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ADOÇÃO TARDIA:
Elementos Sócio-Históricos e Culturais a partir da Realidade da
2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN
NATAL
2015
ELISÂNGELA DE LOURDES SILVA SANTOS
ADOÇÃO TARDIA:
Elementos Sócio-Históricos e Culturais a partir da Realidade da
2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN
NATAL
2015
Seção de Informação e Referência
RN/UF/BCZM CDU 36
ELISÂNGELA DE LOURDES SILVA SANTOS
ADOÇÃO TARDIA:
Elementos Sócio-Históricos e Culturais a partir da Realidade da
2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Natal/RN
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Prof.ª. Dra. Maria Regina de Ávila Moreira (Orientadora) UFRN
___________________________________________________________________
Prof.ª Dra. Márcia Maria de Sá Rocha (Examinadora) UFRN
___________________________________________________________________
Cícera Katiucia da Silva (Examinadora)
AGRADECIMENTOS
(Lídia Weber)
RESUMO
CT Conselho Tutelar
ET Equipe Técnica
MP Ministério Público
Gráfico 2 Adoções realizadas via CNA em Natal/RN - 2008 a 2015 ...................... 333
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 59
1 INTRODUÇÃO
1
Adoção e Perda ou Suspensão ou Reestabelecimento do Poder familiar trate-se de uma classe de
processos também conhecida como Destituição do Poder Familiar.
12
2
A fim de esclarecer uma confusão comum, frisamos que nem todas as crianças/adolescentes em
unidades de acolhimento estão aptos à adoção, para tanto, é necessário que já tenha ocorrido a
entrega voluntária da criança por parte dos pais, a orfandade ou a sentença judicial de perda do
poder familiar.
3
Para se aprofundar sobre a temática sugerimos que se consulte MOTTA, M. A. P. Mães
abandonadas: a entrega de um filho em adoção. São Paulo: Cortez, 2001.
13
4
Desses, 21 processos eram da classe de Adoção cumulada com Destituição do Poder Familiar.
14
5
O estudo social é um processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade
conhecer com profundidade, e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão
social, objeto da intervenção profissional – especialmente nos seus aspectos sócio-econômicos e
culturais. (CFESS, 2003, p. 42-43). Já o estudo psicológico abrange as questões emocionais e é
produzido por psicólogo(a).
6
Consultar Medeiros (2007) para mais informações acerca da importância do Parecer Social para as
decisões judiciais na Comarca de Natal/RN.
15
garantia alguns direitos aos adotandos, por exemplo, se o adotante tivesse um filho
biológico após a adoção, esta só poderia ser revogada mediante pagamento de
indenização ao adotado; por outro lado, se depois da adoção o filho adotivo
proferisse que não era filho teria a língua cortada e se fosse ver a família biológica
teria os olhos perfurados.
Na Idade Média, quando vigorou o feudalismo, nesse sistema, as posses
eram transmitidas pelo direito de sangue e as filiações adotivas caíram em desuso.
Em parte, houve a contribuição da igreja que condenava a prática sob a justificativa
de que a adoção poderia encobrir filhos havidos fora do casamento (WEBER, 1998a).
No entanto, no decorrer da alta Idade Média, além da elevada taxa de
mortalidade infantil, devido doenças ligadas à falta de salubridade, o infanticídio era
tão comum, que Igreja e Estado passaram a condenar tal prática, instituíram penas
de morte aos pais, passando a ser mais seguro para esses abandonar os filhos do
que matá-los.
No contexto da Revolução Francesa (1789-1799), além de a sociedade estar
imbuída pela necessidade de demonstrar fraternidade frente aos órfãos e
abandonados vítimas do conflito, foi decisivo o papel político de Napoleão
Bonaparte, o qual por não ter filhos biológicos, destinou espaço para adoção no
Código Civil Francês.
Assim, podemos perceber que a adoção, ao longo da história, veio a atender
o interesse dos adotantes de garantir a descendência, algumas vezes, perpassada
por fins políticos outros religiosos; portanto, era mais latente o fato da
criança/adolescente ser tratada como um objeto, em alguns casos chegava a ser
vendida ou trocada pelos pais ou responsáveis, sendo que em pouco importava sua
situação de orfandade ou abandono.
Apenas “após a Primeira Guerra Mundial é que os países de direito anglo-
saxão passaram a utilizar a adoção legal como forma de encontrar famílias para os
milhões de órfãos deixados pelo conflito” (CARVALHO E FERREIRA, 2000, p. 77).
Essa nova perspectiva é basilar para a adoção moderna, a qual prima pelo direito e
interesse da criança e do adolescente.
No Brasil, segundo autores como Marcílio (1998) e Paiva (2004), a proteção
social destinada às crianças e adolescentes foi marcada, desde o período colonial
até meados do século XIX, pela caridade, assistencialismo paternalista e filantropia.
Nem Estado ou Igreja se responsabilizavam pelos pequenos abandonados,
18
problema social, era nas primeiras décadas deste século [sec. XX] associado a
‘caso de polícia’ ”(FÁVERO, 1999, p.33).
O aumento da violência desperta a atenção da sociedade para a
necessidade de uma intervenção por parte do Estado no controle dos “menores
infratores”, nessa época começam a surgir os grandes internatos e outras
instituições9 que “tinham a função de proteger as crianças e adolescentes de um
mundo hostil, mas também de proteger a sociedade da convivência incômoda deles”
(CARVALHO E FERREIRA, 2000, p.139).
No Brasil, sob a égide da “Doutrina da Situação Irregular”, da Política de Bem-
Estar do Menor (1964), do reformulado Código de Menores (1979) com as nefastas
e extintas Fundações Estaduais do Bem Estar do Menor (FEBEMs) o trato dos
“menores” era autoritário e repressivo.
De acordo com as pesquisadoras Ana Andrea Barbosa Maux e Elza Dutra,
até meados da década de 1980, a adoção à brasileira que consistia em registrar no
cartório como filho uma criança nascida de outra pessoa correspondia a cerca de
90% das “adoções” realizadas no país (Em Discussão, 2013, p.9).
Nesse mesmo período a sociedade brasileira vivenciou um momento de
efervescência política, muito clamor e embates por direitos, democracia e cidadania,
a partir do qual se conquista a Constituição de 1988, e diversos Estatutos e leis que
nos permitem recorrer à justiça quando lesados.
Com relação ao direito infanto-juvenil, no plano internacional, ocorre a
Declaração dos Direitos das Crianças de 1959 e a Convenção Internacional sobre os
direitos da Criança de 1989 que preconizam sobre a proteção social de crianças e
adolescentes e influenciaram a nossa legislação. Na mesma direção Carta Maior, no
art. 227, EC nº 65/2010, diz:
9
Dentre essas havia aquelas que continham as Rodas dos Expostos, uma experiência importada de
países europeus. No Brasil, foram instaladas nas Casas de Misericórdia e prédios anexos a partir de
1726 - até final dos anos 1940, consistia num dispositivo cilíndrico e giratório onde as crianças eram
depositadas sem que fosse possível identificar os responsáveis.
20
Neste capítulo iremos observar que a não ser em alguns casos de orfandade
ou entrega feita pelos pais, a adoção ocorre após situações de violação de direitos
de crianças e adolescentes como forma de garantir-lhes o direito a convivência
familiar e comunitária. Paralelamente iremos abordar pontos da Lei 12.010/2009, a
qual traz as mudanças mais recentes referentes à adoção.
Apesar dos avanços sócio jurídicos no tocante ao direito infanto-juvenil, assim
como Silva (2009), corroboramos que na legislação brasileira há prioridade por
manter a criança/adolescente em sua família biológica, dando a este tipo de filiação
um status de superioridade frente à família adotiva, e nos perguntamos se com isso
se observa os interesses da criança ou atende-se aos adultos. Conforme o ECA, em
seu artigo 19:
Assim, a adoção ainda figura como uma exceção, que ocorre após esgotados
os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa
(ECA, art. 39, § 1º). Um dos fatores que pode se relacionar a tal fato é que
culturalmente, ainda há resistências contra a adoção, no sentido de evitar a
separação de pais e filhos, contudo, muitas vezes
10
O processo de destituição traz as possibilidades de perda (definitiva), suspensão (temporária) ou
reestabelecimento do poder familiar, sendo, necessariamente, posterior à ameaça ou violação de
direitos de crianças/adolescentes, ou quando os pais/ responsáveis, injustificadamente, deixam de
cumprir os deveres de sustento, guarda e educação.
11
O Poder familiar é definido pelo Código Civil de 2002, artigo 1.630, como o conjunto de direitos e
deveres atribuídos aos pais, e na falta desses, a um representante legal, em relação aos filhos.
12
De acordo com a Política Nacional de Assistência Social de 2004 e Lei Orgânica da Assistência
Social, esses serviços fazem parte da Proteção Social Especial de Alta Complexidade. Maiores
informações podem ser obtidas consultando Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes; Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais e o Plano Nacional de
promoção, proteção e defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e
comunitária e o ECA.
23
é grande.
No art. 23 do ECA, a pobreza e carência de recursos materiais não
constituem motivos suficientes para a perda ou a suspensão do poder familiar,
porém, concordamos com o referido magistrado que falta efetividade de políticas
públicas que tentam inibir o uso de entorpecentes e, ao mesmo tempo, melhorar os
serviços de assistência social do público-alvo, esses e outros fatores têm
configurado uma “reprodução da desassistência social” que culmina com a violação
de direitos de crianças/adolescentes, os quais necessitam ser acolhidos.
13
A Guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou
adolescente, conferindo ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Garante
para a criança ou adolescente a condição de dependente para todos os fins e efeitos de direito,
inclusive previdenciários. Porém, via de regra não impede o direito de visita dos pais nem seu dever
de prestar alimentos. Além disso, a guarda pode ser revogada a qualquer tempo, mediante ato
judicial fundamentado e ouvido o MP.
14
A tutela pressupõe a previa da destituição do poder familiar e implica todos os deveres pertinentes
à guarda, caso a criança ou adolescente tenha direito a bens, esses ficam sob a administração do
tutor. É possível a destituição da tutela.
25
A palavra adotar vem do latim adoptare, que significa escolher, perfilhar, dar
o seu nome a, optar, ajuntar, escolher, desejar. Do ponto de vista jurídico, a
adoção é um procedimento legal que consiste em transferir todos os direitos
e deveres de pais biológicos para uma família substituta, conferindo para
crianças/adolescentes todos os direitos e deveres de filho, quando e
somente quando forem esgotados todos os recursos para que a convivência
com a família original seja mantida (Adoção passo a passo, AMB, 2013, p.
9).
Segundo a CF 1988, em seu art. 227, § 6º, não deve haver qualquer tipo de
discriminação quanto aos filhos havidos fora do casamento e à filiação adotiva, a
estes é assegurado os mesmos direitos e qualificações. Coadunando com o
exposto, o art. 41 do ECA explicita que “a adoção atribui ao filho adotado, com os
mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo
com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.
De acordo com o ECA, a adoção só pode ser realizada por maiores de 18
anos, tanto para solteiros como para casais (inclusive os homoafetivos) desde que
haja uma diferença, de pelo menos 16 anos, quanto à idade do adotante e adotado;
avós e irmãos não podem adotar, a estes somente pode ser concedida a guarda ou
tutela. A Lei 12.010/2009 também trouxe a possibilidade de adoção por um casal
separado, desde que a guarda seja compartilhada e já existisse uma relação de
afetividade formada.
Adotar é um ato irrevogável que implica em mudanças na configuração tanto
de uma família biológica quanto da família substituta (a família afetiva, a que adota),
por isso, existe uma preocupação em buscar que os envolvidos tenham o máximo
de informação e uma motivação que não esteja restrita ao preenchimento das
necessidades e interesses particulares dos adotantes.
Por isso, a partir da entrada em vigor da Lei 12.010/2009 as adoções devem
se processar a partir do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado em 2008,
assim, foi extinta15 a adoção intuito personae, com apenas 3 exceções (ECA, art. 50,
§ 13): adoções feitas por parentes; adoções unilaterais, ou seja, um dos cônjuges ou
companheiro(a) adota o filho do outro16; e, a posse da guarda judicial há mais de 3
anos.
15
Há quem diga que não houve a extinção da adoção direta, mas sim, sua regulamentação.
16
Na adoção unilateral para o pai ou mãe biológica (quem for responsável pela criança) o vínculo
permanece o mesmo, apenas acrescentando-se o nome do parceiro (a) no registro de nascimento da
criança/adolescente. Caso a criança tenha sido registrado por pai e mãe, é preciso que um deles seja
destituído do poder familiar, geralmente, o pai.
26
17
Antes da Habilitação para adoção recomenda-se que o pretendente busque informações. Caso
decida adotar deve ir até a VIJ de sua comarca com a documentação necessária; aguardar o estudo
psicossocial e participar do curso de preparação para adoção (Em Natal, a lista da documentação
necessária está disponível no site do TJRN, ver nos anexos A, B e C desse trabalho; o curso vem
sendo ministrado na ESMARN, durante 3 dias, no horário noturno, com carga horária total de 12
horas). Atualmente, o trabalho realizado durante o processo de habilitação e o curso preparatório
para adoção, dentre outras questões, busca conscientizar os adotantes da importância de não manter
em segredo a origem, bem como, conversar sobre a história de vida dos adotandos.
18
Chama-se estágio de convivência o período em que a criança com o poder familiar destituído será
colocada em contato com os pretendentes à sua adoção para se conhecerem e sentirem a
possibilidade de uma aproximação satisfatória para ambos (SOUZA e CASANOVA, 2011, p. 103).
28
19
Esse tipo de processo deveria ocorrer de forma mais rápida, podendo ser concluído em cerca de
30 dias, porém a falta de equipe técnica na 2ªVIJ, tem exigido que os processos sejam encaminhados
ao Núcleo de Perícias para que sejam feitas os estudos sociais, tornando o processo um pouco mais
demorado.
20
Obedecendo a ordem cronológica de inscrição, e o perfil declarado pelos pretendentes é feito o
cruzamento de dados com as crianças e adolescentes disponíveis para adoção, caso, não haja
pretendentes na Cidade ou Estado em questão, buscando que a criança/adolescente se mantenha
mais próxima de sua origem, é iniciada a busca no CNA em outras partes do país.
29
A dúvida que a maior parte dos pretendentes pode sentir é “Será que o amor,
verdadeiramente, vai ser como o de pai/filho?”, isso é perfeitamente normal, um
momento que antecede a adoção é marcado por questionamentos que vão servindo
para a decisão consciente acerca de tornar-se mãe/pai. Mas, podemos formular
outras perguntas para diminuir nossa insegurança, por exemplo: “Você amaria seu
filho biológico, imediatamente, mesmo se houvesse sido afastada dele durante toda
sua vida?”.
As respostas mais sinceras nos remetem ao fato de que mesmo nutrindo o
desejo pela aproximação seria necessário primeiramente conhecer a criança, manter
uma convivência e a partir dos momentos compartilhados ir construindo o gostar e o
amar. Assim é muito importante que os pretendentes à adoção não escondam suas
dúvidas, questionamentos, angústias, pois a conversa e o diálogo com a Equipe
Técnica (ET) visam trabalhar as possibilidades de cada pretendente, servindo
também para derrubar algumas restrições e preconceitos que possam existir.
Por outro lado a adoção de crianças maiores e adolescentes tem uma
característica importante, é necessário que eles desejem ser adotados e adotem a
nova família, portanto, tratamos da construção de uma relação, um esforço que deve
ser uma via de mão dupla. A Lei 12.010/09 traz em seu artigo 28, a importância de
que a criança e o adolescente sejam ouvidos e tenham sua opinião considerada,
respeitando seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão. Aos maiores
de 12 anos, será necessário seu consentimento, colhido em audiência.
A adoção não é um procedimento com garantias, pois nenhum tipo de filiação
tem manual. Ao contrário, exige que os envolvidos estejam abertos ao diálogo, tendo
consciência que problemas fazem parte do crescimento e de relacionamentos. Mas,
31
12% Crianças/adolescentes
acolhidas aptos à adoção
Crianças/adolescentes
indisponiveis à adoção
88%
Aqui fica claro que a maior parte das crianças e adolescentes acolhidos não
se encontram em condições de serem adotados e aqueles que estão aptos
permanecem acolhidos apesar de haver uma quantidade de pretendentes superior.
Essa incompatibilidade, geralmente, ocorre porque seus perfis não correspondem ao
desejado.
Quanto aos adotandos no Brasil, 2.414 eram do sexo feminino e 3.131 do
sexo masculino; sendo a maior parte da raça parda, 2.669, ou 48,13%; apenas 102
32
têm idade entre 0 e 2 anos, enquanto 5.384 estão acima desta faixa etária; 2.095
possuem irmãos cadastrados no CNA correspondendo à 37,78% do total, em
oposição existem 25.481 pretendentes que não aceitam adotar irmãos, ou seja,
79,57%; em relação à saúde, 1.255 dos adotandos possuem alguma enfermidade,
ou 22,63% do total, dentre esses 413 têm doenças tratáveis.
No Nordeste são 5.823 crianças e adolescentes acolhidas, destas 706 aptas à
adoção, equivalentes a 12,73% do total nacional. Quanto ao total de pretendentes
são 2.982, correspondendo a 9,31% em relação ao total de habilitados no Brasil.
No Rio Grande do Norte/RN existem 322 crianças acolhidas, destas 44 estão
disponíveis para adoção. Por outro lado há 210 famílias pretendentes inscritas no
CNA.
A partir desse quadro é possível constatar que existem pretendentes além da
conta do número de crianças/adolescentes disponíveis para adoção, então por que
razões elas permanecem distantes da convivência familiar? Quem são esses
pretendentes e criança? Onde estão? Como estão?
Muitas das razões para esse quadro estão na falta de disponibilidade para
adoção de crianças maiores e também porque muitas pessoas criam crianças e
adolescentes de maneira irregular, sem o conhecimento da Justiça, e, portanto, sem
os direitos adquiridos a partir da adoção, como veremos no próximo capítulo, porém
antes disso iremos visualizar algumas características da adoção tardia em Natal.
Por fim, nos debruçamos sobre o contexto das adoções em Natal/RN, a partir
dos dados coletados nos relatórios do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e em
pesquisa interna na 2ªVIJ.
21
Em Natal, desde 2008 até abril de 2015, foram cadastradas 197
pretendentes à adoção, dentre esses: 56 fizeram adoções via CNA; 53 fizeram
adoções fora do CNA; 5 estão em processo de adoção; 1 em estágio de convivência
21
A partir da implantação do CNA.
33
(com criança que não estava inscrita no CNA); 63 encontram-se disponíveis para
adotar; 13 fizeram pedidos de desistência22; e, 6 estão na condição de inativo23.
Segundo os relatórios do CNA, desde sua implantação até abril de 2015
foram realizadas 107 adoções, apesar de que seja possível que haja alguma
imprecisão, tendo em vista algumas crianças/adolescentes que foram adotadas via
CNA, não constavam nos documentos consultados, além disso, adoção de grupo de
irmãos conta apenas como uma adoção. Através do cruzamento das informações
coletadas buscamos nos aproximar ao máximo do número real, vejamos:
14
12
10
8
6
4
2
0
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Série 1 2 18 15 17 15 14 17 9
Total de 107 adoções
22
Esses pedidos de desistência, geralmente, ocorrem por motivos como: gravidez natural; fim de
relacionamentos; entre outros.
23
A inatividade do cadastro é um período em que o pretendente não está disponível para adoção,
porém, tal situação pode ser alterada, a seu pedido, a qualquer momento. Também pode ocorrer por
diversos motivos. Normalmente, após iniciado um estágio de convivência o(os) adotante(s) ficam
inativos até que a adoção seja concretizada e esteja bem-estabelecida.
34
36%
5 64%
Masculino Feminino
Parda
1 1 1 86%
3 0a5
anos
11 a 15
0 0%
anos
59%
0 a 5 anos 6 a 10 anos 11 a 15 acima de 15
anos anos
Adoções em 2013
Processos extintos Adoções tardias
6% diretas
43%
Adoções
Adoções de
tardias
crianças de 58%
até 2 anos
36%
Adoções tardias
via CNA
15%
24
Alguns desses processos foram cumulativos com a Destituição do Poder Familiar
25
Reveja o conceito no capítulo 2.
40
Esta é uma questão remete ao gênero, pois apesar do poder familiar ser
responsabilidade de ambos os pais, ainda é frequente que crianças sejam
registradas apenas com o nome da mãe. Segundo dados do CNJ, com base no
Censo Escolar de 2011, há 5,5 milhões de crianças brasileiras nessa situação.
As razões para a omissão paterna variam. Em alguns casos, a mãe não
conhece seus direitos, outros, não sabe quem é o pai do filho, também pode ser que
26
Os adotantes passaram a residir em Natal, tendo o processo sido remetido a esta comarca por
meio de carta precatória.
41
a mulher opte por não informar ao parceiro sobre a gravidez, geralmente, quando há
conflitos entre os genitores e ainda devido à recusa do homem em assumir a
paternidade.
O abandono paterno pode acontecer a partir falta do acompanhamento da
gestação até a decisão de não exercer a paternagem. Essa ausência acompanha a
criança ao longo de toda sua vida e a deixa vulnerável a constrangimentos, podendo
causar-lhe prejuízos para constituição de sua identidade e personalidade, além, de
privar-lhe de direitos como pensão alimentícia, herança e inclusão em plano de
saúde do pai.
Assim, ainda é predominante a responsabilização feminina nas ações que
tramitam nas VIJs, segundo Fávero (2001, p.145) “isso reflete a idéia difundida
socialmente e culturalmente, de que as questões relacionadas ao mundo familiar e
doméstico são ‘coisa de mulher’”. Esse tipo de visão machista também dá margens
para julgamentos morais de que a mulher pode utilizar a gravidez para obter
vantagens financeiras, por meio do “golpe da barriga”, ou de pensões alimentícias.
No entanto, esse tipo de pensamento desconsidera que um filho é uma
responsabilidade que se estende para além dos gastos materiais (geralmente,
superiores à pensão alimentícia, que tal como o nome diz serve para suprir apenas
uma necessidade básica), implicando na necessidade de dispêndio de tempo,
carinho, afeto e proteção. Além do que se o pai acha que a mãe não está aplicando
bem os recursos e sendo negligente com o filho, ele tem a possibilidade de
reivindicar a guarda do filho.
Acima de tudo deve ser observado o direito da criança a ter paternidade e
maternidade reconhecidas, além da presença de ambos os pais durante seu
desenvolvimento.
No segundo processo, a situação se repete, pois, a criança foi registrada por
pai e mãe, mas na realidade foi abandonada pelo genitor que nunca procurou
exercer a paternidade. Neste caso há alguns diferenciais, pois, a adotante é uma
senhora de 81 anos, natural de Natal, ensino médio incompleto, solteira, funcionária
pública aposentada.
Sobre sua família, a adotante refere que seus pais foram presentes em sua
criação e que ela é a caçula de 6 irmãos, todos falecidos. Segundo o estudo social,
sua motivação para adoção parte do fato de que a criança é filha de sua empregada
42
doméstica, por isso a convivência existe desde o primeiro dia de vida da criança,
surgindo uma relação de afeto e amor.
Quando a criança completou 4 anos, a sugestão para adoção partiu da
própria genitora, a qual é natural da Paraíba e tem 7 irmãos, tendo passado uma
vida difícil devido às condições financeiras, trabalhou desde de cedo em casas de
farinha, como babá, doméstica e costureira. A genitora entende que por trabalhar há
16 anos, na casa da adotante, esta é para ela e para sua filha como uma mãe.
Segundo Sarti (2007, p. 31), principalmente as famílias pobres assumem
configurações em rede porque:
O quinto processo, nos remete a uma adoção feita por casal, ela com 48
anos de idade, exerce o ofício de ASD 27 , grau de instrução ensino fundamental
incompleto e ele com 47 anos, professor, ensino superior incompleto.
Os adotantes são casados, têm um casal de filhos biológicos, com idades de
26 anos e 14 anos, e residiam no interior do Estado na época do início do
processo28. A renda da família era em média de 3 a 4 salários mínimos.
A adotanda é uma adolescente com 13 anos de idade, sem nenhum grau de
parentesco com os adotantes, cuja história de vida é cheia de percalços. A partir
daquilo que é possível inferir pelo termo de tomada de depoimento do conselheiro
tutelar e a guia de acolhimento do serviço SOS Criança, os pais foram omissos
devido ao vício em drogas que os levou a negligenciar os 6 (seis) filhos, 3 do sexo
feminino e 3 do sexo masculino.
O fato das crianças/adolescentes permanecerem sozinhos nas ruas e a pedir
esmolas culminou numa denúncia ao SOS Criança que levou o grupo de irmãos a
ser acolhidos numa instituição. Sendo que um dos irmãos29 fugiu para ficar junto dos
genitores e da irmã mais velha, a única a não ser acolhida devido ter maioridade, e
infelizmente foi assassinada cerca de um ano depois.
Segundo o depoimento, através de entrevistas, pôde-se inferir que quando os
pais realizavam alguma visita aos filhos era perceptível que a motivação era o
interesse financeiro, pois, sem as crianças não poderiam continuar a receber o
benefício social Tributo à Criança30. Como a situação social e econômica dos pais
27
Não consta o significado da sigla no relatório.
28
Os adotantes passaram a residir em Natal, tendo o processo sido remetido a esta comarca por
meio de carta precatória.
29
Segundo o depoente, o adolescente que fugiu do acolhimento é infrator e usuário de drogas, já
tendo sido aplicada medida socioeducativa.
30
O Tributo à Criança é um programa do município de Natal que presta atividades educacionais
mediante remuneração às famílias inseridas num contexto de vulnerabilidade social.
45
31
Ebraim (1999) faz um estudo sobre a relação entre adoção tardia, maturidade e altruísmo.
47
Quanto aos demais irmãos, o estudo social não faz qualquer menção, por
isso, não é possível inferir se o contato entre estes foi rompido de forma definitiva,
bem como não sabemos se existia algum vínculo afetivo construído de maneira
positiva com a família biológica.
Sobre o parágrafo anterior, reiteramos que apesar da adoção romper
legalmente com os vínculos da família natural, quando a adoção ocorre com
crianças maiores ou adolescentes as lembranças da família biológica estarão
presentes e pode ser que ainda exista o desejo por parte do filho adotivo de continuar
a se relacionar com alguns parentes. Acredito que há de se ponderar, refletir e
conversar a respeito, avaliar os benefícios e malefícios que podem resultar da
aproximação.
Nos 5 (cinco) processos referentes ao ano de 2013, observamos os seguintes
dados:
No primeiro processo, o adotante, 61 anos, solteiro, aposentado, sem filhos
biológicos, natural da Paraíba, residindo em Natal há 23 anos, em apartamento
próprio com 13 cômodos e boas condições de higiene, o requerente possuí ainda
um imóvel em um condomínio fechado na praia de Búzios.
Segundo relato do adotante, os pais da criança trabalhavam respectivamente
como Auxiliar de Serviços Gerais (ASG) e faxineira no condomínio em que ele
residia e sempre levavam a criança por não ter onde deixá-la, como ele gostava
muito do casal se ofereceu para ficar com o menino em seu apartamento enquanto
os pais trabalhavam.
O adotante ajudou a manter a criança desde os três anos de idade, sendo
inclusive, seu padrinho; o matriculou em escola particular que ficava próxima à
residência do casal; passava finais de semana na praia com seus familiares e a
família do adotando, onde todos se afeiçoaram a criança que sempre brincava com
seus sobrinhos.
Quando saiu do Jardim e entrou no ensino fundamental, a criança ficava em
sua residência a maior parte do tempo. Neste período, o pai da criança veio a óbito
de forma inesperada, e o adotante providenciou apoio psicológico para ajudá-lo a
superar a perda do pai.
Com o falecimento do genitor o menino que já passava boa parte do tempo
com o requerente, ficou em definitivo em sua companhia, a guarda judicial da
criança foi obtida em 2011, sendo orientado a pedir a adoção considerando que a
48
guarda limitava seus direitos sobre a criança e não assegurava direitos como poder
colocá-lo como seu dependente no plano de saúde do Banco do Brasil.
Segundo o relatório, a criança demonstra ter bastante afinidade com o
requerente e com seus familiares sendo considerado por todos como membro da
família, tem todas suas necessidades básicas atendidas de forma satisfatória, e
recebe amor e carinho como se filho fosse. A mãe biológica da criança concorda
com o pedido formulado pelo requerente e tem conhecimento das implicações
jurídicas do caso.
No segundo processo, a adotante, 40 anos de idade, natural de Natal-RN,
grau de instrução ensino médio completo, copeira, é a filha primogênita de uma
prole de 5 filhos. O adotante, 48 anos de idade, natural do interior do Estado, grau
de instrução ensino médio incompleto, aposentado devido problemas de saúde.
Seus pais são ambos falecidos em virtude de câncer.
Segundo o adotante, sua infância foi um período em que a família enfrentava
muitas dificuldades financeiras, fato que fez com que fosse residir com sua avó
materna. Lembra que costumava ajudá-la nas tarefas cotidianas. Na década de
1960, a família viajou de barco fugindo de uma enchente. Decidiram residir em
Natal-RN em busca de melhores condições de vida. Aqui o adotante foi criado por
uma tia paterna chamada de Titita.
Trazemos essa parte da vida do adotante, porque há algo interessante, pois
apesar de ter sido “criado” pela avó e pela tia não enxergava tais fatos como
adoções, tendo em vista que essa nunca foi a intenção, não recebia nesses locais o
tratamento de filho, apenas, “circulava” entre a casa dos parentes como forma de ter
provida suas condições de vida.
Sobre a motivação para adoção, a adotante, relata que após namoro de cerca
de dois anos, houve o casamento e o casal descobriu que ele possuía problemas de
fertilidade, mas, não chegaram a buscar tratamento, pois uma colega de trabalho da
adotante entregou seu neto para o casal “criar”. A avó alegou que já tinha outros
netos e que a filha não assumia a maternagem. Seu paradeiro era ignorado.
O casal conviveu poucos anos e se separou em virtude de brigas,
principalmente, porque ele costumava ingerir muita bebida alcoólica. Após a
separação, o adotante sofreu um acidente que ocasionou problemas mentais e
convulsões, nesse período ele voltou a residir com seus genitores, passou por três
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para ela, pois lhe dará os mesmos direitos que a filha biológica do casal (plano de
saúde, pensão, inclusão do sobrenome), o que demonstra preocupação com a
adolescente e, principalmente com o futuro dela.
Durante a avaliação psicológica foi percebido muita harmonia, carinho e
respeito entre o casal, bem como muito amor pela adotanda. Foi percebido não
haver distinção no tratamento e cuidados oferecido à requerida em relação a outra
filha do casal. O adotante contou que, apesar de ter o desejo de ver seu sobrenome
incluído no nome da adolescente, nunca fez esse pedido, por achar que essa deva
ser uma decisão dela. Tal postura demonstra respeito pelas escolhas da
adolescente.
Na entrevista com a adotanda foi percebido a vinculação natural de filha e
pais, além de seu desejo na concretização da adoção. Também demonstrou muito
amor pela filha do casal, a quem tem por irmã mais nova. Contou também que tinha
o desejo de acrescentar o sobrenome de seu pai (requerente) em seu nome.
Inclusive, há muito tempo tinha vontade de escrevê-lo, pois gostava da ideia de ter o
nome igual ao dos pais e irmã. Contou que tem um carinho especial pela mãe
biológica, falou muito bem dela, dos irmãos biológicos, porém, a referências familiar
que possuí está vinculadas ao casal requerente e a filha destes. Ela reconhece seus
parentescos genéticos, mas os vínculos afetivos se mostram mais relevantes e
significativos em sua vida.
Uma questão importante é o fato de ter havido um desentendimento há cerca
de três meses na família, pois, segundo o casal, foi descoberto que a mãe biológica
da adotanda não estava cuidando bem da sua mãe. O desentendimento entre os
irmãos, fez ela ameaçar não consentir com a adoção por ocasião da audiência. O
casal, demonstrando uma postura emocionalmente madura, procura proteger a
adolescente desse conflito na família para que não interfira na relação que a
adotanda possuí com a mãe biológica, pois consideram importante para ela manter
boas lembranças da figura materna.
No quarto processo32, os adotantes, ele, 37 anos de idade, empresário, e
ele, 28 anos de idade, empresário, convivem em união estável há 08 anos. Estavam
cadastrados para adoção desde 2011. O casal pretendia adotar apenas uma
menina, porém, o tempo de espera de 2 anos e a oportunidade de visitarem a
32
Trata-se de uma adoção homoparental, ou seja, adoção por casal homoafetivo.
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Notou-se uma disputa natural entre as irmãs pela atenção dos adotantes e da
irmã mais velha, o que foi trabalhado com naturalidade e bom manejo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
E embora objeto deste TCC não tenha abordado sobre o trabalho do Serviço
Social nesse processo; a atuação dos assistentes sociais enquanto profissionais que
atuam diretamente com os envolvidos, assume primordial importância em aprofundar
os estudos, na intervenção e poder influenciar, de maneira mais contundente, o
avanço da adoção como política pública e em especial, no enfrentamento de
aspectos ainda conservadores sobre família e combate de repercussões e
determinações sócio históricas que envolvem o tema.
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REFERÊNCIAS
CÓPIAS AUTENTICADAS
08000841909/3616-9748/9749
ANEXO B
PODER JUDICIÁRIO
FÓRUM DES. MIGUEL SEABRA FAGUNDES
2ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE NATAL/RN
Rua Dr. Lauro Pinto, nº 315,2º Andar Lagoa Nova, CEP: 59.064-250 - telefone: 3616-9749/3616-9748
Requerente
Nome:
Nacionalidade: Naturalidade:
Data Nascimento: Sexo:
Filiação:
Estado Civil:
Escolaridade:
Identidade: CPF:
Profissão:
Endereço Profissional:
Telefone comercial:
Endereço Residencial:
Telefone para contato:
E-mail:
Requerente
Nome:
Nacionalidade: Naturalidade:
Data de Nascimento: Sexo:
Filiação:
Estado Civil:
Escolaridade:
Identidade: CPF:
Profissão:
Endereço Profissional:
Telefone Comercial:
Endereço Residencial:
Telefone para contato:
E-mail:
Natal (RN),
__________________________________ _______________________________
Requerente Requerente
ANEXO C
A demanda nas casas de passagem e outros abrigos em Natal é canalizada pela Justiça.
As três varas da Infância e da Juventude recebem casos de várias instituições: polícia,
Ministério Público, Conselho Tutelar, SOS Criança e até mesmo familiares batem à porta
dos juízes. Além das drogas, o abandono e disposição das crianças nos abrigos são
provocados por outros motivos. Entre estes, transtorno dos pais, violência e risco de morte.
O quadro de abandono de menores se repete em todo país. Um retrato desse cenário foi
mostrado por um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no ano
passado. Em todo país, mais de 80% dos encaminhamentos de crianças e adolescentes a
abrigos estão vinculados à dependência química dos pais. Outro estudo, ainda não
divulgado, de “Waiselfisz, JJ. Mapa da Violência 2014. Crianças e adolescentes do Brasil da
Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso)”, obtido pela TRIBUNA DO
NORTE, aponta que pelo menos 46 mil crianças ou adolescentes vivem em abrigos
públicos.
O Mapa acusa que, nos últimos dois anos, o país registrou 27.625 casos de abandono e
negligência. Nesse universo, 61% correspondem a crianças com até 4 anos. O restante é
constituído de menores com idade entre 5 e 15 anos. O estudo apresenta ainda outros tipos
de violência os quais as crianças e adolescentes são submetidos. Trabalho infantil,
agressões físicas, violência sexual, tráfico humano e tortura são apontados no levantamento
ainda inédito.
O juiz José Dantas reforça a tese de que todas as violações contra os direitos das crianças
e adolescentes permeiam o universo sombrio e criminoso das drogas. “Os maus tratos
começam com pais alcoólatras. Uma criança só vai pra rua quando em casa ela não tem o
que precisa. A casa deixa de ser um espaço de acolhimento. As drogas são
potencializadores do problema”, explica.
O magistrado revela ainda que, com o passar dos anos, as casas de acolhimento mudaram
completamente de função. Antes criados para receber crianças cujos pais haviam
falecido, os abrigos quase não recebem esse tipo de público. Atualmente, só há duas
crianças órfãs em Natal. “Agora, o número de filhos órfãos de pais vivos, órfãos do crack e
outras drogas, é grande”, avalia.
Outro fato chama atenção e assusta quem analisa a efetividade de políticas públicas que
tentam inibir o uso de entorpecentes e, ao mesmo tempo, melhorar os serviços de
assistência social do público-alvo. Fatores como falta de oportunidades, ausência de
familiares, insucesso no processo de doação de crianças resultam no que o juiz José
Dantas classifica como “reprodução da desassistência social”. Ocorre que nos abrigos
natalenses existem pelo menos três crianças filhas de mães abandonadas. “São crianças
que nasceram no acolhimento. A mãe já estava na instituição quando engravidou. É a
reprodução da desassistência social”, alerta.
O magistrado explica ainda que o processo que desencadeia a permanência da criança ou
adolescente no abrigo é constituído de várias etapas. “Primeiro, há o trabalho de vínculo
familiar com os próprios pais. Não sendo possível, buscamos a família extensa ou ampliada.
Quando falha essas duas opções, partimos para a destituição do poder familiar desses pais.
Aí, encaminhamos para a doação nacional ou internacional. Enquanto isso, a criança fica no
abrigo”, informa.