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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

ELISÂNGELA DE LOURDES SILVA SANTOS

ADOÇÃO TARDIA:
Elementos Sócio-Históricos e Culturais a partir da Realidade da
2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN

NATAL
2015
ELISÂNGELA DE LOURDES SILVA SANTOS

ADOÇÃO TARDIA:
Elementos Sócio-Históricos e Culturais a partir da Realidade da
2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Programa de graduação
da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte como pré-requisito obrigatório
para obtenção do título de Assistente
Social.

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Regina de


Ávila Moreira

NATAL
2015
Seção de Informação e Referência

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede


Santos, Elisângela de Lourdes Silva.
Adoção tardia: elementos sócio-históricos e culturais a partir da realidade
da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN / Elisângela
de Lourdes Silva Santos. – Natal, RN, 2015.
71 f.

Orientadora: Maria Regina de Ávila Moreira.

Monografia (Graduação em Serviço Social) – Universidade Federal do Rio


Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Departamento de
Serviço Social.

1. Adoção (Serviço Social) - Monografia. 2. Adoções necessárias -


Monografia. 3. Adoção Tardia – Monografia. 4. Direito infantojuvenil –
Monografia. I. Moreira, Maria Regina de Ávila. II. Título.

RN/UF/BCZM CDU 36
ELISÂNGELA DE LOURDES SILVA SANTOS

ADOÇÃO TARDIA:
Elementos Sócio-Históricos e Culturais a partir da Realidade da
2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Programa de graduação
da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte como pré-requisito obrigatório
para obtenção do título de Assistente
Social.

Data de Aprovação: _____/_____/_____.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________
Prof.ª. Dra. Maria Regina de Ávila Moreira (Orientadora) UFRN

___________________________________________________________________
Prof.ª Dra. Márcia Maria de Sá Rocha (Examinadora) UFRN

___________________________________________________________________
Cícera Katiucia da Silva (Examinadora)
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus, aquela força em que confio e deposito


minha fé.
Agradeço a TODOS os meus familiares, em especial, aos meus pais que
sempre me apoiaram ao longo da minha vida.
Agradeço a minha irmã, Elizabete, que confiou em minha inteligência e me
motiva a continuar a me esforçar.
Agradeço a Ikaro, o qual acompanhou mais de perto todas as dificuldades
que enfrentei durante o processo de construção desse trabalho e me incentivou a
seguir em frente e me ajudou, através de seus questionamentos, a tornar mais
claros os pensamentos e ideias que aqui serão expostas.
Agradeço a 2ª Vara da Infância e da Juventude da comarca de Natal/RN, por
ter oportunizado a pesquisa processual, que revelou-se um mergulho no mundo e na
história de famílias que decidiram adotar e se basear, acima de tudo, no amor.
Agradeço àquelas crianças maiores e adolescentes que mesmo sabendo de
suas poucas chances de serem adotados, continuam tentando nutrir esperanças por
uma vida melhor e não desistem de si mesmas.
Agradeço à Katiucia Silva, Fátima Medeiros, Regina Ávila e Ana Andrea
Maux, as assistentes sociais e a psicóloga que participaram da minha formação
profissional, e, indo além, me fizeram crescer também nos valores humanos.
Enfim, agradeço a todos os amigos e colegas que participaram da minha vida
e por meio da convivência deixaram um pouco de si e hoje recebem de mim a
gratidão pelo diálogo, apoio e críticas. Obrigada a todos que desejaram me ver
Assistente Social.
"Adotar é acreditar que a história é mais forte
que a hereditariedade, que o amor é mais
forte que o destino".

(Lídia Weber)
RESUMO

Esse trabalho é resultado de uma pesquisa documental com o objetivo de


apresentar de forma sistematizada, a realidade da Adoção Tardia na 2ª Vara de
Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN, ou seja, tratamos
especificamente de adoções que ocorrem quando o adotado tem dois anos de idade
ou mais. Inicialmente tornou-se necessário fazer um breve histórico sobre a adoção
e políticas públicas destinadas ao público infanto-juvenil; sobre as violações de
direitos que algumas crianças e adolescentes passam até serem adotadas; através
da pesquisa documental, que teve como técnica a coleta de dados, nos
aproximamos da realidade social da adoção nesta Cidade. Por fim, foram analisados
10 processos de adoção iniciados no período de 2009 e 2013, fazendo um paralelo
entre adoções realizadas a partir da vigência da Lei 12.010/09. Os resultados
obtidos demonstram que ainda são muitos os mitos e preconceitos e que ainda é
pequena a quantidade de adoções cadastrais, ou seja, processadas via Cadastro
Nacional de Adoção, quando tratamos da adoção de crianças maiores e
adolescentes, bem como, a maior parte dos processos os interessados buscam
regularizar a situação de crianças/adolescentes que já estavam sob sua
responsabilidade e as quais já eram consideradas membros da família.

Palavras-chave: Adoção. Adoção Tardia. Adoção de crianças maiores e


adolescentes. Adoções necessárias. Direito à convivência familiar e comunitária.
ECA.
ABSTRACT

This work is the result of a documentary research in order to present in a systematic


way, the reality of Late Adoption in 2ª Vara da Infância e da Juventude city of
Natal/RN, that is, we treat specifically about adoptions that occur when the adoptee
has two years of age or more. Initially it was necessary to make a brief background
on the adoption and public policies aimed at children and youth; about the rights
violations that some children and adolescents spend up to be adopted; by
documentary research, which had the technical data collection, we approach the
social reality of adoption in this city. Finally, we analyzed 10 adoption processes
started from 2009 and 2013, drawing a parallel between adoptions from the
enactment of Law 12.010/09. The results show that there are still many myths and
prejudgement and that is still small the amount of registrated adoptions, in other
words, processed through the Cadastro Nacional de Adoção, when dealing with the
adoption of older children and teenagers, as well as the most stakeholders processes
seek to regularize the situation of children/adolescents who were already under they
responsibility and which were already considered family members.

Keywords: Adoption. Late adoption. Adoption of older children and teenagers.


Necessary adoptions. Right to family and community life. ECA.
LISTA DE SIGLAS

AMB Associação dos Magistrados Brasileiros

CNA Cadastro Nacional de Adoção

CNCA Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNMP Conselho Nacional do Ministério Público

CRAS Centro de Referência de Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CT Conselho Tutelar

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

ET Equipe Técnica

FEBEMs Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor

GAA Grupo de Apoio à Adoção

MP Ministério Público

PNCFC Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de


Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar

RN Rio Grande do Norte

SGD Sistema de Garantia de Direitos

VIJ Vara da Infância e da Juventude


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Motivos documentados do ingresso da criança/adolescente em Unidade


de Acolhimento.......................................................................................................... 23
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Situação de Crianças/adolescentes acolhidos no Brasil em


setembro de 2014 ..................................................................................................... 31

Gráfico 2 Adoções realizadas via CNA em Natal/RN - 2008 a 2015 ...................... 333

Gráfico 3 - Sexo das crianças/adolescentes de Natal/RN cadastrados


no CNA em Setembro de 2014 ............................................................................... 344

Gráfico 4 - Raça/cor das crianças/adolescentes de Natal/RN cadastradas


no CNA em percentil e valores absolutos em setembro de 2014 ............................ 355

Gráfico 5 - Faixa Etária das crianças/adolescentes de Natal/RN cadastradas


no CNA em percentil e valores absolutos em setembro de 2014 ............................ 366

Gráfico 6 - Adoções em Natal/RN - 2013 ............................................................... 377


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11

2 A ADOÇÃO E ALGUNS ASPECTOS SOCIOHISTÓRICOS ..................................... 16

3 DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE À ADOÇÃO:

UM LONGO CAMINHO ........................................................................................................ 21

3.1 Realidade da adoção em números: o que os dados revelam ................................. 31


3.2 Adoção Tardia no contexto do município de Natal/ Rio Grande do Norte ............. 32

4 ANÁLISE DE VIDAS E FILIAÇÃO ADOTIVA: A CONSTRUÇÃO DE FAMÍLIAS E

SEUS DETERMINANTES CULTURAIS ........................................................................... 39

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 56

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 59

ANEXOS ............................................................................................................................... 663


11

1 INTRODUÇÃO

O tema deste Trabalho de Conclusão de Curso refere-se à adoção tardia.


Esse tema, por vezes, foi tomado a partir de interesses individuais dos adotantes,
mas somente pode ser compreendido por um prisma social.
A adoção tardia é aquela que ocorre quando a criança já tem idade superior a
dois anos. Cabe esclarecer que a utilização dessa terminologia não visa reforçar a
ideia de que adoção tem idade certa para acontecer. A adoção deve ocorrer a
qualquer época porque todas as crianças e adolescentes têm direito à convivência
familiar e/ou ambiente protegido para um desenvolvimento saudável.
O contato com essa realidade foi a partir da experiência do estágio não-
obrigatório realizado na 2ª Vara da Infância e da Juventude de Natal, onde,
diariamente, durante um ano e meio (2013/2015), tive a oportunidade de trabalhar
com processos de Habilitação para Adoção, Adoção e Perda ou Suspensão ou
Reestabelecimento do Poder familiar1.
O tema central, no entanto, é a adoção tardia, o qual foi escolhido devido ao
fato de encerrar em si contradições inquietantes, como o fato de existirem mais
pretendentes do que crianças e adolescentes disponíveis para adoção, e, mesmo
assim, essas continuam a viver em unidades de acolhimento, enquanto aqueles
continuam a esperar filhos para completar suas famílias.
Portanto, a adoção, que pode ser considerada um ato de solidariedade,
imbuída num apelo moral, ainda vela muitos mitos e preconceitos que impedem
crianças e adolescentes de ter um lar e uma família, apenas pelo motivo de não
serem mais recém-nascidos ou bebês.
Segundo Freire (1991, p. 44) algumas vezes ouvimos falar que o instituto da
adoção serve apenas para retirar os filhos das famílias pobres, visando satisfazer a
necessidade das famílias ricas. Esse é um preconceito, uma afirmação falsa,
equivocada, mistificante e hipócrita, pois desconhece a realidade de que os ricos
não são a maioria a adotar; nenhuma criança é retirada de seus pais naturais

1
Adoção e Perda ou Suspensão ou Reestabelecimento do Poder familiar trate-se de uma classe de
processos também conhecida como Destituição do Poder Familiar.
12

apenas por razões econômicas, e na verdade, poucas são as crianças adotáveis 2;


por fim, ainda segundo o autor, em nome de um abstrato princípio de justiça social,
macula-se e discrimina-se a adoção como um meio de garantir o direito à
convivência familiar.
Na verdade, a adoção envolve famílias (dos adotantes e dos adotados),
equipes multidisciplinares com psicólogos, assistentes sociais e instituições como
Unidades de acolhimento, Ministério Público, Conselhos Tutelares, Varas de Infância
e de Juventude, os quais devem se articular para promover a proteção dos direitos
de crianças e adolescentes.
Assim, a adoção mobiliza diversos sujeitos em prol da absoluta prioridade dos
direitos da criança/adolescente e se insere num conjunto de relações sociais, pois
compreendemos que o homem é um ser social cuja vida se desenvolve dentro da
sociedade. Portanto, a adoção não é isenta das características do modelo de
sociabilidade vigente, nem das determinações da conjuntura social, cultural e
econômica do País, sendo perpassada pela Questão Social.
De acordo com Iamamoto (2007), a questão social pode ser apreendida como
o conjunto das expressões da desigualdade originadas na raiz do modo de produção
capitalista, o qual torna possível que a riqueza produzida pelo trabalho coletivo seja
apropriada por uma minoria. Nessa perspectiva muitas pessoas vivem à margem da
sociedade, sofrem com o desemprego, a negação de outros direitos sociais e
quando muito, conseguem provar sua pobreza e ficam presos à condição
beneficiários de programas de transferência de renda, ou, padecem sem qualquer
assistência do Estado.
Por isso, embora, existam mães que doem seus filhos por não se sentirem
aptas a exercer a maternagem ou não o queiram, para algumas esse ato é uma
decisão difícil e permeada por dor que reflete responsabilidade, maturidade, e por
que não dizer amor?3 Há que se pensar que essa escolha pode estar vinculada à
preocupação com o bem-estar da criança por não ter como "alimentar mais uma
boca" ou lhe oferecer as condições necessárias para um desenvolvimento saudável.

2
A fim de esclarecer uma confusão comum, frisamos que nem todas as crianças/adolescentes em
unidades de acolhimento estão aptos à adoção, para tanto, é necessário que já tenha ocorrido a
entrega voluntária da criança por parte dos pais, a orfandade ou a sentença judicial de perda do
poder familiar.
3
Para se aprofundar sobre a temática sugerimos que se consulte MOTTA, M. A. P. Mães
abandonadas: a entrega de um filho em adoção. São Paulo: Cortez, 2001.
13

A desassistência estatal culmina em famílias sem condições de oferecer o


sustento e uma vida digna aos seus membros; pessoas pobres precisam escolher
de que maneira serão negligentes: criando os filhos passando necessidades por não
ter como trabalhar (principalmente, no caso das mulheres que assumem a
maternagem sozinhas) ou, indo trabalhar e deixando-os sozinhos em casa durante
pelo menos um turno do dia (geralmente a única alternativa, pois, não há vagas para
todos em creches ou projetos sociais).
Para esse estudo, privilegiamos a coleta de dados a partir de pesquisa
documental, em virtude de existir dificuldades para acessar as pessoas que são
partes num processo de adoção, pois, este envolve aspectos de suas vidas pessoais
e tramita em segredo de justiça.
Nos anos de 2009 e 2013, foram iniciados 243 processos das classes de
Adoção4, dentre os quais escolhemos 10 autos processuais para nossa análise. O
período delimitado servirá para observar de que maneira as mudanças trazidas no
bojo da Lei 12.010/2009 (conhecida por “Nova Lei de Adoção”, “Lei da convivência
familiar” ou “Lei de Adoção”), têm sido efetivadas e quais implicações ocorrem em
sua virtude.
A partir dessa Lei o direito à convivência familiar e comunitária recebeu o
status de política pública, esse novo instrumento legal trouxe inovações, dentre as
quais, a exigência de que toda adoção se processe a partir do Cadastro Nacional de
Adoção (CNA). Isso extinguiu, com poucas exceções, a adoção consensual na qual
os pais decidiam quem iria criar seu filho.
A amostragem foi escolhida com a finalidade de demonstrar as situações
mais recorrentes e significativas em termos das contradições existentes e da forma
como a questão social incide sobre a adoção.
Portanto, na análise dos processos observarei indicadores que demonstrem
aspectos da realidade social dos adotantes e adotandos, a qual é entendida, aqui, [...]
na perspectiva das relações sociais e na forma como vão sendo reproduzidas -
objetiva e subjetivamente- em um contexto sociocultural e econômico e em uma
determinada conjuntura histórica (FÁVERO; MELÃO E JORGE, 2005, p.67).

4
Desses, 21 processos eram da classe de Adoção cumulada com Destituição do Poder Familiar.
14

O estudo privilegiou a leitura do estudo psicossocial 5 . Tal documento é


construído sob olhar técnico que busca compreender a realidade social do usuário e
sua família, por meio de procedimentos como visitas domiciliares, entrevistas, leitura
das peças nos autos e observações. O estudo psicossocial permite esmiuçar o
contexto sócio familiar, motivações, anseios/receios e possíveis situações de
violações de direito, bem como, seus pareceres servem de subsídio para as
decisões judiciais6. Para tanto, foram elencados critérios como: perfil e história de
vida das partes; qual foi a motivação; quais os critérios que os adotantes consideram
para definir a idade da criança/adolescente; forma de inserção do adotado na
família; adaptação da criança/adolescente à nova família; quais as dificuldades e
como foram enfrentadas.
Assim, como método de exposição dos resultados e análises, o capítulo 1,
mostra como a adoção está vinculada ao abandono, a partir de uma reconstituição
histórica desse percurso. Discute-se de que maneira a família, a sociedade e o
Estado deram respostas ao abandono, desde as primeiras formas de assistência até
o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao público infanto-juvenil.
No capítulo 2, foram elencados dados relevantes para uma visão mais ampla
sobre adoção e fez-se uma breve revisão da legislação referente ao tema, em que
delineamos as principais mudanças introduzidas com a Lei de Adoção (Lei
12.010/09). Nos aproximamos da realidade da adoção, através de dados, para
mostrar parte da realidade brasileira, da região Nordeste, do Estado do Rio Grande
do Norte, e por fim de Natal.
Ao longo do capítulo 3 é feita uma análise sobre os 10 (dez) processos
escolhidos, e, paralelamente, tratamos sobre a concepção de família a fim de
observar de que maneira a cultura da adoção influí para que adoções de crianças
maiores sejam consideradas “difíceis” de acontecer.
Salientamos que esse trabalho não revela nomes, dados, ou situações que
permitam a identificação dos citados, bem como, foi submetido à aprovação

5
O estudo social é um processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade
conhecer com profundidade, e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão
social, objeto da intervenção profissional – especialmente nos seus aspectos sócio-econômicos e
culturais. (CFESS, 2003, p. 42-43). Já o estudo psicológico abrange as questões emocionais e é
produzido por psicólogo(a).
6
Consultar Medeiros (2007) para mais informações acerca da importância do Parecer Social para as
decisões judiciais na Comarca de Natal/RN.
15

institucional e ao Comitê de Ética, para preservar a segurança e integridade física e


moral dos envolvidos.
16

2 A ADOÇÃO E ALGUNS ASPECTOS SOCIOHISTÓRICOS

Neste capítulo será discutido o percurso histórico adoção, mostrando algumas


transformações que foram importantes para torná-la tal como é hoje. Esse percurso
é importante, inclusive para explicar na contemporaneidade inúmeros mitos em
relação ao tema.
Segundo Vargas (1998) a adoção é uma prática remota e não há como
precisar o momento histórico em que essa surgiu. De acordo com Paiva (2004) e
Santos (2011, p.1), há registros que retratam filiações adotivas ocorrem desde antes
de Cristo. Por exemplo, na Bíblia temos o caso de Ester que foi adotada por
Mardoquel, Efraim e Manes por Jacó, e entre os egípcios há o caso de Moisés que
foi abandonado por sua mãe, como forma de livrá-lo do infanticídio, e adotado pela
filha do faraó que ordenara a matança de meninos israelitas.
A adoção é instituto antigo e está relacionado ao abandono de menores de
idade. Segundo Freire (1991, p. 37):

[...] o abandono de crianças é certamente tão antigo quanto a própria


humanidade. Não surgiu nem tão pouco constituí um traço característico
das modernas estruturas sociais. É um fenômeno comum a todos os
tempos e lugares [...] acentuado quando eclodem catástrofes e crises
sociais

Assim, vemos histórias da mitologia explicitarem que adoções aconteciam


entre gregos e romanos; para esses povos, os Deuses regiam a vida terrestre, por
isso, a religião e os cultos domésticos não poderiam ser desprezados. Segundo
suas crenças, a morte não seria, necessariamente, o fim, este fato autorizava quem
não tivesse herdeiros a adotar de forma a assegurar que haveria alguém para lhe
prestar os ritos fúnebres.
Especialmente, entre os romanos a filiação adotiva tinha fins políticos, por
isso só era permitida às famílias nobres, as quais somente poderiam adotar adultos,
cuja idade permitiria seguir uma carreira pública, preservar o patrimônio e perpetuar
o nome da família.
O Código de Hamurabi, que regeu o povo babilônico, reservou espaço para
esse tipo de filiação, de maneira avançada já previa que a adoção era irrevogável e
17

garantia alguns direitos aos adotandos, por exemplo, se o adotante tivesse um filho
biológico após a adoção, esta só poderia ser revogada mediante pagamento de
indenização ao adotado; por outro lado, se depois da adoção o filho adotivo
proferisse que não era filho teria a língua cortada e se fosse ver a família biológica
teria os olhos perfurados.
Na Idade Média, quando vigorou o feudalismo, nesse sistema, as posses
eram transmitidas pelo direito de sangue e as filiações adotivas caíram em desuso.
Em parte, houve a contribuição da igreja que condenava a prática sob a justificativa
de que a adoção poderia encobrir filhos havidos fora do casamento (WEBER, 1998a).
No entanto, no decorrer da alta Idade Média, além da elevada taxa de
mortalidade infantil, devido doenças ligadas à falta de salubridade, o infanticídio era
tão comum, que Igreja e Estado passaram a condenar tal prática, instituíram penas
de morte aos pais, passando a ser mais seguro para esses abandonar os filhos do
que matá-los.
No contexto da Revolução Francesa (1789-1799), além de a sociedade estar
imbuída pela necessidade de demonstrar fraternidade frente aos órfãos e
abandonados vítimas do conflito, foi decisivo o papel político de Napoleão
Bonaparte, o qual por não ter filhos biológicos, destinou espaço para adoção no
Código Civil Francês.
Assim, podemos perceber que a adoção, ao longo da história, veio a atender
o interesse dos adotantes de garantir a descendência, algumas vezes, perpassada
por fins políticos outros religiosos; portanto, era mais latente o fato da
criança/adolescente ser tratada como um objeto, em alguns casos chegava a ser
vendida ou trocada pelos pais ou responsáveis, sendo que em pouco importava sua
situação de orfandade ou abandono.
Apenas “após a Primeira Guerra Mundial é que os países de direito anglo-
saxão passaram a utilizar a adoção legal como forma de encontrar famílias para os
milhões de órfãos deixados pelo conflito” (CARVALHO E FERREIRA, 2000, p. 77).
Essa nova perspectiva é basilar para a adoção moderna, a qual prima pelo direito e
interesse da criança e do adolescente.
No Brasil, segundo autores como Marcílio (1998) e Paiva (2004), a proteção
social destinada às crianças e adolescentes foi marcada, desde o período colonial
até meados do século XIX, pela caridade, assistencialismo paternalista e filantropia.
Nem Estado ou Igreja se responsabilizavam pelos pequenos abandonados,
18

esporadicamente, prestavam alguma ajuda financeira ou auxílios diversos, mas, de


maneira geral, quem assumia os cuidados dos abandonados era a sociedade
compadecida da situação por meio da figura do “filho de criação” 7.
No Brasil “a adoção foi prevista, inicialmente, pelas Ordenações Filipinas;
porém, caiu em desuso, sendo reativada pelo nosso direito com o advento do
Código Civil de 1916” (SANTOS, 2011, p.1).
Ainda segundo a referida autora, de acordo com essa legislação, somente
podiam adotar solteiros ou pessoas casadas civilmente há mais de cinco anos. Se
fosse o caso dos pretendentes viverem na situação que hoje consideramos união
estável, a criança ou adolescente teria de ser adotado por apenas um dos
interessados que se declararia solteiro.
A adoção ocorria por meio de uma escritura pública, quando o adotando já
fosse maior de idade, tal como um contrato entre as partes; caso contrário, por meio
de processo judicial. Contudo, independente da idade do adotando os efeitos da
adoção seriam os mesmos.
De acordo com o Código Civil de 1916, apenas aqueles que não tivessem
prole poderiam adotar, esse fato que só foi revogado pela Lei 3.133/1957, porém,
caso os adotantes tivessem filhos, o adotado não seria incluso na sucessão
hereditária.
A legislação e as políticas públicas destinadas ao público infanto-juvenil
começam a ganhar consistência a partir da criação dos Juizados de Menores, em
1921, cujas práticas foram regulamentadas pelo Código de Menores de 1927, o qual

Foi instituído em um período em que o processo de industrialização ainda


era embrionário na sociedade brasileira e a questão social era tratada como
‘caso de polícia’. Ou seja, os problemas de ordem política social e
econômica eram vistos como conflitos isolados e recebiam atenção do
Estado através do aparato repressivo (FÁVERO, 1999, p. 49).

De acordo com esse instrumento legal apenas o “menor” 8 recebia alguma


proteção e assistência do Estado e as ações implementadas tinham caráter tutelar e
controlador, pois, “o crescimento da miséria era acompanhado pelo aumento de
situações envolvendo o abandono e a infração por parte dos menores[...], como
7
Discutiremos mais sobre esse tema no capítulo 3.
8
De acordo com o art. 1º do Código de Menores de 1927, menor era a pessoa com idade inferior a 18
anos de idade que fosse abandonada ou delinquente.
19

problema social, era nas primeiras décadas deste século [sec. XX] associado a
‘caso de polícia’ ”(FÁVERO, 1999, p.33).
O aumento da violência desperta a atenção da sociedade para a
necessidade de uma intervenção por parte do Estado no controle dos “menores
infratores”, nessa época começam a surgir os grandes internatos e outras
instituições9 que “tinham a função de proteger as crianças e adolescentes de um
mundo hostil, mas também de proteger a sociedade da convivência incômoda deles”
(CARVALHO E FERREIRA, 2000, p.139).
No Brasil, sob a égide da “Doutrina da Situação Irregular”, da Política de Bem-
Estar do Menor (1964), do reformulado Código de Menores (1979) com as nefastas
e extintas Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEMs) o trato dos
“menores” era autoritário e repressivo.
De acordo com as pesquisadoras Ana Andrea Barbosa Maux e Elza Dutra,
até meados da década de 1980, a adoção à brasileira que consistia em registrar no
cartório como filho uma criança nascida de outra pessoa correspondia a cerca de
90% das “adoções” realizadas no país (Em Discussão, 2013, p.9).
Nesse mesmo período a sociedade brasileira vivenciou um momento de
efervescência política, muito clamor e embates por direitos, democracia e cidadania,
a partir do qual se conquista a Constituição de 1988, e diversos Estatutos e leis que
nos permitem recorrer à justiça quando lesados.
Com relação ao direito infanto-juvenil, no plano internacional, ocorre a
Declaração dos Direitos das Crianças de 1959 e a Convenção Internacional sobre os
direitos da Criança de 1989 que preconizam sobre a proteção social de crianças e
adolescentes e influenciaram a nossa legislação. Na mesma direção Carta Maior, no
art. 227, EC nº 65/2010, diz:

É dever da família, da comunidade, da sociedade e do Estado assegurar à


criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (grifos nossos).

9
Dentre essas havia aquelas que continham as Rodas dos Expostos, uma experiência importada de
países europeus. No Brasil, foram instaladas nas Casas de Misericórdia e prédios anexos a partir de
1726 - até final dos anos 1940, consistia num dispositivo cilíndrico e giratório onde as crianças eram
depositadas sem que fosse possível identificar os responsáveis.
20

Inaugurava-se a Doutrina da Proteção Integral, a qual foi sistematizada com a


promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990. A
grande inovação inserida na legislação foi assegurar os direitos fundamentais para
todas as crianças e adolescentes, sem qualquer discriminação e basear-se em três
pilares principais: reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos;
pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e que devem ser protegidas com
absoluta prioridade.
Na conjuntura atual, de uma sociedade dividida em classes, polarizada entre
a concentração/ acumulação de capital e a crescente miséria/pauperização de
grande parte da população, vê se a população exposta à negação de direitos sociais
(como saúde, educação e segurança) frente à ineficiência do Estado. Vivenciamos
uma grande gama de problemas que estão intrinsecamente ligados à desigualdade
do sistema econômico vigente e a forma como o País é governado que não
possibilita as condições objetivas para que todas as famílias possam garantir à
assistência material e afetiva aos seus membros.
Nesse sentido, lembramos que não devemos buscar as razões mais
simplistas e culpabilizar apenas as famílias, por não ter uma conduta moral
adequada, por serem pobres ou por não trabalharem para sustentar e manter seus
dependentes. Há de se trazer à tona que nem todos têm o mesmo acesso a bens e
serviços na sociedade capitalista, imanentemente desigual, na qual vivemos. Mas,
para além de quem é a culpa, o que preocupa é a realidade das milhares de
crianças e adolescentes que cotidianamente têm seus direitos violados.
21

3 DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE


À ADOÇÃO: UM LONGO CAMINHO

Neste capítulo iremos observar que a não ser em alguns casos de orfandade
ou entrega feita pelos pais, a adoção ocorre após situações de violação de direitos
de crianças e adolescentes como forma de garantir-lhes o direito a convivência
familiar e comunitária. Paralelamente iremos abordar pontos da Lei 12.010/2009, a
qual traz as mudanças mais recentes referentes à adoção.
Apesar dos avanços sócio jurídicos no tocante ao direito infanto-juvenil, assim
como Silva (2009), corroboramos que na legislação brasileira há prioridade por
manter a criança/adolescente em sua família biológica, dando a este tipo de filiação
um status de superioridade frente à família adotiva, e nos perguntamos se com isso
se observa os interesses da criança ou atende-se aos adultos. Conforme o ECA, em
seu artigo 19:

Toda criança e adolescente tem o direito de ser criado e educado no seio de


sua família e, excepcionalmente em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de
pessoas dependentes de substancias entorpecentes.

Assim, a adoção ainda figura como uma exceção, que ocorre após esgotados
os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa
(ECA, art. 39, § 1º). Um dos fatores que pode se relacionar a tal fato é que
culturalmente, ainda há resistências contra a adoção, no sentido de evitar a
separação de pais e filhos, contudo, muitas vezes

Sem ter em conta que a separação já se verificou ou que essa relação


materna, se existe alguma, nunca foi no seu sentido pleno, mas teve
apenas, na melhor das hipóteses, alguns episódios muito precários. As
pessoas tendem a projetar nessas situações a idéia que têm da ligação
normal existente entre mãe e filho e imaginam que é essa que a adoção irá
interromper (FREIRE, 1994, p.19).

Não se pretende, naturalizar, banalizar, ou generalizar, mas esse é um dos


aspectos que permite compreender melhor a adoção, a qual visa ao interesse
superior e à proteção da criança e do adolescente, sendo uma medida excepcional,
22

é a última tentativa de oferecer à criança/adolescente a convivência familiar,


portanto, ocorre após o abandono e a ruptura de laços biológicos.
É na família natural que ocorrem grande parte das violações de direitos de
crianças e adolescentes, por isso, de acordo com cada realidade fática e contexto
sócio familiar (pois, as condições culturais e econômicas têm influência no modo de
viver a infância), a colocação em família substituta pode tornar-se a melhor
alternativa, devido fatos como: o falecimento dos pais/responsáveis e abandono dos
demais familiares; a doação dos filhos pelos pais; ou sentença judicial da
destituição 10 do poder familiar 11 , que elimina qualquer vinculação entre pais
biológicos e filhos.

Geralmente os casos de Destituição do Poder Familiar chegam à Justiça


devido a denúncias feitas: ao Ministério Público (MP), ao Conselho Tutelar (CT), ao
Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), ao Centro de
Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), ou ao
Disque 100.
Em Natal, foi expressiva a atuação do SOS Criança na proteção de crianças e
adolescentes por meio da busca ativa e atendimento de denúncias. No entanto, esse
projeto foi encerrado, sendo que a maior parte da demanda agora é atendida pelos
CTs, os quais ainda enfrentam dificuldades quanto a sua atuação, atribuições e
formação dos profissionais.
Esse é um trabalho importante, pois há situações de violência, as quais
exigem que a criança/adolescente seja acolhida numa instituição ou inclusas em
Programa de Acolhimento Familiar12, que de acordo com o art. 101 do ECA, são
medidas de proteção de caráter provisório e excepcional, que não implicam em
privação de liberdade, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar
ou, não sendo possível, para colocação em família substituta.
Segundo dados do levantamento Um Olhar Mais Atento aos Serviços de
Acolhimento de Crianças e Adolescentes no País, realizado em 2013, pelo Conselho

10
O processo de destituição traz as possibilidades de perda (definitiva), suspensão (temporária) ou
reestabelecimento do poder familiar, sendo, necessariamente, posterior à ameaça ou violação de
direitos de crianças/adolescentes, ou quando os pais/ responsáveis, injustificadamente, deixam de
cumprir os deveres de sustento, guarda e educação.
11
O Poder familiar é definido pelo Código Civil de 2002, artigo 1.630, como o conjunto de direitos e
deveres atribuídos aos pais, e na falta desses, a um representante legal, em relação aos filhos.
12
De acordo com a Política Nacional de Assistência Social de 2004 e Lei Orgânica da Assistência
Social, esses serviços fazem parte da Proteção Social Especial de Alta Complexidade. Maiores
informações podem ser obtidas consultando Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes; Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais e o Plano Nacional de
promoção, proteção e defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e
comunitária e o ECA.
23

Nacional do Ministério Público, os principais motivos de ingresso da


criança/adolescente nas unidades de acolhimento do Brasil, estão relacionados a:

Tabela 1 - Motivos documentados do ingresso da criança/adolescente em Unidade de Acolhimento

Motivos Documentados Total


%
Pais ou responsáveis dependentes químicos/alcoolistas 81
Negligência na família 81
Abandono pelos pais ou responsáveis 78
Violência doméstica física 57
Abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis 44
Vivência de rua 35
Ausência dos pais ou responsáveis por prisão 30
Carência de recursos materiais da família/responsável 26
Órfão (morte dos pais ou responsáveis) 25
Submetido à exploração sexual (prostituição, pornografia) 23
Submetido à exploração no trabalho e/ou mendicância 17
Ausência dos pais ou responsáveis por doença 14
Pais ou responsáveis portadores de deficiências 7
Outros 6
Fonte: Levantamento Um Olhar mais Atento aos Serviços de Acolhimento de Crianças e
Adolescentes no País, Gráfico 28: Principais motivos do acolhimento de crianças e adolescentes em
casas-lares. Brasil, p. 44, 2013.

De acordo com esses dados é possível inferir que, geralmente, não há


apenas um motivo para o acolhimento, mas sim uma associação desses. Na maior
parte dos casos relacionam-se pais/responsáveis dependentes de drogas lícitas e/ou
ilícitas à negligência na família.
Em geral, há um contexto, que conforme percebemos, é repetitivo por
gerações: quem sofre violência, geralmente, pratica violência; quem teve pais
ausentes, provavelmente, não conhece outra maneira de agir; pais dependentes
químicos/alcoolistas, dificilmente, deixam o vício sem intervenção profissional e
frequentemente são resistentes a tais medidas (isso, sem questionar a eficiência da
política atual para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas).
Essa relação entre os motivos de acolhimento e a responsabilização da
família/contexto sócio histórico familiar, parece se sobrepor e omitir o que está por
trás: o descumprimento do Estado da função de garantir à população seus direitos
fundamentais. Segundo, o juiz da 1ª VIJ, José Dantas Paiva, com o passar dos anos,
as unidades de acolhimento quase não recebem crianças cujos pais sejam falecidos
[...] agora, o número de filhos órfãos de pais vivos, órfãos do crack e outras drogas,
24

é grande.
No art. 23 do ECA, a pobreza e carência de recursos materiais não
constituem motivos suficientes para a perda ou a suspensão do poder familiar,
porém, concordamos com o referido magistrado que falta efetividade de políticas
públicas que tentam inibir o uso de entorpecentes e, ao mesmo tempo, melhorar os
serviços de assistência social do público-alvo, esses e outros fatores têm
configurado uma “reprodução da desassistência social” que culmina com a violação
de direitos de crianças/adolescentes, os quais necessitam ser acolhidos.

A situação de acolhimento implica em algumas inquietações, pois por um lado


é importante tentar não romper e fortalecer vínculos afetivos com a família biológica,
quando existentes, e manter as crianças/adolescentes próximos a suas origens e
cultura; mas por outro lado, a maior parte das destituições se prolonga por muito
tempo, sem que haja mudança no contexto sócio familiar que culminou com o
acolhimento. E, cada dia que se passa parece tornar mais distantes as chances de
adoção, então, até quando insistir na reintegração familiar?
De acordo com a lei 12.010/09, art. 19, § 1º e 2º, a institucionalização tem o
tempo limitado a 2 anos, com revisão da situação, por meio de relatórios produzidos
pela equipe técnica (ET), no máximo, a cada 6 meses. Essa mudança representa
uma conquista, pois o Sistema de Garantia de Direitos (SGD) deverá avaliar
permanentemente a situação dos acolhidos e justificar quando os prazos
supracitados forem superados, no sentido de agilizar a solução dessas situações,
bem como, garantir o direito à convivência familiar (biológica ou substituta).
Quando os pais não têm condições para oferecer um desenvolvimento
saudável para as crianças e adolescentes, a guarda13, a tutela14 e a adoção são as
alternativas elencadas no ECA para inserção num ambiente familiar adequado.
A adoção é a única forma, admitida pela Lei, de uma pessoa assumir como
filho uma criança ou adolescente nascido de outra pessoa, etimologicamente

13
A Guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou
adolescente, conferindo ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Garante
para a criança ou adolescente a condição de dependente para todos os fins e efeitos de direito,
inclusive previdenciários. Porém, via de regra não impede o direito de visita dos pais nem seu dever
de prestar alimentos. Além disso, a guarda pode ser revogada a qualquer tempo, mediante ato
judicial fundamentado e ouvido o MP.
14
A tutela pressupõe a previa da destituição do poder familiar e implica todos os deveres pertinentes
à guarda, caso a criança ou adolescente tenha direito a bens, esses ficam sob a administração do
tutor. É possível a destituição da tutela.
25

A palavra adotar vem do latim adoptare, que significa escolher, perfilhar, dar
o seu nome a, optar, ajuntar, escolher, desejar. Do ponto de vista jurídico, a
adoção é um procedimento legal que consiste em transferir todos os direitos
e deveres de pais biológicos para uma família substituta, conferindo para
crianças/adolescentes todos os direitos e deveres de filho, quando e
somente quando forem esgotados todos os recursos para que a convivência
com a família original seja mantida (Adoção passo a passo, AMB, 2013, p.
9).

Segundo a CF 1988, em seu art. 227, § 6º, não deve haver qualquer tipo de
discriminação quanto aos filhos havidos fora do casamento e à filiação adotiva, a
estes é assegurado os mesmos direitos e qualificações. Coadunando com o
exposto, o art. 41 do ECA explicita que “a adoção atribui ao filho adotado, com os
mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo
com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.
De acordo com o ECA, a adoção só pode ser realizada por maiores de 18
anos, tanto para solteiros como para casais (inclusive os homoafetivos) desde que
haja uma diferença, de pelo menos 16 anos, quanto à idade do adotante e adotado;
avós e irmãos não podem adotar, a estes somente pode ser concedida a guarda ou
tutela. A Lei 12.010/2009 também trouxe a possibilidade de adoção por um casal
separado, desde que a guarda seja compartilhada e já existisse uma relação de
afetividade formada.
Adotar é um ato irrevogável que implica em mudanças na configuração tanto
de uma família biológica quanto da família substituta (a família afetiva, a que adota),
por isso, existe uma preocupação em buscar que os envolvidos tenham o máximo
de informação e uma motivação que não esteja restrita ao preenchimento das
necessidades e interesses particulares dos adotantes.
Por isso, a partir da entrada em vigor da Lei 12.010/2009 as adoções devem
se processar a partir do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado em 2008,
assim, foi extinta15 a adoção intuito personae, com apenas 3 exceções (ECA, art. 50,
§ 13): adoções feitas por parentes; adoções unilaterais, ou seja, um dos cônjuges ou
companheiro(a) adota o filho do outro16; e, a posse da guarda judicial há mais de 3
anos.

15
Há quem diga que não houve a extinção da adoção direta, mas sim, sua regulamentação.
16
Na adoção unilateral para o pai ou mãe biológica (quem for responsável pela criança) o vínculo
permanece o mesmo, apenas acrescentando-se o nome do parceiro (a) no registro de nascimento da
criança/adolescente. Caso a criança tenha sido registrado por pai e mãe, é preciso que um deles seja
destituído do poder familiar, geralmente, o pai.
26

O tipo de adoção intuito personae, também chamada de adoção direta ou


adoção pronta é aquela em que a mãe “escolhe” quem irá criar seu filho. Portanto,
nesse tipo de adoção o(os) adotante(s) já tem a criança que pretendem adotar,
geralmente, há convivência e laços afetivos formados com a criança ou adolescente
quando busca-se a Justiça para regularizar uma adoção que já existe de fato.
Esse tipo de adoção foi retirada do ordenamento jurídico, por ser eivada por
muitos riscos para as famílias. De um lado pode questionar-se a “escolha” da mãe,
quais motivos ela teria para doar a criança? Ela não poderia ser coagida a tal ato,
principalmente, por motivos financeiros? Ocorreria a venda de crianças?
No sentido de prevenir ou minorar situações de risco a Lei 12.010/09, traz em
seu art. 8, § 4 e § 5, que o poder público deve proporcionar assistência psicológica à
gestante e à mãe, no período pré e pós-natal. Em sequência no art. 13, parágrafo
único, é posto que toda mãe que manifeste interesse em entregar seus filhos para
adoção deverá ser, obrigatoriamente, encaminhadas à Justiça da Infância e
Juventude, fato que é indispensável para que a decisão seja tomada de forma
consciente e responsável, pois:

Não há evidências que justifiquem a pressuposição de que a difícil


experiência de entregar um filho em adoção se dilua com o tempo até
extinguir-se, pois o que se verifica é a tristeza e o remorso frequentemente se
fazem presentes, quando tudo parece estar concluído [...] Mesmo aquelas
mulheres que não demonstram arrependimento por não ter permanecido com
seu filho terão seu luto a fazer. Terão de elaborar a perda de sua autoestima,
sua dignidade, de sua honra. Terão de elaborar a vivência do escarnio
sofrido, das censuras ouvidas, do estigma a elas atribuído (MOTTA, 2006,
p.25-26).

Há também o risco de que os pais biológicos “tomem” o filho, pois ainda


detêm o poder familiar, podendo chantagear os adotantes para que a criança ou
adolescente não seja reivindicado. Quando isso ocorre, a criança/adolescente e a
família adotante ficam expostas a situação dolorosa de separação, ou exige que seja
iniciado um processo litigioso (ou seja, com disputa judicial) que causa enormes
inseguranças aos envolvidos.
Para as crianças e adolescentes adotadas, pode haver um prejuízo
importante: a negação de sua história de vida. Muitas vezes por não ter orientação e
não saber como contar ao filho adotivo sobre a adoção, algumas pessoas escondem
esse fato, além disso, em adoções diretas não há um processo com documentos e
27

registros, dificultando a situação caso haja interesse em buscar ou saber


informações sobre a família biológica.
Além disso, nesse tipo de adoção a família adotante não recebe qualquer tipo
de orientação, pode não ter elaborado lutos pela infertilidade (a qual figura como
motivo mais frequente para adoção) ou não ter a motivação adequada, por exemplo,
tentar adotar para salvar um relacionamento, preencher um luto, ter companhia e
quem lhes preste cuidados na velhice, fazer caridade, preencher um vazio
existencial, entre outros.
Salientamos que Weber (1998), fundamentada em suas pesquisas de campo,
afirma que tais fatos não impedem o sucesso da adoção, pois, a convivência com a
criança ou adolescente tende a redimensionar e transformar os sentimentos
envolvidos, fazendo a motivação inicial deixar de prevalecer para dar lugar a uma
real relação paterno/filial.
Portanto, o tipo de adoção que oferece maior segurança é a adoção cadastral
(adoção legal) que é precedida por um processo de Habilitação para Adoção17. Para
tanto, os interessados devem se dirigir ao Fórum da Comarca onde residem e
procurar a Vara da Infância e Juventude ou, em sua ausência, a Vara Cível.
É competência da 2ªVIJ, setor de adoção, desde o recebimento da
documentação para habilitação; a inscrição no CNA dos pretendentes devidamente
habilitados; o acolhimento institucional e acompanhamento de crianças/
adolescentes e a inscrição daquelas aptas para adoção (após a sentença do juiz); o
cruzamento dos dados dos pretendentes à adoção com o perfil das crianças
disponíveis (obedecendo à ordem cronológica de inscrição), contato com os
pretendentes e acompanhamento do Estágio de convivência18.
Quando os interessados buscam a 2ª VIJ é iniciada uma ação com o intuito
de observar se os pretendentes têm condições para adoção, em caso favorável, ao

17
Antes da Habilitação para adoção recomenda-se que o pretendente busque informações. Caso
decida adotar deve ir até a VIJ de sua comarca com a documentação necessária; aguardar o estudo
psicossocial e participar do curso de preparação para adoção (Em Natal, a lista da documentação
necessária está disponível no site do TJRN, ver nos anexos A, B e C desse trabalho; o curso vem
sendo ministrado na ESMARN, durante 3 dias, no horário noturno, com carga horária total de 12
horas). Atualmente, o trabalho realizado durante o processo de habilitação e o curso preparatório
para adoção, dentre outras questões, busca conscientizar os adotantes da importância de não manter
em segredo a origem, bem como, conversar sobre a história de vida dos adotandos.
18
Chama-se estágio de convivência o período em que a criança com o poder familiar destituído será
colocada em contato com os pretendentes à sua adoção para se conhecerem e sentirem a
possibilidade de uma aproximação satisfatória para ambos (SOUZA e CASANOVA, 2011, p. 103).
28

final do processo, em observância ao art. 50 do ECA, o juiz determina a inclusão no


CNA. Em Natal o processo de Habilitação dura em média 3 meses19.
A inclusão no CNA permite que uma pessoa habilitada para adoção possa
adotar em qualquer parte do Brasil, sem restrições geográficas20 e traz a inovação
de ampliar as possiblidades das adoções, consideradas, “difíceis” por possuírem
poucos interessados, como é o caso das adoções tardias, grupos de irmãos,
deficientes físicos e mentais, pessoas com doenças incuráveis, por exemplo,
algumas síndromes.
Segundo informações do CNA, o processo de adoção no Brasil leva, em
média, um ano. No entanto, pode durar bem mais se o perfil apresentado pelo
adotante para a criança for muito diferente do disponível no cadastro. O processo de
adoção somente é iniciado
Para adoção de meninas o tempo de espera é maior, dentre os fatos que
contribuem estão: a maior demanda (pela prática é possível perceber que, em Natal,
há pretendentes para meninas de até 6 anos), menos meninas passam pelo
acolhimento institucional, fato que pode estar relacionado à ideia da fragilidade e
docilidade serem qualidades típicas do sexo feminino, tornando mais comuns os
casos em que essas são acolhidas dentro da rede familiar.
Observamos que esse tempo de espera é longo por motivos como a restrição
posta pelos adotantes quanto a idade da criança que pretendem adotar, pois,
segundo Freire (1991, p.39):

São raros os casos em que a mãe renuncia à criança antes do parto ou


imediatamente depois, devido não só a resistências internas mas também, e
sobretudo, às pressões sociais. Assim, de forma geral, o desinteresse em
relação à criança manter-se-á oculto, até que circunstâncias supervenientes
venham a determinar que esse desinteresse claramente se revele, porém,
após já estarem criadas situações manifestamente desfavoráveis para a
criança.

Paralelamente, ainda ocorrem muitos casos em que as mães que desejam


doar os filhos à adoção são captadas antes de ser encaminhadas à uma VIJ, por

19
Esse tipo de processo deveria ocorrer de forma mais rápida, podendo ser concluído em cerca de
30 dias, porém a falta de equipe técnica na 2ªVIJ, tem exigido que os processos sejam encaminhados
ao Núcleo de Perícias para que sejam feitas os estudos sociais, tornando o processo um pouco mais
demorado.
20
Obedecendo a ordem cronológica de inscrição, e o perfil declarado pelos pretendentes é feito o
cruzamento de dados com as crianças e adolescentes disponíveis para adoção, caso, não haja
pretendentes na Cidade ou Estado em questão, buscando que a criança/adolescente se mantenha
mais próxima de sua origem, é iniciada a busca no CNA em outras partes do país.
29

exemplo, em 2008, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizou uma


pesquisa na qual constatou que caso desejassem adotar, 66,1% dos entrevistados
recorreriam a hospitais, maternidades ou abrigos (Em Discussão, maio de 2013,
p.9). Tal fato demonstra que a maior parte das adoções irregulares é restrita a
bebês.
Porém, até antes da vigência da Nova Lei de Adoção o número de adoções
que ocorriam assim que as mães saiam da maternidade eram maiores, segundo
entrevista da assistente social da 2ª VIJ, as adoções caíram pela metade.
Embora não exista na legislação referência ao termo “adoção tardia” autores
como Vargas (1998); Weber (1998); Ebrahim (1999); Camargo (2006) e Lenvizon
(2004) utilizam-se dessa designação para adoções que ocorrem quando a criança
tem mais de 2 anos de idade, a partir dessa faixa etária o número de pretendentes à
adoção é menor.
Outros autores como Carvalho e Ferreira (2000) afirmam que esta
classificação remete à ideia de uma adoção que não está no tempo adequado,
reforçando o preconceito de que ser adotado é privilégio de bebês, seria mais
apropriado se referir como “adoção de crianças maiores ou de adolescentes”. Na
mesma obra, a psicóloga Marlizete Maldonado diz que destacar esse tipo de adoção
como “fora do comum” pode dar margem para interpretação como “fora do normal”,
levando muitas pessoas a se afastarem da ideia, de antemão.
Por medo das dificuldades que podem ir desde o preconceito social até uma
impossibilidade de vinculação afetiva entre a criança e a família, muitos
pretendentes sequer cogitam essa possibilidade, mesmo que precisem esperar
muito mais, preferem adotar recém-nascidos ou bebês.
Enquanto isso, crianças maiores e adolescentes disponíveis à adoção
continuam acolhidos, pois a maior parte dos pretendentes acreditam que será difícil
a adaptação, no entanto, psicólogos destacam que:

As crianças, até os sete anos absorvem o inconsciente dos pais. Pelo


menos até essa idade serão os pais adotivos os padrões da criança
adotada. Acima de sete anos, se a criança já sofreu rejeições e foi
institucionalizada, é conveniente preparar os pais para futuros problemas,
esclarecendo-os e fazendo a orientação necessária” (PEREIRA IN FREIRE,
1991, p.221-222).
30

Segundo o psicólogo, João Seabra Diniz, quando há a noção da importância


da adoção, é preciso:

[...] realizá-la para todas as crianças que delas necessitem. Consideremos a


existência de inúmeras crianças e adolescentes abandonados moral e
tardiamente. São crianças adotáveis, sem adotantes capazes de acolhê-los.
Essa dificuldade está relacionada ao temor frente ao que a criança “já
viveu”, os antecedentes dos descuidos e abusos físicos em suas famílias
biológicas, as múltiplas passagens por sucessivos responsáveis, as
repetidas institucionalizações. O que a criança “já viveu” paralisa a
imaginação dos técnicos, e as melhores intenções dos adotantes. São
efetivamente mais delicadas as adoções tardias (FREIRE, 1994, p.8).

A dúvida que a maior parte dos pretendentes pode sentir é “Será que o amor,
verdadeiramente, vai ser como o de pai/filho?”, isso é perfeitamente normal, um
momento que antecede a adoção é marcado por questionamentos que vão servindo
para a decisão consciente acerca de tornar-se mãe/pai. Mas, podemos formular
outras perguntas para diminuir nossa insegurança, por exemplo: “Você amaria seu
filho biológico, imediatamente, mesmo se houvesse sido afastada dele durante toda
sua vida?”.
As respostas mais sinceras nos remetem ao fato de que mesmo nutrindo o
desejo pela aproximação seria necessário primeiramente conhecer a criança, manter
uma convivência e a partir dos momentos compartilhados ir construindo o gostar e o
amar. Assim é muito importante que os pretendentes à adoção não escondam suas
dúvidas, questionamentos, angústias, pois a conversa e o diálogo com a Equipe
Técnica (ET) visam trabalhar as possibilidades de cada pretendente, servindo
também para derrubar algumas restrições e preconceitos que possam existir.
Por outro lado a adoção de crianças maiores e adolescentes tem uma
característica importante, é necessário que eles desejem ser adotados e adotem a
nova família, portanto, tratamos da construção de uma relação, um esforço que deve
ser uma via de mão dupla. A Lei 12.010/09 traz em seu artigo 28, a importância de
que a criança e o adolescente sejam ouvidos e tenham sua opinião considerada,
respeitando seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão. Aos maiores
de 12 anos, será necessário seu consentimento, colhido em audiência.
A adoção não é um procedimento com garantias, pois nenhum tipo de filiação
tem manual. Ao contrário, exige que os envolvidos estejam abertos ao diálogo, tendo
consciência que problemas fazem parte do crescimento e de relacionamentos. Mas,
31

no sentido de preparar os envolvidos da melhor maneira possível, existe uma equipe


técnica (ET) responsável por atendimentos familiares, visitas domiciliares e do Curso
Preparatório Psicossocial e Jurídico para Habilitação à Adoção, bem como
acompanhamento do estágio de convivência.

3.1 Realidade da adoção em números: o que os dados revelam

Segundo os dados do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes


Acolhidos (CNCA) e do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), em setembro de 2014,
existiam 45.764 crianças e adolescentes vivendo em unidades de acolhimento, das
quais apenas 5.545 encontravam-se em condições de serem adotadas.
Concomitantemente, existem 32.022 famílias de pretendentes habilitados, numa
média de 5 pretendentes para cada criança/adolescente disponível à adoção.

Gráfico 1- Situação de Crianças/adolescentes acolhidos no Brasil, setembro de 2014

Crianças acolhidas no Brasil

12% Crianças/adolescentes
acolhidas aptos à adoção

Crianças/adolescentes
indisponiveis à adoção
88%

Fonte: elaboração própria a partir de levantamento documental – 2014

Aqui fica claro que a maior parte das crianças e adolescentes acolhidos não
se encontram em condições de serem adotados e aqueles que estão aptos
permanecem acolhidos apesar de haver uma quantidade de pretendentes superior.
Essa incompatibilidade, geralmente, ocorre porque seus perfis não correspondem ao
desejado.
Quanto aos adotandos no Brasil, 2.414 eram do sexo feminino e 3.131 do
sexo masculino; sendo a maior parte da raça parda, 2.669, ou 48,13%; apenas 102
32

têm idade entre 0 e 2 anos, enquanto 5.384 estão acima desta faixa etária; 2.095
possuem irmãos cadastrados no CNA correspondendo à 37,78% do total, em
oposição existem 25.481 pretendentes que não aceitam adotar irmãos, ou seja,
79,57%; em relação à saúde, 1.255 dos adotandos possuem alguma enfermidade,
ou 22,63% do total, dentre esses 413 têm doenças tratáveis.
No Nordeste são 5.823 crianças e adolescentes acolhidas, destas 706 aptas à
adoção, equivalentes a 12,73% do total nacional. Quanto ao total de pretendentes
são 2.982, correspondendo a 9,31% em relação ao total de habilitados no Brasil.
No Rio Grande do Norte/RN existem 322 crianças acolhidas, destas 44 estão
disponíveis para adoção. Por outro lado há 210 famílias pretendentes inscritas no
CNA.
A partir desse quadro é possível constatar que existem pretendentes além da
conta do número de crianças/adolescentes disponíveis para adoção, então por que
razões elas permanecem distantes da convivência familiar? Quem são esses
pretendentes e criança? Onde estão? Como estão?
Muitas das razões para esse quadro estão na falta de disponibilidade para
adoção de crianças maiores e também porque muitas pessoas criam crianças e
adolescentes de maneira irregular, sem o conhecimento da Justiça, e, portanto, sem
os direitos adquiridos a partir da adoção, como veremos no próximo capítulo, porém
antes disso iremos visualizar algumas características da adoção tardia em Natal.

3.2 Adoção Tardia no contexto do município de Natal/ Rio Grande do


Norte

Por fim, nos debruçamos sobre o contexto das adoções em Natal/RN, a partir
dos dados coletados nos relatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e em
pesquisa interna na 2ªVIJ.
21
Em Natal, desde 2008 até abril de 2015, foram cadastradas 197
pretendentes à adoção, dentre esses: 56 fizeram adoções via CNA; 53 fizeram
adoções fora do CNA; 5 estão em processo de adoção; 1 em estágio de convivência

21
A partir da implantação do CNA.
33

(com criança que não estava inscrita no CNA); 63 encontram-se disponíveis para
adotar; 13 fizeram pedidos de desistência22; e, 6 estão na condição de inativo23.
Segundo os relatórios do CNA, desde sua implantação até abril de 2015
foram realizadas 107 adoções, apesar de que seja possível que haja alguma
imprecisão, tendo em vista algumas crianças/adolescentes que foram adotadas via
CNA, não constavam nos documentos consultados, além disso, adoção de grupo de
irmãos conta apenas como uma adoção. Através do cruzamento das informações
coletadas buscamos nos aproximar ao máximo do número real, vejamos:

Gráfico 2 - Adoções realizadas via CNA em Natal/RN - 2008 a 2015


20
18
16
Quantidade de adoções

14
12
10
8
6
4
2
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Série 1 2 18 15 17 15 14 17 9
Total de 107 adoções

Fonte: elaboração própria a partir de levantamento documental – 2015

Em 2008, constam apenas duas adoções, embora tenham sido realizadas um


número maior, estas não constam no nosso levantamento porque ele se deu a partir
da vigência do CNA. Nos outros anos, houve uma variação quantitativa, mas esse
número ainda é baixo, Porém, até antes da vigência da Nova Lei de Adoção o
número de adoções que ocorriam assim que as mães saiam da maternidade eram
maiores, segundo entrevista da assistente social da 2ª VIJ, as adoções caíram pela
metade.

22
Esses pedidos de desistência, geralmente, ocorrem por motivos como: gravidez natural; fim de
relacionamentos; entre outros.
23
A inatividade do cadastro é um período em que o pretendente não está disponível para adoção,
porém, tal situação pode ser alterada, a seu pedido, a qualquer momento. Também pode ocorrer por
diversos motivos. Normalmente, após iniciado um estágio de convivência o(os) adotante(s) ficam
inativos até que a adoção seja concretizada e esteja bem-estabelecida.
34

Alguns avanços foram constatados, por exemplo, a partir da Lei de Adoção,


art. 28, § 4, é prioridade manter os irmãos unidos na mesma família substituta, em
casos de situações que justifiquem a separação, busca-se ainda que as novas
famílias possibilitem o contato entre os irmãos. Dentre as adoções mostradas acima,
dezoito (18) foram de grupos de irmãos, dois grupos com 3 irmãos e os demais com
dois, dessas em apenas 5 os adotantes são de Natal/RN; as demais adoções
ocorreram para os Estados de São Paulo(7), Paraná (2), Rio de Janeiro (2); Rio
Grande do Sul (1); Mato Grosso do Sul (1).
Em Natal/RN, em abril de 2015, havia 22 crianças e adolescentes inscritas no
CNA, ou seja, disponíveis para adoção. Para nos aproximarmos de seu perfil
usamos gráficos com características indicadas em valores absolutos e em percentil:

Gráfico 3 - Sexo das crianças/adolescentes de Natal/RN cadastrados no CNA em Setembro de 2014

Sexo das Masculino Feminino


crianças/adolescentes do RN
cadastradas no CNA
17

36%

5 64%

Masculino Feminino

Fonte: elaboração própria a partir de levantamento documental – 2014

Quanto ao sexo das crianças e adolescentes, observamos que segue-se a


tendência nacional: existem mais meninos disponíveis para adoção. Em oposição, a
maior parte dos pretendentes desejam adotar meninas, recém-nascidas, brancas e
saudáveis (Weber, 1998). Apesar desse perfil persistir, vêm ocorrendo algumas
mudanças, sendo observado que estão aumentando o número de pretendentes que
são indiferentes ao sexo e a raça.
35

Gráfico 4 - Raça/cor das crianças/adolescentes de Natal/RN cadastradas no CNA em percentil e


valores absolutos em setembro de 2014

Raça/cor das Raça/cor das


crianças/adolescentes do RN crianças/adolescentes do RN
cadastradas no CNA cadastradas no CNA
19 Preta Branca
4,54% 4,54% Indígena
4,54%

Parda
1 1 1 86%

Branca Indígena Parda Preta

Fonte: elaboração própria a partir de levantamento documental – abril de 2015

Quanto a raça, há uma predominância de crianças e adolescentes


consideradas pardas, fato coerente, tendo em vista, que no censo de 2010, 43,1%
da população nacional se autodeclarou como sendo parda. Esse aspecto não tem
figurado como um grande entrave das adoções.
Porém, de acordo com Freire, cabe destacar que em adoções inter-raciais,
ao menos inicialmente, é necessário prever e se preperar para uma possível
incompreensão do meio (família, amigos, vizinhos), lidar com situações e perguntas
inconvenientes e ao mesmo tempo reforçar de maneira positiva a identidade do filho
adotivo. Assim, os casais que optam pela adoção inter-racial precisam “ter uma
visão aberta e que não se contente com os esteriótipos produzidos pela sociedade,
e possuir uma grande segurança interior, para superar as diversas pressões”
(FREIRE, 1991, p. 106-107).
Nos casos em que os pretendentes ainda resistem contra a adoção
interracial, percebe-se uma relação com o desejo por uma criança que seja “sua
imagem e semelhança”, nestes casos, pequenas diferenças entre as nuances de cor
podem significar a não-adoção.
Por outro lado, a faixa etária ainda constitui o maior empasse para que
ocorram as adoções. Em Natal, enquanto, as crianças com idade inferior a cinco
anos representam apenas 7% dos aptos adoção, a maior parte dos pretendentes
ainda opta por bebês ou crianças de até 3 anos.
36

Gráfico 5 - Faixa Etária das crianças/adolescentes de Natal/RN cadastradas no CNA em percentil e


valores absolutos em setembro de 2014

Faixa Etária Faixa Etária


das crianças/adolescentes do RN das crianças/adolescentes do RN
cadastradas no CNA cadastradas no CNA
13
6 a 10
anos
acima de
14%
15 anos
6 27%

3 0a5
anos
11 a 15
0 0%
anos
59%
0 a 5 anos 6 a 10 anos 11 a 15 acima de 15
anos anos

Fonte: elaboração própria a partir de levantamento documental – abril de 2015

A discrepância entre o perfil das crianças/adolescentes inscritos no CNA e do


filho idealizado pelos pretendentes pode estar relacionado com à motivação para
adoção, pois, numa pesquisa interna realizada pela equipe da 2ª VIJ de Natal, em
2009, se identificou que 80% dos pedidos dos pretendentes à adoção foram
formulados por casais, dos quais 79,2% justificaram problemas de infertilidade como
principal motivo para adotar uma criança ou adolescente (MAUX E DUTRA, 2010,
p.363).
Assim, o perfil majoritariamente traçado para as crianças disponíveis à
adoção em Natal, é: meninos, pardos, maiores de cinco anos, com uma
concentração maior na faixa etária de 11 a 15 anos.
Contraditoriamente, embora o número de adoções tardias via CNA sejam
baixos, dentre a amostra analisada a maioria dos processos trata-se de adoções
tardias. Em Natal, no ano de 2013, foram iniciados 70 processos de adoção, desses,
4 foram extintos por presunção de desinteresse das partes e das 66 ações restantes,
41 foram adoções tardias. Porém, apenas 11 se processaram a partir do CNA,
vejamos:
37

Gráfico 6 - Adoções em Natal/RN - 2013

Adoções em 2013
Processos extintos Adoções tardias
6% diretas
43%

Adoções
Adoções de
tardias
crianças de 58%
até 2 anos
36%
Adoções tardias
via CNA
15%

Fonte: elaboração própria a partir de levantamento documental – 2014

Destas, 41 adoções foram tardias, sendo que 12 adoções foram de


adolescentes, das quais apenas uma ocorreu via CNA; sendo 7 adoções unilaterais;
apenas 7 se processaram a partir do CNA e houveram duas desistências na fase do
estágio de convivência (menina, 3 anos, cerca de 2 meses de convivência o casal
pretendente justificou níveis de desenvolvimento insatisfatórios e suspeita de
deficiência cognitiva; casal de irmãos, ele 11 anos e ela 13 anos, 1 mês de
convivência com ela e 3 meses com ele; o pretendente justificou dificuldade de
impor limites), dois grupos de 2 irmãs foram adotadas por duas famílias de outro
Estado (Curitiba/PR) logrando êxito.
Dentre as 41 adoções tardias, apenas 7 se processaram a partir do CNA e
houve duas desistências na fase do estágio de convivência (menina, 3 anos, cerca
de 2 meses de convivência o casal pretendente justificou níveis de desenvolvimento
insatisfatórios e suspeita de deficiência cognitiva; casal de irmãos, ele 11 anos e ela
13 anos, 1 mês de convivência com ela e 3 meses com ele; o pretendente justificou
dificuldade de impor limites). Doze adoções foram de adolescentes, das quais
apenas uma ocorreu via CNA; 7 adoções unilaterais.
Portanto essa realidade parece mostrar que ainda há um destorar entre o
perfil posto pelos pretendentes à adoção e das crianças e adolescentes disponíveis.
Ainda são poucos os interessados em adotar uma criança maior ou adolescente, as
adoções tardias realizadas em sua maioria tratam-se de regularização de situações
que já existiam de fato.
No próximo capítulo observaremos em 10 processos de adoção que
38

tramitaram na 2ª VIJ de Natal, apontamentos quanto a elementos como: perfil e


história de vida das partes; qual foi a motivação; quais os critérios que os adotantes
consideram para definir a idade da criança/adolescente; forma de inserção do
adotado na família; adaptação da criança/adolescente à nova família; quais as
dificuldades e como foram enfrentadas.
39

4 ANÁLISE DE VIDAS E FILIAÇÃO ADOTIVA: A CONSTRUÇÃO DE


FAMÍLIAS E SEUS DETERMINANTES CULTURAIS

Nesse capítulo, iremos analisar como algumas famílias adotivas se


constituíram, a partir dos apontamentos nos autos processuais. Foram os 10
processos da classe de adoção nacional24, metade referente a 2009 e a outra ao
ano de 2013.
Traçamos algumas observações gerais sobre os processos: houve adoções
tanto por casais quanto por solteiros (algumas se referem à adoção unilateral);
também há adoções feitas por parentes em virtude, principalmente, de dificuldades
econômicas dos genitores. Nesses casos, as famílias procuraram regularizar a
situação das crianças depois de decorrido certo período de tempo, sendo que as
adoções começaram quando as crianças tinham entre 5 e 14 anos de idade.
Em alguns processos são vistas particularidades, como o caso em que
adolescente de 12 anos sofreu bullying (com agressões físicas) na escola e busca-
se regularizar a adoção para fazer o registro de nascimento da adolescente e tomar
as devidas providências. Nesse mesmo processo, chama atenção o fato de o núcleo
familiar ser composto pelo casal e 7 filhos (3 adotivos), numa casa própria de 2
quartos, e renda de 3 salários. Aparentemente as necessidades das crianças são
mantidas de maneira pouco satisfatórias, mas ainda exista pretensão por parte da
adotante de ter mais filhos por adoção.
Houve duas desistências de processos de adoção, durante o estágio de
convivência 25 , um em virtude de a adolescente nutrir fortes laços com a família
biológica e fugir da casa da adotante para buscar a genitora, a qual era usuária de
drogas; noutro a genitora concordava com a adoção, pois morava num ambiente de
prostituição, porém, retomou a filha ao alegar falta de autoridade da adotante com
relação à adolescente, a qual saía da casa na hora que bem entendia.
Escolhemos 5 processos de 2009 (abaixo) para serem analisados, dos quais
destacamos alguns fatos que chamaram nossa atenção e podem servir para refletir
sobre pontos comuns às adoções tardias:

24
Alguns desses processos foram cumulativos com a Destituição do Poder Familiar
25
Reveja o conceito no capítulo 2.
40

O primeiro processo trata-se de uma adoção tardia unilateral, que como


vimos no capítulo 2, p. 24, não exige que o adotante passe pelo processo de
habilitação e esteja inscrito no CNA.
Sobre o perfil do adotante observamos que se trata de um homem, solteiro
civilmente, 60 anos de idade, analfabeto, funcionário público, residente no interior do
Estado26, sem filhos.
O adotante assumiu o papel paterno do filho da sua companheira, cumprindo
com as responsabilidades afetivas, materiais e educacionais para o desenvolvimento
saudável da criança. A relação adotante/adotando mostrava-se como paterno/filial,
assim, conjuntamente, com a mãe do adotando, chegou-se ao consenso que
deveriam regularizar e concretizar uma adoção que já existia de fato há 5 anos,
dada convivência familiar, na época da adoção a criança tinha 9 anos de idade.
Segundo a genitora, o pai biológico da criança os abandou quando o filho
tinha 11 meses de nascido, não houve reconhecimento paterno, constando na
certidão de nascimento apenas a filiação materna. Quanto a este dado destacamos
que, geralmente, nos processos que tramitam na 2ª VIJ de Natal, a figura do pai
biológico mal aparece e são poucas as informações sobre eles.
Fávero também observou o mesmo aspecto em pesquisa realizada nas VIJs
de São Paulo, segundo ela:

Na maioria das vezes, o pai está desaparecido, não registra a criança, ou


não assume a sua parcela de responsabilidade pela gravidez. Em outras
ocasiões a gravidez resulta de uma relação passageira, ou o parceiro as
abandona - mãe e criança – posteriormente ao nascimento, além dos casos
em que a mãe recusa-se a prestar informações sobre o genitor, por
diferentes motivos (FÁVERO, 2001, p. 144).

Esta é uma questão remete ao gênero, pois apesar do poder familiar ser
responsabilidade de ambos os pais, ainda é frequente que crianças sejam
registradas apenas com o nome da mãe. Segundo dados do CNJ, com base no
Censo Escolar de 2011, há 5,5 milhões de crianças brasileiras nessa situação.
As razões para a omissão paterna variam. Em alguns casos, a mãe não
conhece seus direitos, outros, não sabe quem é o pai do filho, também pode ser que

26
Os adotantes passaram a residir em Natal, tendo o processo sido remetido a esta comarca por
meio de carta precatória.
41

a mulher opte por não informar ao parceiro sobre a gravidez, geralmente, quando há
conflitos entre os genitores e ainda devido à recusa do homem em assumir a
paternidade.
O abandono paterno pode acontecer a partir falta do acompanhamento da
gestação até a decisão de não exercer a paternagem. Essa ausência acompanha a
criança ao longo de toda sua vida e a deixa vulnerável a constrangimentos, podendo
causar-lhe prejuízos para constituição de sua identidade e personalidade, além, de
privar-lhe de direitos como pensão alimentícia, herança e inclusão em plano de
saúde do pai.
Assim, ainda é predominante a responsabilização feminina nas ações que
tramitam nas VIJs, segundo Fávero (2001, p.145) “isso reflete a idéia difundida
socialmente e culturalmente, de que as questões relacionadas ao mundo familiar e
doméstico são ‘coisa de mulher’”. Esse tipo de visão machista também dá margens
para julgamentos morais de que a mulher pode utilizar a gravidez para obter
vantagens financeiras, por meio do “golpe da barriga”, ou de pensões alimentícias.
No entanto, esse tipo de pensamento desconsidera que um filho é uma
responsabilidade que se estende para além dos gastos materiais (geralmente,
superiores à pensão alimentícia, que tal como o nome diz serve para suprir apenas
uma necessidade básica), implicando na necessidade de dispêndio de tempo,
carinho, afeto e proteção. Além do que se o pai acha que a mãe não está aplicando
bem os recursos e sendo negligente com o filho, ele tem a possibilidade de
reivindicar a guarda do filho.
Acima de tudo deve ser observado o direito da criança a ter paternidade e
maternidade reconhecidas, além da presença de ambos os pais durante seu
desenvolvimento.
No segundo processo, a situação se repete, pois, a criança foi registrada por
pai e mãe, mas na realidade foi abandonada pelo genitor que nunca procurou
exercer a paternidade. Neste caso há alguns diferenciais, pois, a adotante é uma
senhora de 81 anos, natural de Natal, ensino médio incompleto, solteira, funcionária
pública aposentada.
Sobre sua família, a adotante refere que seus pais foram presentes em sua
criação e que ela é a caçula de 6 irmãos, todos falecidos. Segundo o estudo social,
sua motivação para adoção parte do fato de que a criança é filha de sua empregada
42

doméstica, por isso a convivência existe desde o primeiro dia de vida da criança,
surgindo uma relação de afeto e amor.
Quando a criança completou 4 anos, a sugestão para adoção partiu da
própria genitora, a qual é natural da Paraíba e tem 7 irmãos, tendo passado uma
vida difícil devido às condições financeiras, trabalhou desde de cedo em casas de
farinha, como babá, doméstica e costureira. A genitora entende que por trabalhar há
16 anos, na casa da adotante, esta é para ela e para sua filha como uma mãe.
Segundo Sarti (2007, p. 31), principalmente as famílias pobres assumem
configurações em rede porque:

Nos casos de instabilidade familiar por separações e mortes, aliada à


instabilidade econômica estrutural e ao fato de que não existem instituições
públicas que substituam de forma eficaz as funções familiares, as crianças
passam a não ser uma responsabilidade exclusiva da mãe ou do pai, mas de
toda a rede de sociabilidade em que a família está envolvida.

As famílias buscam apoio e sustentação básica com quem se pode contar,


por exemplo: “Não há relações com parentes de sangue, se com eles não for
possível dar, receber e retribuir, enfim, confiar” (SARTI, 2007, p.33). Parece-nos que
a mãe biológica da adotanda estabeleceu laços afetivos que lhe permitem oferecer
sua filha à adotante como forma de afirmar um sentimento de pertença já existente,
a adoção, nesse caso, parece com um elo para solidificar essa família.
É cabível refletir sobre tal situação, considerando os aspectos do mercado de
trabalho brasileiro, que ainda não garante todos os direitos de seguridade social aos
empregados domésticos, e tem acesso limitado pela exigência de contribuição.
Nesse sentido, uma adoção pode mostrar-se como uma estratégia de sobrevivência
que une o gozo de melhores condições de vida e a construção de uma família mais
forte.
No terceiro processo, a adotante tem 73 anos de idade, viúva, aposentada e
pensionista, residente em Felipe Camarão, tem 9 filhos com idades entre 38 e 50
anos, dos quais 3 são adotivos.
O relatório a descreve como uma pessoa idônea que se mostra responsável
com suas obrigações e bastante ativa, chama a atenção o fato de a adotante
descrever-se como uma pessoa caridosa, referindo ser bastante difícil ver uma
pessoa necessitando de cuidados e ajuda e não se mostrar solícita.
43

Quanto à diferença de idade, a adotante conta com o apoio da família. Os


filhos da adotante são muito ligados e presentes na vida da criança, concordam com
a adoção. Uma das filhas se dispõe a cuidar da criança caso a mãe venha a falecer.
De acordo com estudo psicossocial, antes de iniciada a adoção, quando a
criança tinha 10 meses de nascida houve o contato inicial com a adotante, pois uma
parenta do seu primeiro esposo, a qual era avó paterna do adotando o entregou ao
alegar que não teria condições de criá-la. Segundo a adotante, “a criança estava
doente e ela ficou penalizada e resolveu cuidar dele até que sua saúde estivesse
restituída e a mãe tivesse se organizado de maneira que pudesse assumi-lo”.
Após alguns meses a mãe biológica acionou o CT para reaver o filho, tirando-
o da convivência da adotante, pouco tempo depois, a mesma o trouxe de volta para
a adotante, pois a criança estava doente com diarreia e desidratação. Desde então a
mãe biológica não voltou a demonstrar intenção de tê-lo sob sua responsabilidade.
No relatório não há menção a entrevista com os genitores, pois não foi
possível localizá-los, segundo informações da peça inicial, testemunhas dizem que a
genitora tem 4 filhos, 3 de pais diferentes, e estava grávida do quinto.
No quarto processo, a adotante tem 70 anos de idade, solteira, aposentada,
Cidade Satélite, não possui filhos biológicos, mas criou diversas crianças, as quais já
haviam atingido a maioridade.
A adotanda é filha de um primo, residente numa fazenda do interior do
Estado, foi registrada por ambos genitores. A criança nasceu prematura, com peso
inferior a 2kg, acometida com doenças no pulmão, por isso, após a alta médica,
cerca de um mês após o nascimento, mãe e filha ficaram na casa da adotante.
No entanto, a genitora precisou voltar para sua casa tendo em vista que tinha
mais duas filhas, na época com 2 e 5 anos, deixando a recém-nascida aos cuidados
da adotante, que passou a tratá-la como filha. Segundo os adotantes a decisão de
doar a criança partiu principalmente das dificuldades financeiras.
A adolescente nunca foi privada de sua história de vida, era permitido que ela
visitasse os pais e passasse as férias em sua companhia, mas a adotanda relata
que nesses momentos era discriminada pelas irmãs e se sentia diferente por não ter
habilidades nos trabalhos domésticos que teria de realizar naquele local.
Apesar de não haver nenhuma objeção por parte da adotante, os pais não
participavam da criação da adotanda, o genitor, em especial, demonstrava-se muito
grosseiro com as filhas, causando rejeição por parte da adolescente.
44

Inicialmente, houve resistência por parte do genitor no que se refere à


regularização da adoção, porque não queria que o registro de nascimento da filha
ficasse sem filiação paterna, dada a situação civil da adotante. Mas ao analisarem a
situação e perceber que somente assim a adolescente gozaria de mais segurança e
todos os direitos pertinentes à filiação, bem como pelo fato de saber que a filha
vinha sendo bem criada, com amor e boa educação, concordaram com a
concretização da adoção que já existia de fato.

O quinto processo, nos remete a uma adoção feita por casal, ela com 48
anos de idade, exerce o ofício de ASD 27 , grau de instrução ensino fundamental
incompleto e ele com 47 anos, professor, ensino superior incompleto.
Os adotantes são casados, têm um casal de filhos biológicos, com idades de
26 anos e 14 anos, e residiam no interior do Estado na época do início do
processo28. A renda da família era em média de 3 a 4 salários mínimos.
A adotanda é uma adolescente com 13 anos de idade, sem nenhum grau de
parentesco com os adotantes, cuja história de vida é cheia de percalços. A partir
daquilo que é possível inferir pelo termo de tomada de depoimento do conselheiro
tutelar e a guia de acolhimento do serviço SOS Criança, os pais foram omissos
devido ao vício em drogas que os levou a negligenciar os 6 (seis) filhos, 3 do sexo
feminino e 3 do sexo masculino.
O fato das crianças/adolescentes permanecerem sozinhos nas ruas e a pedir
esmolas culminou numa denúncia ao SOS Criança que levou o grupo de irmãos a
ser acolhidos numa instituição. Sendo que um dos irmãos29 fugiu para ficar junto dos
genitores e da irmã mais velha, a única a não ser acolhida devido ter maioridade, e
infelizmente foi assassinada cerca de um ano depois.
Segundo o depoimento, através de entrevistas, pôde-se inferir que quando os
pais realizavam alguma visita aos filhos era perceptível que a motivação era o
interesse financeiro, pois, sem as crianças não poderiam continuar a receber o
benefício social Tributo à Criança30. Como a situação social e econômica dos pais

27
Não consta o significado da sigla no relatório.
28
Os adotantes passaram a residir em Natal, tendo o processo sido remetido a esta comarca por
meio de carta precatória.
29
Segundo o depoente, o adolescente que fugiu do acolhimento é infrator e usuário de drogas, já
tendo sido aplicada medida socioeducativa.
30
O Tributo à Criança é um programa do município de Natal que presta atividades educacionais
mediante remuneração às famílias inseridas num contexto de vulnerabilidade social.
45

continuava inalterada, havendo o risco de expor novamente os filhos a situações de


risco, as crianças foram destituídas e postas para adoção.
O processo de adoção foi iniciado cerca de 3 meses após a destituição, e
mesmo com esta agilidade, a adolescente já estava a quase 2 anos em acolhimento
institucional.
Nesse tipo de caso em que a criança/adolescente já sofreu violações de
direito, Isabel Kahn Marin (Freire, 1991, p 10) diz que aos adotantes:

[...] é indispensável haver a consciência [por parte da família adotante] das


determinações sociais dessa condição para entender a família que
abandonou e situar a criança nesse seu contexto. Não se deve também,
colocar-se como substituto mágico dessas faltas, tentando negar as marcas
das perdas, das decepções, das frustrações, mas sim permitir que essas
vivências tenham um sentido para essas crianças de forma que elas
busquem participar e transformar seu contexto social.

Ressaltamos que nesse processo houve apenas o estudo social


(determinação judicial), realizado por assistente social. do Centro de Referência em
Assistência Social (CRAS), refletindo a realidade de vários municípios brasileiros nos
quais os profissionais que trabalham no âmbito da assistência são requisitados a
suprir a defasagem da área sócio jurídica a qual dispõe de um número insuficiente
de assistentes sociais e psicólogos para compor suas equipes técnicas.
O estudo social ocorreu durante o período de estágio de convivência e
caracterizou que “a dinâmica familiar apresenta estrutura organizada e pode ser
classificada como um ambiente saudável”, a família demonstrou estar se adaptando
bem à adoção. Segundo o mesmo documento a motivação dos adotantes partiu do
fato da adolescente já havia convivido, por 9 meses, na família dos mesmos. Na
época a adotanda tinha idade de 3 anos e somente foi entregue aos pais porque
estes reivindicaram-na de volta.
Os adotantes mensuraram ter pouco conhecimento sobre a história de vida da
adotante e ser indiferentes a tal, a não ser no que se refere a poder ajudá-la a
superar os traumas que tenha. Demonstraram segurança ao concluir que nada que
chegassem a conhecer iria interferir na decisão da adoção da adolescente.
Sobre o comportamento da adolescente, os adotandos afirmam que a
adolescente era carinhosa, atenciosa, obediente e tem uma ótima relação com os
irmãos e demais familiares. No termo de audiência, o adotante ratifica que a
46

convivência está ótima, que o casal já tem experiência em educação de crianças,


pois já têm um neto; disto se percebe que os adotantes sentem-se seguros quanto à
adoção da adolescente, demonstrando maturidade para compreender as
necessidades da adotanda31.
A adolescente precisou de professora particular e aulas de reforço para ter
condições de entrar na escola, tendo em vista, que era quase analfabeta; essa
dificuldade é comum em crianças que foram submetidas a pouco estímulo
educacional e maior probabilidade de a baixa assiduidade, repetência e evasão
escolar durante os primeiros anos de vida. Além, da vivência de situações de
rupturas no contexto educacional, por exemplo, quando precisam mudar de escola
após o acolhimento institucional.
Em sequência, é dito que: “a adotanda não sinaliza sinais de rebeldia e se
preocupa com a família, pede a benção; se mostra integrada; tem amigas na
vizinhança e não se mostra interessada em sair na cidade apresentando medo.
Além disso, o casal relata tomar cuidado com suas amizades para que não exista
influência negativa.”
O discurso dos adotantes revela, mesmo que de forma inconsciente, um
preconceito relacionado com o mito de que a adoção estaria relacionada com
problemas futuros devido ao fato de que poderia ter o “sangue ruim”, uma herança
genética negativa que lhe levaria a ser uma pessoa de mau caráter independente
dos cuidados e da educação recebida.
Este tipo de preconceito não tem qualquer fundamentação cientifica, pelo
contrario, estudos apontam que a personalidade é construída socialmente e o
comportamento é aprendido e passível de mudanças.
Segundo a psicóloga Pauliv Souza (2006, p. 14), ser filho adotivo, contudo,
não é fácil. Pelos preconceitos sociais, este filho “tem” que “andar na linha”, pois, se
for um “filho problema”, o será por ser adotado (e não por possíveis dificuldades dos
pais ou da família).
Os familiares mostravam-se disponíveis afetivamente e com condições
socioeconômicas para adotar, bem como, a adolescente expressou sua anuência
quanto ao pleito, houve parecer favorável e a adoção foi concretizada após 3 meses
da abertura do processo.

31
Ebraim (1999) faz um estudo sobre a relação entre adoção tardia, maturidade e altruísmo.
47

Quanto aos demais irmãos, o estudo social não faz qualquer menção, por
isso, não é possível inferir se o contato entre estes foi rompido de forma definitiva,
bem como não sabemos se existia algum vínculo afetivo construído de maneira
positiva com a família biológica.
Sobre o parágrafo anterior, reiteramos que apesar da adoção romper
legalmente com os vínculos da família natural, quando a adoção ocorre com
crianças maiores ou adolescentes as lembranças da família biológica estarão
presentes e pode ser que ainda exista o desejo por parte do filho adotivo de continuar
a se relacionar com alguns parentes. Acredito que há de se ponderar, refletir e
conversar a respeito, avaliar os benefícios e malefícios que podem resultar da
aproximação.
Nos 5 (cinco) processos referentes ao ano de 2013, observamos os seguintes
dados:
No primeiro processo, o adotante, 61 anos, solteiro, aposentado, sem filhos
biológicos, natural da Paraíba, residindo em Natal há 23 anos, em apartamento
próprio com 13 cômodos e boas condições de higiene, o requerente possuí ainda
um imóvel em um condomínio fechado na praia de Búzios.
Segundo relato do adotante, os pais da criança trabalhavam respectivamente
como Auxiliar de Serviços Gerais (ASG) e faxineira no condomínio em que ele
residia e sempre levavam a criança por não ter onde deixá-la, como ele gostava
muito do casal se ofereceu para ficar com o menino em seu apartamento enquanto
os pais trabalhavam.
O adotante ajudou a manter a criança desde os três anos de idade, sendo
inclusive, seu padrinho; o matriculou em escola particular que ficava próxima à
residência do casal; passava finais de semana na praia com seus familiares e a
família do adotando, onde todos se afeiçoaram a criança que sempre brincava com
seus sobrinhos.
Quando saiu do Jardim e entrou no ensino fundamental, a criança ficava em
sua residência a maior parte do tempo. Neste período, o pai da criança veio a óbito
de forma inesperada, e o adotante providenciou apoio psicológico para ajudá-lo a
superar a perda do pai.
Com o falecimento do genitor o menino que já passava boa parte do tempo
com o requerente, ficou em definitivo em sua companhia, a guarda judicial da
criança foi obtida em 2011, sendo orientado a pedir a adoção considerando que a
48

guarda limitava seus direitos sobre a criança e não assegurava direitos como poder
colocá-lo como seu dependente no plano de saúde do Banco do Brasil.
Segundo o relatório, a criança demonstra ter bastante afinidade com o
requerente e com seus familiares sendo considerado por todos como membro da
família, tem todas suas necessidades básicas atendidas de forma satisfatória, e
recebe amor e carinho como se filho fosse. A mãe biológica da criança concorda
com o pedido formulado pelo requerente e tem conhecimento das implicações
jurídicas do caso.
No segundo processo, a adotante, 40 anos de idade, natural de Natal-RN,
grau de instrução ensino médio completo, copeira, é a filha primogênita de uma
prole de 5 filhos. O adotante, 48 anos de idade, natural do interior do Estado, grau
de instrução ensino médio incompleto, aposentado devido problemas de saúde.
Seus pais são ambos falecidos em virtude de câncer.
Segundo o adotante, sua infância foi um período em que a família enfrentava
muitas dificuldades financeiras, fato que fez com que fosse residir com sua avó
materna. Lembra que costumava ajudá-la nas tarefas cotidianas. Na década de
1960, a família viajou de barco fugindo de uma enchente. Decidiram residir em
Natal-RN em busca de melhores condições de vida. Aqui o adotante foi criado por
uma tia paterna chamada de Titita.
Trazemos essa parte da vida do adotante, porque há algo interessante, pois
apesar de ter sido “criado” pela avó e pela tia não enxergava tais fatos como
adoções, tendo em vista que essa nunca foi a intenção, não recebia nesses locais o
tratamento de filho, apenas, “circulava” entre a casa dos parentes como forma de ter
provida suas condições de vida.
Sobre a motivação para adoção, a adotante, relata que após namoro de cerca
de dois anos, houve o casamento e o casal descobriu que ele possuía problemas de
fertilidade, mas, não chegaram a buscar tratamento, pois uma colega de trabalho da
adotante entregou seu neto para o casal “criar”. A avó alegou que já tinha outros
netos e que a filha não assumia a maternagem. Seu paradeiro era ignorado.
O casal conviveu poucos anos e se separou em virtude de brigas,
principalmente, porque ele costumava ingerir muita bebida alcoólica. Após a
separação, o adotante sofreu um acidente que ocasionou problemas mentais e
convulsões, nesse período ele voltou a residir com seus genitores, passou por três
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cirurgias, e acompanhamento com psicólogo e fisioterapeuta. Até a data da adoção,


fazia uso de medicação controlada.
Quando ocorreu a morte da genitora do adotante, esse voltou a residir junto a
família de sua ex-companheira, tendo em vista que o pai já havia falecido e os
irmãos já haviam constituído família. Na época do processo, os adotantes, residiam
em casas vizinhas e mantinham uma boa convivência, como ambos partilhavam as
responsabilidades pelo adolescente decidiram adotar conjuntamente, possibilidade
prevista pela Lei de Adoção.
A adotante teve outro relacionamento, o qual durou aproximadamente 6 anos,
com uma prole de três filhos homens, com idades 11 anos, 8 anos, e 6 anos. Destes
o segundo era criado pela avó materna.
O adotando, 14 anos de idade, cursa o 7º ano, tomou ciência de sua história
de vida quando tinha cerca de 9 anos e após conversas com os familiares, aceitou
bem a adoção. Sobre seu comportamento, a adotante ressalta que o mesmo é
desinteressado pelos estudos, tendo sido reprovado no ano escolar anterior, no
mais, é um bom filho.
Quanto a revelação da adoção esse é um momento delicado, pois houve
omissão da verdade, a maior parte dos casos de revolta e rebeldia de filhos adotivos
acontecem a partir de o recomendável é que a história de vida da criança venha
sendo contada desde de tenra idade, a verdade deve crescer junto com a criança,
não há momento certo, nem deve-se esperar a criança ou adolescente perguntar,
conforme for avançando a capacidade de entendimento deve ser acrescentados
dados biográficos e ir se falando aos poucos, a medida que as dúvidas forem
surgindo.
Nas adoções de crianças maiores e adolescentes, esse é um ponto positivo,
pois, geralmente, filho adotivo já entende que é filho biológico de outras pessoas;
além de ter opinião formada sobre a família natural sendo raros os casos em que
deseja conviver com essa, derrubando por terra o medo e o mito de que o filho
adotivo iria deixar os adotantes devido os laços de sangue falarem mais alto.
A adotante demonstra proporcionar segurança e bem-estar aos filhos, diz
impor limites e acompanhá-los tentando sempre lidar com a rebeldia da fase da
adolescência. Relata ser uma mãe comprometida com o acompanhamento escolar
do filho, contando com o apoio de sua genitora e demais familiares.
50

O adolescente disse que reconhece os adotantes como pais, que os ama e


deseja que a adoção seja formalizada.
Sobre as condições sócio econômicas e habitacionais A adotante reside em
casa própria, constituída de quarto, sala, cozinha e banheiro. Na residência moram a
adotante e os 3 filhos. A renda mensal da família é de R$ 1.800,00 (um mil e
oitocentos reais). As despesas domésticas em média correspondem a R$ 150,00
(conta de água e luz).
No terceiro processo, o adotante, militar aposentado, 63 anos de idade, do
primeiro casamento possuí 05 filhos, todos são adultos e independentes. A adotante,
43 anos de idade, 2º grau completo, do lar. Os requerentes são casados há 09 anos,
desse casamento possuem uma filha biológica com 07 anos de idade. Os
requerentes residem em casa alugada, composta de 2 salas, 2 quartos, 1 banheiro,
garagem e quintal. Possuem uma casa própria a qual é alugada. O requerente
mantém a família com o salário de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos cruzeiros).
A adotanda é sobrinha da requerente atualmente com 12 anos de idade,
declara que conhece sua história de vida, considera os requerentes como os seus
pais e deseja com toda certeza ser adotada por eles, os chama pelos nomes
próprios e com relação a mãe biológica a chama de mãe.
Os requerentes contaram que, com pouco tempo de casados, ainda sem
filhos, a irmã da adotante, que residia noutro Estado separou-se do esposo e voltou
a residir com sua mãe numa cidade do interior do RN, trazendo consigo seus três
filhos. Por falta de condições financeiras, a mãe e a avó da criança, pediram que a
requerente levasse duas dessas crianças para morar com ela. Além da adotanda, na
época com 03 anos incompletos, sua irmã mais velha, que possuía 05 anos, a qual
voltou para a casa da avó para ficar perto da mãe.
A adotanda continuou sob responsabilidade dos requerentes, que foram se
vinculando como pais da menina. O casal fez questão de contar à criança toda a sua
história, estimularam, inclusive a menina a chamar sua genitora de mãe e
mantiveram as duas sempre em contato. Porém, a mãe biológica nunca demonstrou
interesse em trazer a filha de volta para seu convívio. Os requerentes já haviam
entrado com o processo de adoção anteriormente, com a aprovação da mãe
biológica, porém, no dia da audiência, o pai biológico não concordou com a adoção.
A adotanda continuou sob a guarda dos adotantes. Após a morte do pai biológico da
adolescente, os requerentes insistiram com a adoção, por acreditarem ser o melhor
51

para ela, pois lhe dará os mesmos direitos que a filha biológica do casal (plano de
saúde, pensão, inclusão do sobrenome), o que demonstra preocupação com a
adolescente e, principalmente com o futuro dela.
Durante a avaliação psicológica foi percebido muita harmonia, carinho e
respeito entre o casal, bem como muito amor pela adotanda. Foi percebido não
haver distinção no tratamento e cuidados oferecido à requerida em relação a outra
filha do casal. O adotante contou que, apesar de ter o desejo de ver seu sobrenome
incluído no nome da adolescente, nunca fez esse pedido, por achar que essa deva
ser uma decisão dela. Tal postura demonstra respeito pelas escolhas da
adolescente.
Na entrevista com a adotanda foi percebido a vinculação natural de filha e
pais, além de seu desejo na concretização da adoção. Também demonstrou muito
amor pela filha do casal, a quem tem por irmã mais nova. Contou também que tinha
o desejo de acrescentar o sobrenome de seu pai (requerente) em seu nome.
Inclusive, há muito tempo tinha vontade de escrevê-lo, pois gostava da ideia de ter o
nome igual ao dos pais e irmã. Contou que tem um carinho especial pela mãe
biológica, falou muito bem dela, dos irmãos biológicos, porém, a referências familiar
que possuí está vinculadas ao casal requerente e a filha destes. Ela reconhece seus
parentescos genéticos, mas os vínculos afetivos se mostram mais relevantes e
significativos em sua vida.
Uma questão importante é o fato de ter havido um desentendimento há cerca
de três meses na família, pois, segundo o casal, foi descoberto que a mãe biológica
da adotanda não estava cuidando bem da sua mãe. O desentendimento entre os
irmãos, fez ela ameaçar não consentir com a adoção por ocasião da audiência. O
casal, demonstrando uma postura emocionalmente madura, procura proteger a
adolescente desse conflito na família para que não interfira na relação que a
adotanda possuí com a mãe biológica, pois consideram importante para ela manter
boas lembranças da figura materna.
No quarto processo32, os adotantes, ele, 37 anos de idade, empresário, e
ele, 28 anos de idade, empresário, convivem em união estável há 08 anos. Estavam
cadastrados para adoção desde 2011. O casal pretendia adotar apenas uma
menina, porém, o tempo de espera de 2 anos e a oportunidade de visitarem a

32
Trata-se de uma adoção homoparental, ou seja, adoção por casal homoafetivo.
52

instituição de acolhimento, anteriormente, despertou o interesse em adotar grupo de


irmãos. Amadureceram a idéia e decidiram aumentar o número de crianças que
desejavam adotar e a faixa etária.

Foram convidados a conhecer o casal de irmãos, João com cinco anos e


Maria com dois anos de idade; decidiram iniciar essa adoção, as crianças foram
desligados da unidade de acolhimento, o casal recebeu a guarda provisória e a
família permaneceu em estágio de convivência cerca de 2 meses.
Nos primeiros dias de convivência, observou-se comportamentos ambíguos
por parte das crianças, principalmente mediante colocação de limites, e chegaram a
expressar o desejo de voltar para a instituição de acolhimento. Segundo o relatório
psicológico, “estes comportamentos são comuns e esperados neste momento inicial,
pois as crianças estão passando por muitas mudanças profundas, em que o novo e
o ainda desconhecido muitas vezes chegam a ser assustador”.
A postura acolhedora e compreensiva dos requerentes diante destas
situações, buscando respeitar o tempo das crianças, as ajudou a começar criar um
vínculo de confiança com eles e sentirem-se a vontade no ambiente que havia sido
organizado para recebê-las.
Este foi também um período de total modificação na vida do casal e de
familiares, os quais precisaram se adaptar e aprender as peculiaridades que dizem
respeito ao cuidado das crianças. O casal aponta que neste momento contaram com
auxílio de familiares, em especial de uma das irmãs deles que os instruía em como
agir mediante algumas situações. Ainda neste sentido, segundo eles, as crianças
têm sido bem acolhidas pelos familiares de ambos, os quais já tiveram a
oportunidade de conhecê-las e se colocaram à disposição mediante a alguma
necessidade.
Durante as visitas realizadas ficou nítido que as figuras de confiança e
referência das crianças eram o casal e a cuidadora que os auxília, de modo que elas
só se aproximavam dos visitantes quando os requerentes sinalizavam que eram
pessoas confiáveis. Já se observava nas crianças o sentimento de pertencimento ao
lugar e a família, pois comumente aos finais de semana o casal as leva para praia,
onde reúne boa parte dos seus parentes.
Desde a vivência na instituição as crianças mostraram ter um vínculo forte e
protetivo, principalmente de João com relação à Maria que não queria afastar-se
53

dela, mas foi possível observar, no decorrer do estágio de convivência, que os


cuidados e proteção por parte dos requerentes possibilitaram que ele demonstre
confiar o suficiente no casal para sair sozinho com um dos requerentes, enquanto
Maria fica com o outro.
O casal demonstrou se preocupar com a educação das crianças, tanto em
termos moral quanto escolar, buscando acompanhar de perto as dificuldades e
evoluções de ambos.
Os adotantes têm buscado colocar os limites necessários e corrigir alguns
comportamentos inadequados, o que parece ser feito de modo tranquilo, pois estes
têm compreendido que as crianças precisam de um tempo para aprender novos
hábitos. Estes ainda têm percebido que a influência do ambiente sob o
comportamento das crianças tem sido significativa, pois muitos comportamentos
como de agressividade e agitação foram resignificadas por meio do afeto e da
paciência.
No tocante ao futuro, o casal já faz planos concretos de mudança de escola e
de colocação deles em alguma atividade com viés artístico. As crianças também
aparecem dentro dos seus projetos pessoais. Devido à natureza do trabalho de
ambos (moda), algumas viagens se fazem necessárias no decorrer do ano, assim, o
casal já planeja levar as crianças em viagens futuras, de maneira que possam ficar
juntos sempre que possível, mas também já tem se organizado para que elas fiquem
assistidas quando não for possível levá-las consigo.
O casal tem, ainda, se preparado para conversar com as crianças sobre o
modelo de família o qual estão inseridas, mas desde já pontuam que isto é uma
questão que lidam bem e pretendem passar para elas de modo natural e tranquilo.
De acordo com informações dos requerentes, as crianças já foram avaliadas
por pediatra, estão providenciando as vacinas que faltam, dormem e se alimentam
bem, ganharam peso, o que visivelmente foi verificado. Estão estudando, no turno
vespertino.
No quinto processo, tratamos de uma adoção de duas irmãs de Natal/RN,
as quais foram adotadas, via CNA, por um casal de Curitiba (PR).
O casal pretendia adotar uma criança de 0 a 3 anos de idade, aceitava um
grupo de até 2 irmãos, com a idade de até 7 anos do mais velho. Também não
tinham restrição quanto à adoção interracial. Há histórico de adoção bem sucedida
na família dela.
54

O casal tinha tempo de convivência conjugal de 9 anos. Segundo a adotante


“quando nos conhecemos, minha filha tinha 12 anos e ele nunca a desrespeitou nem
a discriminou por não ser filha biológica dele, sempre me ajudou a educá-la e esteve
mais presente na vida dela do que o pai biológico, acolhendo-a muito bem”.
O desejo de adotar sempre existiu para ela, não sabe de onde o desejo surgiu,
pensava em realizar esse sonho quando sua vida estivesse estável. O casal tinha
vontade de ter um filho mas a gestação não ocorreu naturalmente e ambos optaram
por não tentarem alternativas artificiais. Ele questionou a esposa sobre a
possibilidade de adotar.
O casal se mostrou bem resolvido quanto ao fato de não ter filhos biológicos,
pretendem contar a história de vida e demonstram ter conhecimento sobre o assunto.
Dada a flexibilidade do casal, cerca de 5 meses após a inclusão no CNA já foi
iniciado o processo de adoção, para tanto foi feita uma busca ativa pelo casal junto a
Grupos de apoio à adoção (GAAs). Tomaram ciência do grupo de irmãs de 3 e 6
anos, portanto dentro do perfil do casal. Após consulta no CNA constatou-se quel
não haviam pretendentes para as crianças em Natal, bem como, houve a
desistência de alguns casais mais antigos de outros Estados.
Assim ocorreu toda tramitação do processo, via carta pretória, que permitiu ao
casal a guarda provisória e iniciar o processo de estágio de convivência por cerca de
2 meses.
Os adotantes perceberam inicialmente que havia uma aproximação maior das
crianças com o requerente, ora que o tratamento que elas dispensavam era de “pai”
e “tia”. Foi marcante um momento de regressão com as infantes, quando sentiram
confiança na adotante, ambas pediram para mamar no seu seio, e após a
encenação, a mais nova verbalizou “agora eu sou seu bebê”. Após esse episódio
bastante simbólico as meninas se vincularam a requerente de forma mais concreta,
passando a tratá-la por mãe.
A filha biológica da adotante, já de maioridade, também foi importante para
ajudar as meninas a se adaptarem ao novo lar, todos na família as acolheram bem,
tendo em vista que todos sabiam desde o início do processo de habilitação que
havia interesse em adotar e deram apoio a decisão do casal.

Notou-se uma disputa natural entre as irmãs pela atenção dos adotantes e da
irmã mais velha, o que foi trabalhado com naturalidade e bom manejo.
55

A partir de nossas observações, concluímos que em geral as adoções tardias


que ocorrem na 2ª VIJ da Comarca de Natal/RN, referem-se, em grande parte, mais
à regulamentação via adoção direta do que ao propósito inicial de se adotar uma
criança maior de dois anos ou adolescente.
Ainda não é perceptível uma cultura de adoção em que as pessoas tenham
superado seus interesses individuais e percebam que o primordial é a criança e o
adolescente, que há expectativas de adoções imediatas sim, mas que diferem
daquelas, via de regra, idealizadas: são as adoções necessárias.
Isso está vinculado à cultura, pois a noção de família na contemporaneidade
ainda é frequentemente atrelada à ideia de natureza biológica do ser humano,
servindo de sustentáculo para tantos mitos e preconceitos quanto à adoção.
Também é presente o fato da legislação infanto-juvenil ser recente, e ainda
mais nova ser a Lei de Adoção, sendo que as mudanças aplicadas não são de
conhecimento da maioria da população que ao praticar adoções irregulares ou
adoções à Brasileira ainda utiliza justificativas como: “na minha época era assim”;
“algum parente meu adotou dessa forma”, entre outras.
Assim, percebemos adoção, em especial, adoções necessárias, é um tema
pouco debatido, como se fosse um problema doméstico ou privado e não política
pública, traço perceptível pelo fato de não haver uma Política ou Programa Nacional
sobre Adoção.
Sobre a análise dos relatórios percebemos que há uma variação quanto a
quantidade de detalhes e os pontos abordados, de acordo com a subjetividade de
cada profissional. Por isso, em alguns processos havia falta de informações
importantes ao nosso estudo. Embora, esteja claro que em processos de adoção o
estudo psicossocial tem em foco as relações familiares e suas motivações, em
alguns relatórios ainda constatamos que as observações recaem fortemente sobre
análise de conduta dos envolvidos.
Por fim, notamos que há uma linha tênue entre os aspectos abordados na
avaliação social e psicológica, não se consegue identificar a diferença entre a
abordagem da psicologia e do serviço social, talvez porque essas profissões ao
analisar o mesmo objeto, apesar de adotarem abordagens diferentes, têm visões
semelhantes e complementares cujos interesses basilares sobre a necessidade de
efetivação dos direitos da criança e adolescentes dão um direcionamento que segue
a mesma direção.
56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escolha desse tema se deu pelas contradições inerentes a adoção de


crianças maiores e adolescentes, como o fato de haver milhares delas esperando
para ser adotadas, enquanto há milhares de pessoas querendo adotar.
Esperamos que este trabalho possa contribuir com elementos suficientes para
permitir a reflexão acerca da adoção tardia, para que essa possibilidade não seja
afastada de antemão. Frisamos que não queremos convencer ninguém, pois a
adoção deve ser consciente, deve partir do desejo individual e é imprescindível
haver conhecimento dos próprios limites e uma análise referente se há condições de
exercer a maternagem/paternagem de forma responsável.
Ao longo dos capítulos observamos a adoção sob seus aspectos sócio
históricos, as políticas destinadas ao público infanto-juvenil e vimos que na maior
parte dos casos são as violações de direitos que exigem que as crianças e
adolescentes sejam acolhidas. Apenas, quando não é possível reintegração à
família natura ou extensa, ficam disponíveis para adoção.
A orfandade ou abandono tardio, bem como, a demora no processo de
destituição do poder familiar pode significar menos chances de adoção, pois o perfil
que os pretendentes buscam adotar são meninas com até 3 anos, brancas,
saudáveis. Em oposição, não há em Natal, nenhuma criança menor de 5 anos
disponível para adoção. Há sim, crianças maiores de seis anos e adolescentes (22)
que têm esperança de um dia deixar a unidade de acolhimento e ter amor, carinho e
proteção.
A partir da Lei 12.010/2009 as adoções devem se processar somente através
do CNA, no entanto, as 3 exceções existentes parecem estar se transformando na
regra, pois correspondem a maior parte dos processos. Dentre as 10 adoções
tardias analisadas, apenas duas ocorreram via CNA, e essas foram as únicas em
que a primeira aproximação entre pretendente/criança/adolescente foi iniciada
quando essas já eram grandes.
Percebemos que nas demais adoções já havia contato entre
adotante(s)/adotado, seja por parentesco, relações de trabalho/amizade ou adoções
unilaterais. As motivações parecem ligadas à infertilidade, acolher membros da
57

família após separação conjugal de parentes, ou garantir direitos para crianças


consideradas filhos, mesmo com a presença de um dos pais biológicos.
Alguns preconceitos e mitos se mostraram presentes como que o filho
adotivo poderia ter o “sangue ruim” e iria desenvolver um mau-caráter, fato sem
qualquer fundamentação científica dado que só herdamos geneticamente
características físicas e fisiológicas; ou que a família biológica é sempre “má” ou que
o sangue fala mais alto; por fim, que o filho adotivo irá abandonar quem o criou para
procurar a família biológica, porém, em todos os processos as crianças/adolescentes
conheciam sua história de vida e nenhum demonstrou tal interesse.
A partir de nossas observações, concluímos que em geral as adoções tardias
que ocorrem na 2ª VIJ da Comarca de Natal/RN, referem-se, mais à regulamentação
via adoção direta do que ao propósito inicial de se adotar uma criança maior de dois
anos de idade ou adolescente, tal fato também pode estar ligado à concepção de
família e cultura.
A noção de família na contemporaneidade ainda é frequentemente atrelada à
ideia de natureza biológica do ser humano, servindo de sustentáculo para tantos
mitos e preconceitos quanto à adoção. Por exemplo, quando a adoção visa sanar
um problema de infertilidade, busca-se maior semelhança possível para o processo
natural, sendo essencial que a criança seja o mais recém-nascida possível.
Culturalmente a adoção tardia pode enfrentar muitos preconceitos, tendo em
vista que é mais evidente e muitos poderão questionar coisas do tipo: “Mas ele é seu
filho de verdade?”; “Ele é filho do coração?”; “Como você teve coragem?” Ou “Ai,
meu Deus! Você é uma santa!”. São todas formas de preconceito, às vezes, por falta
de conhecimento noutras por falta de sensibilidade humana.
Adoção não deve se resumir a caridade, solidariedade, benemerência, entre
outros valores cristãos, pois adoção é forma de filiação e os pais adotivos, como
todos os outros, vão ter de enfrentar momentos bons e maus, precisaram de diálogo
e compreensão para ajudar os filhos a crescer.
Portanto, ainda não é perceptível uma cultura de adoção em que as pessoas
tenham superado seus interesses individuais e percebam que o primordial é a
criança e o adolescente, que há expectativas de adoções imediatas sim, mas que
diferem daquelas, via de regra, idealizadas: são as adoções necessárias.
Também é presente o fato da legislação infanto-juvenil ser recente, e ainda
mais nova ser a Lei de Adoção, sendo que não é de conhecimento da maioria da
58

população as mudanças aplicadas, a qual ainda justifica adoções irregulares ou


adoções à Brasileira porque "na minha época era assim"; "algum parente meu
adotou dessa forma", entre outras.
Destacamos que não buscamos atribuir culpa aos pretendentes ou rotulá-los
como pessoas “exigentes demais”. A adoção é um ato de responsabilidade e amor
que deve ser consciente de que numa relação paterno/filial nem tudo são flores.
Existem, sim, situações em que devido às experiências vividas e as características
individuais, a adoção pode tornar-se não-recomendável, seja para as
crianças/adolescentes ou adotantes.
Por fim, percebemos as adoções necessárias, dentre elas a adoção de
crianças maiores e adolescentes ainda é um tema pouco debatido, mostrado como
se fosse um problema doméstico ou privado e não uma política pública. Talvez por
isso não haja uma Política ou Programa Nacional específico sobre Adoção, ficando
basicamente a cargo da sociedade civil organizada, por meio, dos GAAs a discussão
sobre o tema e o engajamento em favor das adoções necessárias.
Finalmente, visualizamos que trabalhar a adoção como politica pública, atuar
no debate para favorecer uma visão sobre família e uma cultura de adoção que vise
acima de tudo o interesse de crianças e adolescentes, independente de idade, raça,
cor, estado de saúde, entre outros, mostram-se como os principais desafios que
precisamos enfrentar.

E embora objeto deste TCC não tenha abordado sobre o trabalho do Serviço
Social nesse processo; a atuação dos assistentes sociais enquanto profissionais que
atuam diretamente com os envolvidos, assume primordial importância em aprofundar
os estudos, na intervenção e poder influenciar, de maneira mais contundente, o
avanço da adoção como política pública e em especial, no enfrentamento de
aspectos ainda conservadores sobre família e combate de repercussões e
determinações sócio históricas que envolvem o tema.
59

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SCHETTINI FILHO, L. U. I. Z.; SCHETTINI, Suzana Sofia Moeller. Adoção: os
vários lados dessa história. Recife: Bagaço, 2006.
61

SENADO FEDERAL DO BRASIL. Adoção: mudar um destino. In Revista Em


Discussão, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, ano 4, nº 15, maio de
2013.
SILVA, Jaqueline Araújo da. ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIORES: percepções e
vivencias dos adotados. Dissertação. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2009.
SOUZA, Hávila Pauliv. CASANOVA, Renata Pauliv Souza. O amor faz o mundo
girar mais rápido. Curitiba: Juruá, 2011.
VARGAS, M.M. Adoção Tardia: da família sonhada à família possível. São Paulo:
casa do Psicólogo, 1998.
VITALE, M. A. F. (Org.). Família: redes, laços e políticas públicas. 3.ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
WEBER, L. Institucionalização, abandono e adoção. Curitiba: Santa Monica,
1998.
_______. Laços de ternura: pesquisas e histórias de adoção. Curitiba: Santa
Monica, 1998a.
ANEXOS
ANEXO A

DOCUMENTOS NECESSÁRIOS P/INSTRUIR PEDIDO HABILITAÇÃO DE


PRETENDENTES À ADOÇÃO:

CÓPIAS AUTENTICADAS

1. DOCUMENTOS PESSOAIS (identidade e CPF);


2. CERTIDÃO DE CASAMENTO (CASADOS), OU NASCIMENTO (SE SOLTEIRO);
DECLARAÇÃO RELATIVA AO PERÍODO DE UNIÃO ESTÁVEL;
3. CERTIDÃO DE NASCIMENTO DOS FILHOS (se os tiver e contarem com menos de 18
anos);
4. COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA (água ou luz ou telefone e outros);
5. COMPROVANTE DE RENDAS (contra-cheques, recibos, cópia da carteira de trabalho e
previdência social – CTPS).
DOCUMENTOS ORIGINAIS

1. CERTIDÃO NEGATIVA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS (ESTADUAL/FEDERAL)


2. CERTIDÃO NEGATIVA DE DISTRIBUIÇÃO CÍVEL (ESTADUAL/FEDERAL).
3. FOTOGRAFIAS (10X15) DOS PRETENDENTES, DA FAMÍLIA E RESIDÊNCIA.
4. ATESTADO DE SANIDADE FÍSICA E MENTAL

08000841909/3616-9748/9749
ANEXO B

PODER JUDICIÁRIO
FÓRUM DES. MIGUEL SEABRA FAGUNDES
2ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE NATAL/RN

Rua Dr. Lauro Pinto, nº 315,2º Andar Lagoa Nova, CEP: 59.064-250 - telefone: 3616-9749/3616-9748

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA 2ª VARA DA INFÂNCIA E DA


JUVENTUDE DA COMARCA DE NATAL/RN
__________________________________________E______________________________
____, abaixo qualificados vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência requerer
a “Habilitação ao Cadastro de Pretendentes à Adoção”, de acordo com o art. 50 da Lei n.
8.069/90 (ECA) e os dados abaixo elencados:

Requerente
Nome:
Nacionalidade: Naturalidade:
Data Nascimento: Sexo:
Filiação:
Estado Civil:
Escolaridade:
Identidade: CPF:
Profissão:
Endereço Profissional:
Telefone comercial:
Endereço Residencial:
Telefone para contato:
E-mail:

Requerente
Nome:
Nacionalidade: Naturalidade:
Data de Nascimento: Sexo:
Filiação:
Estado Civil:
Escolaridade:
Identidade: CPF:
Profissão:
Endereço Profissional:
Telefone Comercial:
Endereço Residencial:
Telefone para contato:
E-mail:

Natal (RN),

__________________________________ _______________________________
Requerente Requerente
ANEXO C

FICHA DE CADASTRO DE PRETENDENTES

(OS DADOS DEVERÃO SER PREENCHIDOS EM LETRA DE FORMA)

DADOS PESSOAIS DO PRIMEIRO PRETENDENTE (*) Campos Obrigatórios

*Nome Completo: ___________________________________________________________________


*CPF:_____________________________________ *Data de Nascimento: _____________________
*Sexo: ( )Masculino ( )Feminino
*Estado Civil: ( )Solteiro(a) ( )Casado(a) ( )Viúvo(a) ( )Divorciado(a)
( )União estável ( )Separado Judicialmente
*N° RG:___________________________________ * Órgão Emissor: _________________________
*Nacionalidade: ____________________________________________________________________
*Local de Nascimento: _______________________ * Estado:________________________________
*Nome da Mãe: _____________________________________________________________________
Nome do Pai:_______________________________________________________________________
*Escolaridade: ( )Analfabeto
( )Ensino Fundamental Completo ( )Ensino Fundamental Incompleto
( )Ensino Médio Completo ( )Ensino Médio Incompleto
( )Ensino Superior Completo ( )Ensino Superior Incompleto
( )Especialização ( )Mestrado ( )Doutorado
*Profissão: ( )Empregado de Empresa do setor privado
( )Empregado de organismo internacional ou organização não-governamental
( )Profissional liberal ou autônomo sem vínculo de emprego
( )Proprietário de empresa ou de firma individual ou empregador-titular
( )Membro ou servidor público da administração direta ou indireta
( )Aposentado
( )Outros
*Faixa Salarial: ( )Até ¼ de salário mínimo ( )De ¼ a ½ salário mínimo
( )De ½ a 1 de salário mínimo ( )De 1 a 2 salários mínimos
( )De 2 a 3 salários mínimos ( )De 3 a 5 salários mínimos
( )De 5 a 10 salários mínimos ( )De 10 a 15 salários mínimos
( )De 15 a 20 salários mínimos ( )De 20 a 30 salários mínimos
( )Mais de 30 salários mínimos ( )Sem rendimento
E-mail : ___________________________________________________________________________
*Possui filhos biológicos: _____________________ Se sim, quantos: _________________________
*Possui filhos adotivos:_______________________ Se sim, quantos: _________________________
*Participa de grupo de apoio à adoção:___________________________________________________
Raça/Cor: ( )Preta ( )Branca ( )Amarela ( )Parda ( )Indígena
ENDEREÇO RESIDENCIAL (*) Campos Obrigatórios
*Endereço: ________________________________________________________________________
*Bairro: ___________________________________ *CEP: __________________________________
*Cidade: __________________________________ *UF: __________________________________
*Tel 1: _______________________ Tel 2:____________________ Fax: _____________________
ENDEREÇO PROFISSIONAL
Nome da Empresa: __________________________________________________________________
Endereço: _________________________________________________________________________
Bairro: ____________________________________ CEP: ___________________________________
Cidade: ___________________________________ UF: ___________________________________
Tel 1: ________________________ Tel 2:____________________ Fax: _____________________
SEGUNDO PRETENDENTE (*) Campos Obrigatórios
*Há um segundo pretendente: __________________________________________________
DADOS DO SEGUNDO PRETENDENTE (*) Campos Obrigatórios
*Nome Completo: ____________________________________________________________
*CPF:__________________________________* Data de Nascimento: _________________
*Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
*Estado Civil: ( )Solteiro(a) ( )Casado(a) ( )Viúvo(a) ( )Divorciado(a)
( )União estável
*N° RG:________________________________* Órgão Emissor: _____________________
*Nacionalidade: _____________________________________________________________
*Local de Nascimento: ____________________* Estado: ____________________________
*Nome da Mãe: ______________________________________________________________
Nome do Pai:________________________________________________________________
*Escolaridade: ( )Analfabeto
( )Ensino Fundamental Completo ( )Ensino Fundamental Incompleto
( )Ensino Médio Completo ( )Ensino Médio Incompleto
( )Ensino Superior Completo ( )Ensino Superior Incompleto
( )Especialização ( )Mestrado ( )Doutorado
*Profissão: ( )Empregado de Empresa do setor privado
( )Empregado de organismo internacional ou organização não-governamental
( )Profissional liberal ou autônomo sem vínculo de emprego
( )Proprietário de empresa ou de firma individual ou empregador-titular
( )Membro ou servidor público da administração direta ou indireta
( )Aposentado
( )Outros
*Faixa Salarial: ( )Até ¼ de salário mínimo ( )De ¼ a ½ salário mínimo
( )De ½ a 1 salário mínimo ( )De 1 a 2 salários mínimos
( )De 2 a 3 salários mínimos ( )De 3 a 5 salários mínimos
( )De 5 a 10 salários mínimos ( )De 10 a 15 salários mínimos
( )De 15 a 20 salários mínimos ( )De 20 a 30 salários mínimos
( )Mais de 30 salários mínimos ( )Sem rendimento
E-mail : ____________________________________________________________________
*Data da União:______________________________________________________________
*Participa de grupo de apoio à adoção:____________________________________________
*Possui filhos biológicos (que não seja com o primeiro pretendente):____________________
Se sim, quantos:__________________________
Raça/Cor: ( )Preta ( )Branca ( )Amarela ( )Parda ( )Indígena
DADOS PROCESSUAIS (*) Campos Obrigatórios
*Número do Processo: ________________________________________________________
*Estado: ___________________________________________________________________
*Data do Pedido de Habilitação: ________________________________________________
*Data da Sentença de Habilitação: _______________________________________________
Data do Trânsito em Julgado: ___________________________________________________
Ocorrências: ________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
PERFIL DA CRIANÇA/ADOLESCENTE DESEJADA
DADOS GERAIS (*) Campos Obrigatórios
*Quantas crianças deseja adotar: ________________________________________________
*Faixa Etária: de _______ anos e ______ meses a _______ anos e _______ meses
*Sexo: ( )Masculino ( )Feminino ( )Indiferente
*Aceita adotar de outro estado:__________________________________________________
*Selecione os estados:
( )AC ( )AL ( )AM ( )AP ( )BA ( )CE ( )DF ( )ES ( )GO ( )MA ( )MG ( )MT ( )MS ( )PA
( )PB ( )PE ( )PI ( )PR( )RJ ( )RN ( )RO ( )RR ( )RS ( )SC ( )SE ( )SP ( )TO ( ) Selecionar
todos estados
*Raça/Cor: ( )Preta ( )Branca ( )Amarela ( )Parda ( )Indígena ( )Indiferente
*Não aceita com:
( )Doença tratável ( )Doença não tratável
( )Deficiência física ( )Deficiência Mental
( )Vírus HIV ( )Não faz restrição
ANEXO D

Tribuna do Norte - Em dois anos, mais de 27 mil crianças foram


abandonadas
Publicação: 02.03.2014

A demanda nas casas de passagem e outros abrigos em Natal é canalizada pela Justiça.
As três varas da Infância e da Juventude recebem casos de várias instituições: polícia,
Ministério Público, Conselho Tutelar, SOS Criança e até mesmo familiares batem à porta
dos juízes. Além das drogas, o abandono e disposição das crianças nos abrigos são
provocados por outros motivos. Entre estes, transtorno dos pais, violência e risco de morte.

Entretanto, o coordenador estadual da Justiça para a Infância e a Juventude, José Dantas


Paiva, pondera que a droga está presente em quase todos os casos. “Todas as causas têm
alguma relação com as drogas. O crack é o carro chefe nesse problema, mas incluo, na
questão de violência doméstica, o álcool”, diz.

O quadro de abandono de menores se repete em todo país. Um retrato desse cenário foi
mostrado por um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no ano
passado. Em todo país, mais de 80% dos encaminhamentos de crianças e adolescentes a
abrigos estão vinculados à dependência química dos pais. Outro estudo, ainda não
divulgado, de “Waiselfisz, JJ. Mapa da Violência 2014. Crianças e adolescentes do Brasil da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso)”, obtido pela TRIBUNA DO
NORTE, aponta que pelo menos 46 mil crianças ou adolescentes vivem em abrigos
públicos.

O Mapa acusa que, nos últimos dois anos, o país registrou 27.625 casos de abandono e
negligência. Nesse universo, 61% correspondem a crianças com até 4 anos. O restante é
constituído de menores com idade entre 5 e 15 anos. O estudo apresenta ainda outros tipos
de violência os quais as crianças e adolescentes são submetidos. Trabalho infantil,
agressões físicas, violência sexual, tráfico humano e tortura são apontados no levantamento
ainda inédito.

O juiz José Dantas reforça a tese de que todas as violações contra os direitos das crianças
e adolescentes permeiam o universo sombrio e criminoso das drogas. “Os maus tratos
começam com pais alcoólatras. Uma criança só vai pra rua quando em casa ela não tem o
que precisa. A casa deixa de ser um espaço de acolhimento. As drogas são
potencializadores do problema”, explica.

O magistrado revela ainda que, com o passar dos anos, as casas de acolhimento mudaram
completamente de função. Antes criados para receber crianças cujos pais haviam
falecido, os abrigos quase não recebem esse tipo de público. Atualmente, só há duas
crianças órfãs em Natal. “Agora, o número de filhos órfãos de pais vivos, órfãos do crack e
outras drogas, é grande”, avalia.

Outro fato chama atenção e assusta quem analisa a efetividade de políticas públicas que
tentam inibir o uso de entorpecentes e, ao mesmo tempo, melhorar os serviços de
assistência social do público-alvo. Fatores como falta de oportunidades, ausência de
familiares, insucesso no processo de doação de crianças resultam no que o juiz José
Dantas classifica como “reprodução da desassistência social”. Ocorre que nos abrigos
natalenses existem pelo menos três crianças filhas de mães abandonadas. “São crianças
que nasceram no acolhimento. A mãe já estava na instituição quando engravidou. É a
reprodução da desassistência social”, alerta.
O magistrado explica ainda que o processo que desencadeia a permanência da criança ou
adolescente no abrigo é constituído de várias etapas. “Primeiro, há o trabalho de vínculo
familiar com os próprios pais. Não sendo possível, buscamos a família extensa ou ampliada.
Quando falha essas duas opções, partimos para a destituição do poder familiar desses pais.
Aí, encaminhamos para a doação nacional ou internacional. Enquanto isso, a criança fica no
abrigo”, informa.

Dados mostram que 370 mil usam crack

O Brasil ainda é incipiente em pesquisas que mostrem o avanço das drogas –


especialmente o crack – em todos os municípios. Sabe-se, através de relatos e informações
repassadas por gestores públicos, que o problema é generalizado e atinge pessoas de
todas as classes sociais. O estudo mais atualizado, da Confederação Nacional dos
Municípios (CNM), aponta a presença do crack em 98% dos municípios brasileiros e a
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estima que há 370 mil usuários no país. Não há dados
substanciais sobre os usuários potiguares. Para jogar luz no problema, um professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) quer realizar uma pesquisa inédita no
Estado.

O doutor em Sociologia, João Dantas, já realizou, em 2005, um trabalho com alcoólatras. O


especialista acredita que é necessário uma pesquisa científica para planejar ações de
combate ao uso do crack no Estado. Para tanto, quer viabilizar o estudo junto ao programa
“RN Vida” – um dos poucos projetos que tenta deixar crianças e adolescentes longe das
drogas. “Vamos montar um centro de estudo, pesquisa e formação junto ao programa para
formar uma equipe que vai fazer essa pesquisa com os usuários”, diz o professor.

A intenção é visitar os municípios potiguares para buscar dados sobre os usuários. O


professor não sabe informar o investimento necessário para o projeto, mas acredita que o
Governo do Estado vai colaborar com a ideia. “Esse trabalho será importante para as
políticas contra o crack. Vamos apresentar o projeto”, afirma.

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