, escrita e oralidade


em aulas de Língua Portuguesa na Escola Básica
SUMÁRIO

UNIDADE 3

Integrando os saberes didático-pedagógicos em Língua 60


Portuguesa: o texto em suas múltiplas modalidades
• Aspectos da intervenção docente supervisionada em sala de aula: os
eixos de Língua Portuguesa e as diferentes modalidades de linguagens
no contexto das práticas sociais

• Análise e discussão de dados coletados durante as atividades de re-


gência de aulas

• Articulação dos saberes didático-pedagógicos: os projetos integrado-


res e a interdisciplinaridade

UNIDADE 4

Perspectivas inovadoras na contemporaneidade: 80


desenvolvendo competências cognitivas e competências
socioemocionais no ensino de Língua Portuguesa

• Reflexão sobre as práticas sociais sociedade da informação e comu-


nicação: a aprendizagem ativa para o desenvolvimento da educação no
século XXI

• Produções discursivas na contemporaneidade: hibridismos, fronteiras


e tecnologias digitais

• Como conduzir a avaliação da aprendizagem em Língua Portuguesa


no contexto da formação integral
APRESENTAÇÃO

A disciplina Estágio Supervisionado II em Letras Inglês pretende ampliar a compreensão


da função e da dinâmica da disciplina no interior de uma articulação bem fundamentada
que não destaca o conteúdo da práxis docente, de modo a oferecer ao futuro professor
de Língua Portuguesa o preparo adequado para atuar na escola básica, em consonância
com as grandes transformações que ocorrem na área educacional no Brasil e no mundo.

Os licenciandos em Língua Portuguesa, futuros professores da disciplina, encontrarão


aqui referências que aliam teoria e prática docente, a fim de que possam tirar o máximo
proveito de atividades a serem desenvolvidas no âmbito da graduação em Letras,
sobretudo as atividades de regência.

Especificamente sobre a organização das unidades, elas permitirão o contato do


graduando e futuro mestre com diversos aspectos intrinsecamente relacionados ao seu
desempenho como regente de aula de Língua Portuguesa.

Para iniciar os trabalhos, a Unidade 1 permitirá o contato com metodologias que oferecem
embasamento teórico-prático, em consonância com as atuais diretrizes curriculares,
para atuar tanto no ensino fundamental (anos finais) quanto no ensino médio. Serão
destacadas algumas das principais mudanças em curso na área educacional hoje no
Brasil.

Por sua vez, a Unidade 2 conduzirá o futuro professor de Língua Portuguesa a aprofundar
os saberes didático-pedagógicos em Língua Portuguesa, em atividades de regência para
os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. Serão enfocados diferentes
eixos de ensino-aprendizagem, conforme apresentados pelo documento final da Base
Nacional Comum Curricular – BNCC, documento aprovado, em seu formato final, em
2018 (BRASIL, 2018).

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Em seguida, na Unidade 3, pretende-se enfocar o conceito de “texto” e seus múltiplos
significados na atualidade, para além do texto verbal. Estará em pauta a importância de
dialogar com os gêneros que circulam na contemporaneidade, bem como a relevância
de se desenvolver um trabalho docente que se articule com outras disciplinas, por meio
de projetos integradores e interdisciplinares.

Por fim, a Unidade 4 destacará como as competências específicas da componente de


Língua Portuguesa poderão ampliar o conceito da educação integral – que se expressa
na BNCC por meio das competências socioemocionais – que se busca hoje no Brasil e
no mundo, como vanguarda nas sociedades interessadas em aprofundar a convivência
social, a criticidade, a autonomia, a empatia e a vivência da democracia.

Estreitamente relacionada ao Estágio Supervisionado I, esta disciplina deverá consolidar


o preparo intelectual e o compromisso ético do futuro professor para o desenvolvimento
de uma educação cada vez mais conectada às demandas de uma sociedade inclusiva,
plural e comprometida com o desenvolvimento integral de seus cidadãos.

Corpo docente, coordenação, tutores e monitores acompanharão o desenvolvimento de


cada etapa da disciplina de Estágio Supervisionado II em Letras Inglês, estimulando
licenciados a interagir, compartilhar sentimentos e saberes, analisar criticamente as
situações vivenciadas e a refletir sobre como sua prática docente pode ser cada vez
mais aprimorada.

7
AUTOR

ANA CRISTINA DOS SANTOS

Pós-doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade


Federal de Minas Gerais – UFMG (2017), doutora em Letras Neolatinas pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (2002) e mestre em Letras Neolatinas também pela
UFRJ (1994). Possui especialização em Língua Espanhola pela UFRJ (1990) e em
Língua Instrumental para Leitura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj
(1966) e licenciatura e graduação em Letras – Português/Espanhol pela Uerj (1988).
Coordenadora do curso de Letras – Português/Literatura (EAD) da Universidade Veiga
de Almeida – UVA, professora adjunta do curso de Letras e do Ensino a Distância da UVA,
autora e tutora de disciplinas de graduação. Professora associada de língua espanhola
e literaturas hispânicas do Instituto de Letras da Uerj. Atua também no mestrado
e no doutorado em Letras da Uerj no Programa de Teoria da Literatura e Literatura
Comparada. É avaliadora institucional e de cursos de graduação presencial e de EAD
pelo Inep/MEC. Nos últimos cinco anos organizou livros e publicou capítulos de livros,
artigos em periódicos especializados em sua área de atuação e trabalhos completos
em anais de congresso.

C. Lattes

8
UNIDADE 1

As práticas de ensino de Língua


Portuguesa no Ensino Básico:
uma introdução
INTRODUÇÃO

Os movimentos em busca de uma escola mais conectada com crianças, jovens e


adolescentes têm acontecido desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Instituições governamentais e a sociedade em geral estão progressivamente cientes da
centralidade da educação para a construção da cidadania verdadeiramente integral e
efetiva em nosso território.

Para percorrer esse trajeto, um longo percurso já foi pavimentado, e outro, mais longo e
desafiador, ainda está por acontecer. Muito embora se note a contribuição de professores,
da comunidade e de políticas públicas favoráveis à conquista de objetivos inclusivos e
socialmente significativos, é verdade também que indicadores como o Saeb (Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica) e o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)
ainda apontam muitas lacunas, deficiências e discrepâncias sociais e regionais.

O futuro mestre de Língua Portuguesa, egresso do curso de Letras, deverá estar apto,
nesse sentido, a atuar tanto nos anos finais do ensino fundamental quanto no ensino
médio. A Unidade 1 da disciplina de Estágio Supervisionado II, voltada para a regência
de aulas, deverá introduzir questões relevantes para o graduando atuar com preparo
intelectual e didático em consonância com as metodologias atualmente mais aceitas
pela comunidade interessada no desenvolvimento da educação no Brasil e no mundo,
formada por profissionais inseridos nas salas de aula, em posição de gestão de políticas
públicas ou na academia.

O embasamento teórico-prático a ser enfatizado aqui considerará vários documentos


oficiais, inclusive a recente BNCC, publicada em sua versão final em dezembro de
2018. Aspectos relevantes serão destacados de modo articulado com bibliografia
reconhecidamente relevante para a área. Mais do que uma visão tecnicista da docência,
busca-se, por fim, uma tomada de consciência, um compromisso ético e o aprofundamento
da autonomia intelectual, os quais — reforce-se — são ingredientes fundamentais para
alcançarmos o objetivo de educação integral de nossos estudantes.

10
OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Selecionar, construir e empregar metodologias adequadas às práticas de ensino


de Língua Portuguesa, em consonância com as atuais diretrizes curriculares, as
bases normativas em vigor, a bibliografia especializada, entre outros, consideran-
do a importância de lidar com conceitos que possibilitam uma condução bem
fundamentada de aulas para o ensino fundamental II e para o ensino médio.

11
Ensino de Língua Portuguesa na Escola Bá-
sica: a importância de embasamento teóri-
co-metodológico para a atuação docente

Durante a formação do futuro professor de Língua Portuguesa — assim como no preparo


para a docência de qualquer disciplina presente na escola básica —, é crucial que ocorra
um processo de vivência e reflexão por parte de todos os sujeitos envolvidos, de modo
que os saberes pedagógicos de interesse da disciplina os conduzam à pesquisa, à
investigação e ao avanço científico sistemático.

Nesse sentido, teoria e prática — é sempre importante reforçar — devem estar de tal
modo imbricados que a formação metódica do futuro docente deve elevar a qualidade e
a relevância, para a comunidade e seu entorno, do ensino e da pesquisa realizados nos
espaços de formação, ao mesmo tempo em que deve contribuir para um aprendizado
envolvente, inovador e socialmente integrado a seu contexto. Assim, em atividades de
observação, de participação e de regência, os licenciandos — futuros professores de
Língua Portuguesa — deverão estar preparados do ponto de vista de um embasamento
teórico-prático consistente, socialmente relevante e democraticamente comprometido.

Convidamos, inicialmente, o aluno e futuro professor a aprofundar a leitura das propostas


da BNCC (BRASIL, 2018), que vão orientar o trabalho didático nas redes públicas e
privadas do ensino básico em todo o território nacional. Façamos um breve histórico
do documento que foi recentemente homologado pelo Ministério da Educação – MEC,
retomando os principais marcos legais que o antecedem.

O primeiro marco legal da nova BNCC é a Constituição de 1988, a qual prevê a criação
de uma base nacional comum curricular para o ensino fundamental.Em seu artigo 210,
ela afirma:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,


de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina
dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

12
§ 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portugue-
sa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. (BRASIL, 1988)

Pouco tempo depois, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases – LDB, em 1996, a qual, por
sua vez, em relação à educação escolar, prevê em seu artigo 1º que:

[...] a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem


na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de
ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da socieda-
de civil e nas manifestações culturais.

Em seguida, viriam as Diretrizes Curriculares (1997-2013) e os Parâmetros Curriculares


Nacionais, para cada disciplina, inclusive Língua Portuguesa. Em 2014, foi publicado o
Plano Nacional de Educação – PNE, importante documento que determina diretrizes,
metas e estratégias para as políticas educacionais, da educação infantil ao ensino
superior, no período de 2014 a 2024. Especificamente, previa-se que a BNCC constituiria
a base normativa para toda a escola básica alcançar as metas 1, 2, 3 e 7, que são:

I – Erradicação do analfabetismo.
II – Universalização do atendimento escolar.
III – Superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promo-
ção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação.
[...]
VII – Promoção humanística, científica, cultura e a tecnológica do País.
[...].

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 1 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre os desafios na educação do século XXI.

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Compreender as transformações ocorridas nas atuais políticas públicas brasileiras
voltadas para a área educacional é fundamental para que possamos, então, agir em
ambientes escolares. Assim, a formação inicial – em que as disciplinas de Estágio
Supervisionado ocupam uma posição de indiscutível centralidade – deve ser oferecida
de forma bem articulada com as principais mudanças ocorridas recentemente no
cenário brasileiro. Mais ainda, prevê-se que deverá haver uma relação estreita entre a
“formação inicial” e a “formação continuada”:

Formação inicial Formação continuada

• Aquela que é prevista durante


• Aquela vivenciada nas o exercício da profissão, com
universidades e nos espaços de contínuo e produtivo diálogo
formação superior. entre diferentes sujeitos e
setores da comunidade.

Nesse ponto, as palavras de Paulo Freire são esclarecedoras quando definem o cerne
da “formação permanente”. Segundo o autor:

Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento


fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando critica-
mente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prá-
tica. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser
de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “dis-
tanciamento” epistemológico da prática, enquanto objeto de sua análise,
deve dela “aproximá-lo ao máximo. Quanto melhor faça essa operação
tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior comunicabi-
lidade exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade.
Por outro lado, quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a
ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz
de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua
para o de curiosidade epistemológica. Não é possível a assunção que o
sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade
para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz necessariamente su-
jeito também. (1996, p. 18)

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O que podemos entender a partir dessa leitura?

Paulo Freire, nesse excerto de Pedagogia da autonomia (1996), deixa evidente que é
necessário ter uma relação de permanente curiosidade, questionamento, atualização,
abertura para o novo — que ainda é mais impactante com o avanço das novas tecnologias.
Reflexão e ação não se descolam; um necessita do outro para que a transformação
social, de natureza democrática e inclusiva, verdadeiramente ocorra. Trata-se, pois, de
uma postura que converge para a concepção do professor reflexivo, na trilha delineada
por Donald Schön (1930-1997), o qual recupera princípios da teoria da investigação de
John Dewey (1859-1952) — grande referência para o movimento brasileiro da Escola
Nova, cujo manifesto data de 1932 — para defender a reflexão como inerente à prática
pedagógica. Haveria, então, três tipos de reflexão, intrinsecamente ligados ao processo
formativo inicial e contínuo do professor:

1 A reflexão sobre a ação.

2 A reflexão na ação.

3 A reflexão sobre a reflexão na ação.

Qualquer um dos caminhos adotados assume que o objetivo primeiro é refletir sobre
a práxis docente, de tal modo que qualquer atividade prática é, indiscutivelmente, uma
atividade reflexiva (CRUZ, 2009; LUPINACCI; MONTORE, 2017; MENEZES; SANTOS,
2001), e não meramente mecânica, tecnicista ou reprodutivista.

Importante

Nesse sentido, deve-se notar que a ação reflexiva é colocada em evidência


como um processo contínuo, que não se caracteriza por ações particulares,
como uma palestra ou um curso de formação. Todo o conjunto de situações
deve fazer parte de redes de formação continuada, as quais certamente se
beneficiariam de políticas públicas claramente voltadas para sua promoção,

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inclusive com cursos de pós-graduação e permanente diálogo com
coordenadores, especialistas, acadêmicos e estudantes em formação. E, se
consideramos o que nos afirma Paulo Freire sobre a eterna transformação
do ser humano no mundo, a curiosidade e a abertura para o novo devem ser
constantes para preparar a comunidade escolar para o século XXI.

Por fim, seria interessante recordar a centralidade das reflexões de Paulo Freire sobre a
importância de realizar um trabalho educativo comprometido com a práxis permanente,
para efetivar uma pedagogia do oprimido como pedagogia humanista e libertadora.
Fechemos este tópico da Unidade 1 com suas palavras, que indicam a seção Ninguém
educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados
pelo mundo, do livro Pedagogia do oprimido:

Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe


com os esquemas verticais característicos da educação bancária, reali-
zar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre edu-
cador e educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do
diálogo. É através deste que se opera a superação de que se resulta um
termo novo: não mais educador do educando do educador, mas educa-
dor-educando com educando-educador. (FREIRE, 1987, p. 35)

Um professor com essa visão de mundo, com


essa perspectiva, com abertura humanista, estará
preparado para conhecer linguagens, culturas e
conteúdos; destaque-se que, mais ainda, estará
apto para pensar por meio de novas linguagens,
integrando culturas e conteúdos, de modo
inclusivo e comprometido com o fortalecimento
da democracia.

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Saiba mais

Para saber mais sobre as teorias pedagógicas na escola, com síntese sobre
a importância de Piaget, Vygotsky e Paulo Freire para a área pedagógica, bem
como ênfase na abordagem construtivista, em consonância com os princípios
de uma educação crítica, reflexiva e democrática, recomenda-se leitura atenta
da Unidade 3 do seguinte livro: LIPPE, E. M. O. (Org.). Estrutura e funcionamento
do ensino fundamental e médio. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2015.
Biblioteca Virtual.

17
Preparando a regência de aulas de Língua
Portuguesa no Ensino Fundamental: rela-
ção entre práticas de linguagem, objetos de
conhecimento e habilidades

Para iniciar este tópico, gostaríamos ainda de retomar a importância de se conhecerem


as diferentes perspectivas que oferecem o embasamento teórico-metodológico para o
trabalho em sala de aula. Muitas são as vertentes acumuladas desde a primeira metade
do século XX. Vejamos algumas delas.

No âmbito do ensino de Língua Portuguesa como língua materna, importa destacar o


construtivismo com base em Jean Piaget (1896-1980), para quem as crianças passam
por diferentes estágios no processo de construção do conhecimento. Também o legado
de Lev Vygotsky (1896-1934) — segundo o qual o desenvolvimento cognitivo do ser
humano se dá por meio da interação social, tanto com indivíduos quanto com o meio que
o cerca — é especialmente relevante por oferecer subsídios para que o professor tenha o
papel de motivador ou mediador da aprendizagem, estimulando a participação ativa do
educando, a autonomia e a cooperação de todos os integrantes de grupos envolvidos em
atividades significativas.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 1 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre aquisição da linguagem.

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Nesse sentido, a professora universitária Maria Lúcia de Castro Gomes (2015) resume
bem como o trabalho didático em língua materna deve ser orientado para o domínio das
quatro habilidades:

Compreensão Compreensão
Fala Leitura
oral escrita

O aluno deve encontrar, no contexto escolar, o espaço propício para ampliar suas
competências. Leia-se:

Agora que já analisamos algumas teorias de aquisição de língua ma-


terna, vamos iniciar o assunto que mais interessa a nós, professores,
que é a aquisição de língua padrão nas suas quatro habilidades: a fala,
a compreensão oral, a leitura e a compreensão escrita. O nosso aluno
já chega à escola com a língua materna adquirida na variedade de sua
comunidade. A nós cabe, então, oferecer à criança a conquista da língua
padrão, principalmente na modalidade escrita, e levá-la a pensar sobre a
linguagem que já conhece, para poder compreendê-la e utilizá-la adequa-
damente nos variados contextos sociais. (GOMES, 2015, p. 41)

Desse modo, o domínio efetivo da Língua Portuguesa na modalidade padrão — que


inclusive é um dos eixos da BNCC (BRASIL, 2018) — deve ocorrer para nos permitir
conhecê-la, compreendê-la, analisá-la, refletir sobre ela e eventualmente transgredi-la,
de modo bem embasado, com consciência, curiosidade, inventividade, criatividade.
Espera-se do aluno, no futuro, não apenas a capacidade de desenvolver conteúdos, mas
também aspectos procedimentais e atitudinais que o preparem para o século XXI.

Observe que, para o desenvolvimento de um trabalho como esse, o professor precisa


dominar vários saberes, habilidades e competências, desde conteúdos disciplinares
propriamente ditos até mesmo práticos ou didáticos, em permanente movimento, inter-
relação e interação.

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Importante

Os alunos do Estágio Supervisionado II deverão estar atentos aos trânsitos


necessários entre conteúdo disciplinar, metodologias de ensino-aprendizagem
e práticas respaldadas pela área de didática, de modo a dar suporte ao futuro
trabalho docente em consonância com o que é preconizado para os ambientes
escolares hoje, no Brasil e no mundo. Ainda nesse sentido, reforça-se que a
formação pré-serviço e a formação em serviço devem estar concatenadas, de
modo a inserir o graduando em Letras na efetiva realidade escolar e permitir
que ele/ela possa aprender na prática.

Para concluir, vamos apresentar algumas das linhas gerais das normas da BNCC para o
Ensino Fundamental, especificamente na matéria de Língua Portuguesa. No documento,
não há diferenciação entre o ensino fundamental I e o ensino fundamental II, de modo
que os elementos a serem destacados naturalmente fazem parte de um continuum de
aprendizagens múltiplas, que progridem conforme as etapas avançam. Vamos destacar
o que está previsto para os anos finais do ensino fundamental, o que corresponderia
exatamente à etapa da educação em que o professor de Língua Portuguesa irá atuar.

Antes de tudo, vale afirmar que vários pontos precisam estar em consonância para
a aplicação da BNCC. Formação inicial e continuada de professores considerando
as especificidades e as experiências de cada docente, gestão escolar, coordenação
pedagógica, projeto político-pedagógico da escola, processos de avaliação, enfim, vários
elementos devem estar concatenados para que a BNCC seja inserida positivamente no
ambiente escolar. Vale ressaltar que as escolas de formação, na educação superior,
desenvolvem hoje discussões atentas às transformações vivenciadas pela Escola Básica.
Assim, é muito importante acompanhar o que a imprensa tem noticiado recentemente,
atentando-se, de modo crítico, para os efeitos que as mudanças nas políticas públicas
têm na rotina de professores, estudantes e toda a comunidade escolar.

Especificamente sobre o projeto político-pedagógico – PPP da escola, este é um


importante documento, com propostas bem articuladas, que explicita os interesses e
as necessidades do espaço educacional inserido em uma determinada comunidade,
definindo o destino de seu planejamento. O PPP explicita a responsabilidade de cada
sujeito envolvido no processo, bem como indica a responsabilidade coletiva para que as
propostas sejam bem-sucedidas.

20
Exemplo

O PPP indica, por exemplo, se a gestão escolar está comprometida com a


vivência democrática, o que diz muito sobre os rumos institucionais daquela
comunidade e seu entorno. Se o diálogo e a parceria entre os sujeitos estão
bem estabelecidos, o caminho para a implementação da BNCC já estará
certamente pavimentado.

Vejam-se, a seguir, quais devem ser os princípios norteadores do projeto político-


pedagógico:

• Igualdade de condições para que todos tenham acesso e permaneçam na escola, o


que requer ampliação do atendimento e, ao mesmo tempo, manutenção da qualidade
de ensino.
• Qualidade como aspecto que não seja as minorias privilegiadas economicamente.
A qualidade a que nos referimos associa-se à técnica (instrumentos e métodos) e à
política (fins, valores e conteúdos).
• Gestão democrática; conforme consagra a Constituição aqui vigente, é preciso que
questões de exclusão, reprovação e não permanência do aluno na sala de aula sejam
tratadas com eficácia. [...]
• Liberdade, também um princípio garantido pela Constituição. Aqui, essa ideia se
vincula especificamente com a de autonomia, pois ambas participam de maneira
direta da própria natureza pedagógica. Sua construção se dá por meio da vivência
coletiva e interpessoal.
• Valorização do magistério, isto é, garantia de boa formação, de condições de trabalho
(recursos didáticos, tecnológicos etc.) e de remuneração de professores. Para
tanto, vale insistir na formação contínua, que deve fazer parte do projeto político-
pedagógico. [...] (LIPPE, 2015, p. 57-58)

Equidade, qualidade, gestão democrática, liberdade, autonomia e valorização do


magistério devem estar contemplados no PPP da escola, definindo princípios basilares
que orientem e deem suporte para o trabalho docente, discente e de gestão, favorecendo
uma cultura do diálogo e da participação. Nesse contexto, é importante também
enfatizar que reflexões e debates, articulando ensino e pesquisa em relação estreita
com os objetivos e os problemas da comunidade escolar socialmente e culturalmente
inserida, devem ser permanentes, e não pontuais, de modo a estimular uma formação
continuada que estreite os laços entre professores, gestores, alunos e sociedade.

21
Com um trabalho bem estruturado, os alunos
compreenderão e vivenciarão práticas de lin-
guagem como sendo dinâmicas, multidimen-
sionais e em permanente transformação, sejam
de natureza verbal (oral ou visual-motora, como
LIBRAS) e escrita, sejam de natureza corporal,
visual, sonora e, nos dias de hoje, digital, como
coloca a BNCC, em particular, na área de Lingua-
gens (Cf. BRASIL, 2018, p. 63-64). Dessa forma, estarão cada vez mais preparados
para atuar socialmente, tanto na vida privada como na vida pública.

Desse modo, consideramos ser fundamental destacar certas especificidades das


“práticas de língua, objetos do conhecimento e habilidades” previstos nos anos finais
do ensino fundamental na disciplina de Língua Portuguesa. Parte-se do princípio de que
o jovem, em processo gradual de amadurecimento, estará mais preparado, ao final do
ensino fundamental, para participar de situações comunicativas bastante diversificadas,
com capacidade crítica, autonomia, empatia e ética (BRASIL, 2018, p. 136-192).

Observe-se que a BNCC especifica possibilidades de trabalho pedagógico do professor


de Língua Portuguesa centrado em perspectivas enunciativo-discursivas da linguagem,
colocando o texto como centro de atividades de sala de aula. Atividades de leitura,
escuta e produção de textos devem ser elaboradas considerando-se várias mídias e
semioses. Com isso, entretanto, não se quer enfatizar apenas uma questão de técnica,
mas também uma questão de novas mentalidades em curso, preparando o sujeito para
devidamente inserir-se no século XXI. Como afirma a professora e pesquisadora Roxane
Rojo em introdução ao livro Escol@ conectada:

A integração de semioses, o hipertexto, a garantia de um espaço para


a autoria e para a interação, a circulação de discursos polifônicos num
mesmo ciberespaço, com a distância de um clique, desenha novas prá-
ticas de letramento na hipermídia. Tais mudanças nos letramentos di-
gitais, ou novos letramentos, não são simplesmente consequência de
avanços tecnológicos. Elas estão relacionadas a uma nova mentali-
dade, que pode ou não ser exercida por meio de novas tecnologias
digitais. (ROJO, 2013, p. 7)

22
Destaquemos alguns pontos relevantes para essa visão panorâmica, de modo a instigar
o aluno a estudar e consultar o documento sempre que necessário. Deve-se, para atingir
esse objetivo, ampliar o estudo dos diversos gêneros discursivo-textuais, sobretudo
aqueles que participam tanto da vida privada como da vida pública, atingindo novos
escopos, experiências inovadoras e abertura consistente para a diversidade. Nesse
sentido, aprofundamento especial deverá ser dado aos gêneros que circulam na esfera
pública, nos campos jornalístico-midiático e de atuação pública.

Mais ainda, as abordagens linguísticas, metalinguística e reflexiva serão colocadas


permanentemente, buscando ampliar os conhecimentos sobre a língua, as demais
semioses e a norma-padrão, articuladas, em especial, aos eixos de leitura, escrita e
oralidade. A organização do português brasileiro constituirá, inclusive, um conteúdo a
ser investigado e analisado, estando relacionado a diferentes práticas de linguagem,
inclusive as emergentes no contexto das tecnologias digitais da informação e
comunicação – TDIC.

Vale a pena enfatizar que muitos esforços têm sido feitos para que a escola se torne
um ambiente significativo, que provoque, estimule, promova a solidariedade, estimule a
pesquisa e a atuação na e pela democracia plena. Celso Ferrarezi Jr., defensor de uma
pedagogia da comunicação, nesse sentido, diz-nos:

Uma escola pensada sob a ótica de uma pedagogia da comunicação


será uma escola aberta para a vida: uma escola em que a vida penetra
invariavelmente. Seus portões não serão mais “stargates” que conduzem
a realidades paralelas cheias de tolices fantasiosas e inúteis: serão pas-
sagens da vida para a própria vida, em busca de soluções para a vida,
porque em um lugar que diz respeito à vida e em que a vida está verda-
deiramente presente. Esta será uma escola da comunidade, em que a
comunidade — e não apenas uma parte dela formada por alunos — atua.
[...] Será, finalmente, uma escola em que a vida das pessoas que a in-
tegram é mais importante do que qualquer coisa bonita que possa ser
decorada sobre Olavo Bilac. (2014, p. 108-109)

23
Preparando a regência de aulas de Língua
Portuguesa no Ensino Médio: relação entre
campos de atuação social, competências
específicas e habilidades

Como apontado por Celso Ferrarezi Jr., uma das grandes dificuldades para a formação
dos estudantes no ensino médio é transformar vidas e conectá-las ao mundo que as cerca:

[...] Precisamos de uma escola que tenha a competência de se constituir


como uma agência de transformação de vidas, não mais como um cen-
tro técnico de repetição de conteúdos antigos, de um monte de quinqui-
lharias do saber.

E é impressionante a diferença que faz, nesse caminho de revolução edu-


cacional, desenvolver em nossos alunos e em nossos professores o ou-
vir, o falar, o ler e o escrever. Pode parecer pouco, pode parecer até uma
insensatez minha afirmar isso diante de uma sociedade tecnologizada,
em que o celular virou artigo de primeira necessidade e o computador é
mais importante do que fogão e a geladeira. Afinal, ouvir, ler e escrever
são coisas assim... tão humanas! (2014, p. 109)

A comunicação, segundo o autor, deve se efetivar de maneira plena e bem articulada


com os objetivos do aprimoramento da sociedade como um todo.

Aliás, como bem afirma o autor, toda revolução


acontece em língua materna. Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio – PCNEM, o aluno deverá estar preparado
para ampliar seus conhecimentos e competências,
que serão mobilizados em função de situações
diversas, entre amigos, família, ambiente escolar,
comunidade, trabalho etc. Assim, competências
da área de Linguagens poderão ser trabalhadas no contexto da comunicação em sala
de aula, da análise da novela de televisão, de diferentes usos da língua dependendo das
situações de trabalho, da comunicação coloquial (BRASIL, 2000, p. 81).

24
MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 1 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre formação de professores.

É possível notar, neste ponto, que esses argumentos podem ser claramente articulados
com base na teoria dos gêneros discursivos de Mikhail Bakhtin e seu círculo, para os
quais os gêneros são sócio-historicamente situados e, ocorrem em interação, por meio
da troca significativa e dinâmica. Para recordar, segundo Bakhtin (2003), todo gênero
contém conteúdo temático, um estilo e uma estrutura composicional, que se apresentam
sempre muito articulados, com claros objetivos, considerando os sujeitos interagentes
envolvidos no processo comunicativo.

Ampliando essa breve apresentação dos desafios enfrentados no Ensino Médio,


considerando os desafios próprios da idade, necessidades como a construção da
identidade pessoal e de grupo, de inserção na sociedade e no mundo trabalho, a BNCC
coloca como princípio basilar a educação integral dos jovens, de modo que eles possam
participar ativamente das diferentes práticas socioculturais que envolvem o uso das
linguagens. Em especial, no Ensino Médio:

[...] os jovens intensificam o conhecimento sobre seus sentimentos, inte-


resses, capacidades intelectuais e expressivas; ampliam e aprofundam
vínculos sociais e afetivos; e refletem sobre a vida e o trabalho que gos-
tariam de ter. Encontram-se diante de questionamentos sobre si próprios
e seus projetos de vida, vivendo juventudes marcadas por contextos so-
cioculturais diversos. (BRASIL, 2018, p. 481)

25
Os jovens, nessa idade, precisam se sentir acolhidos e participantes de comunidades
ativas, participativas e socialmente relevantes. Assim, é natural e esperado que busquem
desenvolver linguagens próprias da cultura juvenil daquele momento e espaço, o que
provoca constantemente o professor no sentido de construir pontes significativas
em seu entorno. Moda, música, dança, mídias, teatro, cinema etc.: essas expressões,
por exemplo, podem dialogar com saberes considerados relevantes para a formação
humanística e intelectual dos estudantes. Convém, portanto, que os sujeitos estejam
constantemente envolvidos na produção de sentidos que permitam um diálogo
produtivo, responsável, que una e permita a integração, com empatia, dinamismo,
capacidade crítica e solidariedade.

Se no ensino fundamental houve um compromisso com a ampliação das práticas


de linguagem e seus repertórios plurais, no ensino médio, a componente de Língua
Portuguesa — devidamente integrada na área de linguagens e suas tecnologias com as
demais componentes (Arte, Educação Física e Língua Inglesa) — permitirá:

[...] vivenciar experiências significativas com práticas de linguagem em


diferentes mídias (impressa, digital, analógica), situadas em campos de
atuação social diversos, vinculados com o enriquecimento cultural pró-
prio, as práticas cidadãs, o trabalho e a continuação dos estudos. (BRA-
SIL, 2018, p. 485)

Os desafios são vários. Retomaremos, ao longo do curso, atividades que articulam


competências específicas, previstas em Língua Portuguesa, e habilidades que podem
ser trabalhadas de modo bem articulado, inclusive do ponto de vista das práticas
contemporâneas de linguagem, considerando os estudos dos novos letramentos e dos
multiletramentos.

Ademais, o jovem, ao ser preparado para tomar decisões, com autonomia e criticidade,
atuando em prol da convivência democrática, deve encontrar, outrossim, um ambiente
escolar propício, que valorize a docência e a perceba como um movimento inseparável
do desenvolvimento da sociedade como um todo, em busca de maior desenvolvimento
intelectual e humano, equidade e igualdade.

26
Saiba mais

Para saber mais sobre a articulação entre conceitos educacionais, metodologias


específicas, atividades pedagógicas e subsídios diversos para uma prática
de sala de aula bem articulada, que prepare o jovem para atuar, criativa e
criticamente, no século XXI, recomenda-se consultar o seguinte livro: PEREIRA,
C. C.; BESSA, J. S. Ler/falar/escrever: práticas discursivas no ensino médio:
uma proposta teórico-metodológica. Rio de Janeiro: Lexikon, 2012. p. 9-34.
Biblioteca Virtual.

NA PRÁTICA

O Estágio Supervisionado II, voltado para Língua Portuguesa, deve possibilitar


que se aprofundem questões diretamente relacionadas ao ensino da Língua
Portuguesa, tendo como meta primaz — entre outros escopos — ampliar a
abordagem comunicativa dos alunos. Orientando-se pela nova BNCC, pode-se, por
exemplo, observar como os professores atuantes na rede trabalham e concatenam
os eixos de aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa. Especificamente
no caso de abordagem da gramática, ela é apresentada de modo “fragmentado,
sem contexto ou função”? Esse é o ponto de que parte Irandé Antunes em seu
livro Aula de português: encontro & interação (2003). A estudiosa dedicada ao
ensino de Língua Portuguesa oferece interessantes exemplos que podem nos dar
a dimensão do que é o ensino tradicional, de um lado, e o ensino contextualizado
de outro. Leia, abaixo, suas reflexões sobre possíveis abordagens e atividades de
fato relevantes e potencialmente estimulantes para ensinar o uso dos pronomes
pessoais, possessivos e demonstrativos da Língua Portuguesa. Reflita com atenção
sobre o excerto, observando como as reflexões de Irandé Antunes podem impactar
sua futura regência:

O uso dos pronomes pessoais, possessivos e demonstrati-


vos. Nesse âmbito, vale ter em conta a função referenciadora
dos pronomes, tal como acontece com os substantivos. Vale

27
a pena também percebê-los como recurso das retomadas
coesivas (das voltas que se faz a segmentos anteriores do
texto, por exemplo, as chamadas anáforas), considerando-
-se, ainda, as condições textuais e contextuais que tais reto-
madas requerem, a fim de que as referências feitas no texto
não fiquem ambíguas ou imprecisas. Muitas são as ativida-
des que podem ser feitas na exploração das condições de
uso dos pronomes no percurso do texto. Saber que um ELE,
por exemplo, é um pronome pessoal do caso reto é muito
pouco, é pouquíssimo. O que é comunicativamente relevante
é conhecer as regularidades de uso dos pronomes no texto,
para que se possa assegurar a clareza, a precisão referen-
cial, a interpretação coerente. Exercícios para identificar os
termos substituídos pelos pronomes, bem como outros de
identificação dessas retomadas, para se estabelecer as ca-
deias referenciais de um texto seriam uma forma de explici-
tar, para o aluno, os mecanismos intuitivos da construção de
textos coesos e, por essa via, coerentes. Eventualmente, po-
deriam ser analisados também os efeitos negativos do uso
inadequado dos pronomes para a compreensão do texto. Os
casos de ambiguidade referencial dariam muitas oportunida-
des de análise; por exemplo, os casos em que há mais de
um referente para um ELE no texto, de propósito (como nos
chistes) ou não. (ANTUNES, 2003, p. 130-131)

28
Resumo da Unidade 1

Na Unidade 1, tivemos a oportunidade de iniciar o estudo de novas práticas de


sala de aula em Língua Portuguesa, enfocando a importância de se consolidar um
embasamento sólido para o desenvolvimento de uma abordagem teórico-prática voltada
para práticas de linguagem diversas, socialmente inseridas, conectadas e relevantes na
contemporaneidade.

Nesta unidade, buscamos demostrar a formação do futuro professor de Língua Portu-


guesa para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio como um profis-
sional ciente dos desafios atuais da profissão, comprometido com a vivência democrá-
tica e com a consolidação de uma cidadania plena e integral. Para tanto, o processo de
aliar teoria e prática, conteúdo disciplinar e didática, não deverá se encerrar. Desse modo,
a formação inicial e a formação continuada foram apresentadas como duas faces indivi-
síveis, incontornavelmente integradas, de um mesmo compromisso de aprofundamento
da experiência democrática de todos os cidadãos em território nacional.

CONCEITO

Nesta unidade, vimos que alguns dos conceitos centrais para compreendermos as
propostas pedagógicas centradas na educação do futuro são: “importância do emba-
samento teórico-metodológico”, “texto”, “multimodalidade de linguagens”, “competên-
cia comunicativa”, “interações sociais” e “inovação”.

29
Referências

ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003.

BACICH, L.; MORAN, J. (Org.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma
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SILVA, A.; PESSOA, A. C.; LIMA, A. (Org.). Ensino da gramática: reflexões sobre a língua
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31
UNIDADE 2

Aprofundando os saberes
didático-pedagógicos em Língua
Portuguesa nas atividades de
regência no Ensino Fundamental
II e no Ensino Médio
INTRODUÇÃO

Dando continuidade à disciplina Estágio Supervisionado II em Letras Inglês, nesta


unidade, espera-se que o futuro graduado em Letras reúna um conjunto de conhecimentos,
habilidades e competências para preparar e conduzir aulas de Língua Portuguesa no
Ensino Fundamental II e no Ensino Médio, em consonância com as bases normativas
vigentes. Almeja-se, nesse contexto, que se possa viabilizar um espaço de formação
de professores visando a um sistema educacional, em nosso país, verdadeiramente
comprometido com a equanimidade, a fim de colaborar com políticas públicas voltadas
para a formação integral do educando do Ensino Básico, construindo-se, de fato, uma
sociedade mais justa, democrática e inclusiva.

Para enfocar cada um dos eixos a serem trabalhados no Ensino Básico segundo as
orientações oficiais em vigor, prioridade será dada à BNCC (BRASIL, 2018), bem como a
outros documentos oficiais que com ela dialogam, sobretudo os Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998). Aliás, é importante destacar que
ambos concebem a linguagem como produto da interação social. Assim sendo, tanto
Lev Vygotsky (1896-1934) quanto Mikhail Bakhtin (1895-1975) estarão presentes ao longo
das reflexões teórico-práticas aqui apresentadas.

Especificamente, objetiva-se que, como estudante de Letras, você torne-se cada vez
mais preparado para trabalhar, de forma bem estruturada, em perspectiva integradora
e interdisciplinar, diferentes eixos de ensino-aprendizagem em Língua Portuguesa,
tais como oralidade, leitura/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise
linguística/semiótica (Cf. BRASIL, 2018). Nesse sentido, a estrutura da BNCC para
Língua Portuguesa será destacada nesta Unidade, com especial atenção, nos dois
primeiros tópicos, para dois componentes importantes e presentes no eixo de “análise
linguística-semiótica”: o tratamento da norma-padrão e a diversidade linguística.
Ambos os conteúdos serão articulados pensando-se em possíveis práticas de sala de
aula para diferentes segmentos da Escola Básica, em que os futuros professores de
Português poderão atuar como regentes.

33
E qual seria nosso maior desejo? Sem qualquer dúvida, nosso maior anseio é consolidar
a formação docente de futuros professores de Língua Portuguesa e suas Literaturas
comprometidos com o saber, o saber-ser e o saber-fazer, alicerçados em processos
de ensino e aprendizagem mais aceitos na contemporaneidade, não só no Brasil,
mas também no mundo. Assim, a articulação entre teoria e prática visa a dar maior
relevo ao saber vivenciado na prática, no contexto de sala de aula, de modo a articular
aprendizagens sobre a profissão que, ao fim e ao cabo, possam ser relevantes para
além dos muros escolares, promovendo uma interação profícua e promissora com a
sociedade como um todo.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Aprofundar os saberes didático-pedagógicos em Língua Portuguesa a fim de de-


senvolver e conduzir aulas de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental II e no
Ensino Médio, em consonância com as bases normativas vigentes, trabalhando,
de modo bem estruturado, diferentes eixos de ensino-aprendizagem.

34
Conhecimento sobre a Língua Portuguesa e
a norma-padrão em aulas de Língua Portu-
guesa na Escola Básica

A BNCC (BRASIL, 2018) claramente defende a importância da interação de sujeitos


inseridos em ambientes escolares e múltiplas linguagens, recursos diferenciados e
agentes de letramento — ou seja, professores — com sólido preparo. Nesse sentido:

[...] considerando esse conjunto de princípios e pressupostos, os eixos


de integração considerados na BNCC de Língua Portuguesa são aqueles
já consagrados nos documentos curriculares da Área, correspondentes
às práticas de linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção (escrita e
multissemiótica) e análise linguística/semiótica (que envolve conheci-
mentos linguísticos — sobre o sistema de escrita, o sistema da língua
e a norma-padrão —, textuais, discursivos e sobre os modos de organi-
zação e os elementos de outras semioses). Cabe ressaltar, reiterando
o movimento metodológico de documentos curriculares anteriores, que
estudos de natureza teórica e metalinguística — sobre a língua, sobre a
literatura, sobre a norma-padrão e outras variedades da língua — não
devem nesse nível de ensino ser tomados como um fim em si mesmo,
devendo estar envolvidos em práticas de reflexão que permitam aos
estudantes ampliarem suas capacidades de uso da língua/linguagens
(em leitura e em produção) em práticas situadas de linguagem. (BRASIL,
2018, p. 71, grifos nossos)

O excerto acima, da BNCC, põe relevo na importância de se usar a língua ou as lingua-


gens — inclusive aquelas nascidas no bojo das novas tecnologias da informação e comu-
nicação — em práticas sociais situadas. Conforme fica claro, a BNCC não está sozinha,
uma vez que se articula a documentos curriculares anteriores.

35
Importante

A norma-padrão é um conceito explicitamente colocado na BNCC, em Língua


Portuguesa. Mas como defini-la? Não há uma significação precisa e unânime
entre os pesquisadores que se dedicam ao estudo da norma e sua relação com
o ensino. Para Carlos Alberto Faraco e Ana Maria Zilles (2017), a norma-padrão
brasileira acaba por se distanciar das práticas efetivas dos falantes reais,
socialmente inseridos:

[...] importa, contudo, ressaltar que se somos camaleões linguís-


ticos, não basta, na escola, impor o ensino prescritivo de uma só
norma, pois ela seria insuficiente para a multiplicidade de ade-
quações de que precisamos no uso efetivo da linguagem./Além
disso, como já ficou claro, a atual norma-padrão brasileira, por
seu distanciamento das práticas efetivas dos falantes em nossa
sociedade e por tantas outras características discutíveis [...], de
pouca serventia é, por si só, para os camaleões que interagem
aqui e agora, e não no imaginário do século XIX. (FARACO; ZIL-
LES, 2017, p. 203)

Portanto, resta claro que há inúmeras dúvidas quanto à relevância pedagógica


da referência dada à norma-padrão como norma prescritiva e idealizada da
Língua Portuguesa. Entretanto, segundo consta na BNCC, a norma-padrão
deve ser a referência. Assim, uma solução, segundo Marcos Bagno, seria um
ensino crítico da norma-padrão, o que coincide com o que propõe a própria
BNCC:

O ensino dessas formas de padronização conservadoras não


pode vir acompanhado da atitude tradicional da escola de negar
todo e qualquer valor às regras não padrão [...] Vamos acres-
centar, aumentar a bagagem linguística de nossos alunos, e não
suprimir o que eles já sabem, as regras gramaticais que já domi-
nam e que respondem às suas necessidades de comunicação,
expressão e interação. (BAGNO, 2001, p. 158)

36
E quais seriam esses documentos curriculares anteriores de que nos fala a BNCC? Vejamos
o que os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa já apontavam para
professores de Português em todo o território nacional. Segundo o documento de mais de
duas décadas de publicação (BRASIL, 1997, p. 30-31), quando se pensa sobre o processo
“linguagem em interação”, realiza-se uma atividade de natureza reflexiva — ou de análise
linguística. As atividades de análise linguística, por sua vez — com base em pressupostos
teórico-metodológicos defendidos por João Wanderley Geraldi em Portos de passagem
(1991) — podem ser: atividades epilinguísticas ou atividades metalinguísticas. Defini-
las é crucial para que se desenvolva um trabalho com a norma-padrão da língua em
consonância com os documentos oficiais.

Vamos entender melhor essas atividades de análise linguística?

As atividades epilinguísticas, segundo os PCN,


são aquelas voltadas para o uso. Elas são nota-
das quando o sujeito se encontra em interação,
ampliando as possibilidades de uso consciente da
linguagem. Essa capacidade, inclusive, começa a
ser constituída desde cedo, no processo de aqui-
sição e desenvolvimento da linguagem em tenra
idade. Portanto, o ambiente escolar passaria a ser
decisivo para ampliar as habilidades de uso da língua em situação concreta, e não para
simplesmente treinar determinadas nomenclaturas descontextualizadas. Pode-se, por
exemplo, envolver os alunos em interações linguísticas propriamente ditas, com a finali-
dade de construir argumentos para defesa de terminada tese, sem — destaque-se — lan-
çar mão de termos especializados, de difícil compreensão (BRASIL, 1997, p. 30; BRASIL,
1998, p. 28).

Diferentemente, por atividades metalinguísticas


se compreendem aquelas voltadas para descrição,
categorização e sistematização da gramática de
uma língua. Um dos maiores problemas desse tipo
de atividade é insistir em tomar como parâmetro
a gramática tradicional, ainda muito presente no
meio editorial e educacional brasileiro. Inclusive,
tais atividades pautam muitos concursos públicos
e vestibulares que dão enfoque a regras e suas exceções, de modo que se trata de um
círculo de difícil ruptura.

37
Segundo João Wanderley Geraldi – explicitamente mencionado nos Parâmetros Cur-
riculares Nacionais de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental (em todos os
ciclos):

[...] para o ensino do primeiro grau, as atividades devem girar em torno


do ensino da língua e apenas subsidiariamente se deverá apelar para a
metalinguagem, quando a descrição da língua se impõe como meio para
alcançar o objetivo final de domínio da língua, em sua variedade padrão.
(2006, p. 46)

No Ensino Médio, os objetivos não se desviam dos princípios acima colocados para enfo-
que no uso da língua. Pelo contrário, ampliam-se de modo a indicar atividades que sejam,
de fato, significativas para os alunos, preparando-os para o mundo em sentido amplo,
desde suas relações em comunidade, na escola, no trabalho, até o exercício da cidadania.
Vejamos, a seguir, o que se afirma nas Orientações curriculares para o Ensino Médio
em relação ao título Linguagens, códigos e suas tecnologias, na seção Conhecimentos
de Língua Portuguesa. Na publicação, delineia-se a importância de se relacionarem usos
da língua a eventos de interação do trabalho de análise linguística com a análise do fun-
cionamento sociopragmático dos textos:

Na acepção em foco, é pertinente conferir à noção de conteúdo progra-


mático um sentido ligado diretamente à ideia de que os conteúdos da
área de Língua Portuguesa podem figurar como elementos organizado-
res de eixos temáticos em torno dos quais serão definidos, pela escola,
os projetos de intervenção didática que tomarão como objeto de ensino
e de aprendizagem tanto as questões relativas aos usos da língua e suas
formas de atualização nos eventos de interação (os gêneros do discur-
so) como as questões relativas ao trabalho de análise linguística (os ele-
mentos formais da língua) e à análise do funcionamento sociopragmá-
tico dos textos (tanto os produzidos pelo aluno como os utilizados em
situação de leitura ou práticas afins). (BRASIL, 2006, p. 36)

38
MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 2 e veja o conteúdo complementar indicado sobre o


ensino de Língua Portuguesa e a BNCC.

As concepções de língua e linguagem que observamos nos documentos oficiais estão


presentes em inúmeros trabalhos acadêmicos desenvolvidos nos últimos anos sobre o
ensino de Língua Portuguesa. Como afirma Irandé Antunes, há “novos jeitos” de ver a
língua e de ver-se como professor de Língua Portuguesa. Nesse sentido, o professor é
também um pesquisador, que se coloca como sujeito de uma reflexão crítica, criativa e
constante sobre seu próprio fazer, como profissional “envolvido no processo de capacitar
o cidadão brasileiro para o exercício fluente, adequado e relevante da linguagem verbal,
oral e escrita” (ANTUNES, 2003, p. 35). Essa postura apresenta, ao fundo, uma visão críti-
ca em relação aos objetivos educacionais da escola socialmente inserida, inoperante no
sentido tanto de alfabetizar como de formar leitores e produtores de linguagens coesas
e coerentes. Há, pois, conforme a autora bem coloca, uma necessidade de romper pa-
radigmas reducionistas, que apresentam ao aluno: uma gramática descontextualizada;
uma gramática fragmentada; uma gramática da irrelevância, que não enfatiza a compe-
tência comunicativa dos falantes; uma gramática das excentricidades; uma gramática
voltada para nomenclatura e classificação das unidades; uma gramática inflexível, fixada
em regras imutáveis; uma gramática predominantemente prescritiva; uma gramática que
não tem como apoio o uso da língua em textos reais (ANTUNES, 2003, p. 31-33). Esses
princípios definem o cerne da gramática normativa, não apoiada nos usos reais da lín-
gua. Para a autora, o núcleo de referência assumido coincide com aquele presente em
documentos oficiais:

Assumo, portanto, que o núcleo central da presente discussão é a con-


cepção interacionista, funcional e discursiva da língua, da qual deriva o
princípio geral de que a língua só se atualiza a serviço da comunicação
intersubjetiva, em situações de atuação social e através de práticas dis-
cursivas, materializadas em texto orais e escritos. (ANTUNES, 2003, p. 42)

39
Dica

Pode-se perguntar: o que trazer para a sala de aula? Segundo Antunes, deve-
se buscar uma gramática que seja relevante, funcional, contextualizada e
interessante; uma gramática que liberte, que soletre a palavra; uma gramática
que preveja mais de uma norma; uma gramática que seja “da língua”, que seja
“das pessoas” (ANTUNES, 2003, p. 96-99).

Quando afirma a importância de se trabalhar com mais de uma norma, a autora coloca
claramente que a norma-padrão deve ser vista como a variedade da língua socialmente
prestigiada e mais aceita em meios sociais escolarizados. Nesse sentido, coincide com
o conceito de norma culta empregado por alguns autores, para os quais a norma-pa-
drão definiria um modelo idealizado, normativo, que distingue regras para a padroniza-
ção da língua.

Importante

Recomendamos todo cuidado ao empregar conceitos como norma-padrão,


norma culta e norma popular. Se o foco for a adequação linguística aos
usos mais prestigiados e aceitos por segmentos sociais mais escolarizados,
considerando pontos de vista de expressividade e comunicabilidade, pode-
se evidentemente empregar o conceito de norma-padrão para ser coerente
com a BNCC; contudo, recomendamos que se explicitem seus critérios para
não se incorrer em incompreensões, incoerências e inconsistências, as quais,
nesse caso especificamente, podem ser graves, sobretudo porque se referem a
conceitos-chave no ensino de Língua Portuguesa, em um campo relativamente
sensível, na medida em que importantes mudanças de paradigmas ainda estão
em curso.

40
Uma solução para conciliar o modo como a BNCC coloca a norma-padrão e a garantia
do rigor acadêmico seria tomá-la como referência visto que ela faz parte de variedades
específicas de língua escrita, como textos literários, acadêmicos e científicos. Para Fa-
raco e Zilles, a solução de Marcos Bagno deve ser discutida, a fim de se construir uma
unificação terminológica: “norma-padrão (para a norma normativa), variedades presti-
giadas (para substituir a norma culta) e variedades estigmatizadas (para substituir a
norma popular)” (FARACO; ZILLES, 2017, p. 22). Faraco e Zilles fazem tal afirmação no
contexto de uma consequente discussão sobre a norma a se abordar na escola. Para
os autores, a norma culta deve ser a principal referência no sentido de “norma normal”.
Entretanto: “Evidentemente, se a sociedade brasileira avançar no sentido de revisar a
norma-padrão para que ela espelhe a norma culta, grande parte do ônus que recai sobre
os falantes e sobre o ensino será superado” (FARACO; ZILLES, 2017, p. 184). Lutemos,
pois, para essa aproximação!

Assim, com o enfoque da norma-padrão, deve-se compreender o conceito em uma


perspectiva crítica, não tradicional, não prescritiva e idealizada, uma vez que ela pode
informar usos mais prestigiados e aceitos da língua, os chamados usos cultos contem-
porâneos. Dada a importância de dominar-se “qual norma ensinar na Escola Básica”, con-
tinuaremos a abordar esse assunto no próximo tópico.

41
Análise e funcionamento da língua em con-
textos de diversidade linguística em aulas
de português na Escola Básica

A proposta definida para a segunda parte desta unidade aprofunda as questões colocadas
na primeira parte. Ou seja, há evidentemente uma continuidade que permitirá solidificar
saberes e habilidades a serem trabalhados na sala de aula de português, de modo a
priorizar a competência comunicativa dos estudantes.

Para retomar o assunto sobre “qual norma estudar na Escola Básica” e fazer a ligação
com o conteúdo da “diversidade linguística”, voltaremos aos quatro eixos definidos pela
BNCC (2018), orientados pelas práticas de linguagem: oralidade; leitura/escuta; produção
(escrita e multissemiótica); e análise linguística/semiótica. Esses são os eixos de
integração, de modo que um conteúdo relevante — como a diversidade linguística — deve
perpassar diferentes eixos, relacionados, por sua vez, a diversas práticas de linguagem.

Figura 1: Eixos definidos pela BNCC (2018).

Oralidade

Análise
linguística/
semiótica
BNCC Leitura/
escuta

Produção
escrita e
multissemiótica

42
Antes mesmo da BNCC, os Parâmetros Curriculares Nacionais apontavam um caminho
que merece ser revisitado. Especificamente para o ensino de Língua Portuguesa, de
acordo com os PCN, os conteúdos das práticas que constituem o eixo de uso da língua
divergem dos conteúdos que fazem parte do eixo de reflexão. O processo de análise
linguística situa-se, por sua vez, no eixo de reflexão, enquanto o uso está relacionado às
atividades comunicativas propriamente ditas, ou seja, à performance da linguagem em
situações reais de interlocução.

Nesse sentido, a análise linguística, segundo os PCN de Língua Portuguesa (BRASIL,


1998, p. 36), contempla instrumentos para a análise do funcionamento da linguagem em
situações de interlocução (escuta, leitura ou produção). O foco da análise linguística
deve, segundo o documento, ampliar a competência discursiva dos sujeitos, o que deve
ser realizado por meio do trabalho docente com base nos seguintes tópicos:

1) Variação linguística: modalidades, variedades, registros.


2) Organização estrutural dos enunciados.
3) Léxico e redes semânticas.
4) Processos de construção de significação.
5) Modos de organização dos discursos. (BRASIL, 1998, p. 36)

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 2 e veja o conteúdo complementar indicado sobre a


BNCC.

Avancemos, nesse momento, para as normas presentes na BNCC. Um conceito muito


presente ao longo desse documento normativo é a diversidade. A perspectiva dos
multiletramentos está presente ao indicar a necessidade de se ampliar o repertório dos
estudantes da Escola Básica por dois caminhos. Para um primeiro ponto de vista, é
crucial abraçar a diversidade cultural brasileira, colocando em pauta — lado a lado — o
canônico, o marginal, o culto, o popular, a cultura de massa, a cultura das mídias, a
cultura digital, as culturas infantis e juvenis etc. Para um ponto de vista complementar
— o da diversidade de linguagens —, deve-se agregar a cultura digital ou, mais ainda,

43
as novas linguagens desenvolvidas no bojo do avanço das tecnologias da informação
e comunicação (Cf. BRASIL, 2018, p. 70). Em consonância com essa posição, para
a pesquisadora Roxane Rojo, o termo multiletramentos aponta precisamente para a
multiplicidade característica de nossas sociedades, sobretudo na contemporaneidade:
“[…] a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição
dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica” (ROJO; MOURA, 2012, p. 13).

Quando se amplia o foco para a questão linguística propriamente dita, a BNCC delineia
um grande avanço no sentido de apontar para a necessidade de se reconhecerem os
direitos linguísticos de todos os cidadãos presentes em território brasileiro, na trilha do
que afirma a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (UNESCO, 1996). Há, portanto,
importante destaque para a diversidade linguística. Nesse sentido, o documento
brasileiro é preciso ao afirmar:

Assim, é relevante no espaço escolar conhecer e valorizar as realidades


nacionais e internacionais da diversidade linguística e analisar diferentes
situações e atitudes humanas implicadas nos usos linguísticos, como o
preconceito linguístico. Por outro lado, existem muitas línguas ameaça-
das de extinção no país e no mundo, o que nos chama a atenção para
a correlação entre repertórios culturais e linguísticos, pois o desapare-
cimento de uma língua impacta significativamente a cultura. (BRASIL,
2018, p. 70)

Para refletir

Partindo-se do princípio de que a diversidade linguística é um dos principais


conteúdos a serem abordados no ensino de Língua Portuguesa, pergunta-se:
como a diversidade linguística poderá ser trabalhada em consonância com o
intuito de se valorizarem os usos heterogêneos e híbridos nas sociedades de hoje?

44
Apontamos especificamente dois eixos que podem articular a abordagem da diversidade
linguística conforme a BNCC: eixo da análise linguística/semiótica e o eixo da oralidade.
Porém, antes de tudo, deve-se considerar que as práticas de linguagem não podem ser
vistas separadamente. O primeiro eixo, análise linguística/semiótica, foi abordado no
Tópico 1, quando discorremos sobre sua abrangência no que se refere a questões que
devem envolver:

[...] procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação


consciente, durante os processos de leitura e de produção de textos
(orais, escritos e multissemióticos), das materialidades dos textos, res-
ponsáveis por seus efeitos de sentido, seja no que se refere às formas
de composição dos textos, determinadas pelos gêneros (orais, escritos e
multissemióticos) e pela situação de produção, seja no que se refere aos
estilos adotados nos textos, com forte impacto nos efeitos de sentido.
(BRASIL, 2018, p. 80)

Observe-se que a linguagem verbal, tanto oral como escrita, recebe uma atenção no
que diz respeito à composição, à estrutura, ao estilo e à sua situação de produção e
recepção, de modo que o gênero selecionado para as atividades de sala de aula deve
ser cuidadosamente trabalhado, inclusive considerando-se elementos como coesão e
coerência. No Tópico 1, procuramos também dar relevo ao conceito de norma-padrão,
com o qual os futuros professores de Português e suas Literaturas irão se deparar.
Embora seja possível englobar a “diversidade linguística” no eixo de análise linguística/
semiótica, por exemplo, relacionando norma-padrão, variedades cultas e variedades
estigmatizadas, nossa proposta é abrir o debate para o eixo da Oralidade, de modo a
contribuir para ampliar o repertório de nossos futuros professores de Língua Portuguesa
e suas Literaturas e congregar saberes relacionados a diferentes práticas de linguagem.

45
Para refletir

A BNCC apresenta, entre as 10 competências específicas de Língua Portuguesa


para o Ensino Fundamental, duas que se relacionam estreitamente à variação
linguística:

4) Compreender o fenômeno da variação linguística,


demonstrando atitude respeitosa diante de variedades
linguísticas e rejeitando preconceitos linguísticos.
5) Empregar, nas interações sociais, a variedade e o
estilo de linguagem adequados à situação comunicativa,
ao(s) interlocutor(es) e ao gênero do discurso/gênero
textual. (BRASIL, 2018, p. 87)

Fica claro, portanto, que há muita afinidade da BNCC (2018) com a proposta
delineada a partir da publicação dos PCN de Língua Portuguesa (1997), quando
se desenham os eixos de uso e de reflexão (abordados no Tópico 1 da Unidade
2). Observe-se, nesse contexto, que a reflexão sobre variação e diversidade
linguística é central — o que implica escolher que norma empregar, com
adequação às situações de uso da língua.

Seria, portanto, oportuno, nesse conjunto de reflexões, explicitar questões relativas aos
gêneros orais. Para se efetivar um estudo detido deles, é preciso considerar — conforme
aponta a BNCC (BRASIL, 2018, p. 80) — as especificidades da fala (como ritmo, altura,
intensidade, clareza de articulação, variedade linguística adotada, estilização da fala etc.,
conforme consta no documento normativo), bem como os elementos paralinguísticos
e cinésicos (postura, expressão facial, gestualidade etc.). Mais ainda:

[...] no que tange ao estilo, serão levadas em conta as escolhas de léxico


e de variedade linguística ou estilização e alguns mecanismos sintáticos
e morfológicos, de acordo com a situação de produção, a forma e o esti-
lo de gênero. (BRASIL, 2018, p. 80)

46
Nesse caso, o professor necessariamente deverá situar o aluno sobre a variação linguística
presente nas diferentes práticas de linguagem — mesmo porque, como bem sabemos, o
português brasileiro é muito diverso e heterogêneo, sobretudo na modalidade oral, e essa
multiplicidade precisa encontrar terreno propício para debates em sala de aula. O livro O
português da gente,de autoria de Ilari e Basso (2009), apresenta e discute as principais
características dos seguintes tipos de variação:

Variação Variação Variação Variação


diacrônica diatópica diastrática diamésica

Engloba aspectos
relacionados aos
meios ou veículos
Diz respeito Está relacionada à Considera
das mensagens;
à variação no variação no espaço diferentes estratos
ou, ainda, conside-
tempo. ou regional. da população.
ra as especificida-
des de diferentes
gêneros textuais.

47
Nesse sentido, se queremos oferecer exemplos das diferenças entre entrevistas orais
e sua passagem para o texto escrito, naturalmente aspectos relativos às diferentes
modalidades da língua serão articulados (portanto, a variação diamésica deve estar
em pauta). A variação presente na oralidade é, de fato, diferente daquela encontrada
em textos escritos, que sofrem a força de normatização, de padrões e de regulação
operados sobretudo pela academia. Assim, as regras de textualização, como bem afirma
Marcuschi (2007), serão diferentes na fala e na escrita, que são atividades discursivas
distintas. Devemos estar atentos a essas especificidades. Há um longo trabalho a ser feito
para que os falantes brasileiros, inclusive, libertem-se de uma série de preconceitos que
prejudicam a vivência plena da cidadania, em um universo de oportunidades iguais para
todos. Leia-se, a seguir, o pungente testemunho de uma estudiosa da área, a professora
e pesquisadora Maria Marta Pereira Scherre:

Todavia, ainda como cidadã brasileira, falante nativa do português bra-


sileiro e estudiosa de variação linguística, estou certa de que, de fato, a
mídia brasileira vem prestando um real desserviço à inteligência e à dig-
nidade humana, ao estabelecer identidade entre gramática normativa e
língua ou idioma de um povo; ao reforçar a confusão entre língua falada
e língua escrita; ao instigar e fortalecer o preconceito linguístico. Mais do
que isto, a mídia brasileira tem faltado com a verdade, ao enfatizar a ideia
de que as formas linguísticas de prestígio são as únicas formas certas
do ponto de vista da estrutura linguística. (SCHERRE, 2005, p. 116)

Vemos, portanto, que cabe quase exclusivamente à escola conduzir um debate linguístico
que respeite a diversidade, a multiplicidade do português brasileiro e a cientificidade.
Para que isso ocorra, não há necessidade de o aluno da Escola Básica empregar
nomenclaturas específicas ou excessivamente especializadas. Entretanto, sem dúvida, o
estudante do Ensino Fundamental e do Ensino Médio precisa conhecer os mecanismos
necessários para entender a lógica dos diferentes gêneros discursivos. Essa condição
é fundamental para produzir discursos coerentes, coesos, adequados do ponto vista
linguístico e comunicativo, além de evitar preconceitos linguísticos, infelizmente muito
presentes em nossa sociedade. No próximo tópico, discutiremos especificidades relativas
a projetos didáticos em Língua Portuguesa que articulam os diferentes eixos em pauta
na BNCC, ao trabalhar, com rigor acadêmico e senso crítico, com a “variação linguística”
e a “diversidade do português brasileiro”.

48
Importância do equilíbrio entre os eixos de
leitura, escrita e oralidade em aulas de Lín-
gua Portuguesa na Escola Básica

Para encerrar a unidade, deve-se destacar como perspectivas integradoras e inclusivas


podem ser aprofundadas em aulas de Língua Portuguesa, de modo a oferecer bases
sólidas para que a interdisciplinaridade seja constantemente buscada em sala de aula.

Mais especificamente, a primeira e a segunda parte desta unidade ofereceram


embasamento teórico-prático abrangente para algumas atividades que podem ser
desenvolvidas ao longo do Ensino Básico, guiando-se por conteúdos específicos
da área de Língua Portuguesa. Até o presente momento, vimos como é fundamental
dominar conceitos como norma-padrão, variedades prestigiadas e estigmatizadas
da língua portuguesa, diversidade e variedade linguística, bem como processos de
ensino e aprendizagem de gramática da Língua Portuguesa, sob a perspectiva da
análise linguística/semiótica. Agora você poderá ver como diferentes eixos podem ser
equilibrados para propiciar um conhecimento sólido aos estudantes, com ênfase nos
eixos de leitura, escrita e oralidade.

Nesse contexto, o futuro professor de Língua Portuguesa e suas Literaturas deve se


recordar de que é fundamental consolidar o saber, o saber-ser e o saber-fazer em sua
formação para a docência, de maneira condizente com um ensino que assegure as
aprendizagens essenciais dos alunos da Escola Básica, de modo a se atingir o cerne do
que se propõe como educação integral.

A educação integral pode ser compreendida a partir de propostas contemporâneas que


enfatizam a formação de sujeitos críticos, autônomos e responsáveis consigo e com o
outro, com a sociedade em que estão inseridos e com o mundo que os cerca, guiando-
se por valores como inclusão e equanimidade. Um dos desafios mais prementes, nesse
sentido, é desenvolver um pensamento complexo, que só será alcançado se a formação
inicial e continuada dos professores estimular práticas interdisciplinares.

49
MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 2 e veja o conteúdo complementar indicado sobre a


Formação profissional dos professores.

O filósofo francês Edgar Morin ensina que a complexidade tem relações sólidas com
perspectivas interdisciplinares e integralizadoras, uma vez que concebe o sujeito em sua
totalidade:

É a viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar


a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real, e saber que as
determinações — cerebral, cultural, social, histórica — que se impõem a
todo o pensamento codeterminam sempre o objeto do conhecimento.
É isto que eu designo por pensamento complexo. (MORIN, 2001, p. 14)

Assim, por mais que possamos enfatizar determinados conteúdos, deve-se ter em mente
que qualquer isolamento, decomposição ou análise só farão sentido se a unidade for
vista como parte da diversidade do real, da multidimensionalidade e da complexidade da
natureza humana.

Essa perspectiva — guardadas as diferenças — está em consonância com propostas


educacionais inovadoras que estão em curso nas mais diferentes disciplinas e áreas do
saber. No caso dos eixos de Língua Portuguesa, vimos que a BNCC (2018) coloca os
seguintes eixos de integração, com base nos quais os conteúdos da disciplina deverão
ser trabalhados: eixo da oralidade; eixo da leitura/escuta; eixo da produção (escrita
e multissemiótica); e eixo da análise linguística/semiótica. Discutimos, ao longo da
unidade, especificidades relativas sobretudo ao eixo da análise linguística/semiótica.
Vimos como seria importante, sobretudo durante o Ensino Fundamental, não desenvolver
reflexões de natureza teórica e metalinguística de maneira descontextualizada. Quando
realizadas, elas teriam como finalidade ampliar a potencialidade de uso da língua ou
de linguagens, por meio da oralidade, da leitura e da produção de textos escritos e
multissemióticos. Como perspectiva de fundo, está presente a ideia de que a gramática,

50
quando abordada, deve ser apresentada de modo contextualizado, a fim de ampliar as
capacidades comunicativas dos falantes. Nesse contexto, a gramática normativa, por sua
natureza prescritivista, idealizada e ainda voltada para as questões de “certo” e “errado”,
seria profundamente limitadora por não considerar os conceitos de “adequação” e de
“aceitabilidade” linguística, tal qual buscamos em qualquer fase do Ensino Básico. Para
relembrar o que nos dizem linguistas e pedagogos na atualidade:

[...] se os conteúdos gramaticais não podem desaparecer do ensino,


também não podem simplesmente permanecer arrolados e repassados
como no ensino tradicional. Só existe sentido em estudar gramática, se
esses conteúdos estão claramente subordinados ao domínio das ativi-
dades de fala e escrita, isto é, se eles têm efetiva relevância funcional.
Ou, dito de outro modo, se conseguimos romper radicalmente com o
modelo pedagógico medieval de ensino de língua, conforme descrito an-
teriormente. (FARACO, 2008, p. 158)

Ampliando um pouco mais as discussões sobre como coordenar os diversos eixos de


língua portuguesa, que envolvem diferentes procedimentos e estratégias de aprendizagem,
é importante enfatizar que os projetos didáticos desenvolvidos para a sala de aula devem
procurar o equilíbrio entre os diversos eixos. Oralidade, leitura e produção escrita ou
multissemiótica, com a sistematização por meio da análise linguística ou semiótica,
podem se articular de diversos modos. O ideal, quando fala e escrita estiverem em pauta,
é que ambas as modalidades — modalidade oral da língua e modalidade escrita da
língua — sejam tomadas de modo autônomo e que suas especificidades, aproximações
e diferenças sejam discutidas cuidadosamente — o que inclui atividades de análise e
sistematização da língua. Desse modo, os alunos do Ensino Básico teriam oportunidades
de vivenciar a língua de modo amplo, por seus usos e por reflexões amplas sobre suas
características. Como os estudos de Marcuschi (2010) sempre recordam, é fundamental
destacar que contrapontos entre fala e escrita devem considerar a língua em uso do
ponto de vista crítico e do ponto de vista dialógico e discursivo — inclusive discutindo
relações de poder por trás de escolhas históricas que têm dado primazia infundada, a
partir de uma visão científica, à escrita. Conforme afirma o autor:

Discorrer sobre as relações entre oralidade/letramento e fala/escrita não


é referir-se a algo consensual nem mesmo como objeto de análise. Tra-
ta-se de fenômenos de fala e escrita enquanto relação entre fatos lin-
guísticos (relação fala-escrita) e enquanto relação entre práticas sociais

51
(oralidade versus letramento). As relações entre fala e escrita não são
óbvias nem lineares, pois elas refletem um constante dinamismo fun-
dado no continuum que se manifesta entre essas duas modalidades de
uso da língua. (MARCUSCHI, 2010, p. 34)

Marcuschi é um dos nomes mais incisivos na defesa da necessidade de superarmos


dicotomias que reforçam mitos tendentes a valorizar a escrita e submeter a fala. Observe
abaixo os mitos assumidos pela perspectiva dicotômica, segundo Roxane Rojo:

Quadro 1: Mitos assumidos na perspectiva da dicotomia.

Mitos ligados às características Mitos ligados aos efeitos sociais e


das modalidades de linguagem culturais das modalidades de linguagem

A fala é desorganizada, variável, A escrita leva a estágios mais complexos e


heterogênea, e a escrita é lógica, racional, desenvolvidos de cultura e de organização
estável, homogênea. cognitiva do indivíduo.

A fala é não planejada; a escrita é planejada A escrita dá acesso por si mesma a poder
e permanente. e mobilidade social.

A fala é o espaço do erro, e a escrita, o da


regra e da norma.
A fala se dá face a face; a escrita serve
para comunicar à distância no tempo e no
espaço.

A escrita se inscreve; a fala é fugaz.

A fala é expressão unicamente sonora; a


escrita, gráfica.

Fonte: Rojo (2006, p. 34).

52
Essas visões redutoras vêm sendo paulatinamente superadas por uma prática
pedagógica reflexiva e crítica, de bases científicas. Observe-se abaixo o resultado de
uma prática de retextualização realizada por um estudante do quarto período de Letras
(UFPE), com base em um texto oral retirado por Marcuschi do acervo do Projeto Norma
Urbana Culta – Nurc do Recife, produzido por uma professora universitária em conversa
com um colega (MARCUSCHI, 2000-2001 apud ROJO, 2006, p. 42):

Texto original (oral)

O que eu acho engraçado é que toda vez que um biólogo começa a falá em controle
da natalidade e programação da sociedade… ele é taxado imediatamente de nazista e
fascista… porque essa ressalva que eles fazem… essa reação que o povo tem em geral
até hoje eu não entendi… porque olhe… se nós vivemos em uma sociedade em que as
camadas mais pobres da população… apresentam um índice de natalidade mais alto…
significa o quê?… que a... daí a um determinado tempo… o índice mental... o índice mental
dessa sociedade vai cair [...].

Texto retextualizado (escrito)

Sempre que os biólogos abordam o assunto Controle da Natalidade e programação da


sociedade, são taxados imediatamente de nazistas e fascistas. Essa é uma reação que
não entendemos. Porque, se vivemos em uma sociedade em que as camadas mais
pobres da população apresentam um índice de natalidade mais alto, significa que, daqui
a um determinado tempo, o índice mental dessa sociedade vai cair […]

Por meio de atividades como essa, é possível perceber a viabilidade de se desenvolverem


estratégias de aprendizagem que abordem todas as modalidades da língua. Nos
processos de textualização e retextualização, devem-se identificar estilos e variedades
linguísticas mais adequados, ou mesmo exigidos, a depender do contexto comunicativo.
Atividades como essas apenas enfatizam a importância de lidarmos com as perspectivas
de multiletramentos — com as novas modalidades de linguagem e também com
visões críticas que desnudem pressupostos idealizados e mistificadores da condição
heterogênea, híbrida e multiforme da linguagem, em especial na contemporaneidade.

53
NA PRÁTICA

Na prática, espera-se que você, aluno de Letras e futuro professor, esteja cada vez
mais preparado para desenvolver projetos didáticos bem articulados, que integrem,
em perspectiva científica e crítica, diferentes eixos de ensino-aprendizagem do
português. Você deverá contribuir para o desenvolvimento de uma educação
integral, comprometida com saberes, competências, atitudes e valores cruciais para
o enfrentamento dos desafios contemporâneos.

Observe-se, logo abaixo, como a pesquisadora Roxane Rojo (2006) propõe uma
atividade de retextualização, a partir de uma entrevista arquivada no acervo do
Projeto Nurc.

Entrevistada: [...] realmente deve ser uma delícia ter uma fa-
mília gran/ bem grande com bastante gente...eu sou filha úni-
ca...ah tenho um irmão de treze anos...mas gostaria deMAIS
de ter tido...mais irmãos...porque quando::...com meu irmão
eu já::já tinha curso universitário já já tinha saído da faculda-
de quer dizer então não tem quase que vantagem nenhuma
não é?...eu queria então uma família grande tínhamos pen-
sa::do...numa família maior mas depois do segundo...já deve
estar todo mundo tão desesperado que nós ((risos)) estamos
pensando... [...] é (pensamos) seriamente em parar...depois
disso ainda ti/ tive problemas de...saúde problemas de tirói-
de não sei quê::então o médico está aconselhando a não ter
mais... então nós estamos pensando...estamos pensando
não ofic/ oficialmente não está encerrado...mas de fato está
porque::...o endocrinologista proibiu terminantemente que eu
tenha mais filhos... (...) inclusive...se eu tiver...ele disse que vai
ser necessário...um aborto...então estamos naquele negócio
eh...como fazer::...se faço operação::se o marido fa::z mas ele
acha que::...de jeito nenhum::((risos)) (...) (2006, p. 44)

54
Em seguida, Roxane Rojo coloca, a propósito dessa transcrição, a seguinte proposta
de atividade pedagógica:

a) Faça de conta que você é um(a) jornalista de uma revista


feminina, que está preparando uma matéria sobre planeja-
mento familiar e que quer inserir este depoimento da entre-
vistada em sua reportagem. Como você retextualizaria este
trecho para escrever a reportagem? (2006, p. 44)

A retextualização é definida por Marcuschi (2001) como um processo de transforma-


ção de textos no qual se altera seu formato linguístico, como no caso de entrevistas
tomadas oralmente e depois transformadas em texto escrito. Nesse processo, en-
volvem-se:

[…] operações complexas [de passagem do texto falado para


o escrito e vice-versa] que interferem tanto no código como
no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre
bem compreendidos da relação oralidade-escrita. (MARCUS-
CHI, 2001, p. 46)

Por fim, com o objetivo de desenvolver a atividade prática, como a escrita de uma
reportagem, vimos que é necessário dinamizar um conjunto de saberes relevantes
para a formação dos sujeitos no século XXI.

Desse modo, o estudante da Escola Básica, para se tornar um “poliglota em sua


própria língua” (como afirma Evanildo Bechara), deve estar atento às especificidades
das diversas práticas de linguagens, a fim de se inserir no mundo com autonomia,
responsabilidade e criatividade.

55
Resumo da Unidade 2

A Unidade 2 procurou ampliar as perspectivas de trabalho docente em Língua Portuguesa,


de modo que a prática profissional esteja comprometida com um ensino dinâmico,
cientificamente embasado e livre de reducionismos e preconceitos que tendem a mascarar
a multiplicidade e a heterogeneidade de nossa língua. Sendo assim, você estudou:

• A importância de se desenvolverem projetos didáticos bem articulados de ensino de


português, que privilegiem a integração de conteúdos a diferentes eixos de ensino-
aprendizagem.
• De forma ampla, os diversos conceitos de norma que circulam no campo dos estudos
linguísticos e pedagógicos, enfatizando a importância de considerar questões de
análise linguística ou semiótica de modo contextualizado, em situações de uso de
língua, quer na fala, quer na escrita.
• O conceito de “diversidade linguística”, de modo a estimular reflexões sobre a estrutura
e o funcionamento da língua portuguesa, inclusive com menção a problemáticas de
natureza histórica.
• A importância de haver um equilíbrio entre os eixos voltados para a oralidade, a leitura
e a produção escrita ou multissemiótica, de modo que o ensino de Língua Portuguesa
esteja em consonância com os documentos oficiais vigentes e contribua para a
concretização de uma educação integral, atenta às demandas contemporâneas da
sociedade como um todo.

CONCEITO

Nesta unidade, destacaram-se os conceitos de norma-padrão da Língua Portuguesa;


variedades prestigiadas do português; variedades estigmatizadas do português;
gramática e ensino; articulação e integração dos eixos de oralidade, leitura e
produção escrita e multissemiótica no ensino de português.

56
Referências

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59
UNIDADE 3

Integrando os saberes
didático-pedagógicos em
Língua Portuguesa: o texto em
suas múltiplas modalidades
INTRODUÇÃO

Nesta unidade, apresentaremos articulações teórico-metodológicas importantes para o


desenvolvimento de aulas de Língua Portuguesa orientadas pela BNCC (BRASIL, 2018),
documento normativo que orienta atualmente o ensino básico em todo território brasileiro.

Especificamente, abordaremos diversos usos da linguagem que devem ser enfatizados


em conformidade com a BNCC. Os gêneros discursivos ou textuais a serem trabalhados
estão divididos em campos de atuação para facilitar a compreensão de que os diferen-
tes eixos de aprendizagem (leitura-escuta; produção textual/semiótica; oralidade; análise
linguística/semiótica) estão integrados a práticas de linguagem socialmente inseridas.
Nesse sentido, fica patente a necessidade de se trabalhar conceitos de relevância social,
de modo a demonstrar que a língua é dinâmica, heterogênea e constrói sentidos partilha-
dos pela coletividade. A educação, portanto, deve orientar-se pela formação integral, que
possibilite a inclusão de todos em processos de ensino-aprendizagem em permanente
movimento, agregando educação especial, diversidade étnica, diversidade de gênero, di-
ferentes espaços brasileiros e suas especificidades regionais etc.

Além do diálogo com as especificidades de cada espaço social, a BNCC também esti-
mula o diálogo ativo com as práticas de linguagem típicas da sociedade de informação
e comunicação. Ou seja, deve-se apresentar ao estudante do século XXI o potencial de
interação produtiva, criativa e crítica com diferentes semioses. Portanto, o universo da
cultura digital e dos meios eletrônicos tem seu espaço garantido segundo o que se dese-
nha para o futuro da educação.

Assim, se a educação deve conectar-se à realidade que a cerca, o grande desafio é man-
ter a curiosidade diante do mundo em rápida transformação, de modo que os gêneros
discursivos ou textuais ligados à mídia digital ganhem vida e não apareçam apenas como
um componente curricular amorfo.

Veremos que as práticas de multiletramentos (incluindo letramento literário, digital, mi-


diático etc.) estimulam perspectivas interdisciplinares para desenvolver o objetivo da for-
mação integral do aluno. Assim, os componentes curriculares a serem trabalhados no

61
ensino básico serão abordados de modo contextualizado, de acordo com práticas comu-
nicativas socialmente situadas. É dentro desse arcabouço geral que se devem estruturar
projetos pedagógicos socialmente relevantes para o estudante, sua comunidade e para a
sociedade em que ambos estão inseridos.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Relacionar, com embasamento teórico-prático, os eixos organizadores das


práticas de linguagem aos aspectos produtivos e comunicativos em pauta nas
aulas de Língua Portuguesa no ensino básico.

62
Aspectos da intervenção docente supervi-
sionada em sala de aula: os eixos de Língua
Portuguesa e as diferentes modalidades de
linguagens no contexto das práticas sociais

Neste tópico, será importante aprofundar reflexões abertas pelo conceito de letramento
inserido no contexto da didática do ensino de Língua Portuguesa. Convém, assim, partir
do seguinte princípio: todos os sujeitos inseridos na cultura letrada fazem algum tipo de
uso da leitura e da escrita em suas práticas sociais. Desse modo, as experiências são
variáveis e dificilmente mensuráveis, principalmente porque as condições de acesso a
produções que circulam na sociedade letrada são diversas e desiguais.

Mudanças no cenário social, econômico, político e cultural tendem a influenciar profun-


damente o sistema educacional. Em contrapartida, saberes didático-pedagógicos devem
dialogar com a sociedade em que estão inseridos, de modo a promover valores demo-
cráticos duradouros, para o agenciamento da equidade e das práticas de cidadania. As-
sim, quando se enfatizam habilidades de fala, escrita, escuta e leitura, aponta-se para um
cenário além da técnica (ou seja, além do sistema alfabético e ortográfico, bem como do
ensino da codificação e da decodificação da palavra escrita), pois essas habilidades só
farão sentido quando desenvolvidas com adequação aos diversos contextos comunica-
tivos. Nessa esteira, para Magda Soares:

[…] a insuficiência desses recursos para criar objetivos e procedimentos


de ensino e de aprendizagem que efetivamente ampliassem o significa-
do de alfabetização, alfabetizar, alfabetizado, é que pode justificar o sur-
gimento da palavra letramento, consequência da necessidade de desta-
car e claramente configurar, nomeando-os, comportamentos e práticas
de uso do sistema de escrita, em situações sociais em que a leitura e/ou
a escrita estejam envolvidas. (2017, p. 63)

Inclusive, estudiosos de práticas de letramentos também propõem o uso do plural para


o termo letramento, de modo a enfatizar a ideia de que diferentes tecnologias de escrita
geram diferentes estados ou condições naqueles que fazem uso dessas tecnologias.

63
Assim, quando se exploram diferentes espaços de escrita e diferentes mecanismos de
produção, reprodução e difusão da escrita (e de produções multissemióticas), torna-se
necessário articular um saber didático que lide com essas práticas sociais, muitas vezes
desafiadoras e híbridas (SOARES, 2002).

Nesse sentido, o advento das novas tecnologias de informação e comunicação conduziu


a profundas mudanças nas práticas de letramentos. A cultura do texto impresso é pro-
fundamente divergente da cultura do texto digital:

O segundo é aberto,
O primeiro é mais
pouco controlado, não
estável, homogêneo,
é monumental, é híbrido
acabado, monumental.
e heterogêneo.

Como afirma Magda Soares, retomam-se características da cultura do manuscrito, re-


presentativa de uma fase anterior ao avanço dos impressos, ocorrido essencialmente
após a invenção do processo de produção em massa de tipo móvel, por Johannes Gu-
tenberg (1400-1468), a qual facilitou a avanço de gráficas em diversas partes do mundo.
Observe atentamente o que afirma Magda Soares:

[...] em certos aspectos essenciais, esta nova cultura do texto eletrônico


traz de volta características da cultura do texto manuscrito: como o texto
manuscrito, e ao contrário do texto impresso, também o texto eletrônico
não é estável, não é monumental e é pouco controlado. Não é estável
porque, tal como os copistas e os leitores frequentemente interferiam no
texto, também os leitores de hipertextos podem interferir neles, acres-
centar, alterar, definir seus próprios caminhos de leitura; não é monu-
mental porque, como consequência de sua não estabilidade, o texto ele-
trônico é fugaz, impermanente e mutável; é pouco controlado porque é
grande a liberdade de produção de textos na tela e é quase totalmente
ausente o controle da qualidade e conveniência do que é produzido e
difundido. (2002, p. 153)

64
É interessante observar como a metáfora dos caminhos múltiplos se atualiza de dife-
rentes modos de forma a explicitar a importância de se estabelecerem paradigmas con-
sistentes de divulgação cultural, que se potencializam na era moderna. Nesse sentido, o
professor Moisés de Lemos Martins, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade
da Universidade do Minho, Portugal, afirma que:

[…] ao retomar o imaginário das estrelas, a nova circum-navegação, uma


circum-navegação eletrônica, concretiza o novo paradigma cibercultural,
uma travessia em direção à Nova América de um novo arquivo cultural,
que reativa o antigo, o arcaísmo, enfim, a mitologia, e, ao mesmo tempo,
reconfigura em permanência a comunidade, pelo desejo de ser-com-ou-
tros. (2011-2012, p. 53)

Em sala de aula, ao trabalhar com diferentes eixos de Língua Portuguesa (leitura/escu-


ta, produção textual/semiótica, oralidade e produção linguística/semiótica), o professor
deve estar atento ao fato de que inovação, hibridez e interatividade definitivamente fazem
parte de um repertório cultural que trabalha com textualidades multimodais.

Para intervir em contextos escolares do ensino


básico, considerando-se práticas de múltiplas
linguagens e multiletramentos, primeiramente
é preciso manter aceso o interesse para novas
descobertas nas práticas cotidianas. Portanto,
é relevante afirmar o enorme potencial didáti-
co de obras que lidam com produções simbóli-
cas dos novos tempos. Citamos, por exemplo,
a presença intensa de produções audiovisuais.
O cinema e a TV exercem um grande papel de socialização, com grande potencial para
se inserir no mundo da cultura compartilhada entre sujeitos de diferentes realidades so-
ciais. Como afirma Rosália Duarte:

[…] nesse contexto, ir ao cinema, gostar de determinadas cinematogra-


fias, desenvolver recursos necessários para apreciar os mais diferentes
tipos de filmes etc., longe de ser apenas uma escolha de caráter exclu-
sivamente pessoal, constitui uma prática social importante que atua na
formação das pessoas e contribui para distingui-las socialmente. Em
sociedades audiovisuais como a nossa, o domínio dessa linguagem é
requisito fundamental para se transitar bem pelos mais diferentes cam-
pos sociais. (2009, p. 14)

65
Nesse sentido, pode-se dizer que o cinema é democrático, pois ele pode se expandir
por todas as partes do globo, com a colaboração das redes de produção e distribuição
multimidiáticas. Como ele, também poderíamos mencionar inúmeras outras práticas
sociais que participam ativamente da vida na contemporaneidade, como séries de TV,
performances multimidiáticas em museus e teatros, desfiles de escola de samba, a
música popular brasileira etc. O professor, portanto, deve estar atento para as especifici-
dades da cultura contemporânea, de modo a fazer recortes inovadores e estimular em
seus estudantes o interesse em participar de diferentes portas de entrada para a vida na
sociedade contemporânea.

MIDIATECA

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professor sobre leitura e multimodalidade.

66
Análise e discussão de dados coletados du-
rante as atividades de regência de aulas

Quando a comunidade escolar está envolvida em processos inovadores na área


educacional, é extremamente importante desenharmos métodos que possibilitem
acompanhar a eficácia de estratégias de ensino e aprendizagem assumidos em plena
atividade didática. Assim, é crucial construir uma metodologia sólida para acompanhar a
aplicação de inovações, para defender determinadas práticas, para redesenhar caminhos
e para refazer estratégias, por exemplo.

Para refletir

Como comprovar que filmes podem ser objetos de pesquisa em educação, em


especial em aulas de Língua Portuguesa?

Primeiramente, deve-se realizar uma pesquisa bibliográfica consistente para oferecer


embasamento teórico-metodológico para a intervenção didática que se desenha e que
fornecerá o passo a passo para a regência em sala de aula. O caminho pode ser forne-
cido, em especial, por repositórios institucionais ligados à academia, por meio de biblio-
grafia especializada, rica em conexões com a vida prática. O universo das pesquisas,
entretanto, nunca é fechado, uma vez que faz parte do conhecimento científico estar
sujeito ao diálogo com a comunidade, dentro e fora da academia, e ao constante escru-
tínio por parte de especialistas.

Como exemplo, vejamos o que afirma a autora Rosália Duarte sobre a possibilidade de
se trazer o cinema para a sala de aula, o que seria bastante viável em aulas de Língua
Portuguesa:

[…] para se fazer análise descritiva de filmes é preciso, então, cruzar os dife-
rentes sistemas de significação dos filmes com os elementos de significa-
ção que estão presentes nas culturas em que eles são vistos e produzidos,
ou seja, procura-se identificar e descrever o(s) significado(s) de narrativas
fílmicas no contexto social de que elas participam. Assim, por exemplo,
para analisar a forma como o cinema representa a infância, não basta ter

67
conhecimento da técnica cinematográfica, é preciso ter em mente quais
são as representações de infância que estão presentes nas sociedades e
culturas em que os filmes que abordam esse tema têm repercussão. Aná-
lises desse tipo são sempre parciais e provisórias, pois deixam em aberto
a possibilidade de haver outras interpretações. (2009, p. 87)

Para refletir

Agora façamos outra indagação: como nos certificar de que as perguntas lan-
çadas, os debates produzidos, as estratégias pedagógicas adotadas, as pro-
duções realizadas, as interpretações delineadas e as avaliações desenvolvidas
foram construtivos e intelectualmente estimulantes?

Podemos adotar, por exemplo, as técnicas de pesquisa quantitativa e qualitativa. Vamos


entender melhor a diferença entre essas duas técnicas?

Pesquisa qualitativa

A pesquisa qualitativa é empregada para reunir dados coletados por meio de diários,
questionários, entrevistas e observações, não se baseando, portanto, em dados es-
tatísticos numéricos. Pode ser empregada para investigar motivações, opiniões, ten-
dências, pensamentos, hipóteses, com o objetivo de coletar dados para que a com-
preensão de um fenômeno possa ser enriquecida pela expressão da subjetividade e
da interação entre as pessoas. Não há padrões específicos, de modo que a metodo-
logia oferece abertura e flexibilidade em sua execução. Seus dados podem ser conti-
nuamente revistos.

68
Pesquisa quantitativa

A pesquisa quantitativa, por outro lado, ocorre com base em dados verificáveis por
meio de sistemas numéricos. Parte da premissa de que comportamentos, atitudes,
opiniões e fenômenos sociais podem ser quantificados. As medições devem ser pa-
dronizadas, de modo que os resultados sejam objetivamente explicitados, com a fina-
lidade de generalizar dados sobre populações, comunidades, grupos etc. A coleta é
estruturada, não flexível e detalhada. Os dados coletados são posteriormente analisa-
dos e formulações e conclusões devem ser conduzidas por especialistas no assunto.

Dica

Para mais detalhes sobre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa, reco-


mendamos leituras especializadas sobre metodologia para condução do tra-
balho científico:

CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A.; SILVA, R. Metodologia científica. 6. ed. São Paulo:
Pearson Prentice Hall, 2007. Biblioteca Virtual.

MASCARENHAS, S. A. (Org.). Metodologia científica. São Paulo: Pearson Edu-


cation do Brasil, 2012. Biblioteca Virtual.

Em ambos os casos, equipes devem ser treinadas a fim de se oferecer cientificidade aos
procedimentos adotados. No caso das pesquisas realizadas no âmbito educacional, po-
demos lançar mão das premissas de pesquisas qualitativa e quantitativa, antes e depois
da aplicação de projetos didáticos bem fundamentados. Assim, será possível confirmar
se determinadas estratégias adotadas são viáveis para aquela comunidade educacional,
considerando-se, entre outros elementos, seus recursos materiais e imateriais. A pesqui-
sa no campo da educação certamente é uma aliada aos processos de inovação em sala
de aula, sendo, portanto, fundamental dominar suas técnicas e seus procedimentos.

69
MIDIATECA

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professor sobre pesquisa quantitativa e qualitativa.

70
Articulação dos saberes didático-pedagó-
gicos: os projetos integradores e a interdis-
ciplinaridade

Atualmente, uma das questões mais prementes no âmbito educacional diz respeito à
importância de se estabelecerem elos construtivos entre diferentes disciplinas. Essa
integração pode se dar de inúmeras formas, por exemplo, por meio de projetos que
possibilitem trânsitos consistentes e socialmente relevantes entre literatura, língua
portuguesa e artes; literatura, língua portuguesa e história; literatura, língua portuguesa e
ciências, e por aí vai. Para tanto, é preciso, segundo Morin (2007), alterar a lógica clássica
que escora o paradigma científico, sustentando ordem, separabilidade e lógica em busca
de sistemas que reagrupem disciplinas e estabeleçam complexas interações e inter-
relações. Assim, abrem-se os caminhos para explorar processos interdisciplinares (entre
disciplinas), multidisciplinares (com várias disciplinas) e transdisciplinares (para além das
tradicionais disciplinas do conhecimento, em busca de uma educação integral).

Pensemos objetivamente como conhecimentos específicos de Língua Portuguesa podem


ser reorganizados em busca de uma dinâmica afinada com princípios metodológicos
hoje aceitos em ambientes educacionais progressistas. Nesse sentido, a Literatura,
sobretudo no contexto das práticas de multiletramentos em ambientes de escolarização,
fornece perspectivas ricas de aprendizagem, que inclusive possibilitam articular objetos
do conhecimento que circulam em diferentes disciplinas. Como sugere o estudioso das
tecnologias educacionais José Morán (2015), as mudanças são inevitáveis, podendo
seguir um caminho mais suave, com integração de diferentes disciplinas por meio de
projetos; ou um caminho mais profundo, disruptivo, inovador, quando as escolas aderem
a modelos sem disciplinas, com estudantes dialogando intensamente com professores
orientadores. Assim, é importante, antes de tudo, ter consciência acerca do modelo que
se quer aplicar, com planejamento consistente e envolvimento da comunidade escolar:

[…] as instituições educacionais atentas às mudanças escolhem funda-


mentalmente dois caminhos, um mais suave — mudanças progressivas
— e outro mais amplo, com mudanças profundas. No caminho mais
suave, elas mantêm o modelo curricular predominante — disciplinar —,
mas priorizam o envolvimento maior do aluno, com metodologias ativas
como o ensino por projetos de forma mais interdisciplinar, o ensino hí-
brido ou blended e a sala de aula invertida. Outras instituições propõem

71
modelos mais inovadores, disruptivos, sem disciplinas, que redesenham
o projeto, os espaços físicos, as metodologias, baseadas em atividades,
desafios, problemas, jogos e onde cada aluno aprende no seu próprio rit-
mo e necessidade e também aprende com os outros em grupos e proje-
tos, com supervisão de professores orientadores. (MORÁN, 2015, p. 15)

O universo de metodologias inovadoras é grande e hoje encontra respaldo acadêmico


sólido. Sustenta-se em torno de premissas fortes, como a importância da mediação dia-
logada do professor-orientador; a promoção de uma educação mais horizontalizada, no
lugar de uma relação verticalizada; o desenvolvimento da autonomia e do protagonismo
do estudante; a implementação de uma cultura híbrida de aprendizagem, em que os pró-
prios estudantes estejam mais conectados, ativos e empaticamente participativos.

O professor, nesse sentido, é um elo fundamental para identificar problemas e conduzir


soluções criativas, de modo a desenvolver um aprendizado duradouro e que se expanda
para além muros. Portanto, como afirma Fernanda Schneider:

[…] para que o professor consiga fazer esse papel de monitoramento, é


preciso que ele reconheça as formas de aprendizagem dos alunos e os
meios para ensiná-los. Isso não é uma tarefa difícil, porque nas salas
de aula, de modo geral, as dificuldades se repetem – bem como a for-
ma de resolvê-las, no sentido de se criarem meios e tarefas adequadas
aos estudantes, oferecendo-lhes a oportunidade de reconhecer como
aprendem. Não é difícil encontrarmos alunos com dificuldades de leitu-
ra, outros que aprendem ou fazem exercícios mais rapidamente, alguns
que precisam de repetição de tarefas, que precisam fazer anotações,
que precisam ler várias vezes, que têm baixo nível de concentração. O
importante é variar as atividades e os níveis de dificuldade, cabendo ao
professor propor tarefas que tenham o objetivo de contribuir para o cres-
cimento do estudante. (2015, p. 73)

72
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professor sobre interdisciplinaridade e transversalidade.

Para refletir

Nesse sentido, pode-se perguntar: é possível trabalhar com modelos inovado-


res em aulas de Língua Portuguesa? De que modo? Quais são as possíveis es-
tratégias? Como as novas tecnologias podem fazer parte dos ambientes de
escolarização?

Os caminhos são vários, mas é importante partir sempre da percepção de que não se
deve ter receio de errar. Assim, o conhecimento literário, por exemplo, pode ganhar rele-
vância dentro de uma comunidade de leitores porque foi vivenciado de inúmeros modos,
sempre com o respaldo de uma orientação didática fortemente comprometida com a
descentralização, a mediação empática e a postura colaborativa. Como afirma Marcelo
Ganzela (2018):

[…] as experiências com tecnologias nas aulas de literatura só apresen-


taram resultados positivos porque vieram acompanhadas de uma nova
postura metodológica do docente: mais descentralizada, com foco no
aprendiz, mais dialógica e com menor receio de errar. Tentamos com-
preender as propostas de uma educação híbrida e, a partir de nossas
concepções de educação, experimentamos estratégias que buscassem
uma postura inovadora na formação de professores, sem perdermos
nossa identidade de uma educação progressista, crítica e que fizesse
sentido para nossos alunos. Nossos alunos têm proposto sugestões
bastante interessantes de atuação no campo educacional: saraus em
espaços públicos, intervenções artísticas nas ruas, criação e gerencia-
mento de grupos virtuais de discussões sobre literatura, língua, socie-
dade e educação etc. Todas essas são ideias que têm partido dos es-

73
tudantes de licenciatura em letras e que têm sido gerenciadas por eles
próprios. Nossa hipótese é de que, sem o uso de metodologias ativas,
muitas dessas ideias levariam mais tempo para surgir entre eles (visto
que elas surgem mesmo entre os estudantes do primeiro ano do curso).

MIDIATECA

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professor sobre transversalidade.

NA PRÁTICA

Na prática, espera-se que o futuro professor de Língua Portuguesa esteja preparado


para lidar com a realidade educacional em permanente transformação, instigando
em seus alunos curiosidade, empatia, diálogo permanente, postura colaborativa
e abertura para compreender a dinâmica multicultural de nossa sociedade, entre
outros elementos.

Nesse sentido, é importante que o futuro professor esteja preparado para buscar a
inovação em sala de aula, de modo a construir um espaço de ensino-aprendizagem
favorável às trocas produtivas e criativas. Leia-se, a seguir, excerto de matéria
da revista Nova Escola comentando como habilidades socioemocionais podem
ser exploradas em aulas de Língua Portuguesa, com atividades voltadas para a
educação literária:

Professora e pós-doutora em Artes pela Universidade de


Campinas (Unicamp), Fernanda Maria Macahiba Massagar-
di acredita que ensinar não é simplesmente determinar, in-
formar e deixar as crianças ansiosas com “uma quantidade
desumana de conteúdo sem sentido”, mas sim mediar, levar
o aluno a pensar e agir a partir de reflexões individuais e co-

74
letivas. Ela sustenta que, além de possibilitar a imersão em
um mundo de sensibilidades, a educação literária contribui
para o desenvolvimento cognitivo e afetivo, na medida em
que proporciona a formação de um sujeito crítico, que não
apenas decodifica, mas interpreta e recria situações. (CECÍ-
LIO, 2019)

Assim, para compor a interligação de diferentes disciplinas, podemos ensinar


habilidades socioemocionais aos alunos, em diferentes fases, do ensino infantil
ao ensino médio (BRASIL, 2018). A BNCC oferece portas de entrada consistentes
para que a Literatura, sobretudo no contexto das práticas de multiletramentos em
ambientes de escolarização, sirva de base para atividades ricas de aprendizagem,
as quais, inclusive, possibilitam articular objetos do conhecimento que circulam em
diferentes disciplinas.

Outra porta de entrada conceitual para o desenvolvimento da relação convergente


entre diferentes disciplinas seriam os projetos interdisciplinares, multidisciplinares e
transdisciplinares. Para sua realização, as metodologias ativas da área educacional
podem colaborar enormemente, sobretudo quando se busca conciliar modelos
educacionais pautados pela tradição, com inovação.

Como sugere o estudioso das tecnologias educacionais José Morán (2015), as


mudanças são inevitáveis, podendo seguir um caminho mais suave, com integração
de diferentes disciplinas por meio de projetos; ou um caminho mais profundo,
disruptivo, inovador, quando as escolas aderem a modelos sem disciplinas, com
estudantes dialogando intensamente, com a mediação de professores orientadores.

Nesse sentido, é importante sempre enfatizar que o trabalho do professor segue


as diretrizes do PPP da escola, que define a identidade e um conjunto orientador de
princípios e normas que serão desenvolvidos no cotidiano da instituição, na práxis
pedagógica propriamente dita.

75
Resumo da Unidade 3

Nesta unidade, o objetivo principal foi estimular o estudante e futuro professor de Língua
Portuguesa a relacionar, com embasamento teórico-prático, os eixos organizadores das
práticas de linguagem e os aspectos produtivos e comunicativos em pauta para as aulas
de Língua Portuguesa no ensino básico. Trabalhamos, para tanto, com perspectivas
abertas por estudos acerca das práticas de letramentos e pelo emprego de metodologias
ativas. Apresentamos, no horizonte de possibilidades, estímulos para o estabelecimento
de trânsitos disciplinares ligados à inovação, como a aproximação entre texto verbal e
multimodal em produções audiovisuais, em contínua expansão na era contemporânea,
no Brasil e no mundo.

CONCEITO

Nesta unidade, destacaram-se os conceitos de:

• Multimodalidade no ensino de Língua Portuguesa.


• Multiletramentos.
• Regência de aulas.
• Projetos integradores em perspectiva interdisciplinar.

76
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79
UNIDADE 4

Perspectivas inovadoras
na contemporaneidade:
desenvolvendo competências
cognitivas e competências
socioemocionais no ensino de
Língua Portuguesa
INTRODUÇÃO

A unidade que agora apresentamos tem como objetivo estimular o futuro professor
de Língua Portuguesa a consolidar seu conhecimento sobre práticas inovadoras no
campo educacional, de modo a colocar em foco conceitos e procedimentos que
promovam a educação integral. Essas premissas estão presentes no desenvolvimento
de competências que têm direcionado a construção de currículos em diversos países do
mundo, como Portugal, Estados Unidos e Chile, entre outros. Além disso, o aprendizado
por competências orienta a produção de avaliações internacionais, como as realizadas
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (que
implementa o Programa Internacional de Avaliação de Alunos – Pisa) e pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco (que instituiu o
órgão Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação – LLECE).

Trilhando o caminho aberto por experiências bem-sucedidas em busca da equidade


no âmbito educacional, a nova BNCC (BRASIL, 2018) estabelece como foco o ensino
por competências, o que demanda uma construção de conteúdos ligados a questões
prementes na sociedade, tanto em nível comunitário e nacional quanto em nível global.
Nesse sentido, o conceito de “competência” se ancora na “mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes
e valores”, segundo a BNCC (BRASIL, 2018, p. 8), “para resolver demandas complexas da
vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. Ao definir essas
competências, a BNCC reverbera a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável
da Organização das Nações Unidas, que coloca que a “educação deve afirmar valores e
estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade, tornando-a mais
humana, socialmente justa e, também, voltada para a preservação da natureza” (apud
BRASIL, 2018, p. 8).

Essas premissas estarão presentes nos tópicos desta unidade, os quais discorrerão sobre
aspectos formativos e procedimentais do ensino por competências; sobre diálogo ativo
que se estabelece com uma sociedade do século XXI, orientado por princípios como o
respeito à diversidade; pelo uso responsável das tecnologias digitais; pela necessidade
de se lidar produtiva e criativamente com discursos moventes e híbridos; e, por fim, para

81
conduzir avaliações que estejam em consonância com as condições de aprendizagem
de grupos e comunidades de aprendizagem, entre outros importantes elementos.

Chegamos ao fim deste percurso esperando que todos estejam cada vez mais envolvidos
no processo de transformação educacional de nosso país! Bons estudos!

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Conduzir práticas inovadoras, de modo a desenvolver a educação integral, prepa-


rando o futuro egresso de licenciatura em Letras para reger aulas na Escola Bási-
ca e para enfrentar os desafios da sociedade da informação e comunicação, com
atenção especial a possíveis estratégias para relacionar competências cognitivas
e socioemocionais.

82
Reflexão sobre as práticas sociais inseridas
na sociedade da informação e comunica-
ção: a aprendizagem ativa para o desenvol-
vimento da educação no século XXI

Quando falamos em aprendizagem ativa no contexto da educação integral, há importan-


tes precursores no Brasil e no mundo que oferecem respaldo para práticas pedagógicas
comprometidas com a elevação das potencialidades humanas para todos, com equida-
de. Segundo o pesquisador Moacir Gadotti:

A educação integral, para Aristóteles, era a educação que desabrochava


todas as potencialidades humanas. O ser humano é um ser de múltiplas
dimensões que se desenvolvem ao longo de toda a vida. Educadores
europeus como o suíço Édouard Claparède (1873-1940), mestre de Jean
Piaget (1896-1980), e o francês Célestin Freinet (1896-1966) defendiam
a necessidade de uma educação integral ao longo de toda a vida. No
Brasil, destaca-se a visão integral da educação defendida pelo educador
Paulo Freire (1921-1997), uma visão popular e transformadora, associa-
da à escola cidadã e à cidade educadora. (GADOTTI, 2009, p. 21)

Percebemos, desse modo, que é incontornável o pensamento de Paulo Freire. Na obra


fundamental Pedagogia da Autonomia (1996), Freire defende a concepção de uma edu-
cação problematizadora, crítica, reflexiva, vigilante, que saiba dialogar, sempre pronta a
ouvir e a se redimensionar. Em linha semelhante, nos últimos anos, vem tomando corpo
um conjunto de discussões que buscam transformar a educação de modo a assumir o
sujeito como produtor do saber, em interação constante com o educador e com o mundo
que o cerca.

83
Deverá, então, fazer parte da formação dos alunos de licenciatura (e futuros profissionais
da educação) o preparo constante e contínuo visando à transformação da educação,
plenamente inserida na dinâmica híbrida, móvel, ubíqua e desafiadora do século XXI,
como bem coloca a BNCC (BRASIL, 2018). Um dos pontos centrais das discussões
hodiernas, portanto, demanda posicionar nossos estudantes da rede básica de ensino
como construtores (e não consumidores acríticos) do conhecimento, preparados para
desenvolver práticas sociais complexas e inovadoras, em busca de lutar contra as
desigualdades sociais e pela inserção produtiva, criadora e responsável nas complexas
malhas discursivas que caracterizam a Sociedade da Informação e Comunicação.

Nesse contexto, o estudioso suíço do ensino por competências Philippe Perrenoud, em


seu livro 10 competências para ensinar: um convite à viagem (2014), defende uma série
de premissas básicas para promover a educação integral, tais como: organizar e dirigir
situações de aprendizagem; administrar a progressão das aprendizagens; conceber e
fazer evoluir dispositivos de diferenciação; envolver os alunos em suas aprendizagens e
em seu trabalho; trabalhar em equipe; participar da administração da escola; informar e
envolver os pais; utilizar novas tecnologias; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da
profissão; administrar sua própria formação contínua (PERRENOUD, 2014). É interessante
destacar que, para Perrenoud, é fundamental desenvolver uma pedagogia comprometida
com a aprendizagem de todos, de modo a não deixar ninguém em defasagem e, assim,
reduzir as desigualdades, o que necessariamente implica compreender o contexto
sociocultural de cada estudante da rede básica de ensino, pública e particular. Além disso,
as tecnologias devem ser empregadas de modo a ampliar o escopo dessa pedagogia
diferenciada, que resgata o ser em sua singularidade e complexidade. Sobre as novas
tecnologias, elas passam a ser centrais nos ambientes de aprendizagem. Sua presença
deve, então, ampliar as potencialidades didáticas com o uso de ferramentas multimídia
de modo inserido no cotidiano, como parte de uma ampla e comprometida cultura
tecnológica (ver PERRENOUD, 2014).

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professor sobre educação.

Torna-se crucial, portanto, avaliar constantemente o alcance das metodologias


empregadas pelo professor em sala de aula. Conhecer projetos inovadores torna-se,
então, central, de modo a ampliar as experiências positivas para um maior número de
pessoas, considerando o universo de suas práticas sociais. Estudos quantitativos e
qualitativos comprometidos com a disseminação de boas práticas são, por exemplo, um
caminho necessário para compreender a dinâmica de uma comunidade de aprendizagem
verdadeiramente comprometida com as premissas do ensino por competências (sobre
a importância de estudos quantitativos na área educacional, cf. GATTI, 2004). Inclusive,
tanto a concepção quanto a aplicação e avaliação de projetos didáticos são também
centrais para compreender como se dá o entrelaçamento de perspectivas que colocam
lado a lado a multiplicidade cultural de grupos sociais e a multiplicidade semiótica dos
textos, com ênfase nos gêneros produzidos na era digital, como encontramos em:
Marcuschi e Xavier (2005) e Rojo (2009).

Ainda nesse sentido, segundo os pesquisadores das práticas de letramento digital Gavin
Dudeney, Nicky Hockly e Mark Pegrum, deve fazer parte intrínseca de nossa prática
observar, refletir, agir, avaliar, modificar e tomar novas direções:

[...] precisamos formular uma questão ou problema relacionados a nos-


so ensino ou à aprendizagem de nossos alunos; revisar a literatura e
juntar ideias relevantes para a questão ou problema; tomar uma atitude
voltada para a melhoria de nosso ensino ou da aprendizagem de nossos
alunos; avaliar a eficiência da ação coletando dados (mediante observa-
ções, pesquisas, entrevistas ou avaliações); desenvolver um plano que
pode envolver ampliação ou modificação da ação inicial (e que também
pode levar a um novo ciclo de pesquisa); disseminar os resultados. (DU-
DENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016, p. 320-321)

85
No campo de estudos da linguagem, o desenvolvimento das práticas de letramento
igualmente deve se orientar por um processo permanente de avaliação da formação
em serviço no interior das escolas. Assim, na perspectiva dos letramentos e dos
multiletramentos, devemos continuar a aprender considerando o contexto sociocultural
e as novas tecnologias. O professor deve conduzir a “pesquisa para a prática (reflexiva)”
e deve retornar à “pesquisa (ação), incluindo a disseminação de novos entendimentos”
(DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016, p. 320). Assim, tanto o sujeito da aprendizagem
quanto a própria sociedade se beneficiarão (por estarem correlacionados de modo
intrínseco) do ensino integral, de modo a associar os campos sociais, econômicos,
culturais, políticos e artísticos à dinâmica desenvolvida na própria rede escolar.

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professor sobre metodologias ativas e a educação a distância.

86
Produções discursivas na contemporanei-
dade: hibridismos, fronteiras e tecnologias
digitais

As formações discursivas contemporâneas devem estar presentes, de modo constante,


no campo da reflexão e da ação nas escolas da rede básica de ensino. Os professores,
desse modo, precisam solidificar os conceitos que se referem às práticas inseridas na
contemporaneidade, sobretudo os gêneros digitais, caracterizados pelos hibridismos e
pelas fronteiras móveis.

As premissas adotadas por Mikhail Bakhtin (2003) sobre os gêneros discursivos abrem
um potencial grande para compreender a constante renovação de formas, estilos e es-
truturas composicionais, inserindo os gêneros emergentes nas práticas cotidianas. Vale
a pena refletir, aliás, sobre as mudanças implicadas pelo conceito “gênero textual” no
ambiente das novas tecnologias digitais. Segundo Lemke, é necessário:

[...] compreender o quão estreita e restritiva foi, no passado, nos-


sa tradição de educação letrada para que possamos ver o quan-
to a mais do que estamos dando hoje os estudantes precisarão
no futuro. Nós não ensinamos os alunos a integrar nem mesmo
desenhos e diagramas à sua escrita, quanto menos imagens fo-
tográficas de arquivos, videoclipes, efeitos sonoros, voz em áu-
dio, música, animação, ou representações mais especializadas
(fórmulas matemáticas, gráficos e tabelas etc.). (LEMKE, 2010)

Assim, dispositivos móveis – como computadores, tablets, celulares, smartphones,


smartTVs etc. – tornam-se centrais para redimensionar novas práticas, e não mera-
mente ferramentas para facilitar tradicionais metodologias de ensino. Com eles, os
estudantes podem se inserir em produção ativa de gêneros digitais, desenvolvendo
práticas de letramento que lidam com a cultura multimidiática central na Sociedade da
Informação e Comunicação.

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professor sobre metodologias ativas.

Para tanto, o ensino por competências desempenha uma função de extrema relevância
ao enfatizar o protagonismo e a centralidade dos estudantes. Os professores, como
mediadores do processo de ensino e aprendizagem, bem formados e preparados, serão
verdadeiramente estimuladores se adotarem as metodologias ativas em sala de aula.
Assim, o estudante estará cada vez mais preparado para aprender a aprender e a aprender
com o outro, desenvolvendo parcerias múltiplas. Observe-se o que afirma Berbel:

Parece-nos que esses comportamentos de professores seriam os reque-


ridos daqueles que buscam conduzir a formação de futuros profissio-
nais nas mais diversas áreas, e que pode ser estimulada por meio de
metodologias ativas. A implementação dessas metodologias pode vir a
favorecer uma motivação autônoma quando incluir o fortalecimento da
percepção do aluno de ser origem da própria ação, ao serem apresenta-
das oportunidades de problematização de situações envolvidas na pro-
gramação escolar, de escolha de aspectos dos conteúdos de estudo, de
caminhos possíveis para o desenvolvimento de respostas ou soluções
para os problemas que se apresentam alternativas criativas para a con-
clusão do estudo ou da pesquisa, entre outras possibilidades. (BERBEL,
2011, p. 28)

Portanto, a educação integral deve estar em perfeita consonância com uma educação
que se compromete com o desenvolvimento da equidade. Deve-se, entretanto, enfatizar
que a Sociedade da Informação e Comunicação precisa estar acessível a todos, e não a
somente poucos, se quisermos atingir um patamar educacional transformador. Segundo
Moacir Gadotti (que se dedicou ativamente ao tema das políticas públicas voltadas para
a educação em tempo integral nas redes públicas), a sociedade aprendente desenvolveu

88
múltiplos espaços de aprendizagem e comunidades de aprendizagem, sendo, portanto,
esperado que vivenciemos essa dinâmica singular:

[...] Além da escola, também a empresa, o espaço domiciliar e o espaço


social são considerados espaços educativos. Cada dia mais pessoas es-
tudam em casa, pois podem, de lá, acessar o ciberespaço da formação
e da aprendizagem a distância, buscar “fora” — a informação disponí-
vel nas redes de computadores interligados — serviços que respondem
às suas demandas de conhecimento. Por outro lado, a sociedade civil
(ONGs, Oscips, associações civis, movimentos sociais, sindicatos, igre-
jas...) está se fortalecendo, não apenas como espaço de trabalho, mas
também como espaço de difusão e de construção de conhecimentos.
(GADOTTI, 2009, p. 31)

Hoje o debate educacional no mun-


do leva esse processo amplo – das
inúmeras práticas sociais, desenvol-
vidas em múltiplas instâncias – em
consideração para redesenhar o en-
sino não só dentro de fronteiras na-
cionais, mas no mundo. E, no intuito
de promover boas práticas inclusivas
tanto do ponto de vista digital quanto
social, vale conhecer profundamente as pesquisas em metodologias ativas, buscando
traçar paralelos com competências específicas esperadas para o ensino de Língua Por-
tuguesa nas redes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Recomendamos, para
tanto, conhecer pesquisas inovadoras com curiosidade e abertura para o novo, como em:
Berbel (2011); Cope e Kalantzis (2015); Mattar e Fonseca (2017); Bacich e Moran (2018),
entre outros.

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professor sobre questões acerca de letramento metamidiático.

89
Como conduzir a avaliação da aprendiza-
gem em Língua Portuguesa no contexto da
formação integral

A avaliação da aprendizagem em Língua Portuguesa deverá, no contexto da vigência


da nova BNCC (BRASIL, 2018), estar em consonância com conceitos como “avaliação
formativa” e “avaliação processual”, tanto no Ensino Fundamental II quanto no Ensino
Médio. Vale dizer também que os princípios orientadores da Lei de Diretrizes e Bases
Educacionais – LDB (1996) e das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
– DCNs (2013) já previam o desenvolvimento da educação integral, em suas dimensões
intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica, de modo que nenhum desses
elementos deva ser preterido em função de outros, por exemplo, aqueles que enfatizam
a cognição.

A avaliação, desse modo, deve ser compreendida como parte de processo dialógico. O
dialogismo e a contextualização,presentes na avaliação processual, vão ao encontro
de teorias da linguagem desenvolvidas por Mikhail Bakhtin (2003) e ao pensamento de
Paulo Freire, que pauta a educação como um processo contínuo, ligado à troca dialógica
permanente entre professores e estudantes, ao cotidiano e à cidadania (cf. FREIRE, 1987;
FREIRE, 1996). Nesse sentido, há uma ênfaseno fato de que a memorização e a mera re-
produção não podem ocupar o centro do processo avaliativo, em perspectiva somativa.
A avaliação somativa, fortemente discutida por estudiosos da educação hoje, pauta-
-se por eventos pontuais, com base sequencial, somatória e cumulativa, a fim de colher
evidências para verificação, classificação, posicionamento, informação e certificação. O
pensamento de Paulo Freire procurou combater essa perspectiva em favor das práticas
de cidadania e inclusão social.

90
Por seu turno, a avaliação processual ou contínua procura compor um leque de
experiências e registros que possam oferecer informações sobre a aprendizagem do
educando em perspectiva integral. Assim, os professores também se tornam parte do
processo, de modo a poder reavaliar constantemente sua própria prática. Nesse sentido,
a avaliação processual ou formativa torna-se uma fonte valiosa de informação para lidar
com a realidade escolar de modo ativo e participativo. Os princípios que devem nortear
uma educação pautada, por exemplo, na educação inclusiva oferecem solidez para um
paradigma de avaliação de aprendizagem que privilegie os seguintes princípios:

(a) a avaliação é um processo compartilhado, a ser desenvolvido, pre-


ferencialmente, na escola, envolvendo os agentes educacionais. Tem
como finalidade conhecer para intervir, de modo preventivo e/ou reme-
diativo, sobre as variáveis identificadas como barreiras para a aprendiza-
gem e para a participação, contribuindo para o desenvolvimento global
do aluno e para o aprimoramento das instituições de ensino;
(b) a avaliação constitui-se em processo contínuo e permanente de análi-
se das variáveis que interferem no processo de ensino e de aprendizagem,
objetivando identificar potencialidades e necessidades educacionais dos
alunos e das condições da escola e da família. (BRASIL, 2006, p. 9)

Observe-se que há uma ênfase substancial na inclusão de toda a comunidade escolar, a


fim de promover a aprendizagem sobretudo para aqueles estudantes com maiores difi-
culdades. Os resultados das análises devem ser integrados a fim de compreender como
o sujeito aprende (e se aprendeu) em perspectiva dialógica, contextualizada e integradora.

Por fim, a centralidade da formação integral prevista na educação por competências, que
prevê a avaliação formativa, afina-se a esse debate para o desenvolvimento dos seres
humanos em uma dinâmica que seja inclusiva, que acolha a diversidade e a singularidade,
que estimule o convívio e a troca no interior de comunidades de aprendizagem. Entretanto,
dá ênfase às competências previamente estabelecidas, de modo a envolver toda a rede
de ensino em um processo comprometido com a aprendizagem ativa. Leia-se, a seguir, o
que, a propósito, afirma a BNCC sobre a importância da avaliação formativa, no contexto
da ênfase na necessidade de elaborar currículos com o envolvimento e a participação
das famílias e da comunidade. Dentre oito ações especificadas, a quinta ação implica:

[...] construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de pro-


cesso ou de resultado que levem em conta os contextos e as condi-
ções de aprendizagem, tomando tais registros como referência para

91
melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos.
(BRASIL, 2018, p.17)

A avaliação formativa deixa evidente que é preciso contextualizar a aprendizagem dos


estudantes, materializando-se a partir de vivências reais, em práticas pedagógicas
fundamentadas na investigação permanente, que têm por objetivo regular o processo de
ensino e aprendizagem pautado por princípios construtivistas, cognitivistas, interacionistas,
sociocognitivistas e socioculturais, com destaque – no ensino de Língua Portuguesa em
especial – para as práticas de letramento e de multiletramentos, compreendidas a partir
de práticas sociais vividas no cotidiano escolar e na sociedade como um todo, em suas
múltiplas dimensões – econômicas, políticas, artísticas, culturais etc.

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professor sobre avaliação formativa.

Nesse sentido, recomendamos fortemente buscar informações sobre teorias da avaliação


formativa a fim de subsidiar práticas de avaliação que incluam investigação empírica
e construção teórica. Domingos Fernandes, da Universidade de Lisboa (Portugal), é
claro em pautar a urgência do debate, envolvendo alunos e professores nos processos
de ensino, aprendizagem e avaliação. Para ele, é importante designar instrumentos de
avaliação por um portfólio de trabalhos produzidos pelos alunos, que possam oferecer
uma narrativa das trajetórias de aprendizagem, visto que:

Na verdade, a designação instrumento de avaliação está associada ao


movimento taylorista da gestão científica das escolas do século XIX;
ou seja, a um contexto em que predominava uma racionalidade téc-
nica em que avaliar e medir eram sinónimos. Consequentemente, um
instrumento de avaliação media exactamente as aprendizagens dos
alunos, tal como um metro media exactamente o comprimento de um
segmento de recta, ou um termómetro media exactamente a tempera-
tura do corpo de um paciente. Julgo que designações tais como tarefa

92
de avaliação, método de avaliação ou mesmo estratégia de avaliação
poderão, na maioria dos casos, ser mais congruentes com a concep-
ção emergente de avaliação formativa. (FERNANDES, 2006, p. 40)

Por fim, é possível observar que o desenho de currículos segundo a perspectiva do ensino
por competências se beneficia da avaliação na perspectiva formativa. Para Perrenoud, a
avaliação formativa é uma grande aliada na luta contra as desigualdades e os fracassos
escolares – temas, aliás, muito debatidos no Brasil e na América Latina, que continuam
a desafiar profissionais da educação e de políticas públicas. O autor também destaca
que não se deve abrir mão da correção, pois ela informa os pais e a comunidade escolar
sobre a aprendizagem dos alunos. Os dados fornecem subsídios consistentes para,
então, praticar uma pedagogia e uma didática comprometida com a aprendizagem de
sujeitos singulares, não padronizados, que possam mergulhar no saber para atingir seu
máximo potencial (Cf. PERRENOUD, 2015, p. 15-27).

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professor sobre as diferenças entre avaliações formativas e somativas.

93
NA PRÁTICA

Na prática, o futuro professor de Língua Portuguesa deverá estar apto para investir
em contextos escolares do Ensino Básico em aulas de Língua Portuguesa, com bom
embasamento teórico-prático. Inclusive, deverá estar preparado para compreender
a nova dinâmica comunicacional, que aponta para o uso recorrente de novas
tecnologias no âmbito educacional e práticas de linguagem multimodais.

Seguindo os ensinamentos de Paulo Freire na área educacional, devemos buscar, em


nosso campo de atuação, rigor metódico, pesquisa, criticidade, reflexão crítica sobre
a prática, consciência do inacabamento, curiosidade, tomada consciente de decisões
e disponibilidade para o diálogo, entre outros elementos (Cf. FREIRE, 1996). Quando
falamos da importância de empreender inovação na sala de aula, mais uma vez o
autor é preciso em destacar a importância do engajamento constante na sociedade
em que se está inserido. Nesse sentido, é o engajamento que implica consciência
crítica, responsabilidade e conexão constante, uma espécie de vida comunitária em
permanente processo de amadurecimento:

[...] O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade


curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dia-
leticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de
quem constata o que ocorre mas também o de quem inter-
vém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da
História, da cultura, da política, constato não para me adap-
tar mas para mudar. No próprio mundo físico minha consta-
tação não me leva à impotência. O conhecimento sobre os
terremotos desenvolveu toda uma engenharia que nos ajuda
a sobreviver a eles. Não podemos eliminá-los mas podemos
diminuir os danos que nos causam. Constatando, nos torna-
mos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavel-
mente mais complexa e geradora de novos saberes do que
simplesmente a de nos adaptar a ela. É por isso também que
não me parece possível nem aceitável a posição ingênua ou,
pior, astutamente neutra de quem estuda, seja físico, o biólo-
go, o sociólogo, o matemático, ou o pensador da educação.
Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os ou-

94
tros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas
mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas
caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, inter-
venção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistente-
mente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade
de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente
como se misteriosamente de repente nada tivéssemos que
ver com o mundo, um lá fora e distante mundo, alheado de
nós e nós dele. (FREIRE, 1996, p. 30-33)

Ao aplicarem-se atividades didáticas inovadoras em aulas de Língua Portuguesa,


deve-se ter mente que o português será praticado, com o uso de ferramentas
tecnológicas, não para que tudo continue como está, mas, sim, para que o mundo
se transforme, para que os sujeitos dominem as tecnologias para transformar
positivamente o mundo, em busca da promoção da empatia, da diversidade, da
multiplicidade de saberes e práticas, do diálogo responsivo e ativo (BAKHTIN, 2003).
Ainda mais, como bem afirma Lúcia Santaella, há um potencial construtivo aberto
pelas novas tecnologias, de modo que precisamos saber urgentemente como lidar
com ela:

Portanto, alimentar pensamentos capazes de descobrir o que


a realidade, por mais nefasta que pareça, também apresenta
de positivo e promissor é uma mnaeira de agir no mundo de
modo a contribuir para que seu lado razoável cresça e preva-
leça. (SANTAELLA, 2013, p. 22)

Desse modo, o futuro professor de Língua Portuguesa deve se engajar para


compreender as mudanças que ocorrem na sociedade, pesquisar e buscar conhecer
a complexidade dos fenômenos a seu redor, articulando teoria e práxis de modo
permanente. Deve analisar criticamente as relações complexas entre todos os sujeitos
interagentes envolvidos no complexo processo, da comunidade escolar à comunidade
em que a escola está inserida, com sua realidade diversificada. É nesse contexto que
serão empregadas as novas tecnologias e as práticas comprovadamente inovadoras,
como meio para desenvolver a aprendizagem ativa, dialogada, participativa e
eticamente responsável.

95
Resumo da Unidade 4

A unidade procurou apresentar e discutir conteúdos e processos interativos que dialo-


gam com metodologias inovadoras no campo educacional, destacando que o futuro pro-
fessor de Língua Portuguesa e suas Literaturas deverá estar preparado para enfrentar os
desafios da Sociedade da informação e Comunicação. Assim sendo, a tecnologia deve
ser explorada no contexto em que os sujeitos interagentes desenvolvem, conjuntamente,
competências cognitivas e socioemocionais, de modo a estar cada vez mais preparados
para agir com protagonismo e criticidade na sociedade do século XXI.

As novas tecnologias devem ser desenvolvidas no ambiente educacional de modo


a promover a educação integral, atuando para colocar o estudante como foco da
aprendizagem ativa, de forma a abranger projeto de vida e aspectos intelectuais,
culturais, sociais, emocionais e físicos. O estudante, para posicionar-se no centro do
processo educacional, deve estar preparado para lidar com as novas tecnologias, a fim
de desenvolver autonomia e engajamento, resolver demandas cotidianas complexas,
tomar decisões, inserir-se em meios produtivos e exercer a cidadania.

CONCEITO

Nesta unidade, destacaram-se os conceitos de:

• Atividades de regência de aulas de Língua Portuguesa.


• Ensino básico: ensino fundamental II.
• Ensino básico: ensino médio.
• Metodologias ativas de ensino-aprendizagem.
• Inovação em sala de aula.

96
Referências

ALVES FILHO, F.; SANTOS, L. W.; RAMOS, P. Gêneros digitais: muito além do hipertexto.
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