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Cadernos PDE
I
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
2016
1. IDENTIFICAÇÃO
RESUMO
O presente trabalho apresenta os resultados da intervenção realizada com alunos do 8º ano do Colégio
Estadual Almirante Barroso – Ensino Fundamental e Médio. O tema central é o trabalho com a leitura
e a escrita para articulação de novas ideias. Com o intuito de encaminhar os alunos à construção de seu
processo de escrita e ao desenvolvimento da compreensão do que leem, apresentamos práticas
pedagógicas que utilizavam os gêneros textuais, em especial a crônica. Na tentativa de aproximar os
alunos da leitura e fazê-los ter o hábito e o gosto por esta, trabalhamos crônicas, vídeos e tiras com
ênfase nos elementos humorísticos. As crônicas são de autoria de Luís Fernando Veríssimo, mestre de
expressões irônicas que fazem com que o leitor se delicie com sua literatura descontraída e ainda
reflita sobre problemas da atualidade. Para efetivar as ações foram realizadas sete oficinas utilizando
crônicas de Veríssimo e a Carta em que o escrivão Pero Vaz de Caminha descreve a chegada dos
portugueses ao Brasil com estratégias que foram norteadas pela concepção de linguagem como forma
de interação, de modo a ensinar a língua oral e escrita padrão partindo de situações de comunicação
reais e próximas do cotidiano do aluno. As atividades produzidas tiveram a finalidade de propiciar aos
alunos a participação em diferentes práticas sociais, utilizando-se da oralidade, da leitura e da escrita
atendendo ao que é solicitado nas Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do Estado do Paraná.
1
Professora PDE/2014 SEED-PR
2
Professora Doutora do Departamento de Letras Modernas - DLM/UEM
Introdução
Considerando a relevância dos gêneros textuais para a articulação das práticas sociais
com as escolares, optamos por trabalhar com o gênero crônica. Tal escolha foi feita por
considerarmos esse gênero “uma narrativa curta, com riqueza de estrutura condicionada à
construção ágil, direta e um despojamento verbal intencionando eternizar um momento.”
(REDMOND, 2008, p.15).
Por ser um gênero de “uma linguagem que se aproxima do modo de ser mais natural
das pessoas” (REDMOND, 2008, p.21), sua leitura torna-se mais leve, mais dinâmica, tendo
por isso, uma maior propensão de despertar o interesse dos alunos pela leitura, aprofundando
assim seus conhecimentos.
O gênero crônica também foi o suporte utilizado para analisarmos a relação entre a
leitura e a escrita, pois trata-se de um gênero presente no cotidiano dos leitores e que pode
contribuir para o letramento dos alunos.
Tendo como fundamento o estudo sobre a concepção interacionista da linguagem e a
contribuição dos gêneros textuais para o ensino de língua portuguesa, procuramos com a
proposta desenvolvida contribuir para a formação escolar e social dos alunos envolvidos, bem
como incluir as atividades realizadas no planejamento escolar.
No que diz respeito à produção textual, a ênfase era em transpor as regras para o papel
seguindo os padrões da norma culta.
Na linguagem como instrumento de comunicação, a língua é vista como um
código capaz de transmitir uma mensagem, e passa a ser estudada a partir de seu
funcionamento interno, cuja organização recebe o nome de estrutura. Tem-se agora três
funções importantes da linguagem no ato da comunicação verbal: a mensagem, o canal e o
código. Na concepção de linguagem como instrumento de comunicação, a língua é entendida
como código (PERFEITO, 2010).
A gramática segundo essa abordagem é estudada por intermédio de exercícios
estruturais morfossintáticos. A leitura é vista como extração de sentidos do texto e no
momento da leitura, o leitor através de estratégias de seleção, antecipação, inferência e
verificação, atribui sentidos ao texto. Na produção textual o intuito era aumentar a fluência
dos escritores por intermédio de técnicas de redação, segundo a tipologia tradicional narração,
descrição e dissertação. Apesar de valorizar o texto, o fato de seguir estruturas modelares, faz
com que o aluno ainda tenha sua palavra anulada, faltando elementos para que este tenha
expectativas, ideias e produza seus textos com qualidade (PERFEITO, 2010).
Já a linguagem como forma de interação “é o local das relações sociais em que os
falantes atuam como sujeitos. O diálogo, assim, de forma ampla, é tomado como
caracterizador da linguagem” (PERFEITO, 2010 p. 22).
O discurso, o gênero e o texto passam a ser considerados e dá-se maior importância à
linguagem. O texto torna-se essencial, tanto quanto o leitor e sua análise, pois de acordo com
a visão dialógica de Bakhtin, é a partir da interação com o sujeito e com outros textos que a
palavra torna-se real, tem sentidos, significados (PERFEITO, 2010).
No que concerne à leitura e à produção textual, a teoria interacionista valoriza o
trabalho com os gêneros e busca o conhecimento de seu conteúdo temático, a construção
composicional e o estilo, tanto para entender o assunto do gênero, sua forma de organização
textual e os recursos linguísticos-expressivos mobilizados pelo enunciador, quanto para
contextualizá-lo e compreender/interpretar o assunto abordado. A análise linguística, modo
como é denominado o estudo dos aspectos gramaticais, tem por finalidade levar o leitor a
refletir sobre a linguagem, a encontrar marcas linguísticas que apontem para determinadas
interpretações.
Na teoria interacionista os gêneros trabalhados precisam levar em conta a esfera social
em que o texto se localiza e a finalidade do suporte material em que esse gênero está inserido,
para que o leitor entenda o contexto de produção do gênero e consiga, assim, interpretá-lo.
A leitura do texto é realizada pelo leitor que mobiliza seus conhecimentos prévios
linguísticos, textuais e de mundo e preenche as lacunas do texto a partir das informações
interpretativas deixadas pelo autor. Vale lembrar que tais pistas dão sentido ao texto,
encaminhando o leitor a interpretações coerentes.
É importante ressaltar que segundo a teoria interacionista, a reescrita do texto é
visualizada como uma maneira eficaz do professor auxiliar o aluno no processo de construção
textual.
Com ênfase na preocupação de refletir sobre as causas e consequências das
dificuldades de escrita dos alunos em seu processo de aprendizagem, este projeto está
fundamentado em teorias de autores que abordam a problemática da dificuldade da escrita e
sugerem o ensino de língua portuguesa a partir dos gêneros textuais.
Sendo o texto o conteúdo principal das aulas de língua portuguesa, a leitura e a escrita
precisam ser trabalhadas em demasia, haja vista que estas ocupam espaço relevante quando se
fala em desenvolver habilidades para o bom uso da língua materna. Decorre disto, a
importância do trabalho com os gêneros textuais, uma vez que para realizar um trabalho
voltado ao estudo da língua e do texto, é necessário conhecê-los, como confirma Bakhtin:
O estudo da natureza do enunciado e da diversidade de formas de gêneros dos
enunciados nos diversos campos da atividade humana é de enorme importância para
quase todos os campos da linguística e da filologia. Porque todo trabalho de
investigação de um material linguístico concreto – seja de história da língua, de
gramática normativa, de confecção de toda espécie de dicionários ou de estilística da
língua, etc. – opera inevitavelmente com enunciados concretos (escritos ou orais)
relacionados a diferentes campos da atividade humana e da comunicação – anais,
tratados, textos de leis, documentos de escritórios e outros, diversos gêneros
literários, científicos, publicísticos, cartas oficiais e comuns, réplicas do diálogo
cotidiano (em todas as suas diversas modalidades), etc. de onde os pesquisadores
haurem os fatos linguísticos de que necessitam (BAKHTIN, 2011, p. 264).
Com isso, entendemos que por intermédio dos gêneros textuais – instrumentos de
ensino/aprendizagem e ferramentas de comunicação – é possível formar no ambiente escolar
indivíduos mais atuantes, produtores de seu conhecimento e não apenas meros reprodutores
de conteúdos planejados por outros.
Schneuwly & Dolz (2004) desenvolvem a ideia de que o gênero é utilizado como meio
de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares, principalmente no que diz
respeito à compreensão de textos orais e escritos e sua produção. Seus estudos partem da
hipótese que é ”através do gênero que as práticas de linguagem materializam-se nas atividades
do aprendiz” (2004, p. 74), pois, esse seria um referencial essencial para que o aluno pudesse
apropriar-se dos conhecimentos linguísticos e, a partir disso, adquirir a técnica da escrita.
Os gêneros, de acordo com Koch (2003), tornam-se um suporte eficaz para o
desenvolvimento da linguagem e podem conduzir os alunos a conhecê-lo, compreendê-lo e
produzi-lo dentro ou fora da escola. Tornando possível o desenvolvimento de capacidades que
os façam ter conhecimento de outros gêneros e atribuírem significados a estes.
O contato com diversos gêneros que fazem parte da vida cotidiana pode contribuir
para que os alunos adquiram a habilidade de produzir textos na escola e também fora dela. Em
relação à produção textual, Geraldi diz ser preciso que
a) se tenha o que dizer;
b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;
d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem
diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo);
e) se escolham estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d) (GERALDI, 2002, p.
137).
O autor ressalta a necessidade de tomar cada uma das práticas como tópicos do
processo de ensino/aprendizagem, ampliando as perspectivas trazidas pelos alunos e ofertando
novos conceitos/assuntos, a fim de que a produção textual possa ser realizada.
Também faz-se necessário lembrar que ao longo da história, em função das
concepções de linguagem, algumas concepções de escrita foram delimitadas, quatro dessas
são: escrita com foco na língua; escrita como dom/inspiração; escrita como consequência;
escrita como trabalho (MENEGASSI, 2010).
Neste projeto, a concepção que será considerada para a produção escrita é a da escrita
como trabalho, que apresenta reais necessidades para o aluno produzir, considerando a
finalidade, o interlocutor, a organização composicional e o estilo do gênero.
Porém, para que se estabeleça de forma eficaz o processo de produção escrita é
necessário que o professor
Conheça bem as relações entre o sistema fonológico e o sistema ortográfico,
compreenda a escrita como representação e não como transcrição da língua oral, seja
capaz de identificar a variedade linguística falada pela criança e, assim, não só
prever os problemas que essa criança enfrentará, [...] mas também compreender
esses problemas e [...] saber discuti-los com a criança. [...] compreenda o aspecto
linguístico e psicolinguístico de aprendizagem da língua escrita [...] tenha
compreendido e assumido uma concepção de língua como discurso, de língua escrita
como atividade enunciativa (SOARES, apud MENEGASSI, 2010, p. 15).
Se para ocorrer a produção é preciso que se tenha o que dizer, a leitura pode tornar-se
um mecanismo para apropriação de ideias que poderão ser colocadas no texto, tal como
afirma Geraldi,
a leitura incide sobre “o que se tem a dizer” porque lendo a palavra do outro, posso
descobrir nela outras formas de pensar que, contrapostas às minhas, poderão me
levar à construção de novas formas, e assim sucessivamente (GERALDI, 2002, p.
17).
Porém, vale lembrar que o trabalho com a leitura não precisa necessariamente estar
atrelado a um resultado na escrita. Como afirma Jauss (2003), a leitura pode e precisa também
ser um ato de fruição de qualquer categoria de obra de arte, de modo a desenvolver no aluno o
hábito, o gosto e ampliar seus conhecimentos fazendo com que o leitor adquira maiores
habilidades interpretativas e de escrita, fazendo com que esta prática se estenda em sua vida,
em seu dia-a-dia e o permita compreender com maior facilidade tudo que o cerca.
A leitura é completada pelo leitor, que não é apenas mero receptor de textos, mas é ele
que faz o texto funcionar, ganhar sentido. “O leitor, nesse contexto, ganha o mesmo estatuto
do autor e do texto e a leitura passa a ser instauradora de diálogos na dimensão
espaciotemporal, propiciando diferentes formas de ver, de avaliar o mundo e de (re)conhecer
o outro” (PERFEITO, 2010, p. 26).
Entretanto, realizar a integração das atividades de leitura e escrita é uma possibilidade
importante e eficaz, pois a leitura servirá de fonte de conhecimento do gênero e será uma a
maneira de atrair a atenção dos alunos no que diz respeito aos aspectos essenciais à produção
escrita.
O autor ainda acrescenta que “a história da nossa literatura se inicia, pois, com a
circunstância de um descobrimento: oficialmente, a Literatura Brasileira nasceu da crônica”
(SÁ, 1992, p. 7).
Do relato histórico esse gênero passou a ser utilizado com uma composição
diferenciada ligada à literatura e publicada nos jornais.
A crônica contemporânea brasileira, também voltada para o registro jornalístico do
cotidiano, surgiu por volta do século XIX, com a expansão dos jornais no país.
Nessa época, importantes escritores, como José de Alencar e Machado de Assis,
começam a usar as crônicas para registrar de modo ora mais literário, ora mais
jornalístico, os fatos corriqueiros de seu tempo. É interessante observar que as
primeiras crônicas brasileiras são dirigidas as mulheres e publicadas como folhetins,
em geral na parte inferior da página de um jornal (LAGINESTRA; PEREIRA,
2014, p. 20).
O autor usa a polifonia de forma hábil e requintada fazendo com que seus textos
estejam carregados de vozes de diferentes enunciadores, o que reforça ainda mais o humor.
Koch, Bentes e Cavalcante apresentam um conceito de polifonia, tal como elaborado
por Ducrot (1980), a partir da obra de Bakhtin (1929), no livro Intertextualidade: diálogos
possíveis.
Denomina de polifônico o romance de Dostoievski, que exige apenas que se
representem, encenem (no sentido teatral), em dado texto, perspectivas ou pontos de
vistas de enunciadores (reais ou virtuais) diferentes – daí a metáfora do “coro de
vozes”, ligada, de certa forma, ao sentido primeiro que o termo tem na música, de
onde se origina. Isto é, “encenam-se” no interior do discurso do locutor perspectivas
ou pontos de vistas diferentes, sem que se trate, necessariamente, de textos
efetivamente existentes (KOCH; BENTES; CAVALCANTE, 2007 apud
REDMOND, 2008, p. 89).
3 Dados da implementação
4 Considerações finais
Com o trabalho realizado pudemos constatar a aplicabilidade do material didático
produzido durante o PDE e verificarmos a viabilidade de intervir na realidade escolar, de
modo a contribuir para o aprendizado efetivo dos alunos. No decorrer da implementação
foram feitas atividades de oralidade, leitura, escrita e análise linguística, o que auxiliou na
compreensão dos textos estudados e levou os alunos a apropriarem-se do vocabulário
apresentado.
Em relação à questão da leitura, confirmou-se o fato de precisarmos ler e
compreender o que lemos para assim termos condições de produzir textos coerentes e com
conteúdo, uma vez que a falta de vocabulário tende a ser um dos grandes problemas
encontrados pelos alunos no momento da produção. Quando propiciamos aos alunos as
crônicas do autor Luís Fernando Veríssimo, tivemos a oportunidade de fazer com que eles
conhecessem aspectos críticos, a partir do humor e da ironia apresentados nos textos,
aumentando assim, a qualidade da produção textual. Entretanto, sabemos que, somente com a
unidade didática implementada, não é possível modificar a realidade do contexto escolar,
porém visualizamos na proposta, uma forma de melhorar os índices educacionais e fazer com
que os alunos apropriem-se do conhecimento.
Referências
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética da criação verbal. São Paulo: Editora Martins
Fontes, 2011.
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. São
Paulo: Editora Ática, 2002.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2002.
JAUSS, Hans-Robert; ISER, Wolfgang. A estética da recepção. Estudos Goiânia, v.30, n.4,
p.753-66, 2003.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Editora
Cortez, 2003.
MACHADO, Ana Maria. Bom de ouvido por Ana Maria Machado. In: VERÍSSIMO, Luís
Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 9-15
ROJO, Roxane; CORDEIRO, Glaís Sales. (Org.). Gêneros orais e escritos na escola.
Campinas: Editora Mercado das Letras, 2004.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001.
_____. O melhor das comédias da vida privada. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.