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SUMÁRIO

PREFÁCIO ...........................................................................................................................................4
1 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO MUNDO ................................................................................6
1.1 JONH LOCKE E A PSICOLOGIA ...............................................................................................9
1.2 A INFLUÊNCIA DE DARWIN ....................................................................................................10
2
1.3 WUNDT: DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL FISIOLÓGICA À PSICOLOGIA DOS POVOS.....12
1.4 PSICOLOGIA DA INTELIGÊNCIA E DA FORMA......................................................................14
1.5 O PRINCÍPIO DO SENTIDO .....................................................................................................15
1. 6 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A PSICOLOGIA NO BRASIL.............................................18
2 GRANDES PENSADORES DA PSICOLOGIA E AS ABORDAGENS DELES DERIVADAS.....23
2.1 INÍCIO, O ESTRUTURALISMO .................................................................................................23
2.2 FUNCIONALISMO .....................................................................................................................24
2.3 WUNDT E O ASSOCIACIONISMO ...........................................................................................24
2.4 PAVLOV E A REFLEXOLOGIA .................................................................................................25
2.5 BEHAVIORISMO, A PRIMEIRA POTÊNCIA ............................................................................28
2.5.1 Burrhus Frederic Skinner .......................................................................................................29
2.6 GESTALT, A PSICOLOGIA DA FORMA ...................................................................................30
2.7 PSICANÁLISE ...........................................................................................................................31
2. 8 HUMANISMO ............................................................................................................................34
2.8.1 Pirâmide de Maslow ................................................................................................................36
2.9 PSICOLOGIA TRANSPESSOAL ...............................................................................................37
2.10 PSICODRAMA ..........................................................................................................................38
2.10.1 Jacobo Levy Moreno ..............................................................................................................39
2.10.2 Teoria do psicodrama .............................................................................................................41
2.10.3 Método psicodramático ..........................................................................................................43
2.10.4 Psicodrama psicanalítico .......................................................................................................45
2.11 PSICOLOGIA ANALÍTICA ...........................................................................................................47
3 A PSICOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA (PSICOLOGIA CIENTÍFICA) .....................................49
3.1 PESQUISA EM PSICOLOGIA E BIOÉTICA .............................................................................58
4 PRINCIPAIS ÁREAS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO ...........................................................61
4.1 PSICOLOGIA DO ESPORTE ....................................................................................................63
4.2 PSICOLOGIA AMBIENTAL .......................................................................................................63
4.3 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL............................................................................................64
4.4 PSICOLOGIA INDUSTRIAL: .....................................................................................................65
4.5 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL:..........................................................................................666
4.6 PSICOLOGIA HOSPITALAR ....................................................................................................68
4.7 PSICOLOGIA ESCOLAR ..........................................................................................................69 3
4.8 PSICOLOGIA JURÍDICA ...........................................................................................................82
5 PSICOLOGIA CLÍNICA: CONCEITO........................................................................................86
6 CONCEITO DE SAÚDE ............................................................................................................92
7 SAÚDE MENTAL ......................................................................................................................96
8 DEFICIÊNCIA MENTAL ............................................................................................................97
8.1 CLASSIFICAÇÕES DA DEFICIÊNCIA MENTAL.......................................................................98
9 TRANSTORNO MENTAL ........................................................................................................101
10 PRINCIPAIS TRANSTORNOS MENTAIS ...............................................................................104
10.1 DEPRESSÃO ...........................................................................................................................104
10.2 ANSIEDADE .............................................................................................................................108
10.3 TRANSTORNO BIPOLAR ........................................................................................................111
10.4 TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO (TOC) ...............................................................116
10.5 ESQUIZOFRENIA ....................................................................................................................120
10.6 HIPERATIVIDADE E DÉFICIT DE ATENÇÃO .........................................................................126
11 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA ..................................................................................................132
12 INTERVENÇÃO .......................................................................................................................158
13 EQUIPE MULTIPROFISSIONAL .............................................................................................165
14 PRESENTE E FUTURO DA PSICOLOGIA CLÍNICA ..............................................................168
15 CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................................177
GLOSSÁRIO ......................................................................................................................................178.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................183
PREFÁCIO

FIGURA 1

A Psicologia talvez seja uma das mais controversas ciências da atualidade. Amada por
uns e odiada por outros, sem dúvida ainda permanece obscura para a grande maioria.
Ouve-se falar dela como ‘coisa do demônio’ dentro de igrejas católicas e evangélicas.
Confundida com práticas alternativas não reconhecidas pela Ciência tradicional, muitos cientistas
a veem com maus olhos e até com certo desdém. O certo é que as pessoas normalmente
costumam combater aquilo que não conhecem. Esse comportamento é no mínimo
preconceituoso.
Faz-se necessário conhecer para só depois exercer sobre aquilo que se conhece
algum tipo de pensamento, seja de apoio ou repulsa. Mas que seja feito com fundamento.
O certo é que a Psicologia provavelmente seja uma das mais complexas ciências da
atualidade. A começar pelo seu próprio objeto de estudo, a pretensão de estudar a alma
humana. Por mais que se estude, jamais será possível abarcar toda esta complexidade, pois o
ser humano é o reflexo de interações ambientais, sociais, físicas, cognitivas e espirituais.
Várias Ciências se cruzam na busca desse conhecimento, como a Neurologia, a
Filosofia, as Ciências Sociais, a Psiquiatria... Tudo o que for dito perto da dimensão do ser
humano envolto em sua cultura e valores será muito pouco. Tudo isso faz da Psicologia uma
Ciência extremamente bela e complexa, dificílima, embora fascinante. Ninguém, jamais sairá
ileso depois que dela se aproximar.
E o objetivo deste curso é facilitar uma primeira aproximação com essa Ciência, que
mais pergunta que responde, pois não é função da Psicologia encontrar respostas, ou soluções
simples e prontas para coisas complexas, mas apenas se propõe a entender melhor quem é o
ser humano e como ele age. Quero caminhar com você ao dar os primeiros passos rumo ao
conhecimento psicológico e espero que se apaixone tanto quanto eu me apaixonei por essa
Ciência, ainda tão mal compreendida. Vamos lá?

5
1 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO MUNDO

Desde o início dos tempos, o ser humano sempre quis compreender melhor o mundo
que o rodeia, conhecendo as suas origens. Se entendermos a Psicologia como um
conhecimento amplo, é possível afirmar que os mais antigos filósofos, os pré-socráticos, eram, 6
em sua essência, psicólogos, embora não fossem assim denominados nem tivessem o seu
exercício regulamentado em lei.
Na busca pela indagação de si e pelo entendimento de suas origens, várias correntes
teóricas se formaram. Dentre elas, as duas mais importantes, tentando explicar a origem do ser
humano e do Universo: o Criacionismo e o Evolucionismo.
Entende-se o Criacionismo como sendo a teoria ou sistema que sustenta as espécies
animais e vegetais criadas de forma distinta, permanecendo invariáveis. Houve um Ser
Superior que criou todas as coisas que existem. O relato da criação do mundo encontra-se
pormenorizado na Bíblia Sagrada, livro de orientação de todos aqueles que professam a fé
cristã (FERREIRA, 1993).
Ao processo gradual de mudança genética em que as características de toda uma
espécie são alteradas durante muitas gerações, produzindo uma mudança cuja função é
proporcionar uma melhor adaptação dos indivíduos daquela espécie ao meio ambiente, processo
conhecido como Seleção Natural, dá-se a denominação de Evolucionismo (HAYES, 1997).
Mas as grandes questões da humanidade não se limitaram àquelas ligadas ao
Universo. O ser humano sempre se interessou por conhecer melhor a sua própria essência: De
onde vim? Para onde vou? Quem sou eu? O que vim fazer nesse mundo? As respostas a essas
perguntas trariam alívio para a própria angústia e inquietação inerentes ao ser humano. Era
preciso entender melhor as próprias emoções, ansiedades, sentimentos, o porquê da existência,
do nascimento, da morte...
Faz-se necessário entender que esses questionamentos tão profundos são naturais e
fazem parte do processo de autoconhecimento. Não é preciso fugir de sensações que nem
sempre são confortáveis, mas enfrentá-las, tirando proveito de cada evento desagradável para
encontrar o próprio equilíbrio, a própria estrada. Um dos grandes equívocos atuais
provavelmente seja o de querer se livrar, a todo e qualquer custo, da dor e dos sofrimentos
humanos. Mas eles são parte da complexa natureza humana. Não há fórmulas miraculosas para
fazer com que o ser humano pare de sofrer, por mais que os livros de autoajuda falem o
contrário. Não é essa a finalidade da Psicologia, mas sim, entender a alma humana e aprender a
lidar melhor com a própria existência.
A partir desse breve comentário, poderíamos afirmar que a Psicologia nasce de dois ramos
distintos: da Filosofia, considerando pensadores como Aristóteles e Platão (os primeiros psicólogos –
ainda que não utilizassem esse termo) e da Medicina, ainda que, de forma equivocada, tentassem 7
encontrar respostas físicas para questões emocionais (Os pensadores, 1999).
Provavelmente, a primeira grande obra psicológica de que se tem notícia seja a do
pensador Aristóteles, intitulada “De Anima”. Embora já se estudasse a alma humana, o termo
Psicologia só aparece no século XVI, com Rodolfo Goclênio.
A palavra Psicologia tem sua raiz etimológica nos termos psiché (alma) + logos (razão,
estudo). É bom que se diga que a Psicologia enquanto profissão é algo ainda recente, pois a
regulamentação da profissão de psicólogo foi instituída somente em 27 de agosto de 1962 (data
em que hoje se comemora o Dia do Psicólogo).
Tem-se afirmado que a Psicologia é uma ciência com um longo passado, mas com
uma curta história de reconhecimento enquanto atividade profissional e Ciência. Tal frase lança
luz sobre o fato de que os povos de todos os tempos e de todas as culturas se tenham ocupado
dos problemas da alma e da vida humana.
A partir de alguns testemunhos escritos que nos ficaram das antigas culturas da Índia,
China, Ásia Anterior, do Delta e do Nilo. A partir de mitos e contos populares, bem como de
obras eruditas, pode-se concluir que as pessoas sempre refletiram sobre a alma, a morte e a
imortalidade, sobre o bem e o mal, e as causas dos seus medos e preocupações.
O estudo da alma humana e a existência do ser humano são eventos interligados. Daí
a afirmação que a Psicologia é uma ciência em construção e de que o psicólogo é um
profissional sempre em formação. Não há psicólogos prontos, visto que compreender o ser
humano requer estudo incessante e a capacidade de aprender com os próprios erros.
A nossa ciência ocidental, assim como a Psicologia, remonta à Grécia Antiga, pelo que
o antigo escrito do filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) “Acerca da Alma”, é designado
muitas vezes como o primeiro Manual de Psicologia. De fato, esse grande mestre da ciência
antiga tratou de quase todos os problemas que ainda hoje nos ocupam; interessou-se de modo
muito especial pela questão dos fundamentos biológicos da vida anímica e do seu
desenvolvimento.
É do pensador Aristóteles a tese de que o todo vem antes das partes e é, portanto,
mais do que o somatório das suas partes. Por exemplo: cada floresta é mais do que o somatório
das suas árvores, arbustos e ervas que a constituem e dos animais que nela habitam, é uma
totalidade própria com características especiais que pertencem à totalidade. Porém, tais
totalidades existem igualmente no domínio psíquico. Esse é um dos grandes fundamentos do
que atualmente se intitula Psicologia da Gestalt, ou Psicologia da Forma. 8
Essa concepção opõe-se à de Wilhelm Wundt (1832-1920), de que o todo da mente é
constituído a partir de processos elementares, a qual denominou, a princípio, de a moderna
Psicologia Científica, orientada pelo pensamento atomista da Física.
Os gregos consideravam a alma como o sopro da vida, como aquilo que vivificava a
vida. Como, porém, se realizava essa vivificação foi problema que permaneceu tão discutido
quanto insolúvel. Tales de Mileto, muito antes de Aristóteles, considerou o movimento como
algo essencial para o processo de vivificação; alguns filósofos da Antiga Grécia pensavam que
a alma era “ar”, outros, que eram os odores os elementos vivificantes. (Os pensadores: Pré-
socráticos, 1999).
Platão (427-347 a.C.) qualifica alma como algo espiritual; o seu discípulo Aristóteles
considerava-a como uma força, aliás, incorpórea, mas que movia e dominava os corpos. A partir
de tais concepções, adquiridas exclusivamente pela especulação, existiam, contudo, também já
na Antiguidade, estudos amplos sobre processos cerebrais, sobre as funções dos órgãos
sensoriais e sobre perturbações dessas funções em caso de lesões cerebrais.
Muito se houve falar sobre a doutrina dos quatro temperamentos, sobretudo em livros
norte-americanos de Psicologia. Mas a grande verdade é que essa doutrina remonta ao grande
médico grego Hipócrates (cerca de 400 a.C.), retomada e desenvolvida pelo médico romano
Galeno (201 até 131 a.C.). Segundo ele, existem quatro temperamentos, determinados pela
predominância de um dos quatro “humores”: o sanguíneo (sangue: folgazão e superficial), o
colérico (bílis amarela: vontade forte e iras repentinas), o melancólico (bílis negra: pensativo e
triste) e o fleumático (muco: sossegado e inativo). Apesar do seu funcionamento
pseudocientífico, a doutrina dos quatro temperamentos afirmou-se na prática e os quatro tipos
foram finalmente introduzidos como noções da nossa linguagem do dia a dia. (SOURNIA, 1996).
Outro nome fundamental para que se estudem os primórdios da Psicologia é Santo
Agostinho (354-430), pelo fato de ter descoberto dois métodos importantes: o da auto-
observação e o da descrição da experiência interior, dando origem a uma Psicologia mais
subjetiva e qualitativa, baseada na fala e na introspecção, ao contrário daquela que prioriza
apenas o comportamento observável. De certa forma, pode-se citar a psicologia europeia como
aquela que mais se aproxima de uma Psicologia menos comercial e imediatista para uma mais
aprofundada e introspectiva, denominada por alguns de ‘Psicologia profunda’.

9
FIGURA 2

1.1 JONH LOCKE E A PSICOLOGIA

Grande parte das pessoas que trabalham na Educação já ouviu falar que ‘a criança é
como uma folha em branco na qual são registradas as várias experiências’. Essa ideia que
também influenciou bastante a Psicologia, principalmente em relação às abordagens que
priorizam a experiência como a principal fonte de formação do ser humano, vem de um pensador
conhecido: Jonh Locke.
Esse pensador veio sublinhar a importância que desempenham as impressões
sensoriais para o desenvolvimento da nossa experiência. Imaginou o espírito da criança como
uma folha de papel em branco (tábula rasa) na qual são “registradas” as experiências. John
Locke também tem papel decisivo na Pedagogia e na Psicopedagogia. Seu pensamento
sustentou ricas correntes pedagógicas e psicológicas. (ABAGNANO, 2000).
Já Aristóteles se ocupara das associações, da combinação de duas ou mais 10
representações ou vivências parciais. O fato de David Hume (1711-1776) ter retomado e
aperfeiçoado a teoria aristotélica das associações demonstrou ser de extraordinária importância,
também para a atual Psicologia. Hume ensinou que as representações eram imagens de
impressões sensoriais e se encontravam ligadas umas às outras com base em leis
mecanicamente funcionais. Reforçando o pensamento de Aristóteles, formulou as leis da
associação do contato espaço-tempo, da semelhança, do contraste e da causalidade.
Desde então se verifica a importância que as experiências exercem sobre a vida de
qualquer ser humano, gerando gratificação ou traumas. As experiências têm uma função
primordial na estrutura da pessoa, principalmente até os seis anos de vida. Aquilo que é
vivenciado nessa fase torna-se determinante na vida adulta. A forma de ser, de reagir e de
enfrentar crises em boa parte é construída na infância. Também a forma feliz de celebrar a vida
em seus detalhes mais simples.

1.2 A INFLUÊNCIA DE DARWIN

FIGURA 3 - CHARLES DARWIN


A Psicologia sempre viveu o dilema de optar entre entregar-se à objetividade, para que
ocorresse a apropriação do fazer científico, ou exercer um modo de fazer seus estudos de
maneira mais alternativa e aberta à especulação e assim correr o risco de não ser legitimada nos
meios acadêmicos.
Pela própria raiz eminentemente filosófica, toda a Psicologia fora praticada até aos
meados do século XX de modo predominantemente especulativo: julgava-se poder solucionar 11
todos os problemas a partir da reflexão, da análise e da síntese. Ledo engano. Atualmente,
percebe-se que as alternativas acima citadas não são excludentes, mas podem se
complementar e se enriquecer mutuamente e assim o fazer científico enriquece seu olhar,
tornando-se mais holístico e menos fragmentado.
Prova disso são as propostas atuais do Sistema Único de Saúde (SUS), de tornar o
trabalho cada vez mais interdisciplinar e menos individualista, o que amplia o prisma do
observador para um horizonte mais amplo dentro do estudo de cada caso. Uma gastrite, por
exemplo, pode ser analisada como algo proveniente de uma irritação gástrica apenas ou do
produto complexo da somatização de uma vida corrida e sedentária aliada a uma alimentação
precária digerida em um ambiente de ansiedade, somatizando em uma irritação gástrica, que vai
eclodir em um órgão de choque, que pode ser o estômago.
Isso prova que vários olhares sobre o mesmo assunto mostram o quão complexa é
cada situação e o quanto podem se tornar ricos os debates entre os vários fazeres científicos.
Quanto ao modo empírico de fazer ciência, pode-se afirmar que um dos principais
impulsos na Psicologia teve sua origem nas observações e experimentos de Charles Darwin
(1809-1882), o fundador da moderna doutrina genética e da hereditariedade.
“A Origem das Espécies” (1859), magnífica obra desse cientista, influenciou de modo
revolucionário quase todos os domínios da Ciência, desde a Física e Química, passando pela
Biologia até chegar à Psicologia. Essa obra promove debates, os mais acalorados, e inúmeras
teses, colocando como inimigos frontais teólogos e cientistas, lógico, dentro de uma perspectiva
excludente, fragmentada e dualista.
Além das suas investigações biológicas, Darwin ocupou-se igualmente de uma série de
problemas que hoje denominaríamos psicológicos. As ideias de Darwin deram um novo impulso
à investigação psicológica e constituíram o fundamento para muitos campos da moderna
Psicologia: a Psicologia do Desenvolvimento e a Psicologia Animal; o estudo da expressão dos
movimentos afetivos, a investigação das diferenças entre os diversos indivíduos; o problema da
influência da hereditariedade em comparação com a do meio ambiente; o problema do papel da
consciência; e, logo a seguir; o estudo experimental das funções anímicas como também a
introdução do princípio quantitativo da investigação.
O historiador Boring, cuja formação acadêmica remonta a Wilhelm Wundt, passando
por Edward E. Titchener, afirma, em determinado passo, acerca da psicologia americana, que
ela herdou o corpo da investigação experimental alemã; o espírito, todavia, provém de Darwin. 12
Refere-se assim à tradição americana fundada com base em William James (1842-1910) e John
Dewey (1859-1952) que – diferentemente da tradição alemã criada por Wundt – transfere para
primeiro plano as questões da Biologia, do Desenvolvimento e da Atividade Anímica.
Historicamente é interessante verificar que as primeiras publicações de Fechner e
Wundt sobre as Percepções Sensoriais surgiram ao mesmo tempo em que: a “Origem das
Espécies”, de Charles Darwin; os "Elementos de Psicofísica", de Fechner apareceram em 1860 e
os “Contributos para uma Teoria das Percepções Sensoriais”, de Wundt, no ano de 1862
(DAVIDOFF, 2003).

1.3 WUNDT: DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL FISIOLÓGICA À PSICOLOGIA DOS POVOS

FIGURA 4 - WUNDT

Wundt é considerado por muitos estudiosos como o pai da Psicologia. Sem dúvida, a
posição de destaque que Wundt ocupa entre os psicólogos e a sua influência internacional,
gigantesca, têm sua fundamentação em uma série de circunstâncias: Wundt não se limitou a
criar, em 1879, em Leipzig, o primeiro laboratório destinado à investigação experimental dos
fenômenos da consciência, fato que muitos consideraram o marco inicial da Psicologia como
ciência independente.
Ele desenvolveu, além disso, um sistema amplo para o nascimento dessa nova
ciência, pesquisando aspectos que iam desde a Psicologia Experimental Fisiológica até a
Psicologia dos Povos, dando origem àquilo que hoje se conhece como Psicologia Social e
Comunitária. Essa ampla gama de estudos dentro da Ciência Psicológica demonstrava que 13
Wundt possuía invulgar capacidade e fecundidade para o trabalho.
Fato curioso é que a base teórica da Psicologia pensada por Wundt vinha da Física.
Não é à toa que hoje se fala em termos como campos de tensão dentro da dinâmica dos grupos.
Tal como um físico, ele pretendia encontrar elementos e processos elementares; a
partir deles pensava poder construir a alma como um todo. No entanto, também ele próprio, no
fundo, não estava absolutamente convencido desta ideia, como demonstra o fato de ter
esperado que a Psicologia dos Povos fornecesse de qualquer modo conhecimento para os
fenômenos mais complexos da alma humana.
Apesar da grandiosa concepção fundamental, a Psicologia dos Povos de Wundt não
levou a quaisquer resultados duradouros precisamente no que se refere à compreensão dos
fenômenos mais complexos ou mesmo daqueles que dizem respeito ao desenvolvimento
humano. Mesmo porque Wundt não chegou a desenvolver um conceito preciso daquilo que seria
essa área da Psicologia, a Psicologia dos Povos.
Enquanto Wundt militava em defesa da Psicologia dos Povos, outros pensadores
estudavam os fenômenos de maturação por meio da observação de animais e de crianças, o
que daria origem à Psicologia do Desenvolvimento. Esse sistema de pensamento incide
exclusivamente sobre a observação do comportamento animal e humano e dos processos de
maturação de tal comportamento. De Francis Galton a Lloyd Morgan, William McDougall,
Thorndike, Yerkes e John B. Watson, encontramos uma série de investigações brilhantes que se
ocupam das questões da hereditariedade, do comportamento animal, dos instintos e do
comportamento infantil.
O estudo do comportamento observável é um dos pilares doutrinários do Behaviorismo
e os estudos realizados por seus seguidores baseavam-se quase que exclusivamente em
observações de animais e de crianças. Hoje em dia a Psicologia Animal e a Psicologia Infantil
constituem dois ramos extremamente vastos e significativos da investigação psicológica, apesar
de que já são necessários vários cuidados legais, pelos abusos antes cometidos por
pesquisadores menos avisados.
Em pesquisas que envolvam seres humanos, por exemplo, é necessário, atualmente,
que seja assinado um termo de Livre Consentimento. É preciso conhecer de que trata a
pesquisa e quais os possíveis riscos envolvidos nela, para, só assim, decidir se deseja fazer
parte da experiência ou não. 14
Em relação aos animais, o pesquisador precisa garantir, por meio de documentações
específicas, que este não vai sofrer nenhum dano. Controvérsias à parte, o certo é que a
tradição das observações realizadas em animais foi perpetuada em muitos países e pela
comparação cuidadosa entre o comportamento animal e o humano – levada a efeito nas
investigações de Wolfgang Köhler, Howard Liddel, Nikolaas Tinbergen, Konrad Lorenz e Otto
Koehler – permitiu que se obtivessem conhecimentos fundamentais sobre as funções psíquicas
em diferentes fases do desenvolvimento.
Muitas pesquisas são relacionadas a medicamentos, por exemplo, parte da
generalização dos resultados obtidos do estudo com animais. É do conhecimento geral o grande
incremento sofrido pela Psicologia da Criança e do Adolescente; amplificada ao âmbito da
investigação experimental, desde Karl Bühler e David Katz até Arnold Gesell e Jean Piaget.
Praticamente toda a teoria piagetiana foi obtida a partir de observações dos seus
próprios filhos. Um estudo cuidadoso e que certamente exigiu muito do seu espírito investigativo.
Foram anos a fio para que fosse possível elaborar a sua teoria, de contribuição inestimável
também para a Psicologia Clínica Infantil, de maneira mais específica.

1.4 PSICOLOGIA DA INTELIGÊNCIA E DA FORMA

É impossível falar da Psicologia da Inteligência e da Forma sem citar nomes como:


Franz Brentano (1838-1917), Christian von Ehrenfels (1859-1932) e Edmund Husserl (1859-
1938). Estes dois grupos, que costumam normalmente serem designados por Escola de
Würzburg e de Berlim, insistiam em que a compreensão das relações de sentido e a percepção
de formas, ou seja, de formas e totalidades, são processos de uma espécie própria e não se
podem explicar como sendo formados por elementos, isto é, a forma não se mostra absoluta,
mas existe uma relação entre a forma e a percepção de quem vê, para que haja um sentido.
Esse pensamento explica, de certa forma, a existência da relatividade e do significado da arte.
O valor da obra artística, uma tela, por exemplo, está no significado atribuído pelo
observador. Essa escola psicológica demonstra que o todo tem um significado maior do que o
que teria simplesmente em unirem as suas partes.
Fazendo uma analogia a esse pensamento e demonstrando-o, por exemplo, na rotina 15
de uma policlínica, diria que trabalhar em uma equipe interdisciplinar de saúde tem um efeito
muito superior que tentar unir conclusões de trabalhos isolados de diversos profissionais de
saúde, produzidos de forma individualizada. Daí ser a máxima dessa Escola: “O todo é mais que
a soma de suas partes”.
Os pensadores da Psicologia da Inteligência e da Forma apresentavam, além disso, a
comprovação experimental para provar a exatidão da sua tese. Não são as representações, mas
sim as suas relações que decidem o sentido de um pensamento, afirmou Karl Bühler, um dos
jovens representantes da Escola de Würzburg, ao ser contestado por Wundt.
As percepções estruturais do pensamento são operações específicas, por meio das
quais se constroem as nossas percepções: as impressões sensoriais não são simplesmente
refletidas e ligadas umas com as outras; mas dá-se a partir de diferentes centros cerebrais uma
projeção das impressões sensoriais em diferentes direções, o que faz com que cada pessoa
interprete e veja o mundo de uma determinada forma (PIMENTEL, 2003; PERLS, 1969).

1.5 O PRINCÍPIO DO SENTIDO

“Minha vida carece de sentido.” “É preciso dar sentido à existência.” “Menino, dê um


rumo à sua vida!” Todos certamente já ouviram frases assim, que denotam, de certa forma, a
necessidade de que a vida tenha um significado, uma direção, senão se transformaria em um
barco à deriva.
Eduard Spranger trouxe à Psicologia o que denominava de valores espirituais, aos
poucos retornando à mesa de discussão, dentro de uma perspectiva mais abrangente e menos
reducionista. “Reivindico a palavra Psicologia para a ciência da vida provida de sentido”,
declarou Eduard Spranger, no ano de 1922, em uma máxima verdadeiramente clássica. A
palavra “sentido” é definida aqui de modo diferente do que na Psicologia da Inteligência, para a
qual sentido significa o contexto espiritual de um pensamento.
Sentido aqui é definido como “aquilo que está integrado num todo de valores como
membro constituinte” ou, por outras palavras, provido de sentido é aquilo que contribui para a
realização de valores, o que amplia a função da Psicologia, de apenas explicativa para algo
compreensivo. Spranger, que, seguindo as ideias de Wilhelm Dilthey (1833-1911), contrapõe 16
uma Psicologia compreensiva à Psicologia explicativa dos experimentalistas.
O essencial na vida humana passa a ser a orientação dos valores. Dever-se-ia
compreender a pessoa a partir do “espírito objetivo”, produtor de valores.
Na linguagem da moderna Psicologia, isso quer dizer que Spranger se ocupava
exclusivamente com as finalidades de valor e com os produtos de cultura formados por
intermédio deles, enquanto considera o estudo da realização das ações humanas desprovidas
de importância.
Porém, como Karl Bühler acentua na sua obra “A Crise da Psicologia”, ambos os
aspectos são importantes. É necessário entender que se tratam apenas de aspectos diferentes
de um mesmo ser, o ser humano. Portanto, uma dimensão não deve excluir a outra, mas a ela
se complementar. Ação e sentido são inerentes à alma da pessoa. De nada adianta a execução
de tarefas se aquilo não vier provido de sentido e, a falta desse sentido tem promovido diversos
transtornos psíquicos no mundo do trabalho. Um terceiro grupo ocupou-se ainda de outra
maneira com a relação de sentido das finalidades.
Esse fato mostra cada vez mais claramente que o ponto de vista do sentido ocupa um
plano especial na Psicologia atual. É a relação de sentido da ação motivada, tal como Sigmund
Freud (1856-1939), o fundador da Psicanálise, a viu e descreveu – aliás, descreveu-a, no início
da sua teorização dentro dos limites daquilo que ele definiu como libido, e que pode ser
rapidamente conceituado como energia vital.
Aos poucos a relação de sentido da ação motivada foi se ampliando, até compreender-
se a concepção cada vez mais divulgada de que todo o nosso pensamento e procedimento
visam à satisfação de determinadas necessidades e adquirem o seu sentido a partir de tal
necessidade ou desejo.
Sob esse ponto de vista, todo o procedimento é provido de sentido, uma vez que é
determinado por motivos. Mesmo o pensamento e o procedimento daqueles que estão em
sofrimento psíquico têm sentido, isto é, têm em vista um objetivo, ainda que o sentido dos
próprios objetivos seja mal compreendido naquele momento.
No entanto, uma vez que mesmo esse sentido mal compreendido é muitas vezes
susceptível de ser interpretado pelo analista, é possível, em muitos casos, ajudar a pessoa a
adquirir uma melhor autocompreensão e a partir daí um modo de vida mais equilibrado e
harmônico. Dentro de uma perspectiva psicanalítica, pode-se afirmar que até aquilo que se 17
sonha é provido de sentido, visto que lhe é inerente uma finalidade dirigida no sentido da
satisfação de necessidades.
A interpretação, introduzida por Freud no pensamento psicológico como novo
princípio fundamental, deve ser utilizada sempre que a pessoa que atua oculta a si própria e
aos outros o verdadeiro objetivo dos seus anseios. Em tais casos, ela pensa e atua
simbolicamente (quer dizer, acontece inconscientemente), em vez do objetivo verdadeiro
coloca um objetivo substituto ou ilusório, para desviar a atenção das intenções que lhe
parecem contestáveis, reprováveis ou puníveis.
No princípio do sentido amplo aqui desenvolvido, encontram-se incluídos, tanto o
princípio da relação do sentido no nosso pensamento, acentuado pela Psicologia da Inteligência,
como o princípio do sentido das finalidades de valor, defendido por Spranger. Atravessada por
várias teorias, recorrendo a métodos e técnicas de investigação diversificada, organizada em
várias especialidades, a Psicologia procura, nessa diversidade, responder às questões que
desde sempre se colocaram acerca do comportamento, emoções, sentimentos, relações sociais,
sonhos, perturbações... (NASIO, 1988).
1. 6 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A PSICOLOGIA NO BRASIL

FIGURA 5

18

É possível falar de uma Psicologia genuinamente brasileira? Até bem pouco tempo
parecia impossível até mesmo pensar sobre essa possibilidade.
O filósofo Farias Brito (1912, p. 277, apud ANTUNES, 2004 ) retrata bem essa posição
pessimista ao questionar que: de todo esse assunto, de tão alta significação, o que motivaria
entre eles incentivaria o interesse dos homens mais eminentes de todo o mundo? A resposta
deveria ser: nada, absolutamente nada! Pois, para ele, realmente, o solo da intelectualidade
nacional não parecia ser terreno fértil e propício para a semente da nova Ciência.
Depois de posição tão desoladora, é importante ressaltar que se o pensamento culto
brasileiro não fosse tão fértil, a Psicologia enquanto Ciência não teria tido a expansão tão grande
que teve no início século XX, e ainda hoje continua tendo. Poucas vezes uma Ciência cresceu
tanto e em tantas áreas ao mesmo tempo como a Ciência Psicológica, e de forma específica, a
Ciência Psicológica Brasileira. O brasileiro tem as suas peculiaridades e, se ainda hoje ainda
importamos boa parte das pesquisas da Europa e dos Estados Unidos, também já se fazem
adaptações de testes psicológicos para a realidade brasileira, o que demonstra o franco
crescimento dessa Ciência em nosso País.
A Psicologia enquanto profissão, por exemplo, está presente nas áreas jurídica, clínica,
organizacional, dos esportes, hospitalar, do comportamento animal, etc. Além disso, o Brasil foi
um dos primeiros países do mundo a regulamentar a profissão de Psicólogo, pela Lei 4.119.
Infelizmente, não há muitos registros daquilo que se produz no Brasil em termos de
Ciência Psicológica, pelo menos em termos proporcionais. Aprendeu-se a supervalorizar
aquilo que vem de fora e a desvalorizar a nossa produção, seja ela artística ou científica e de 19
que área for.
Por um lado, os profissionais de Psicologia não registram seu trabalho, talvez por
considerarem de pouco valor (seria um complexo de inferioridade?). Por outro lado, o Brasil, pelo
próprio processo de colonização, sofre daquilo que se pode denominar “Complexo de Menos
Valia”. E assim se forma uma profissão sem registros, sem memória, sem história, aliás, noção
plenamente generalizada para outras áreas no Brasil. Infelizmente, ainda há uma grande
quantidade de conhecimentos importados, de forma especial, o conhecimento importado dos
Estados Unidos.
O grande problema é que a nossa gente e a nossa cultura são diferentes e aquilo que
se aplica para outros países muito provavelmente não se aplicará para nosso povo.
Principalmente em se tratando de questões psicológicas e emocionais, pois se tem no Brasil,
uma diversidade religiosa e cultural completamente incomum a outros lugares.
Daí se questionar tanto a validade dos testes psicológicos, em sua grande maioria
criados em outros países e aplicados aqui.
Ao realizar um breve retrospecto da história da Psicologia no Brasil, vê-se que no início
do século XX muitos estudantes que se interessaram pela Psicologia foram estudar no exterior,
vislumbrando problemas e “soluções” típicos daqueles locais. Ao retornarem ao Brasil,
assumiram a posição de intelectuais dominadores, colocando o Brasil na posição de “objeto de
pesquisa”.
Dentro dessa perspectiva, tudo o que partia do povo, sua cultura, suas crenças, seus
valores, era menosprezado, considerado como “não científico”. Apagar hábitos, costumes e
tradições eram “papel científico”, sua “mais nobre função”. Decorre daí que um povo que não
preserva as suas próprias raízes se torna mais fácil de dominar, pois não reconhece a sua
própria identidade. Um povo sem história é um povo sem identidade.
E um povo sem identidade assume a identidade de qualquer outro como sendo sua. O
que não é verdade soa falso, inautêntico. Esse fato é visto muito facilmente nos hábitos
alimentares, na linguagem, na forma de vestir... É urgente a necessidade de nos reconhecermos
como Nação e valorizar aquilo que é genuinamente nosso.
Boa parte desse problema tem a sua origem no Pensamento Positivista, que não
considera o conhecimento histórico como algo de valor científico, o que se torna um
impedimento ao próprio avanço.
Ao desvalorizar a contribuição da cultura pré-científica à evolução do conhecimento 20
humano, essa corrente restringe a história da Psicologia ao desenvolvimento da Psicologia
científica nos últimos dois séculos.
A exclusão do domínio historiográfico dos conhecimentos psicológicos difundidos no
seio das diferentes tradições culturais e julgados não relevantes implica a renúncia à memória
das raízes dessa disciplina presente em tais tradições e o esquecimento das questões originais
que determinaram o seu surgimento, ou favoreceram sua influência e seu desenvolvimento em
específicos ambientes culturais. Outra consequência é a redução da Psicologia a apenas a
europeia e norte-americana, revestidas de uma pretensa universalidade (ANTUNES, 2004).
Felizmente, o que era visto como avanço científico, hoje é visto como sério entrave ao
conhecimento. Não há mais como negar o profundo nexo entre Ciência e conhecimento
histórico. Parte daí a busca incessante de vários estudiosos em Psicologia para encontrar as
verdadeiras raízes do conhecimento psicológico brasileiro.
A partir do século XVI, o que se vê é uma combinação original entre o que se pode
denominar de psicologia indígena e conhecimentos europeus.
Como exemplos desses primeiros registros, podemos citar os seguintes títulos:
Tratados da terra e gente do Brasil (Londres, 1625), Notícias curiosas e necessárias sobre o
Brasil (Lisboa, 1668), Crônicas (Lisboa, 1661), Sermões-XV volumes (Lisboa, 1696), Arte de
criar bem os filhos na idade de puerícia (Lisboa, 1685), Nova Escola para aprender a ler,
escrever e contar (Lisboa, 1722), Viridiário Evangélico-IV volumes (Lisboa, 1724; 1734; 1746,
1755), Progymnasma literário e tesouro de erudição sagrada e humana, para enriquecer o ânimo
de prendas e a alma de virtudes (Lisboa, 1737), Reflexões sobre a vaidade dos homens ou
Discursos morais sobre os efeitos da vaidade (Lisboa, 1752), Problemas de Arquitetura Civil, a
saber: Porque os edifícios antigos têm mais duração e resistem mais ao tremor de terra que os
modernos? (Lisboa, 1770).
Muito interessantes são os relatos sobre o comportamento social dos índios em uma
fase de pré-colonização. Eles revelam muito sobre uma forma peculiar de Psicologia, a indígena.
De acordo com esses relatos, o amor às crianças é intenso e se alguém trata bem aos pequenos
indígenas tem dos pais aquilo de que precisar.
O papel maternal é extenso, ou seja, as mulheres das tribos cuidam das crianças como
se fossem suas mães. Depois do parto, a mulher levanta-se e ocupa-se de suas tarefas
domésticas e da roça. Enquanto o marido fica deitado na rede e recebe as visitas e os cuidados
de amigos e parentes – como se fora a mulher. Para dar atenção à criança, o pai se afasta do 21
trabalho e permanece em casa. A mãe amamenta a criança exclusivamente de leite materno até
um ano, um ano e meio e em alguns casos até os sete ou oito anos.
As índias, no período da colonização, foram proibidas de amamentar seus filhos por
período prolongado – à moda das mulheres portuguesas, que entregavam seus filhos às amas
nos primeiros anos –, tendo como justificativa que, se amamentadas, as crianças cresceriam
‘frouxas’. Atualmente, o hábito de amamentar é amplamente estimulado e reconhecido como
benéfico pela Ciência.
Há relatos daquele período de que as crianças indígenas participavam ativamente da
sociedade e da rotina da vida adulta. Os pais levavam as crianças para junto de si quando vão
trabalhar. De igual modo, os hábitos higiênicos são aprendidos desde cedo: as crianças
levantam cedo e vão ao rio, lavar-se e nadar.
Os jogos simbólicos, tão enfatizados por psicanalistas como Erik Erikson e Bruno
Bettelheim são prática comum na vida das crianças indígenas há muito tempo. Iniciadas na vida
social e religiosa desde cedo, elas cantam, dançam e representam nas suas tribos e as
brincadeiras variadas são feitas com muita alegria. Segundo relatos do período colonial, as
crianças eram muito mais alegres que os meninos portugueses e as brincadeiras ocorriam sem
brigas nem palavrões. É prática comum os mais hábeis ensinarem os outros a tocar e a cantar.
Não se observam práticas punitivas nas comunidades indígenas e há uma relação de
estreito afeto entre pais e filhos. Também não se observa uma divisão radical entre infância e
vida adulta, mas as regras sociais são transmitidas gradativamente, sempre ao lado de algum
adulto, pai ou mãe, o que se transforma em uma fonte de segurança e saúde emocional.
As condições de vida social indígena aparecem como elementos que facilitam um
desenvolvimento psíquico sadio e bem integrado em todos os seus fatores. A clareza acerca do
significado e da positividade da vida, transmitida pelos adultos, permite à infância indígena uma
alegria, vivacidade, abertura à realidade, muitas vezes relatadas pelos missionários e viajantes
do período colonial, em seus diários.
Pode-se dizer que, de modo geral, na formação da cultura brasileira, a Psicologia,
antes do advento desse saber enquanto Ciência ocupava um lugar de conhecimento
generalizado difuso, presente em diversas áreas humanas. No Brasil do século XIX, a Psicologia
se restringe na transmissão e interpretação de conhecimentos vindos da Europa e dos Estados
Unidos. Observa-se uma descontinuidade entre conceitos e práticas de conhecimentos
psicológicos do período colonial e aqueles adquiridos no século XIX. 22
Esse fato se deve à intensa desvalorização de tudo o que foi aprendido anteriormente,
havendo, então, uma tentativa de apagar todo e qualquer registro e impregnar uma “nova
psicologia”, a “psicologia médica”.
Quase nada se sabe acerca das produções brasileiras. Pouco se fala das publicações
psicopedagógicas de Alexandre de Gusmão, da obra de Padre Vieira ou do Frei Mateus da
Encarnação Pinna. Nossos pensadores não são reconhecidos, à época, como intelectuais.
Pode-se afirmar que o esquecimento praticado no século XIX a respeito da tradição
anterior é uma das causas da “perda de memória” da Psicologia atual. A fragmentação e a
dispersão dos conhecimentos psicológicos também são uma grande barreira à tentativa de
unificação dessa Ciência, pois seus conhecimentos nascem da Medicina e da Filosofia e
perpassam a Política, Sociologia, Direito e Religião.
Sem dúvida, as dificuldades se iniciam a partir de seu objeto de estudo: a subjetividade
humana. Apesar disso, ou até mesmo por causa disso, a Psicologia também é reconhecida
como uma Ciência altamente rica e complexa, perpassando várias áreas humanas.
2 GRANDES PENSADORES DA PSICOLOGIA E AS ABORDAGENS DELES DERIVADAS

FIGURA 6 - LETRA GREGA PSI, SÍMBOLO DA PSICOLOGIA

23

2.1 INÍCIO, O ESTRUTURALISMO

Considera-se Wilhelm Wundt como fundador da psicologia moderna, por ter criado, em
1879, o primeiro laboratório de psicologia na universidade de Leipzig (na Alemanha). A
Psicologia só se tornou uma ciência independente da Filosofia graças a Wundt, nos finais do
século XIX. Foi a partir desse acontecimento que se desenvolveram de forma sistemática as
investigações em psicologia, por intermédio de vários autores que a essa ciência se dedicaram,
construindo múltiplas escolas e teorias.
Wundt criou o que, mais tarde, seria chamado de Estruturalismo, por Edward
Titchener; cujo objeto de estudo era a estrutura consciente da mente, as sensações. Segundo
essa perspectiva, o objetivo da Psicologia seria o estudo científico da Experiência Consciente
por meio da Introspecção. Titchener levou a ideia da Psicologia para os Estados Unidos da
América, modificando-a em alguns pontos. As principais limitações do Estruturalismo residem no
fato de a introspecção não ser um verdadeiro método científico incontestável e de essa corrente
excluir as psicologias animal e infantil. Essa corrente foi extinta em meados do século XX
(BADCOCK, 1976).
2.2 FUNCIONALISMO

O Funcionalismo é o modelo que substitui o Estruturalismo na evolução histórica da


Psicologia, sendo o seu principal impulsionador William James. O principal interesse dessa
corrente teórica residia na utilidade dos processos mentais para o organismo, nas suas 24
constantes tentativas de se adaptar ao meio. O ambiente é um dos fatores mais importantes no
desenvolvimento (JAMES; DEWEY; VEBLEN, 1974).

2.3 WUNDT E O ASSOCIACIONISMO

Wilhem Wundt (1832-1920), juntamente com o seu discípulo Tichener, inicia o caminho
que irá levar a Psicologia a atingir o estatuto de ciência.
Começa por definir como objeto da Psicologia o estudo da mente: o estudo da mente
(ou consciência) faz-se ao nível do consciente do ser humano pela análise dos elementos
simples da mente, à semelhança da divisão em átomos da realidade (MONTEIRO, 2003).
Para ele e seus seguidores (nomeadamente Edward Tichener, 1867-1927), as
operações mentais não eram mais do que a organização de sensações elementares, procurando
relacioná-las com a estrutura do sistema nervoso.
No seu laboratório, em Leipzig, vai procurar conhecer a forma como se relacionam e
associam os elementos da consciência: é a concepção associacionista dos comportamentos.
Para atingir esse objetivo, vai utilizar como método a introspecção (observação
interna), mas de um modo controlado: observadores treinados deveriam, no laboratório,
descrever as suas próprias experiências, resultantes de uma situação experimental definida. Os
dados eram depois relacionados e interpretados por uma equipe de psicólogos; exemplo, após a
apresentação de um estímulo visual ou som teriam de descrever as sensações recorrendo a um
conjunto definido de termos para maior objetividade.
2.4 PAVLOV E A REFLEXOLOGIA

FIGURA 7 - PAVLOV

25

Você está condicionado a fazer isto ou aquilo. Joãozinho precisa de um reforço


escolar. Os trabalhadores da empresa estão sem estímulo. Sequestradores precisariam ser
punidos no Brasil. Todos nós já ouvimos expressões desse tipo pelo menos uma vez na vida.
Em grande parte o nosso vocabulário de base comportamentalista se deve ao
pensador Pavlov, devido a uma de suas clássicas experiências fisiologistas; e uma das mais
conhecidas é a que ele realizou com cães.
Esse experimento pode ser descrito de forma simplista, da seguinte forma: o cientista
tocava uma sineta e em seguida oferecia alimento ao cão. Depois de algumas vezes repetindo
essa experiência ele passou a apenas tocar a sineta e observou, usando equipamentos de
laboratório, que esse simples ato estimulava as glândulas salivares do cão, fazendo-o produzir
secreção e exibir um comportamento de esperar pela chegada do alimento. Esse
comportamento poderia ser reforçado e se tornar cada vez mais forte ou se tornar tênue até a
ponto de ser extinto, a depender das variáveis apresentadas ao sujeito.
FIGURA 8

26

Os conhecimentos advindos dos experimentos de Pavlov se generalizaram e, com as


devidas adaptações, puderam ser utilizados em muitas outras áreas e atualmente são
empregados nos setores empresarial, escolar e clínico, principalmente. Na área de adestramento
animal, até hoje os princípios da Reflexologia de Pavlov são empregados.
Pavlov continuou suas pesquisas em ritmo intenso, estudando minuciosamente aquilo
a que hoje denominamos sistema nervoso, e sistematizou um conjunto de leis fisiológicas, o que
lhe valeu o Prêmio Nobel de Medicina, em 1904. Segundo esse cientista, é no córtex cerebral o
local onde reside o espírito. É lá onde os comportamentos nascem, se modificam e são extintos.
Atualmente, essas ideais já não são utilizadas de forma tão radical, apesar de muitas
delas se fazerem presentes, de forma mais sutil, no chamado neobehaviorismo; contudo, é na
aprendizagem onde ganha um forte impacto. Veja o nosso sistema de avaliações, por exemplo!
O pensamento pavloniano foi aprofundado pelo cientista J. B. Watson. Ao reflexo
condicionado de Pavlov, ele acrescentou o condicionamento denominado operante. Era tanta a
confiança de Watson que ele afirmou em certa ocasião que bastava entregar nas mãos dele uma
dúzia de crianças bem nutridas e um ambiente favorável e ele as transformaria naquilo que ele
quisesse e isso não iria depender da raça, aptidões ou inclinações intelectuais. Da mesma
forma, poderia transformar essas crianças em ladrões ou pedintes, caso desejasse.
Essa forma de pensar e fazer a Psicologia trouxe para si um sem-número de críticas,
principalmente a de ser “reducionista”, ou seja, o pensar psicológico estaria reduzido ao
comportamento, fosse ele humano ou animal.
O fato é que, por causa desse sistema de conhecimentos sobre o comportamento, a
Psicologia pode ser reconhecida atualmente como Ciência, embora ainda seja vista com certa
desconfiança pelos pensadores mais radicais de outras áreas, principalmente aquelas mais 27
antigas, como o Direito e a Medicina. É lógico que isso não se aplica a todos.
Para os behavioristas, entretanto, que se utilizavam e ainda se utilizam, do
conhecimento objetivo, todo e qualquer comportamento poderia ser medido, quantificado,
controlado, como também a possibilidade de repetir ações poderia ser prevista.
Dentro de uma perspectiva mais radical, pode-se afirmar que a hereditariedade não é
levada em conta e o ambiente só é considerado como forma de exercer um maior controle sobre
as variáveis. Emoções não são levadas em conta. Não se cogita o subjetivo. Contudo, houve um
intenso estudo dos processos cognitivos, dando origem em grande parte àquilo que hoje se
denomina Neuropsicologia.
O pensamento Behaviorista Radical é norteado por princípios que aos nossos olhos
podem parecer estranhos, a depender da perspectiva com que observarmos esses parâmetros.
Essa corrente apregoa que todo e qualquer comportamento se constitui de uma resposta a
estímulos. Comportamentos simples são formados por cadeias menores e comportamentos mais
complexos são simplesmente o somatório de redes mais simples de comportamentos
interligados.
O comportamento humano passa a ser visto, então, como fruto dos movimentos
musculares e das secreções glandulares, o que parece absurdo aos nossos olhos. Watson não
se resumiu à vida acadêmica, mas chegou a ser vice-presidente de uma agência de propaganda.
Dentro dessa linha de pensamento também se destacaram nomes como Skinner,
Tolman e Hull.
2.5 BEHAVIORISMO, A PRIMEIRA POTÊNCIA

FIGURA 9 - JOHN B. WATSON

28

A maior escola de pensamento americana surgiu no início do século XX, sendo


influenciada por teorias sobre o comportamento e fisiologia animal. A tradução do inglês de
Behavior é comportamento, portanto, o foco de estudo do comportamentismo ou
comportamentalismo (título traduzido) é o comportamento observável, e o condicionamento é o
método utilizado nessa escola. Foi fundada por John B. Watson (Behaviorismo Metodológico)
que acreditava que o controle do ambiente de um indivíduo permitia desencadear qualquer tipo
de comportamento desejável. Traz do funcionalismo a aplicação prática da Psicologia; o seu foco
está na aprendizagem. Segundo essa perspectiva não se pode estudar cientificamente os
pensamentos, desejos e sentimentos que acompanham os comportamentos em estudo
(WATSON, 1972).
2.5.1 Burrhus Frederic Skinner

FIGURA 10 - SKINNER

29

Foi influenciado, inicialmente, pelas teorias de Ivan Pavlov e Edward Thorndike. E,


posteriormente, pelas teorias do operacionismo. Foi Burrhus Frederic Skinner o maior autor
neocomportamentalista, levantando a tona seu condicionamento operante e a modificação do
comportamento (Behaviorismo Radical).
No meio do século XX, vários autores escreveram sobre o pensamento, a cognição.
Diziam fazer parte do comportamento este pensamento, estava sendo criada uma divisão no
behaviorismo: a Psicologia Cognitiva. Alguns autores desta escola foram: Albert Bandura, Julian
Rotter e Aaron Beck. Estes falavam que o comportamento pode ser entendido também a partir
da cognição. O aprendizado pode existir sem a necessidade de condicionamento em laboratório,
mas pela observação e elaboração do que foi visualizado. É chamada de a primeira grande força
da psicologia (SKINNER, 2006).
2.6 GESTALT, A PSICOLOGIA DA FORMA

FIGURA 11

30

Fundada dentro da filosofia por Max Wertheimmer e Kurt Koffka, a Gestalt traz novas
perguntas e respostas para a Psicologia. Ela se detém nos campos da percepção e na visão
holística do homem e do mundo. A palavra gestalt não tem uma tradução para o português, mas
pode ser entendida como forma, configuração. Criticava principalmente a psicologia de Wundt,
que era chamada de psicologia do “tijolo e argamassa”, pois via a mente humana dividida em
estruturas.
A Gestalt preocupa-se com o homem visto como um todo, e não como a soma das
suas partes (o lema da Gestalt é justamente este: o todo é mais que a soma das suas partes).
No ano de 1951, Frederic S. Pearls cria a teoria Gestalt-terapia, trazendo consigo a teoria de
campo de grupos de Kurt Lewin.
2.7 PSICANÁLISE

FIGURA 12 - SIGMUND FREUD

31

Quando se pensa em procurar um psicólogo, um emaranhado de ideias invade a


mente: tem-se a falsa impressão de que é preciso estar transtornado emocionalmente ou
mentalmente para procurar ajuda. Na verdade o psicólogo deveria trabalhar em uma perspectiva
muito mais de promoção à saúde que propriamente no âmbito meramente curativo, mas os
preconceitos em relação ao seu trabalho muitas vezes o impedem de trabalhar dentro dessa
perspectiva.
Também se imagina uma sala sombria, com móveis pretos e um divã. Atrás dele
alguém calado e de aspecto severo, fechado. Muito desse imaginário coletivo faz parte do
legado deixado por Sigmund Freud, pai da Psicanálise (1856-1939).
Na verdade nem todo psicanalista é psicólogo. Ele pode ser formado em Medicina, por
exemplo. O médico psiquiatra também pode utilizar a Psicanálise para a elaboração de alguns
conceitos.
O psicólogo, por sua vez, trabalha dentro do que denomina abordagem, que pode ser:
Humanista, Existencialista, Behaviorista ou Psicanalista, a depender da base teórica que dá
sustentação à sua prática. Isso também não quer dizer que o psicólogo só possa utilizar-se dos
conhecimentos de sua abordagem.
É cada vez maior o número de psicólogos denominados temáticos, ou seja, aqueles
que utilizam diversos arcabouços teóricos, a depender da demanda daquele momento. São
também denominados de psicólogos ecléticos.
Sigmund Freud foi um médico psiquiatra que estudou sobre vários assuntos e levou
bem mais tempo que seus colegas para se formar, por ter utilizado boa parte de seus anos em
estudos de laboratório. 32
Estudou, por exemplo, temas como a fisiologia dos peixes. O seu interesse pela
Psiquiatria, entretanto, se iniciou com as descobertas de Charcot, seu futuro mestre, e os
estudos sobre histeria, considerado naquela época, doença de mulher, principalmente daquelas
que não haviam casado. O termo histeria vem de ‘útero’ e até hoje as mulheres solteiras de
idade mais avançada são chamadas de forma desprezível, de histéricas.
Freud descobriu que a histeria possuía causas emocionais e que as pessoas nas quais
eram recalcadas, ou seja, as que não extravasavam seus desejos libidinais, poderiam sofrer de
crises histéricas, inclusive homens. Essa descoberta, ao ser proclamada em um encontro
científico, causou furor nos médicos presentes, que se retiraram, deixando o doutor Freud
falando sozinho naquele encontro internacional. Freud viu suas aulas particulares se esvaziarem
de alunos. Como também suas turmas da faculdade se tornaram pouco frequentadas.
Polêmico, mas obstinado, estudava até as três horas da manhã, e muito material
escrito acabava sendo jogado no lixo, pois já discordava de tudo aquilo. Suas teorias iam ser
reescritas por várias vezes durante a sua vida. Trabalhou com hipnose, mas logo reconhecera a
sua falta de habilidade com tal técnica e percebeu que poderia produzir os mesmos efeitos com
a técnica da associação livre, o que daria origem à cura pela fala, ou, como ficaria conhecida
mais tarde, Psicanálise.
A Psicanálise foi considerada por Freud como um conhecimento firmado em um tripé
composto por técnica, teoria e pesquisa, principalmente. A Psicanálise é conhecida pela
investigação do inconsciente e pela descoberta da sexualidade infantil, tema polêmico até hoje.
Freud não teve apenas um mestre, mas vários nomes inspiraram sua teoria, desde Goethe a
Nietzsche e costumava ler desde Literatura e Antropologia, a livros de Biologia e Fisiologia
Animal. Também tinha uma predileção por antiguidades.
Um personagem importante da Psicanálise é seu discípulo, Carl G. Jung, primeiro
presidente da sociedade psicanalítica. Com o avanço da teoria de Freud em relação à
sexualidade infantil, Jung, que não concordava com o que Freud afirmava acerca do assunto,
rompe com o psicanalista e segue outro caminho, criando uma nova teoria, denominada
Psicologia Analítica.
A proposta inicial foi retirar do inconsciente o seu teor puramente sexual. Mas Freud
retifica o ex-colega, dizendo que “o ego possui várias naturezas das pulsões, mas a pulsão
sexual é a que ganha mais investimento”. Freud, inclusive, alerta que é possível canalizar as
pulsões libidinais para as artes ou a produção científica. 33
O conceito de inconsciente foi criado anos antes, e Freud utilizou-se desse termo com
outro sentido, encarregando-se de criar uma teoria acerca do tema. Na Psicanálise, inconsciente
significa outra ordem, com outras regras, um dos elementos do aparelho psíquico, constituído
por pensamentos, memórias e desejos que não se encontram em nível consciente, mas que
exercem grande peso no comportamento humano.
Existem atualmente várias correntes psicanalíticas, oriundas de pensadores que
ampliaram ou discordaram da visão freudiana. Dentre esses nomes estão Anna Freud, filha de
Freud, Melanie Klein, Lacan, Bion, Winnicott, Carl G. Jung, Alfred Adler, Erik Erikson, Carl
Rogers etc. (TALAFERRO, 1996).
A Psicanálise hoje se apresenta de várias formas, que são a psicanálise ortodoxa, a
psicanálise nova (ou neopsicanálise) e a psicologia de orientação analítica ou de orientação
psicanalítica (utilizada não só por psicanalistas formados, mas também por psicólogos não
especializados), todas com algumas peculiaridades.
A Psicanálise é considerada a segunda grande força de Psicologia, e segundo o
Conselho Federal de Psicologia Brasileiro e demais Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs).
A Psicanálise é aceita no meio acadêmico, porém só pode ser utilizada de forma integral com
uma formação em Psicanálise, devo dizer que ainda não reconhecida pelo MEC. Caso contrário,
deve-se utilizar a técnica de psicoterapia de orientação psicanalítica.
Para a Psicanálise, as ações humanas são orientadas, basicamente, por três
instâncias mentais (simbólicas):
 consciente (EGO) – raciocínio, operações lógicas;
 pré-consciente (SUPEREGO) – memórias, interiorização de regras sociais,
produzem angústias, ansiedades e “pune” o EGO quando este aceita impulsos vindos
do ID;
 inconsciente (ID) – pulsões, desejos e medos recalcados. Não obedece à lógica
nem à moral. Representa os impulsos e os instintos.
Para ter acesso ao inconsciente, o psicanalista utiliza processos indiretos, tais como:
 Hipnose
Consiste em induzir o paciente, por meio de uma sugestão intensa, a um estado
semelhante ao sono, a partir do qual é possível estabelecer a comunicação com o hipnotizador e
ser sugestionado, podendo assim revelar memórias ocultas ou ser condicionado para
determinada ação ou comportamento. 34
A hipnose é pouco usada atualmente. Sua utilização se restringe ao controle de
comportamentos de uso abusivo de álcool e drogas e só deve ser praticada por profissionais
capacitados e treinados devidamente.
 Método psicanalítico, recorrendo às técnicas de:
o interpretação dos sonhos;
o interpretação de atos falhos;
o transferência, ou seja, o paciente atua, durante a sessão, em relação ao
psicanalista, como se ele fosse uma outra pessoa: pai, mãe, namorado, etc. Cabe ao profissional
trabalhar com essa “encenação” de forma a levar o paciente à cura de seu trauma. Nesse jogo
se encontram envolvidos sentimentos e emoções muito fortes, de raiva, ressentimento, paixão...
A Psicanálise se popularizou demais, o que levou seu vocabulário a ser utilizado de
forma indiscriminada e também a graves erros de interpretação. Além disso, várias pessoas
praticantes de charlatanismo se dizem “psicanalistas”.

2.8 HUMANISMO

FIGURA 13 - CARL ROGERS


O enfoque da Psicanálise no inconsciente, e seu determinismo, e o enfoque na
observação apenas do comportamento, pelo behaviorismo, foram as críticas mais fortes dos
novos movimentos de Psicologia surgidos no meio do século XX. Na verdade o Humanismo não
é uma escola de pensamento, mas sim um aglomerado de diversas correntes teóricas.
Em comum elas têm o enfoque humanizador do aparelho psíquico, em outras palavras,
elas focalizam o ser humano como detentor de liberdade, escolha, sempre no presente. Traz da 35
filosofia fenomenológico-existencial um extenso gabarito de ideias. Foi fundada por Abraham
Maslow, porém a sua história começa muito tempo antes. A Gestalt foi agregada ao Humanismo
pela sua visão holística do homem, sendo importante campo da Psicologia, na forma de Gestalt-
terapia. Mas foi Carl Rogers, um psicanalista americano, um dos maiores exponenciais da obra
humanista.
Ele, depois de anos afinco praticando psicanálise, notou que seu estilo de terapia se
diferenciara muito da terapia psicanalítica. Ele utilizava outros métodos, como a fala livre, com
poucas intervenções, e o aspecto do sentimento, tanto do paciente, como do terapeuta. Deu-se
conta de que o paciente era detentor de seu tratamento, portanto não era passivo, como passa a
ideia de paciente, denominando então este como cliente.
Era a terapia centrada no cliente (ou na pessoa). Seus métodos foram usados nos
mais vastos campos do conhecimento humano, como nas aulas centradas nos alunos, etc.
Apresentou três conceitos, que seriam agregados posteriormente para toda a Psicologia.
Esses eram a congruência (ser o que se sente, sem mentir para si e para os outros), a
empatia (capacidade de sentir o que o outro quer dizer, e de entender seu sentimento), e a
aceitação incondicional (aceitar o outro como este é, em seus defeitos, angústias, etc.). Erik
Erikson, também psicanalista, trouxe seu estudo sobre as oito fases psicossociais, em
detrimento das quatro fases psicossexuais de Freud, onde todas as fases eram
interdependentes, e não necessariamente determinam as fases posteriores; para ele o homem
sempre irá se desenvolver, não parando na primeira infância.
Viktor Frankl, com sua logoterapia, veio a acrescentar os aspectos da existência
humana, e do sentido da vida, onde um homem, quando sente um vazio de sentido na vida,
busca auxílio, pois não se sente confortável em viver sem sentido ou ideais. Diz também que
eventos muito fortes podem adiantar a busca pelo sentido da vida. Tais eventos podem criar
desconforto, trauma intenso, mas podem criar um aspecto de fortaleza no indivíduo (ROGERS,
1961, 1974).
2.8.1 Pirâmide de Maslow

Maslow trouxe, para a Psicologia que havia fundado, estes autores, agregando, ainda
seus estudos sobre a pirâmide de necessidades humanas.
36

FIGURA 14 - PIRÂMIDE DE MASLOW

Para Maslow, as necessidades fisiológicas precisam ser saciadas para que se precise
saciar as necessidades de segurança. Estas, se saciadas, abrem campo para as necessidades
sociais, que se saciadas, abrem espaço para as necessidades de auto-estima. Se uma destas
necessidades não está saciada, há a incongruência. Quando todas estiverem de acordo, abre-
se espaço para a auto-realização, que é um aspecto de felicidade do indivíduo. Esta é hoje
considerada a terceira grande força dentro da psicologia. (FRICK, 1975).
2.9 PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

FIGURA 15

37

Maslow estava insatisfeito com sua própria teoria, dizendo que faltava-lhe o fato de o
homem ser um ser espiritualizado. Para ele eram importantes a espiritualidade e as
características da consciência alterada, teoria de Stanislav Grof. Criou então, com ajuda de
outros psicólogos, uma teoria que era abrangente nesse aspecto. Como Carl G. Jung era um
estudioso dos aspectos transcendentais da consciência, foi tomada sua teoria para incorporar a
Psicologia Transpessoal.
A abordagem Transpessoal é, portanto, uma área da Psicologia que estuda as
possibilidades psíquicas (mentais, emocionais, intuitivas e somato-sensoriais) do ser humano
pelos diferentes estados ou graus de consciência pelos quais passa a pessoa (para se ter ideia
do que sejam estados de consciência, lembre-se que o estado de consciência de quando se está
acordado é diferente do estado de consciência de quando se está dormindo; que o estado de
consciência de quando se resolve um problema de matemática é diferente de quando se assiste
a um filme, etc.) (JORNAL INFINITO, 2003).
Em cada um desses estados de consciência (que são vários, alguns ainda
desconhecidos) é experimentada uma forma diferente de se perceber ou interpretar a realidade
(quando estamos com raiva ou frustrados, percebemos o mundo de uma maneira muitíssimo
diversa de quando estamos apaixonados).
A Psicologia Transpessoal, portanto, volta-se para o estudo desses diversos estados,
não os encarando como contrários, mas como complementares, dando, porém, especial ênfase
àqueles estados de consciência superiores, espirituais ou “transpessoais”. Porque, em tais
estados, o sentimento de separação e de egoísmo torna-se um segundo plano em relação a um
sentimento e identificação mais ampla, cooperativa, fraternal, transpessoal para com todos os
seres vivos (consciência crística, búdica, nirvânica, universal ou ecológica). 38
Segundo a Teoria Transpessoal, Francisco de Assis, Gandhi, Jesus Cristo, Einstein,
Luther King e tantos outros grandes nomes foram detentores de outra forma de ver e sentir o
mundo que o fizeram capazes de ajudar o próximo e tornaram-se capazes de ver o mundo de
outra forma. A essa capacidade eles denominam “consciência cósmica”.
A Psicologia Transpessoal fala de vários níveis de consciência, que vão do mais
obscuro (a sombra), até o mais alto grau de consciência, a transpessoal. Por ter seu foco na
consciência e seus aspectos, foi também chamada de Psicologia da Consciência. Seu estudo é
recente e traz muitas características que necessitam de um estudo maior (TABONE, 2005). Vale
ressaltar que a Psicologia Transpessoal ainda não é reconhecida como prática científica pelo
Conselho Federal de Psicologia e os psicólogos inscritos no Conselho não estão autorizados a
tê-la como prática profissional.

2.10 PSICODRAMA

“Um Encontro de dois: olhos nos olhos, face a face. E quando estiveres perto,
arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus; E arrancarei meus olhos para colocá-
los no lugar dos teus; Então ver-te-ei com os teus olhos e tu ver-me-ás com os meus” (J. L.
Moreno).
2.10.1 Jacobo Levy Moreno

FIGURA 16 - MORENO

39

O Psicodrama pode ser considerado como um dos meios psicoterápicos mais


inovadores. Falar em Psicodrama nos remete a um médico romeno chamado Jacob Levy
Moreno. Ele foi o criador do Psicodrama e do Sociodrama, reverenciado como exemplo de
criatividade e dedicação à investigação psicológica e social. Ele nasceu na Romênia, em 1892, e
faleceu nos EUA, em 1974.
Foi um homem de ampla cultura e fortes ideias religiosas e filosóficas, amante do
teatro e incansável investigador do ser humano e de seus vínculos afetivos; deixou-nos uma
vasta obra escrita e um movimento psicodramático que abrange a América, Europa e Ásia.
Em 1925, indo morar nos EUA, desenvolveu e sistematizou suas descobertas: a
socionomia, sendo dividida em sociometria, sociodinâmica e a sociatria. A socionomia é o estudo
do grupo e suas relações. A sociometria visa medir as relações entre os membros do grupo,
evidenciando as preferências e evitações presentes nas relações grupais.
Utiliza como método o teste sociométrico. A sociodinâmica se interessa pela dinâmica
do grupo e utiliza como método o role-playing ou jogo de papéis. Já a sociatria busca tratar as
relações grupais e utiliza três métodos: o Sociodrama, a psicoterapia de grupo e o Psicodrama.
Com a leitura de suas obras, muitos autores declaram que o Psicodrama possui um
grande conteúdo emocional e uma audácia renovadora, pois surgiu como uma nova e dinâmica
linha de investigação para o conhecimento e terapia dos conflitos psicológicos.
Para o surgimento dessa teoria, Moreno desafiou críticas, rompeu com o movimento
médico da sua época, atacando os valores oficiais, conseguindo desenvolver uma teoria
baseada em uma concepção de ser humano e saúde que tem como núcleo a espontaneidade. O 40
otimismo sobre o vital, o amor, a catarse e os papéis que o Eu do indivíduo vai formando
(MORENO, 1980).
Essa busca pelo reencontro dos verdadeiros valores éticos, religiosos e culturais em
uma forma dramática espontânea (mais tarde, denominado como desenvolvimento do
Axiodrama) foi o primeiro conteúdo do Psicodrama. O lugar do nascimento do Psicodrama foi um
teatro dramático de Viena. Moreno declarou que não possuía nenhuma equipe de atores, nem
uma peça e que neste dia apresentou-se sozinho, sem nenhuma preparação, ante um público de
mais de mil pessoas.
Segundo ele, no palco havia somente uma poltrona de espaldar alto, como o trono de
um rei, no assento, uma coroa dourada. Surgiu com um intento de tratar e curar o público de
uma enfermidade, uma síndrome cultural e patológica que os participantes compartilhavam no
momento (Viena encontrava-se em pós-guerra, não havia governo... a Áustria estava inquieta
em busca de uma nova alma).
Mas psicodramaticamente, Moreno possuía um elenco e uma obra. Uma vez que o
público era seu elenco, e a obra era retratada pela trama demonstrada pelos acontecimentos
históricos, no qual cada um representava seu papel real.
Cada representante de um papel foi então convidado para subir ao palco, e encenar o
papel de um rei, sem preparação e diante de um público desprevenido, que funcionava como
jurado. Mas nesse primeiro momento nada se passou.
Ninguém foi achado digno de ser rei e o mundo permaneceu sem líder. Apesar do
aparente fracasso dessa primeira representação, esse foi o marco do nascimento de uma nova
modalidade de expressão catártica que, instrumentada pelo exercício da espontaneidade e
sustentada na teoria dos papéis, viria a se constituir o método psicodramático de abordagem
dos conflitos interpessoais, cujo âmbito natural é o grupo. Surge então, a expressão
“psicoterapia de grupo”.
O Psicodrama desde seus primórdios estabeleceu um setting basicamente grupal, com
a presença do terapeuta (diretor de cena), seus egos auxiliares e os pacientes (tanto como
protagonistas como público). Aliás, a expressão, “psicoterapia de grupo” foi pela primeira vez
utilizada por Moreno.

41
2.10.2 Teoria do Psicodrama

Moreno foi capaz de dar sentido à improvisação dramática e retomar o conceito de


catarse, pois, ao ocorrer uma identificação do espectador com os atores, ocorre uma catarse e,
também, certa conscientização.
Para que ocorra essa catarse, deve existir uma espontaneidade e criatividade, pois,
caso contrário, é uma mera repetição que não trará nada de novo nem aos protagonistas nem ao
público. É na criação espontânea que se consegue o vínculo do ser humano com o mundo.
O Psicodrama possui o conceito de espontaneidade-criatividade, a teoria dos papéis, a
psicoterapia grupal como pontos básicos da sua teoria, além de outros como: Tele (capacidade
de se perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que se passa entre as
pessoas), Empatia (tendência para se sentir o que se sentiria caso se estivesse na situação e
circunstâncias experimentadas pela outra pessoa.), Coinconsciente (vivências, sentimentos,
desejos e até fantasias comuns a duas ou mais pessoas, e que se dão em “estado inconsciente”)
e Matriz de Identidade (lugar do nascimento). A teoria da espontaneidade: está ligada
dialeticamente à criatividade, compreende uma fenomenologia, uma metapsicologia, uma
psicotécnica, uma psicopatologia e uma psicologia genética.
As que possuem maiores riquezas são: a Psicotécnica ou treinamento da
espontaneidade que, ainda que pareça parado, procura resgatar o espontâneo perdido pelo
homem ao longo da sua existência, e a Psicologia Genética, quer dizer: a criança, ao nascer,
realiza seu primeiro ato criativo – é o primeiro ato de catarse de integração. Nasce com uma
capacidade criadora própria do ser humano, que irá completando com a maturidade e com a
ajuda dos outros. O primeiro ego-auxiliar é a sua própria mãe.
Ao longo de sua infância, na medida em que vai vivendo os diversos papéis e em
contato com os agentes sociais, desenvolve essa capacidade criadora e atrofia em maior ou
menor medida, de acordo com o tipo de relações e na medida em que as “tradições culturais” lhe
sejam impostas pelos mais velhos.
Esses agentes da sociedade lhe submetem, durante o desenvolvimento, condutas
estereotipadas, repetitivas, ritualistas, muitas delas para ela e para os demais vazias de
significado, assim como também ajudam o desenvolvimento da espontaneidade. Depende de
cada caso e do meio em que vive a criança em um determinado momento histórico-social. 42
O ato espontâneo está intimamente ligado ao instante, dali surge a noção do aqui e
agora. A filosofia do momento opõe-se à duração, os benefícios do instante, do presente, em
constante mudança. É lugar (lócus) onde se dá o crescimento. Segundo Moreno, essa
experiência primitiva da identidade configura o destino da criança. Em toda essa primeira etapa,
os papéis são psicossomáticos.
A segunda etapa é a do reconhecimento do Eu. A criança observa o outro (mãe) como
algo diferente dela. Integra as diferentes partes do seu corpo em uma unidade e é a partir dali
que se diferencia. É na segunda etapa que aparecem os papéis psicodramáticos.
Moreno faz uma pormenorizada descrição da evolução da imagem do mundo da
criança, distinguindo:
1) matriz de identidade total – primeiro universo: tudo é um. As configurações estão
configuradas pelos atos;
2) matriz de identidade total diferenciada – segundo tempo do primeiro universo.
Diferenciam-se as unidades, porém têm o mesmo grau de realidade, os indivíduos, os objetos
imaginários e os reais;
3) matriz da lacuna entre fantasia e realidade – começam a se organizar dois mundos,
o da realidade e o da fantasia. Isso, na linguagem moreniana, marca o começo do segundo
universo.
O ideal é que o indivíduo possa dominar a situação e que não desenvolva um mundo
real em detrimento da fantasia, nem vice-versa.
Teoria dos papéis: o termo “papel” é um conjunto das várias possibilidades
identificatórias do ser humano. Os papéis psicodramáticos expressariam as distintas dimensões
psicológicas do eu (self) e a versatilidade potencial de nossas representações mentais. Nessa
teoria, tomam-se os papéis como núcleos do desenvolvimento egoico, e à medida que a criança
cresce e se diferencia vai ampliando seu leque de papéis. Alguns papéis ficarão inibidos,
necessitando, posteriormente, serem resgatados (função do Psicodrama).
Quanto a psicoterapia grupal, Moreno assim a define: “[...] a psicoterapia de grupo é um
método para tratar, conscientemente, na fronteira de uma ciência empírica, as relações
interpessoais e os problemas psíquicos dos indivíduos de um grupo [...]” na sua concepção, todos
no grupo são agentes terapêuticos, e todo o grupo também o pode ser em relação a outro grupo.
Esse método aspira alcançar o melhor agrupamento de seus membros para os fins que
persegue. Não trata somente dos indivíduos, mas de todo o grupo e dos indivíduos que estão 43
relacionados a ele. Em sua relação sociológica, vê a sociedade humana total como o verdadeiro
paciente. O conceito de encontro está no centro da psicoterapia de grupo, comunicação mútua
que não se esgota no intelectual, mas que abrange a totalidade de seu ser. O encontro vive no
“aqui e agora”. Vai mais além da empatia e da transferência. Forma um “nós”.
Moreno enumera os métodos a serem utilizados, entre os quais se destacam: métodos
de clube ou associação, de assessoramento, de conferência, de classes, psicanalítico, visuais,
discussão livre, sociométricos, de histórias clínicas, da bibliografia, magnetofônico (sessões
gravadas), da música e da dança, ocupacionais e laboratoriais e o que se destaca é o método
psicodramático.

2.10.3 Método psicodramático

O método do Psicodrama usa a representação dramática como um núcleo de


abordagem e exploração do ser humano e seus vínculos. A ação, unida à palavra, brinda o mais
completo desdobramento do conflito, do drama que ocupa o protagonista no espaço dramático.
Na cena, o indivíduo pode representar seus conflitos passados e presentes, e também
externar seus temores, expectativas, projetos e dúvidas sobre o futuro, explorando suas relações
com o presente e o passado.
Distinguem-se, no desenvolvimento da ação dramática, três momentos que possuem,
cada um, uma importância singular. A primeira fase, chamada aquecimento, é quando se
prepara o clima do grupo. Escolhem-se um tema e um protagonista e tenta-se penetrar no maior
nível de espontaneidade possível.
O segundo momento ou fase é a representação propriamente dita, a cena dramática.
Aqui ganha importância os ego-auxiliares, que serão os encarregados de encarnar os
personagens para os quais o protagonista os escolheu: os personagens reais ou fantasiosos,
aspectos do paciente, símbolos do seu mundo.
O terceiro momento ou fase é o compartilhar, é onde o grupo participa
terapeuticamente. Nessa etapa, o grupo devolve, compartilha seus sentimentos e vivências, tudo
o que lhe foi acontecendo durante a cena, às ressonâncias que ele produziu. As diversas
técnicas dramáticas utilizadas durante a representação foram pensadas por Moreno em relação 44
à sua teoria da evolução da criança.
Cada uma delas cumpre uma função que corresponde a uma etapa do
desenvolvimento psíquico. O diretor do Psicodrama instrumentará, em cada situação, aquelas
que pareçam mais adequadas e correspondentes ao momento do drama, segundo o tipo de
vinculação que nele se expressa.
A primeira etapa de indiferenciação do Eu como o Tu corresponde à técnica do duplo.
A segunda, do reconhecimento do Eu, a técnica do espelho. A terceira etapa do reconhecimento
do eu, a técnica da inversão de papéis. Mediante a técnica do duplo, um eu-auxiliar desempenha
o papel de protagonista. Verbal e gestualmente complementa aquilo que, a partir desse
desempenho, entende e sente que o protagonista não pode expressar completamente por ser
isto desconhecido ou oculto, por inibições.
Coloca-se ao lado a idêntica postura ao protagonista, fazendo seus movimentos,
funcionando como a mãe e a criança na primeira etapa. Na técnica do espelho, o protagonista
sai do palco e é público da representação que um ego-auxiliar faz dele. Busca-se, com isso, que
o paciente se reconheça em determinada representação, assim como na sua infância
reconheceu sua imagem no espelho. O terapêutico dessa técnica consiste em que se
reconheçam como próprios os comportamentos e aspectos que lhe são desconhecidos e que
importam para o esclarecimento do conflito.
Utilizando a técnica da inversão de papéis, a mudança de papéis investiga na cena o
sentir desses personagens do mundo do paciente. Essa é a técnica básica do Psicodrama.
Existem outras técnicas dramáticas criadas por Moreno e posteriores a ele.
Moreno, tomando do modelo teatral seus elementos, distingue, para a cena
psicodramática, elementos ou instrumentos:
1) cenário – nesse continente desdobra-se à produção e nele podem-se representar
fatos simples da vida cotidiana, sonhos, delírios, alucinações;
2) protagonista – o protagonista pode ser um indivíduo, uma dupla ou um grupo. É
quem, em Psicodrama, protagoniza seu próprio drama. Representa a si mesmo e seus
personagens são parte dele. Palavra e ação se integram, ampliando as vias de abordagem;
3) diretor – o psicoterapeuta do grupo é também o diretor psicodramático. O diretor do
psicodrama está atento a toda informação ou dado que o protagonista dê, para incluí-la na cena,
guia e ajuda a chegar à cena com espontaneidade. Uma vez começada a cena, o diretor se 45
retira do espaço dramático e somente intervém se é necessário incluir alguma técnica, dando
ordens ao protagonista ou ego-auxiliares;
4) público: é o grupo terapêutico.
Moreno distingue três procedimentos, segundo o objeto de estudo, para se abordar
quando se dramatiza: Psicodrama, tratamento dos conflitos individuais; Sociodrama, onde o
objeto de estudo são os grupos sociais; Role Playing, quando o Psicodrama é utilizado para a
formação e treinamento de papéis profissionais e técnicos.

2.10.4 Psicodrama psicanalítico

O Psicodrama Psicanalítico nasceu na França, em 1944. Hoje, há uma corrente na


qual define que a cena dramática é reconhecida na função de concentrar o drama e permitir que
apareçam novos significantes. Dizem que “[...] o Psicodrama não é a busca de certo sentido nem
tampouco de um significante fundamental”.
“Por isso, deve-se evitar a interpretação que proporcione o sentido e a perda do
sentido [...]”. Conforme Anzieu, “[...] o psicodrama analítico favorece a expressão dos conflitos
por intermédio de imagens simbólicas [...]”.
Caracteriza quatro aspectos importantes no Psicodrama: dramatização dos conflitos,
comunicação simbólica, efeito catártico e natureza lúdica. Na América Latina, a Argentina é o
país pioneiro em Psicodrama. Atualmente, Brasil, México e outros fizeram um importante
desenvolvimento, sendo pertinente destacar o Psicodrama no Brasil, que inicialmente foi
desenvolvido por docentes argentinos e, atualmente, por seus próprios docentes.
Para Osório, a teoria moreniana, que se torna pouco sólida, se a compararmos com a
teoria psicanalítica, tem, entretanto, alguns aspectos que não são excludentes, mas que se
complementam. E, em alguns casos, são parcialidades de conceitos psicanalíticos não
reconhecidos e rebatizados com outros nomes ou trabalhados sob outros ângulos, como
acontece com os conceitos de regressão e fixação.
A regressão em Psicodrama não é obtida por meio da transferência, mas pela cena
dramática que torna presente o passado. Tele e transferência em Moreno são conceitos
herdeiros da transferência freudiana. Espontaneidade, essencialmente, está relacionada com o 46
conceito de libido de Freud.
O encontro, o compartilhar, a criatividade e o ato espontâneo possibilitam novos papéis
e resgatam energias perdidas. Isso levará a uma catarse de integração e a uma catarse do
público. A cena é a representação do passado, um “lugar simbólico” onde se revela o imaginário
através das cenas atuais ou manifestas, podendo explorar e elaborar situações conflitivas do
mundo externo, encontrando sua conexão com o mundo interno dele ou dos indivíduos, em
sucessivas ações dramáticas com cenas antigas e inconscientes.
Em suma, a cena dramática é, basicamente, a “presentificação” e “corporização” que,
por meio da representação, têm os vínculos intrapsíquicos em sua mútua e dinâmica
reestruturação com os vínculos interpessoais.
Moreno resgatou o valor das forças imanentes ao grupo. Retomou o fato de que
vivemos em grupo desde que nascemos e nossos problemas provêm desse mundo. Que todos
se ajudam em um grupo, mas nem por isso as relações hostis estão ausentes. Afirmou que
trabalhar em um grupo sem uma fundamentação sociométrica, antropológica e
microssociológica, somente com a interpretação da análise individual, é impossível.
Mostrando que a regra fundamental é a interação livre e espontânea, e o objetivo é
favorecer a integração do indivíduo e do grupo. Considerou a transferência como expressão da
dissociação e desequilíbrio do grupo. Este se deteve no papel de psicoterapeuta de grupo e
psicodramaturgo, demonstrando uma série de normas éticas e, científico-técnicas.
Normatizaram regras e normas de grupos como sigilo, os honorários iguais, a seleção de
pacientes, a livre expressão, o cuidado do indivíduo e do grupo, a utilização de métodos
cientificamente comprovados. Resgatam assim, muito além da comunicação verbal, o contato
corporal, motor e tátil.
2.11 PSICOLOGIA ANALÍTICA

FIGURA 17 - CARL GUSTAV JUNG

47

Também conhecida como Psicologia Junguiana, é um ramo de conhecimento e prática


da Psicologia, iniciado por Carl Gustav Jung, no qual se distingue da psicanálise iniciada por
Freud, por uma noção mais alargada da libido e pela introdução do conceito de inconsciente
coletivo (JUNG, 1981).
Divergindo da perspectiva de Freud, Jung via a psique como positiva e negativa, um
repositório não só das memórias e das pulsões reprimidas, mas também uma instância da
dinâmica da divindade.
A psicologia analítica foi desenvolvida com base nos estudos de Freud e no amplo
conhecimento que Jung tinha da tradição psicológica contida na alquimia e na mitologia. Quando
Jung conheceu a obra de Freud, identificou-se com suas ideias e logo quis conhecê-lo.
Ao se conhecerem a admiração foi mútua, pois Freud rapidamente recebeu o jovem
como seu discípulo e um dos defensores de suas ideias. Porém, essa parceria durou pouco, pois
Jung mostrava-se insatisfeito com algumas das posições de Freud, especialmente a teoria da
libido e sua relação com os traumas. Freud, por sua vez, não compartilhava do interesse de Jung
pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo.
A Psicologia Analítica conheceu, depois da estruturação por C. G. Jung, um grande
desenvolvimento nos chamados pós-junguianos, que ampliaram a visão de Jung.
Merece destaque nesse desenvolvimento a Escola Desenvolvimentista, que estudou o
desenvolvimento humano desde o nascimento até a fase adulta. E que tem como fontes a
Escola Junguiana de Londres, a pessoa de Michael Fordham (com sua obra “A criança como
indivíduo”) e também a pessoa de Eric Neumann (com a obra “A criança”). 48
Além dessa, há também a Psicologia Arquetípica, que é fruto do trabalho de James
Hillman, o qual explora e desenvolve ao máximo a importância dos arquétipos na vida das
pessoas. Marie-Louise voz Franz foi uma das mais importantes colaboradoras de Jung, e após
sua morte desenvolveu um amplo trabalho abordando temas como a alquimia, a interpretação
psicológica dos sonhos e dos contos de fada.
3 A PSICOLOGIA ENQUANTO CIÊNCIA (PSICOLOGIA CIENTÍFICA)

FIGURA 18

49

Muito se tem discutido sobre o que vem a ser conhecimento científico. Uns consideram
que só deve ser reconhecido como Ciência aquele tipo de conhecimento que se pode medir e
quantificar. A Ciência deve auxiliar no sentido de predizer os fatos. Todo e qualquer
conhecimento que não se enquadre dentro das tabelas estatísticas deve ser colocado fora dos
parâmetros científicos.
Na verdade, o conceito de Ciência nunca foi uma unanimidade. Há várias correntes de
pensamento se debatendo entre si, como também outros tipos de conhecimento lutando pelo
reconhecimento de ser reconhecido como científico. Com a Psicologia não haveria de ser
diferente e há várias práticas alternativas se autodenominando científicas dentro da prática
psicológica.
Entre punições efetuadas pelo Conselho de Ética dos Conselhos Regionais de
Psicologia, muitas práticas hoje já são reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia. O
exemplo mais claro é a acupuntura.
Mas o que vem a ser Ciência? O que poderia ser considerado científico ou não? Quais
os critérios para que um conhecimento seja reconhecido como Ciência, ao passo que outros não
o são? Qual a diferença entre pensamento e Ciência?
A grande diferença entre o ser humano dos outros animais, pelo menos até que se
prove o contrário, é que a pessoa é capaz de pensar. Pensamos ou pelo menos deveríamos
pensar antes de agir. Ainda assim há aqueles que agem por impulso e só depois pensam naquilo 50
que fizeram.
Existem pensamentos simples, como aqueles que nos fazem preparar o café da
manhã, levar o filho à escola e realizar tarefas como escovar os dentes e calçar os sapatos.
Algumas dessas atividades são quase automáticas e praticamente não refletimos sobre elas.
Há, contudo, cadeias de pensamentos bem mais elaboradas e que nos fazem parar
para refletir sobre elas. Esse tipo de pensamento utiliza-se da razão e de cadeias lógicas para
fazer sentido. Utiliza-se do pensamento racional para a tomada de decisões importantes na vida,
como a escolha profissional, por exemplo.
Dentre os tipos de pensamento existem aqueles rotineiros, comuns. Crê-se em
determinadas coisas apenas porque todo o mundo crê. Fazem parte desse universo as
crendices, as benzeduras, as superstições.
Muitas práticas são oriundas de um método denominado de tentativas e erro. Por
exemplo, muitos chás são utilizados porque uma determinada pessoa fez uso dele e ele não fez
mal, sem que houvesse um fundamento, uma explicação lógica para tal prática.
A crença no sobrenatural é outro exemplo. As festas populares são ricas em rituais e
precisam ser respeitadas, pois fazem parte da história de um povo. Os índios possuem uma
cultura muito rica e muitas drogas utilizadas por eles já tiveram o seu valor científico
comprovado.
Todos os tipos de pensamentos humanos têm o seu valor. Mas só a partir do momento
em que se pensa sobre os próprios processos de pensamento é que se dá início àquilo que
comumente denominamos de saber científico. A Ciência se mostra principalmente como algo
racional e sistemático. A Ciência utiliza métodos específicos, a depender de objetivos
previamente traçados.
Dentro da Psicologia Científica, para efeitos didáticos, é possível dividir a sua história
em fases, desde a Antiguidade, quando já havia muito conhecimento apreendido da
experiência humana. Embora não sistematizado, até os dias atuais, quando já existe um
reconhecimento da Psicologia enquanto profissão e Ciência e já há um volume considerável
de material científico produzido.
Ao se falar em fase pré-científica, ou seja, aquela que foi do século XVI até 1879, havia
rudimentos de uma psicologia ainda muito ligada à Filosofia. Essa foi uma fase de rejeição às
verdades absolutas implantadas pela igreja e de questionamento sobre o pensar humano. A
racionalidade se mostrava como traço preponderante do pensamento, sobretudo por construir as 51
suas bases na Grécia Antiga, berço da civilização humana ocidental.
Cinco correntes se mostraram influentes dentro dos germes de uma futura psicologia
científica e até hoje influenciam as escolas ou abordagens psicológicas.
São elas:
 O Empirismo Crítico, que apresenta nomes de destaque como os de Descartes,
Locke e Kant. Dentro dessa linha de pensamento considerava-se fator de suma
importância que houvesse um pensamento racional, no qual fosse capaz de quantificar
e provar, por meio de experimentos, os fenômenos mentais. O termo mente substitui o
anteriormente utilizado, ‘alma’. Essa corrente filosófica daria origem, dentro da
Psicologia, à Psicologia Experimental, que utilizaria animais de laboratório para
reproduzir possíveis comportamentos humanos.
Mais tarde, foram realizadas cirurgias mentais, com a intenção de mudar o
comportamento do sujeito. A violência, assim como a alienação mental, eram frutos de
distorções cerebrais facilmente tratáveis com cirurgias.
Dessa corrente filosófica viriam todas as linhas que tentariam reduzir o comportamento
humano a fórmulas matemáticas e estatísticas. O Behaviorismo tem uma forte base
empirista. Sua linha mais radical elimina a possibilidade de estudar a psique humana.
Apenas o comportamento observável é capaz de ser estudado dentro de parâmetros
científicos.
 Outra corrente filosófica propunha que a razão provinha do somatório de ideias
simples. Pensamento de base fundamentalmente atomista se encontra presente até os
dias atuais por intermédio, por exemplo, do nosso sistema de ensino.
Para ser considerado bom, o profissional precisa ter um profundo conhecimento em
uma determinada área. Daí decorre em cursos de especialização, mestrado e
doutorado, o que afunila a visão do todo a tal ponto que se torna praticamente
impossível manter uma visão geral sobre o assunto.
Nas rotinas do trabalho em saúde, tem se tornado uma luta incessante a implantação
do trabalho interdisciplinar, pois a formação profissional estimulou o estudo em grades,
que por sua vez se fragmenta em disciplinas e estas em unidades de ensino. É dito ao
professor que ele “não pode fugir do assunto”.
Depois, é cobrado que esse profissional trabalhe em equipe interdisciplinar. É
possível? Essa forma de ver o mundo e de atuar vem do pensamento atomista, que 52
tem nomes de importantes defensores como Darwin, Mill e Spencer.
 O Materialismo Científico foi outra corrente filosófica que influenciou a
Psicologia. De acordo com esse pensamento, apenas aquilo que fosse quantificável
e observável valeria como objeto de estudo científico. Fazem parte dessa corrente,
nomes como August Comte e Marx. A nossa bandeira representa bem esse
pensamento, com o lema “Ordem e Progresso”. Ficaria fora daquilo que é
considerado científico o estudo das emoções, dos sentimentos, a história e tudo o
mais que pudesse, de alguma forma, se relacionar com a dimensão subjetiva do ser.
 Husserl trouxe a Fenomenologia, pensamento que deu origem à abordagem de
mesmo nome, para a qual o que interessa é apenas a descrição do fenômeno. Na
abordagem originada desse pensamento, não se utiliza classificações diagnósticas,
visto que essa forma de agir dentro da Psicologia é considerada preconceituosa para a
Psicologia, ou seja, uma forma de rotular e discriminar o ser humano.
As angústias fazem parte da experiência humana, portanto, impossível à pretensão de
querer curar as doenças. O ser humano é visto de forma única e a dicotomia
cartesiana é eliminada nessa perspectiva de pensamento, ou seja, não há bem e mal,
feio ou bonito, médico e paciente, mas um contexto que precisa ser descrito e
observado.
 O Romantismo origina uma corrente psicológica basicamente ingênua, na qual
todo o homem é essencialmente bom e está direcionado para a autorrealização e
auxílio mútuo. Se apresentar algum tipo de comportamento reprovável, não o faz por
sua culpa, mas é vítima de um sistema social injusto e perverso, que o impede de ser
bom. A abordagem Humanista deriva do Romantismo, por compartilhar dessa
perspectiva. Rosseau eternizou essa corrente com o “Mito do Bom Selvagem”.
É considerado como período da Psicologia enquanto Ciência aquela que vai de 1879
até os dias atuais e o seu marco inicial foi a criação do Primeiro Laboratório de Psicologia
Experimental do mundo, na Alemanha, por Wundt.
Nessa primeira fase da Psicologia enquanto Ciência, e até para afirmar-se enquanto
tal, seu estudo era baseado em fórmulas físico-matemáticas e utilizava-se da terminologia
médica, de forma mais específica, a fisiológica. 53
Essa fase é marcada pela busca de estruturas imutáveis e universais, provavelmente
para tentar encontrar respostas baseadas na anatomia humana a questões de outro âmbito. Os
escritos freudianos são de certa forma considerados estruturalistas, na medida em que
representam muito bem as estruturas da consciência, em níveis de consciente, pré-consciente e
inconsciente.
Outra ramificação preocupa-se muito mais com o dinamismo, o funcionamento mental,
portanto, é denominada de Funcionalista. Baseia-se na linguagem da fisiologia para encontrar
respostas aos estudos da percepção humana.
Não diria que nessa época surgiriam as escolas ou abordagens psicológicas, mas que
as correntes filosóficas tomariam forma de pensamento psicológico, o que seria conhecido como
abordagens. Não há uma abordagem pura, mas cada abordagem fundamenta-se no
pensamento de determinados filósofos e suas escolas.
O Behaviorismo é uma das mais conhecidas abordagens psicológicas e tem o seu
norte no pensamento positivista de Comte. Sem dúvida, foi a primeira escola organizada,
fundamentando as suas estruturas no Positivismo.
Ela foi reconhecida utilizando em termos a psicofísica de Wundt, embora não se ocupe
muito em teorizar, pois já se inicia com experiências que visam entender o comportamento
humano como algo produzido por determinados condicionantes.
O comportamento torna-se, portanto, para essa Escola, fruto de pequenas ações
aprendidas ou excluídas, a partir de estímulos ambientais. Tem-se claro, portanto, a visão
atomista daquilo que seria denominado de estudo do comportamento humano.
A Psicologia se restringe ao estudo daquilo que é observável. Destacam-se nomes
como Skinner e Watson.
Em relação à Psicanálise, ainda é questionada quanto à sua cientificidade. Resultado
claro disso é que a grande maioria dos cursos de Formação em Psicanálise ainda não são
reconhecidos pelo MEC.
Como amplamente divulgado, o pai da Psicanálise foi o médico psiquiatra e
psicanalista Sigmund Freud, no início do século XX. Duas grandes apropriações realizadas pela
Psicanálise foram a descoberta do inconsciente – ou seja, aquilo que acaba por determinar
ações do sujeito sem que se tenha acesso às suas reais causas – e a descoberta da
sexualidade infantil. Determinante da maioria das ações e atitudes da vida adulta, a depender da
gratificação ou privação da satisfação dessas necessidades da vida infantil. 54
Para Freud, a libido, energia sexual, é multifocal e permeia toda a vida psíquica do
sujeito, podendo ser canalizada para vários aspectos e não apenas para a vida sexual em si.
Esse talvez seja o maior equívoco dos críticos dessa abordagem psicológica.
Quando Freud se refere ao falo, por exemplo, que não está se referindo ao órgão
sexual masculino, mas ao poder que ele representa. Por utilizar uma linguagem ‘sexualizada’,
reduzem sua teoria às questões sexuais. Coube a Jung ampliar esse discurso, incluindo aí
mitologia e antropologia.
Fazem parte de temas importantes da Psicanálise o Complexo de Édipo, Inconsciente,
Atos Falhos, Hermenêutica dos Sonhos, etc.
Por se tratarem de temas tão subjetivos, ainda hoje se pergunta se a Psicanálise
realmente funciona. O certo é que a Psicanálise propõe a cura pela fala e imortalizou a figura do
analista e do divã. Se tornando um importante passo para o autoconhecimento e oportunidade
rara para proporcionar um encontro com o eu e parar em meio a tanta correria dentro desse
sistema produtivo-capitalista em que se vive.
A Psicanálise permeia áreas como a Hospitalar, discursos do cinema, das letras, das
artes, organizacional, psicodrama, escolar, ou seja, onde são realizadas análises de algum tipo
de discurso, certamente aí estará a Psicanálise.
São várias as escolas advindas da Psicanálise, dentre elas, as de: Jung, Reich, Klein,
Anna Freud, Adler, etc.
É percebida a falta de algo novo em torno do conhecimento psicanalítico, pois o que se
vê são repetições daquilo que já foi dito e feito.
Quanto à Gestalt, há desacordos quanto a se tratar de uma escola definida. Ela é mais
aceita como um conjunto de conhecimentos que veio auxiliar a Psicologia a ter uma visão mais
total do ser humano. Algo que contemplasse as várias dimensões do ser e não apenas uma
pequena parte fragmentada.
Atualmente, muito graças à Gestalt, o ser humano é contemplado, dentro das mais
diversas áreas da Psicologia, em suas dimensões físicas (comportamentos e somatizações),
social, cognitiva, emocional e até mesmo a espiritualidade já se mostra como algo a não ser
ignorado dentro das quatro paredes de um consultório, por exemplo.
Já existem estudos científicos do benefício da fé para a proporção do bem-estar
humano. A Gestalt utiliza ideias de Koehler, Sartre, Merleau-Ponty e Husserl. 55
Um importante ramo ou área da Psicologia trabalha com o desenvolvimento humano e
baseia-se principalmente nas ideias de Piaget e Vygotsky. É a Psicologia do Desenvolvimento,
aplicável em clínicas, hospitais e escolas, principalmente.
Estudos sobre maturação cognitiva, relação entre linguagem e aprendizagem e o papel
social entre todo esse processo fizeram parte do discurso desses brilhantes pensadores.
Suas reflexões permanecem bastante atuais e têm gerado inúmeros debates
acalorados. Enquanto para uns as ideias de ambos se excluem, para outros elas apenas se
complementam.
Carl Rogers, por sua vez, trouxe para a Ciência Psicológica a concepção filosófica de
humanismo, exaltando o ser humano como o autor mais importante da sua própria existência.
Apregoava ser a pessoa mais importante que qualquer sistema psicológico.
Essa grande quantidade de escolas acabou gerando ferrenhos adeptos de uma ou
outra. Dar-se-ia novamente a fragmentação e as guerras entre profissionais e estudantes, que
acabariam por defender esta ou aquela posição. Isso gerou muita rivalidade e facções. Pouco se
podia perceber que a pluralidade de escolas e pensamentos só enriqueceria o estudo da alma
humana. Era necessário somar e não dividir. Quanto mais conhecimento teórico, melhor poderia
ser a prática ou as práticas psicológicas.
Aos poucos, o sistema quase partidário dentro das academias, aquele que forma
discípulos deste ou daquele pensador, cede lugar a um novo profissional de Psicologia, aquele
denominado ‘eclético’ e ainda criticado por muitos, por ser considerado indefinido em sua
posição teórica.
Seguindo a tendência atual do saber e fazer científicos, o profissional da Psicologia
começa a atuar por temática, a depender da necessidade do paciente ou cliente, da pessoa que
procura atendimento psicológico.
É um profissional que pode ser considerado especialista e generalista ao mesmo
tempo, pois necessita ter um conhecimento muito aprofundado sobre todo o saber psicológico,
para ser tão generalista a ponto de entender a necessidade de seu paciente.
O psicólogo temático tem, então, a liberdade de escolher uma área de atuação
(Psicologia Jurídica ou Hospitalar, por exemplo), e a partir daí ter a liberdade de utilizar os
diversos conhecimentos de cada corrente ou escola psicológica. 56
O fato é que a Ciência é uma conquista recente da humanidade. Tem 300 anos e
surgiu no século XVIII. Isso não quer dizer que antes disso não tenha havido qualquer saber
rigoroso, pois desde a Grécia Antiga o ser humano anseia por um tipo de conhecimento que seja
distinto ao saber comum e ao mito.
Enquanto Sócrates se preocupava com a definição dos conceitos, desejando atingir a
essência das coisas, Platão mostrava o caminho que a educação do sábio deveria percorrer
para ir do doxa (opinião) à episteme (Ciência). Entretanto, a Ciência só se desvincula da
Filosofia na Idade Moderna.
O mundo científico aspira à objetividade, pois as conclusões devem ser verificadas por
qualquer outro membro competente da comunidade científica. A racionalidade desse
conhecimento procura despojar-se do emotivo, tornando-se, na medida do possível, impessoal.
A Ciência, apesar da busca por um conhecimento racional e verdadeiro, não é absoluta.
É apenas mais uma de tantas outras verdades. Está tão sujeita a falhas, quanto qualquer outro tipo
de conhecimento. Daí surgirem modelos científicos e até teorias contraditórias.
É impossível admitir que um conhecimento seja neutro, pois conhecimento é poder e o
poder está atrelado às ações políticas. Daí o cuidado que se deve ter para associar todo e
qualquer conhecimento científico a uma prática ética.
Como em qualquer outra prática científica, a pesquisa psicológica visa quatro
finalidades básicas: descrição, explicação, predição e controle. A descrição é o objetivo básico
de qualquer Ciência. Os psicólogos reúnem fatos a respeito do comportamento e do
funcionamento mental, a fim de formarem quadros precisos e coerentes desses fenômenos
(DAVIDOFF, 1983).
Quando é extremamente difícil ou impossível usar estratégias diretas, recorrem a
testes, entrevistas, questionários e outras táticas indiretas que têm menos probabilidade de
serem exatas. Depois, faz-se necessário estabelecer uma relação de causa e efeito. Estas
explicações se transformam em hipóteses.
Quanto aos princípios básicos que norteiam a pesquisa psicológica, podem ser citados
os seguintes, dentre outros:
1) precisão – os psicólogos procuram ser precisos de diversas maneiras. Primeiro,
definem claramente o que estão estudando. Segundo, tentam colocar seus dados em
forma numérica, ao invés de confiar em impressões pessoais. É possível encontrar
esses cientistas (principalmente os da linhagem positivista norte-americana) fazendo 57
medições em fenômenos aparentemente imensuráveis, como o amor, a ansiedade ou
a intoxicação por drogas lícitas ou ilícitas. Terceiro, após completarem a pesquisa, os
psicólogos escrevem relatórios detalhados, descrevendo os sujeitos, o equipamento,
os métodos, as tarefas e os resultados. O relatório preciso de pesquisa permite a
outros cientistas do comportamento repetir ou replicar os estudos dos outros para ter a
certeza de que são consistentes;
2) objetividade – a pesquisa científica em Psicologia se esmera para que não
ocorram distorções, pois, ao contrário de outras áreas, a Psicologia é a única em que o
objeto de estudo tem a mesma natureza do pesquisador. Ou seja, ao pesquisar a
personalidade de seres humanos, o cientista não pode perder de vista que também é
um ser humano e que não pode deixar que sentimentos como o amor e o ódio
interfiram nos seus estudos;
3) empirismo – os psicólogos acreditam que a observação direta é a melhor fonte de
conhecimento. E a especulação, por si só, é considerada como prova inadequada.
Esses cientistas não devem adiantar como evidências noções populares, suas próprias
ideias plausíveis, as especulações de cientistas eminentes ou pesquisas de opinião a
respeito deste ou daquele tópico. Todas essas estratégias se apoiam apenas em
conjecturas e não em observação direta;
4) determinismo – todos os acontecimentos devem ter causas naturais. Os
psicólogos acreditam que os atos das pessoas são determinados por enorme número
de fatores. Alguns intrínsecos (potencialidades genéticas, motivos, emoções e
pensamentos); outros extrínsecos (pressões pessoais e circunstâncias externas, sejam
ambientais ou sociais);
5) parcimônia – ou seja, as explicações devem ser padronizadas e ajustadas aos
fatos observados;
6) tentativas – as conclusões devem ser permanentemente reavaliadas e jamais
definitivas. O psicólogo não deve ter um conhecimento como algo absoluto e acabado,
mas sempre duvidar dele.

3.1 PESQUISA EM PSICOLOGIA E BIOÉTICA 58

FIGURA 19

Bioética é um neologismo construído a partir das palavras gregas bios (vida) e ethos
(relativo à ética). Segundo Diniz e Guilhem, “[...] por ser a bioética um campo disciplinar
compromissado com o conflito moral na área da saúde e da doença dos seres humanos e dos
animais não humanos, seus temas dizem respeito a situações de vida que nunca deixaram de
estar em pauta na história da humanidade [...]”.
Em muitas ocasiões, ao longo da história, abusos dos mais diversos foram cometidos
em nome da Ciência, por intermédio das denominadas pesquisas científicas. O alvo principal
para o exercício de tais experimentos eram os menos favorecidos, os excluídos sociais:
transtornados mentais, pobres, prisioneiros...
O ponto culminante desse tipo de distorção aconteceu com as ‘experiências’ do
Holocausto, envolvendo inúmeros seres humanos sacrificados e que até hoje choca todo o
mundo pela crueldade e pelo abuso de poder praticado por médicos nazistas.
A Ciência jamais deve sobrepujar o ser humano e o psicólogo também deve estar
atento a isso. O respeito ao outro deve permear toda a nossa prática. Foi criado, a partir disso,
um código limitando pesquisas com seres humanos.
Toda e qualquer pesquisa Científica não deve se colocar a serviço de interesses
financeiros ou quaisquer outros que estejam acima do bem da humanidade. A Ciência não é
neutra nem ingênua, por isso mesmo os estudiosos devem estar atentos ao uso que podem
fazer das pesquisas advindas dela. O pesquisador precisa ter claros os possíveis efeitos sobre o
outro que determinadas descobertas podem exercer sobre a humanidade, pois o mito da
neutralidade científica é uma farsa. 59
Toda pesquisa científica precisa ser controlada por rígidas normas, principalmente
aquelas que envolvam seres humanos. Van R. Porter instaurou o termo Bioética em 1971, e
desde então inúmeros progressos nesse sentido foram feitos.
Os direitos dos seres humanos precisam ser respeitados, partindo do pressuposto de
que aquele que participa de pesquisas deve ter claros os seus objetos e objetivos de cada estudo,
como também o livre arbítrio de desejar participar da pesquisa ou não, sem jamais ser induzido a
participar. O cientista deve estar alerta ao risco de sedução que o poder científico exerce.
No Brasil, os aspectos éticos envolvidos em atividades de pesquisa que envolva seres
humanos estão regulados pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos, por meio
da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, estabelecida em outubro de 1996. Essas
Diretrizes foram detalhadas para pesquisas envolvendo novos fármacos, medicamento, vacinas
e testes diagnósticos por meio de outra resolução (251/97), de agosto de 1997. Novas
resoluções estão sendo elaboradas para tratar de outras áreas temáticas especiais.
O objetivo maior da avaliação ética de projetos de pesquisa é garantir três princípios
básicos: a beneficência, o respeito à pessoa e a justiça. Nesta garantia devem ser incluídas
todas as pessoas que possam vir a ter alguma relação com a pesquisa, seja o sujeito da
pesquisa, o pesquisador, o trabalhador das áreas onde a mesma se desenvolve e, em última
análise, a sociedade como um todo.
Os cuidados éticos da pesquisa em saúde envolvem a qualificação dos pesquisadores,
o direito de informações precisas que o participante necessite obter, a relação custo-benefício,
pois os benefícios devem sempre se sobrepor aos riscos, além de passar necessariamente por
um Comitê de Ética, para avaliação a priori.
É fundamental salientar que uma pesquisa que envolva seres humanos só pode ser
realizada se absolutamente todos os outros possíveis meios tiverem se esgotado. O sigilo deve
permear todo o processo de pesquisa, para que o indivíduo pesquisado não seja exposto de
alguma forma.
Se porventura os riscos envolvidos ultrapassarem aquele previsto, todo o processo da
pesquisa deve ser imediatamente interrompido e sua metodologia revista.
Seria ideal que o pesquisador fosse completamente indiferente aos resultados a serem
obtidos, para não correr o risco de ser tendencioso, mas nem sempre isso é possível.
Quanto ao Comitê de Ética que é responsável pela autorização prévia da pesquisa,
devem participar pesquisadores reconhecidamente competentes, como também representantes 60
da comunidade, de preferência que não privilegiem algum setor, religião ou gênero. Devem ser
avaliados tanto aspectos éticos quanto a qualificação dos respectivos pesquisadores.
4 PRINCIPAIS ÁREAS DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO

4.1 PSICOLOGIA DO ESPORTE

61
FIGURA 20

Quem nunca se viu extasiado frente a uma jogada brilhante de Ronaldinho Gaúcho ou
Kaká? Quem nunca ficou impressionado com a paixão de uma torcida fanática por um
determinado time?
O que motiva esportistas a treinarem horas e horas a fio? A verdade é que a
profissionalização de atletas está começando cada vez mais cedo e as pressões por resultados
estão sempre maiores. Também o número de horas de treinamento testa os limites do atleta.
Saudades de casa, necessidade de adaptar-se a países diferentes, jogadas cada vez mais
duras, o que coloca a saúde do atleta sempre em risco, e quando acidentes ocorrem, pressão
para que retorne o mais breve possível….
Todo esse ambiente favorece transtornos como depressão e ansiedade, pois nem todo
atleta apresenta estrutura emocional para lidar com a fama rápida e também com um sem-número
de frustrações, pois se sabe que o universo daqueles que ganham cifras milionárias é mínimo.
A grande maioria vive quase que na miséria absoluta. Todo esse ambiente favoreceu o
nascimento da Psicologia do Esporte, pois o Esporte é considerado um dos maiores fenômenos
de massa e tem requerido pesquisadores das mais variadas áreas, pois a tecnologia empregada
é quase sempre a de ponta. Pesquisadores da Antropologia, Sociologia e Filosofia têm feito
parte desse universo, como também os das áreas da Medicina, Engenharia, Fisiologia e
Biomecânica, dentre tantos outros.
De forma mais específica, dentro da Psicologia do Esporte tem sido estudados temas
como Motivação, Agressão, Violência, Liderança e Personalidade, embora no início os estudos
tenham se restringido a apenas questões mais fisiológicas, como o Condicionamento Reflexo,
tema de base Behaviorista. A Psicologia do Esporte tem seus primeiros registros como tal a partir
do início do século XX, especificamente a partir da Copa do Mundo de Futebol de 1958, no Brasil.
Ainda não há um arcabouço teórico específico dessa área da Psicologia e esta acaba 62
por recorrer a conhecimentos específicos da Psicologia Clínica e da Psicologia Social. No Brasil,
essa área de atuação do psicólogo só se torna reconhecida em dezembro de 2000, e ainda
assim apenas como uma especialidade.
Problemas vividos por outras áreas de atuação também estão presentes na Psicologia
do Esporte, pois a equipe Esportiva ainda não tem como certa a real possibilidade de auxílio
quanto ao desempenho dos atletas e resultados práticos a partir do trabalho do psicólogo.
João Carvalhaes foi o primeiro psicólogo brasileiro de que se tem registro a atuar na
Psicologia do Esporte Brasileira. Psicometrista, trabalhou no São Paulo Futebol Clube, na capital
paulista, por 20 anos. Ele estava presente na conquista do primeiro título mundial do Brasil, em
1958 (MACHADO, 1997; RUBIO, 1999; 2000a).
O campo de atuação da Psicologia do Esporte envolve o estudo da pessoa praticante
de esporte, seja este de caráter amador ou profissional, competitivo ou não competitivo.
Isso inclui a avaliação, diagnóstico, intervenção ou simplesmente a análise do contexto
esportivo incluindo o comportamento do grupo ou indivíduo praticante da atividade. Faz parte
dessa perspectiva a necessidade de realizar ações prognósticas, ou seja, de tornar predizível
possíveis resultados. Isso é realizado dentro de certa probabilidade estatística (AZEVEDO
MARQUES; JUNISHI, 2000; FIGUEIREDO, 2000; MARKUNAS, 2000; MARTINI, 2000).
Os métodos normalmente utilizados para intervenção esportiva, após análise
diagnóstica realizada pelo psicólogo esportivo, são aqueles baseados em processos sensoriais,
sensório-motores, de pensamento, mnemônicos e volitivos como os de ordem psicossociais.
Pode-se afirmar, então, que na Psicologia do Esporte são estudadas as
particularidades psicológicas de um grupo esportivo, buscando revelar e explicar sua dinâmica e
assim poder intervir de forma efetiva e eficaz, visando à obtenção dos resultados desejados,
fazendo fluir o melhor que cada atleta possui, em termos potenciais, preservando a sua saúde e
o seu equilíbrio psicológico.
4.2 PSICOLOGIA AMBIENTAL

FRIGURA 21

63

A Psicologia Ambiental trata do relacionamento recíproco entre comportamento e


ambiente físico, tanto construído quanto natural. Mantém interface com áreas de estudo tais
como: a sociologia e antropologia urbana, ergonomia, desenho industrial, paisagismo,
engenharia florestal, arquitetura, urbanismo e geografia, entre outras.
Na medida em que essas áreas estudam diferentes aspectos da organização de
espaço/ambiente físico e sua relação recíproca com o ser humano. Encontra-se frequentemente,
na literatura estrangeira, o termo environment-behavior relation, para caracterizar esse campo de
estudo, para o qual se sugere, em português, o termo relações indivíduo-ambiente.
(ARAGONÉS, 1998).
Por sua característica interdisciplinar e por ser um campo que possibilita o estudo de
fenômenosdos mais diversos, a Psicologia Ambiental utiliza uma abordagem multimetodológica.
O que determina a escolha do método é o problema em estudo em cada situação.
Quase toda pesquisa se orienta para a resolução de um problema prático e no meio termo
procura também avançar no conhecimento teórico da área, sob o modelo da pesquisa-ação.
4.3 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

FIGURA 21

64

A Psicologia Organizacional, inicialmente denominada como Psicologia Industrial ou


Psicologia do Trabalho estuda os fenômenos psicológicos presentes nas organizações. Mais
especificamente, atua sobre os problemas organizacionais ligados à gestão de recursos
humanos (ou gestão de pessoas). A psicologia está muito ligada a empresas, atualmente, seja
ela no bem-estar de cada um dos colaboradores, até mesmo nas emoções geradas em um
ambiente de trabalho.
Tradicionalmente, as principais áreas da Psicologia Organizacional são: recrutamento,
seleção de pessoal, treinamento, diagnóstico organizacional. A Psicologia do Trabalho ou
Organizacional consolida-se em um contexto capitalista, sob um modelo de desenvolvimento
fordista.
Fordismo:
 modo de desenvolvimento dos países capitalistas (hegemônico após a 2ª Guerra
Mundial);
 envolve um regime de acumulação intensivo, associado a um modo de regulação
monopolista;
 “produção em massa de produtos indiferenciados” e um consumo em massa,
assegurado por salários elevados praticados pelas empresas e defendidos pelos
sindicatos, e pelo estado que mantém, por meio de políticas de bem-estar social,
desempregados e aposentados no mercado consumidor.
 pacto social:
o papel do trabalhador – obediência às prescrições dos organizadores; 65
o consequência – aumento de produtividade;
o recompensa – manutenção de uma norma salarial e aumentos periódicos
atrelados aos ganhos de produtividade obtidos.
 trabalhador de “chão de fábrica” – pouco especializado mal escolarizado, muito
disciplinado e qualificado a exercer sua função empobrecida.

4.4 PSICOLOGIA INDUSTRIAL

Surge a serviço de certa forma de administração.


É marcada por apelo dos controles individuais.
Visa fornecer elementos que permitam a seleção de trabalhadores, sua capacitação
para o desempenho das funções, a descrição detalhada do que fazem introdução ao ambiente
de trabalho, avaliação periódica, seu crescimento hierárquico e seu aconselhamento
(principalmente quando compromete desempenho).
A Psicologia Industrial, influenciada pela escola de relações humanas da
administração, se preocupa:
 como fazer para que os subordinados trabalhem (motivação);
 como fazer para que os chefes e supervisores tornem seus subordinados mais
produtivos (liderança);
 como divulgar as informações e decisões tomadas pela cúpula para evitarem-se
distorções e resistência (comunicação);
 prática de seleção;
 treinamento.
4.5 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

Emergiu como resposta no âmbito da Psicologia do Trabalho à primeira crise do


fordismo.
Fatores que contribuíram para a crise do modelo fordista: 66
 surgimento da concorrência internacional (reconstrução europeia do pós-guerra e
a emersão do Japão no cenário internacional);
 rigidez do processo em massa tem dificuldade em atender mercado consumidor
diferenciado e mais exigente;
 maior qualificação e instrução dos países do centro levam à resistência por
trabalhos empobrecidos e relações hierárquicas verticais;
 surgimento de processos que permitem produção em massa de produtos
extremamente diferenciados;
 rigidez das relações salariais fordistas;
 crise do petróleo caracteriza um aumento do custo.

Consequência da crise fordista: dissociação geográfica do fordismo – exportação da


montagem desqualificada para países estáveis do terceiro mundo.

Paralelo com a Psicologia Organizacional:


 modificou-se para dar suporte ao processo de mudança organizacional;
 organizações deveriam atender às novas demandas do mercado onde iriam se inserir;
 organizações deveriam aprender a lidar com trabalhadores de cultura diferente.

Função dos psicólogos:


 colaboração no diagnóstico organizacional;
 pesquisas de clima e cultura organizacional;
 levantamento de necessidades de treinamento;
 análise do comportamento dos recursos humanos;
 utilização dos traços de personalidade à seleção profissional.
Psicologia Organizacional X Ergonomia:
 adaptação do trabalho ao homem;
 envolve aspectos como a fisiologia, antropometria, percepção, acidentes de
trabalho, fadiga, tecnologia, ambiente físico, ambiente psicossocial, organização do
trabalho, postos de trabalho e produtividade.
67
Psicologia Organizacional X Qualidade de Vida no Trabalho:
 fruto de uma ampliação de papel do movimento sindical nos países do centro;
 associada a uma escolarização maciça da classe trabalhadora;
 criam-se:
o programas de estresse laboral – visam reduzir desgaste físico-psíquico do
trabalhador;
o qualidade de vida no trabalho, orientada em direção à satisfação no
trabalho.

Funções de recursos humanos:


 antes universais, passam a ser vistas como políticas e programas de recursos
humanos;
 técnicas e concepções podem ser alteradas e modificadas.

Articulação entre diversos conhecimentos e a Administração


 psicanalítica, medicina psicossomática e situações de trabalho – nasce a
“Psicopatologia do Trabalho”;
 Psicopatologia do Trabalho – estuda o sofrimento, conceito situado entre a
doença mental propriamente dita e a saúde mental, em contraponto à Organização do
Trabalho;
 transcende-se à noção de estresse organizacional e procura analisar também
neuroses e psicoses em relação ao trabalho e à organização, tendo em vista sua
prevenção.
4.6 PSICOLOGIA HOSPITALAR

FIGURA 22

68

Definição:
 é um ramo da Psicologia que se diferencia dos demais, por pretender
principalmente humanizar a prática dos profissionais de saúde dentro do contexto
hospitalar (BRANDÃO, 2001);
 a partir da Psicologia Hospitalar, a própria Psicologia redefiniu conceitos teóricos
na tentativa de uma melhor compreensão da somatização, suas implicações,
ocorrências e consequências.

Histórico da Psicologia Hospitalar no Brasil:


 1054 – Matilde Neder dá inicio à Psicologia Hospitalar no Brasil, desenvolvendo uma
atividade na Clínica de Ortopedia e Traumatologia da Universidade de São Paulo (USP);
 1974 – Belkis Wilma Romano Lamosa implanta o Serviço de Psicologia no
Instituto do Coração, na Faculdade de Medicina da USP, que só abriria para a
população em 1977;
 1984 – Criado o Departamento de Psicologia da Sociedade de Cardiologia do
Estado de São Paulo sob a coordenação de Belkis W. R. Lamosa. A partir daí todos os
Congressos da Sociedade Brasileira de Cardiologia contavam com a presença da
Psicologia em sua programação Científica;
 1993 – Criado o Departamento de Psicologia Aplicada à Cardiologia da Sociedade
Brasileira de Cardiologia-DF sob a Coordenação de Lúcia Miranda; 69
 2002 – Primeira Turma da Disciplina Optativa de Psicologia Hospitalar–
UniCEUB...

Psicologia Hospitalar:
 o psicólogo se descobre sendo instrumento de alívio de uma das facetas mais
sofridas da realidade humana, a morte;
 o psicólogo hospitalar descobre de modo concreto um dos preceitos máximos da
Psicologia, que é a cura por meio da palavra, a cura da dor provocada pelo sofrimento
físico e emocional.

4.7 PSICOLOGIA ESCOLAR

FIGURA 23
O interesse pela educação, suas condições e seus problemas, foi sempre uma
constante entre filósofos, políticos, educadores e psicólogos.
Com o desenvolvimento da Psicologia como Ciência e como área de atuação
profissional, no final do século XIX, várias perspectivas se abriram, fato que também ocorreu à
chamada Psicologia Educacional (MACHADO, 2004).
Durante as três primeiras décadas do século XX, a Psicologia Aplicada à Educação 70
teve enorme desenvolvimento. Nos EUA, destacava-se a necessidade de um novo profissional,
capaz de atuar como intermediário entre a psicologia e a educação.
Três áreas destacaram-se: as pesquisas experimentais da aprendizagem; o estudo e a
medida das diferenças individuais; e a psicologia da criança.
Até a década de 50, a Psicologia da Educação aparece como a ‘rainha’ das ciências da
educação.
Seu conceito: uma área de aplicação da Psicologia na Educação. A Psicologia
Educacional era um ramo especial da Psicologia, preocupado com a natureza, as condições, os
resultados e a avaliação e retenção da aprendizagem escolar. Ela deveria ser uma disciplina
autônoma, com sua própria teoria e metodologia.
Durante a década de 50, o panorama muda. Começa-se a duvidar da aplicabilidade
educativa das grandes teorias da aprendizagem, elaboradas durante a primeira metade do
século XX. Prenuncia-se uma crise.
Surgem outras disciplinas educativas tão importantes à educação quanto a Psicologia,
e esta precisa ceder espaço.
Na década de 70, assume o seu caráter multidisciplinar que conserva até hoje.
Não mais é considerada como a Psicologia Aplicada à Educação. Atualmente, a
Psicologia da Educação é considerada um ramo tanto da Psicologia como da Educação, e
caracteriza-se como uma área de investigação dos problemas e fenômenos educacionais, a
partir de um entendimento psicológico.

Conceito de Psicologia da Educação:


Quando se fala, hoje, em ‘Psicologia da Educação’, vários termos são utilizados
indiscriminadamente como sinônimos, tais como: Psicopedagogia, Psicologia Escolar, Psicologia
da Educação, Psicologia da Criança, etc. A lista poderia ser alongada.
Essa imprecisão na linguagem, e essa confusão entre disciplinas ou atividades não
são exatamente passíveis de sobreposição, pois cada qual tem suas definições e limitações.
A Psicologia da Educação tem por objeto de estudo todos os aspectos das situações
da educação, sob a ótica psicológica, assim como as relações existentes entre as situações
educacionais e os diferentes fatores que as determinam.
Seu domínio é constituído pela análise psicológica de todas as facetas da realidade 71
educativa e não apenas a aplicação da Psicologia à Educação. Seu maior objetivo é constatar
ou compreender e explicar o que se passa no seio da situação de educação. Por isso, tanto
psicólogos quanto pedagogos podem possuir tal especialização profissional.
A Psicologia da Educação faz parte dos componentes específicos das Ciências da
Educação, tal como a Sociologia da Educação ou a Didática. Compõem um núcleo, cuja
finalidade é estudar os processos educativos.
Atualmente, rejeita-se a ideia de que a Psicologia da Educação seja resumida a um
simples campo de trabalho da Psicologia; ela deve, ao contrário, atender simultaneamente aos
processos psicológicos e às características das situações educativas.
Ela estuda os processos educativos com tripla finalidade:
1) contribuir na elaboração de uma teoria explicativa dos processos educativos –
nível teórico;
2) elaborar modelos e programas de intervenção – nível tecnológico;
3) dar lugar a uma práxis educativa coerente com as propostas teóricas formuladas –
nível prático.

Definição de Psicopedagogia:
Especialização dentro da Pedagogia e/ou Psicologia que trata dos distúrbios de
aprendizagem (crianças que possuem dificuldades para aprender).

Definição de Psicologia da Criança:


Também chamada de Psicologia Evolutiva ou Psicologia do Desenvolvimento Humano,
estuda as leis gerais da evolução da criança, as sucessivas etapas de seu desenvolvimento nas
quatro grandes áreas: cognitiva, afetiva, social e psicomotora.
Aprendizagem Informal e Aprendizagem Formal

Conceito geral de aprendizagem:


Aprendizagem é a aquisição de novos comportamentos, que são incorporados ao
repertório individual de cada pessoa, que deverá apresentar, desse modo, capacidades e
habilidades não existentes anteriormente. Além de adquirir comportamentos novos, por meio 72
da aprendizagem, uma pessoa poderá também modificar comportamentos anteriormente
adquiridos (ROCHA).

Aprendizagem é o resultado da estimulação do ambiente sobre o indivíduo já maturo,


que se expressa, diante de uma situação-problema, sob a forma de uma mudança de
comportamento em função da experiência; envolve os hábitos que formamos os
aspectos de nossa vida afetiva e a assimilação de valores culturais, além dos
fenômenos que ocorrem na escola. (JOSÉ; COELHO)

“A aprendizagem é parte de um processo social de comunicação – a educação” – e


apresenta os seguintes elementos:
 comunicador ou emissor – professor, enquanto transmissor de informações ou
agente do conhecimento. O comunicador tem uma participação ativa no processo
educativo, devendo estar motivado e ter pleno conhecimento da mensagem que irá
transmitir a seus alunos;
 mensagem – conteúdo educativo, conhecimentos e informações a serem
transmitidas. A mensagem deve ser adequada, clara e precisa para ser bem entendida;
 receptor da mensagem – aluno. O receptor não tem um papel passivo; deve ser
um construtor crítico dos conhecimentos e informações que lhe são transmitidos;
 meio ambiente – meio escolar, familiar e social, onde se efetiva o processo de
ensino-aprendizagem. O meio ambiente deve ser estimulador da aprendizagem e
propício ao bom desenvolvimento do processo educativo (DROUET).

Aprendizagem significativa:
É interessante destacar que não basta apenas ‘ensinar’; é preciso oportunizar aos
nossos educandos uma aprendizagem significativa. Ou seja, para que a aprendizagem provoque
uma efetiva mudança de comportamento e amplie cada vez mais o potencial do educando, é
necessário que ele perceba a relação entre o que está aprendendo e a sua vida, sendo capaz de
reconhecer as situações em que aplicará o novo conhecimento.
“Uma aprendizagem mecânica, que não vai além da simples retenção, não tem
significado nenhum” (JOSÉ; COELHO).

É possível medir o nível de aprendizagem? 73


Como a aprendizagem se concretiza em termos de comportamento, para avaliar o que
alguém aprendeu é preciso observar o seu desempenho.
Essa é a concepção das escolas mais tradicionais, onde a ‘prova’ era a única capaz de
verificar o aprendizado, inferindo sobre sua ocorrência. Mas será essa a melhor e mais fidedigna
maneira de verificar o aprendizado?
Atualmente, têm-se realizado importantes mudanças no modo de pensar em relação à
aprendizagem escolar, tendo como resultados esforços para combinar várias interpretações. A
prova já não parece mais tão fidedigna assim, pois ela pode representar uma mudança
temporária de comportamento e não uma mudança duradoura.

Curva representativa de aprendizagem:


Estamos permanentemente em estado de aprendizagem. O declínio da curva se dá
porque começa a haver um enfraquecimento neuro-hormonal no indivíduo. Devido a esse
enfraquecimento alguns envelhecem mais cedo, enquanto outros permanecem perfeitamente
lúcidos até uma idade muito avançada.

Ensino X Instrução:
 ensinar – fazer com que as pessoas aprendam; fazer com que outros saibam,
adquiram conhecimentos ou mudem atitudes. A aprendizagem é seu produto final;
 instruir – manipular deliberadamente o ambiente de outros, para torná-lo capaz de
aprender, sob condições específicas (aprendizagem escolar). Esse é um conceito
ultrapassado.
Dessa diferença entre ensinar e instruir pode-se dizer que existem dois tipos de
aprendizagem: informal e formal.
A aprendizagem e a Psicologia da Educação – Aprendizagens Informal e Formal:
 Aprendizagem Formal – processo que é direcionado, orientado e previamente
planejado e organizado (sala de aula); advém da instrução;
 Aprendizagem Informal – processo que é de natureza incidental, não dirigido, e
carente de controle. Resulta da experiência no ambiente de vida (fora da escola);
advém do ensino. A Psicologia da Educação exerce seu papel mais relacionado à 74
aprendizagem formal.

Modelos de ensino formal:


Um modelo de ensino formal inclui um conjunto de procedimentos para que o ensino
se realize.
Pode resumir-se em seus componentes fundamentais: professor, aluno e conteúdo.
Existem quatro modelos básicos:
 modelo clássico – ênfase dada no professor, enquanto um transmissor de
conteúdo. A educação consiste em transmissão de ideias selecionadas, organizadas e
não de acordo com o interesse do aluno. O aluno é apenas um recipiente passivo;
 modelo tecnológico – ênfase na educação como transmissora de conteúdos; o
conteúdo é o centro do processo. O aluno é um recipiente de informações. A educação
se preocupa com aspectos observáveis e mensuráveis e o professor é o responsável
por essa concretização;
 modelo personalizado – ênfase no aluno. O ensino se processa em função do
desenvolvimento e interesse dos alunos. A educação é um processo progressivo e o
professor oferece assistência ao aluno, enquanto um facilitador da aprendizagem;
 modelo interacional – apresenta um equilíbrio entre os componentes do modelo.
O professor cria um clima de diálogo e troca experiências e valores com seus alunos.
O conteúdo consiste na análise crítica de problemas reais e sociais. O aluno é ativo em
sua aprendizagem.

Domínios da Aprendizagem:
A aprendizagem abrange três domínios fundamentais: intelectual ou cognitivo; afetivo-
social; sensório-psiconeurológico.
Domínio intelectual ou cognitivo (inteligência humana)
A inteligência e a idade mental (e não a cronológica) são domínios decisivos à
aprendizagem humana.
Inteligência: capacidade de interagir com o meio ambiente e adaptar-se a ele;
desenvolve-se por meio de fases, ao longo da vida, que se sucede em uma mesma ordem, mas
devido às diferenças individuais, podem ser alcançadas em idades diferentes para cada pessoa, 75
dependendo do ritmo de desenvolvimento.

Domínio afetivo-social (emoções, sentimentos e aspectos psicossociais)


As pessoas são todas diferentes e únicas. As diferenças são determinadas pelas
influências genéticas, bioquímicas de seu próprio organismo e por estímulos do ambiente em
que vivem, bem como pela interação de todas as experiências sociais que tiveram desde o
nascimento. A personalidade de cada indivíduo vai se formando, se desenvolvendo; portanto, o
aluno que chega à escola ou universidade já possui sua personalidade bem definida.
As características psicológicas momentâneas, tais como o humor, as emoções e os
sentimentos, também são domínios fundamentais à aprendizagem humana. Da mesma forma,
certo amadurecimento social (relacionamento interpessoal e intrapessoal) é elemento igualmente
importante nesse processo de ensino-aprendizagem.
O sensório-psiconeurológico (sensações, desenvolvimento neuropsicológico e
maturação neurológica).
A integração das funções neuropsicológicas é fundamental à aprendizagem. Para
tanto, a estimulação é comprovadamente importante, já que crianças que viveram seus primeiros
anos de vida em ambientes pobres de estímulos sofreram danos graves de desenvolvimento,
principalmente em seus elementos sensoriais (audição, visão, tato, gustação, olfato),
neurológicos (maturação neurológica), psicomotores (esquema corporal, lateralidade, equilíbrio)
e linguísticos (fala).

Princípios da Aprendizagem:
 1º princípio: “universalidade” – a aprendizagem é coextensiva à própria vida,
ocorre durante todo o desenvolvimento do indivíduo. Na vida humana a aprendizagem
se inicia antes do nascimento e se prolonga até a morte;
 2º princípio: a aprendizagem é um processo constante e contínuo;
 3º princípio: “gradatividade” – a aprendizagem é gradual, isto é, aprende-se pouco
a pouco;
 4º princípio: “processo pessoal/individual” – cada indivíduo tem seu ritmo próprio
de aprendizagem (ritmo biológico) que, aliado ao seu esquema próprio de ação, irá
constituir sua individualidade. Por isso, tem fundo genético e também ambiental,
dependendo de vários fatores: dos esquemas de ação inatos do indivíduo; do estágio 76
de maturação de seu sistema nervoso; de seu tipo psicológico constitucional
(introvertido ou extrovertido); de seu grau de envolvimento; além das questões
ambientais;
 5º princípio: “processo cumulativo” – as novas aprendizagens do indivíduo
dependem de suas experiências anteriores. As primeiras aprendizagens servem de
pré-requisitos para as subsequentes. Cada nova aprendizagem vai se juntar ao
repertório de conhecimentos e de experiências que o indivíduo já possui indo construir
sua bagagem cultural;
 6º princípio: “processo integrativo e dinâmico” – esse processo de acumulação de
conhecimentos não é estático. A cada nova aprendizagem o indivíduo reorganiza suas
ideias, estabelece relações entre as aprendizagens, faz juízos de valor.

Fatores da aprendizagem:
 saúde física e mental – para que seja capaz de aprender, a pessoa deve
apresentar um bom estado físico geral; deve estar gozando de boa saúde, com seu
sistema nervoso e todos os órgãos dos sentidos. As perturbações na área física, como
na sensorial e na área nervosa poderão constituir-se em distúrbios da aprendizagem.
Febre, dores de cabeça, disritmias (ausências mentais) são exemplos disso;
 motivação – é o fator de querer aprender; o interesse é a mola propulsora da
aprendizagem. O indivíduo pode querer aprender por vários motivos: para satisfazer a
sua necessidade biológica de exercício físico e liberar energia; por ser estimulada
pelos órgãos dos sentidos, por meio de cores alegres; por sentir-se inteligente e bem
consigo mesmo ao resolver uma atividade mental; por sentir necessidade de
conquistar uma boa classificação na escola (status social e pessoal, admiração);
 prévio domínio – domínio de certos conhecimentos, habilidades e experiências
anteriores, possuindo relativa vantagem em relação aos que não o possuem;
 maturação – é o processo de diferenciações estruturais e funcionais do
organismo, levando a padrões específicos de comportamento. a maturação
neurológica se dá por etapas sucessivas e na mesma sequência (leis céfalo-caudal e
próximo-distal). A maturação cria condições à aprendizagem, havendo uma interação 77
entre ambas;
 inteligência – capacidade para assimilar e compreender informações e
conhecimentos; para estabelecer relações entre vários desses conhecimentos; para
criar e inventar coisas novas, com base nas já conhecidas; para raciocinar com lógica
na resolução de problemas;
 concentração e atenção – capacidade de fixar-se em um assunto/tarefa. Desta
capacidade dependerá a facilidade maior ou menor para aprender;
 memória – a retenção da aprendizagem é aspecto essencial à aprendizagem,
pois quando a pessoa precisar de um conhecimento, ela deverá ser capaz de
resgatá-lo da memória, usando os conhecimentos anteriormente adquiridos. No
entanto, quem aprende está sujeito a esquecer o que aprendeu. O esquecimento se
dá por vários motivos: pela fragilidade ou deficiência na aprendizagem, causada por
estudo ineficiente, falta de atenção; pela tentativa de evocação do fato memorizado
por meio de um critério diferente do usado na fixação da aprendizagem; pelo desuso
das informações; por um componente emocional que não permite a memorização da
informação ou a ‘esconde’ no subconsciente.

Fatores que influenciam na aprendizagem:


A aprendizagem é produto de uma interação complexa e contínua entre
hereditariedade e o meio ambiente. Esse processo pode ser influenciado tanto na vida pré-natal
como na vida pós-natal. As causas podem ser inúmeras: químicas, físicas, imunológicas,
infecciosas, familiar, afetivas e socioeconômicas.
Fatores genéticos ou herança:
Os elementos hereditários que influenciam na aprendizagem são chamados de
fatores genéticos e encontram-se na inscrição do programa biológico da pessoa – herança.
Está presente em toda parte: determina o grau de sensibilidade dos órgãos efetores aos
estímulos indutores; condiciona o aparecimento de doenças familiares capazes de prejudica r a
aprendizagem (insônia, depressão, síndrome de down, asma) e ainda pode indiretamente 78
intervir nos fatores ambientais, garantindo maior ou menor resistência do organismo aos
agravos do meio.

Fatores neuroendócrinos:
O hipotálamo é destacado como o local controlador do sistema endócrino. Podemos
considerar o hipotálamo como um centro integrador de mensagens, controlando a função da
glândula hipófise na produção e liberação dos hormônios de todas as glândulas do organismo e
possibilitando à criança explorar seu potencial genético, de desenvolvimento e de aprendizagem.
Neuro-Hormônio Adenocorticotrófico (ACTH): é liberado pelo hipotálamo; sua secreção
acompanha um ritmo circadiano gerado por um ritmo cerebral intrínseco, ligado a alteração de
luz (dia e noite), sono, estresse físico e emocional.

Fatores ambientais
O meio ambiente no qual a pessoa está inserida exerce influências particularmente
poderosas, contribuindo positivamente para a realização do plano genético; ou negativamente,
apresentando obstáculos. O ambiente compreende tanto condições da vida material, estando em
primeiro lugar a alimentação e sua utilização (nutrição), quanto pelo ambiente físico
(socioeconômico, estilo de vida) e o ambiente familiar e cultural, cujo elemento fundamental é
constituído pela relação afetiva primária e o estímulo materno.
Na interação da hereditariedade e do meio ambiente, quando o meio é normal e
favorável pode-se calcular que 80% a 90 % da variabilidade natural da espécie humana, nos
limites da normalidade, se realizam segundo o programa genético pré-determinado, entretanto,
quando o meio é desfavorável e heterogêneo, a hereditariedade pode cair a 60%.
Nutrição
Em relação à alimentação, o leite é a nutrição natural inicial para todos, e a qualidade
desse leite tem condições para satisfazer o potencial genético ao crescimento e à aprendizagem.
A alimentação saudável é a balanceada, com proteína suficiente, além da presença de hidratos
de carbono, gorduras, sais minerais e vitaminas. É preciso ter presente que só o crescimento
consome 40% das calorias fornecidas à criança. 79
Deve-se fornecer energia à criança para atender às necessidades de metabolismo
basal; ação dinâmico-específica dos alimentos; perda calórica pelos excretos; atividade
muscular; crescimento. Para que a aprendizagem também seja beneficiada, a nutrição do
indivíduo deve ser balanceada e saudável. Essa energia é, então, transmitida por meio dos
macronutrientes: vitaminas; proteínas; hidratos do carbono; sais minerais; gorduras.

Dois aspectos relacionados à alimentação que exercem influências:


 a superalimentação – aceleração e envelhecimento precoce do crescimento;
 a subalimentação – quando é global (fornecimento calórico abaixo de 1/3), o
crescimento é bloqueado de forma completa. Quando a sobrevida é possível, se traduz
pelo aspecto clínico de marasmo. Quando se refere especificamente sobre a proteína,
continuando o fornecimento calórico global tolerável, o crescimento estatural é
bloqueado – desnutrição proteica.

Variáveis sócio-econômico-culturais
As variáveis socioeconômicas exercem importante influência: renda per capita, a idade
dos pais, o tamanho da família, condições de habitação e saneamento, escolaridade, higiene;
cultura dos pais (influencia na alimentação da criança).
Dada a melhoria nas condições de vida – tais como a urbanização, melhoria nos
cuidados médicos, maior ingestão alimentar de nutrientes, vestuário menos restritivo, entre
outros fatores –, existe uma forte tendência para que as crianças das gerações que nos
sucedem alcancem uma maturação mais cedo. Essa tendência de aceleração secular pode ser
vista nos estudos de Monteiro (1996), que demonstram que as crianças brasileiras estão
maturando cada vez mais cedo, em todas as classes sociais, onde as regiões Sul e Sudeste do
país são as que mais crescem.
Família e os fatores psicossociais:
Outro aspecto importante, diz respeito ao ambiente familiar, que comporta elementos
diversos, de ordem psicológica particular, mas também de ordem cultural segundo o nível
intelectual, os conhecimentos adquiridos por intermédio dos pais, a herança dos costumes, etc.
Acima de tudo, intervém a relação afetiva precoce da mãe com a criança desde os primeiros
instantes da vida. 80
A qualidade dessa ligação afetiva condiciona em grande parte o relacionamento da
mãe e, consequentemente, a qualidade de sua conduta com a alimentação, proteção física,
estímulo psíquico e cultural da criança. A carência afetiva consiste na falta de carinho e de
solicitação afetiva materna, perturbando ou mesmo impedindo o vínculo mãe e filho,
determinando o aparecimento de uma síndrome complexa com reflexos no seu desenvolvimento
neuropsicomotor, no crescimento e no estado emocional, e por consequência, na aprendizagem.

O professor e o processo de ensino-aprendizagem:


Quando inserido no processo de ensino-aprendizagem (sala de aula), o professor
poderá vir a assumir vários papéis sociais.
A Psicologia da Educação, após longos anos de pesquisa a respeito desse assunto,
identificou alguns papéis claros, assumidos por professores em seu trabalho diário junto a uma
classe de alunos.

Grupo de papéis negativos:


 bode expiatório – sente-se alvo de hostilidades, recusado por seus alunos; perde
sua estabilidade emocional. Requer uma grande dose de segurança interior para
aceitar essa situação e ainda permanecer no posto. Esse professor poderá ter dois
tipos de comportamento: a contra-hostilidade e a necessidade de constante
submissão, para com a vontade de seus alunos para ser aceito;
 inspetor e disciplinador – sente-se o distribuidor e o executor da justiça; valoriza
desempenhos, classifica alunos, promove-os e rebaixa-os. É o grande responsável
pela conduta em sala de aula, faz o papel de inspetor. Julga o certo e o errado,
administrando recompensas e punições.
Grupo de papéis autoritários:
 substituto da autoridade paterna – assume o papel de orientador dos alunos,
orientando a todos de igual maneira. Não é nem paternalista demais, nem rígido
demais. Mantém um bom e equilibrado nível de relações afetuosas com todos;
 fonte de informações – sua função é transferir conhecimentos para os alunos; é
aquele que sabe. Orienta-se em termos acadêmicos em sua abordagem. Forja uma 81
concepção passiva do aluno quando se vê como o único que sabe tudo;
 líder de grupo – professor que se coloca como líder. Pode assumir a liderança do
grupo de duas formas: autocrática ou democrática, ambas envolvem o sistema de
status no grupo;
 cidadão modelo – sua função vai além de transmitir conhecimentos; coloca-se
como mentor moral, ético, social e político de seus alunos. Dá sempre bom exemplo de
comportamento social, utilizando-o para ensinar. Não separa sua vida privada da
profissional.

Grupo de papéis de proteção:


 terapeuta – é um orientador e higienista mental do grupo; responsável pela
prevenção e ajustamento de problemas, além de promotor de um meio favorável à
aprendizagem; aceita as diferenças e promove aulas com atmosfera de aceitação
emocional. Acredita que a experiência pessoal e todos os aspectos da vida afetam a
aprendizagem;
 amigo e confidente – é amigo e caloroso, convidando a todos a confidências e a
participar das dificuldades do grupo. Leva tudo ao plano da amizade pessoal. É
acessível e compreensivo, deixando o aluno contar suas dificuldades e problemas em
um meio neutro. O excesso ocorre quando o professor usufrui satisfação primária à
resposta afetiva do aluno para com ele. Gera-se um conflito entre o papel de professor
e de amigo.
4.8 PSICOLOGIA JURÍDICA

FIGURA 24

82

A Psicologia Jurídica, também chamada de Psicologia Criminal ou Psicologia


Judiciária, consiste na aplicação dos conhecimentos psicológicos ao serviço do Direito.
Dedica-se à proteção da sociedade e à defesa dos direitos do cidadão, por meio da
perspectiva psicológica. Juntamente com a Psicologia Forense, constitui o campo de atuação
da Psicologia conjuntamente com o Direito.
Esse ramo da Psicologia dedica-se às situações que se apresentam sobretudo nos
tribunais e que envolvem o contexto das leis. Desse modo, na Psicologia Jurídica, são tratados
todos os casos psicológicos que podem surgir em contexto de tribunal. Dedica-se ao estudo do
comportamento criminoso.
Clinicamente, tenta construir o percurso de vida do indivíduo criminoso e todos os
processos psicológicos que o possam ter conduzido à criminalidade, tentando descobrir a raiz do
problema, uma vez que só assim se pode partir à descoberta da solução. Descobrindo as causas
das desordens, sejam elas mentais e/ou comportamentais (criminosas, neste caso), também se
pode determinar uma pena justa, tendo em conta que estes casos são muito particulares e assim
devem ser tratados em tribunal.
Essa ciência nasceu da necessidade de legislação apropriada para os casos dos
indivíduos considerados doentes mentais e que tenham cometido atos criminosos, pequenos ou
graves delitos. A doença mental tem que ser encarada a partir de uma perspectiva clínica, mas
também do ponto de vista jurídico.
Um psicólogo formado nessa área tem que dominar os conhecimentos que dizem
respeito à Psicologia em si, mas também tem que dominar os conhecimentos referentes às leis
civis e às leis criminais. Deve ser um bom clínico e possuir um conhecimento pormenorizado da
Psicopatologia. Podem-se encontrar peritos nessa área em instituições hospitalares,
especialmente do tipo psiquiátrico.
A Psicologia Criminal realiza estudos psicológicos de alguns dos tipos mais comuns de 83
delinquentes e dos criminosos em geral, como, por exemplo, os psicopatas. De fato, a
investigação psicológica dessa área da Psicologia apresenta, sobretudo, trabalhos sobre
homicídios e crimes sexuais, talvez devido à sua índole grave e fascinante.

Psicologia Jurídica em linhas gerais:


Como visto anteriormente, o Positivismo ditava as regras da Ciência do final do século
XIX e início do século XX. Contando com expoentes como Durkheim e Comte, transferia o
método das Ciências naturais para as áreas humanas, privilegiando os exames criminológicos,
laudos e testes, itens indispensáveis ao psicodiagnóstico.
Se for realizada uma análise pormenorizada da realidade atual, verificar-se-á que ainda
hoje os exames laboratoriais ainda mantêm o status de científico por ter em seu poder provas
ditas ‘materiais’. Em detrimento de outras avaliações mais subjetivas. Ao psicólogo ainda é
cobrado algo mais concreto, mas como tratar os seres humanos, complexos pela sua própria
essência, com as mesmas técnicas empregadas por aquilo que é exato, quantificável?
Mas era essa a proposta do Positivismo Comteano. A Psicologia Jurídica, nomeada
como Psicologia do Testemunho, era responsável por provar a fidedignidade do relato, ou
testemunho, por intermédio de instrumentos específicos, o que só estimulou ainda mais o
crescimento da Psicologia Experimental. Quem ainda não ouviu falar sobre a máquina que
detecta mentiras?
Era o impulso que faltava para que fossem realizados inúmeros estudos sobre
memória, sensação e percepção, o que aumentou ainda mais a interface entre a Psicologia e o
Direito. Os instrumentos da Psicologia legitimam, de certa forma, as práticas jurídicas,
ratificando, ou não, as suas tomadas de decisão.
Cabe ao psicólogo jurídico, entretanto, não ceder à tentação de atuar como um Juiz
oculto, dono de um saber absoluto e apto a julgar, absolver ou condenar aqueles que lhes
chegarem às mãos. A Psicologia Jurídica acaba por reforçar uma prática repressora e
controladora, característica do Direito, segundo a qual os conflitos não passariam por uma
solução, mas permaneceriam recalcados.
Torna-se, então, fundamental, que a Psicologia aja abrindo uma brecha para que as
práticas jurídicas tenham outro olhar, menos repressivo e mais acolhedor, vigilante das práticas
que privilegiem os direitos humanos.
Cabe ao psicólogo, então, uma atenta observância de que não lhe é dada a função de 84
julgar, ditar normas e regras, regulando a relação do homem com a sociedade e favorecendo
práticas de controle social, mas sim utilizar laudos periciais para favorecer a liberdade e a
solidariedade humana. Atuando de forma o mais flexível possível, sempre para o bem do ser
humano e não para endossar práticas repressivas que favoreçam determinadas partes.
O psicólogo jurídico deve priorizar o bem do ser humano, favorecendo a liberdade e
o devido amparo legal e não reforçar a repressão humana agindo como um ditador que
carimba cada decisão tomada. Faz-se necessário refletir sobre cada ação, redação,
documento e cada decisão. Não cabe ao psicólogo determinar culpados ou inocentes, nem
fazer aquilo que cabe ao juiz: tomar a decisão final em cada processo. Ao psicólogo cabe
apenas auxiliar na tomada de decisão.
É preciso estar atento, pois não existe uma verdade absoluta inteira, mas sempre
parcial e relativa. O psicólogo sempre terá apenas o olhar de um dos prismas da questão, jamais
uma visão total. Cautela é fundamental. O jogo de poder pertence ao mundo jurídico. Não cabe
ao psicólogo assumir posições, seja de defesa ou de acusação, apenas de análise do discurso e
auxílio à reflexão, para a tomada de decisão.
Em um jogo de guarda dos filhos, por exemplo, cabe ao psicólogo não se deixar
seduzir pela tendência jurídica de ceder à mãe o direito do pátrio poder, mas discutir, inclusive,
que os pais também têm perfeita competência para criar bem os seus filhos.
Já são muitos os que questionam em processos o atual sistema de visita domiciliar,
pois desejam uma participação mais ativa junto aos seus filhos.
O desejo desses pais tem gerado mudanças em nossa sociedade e na cultura de
gênero (de que mães foram feitas para cuidar dos filhos e da casa e os pais do trabalho e do
dinheiro), provocando inquietação e novas propostas para o conceito de parentalidade; eles têm
se organizado em instituições, associações ou agremiações para discutir temas pertinentes ao
casamento, divórcio, guarda dos filhos e paternidade.
Grupos de discussão pela internet têm se tornado um veículo de divulgação muito
rápido e eficaz para propagar suas ideias. É nesse sentido que a Psicologia Jurídica e o Direito
devem se manter unidos para analisar a situação e, amparados em suas teorias e práticas,
liberar essa nova geração de pais do antigo enquadre – onde os filhos são das mães e os pais
são apenas os provedores e “visitantes” –, para estabelecer novos conceitos de família e
relacionamento entre pais e filhos. 85
A urgência para rever os laços de parentalidade tem implicações em um fenômeno que
está surgindo no contexto de divórcio e guarda. Em que registros de que falsas denúncias
intencionais de abuso sexual de pais contra seus próprios filhos surgem como um método para
se impedir a visitação e o pedido de guarda.
As falsas denúncias de abuso sexual como um ato deliberado de acusação, seja
motivado por vingança, interesses financeiros distúrbios de caráter ou outros motivos, têm, por
consequência mais imediata, o afastamento das crianças até que o genitor acusado prove sua
inocência.
Em razão do afastamento da criança com o propósito de salvaguardá-la do contato
com o suposto abusador, o pai falsamente acusado teria seu direito à convivência familiar,
normalmente garantido pela Constituição Federal (Art. 227), pelo Código Civil (Art. 1.634, II), e
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Art. 3° e 4°), transgredido.
Para esses pais, o Estado Democrático de Direito passaria a não existir, tendo sua
cidadania e sua dignidade vilipendiadas perante todos. O trabalho do psicólogo, nesses casos,
pode auxiliar e nortear a atuação de advogados, promotores, juízes, por meio da constatação
dos indicadores da situação familiar, reconhecendo a necessidade de uma ação em conjunto
com os demais profissionais na construção de um saber que auxilie a expressão da Justiça.
Permitindo ao juiz aplicar a Lei, dentro dos fins sociais, visando a uma relação democrática, justa
e igualitária (VERANI, op. cit.). Ou prejudicar e alongar o processo por vários anos, sem diminuir
o conflito e a dor dos envolvidos, por meio da restrição de seu exercício profissional à elaboração
de laudos ou pareceres psicológicos, por vezes conclusivos, fechados e, portanto, iatrogênicos.
5 PSICOLOGIA CLÍNICA: CONCEITO

FIGURA 25

86

A Psicologia Clínica se baseia na observação e análise aprofundada de casos


individuais. Criada por volta do final do século XIX, por alguns médicos psiquiatras e
neurologistas que tratavam pacientes com doenças mentais, foi desenvolvida por Freud, médico,
discípulo de Breuer. Eles utilizavam a hipnose como método de cura de tais pacientes.
Segundo a teoria de Breuer, que logo foi incorporada e melhor descrita por Freud, as
doenças mentais provinham de conflitos que estavam localizados na mente da pessoa, e não
necessariamente de problemas biológicos. Breuer acreditava que, por meio da hipnose, a pessoa
poderia driblar censuras que a impediriam de lembrar certos fatos (os traumas), e assim melhorar
sua ideia de tais, ou vivenciar experiências. Freud depois descreveu esse estado como catarse.
Freud discordava quanto à eficiência da hipnose, e em contrapartida desenvolveu a técnica da livre
associação. Foi aí que a Psicologia Clínica nasceu, porque trouxe a cura pela palavra.
A Psicologia Clínica cresceu desde então. O advento da Psicanálise abriu um
abrangente campo para novas teorias, como a Psicologia Analítica, de Gustav Jung, discípulo de
Freud.
Hoje em dia, existem muitas linhas de pensamento em Psicologia: as mais famosas são
a Psicanálise, a Psicologia Analítica, a Análise do Comportamento ou Behavorismo de Skinner e a
Fenomenologia. Esta última nasceu dos pensamentos de Sartre, Husserl, e tem seus expoentes na
Psicologia representados por Rollo May (existencialista) e Fritz Pearls (Gestalt -terapia).
É frequente o desconhecimento que, por vezes, se verifica relativamente à pessoa e
ao papel do psicólogo clínico e de outros técnicos de saúde mental denominados, comumente, 87
de “Psis”.
Se depararmos com técnicos de saúde com modelos de intervenção diferentes e bem
delimitados tanto na forma como em conteúdo, torna-se premente distingui-los, para que a
procura por cuidados em saúde mental seja, à partida, informada e racional.
Sem querer minimizar a importância (bem como o dever ético e deontológico que lhe
está subjacente) da indicação para um técnico de outra especialidade, quando a situação assim
o exige, será benéfico para o funcionamento da saúde enquanto sistema. No qual a pessoa
esteja suficientemente informada quanto ao tipo de ajuda disponível para que, logo de início,
procure o tipo de intervenção adequada à situação.
Importa, então, clarificar determinados aspectos inerentes à prática do psicólogo
enquanto técnico de saúde, e diferenciá-lo de outros intervenientes neste âmbito. Não cabe aqui
uma descrição pormenorizada da especificidade de outras áreas de intervenção no campo da
saúde mental.
No entanto, importa realçar a sobreposição que, com frequência, se verifica, quer ao
nível de entidades quer de metodologias, com outro técnico de saúde: o psiquiatra. Esse
profissional segue um modelo médico, próprio da formação que obteve: o indivíduo tem o “mal”
para o qual existe o “remédio” que "cura".
Trata-se de um modelo amplamente adotado, difundido e enraizado, quer pela longa
idade da medicina enquanto ciência quer pelos valores sociais e políticos vigentes, amparados
quer por interesses econômicos de algumas indústrias quer por movimentos científicos mais
conservadores que se constituem como grupos de influência e que possibilitam a manutenção da
performance desse tipo de modelo.
Historicamente mais recente, a Psicologia possui o seu quadro de referência,
constituindo-se como ciência autônoma com objeto, metodologia e estatuto epistemológico
próprios. Apesar disso, ainda é confundida com outras ciências com as quais compartilha alguns
aspectos metodológicos ou o mesmo objeto de estudo.
Se assim acontece um pouco em todas as áreas da Psicologia, mais se verifica essa
situação no campo da saúde. O próprio conceito de “Psicologia Clínica” torna-se por vezes
ambíguo. O termo “clínico” é referente ao indivíduo que está de cama, como referência ao
indivíduo que está doente.
No entanto, atitude clínica não é uma atitude médica. A Psicologia Clínica entende os
fenômenos psíquicos não em um antagonismo saúde-doença, mas antes como sendo a 88
expressão possível (para o indivíduo) de diferentes processos psicológicos socialmente
contextualizados. Ou seja, relativiza a noção de “mal”, “remédio” e de “cura”. O ato clínico não é
necessariamente um ato médico.
Ao abordar o indivíduo que procura ajuda, o psicólogo clínico intervém
contextualizando a problemática em questão. É essa contextualização que confere significado,
originalidade e individualidade ao problema.
Deixamos de estar perante aquele discurso factual, e por vezes redutor, do “mal”, do
“remédio” e da “cura” para passarmos a aceder aos fenômenos por outro caminho. O real vê
agora o seu interesse diminuído em detrimento da verdade individual.
Movimentam-se as peças de um “jogo de xadrez” assentes em um tabuleiro que já não
é o da realidade direta, mas antes da percepção, do simbolismo e da representação individual
dessa realidade. Entramos no campo da relação, do imaginário e da comunicação. Assim, tanto
aquilo que é verbalizado como aquilo que é transmitido de um modo não verbal é susceptível de
ser entendido e enquadrado em um contexto específico.
O discurso do indivíduo é o portal de acesso ao seu interior. Esse discurso é
“decifrado” na relação estabelecida entre o psicólogo, o cliente é quem faz o pedido para a
consulta. O pedido de ajuda é, por si só, revelador. A intervenção da Psicologia Clínica
reporta-se, pois, a uma metalinguagem.
Na sua intervenção social, o psicólogo clínico demarca-se significativamente de outros
profissionais de saúde mental, não tanto ao nível da prática (já que o objeto de estudo, bem
como a relação epistemológica em questão coexiste, por vezes, com outras áreas do saber).
Mas antes, ao nível do método e do paradigma de referência. Como disse, um dia, um
determinado psicólogo: “Não será demais pedir a um psicólogo clínico que use o Rorschach
(prova de avaliação psicológica) com a competência com que um médico usa o estetoscópio”.
Então, o que o psicólogo faz?
Você deve estar se perguntando a razão de estudar os vários campos de atuação do
psicólogo, se o curso é sobre Psicologia Clínica. É que todas essas demandas aparecem no
consultório de Psicologia e é dever do psicólogo conhecer sobre cada uma delas, encaminhando
a outro profissional de Psicologia apenas quando o caso exigir um conhecimenbto mais
aprofundado. 89
O psicólogo age em diversas áreas e é importante entender primeiramente onde e
como se forma o conhecimento da ciência “Psicologia”: a área científica. O psicólogo, em sua
graduação, aprende a pesquisar novos caminhos a partir de dados já existentes; forma opiniões
convergentes ou divergentes, podendo ser na forma de crítica ou avanço em uma determinada
pesquisa; monta estudos com bases em experimentos, observação, estudos de casos, análises
neurológicas e farmacológicas, além de estudar em grupos multidisciplinares vários outros
conteúdos (mostrados a seguir).
As áreas mais conhecidas dessa criação científica são, como já vimos, entre outras, a
Psicologia Social, a Psicometria, a Psicologia Experimental (nisto englobando a linha
comportamental), a Psicologia do Desenvolvimento, a Psicologia Metafísica, a Neuropsicologia,
a Psicopatologia. Esses estudos criam teorias que são utilizadas na Psicologia Aplicada, que
como o nome diz, é a aplicação dos construtos teóricos em áreas específicas.
A Psicologia Social estuda os movimentos sociais. Essa Psicologia Aplicada está
inserida nos mais diversos campos da sociedade, resolvendo problemas práticos, sendo a área
clínica a mais famosa. É importante, também, saber que essa Psicologia Aplicada pode criar
constructos científicos, que é o caso de Sigmund Freud, Carl R. Rogers, Carl Gustav Jung, na
Psicologia Clínica, além de Kurt Lewin e J. L. Moreno, de outras áreas.
Além da clínica, o psicólogo aplicado trabalha em escolas, empresas (treinamento, R. H.,
grupos, terapia individual), nas terapias de grupos, na criminologia, nas academias de esportes,
nos clubes esportivos, nas propagandas (marketing, venda de produto, com o uso da gestalt), nos
hospitais (em terapias breves, ou psico-oncologia) e no tratamento de adicção (pela entrevista
motivacional).
Essas duas áreas, a de produção científica e a Psicologia Aplicada, são práticas
aceitas pelos Conselhos de Psicologia. Porém, o psicólogo não pode medicar fármacos para
um cliente, nem quebrar o sigilo deste sem seu consentimento (há casos onde essa quebra de
sigilo é possível, como no caso de alguém que pode pôr em risco a vida de outra pessoa, ou a
sua própria).
O terapeuta não pode utilizar métodos que não estejam em estudo científico, aprovado
pelo Conselho, como utilizar florais de Bach, regressão a vidas passadas, homeopatia, terapia
bioenergética, entre outros. Ao usar esses métodos, o terapeuta é proibido de utilizar o título de
psicólogo. 90
A acupuntura e a hipnose são as únicas práticas complementares regulamentadas e
aceitas pelo Conselho de Psicologia, mas a utilização dessas práticas deve atender a normas de
conduta ética estipuladas pelo Conselho de Psicologia.

Necessidades da multidisciplinaridade:
A Psicologia nasceu de estudos filosóficos e fisiológicos, portanto carrega traços
destes dois tipos de conhecimento. Atualmente, ela incorporou outros conhecimentos ao seu
próprio, trabalhando lado a lado com estes, é o caso da Psicologia Social, por exemplo, que
trabalha com bases teóricas de sociólogos, antropólogos, teólogos e filósofos, tais como Auguste
Comte, Michel Foucault, entre outros. O próprio Carl Gustav Jung trabalha com trabalhos
antropológicos, podendo traçar as diferentes culturas com símbolos em comum.
A Psicologia Comunitária faz trabalho em campo, junto a assistentes sociais terapeutas
ocupacionais. Os conhecimentos dessas áreas se fundem.
A Psicologia Jurídica trabalha com funcionários do Direito (advogados, juízes,
desembargadores), assim como os Psicólogos Hospitalares trabalham com médicos,
enfermeiros, enfim, com outros agentes promotores de saúde. Há, também, a área da
psicopedagogia, que trabalha com conteúdos da Pedagogia no campo da aprendizagem.
Algumas áreas da Psicologia, como a Psicologia Transpessoal e, em partes, a
Psicologia Analítica, necessitam de estudos em Física e Metafísica para que possam se tornar
conhecimentos amplos acerca do ser humano, seja em analogias, seja em estudos sobre
eventos parapsicológicos, sendo que esses estudos são recentes e não se constituem
plenamente como ciência psicológica.
Tanto as áres alheias da Psicologia citadas, quanto a própria Psicologia, precisam
trabalhar unidas, quando tratam de interesses em comum, os conhecimentos se cruzam, e
aumentam, e é possível que existam diferentes pontos de vista em constante diálogo.
Comitês de Bioética trazem esta multidisciplinaridade, agindo sobre problemas
corriqueiros e controversos. Estes comitês são formados por muitas outras correntes do
conhecimento, além do psicólogo. São médicos, enfermeiros, advogados, fisioterapeutas, físicos,
teólogos, pedagogos, farmacêuticos, engenheiros, terapeutas ocupacionais e pessoas da
comunidade onde o comitê está inserido. Eles decidem aspectos importantes sobre tratamento
médico, psicológico, entre outros. 91
6 CONCEITO DE SAÚDE

FIGURA 26

92

Seria possível compreender bem o que significa e o que representa transtorno


psicológico sem ter o entendimento prévio do que significaria saúde?
A definição mais conhecida de saúde é a encontrada na Constituição da Organização
Mundial de Saúde (OMS), ou seja, aquela que se propõe a considerá-la um completo bem-estar
físico, mental e social e não apenas ausência de doença.
Seria possível ser portador de um completo bem-estar? Dentro dessa perspectiva, até
parece que para ter saúde é necessário viver em outro planeta e não habitar aquele a que
aprendemos a denominar Terra. O conceito de saúde é cada vez mais relativo e suas
discussões atrelam esse bem a outras dimensões do bem-viver humano como saneamento
básico, lazer e acesso à educação e cultura, por exemplo.
O certo é que a percepção de saúde varia muito entre as diferentes culturas, assim
quanto às crenças sobre o que traz ou retira a saúde. A OMS define ainda a Engenharia
Sanitária como sendo um conjunto de tecnologias que promovem o bem-estar físico, mental e
social. Sabe-se que sem o saneamento básico (sistemas de água, de esgotos sanitários e de
limpeza urbana) a saúde pública fica completamente prejudicada.
A OMS reconhece ainda que a cada unidade monetária (dólar, euro, real, etc.)
dispendida em saneamento economiza-se cerca de quatro a cinco unidades em sistemas de
saúde (postos, hospitais, tratamentos, etc.) e que cerca de 80% das doenças mundiais são
causadas por falta de água potável suficiente para atender as populações. Portanto, a saúde 93
deve ser entendida em sentido mais amplo, como componente da qualidade de vida (WOOD;
COHEN, 2007).
Assim, não é um “bem de troca”, mas um “bem comum”, um bem e um direito social,
em que cada um e todos possam ter assegurado o exercício e a prática do direito à saúde. A
partir da aplicação e utilização de toda a riqueza disponível, conhecimentos e tecnologia
desenvolvidos pela sociedade nesse campo, adequados às suas necessidades, abrangendo
promoção e proteção da saúde, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças.
Em outras palavras, considerar esse bem e esse direito como componente e exercício da
cidadania, que é um referencial e um valor básico a ser assimilado pelo Poder Público. Para o
balizamento e orientação de sua conduta, decisões, estratégias e ações.
A partir daí, deve-se perguntar: afinal, o que significa esse processo saúde-doença e
quais suas relações com a saúde e com o sistema de serviços de saúde? Em síntese, em
termos da determinação causal, pode-se dizer que ele representa o conjunto de relações e
variáveis que produz e condiciona o estado de saúde e doença de uma população, que se
modifica em diversos momentos históricos e do desenvolvimento científico da humanidade.
Assim, houve a teoria mística sobre a doença, que os antepassados julgavam como um
fenômeno sobrenatural, ou seja, ela estava além da sua compreensão do mundo, superada
posteriormente pela teoria de que a doença era um fato decorrente das alterações ambientais no
meio físico e concreto que o homem vivia. Em seguida, surge a teoria dos miasmas (gazes), que
vai predominar por muito tempo. Até que, com os estudos de Louis Pasteur, na França, entre
outros, vem a prevalecer a “teoria da unicausalidade”, com a descoberta dos micróbios (vírus e
bactérias) e, portanto, do agente etiológico, ou seja, aquele que causa a doença.
Devido à sua incapacidade e insuficiência para explicar a ocorrência de uma série de
outros agravos à saúde do homem, essa teoria é complementada por uma série de
conhecimentos produzidos pela epidemiologia, que demonstra a multicausalidade como
determinante da doença e não apenas a presença exclusiva de um agente.
Finalmente, uma série de estudos e conhecimentos provindos principalmente da
epidemiologia social nos meados deste século esclarece melhor a determinação e a ocorrência
das doenças em termos individuais e coletivos. O fato é que se passa a considerar saúde e
doença como estados de um mesmo processo, composto por fatores biológicos, econômicos,
culturais e sociais.
Deve-se ressaltar ainda o recente e acelerado avanço que se observa no campo da 94
Engenharia Genética e da Biologia Molecular, com suas implicações tanto na perspectiva da
ocorrência como da terapêutica de muitos agravos. Desse modo, surgiram vários modelos de
explicação e compreensão da saúde, da doença e do processo saúde-doença, como o modelo
epidemiológico baseado nos três componentes: agente, hospedeiro e meio, considerados como
fatores causais, que evoluiu para modelos mais abrangentes, como o do campo de saúde, com o
envolvimento do ambiente (não apenas o ambiente físico), estilo de vida, biologia humana e
sistema-serviço de saúde, em uma permanente inter-relação e interdependência.
Alguns autores questionam esse modelo, ressaltando, por exemplo, que o “estilo de
vida” implicaria uma opção e conduta pessoal voluntária, o que pode não ser verdadeiro, pois
pode estar condicionado a fatores sociais, culturais, entre outros. De qualquer modo, o
importante é saber e reconhecer essa abrangência e complexidade causal: saúde e doença não
são estados estanques, isolados, de causa aleatória – não se está com saúde ou doença por
acaso. Há uma determinação permanente, um processo causal, que se identifica com o modo de
organização da sociedade. Daí se dizer que há uma “produção social da saúde e/ou da doença”.
Em última instância, como diz Breilh, “o processo saúde-doença constitui uma
expressão particular do processo geral da vida social”. Outro nível de compreensão que se há de
ter em relação ao processo saúde-doença é o conceito do que é ser ou estar doente ou o que é
ser ou estar saudável.
Sem aprofundar as grandes discussões sobre esse tema, que envolvem entre outras,
como base de discussão preliminar e compreensão, as categorias da “representação dos
indivíduos” e a “representação dos profissionais” ou mesmo das instituições de saúde. Em um
sentido mais pragmático pode-se destacar que em toda população há indivíduos sujeitos a
fatores de risco para adoecer com maior ou menor frequência e com maior ou menor gravidade.
Além do que, há diferenças de possibilidades entre eles de “produzir condições para sua saúde”
e ter acesso aos cuidados no estado da doença.
Há, portanto, grupos que exigem ações e serviços de natureza e complexidade
variada. Isso significa que o objeto do sistema de saúde deve ser entendido como as condições
de saúde das populações e seus determinantes, ou seja, o seu processo de saúde-doença.
Visando produzir progressivamente melhores estados e níveis de saúde dos indivíduos e das
coletividades, atuando articulada e integralmente nas prevenções primária, secundária e
terciária, com redução dos riscos de doença, sequelas e óbito. 95
Desse modo, há que se compreender outra dimensão, que é aquela que coloca o
processo de intervenção, por meio de um sistema de cuidados para a saúde, para atender as
necessidades, demandas, aspirações individuais e coletivas, como, um processo técnico,
científico e político. É político no sentido de que se refere a valores, interesses, aspirações e
relações sociais e envolve a capacidade de identificar e privilegiar as necessidades de saúde
individuais e coletivas. Resultantes daquele complexo processo de determinação e acumular
força e poder para nele intervir, incluindo a alocação e garantia de utilização dos recursos
necessários para essa intervenção.
É técnico e científico no sentido de que esse saber e esse fazer em relação à saúde-
doença da população não devem ser empíricos, mas podem e devem ser instrumentalizados
pelo conhecimento científico e desenvolvimento tecnológico, pelo avanço e progresso da ciência.
Portanto, o saber e o fazer em relação à saúde da população mediante um sistema de
saúde é uma tarefa que implica a concorrência de várias disciplinas do conhecimento humano. E
a ação das diversas profissões da área de saúde, bem como ação articulada entre os diversos
setores, que é requerimento para a produção de saúde.
E aquela dimensão política inerente a esse processo social remete para a necessidade
de satisfazer outro requerimento, próprio dos processos políticos democráticos, que é a
participação social, ou seja, a participação ativa da população na formulação, desenvolvimento e
acompanhamento das políticas e dos sistemas de saúde. Que hoje, no Sistema Único de Saúde
(SUS), está minimamente estabelecida nos conselhos de saúde (nacional, estadual e municipal)
e conferências de saúde.
7 SAÚDE MENTAL

FIGURA 27

96

O conceito de saúde mental deve envolver o homem no seu todo biopsicossocial


(biológico, psicológico e social), o contexto social em que está inserido assim como a fase de
desenvolvimento em que se encontra. Nesse sentido, podemos considerar a saúde mental como
um equilíbrio dinâmico que resulta da interação do indivíduo com os seus vários ecossistemas: O
seu meio interno e externo; as suas características orgânicas e os seus antecedentes pessoais e
familiares (BENEDITO, 1975).
Em uma abordagem à influência de fatores sociais na saúde mental, foi referido que a
saúde mental deixou de ser a ausência de doença, problemas mentais e psíquicos, mas sim a
percepção e consciência dessas condições, e a possibilidade pessoal e/ou coletiva de solucioná-
las, de modificar e de intervir sobre elas (URIBE VASCO et al., 1994).
8 DEFICIÊNCIA MENTAL

FIGURA 28

97

A partir do século XX, começou-se a estabelecer uma definição para o deficiente


mental; e essa definição diz respeito ao funcionamento intelectual, que seria inferior à média
estatística das pessoas e, principalmente, em relação à dificuldade de adaptação ao entorno.
(DSM-IV, CID 10).
Segundo a descrição do DSM. IV, a característica essencial do retardo mental é
quando a pessoa tem um “funcionamento intelectual significativamente inferior à média,
acompanhado de limitações significativas no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das
seguintes áreas de habilidades: comunicação, autocuidados, vida doméstica, habilidades sociais,
relacionamento interpessoal, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades
acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança”.
Essa é também a definição de deficiência mental adotada pela Associação Americana
de Deficiência Mental (AAMR). Na deficiência mental, como nas demais questões da saúde
mental, a capacidade de adaptação do sujeito ao objeto, ou da pessoa ao mundo, é o elemento
mais fortemente relacionado à noção de normalidade. Teoricamente, deveriam ficar em segundo
plano as questões mensuráveis de Coeficiente de Inteligência (QI) já que a unidade de
observação é a capacidade de adaptação.
Acostumamos a pensar na deficiência mental como uma condição em si mesma, um
estado patológico bem definido. Entretanto, na grande maioria das vezes a deficiência mental é
uma condição mental relativa.
A deficiência será sempre relativa em relação aos demais indivíduos de uma mesma
cultura, pois a existência de alguma limitação funcional, principalmente nos graus mais leves,
não seria suficiente para caracterizar um diagnóstico de deficiência mental, se não existir um 98
mecanismo social que atribua a essa limitação um valor de morbidade. E esse mecanismo social
que atribui valores é sempre comparativo, portanto, relativo.
Como vimos nas definições acima, deficiência mental é um estado onde existe uma
limitação funcional em qualquer área do funcionamento humano, considerada abaixo da
média geral das pessoas pelo sistema social onde se insere a pessoa. Isso significa que
uma pessoa pode ser considerada deficiente em uma determinada cultura e não deficiente em
outra, de acordo com a capacidade dessa pessoa satisfazer as necessidades dessa cultura. Isso
torna o diagnóstico relativo.
Segundo critérios das classificações internacionais, o início da deficiência mental deve
ocorrer antes dos 18 anos, caracterizando assim um transtorno do desenvolvimento e não uma
alteração cognitiva como é a demência. Embora o assunto comporte uma discussão mais ampla,
de modo acadêmico, o funcionamento intelectual geral é definido pelo Quociente de Inteligência
(QI ou equivalente).

8.1 CLASSIFICAÇÕES DA DEFICIÊNCIA MENTAL

A deficiência mental se caracteriza assim, por um funcionamento global inferior à


média, junto com limitações associadas em duas ou mais das seguintes habilidades adaptativas:
comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização da comunidade, saúde e
segurança, habilidades escolares, administração do ócio e trabalho. Para o diagnóstico é
imprescindível que a deficiência mental se manifeste antes dos 18 anos. As áreas de
necessidades dos deficientes devem ser determinadas por meio de avaliações neurológicas,
psiquiátricas, sociais e clínicas e nunca em uma única abordagem de diagnóstico.
Tipo de classificação baseada na intensidade dos apoios necessários:
 intermitente – o apoio se efetua apenas quando necessário. Caracteriza-se por
sua natureza episódica, ou seja, a pessoa nem sempre está precisando de apoio
continuadamente, mas durante momentos em determinados ciclos da vida, como por
exemplo, na perda do emprego ou fase aguda de uma doença. Os apoios intermitentes
podem ser de alta ou de baixa intensidade; 99
 limitado – apoios intensivos caracterizados por alguma duração contínua, por
tempo limitado, mas não intermitente. Nesse caso incluem-se deficientes que podem
requerer um nível de apoio mais intensivo e limitado, como por exemplo, o treinamento
do deficiente para o trabalho por tempo limitado ou apoios transitórios durante o
período entre a escola, a instituição e a vida adulta;
 extenso – trata-se de um apoio caracterizado pela regularidade, normalmente
diário pelo menos em alguma área de atuação, tais como na vida familiar, social ou
profissional. Nesse caso, não existe uma limitação temporal para o apoio, que
normalmente se dá em longo prazo;
 generalizado – é o apoio constante e intenso, necessário em diferentes áreas de
atividade da vida. Esses apoios generalizados exigem mais pessoal e maior
intromissão que os apoios extensivos ou os de tempo limitado.

Ainda baseada na capacidade funcional e adaptativa dos deficientes, existe outra


classificação bastante interessante para a deficiência mental. Trata-se da seguinte:
 dependentes – geralmente QI abaixo de 25; casos mais graves, nos quais é
necessário o atendimento por instituições. Há poucas, pequenas, mas contínuas
melhoras quando a criança e a família estão bem assistidas;
 treináveis – QI entre 25 e 75; são crianças que se colocadas em classes
especiais poderão treinar várias funções, como disciplina, hábitos higiênicos, etc.
Poderão aprender a ler e a escrever em ambiente sem hostilidade, recebendo muita
compreensão e afeto e com metodologia de ensino adequada;
 educáveis – QI entre 76 e 89; a inteligência é dita “limítrofe ou lenta” e essas
crianças podem permanecer em classes comuns, embora necessitem de
acompanhamento psicopedagógico especial.
Essa classificação bastante simples é extremamente importante na prática clínica, pois
sugere o que pode ser proporcionado à criança com deficiência mental.
Por outro lado, a classificação CID.10, da Organização Mundial da Saúde (OMS), é
baseada ainda no critério quantitativo. Por essa classificação a gravidade da deficiência seria:
 profunda – são pessoas com uma incapacidade total de autonomia. As que têm
um coeficiente intelectual inferior a 10, inclusive aquelas que vivem em um nível 100
vegetativo;
 aguda grave – fundamentalmente necessitam que se trabalhe para instaurar
alguns hábitos de autonomia, já que há probabilidade de adquiri-los. Sua capacidade
de comunicação é muito primária. Podem aprender de uma forma linear, são crianças
que necessitam revisões constantes;
 moderada – o máximo que podem alcançar é o ponto de assumir um nível pré-
operativo. São pessoas que podem ser capazes de adquirir hábitos de autonomia e,
inclusive, podem realizar certas atitudes bem-elaboradas. Quando adultas podem
frequentar lugares ocupacionais, mesmo que sempre estejam necessitando de
supervisão;
 leve – são casos perfeitamente educáveis. Podem chegar a realizar tarefas mais
complexas com supervisão. São os casos mais favoráveis.
9 TRANSTORNO MENTAL

Durante séculos as pessoas com sofrimento mental foram afastadas do resto da


sociedade, algumas vezes encarceradas, em condições precárias, sem direito a se manifestar na
condução de suas vidas. Hoje em dia, as atitudes negativas as afastam da sociedade de 101
maneiras mais sutis, mas com a mesma efetividade. Você provavelmente conhece alguém que
tem problemas mentais.
Transtornos mentais como a ansiedade, depressão, distúrbios alimentares, uso de
drogas e álcool, demência e esquizofrenia, podem afetar qualquer pessoa em qualquer época da
sua vida. Na realidade, eles podem causar mais sofrimento e incapacidade que qualquer outro
tipo de problema de saúde.
Apesar disso, pessoas com essas condições, muitas vezes atraem medo, hostilidade e
desaprovação em vez de compaixão, apoio e compreensão. Tais reações não somente influem
para que se sintam isoladas e infelizes, como são impedimentos para que busquem ajuda efetiva
e tratamento. A saúde mental é componente chave de uma vida saudável.
O termo “doença mental” ou transtorno mental engloba um amplo espectro de
condições que afetam a mente. Doença mental provoca sintomas tais como desconforto
emocional, distúrbio de conduta e enfraquecimento da memória. Algumas vezes, doenças em
outras partes do corpo afetam a mente; outras vezes, desconfortos, escondidos no fundo da
mente, podem desencadear outras doenças do corpo ou produzir sintomas somáticos.
Um grande espectro de fatores – nosso mapa genético, química cerebral, aspectos do
nosso estilo de vida – podem causar algum tipo de transtorno mental. Acontecimentos que nos
acometeram no passado e nossas relações com as outras pessoas participam de alguma forma.
Seja qual for a causa, a pessoa que desenvolve a “doença mental” ou o transtorno mental, muitas
vezes se sente em sofrimento, desesperançada e incapaz de levar sua vida na sua plenitude.
Existem muitos tratamentos efetivos para a doença mental. Eles podem incluir
medicamentos e outros tratamentos físicos, ou tratamentos pela fala (psicoterapias) de várias
espécies, aconselhamento e/ou apoio no dia a dia da vida em diferentes formas. Diferentes
profissionais da saúde podem estar envolvidos na assistência da pessoa que está mentalmente
enferma: clínicos gerais, psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais,
assistentes sociais e grupos de apoio voluntários, dentre outros.
As causas do sofrimento mental são complexas e os psicólogos, assim como outros
profissionais da saúde mental não têm todas as respostas. Sabe-se que alguns aspectos da
doença mental, tais como ansiedade, desespero e sentimentos suicidas, nem sempre são fáceis
de serem tratados, pois envolvem âmbitos dos mais diversos da existência humana.
Na Antiga Grécia, sinais corporais ou stigmata, feitos por cortes ou queimaduras no
corpo, marcavam as pessoas como diferentes. Pessoas com doença mental há muito não são 102
marcadas no corpo, mas atitudes críticas e prejudiciais podem ser tão danosas quanto as
marcas corporais. Basta abrir um jornal, ligar a TV ou ir ao cinema para perceber tais atitudes.
Enquanto a mídia não aceitar essas queixas pelas percepções negativas, toda vez que
um programa, artigo ou filme retrata um estereótipo ou falha em esclarecer um mal entendido
sobre doença mental, ela auxilia na manutenção de mitos.
Os estigmas podem surgir por diferentes caminhos. As pessoas com sofrimento mental
podem agir de forma diferente. Uma pessoa deprimida pode se apresentar triste ou apática;
alguém na fase maníaca da doença bipolar pode parecer exageradamente feliz ou irritável.
O problema é que quando alguém é marcado como diferente, é difícil para ele ser
aceito, não importa o quanto ele tente. Ele não consegue afastar o estigma e o resultado disso,
pois perde a confiança em si mesmo. Com o tempo, começa a se sentir como estranho e que
não se enquadra na vida.
Pessoas com transtornos mentais ou doenças mentais continuam a ser prejudicadas e
discriminadas em todas as áreas de suas vidas, desde onde encontrar um lugar para viver,
encontrar um trabalho. Não é surpreendente que muitas pessoas com doença mental grave
terminem pobres ou sem teto.
Cabe a todos nós tomarmos conhecimento do dano que provocamos com nossas
atitudes negativas e nossa colaboração para isolá-las. Seja quem formos e seja o que fazemos,
nós podemos combater os efeitos danosos do estigma estendendo nossa amizade, apoio e
compreensão em vez do nosso julgamento e discriminação, para as pessoas que estão
mentalmente doentes.
Descrever pessoa com doença mental como “louca”, “esquisita”, “pinel” “lunática”, a
diminui como pessoa a não ser levada seriamente ou com a percepção que ela é perigosa pode
excluí-la das atividades do dia a dia. Muitas pessoas acreditam que doença mental é incurável.
Elas podem até ver certos tratamentos, como com antidepressivos ou psicoterapias, como sem
valor ou mesmo danosos, mesmo que em muitos casos tenham se mostrado efetivos.
O fato é que cientistas estão fazendo progressos no desvendamento da estrutura e
química do cérebro. Como consequência tem-se melhor compreensão da mente e com ela
funciona. Entretanto, a doença mental tem muitas causas. Ela não é apenas uma questão de
química alterada e envolve questões sociais, emocionais, cognitivas e físicas.

103
10 PRINCIPAIS TRANSTORNOS MENTAIS

10.1 DEPRESSÃO

104
FIGURA 29

Depressão é uma palavra frequentemente usada para descrever nossos sentimentos.


Todos se sentem angustiados de vez em quando, ou muito alegres às vezes e tais sentimentos
são normais. A depressão, enquanto evento psiquiátrico é algo bastante diferente: é uma doença
como outra qualquer que exige tratamento.
Muitas pessoas pensam estar ajudando um amigo deprimido ao incentivarem ou
mesmo cobrarem tentativas de reagir, distrair-se, de se divertir para superar os sentimentos
negativos. Os amigos que agem dessa forma fazem mais mal do que bem, são incompreensivos
e talvez até egoístas. O amigo que realmente quer ajudar procura ouvir quem se sente deprimido
e no máximo aconselhar ou procurar um profissional quando percebe que o amigo deprimido não
está só triste.
Uma boa comparação que podemos fazer para esclarecer as diferenças conceituais
entre a depressão psiquiátrica e a depressão normal seria comparar com a diferença que há
entre clima e tempo. O clima de uma região ordena como ela prossegue ao longo do ano por
anos a fio. O tempo é a pequena variação que ocorre para o clima da região em questão.
O clima tropical exclui incidência de neve. O clima polar exclui dias propícios a banho
de sol. Nos climas tropicais e polares haverá dias mais quentes, mais frios, mais calmos ou com
tempestades, mas tudo dentro de uma determinada faixa de variação.
O clima é o estado de humor e o tempo as variações que existem dentro dessa faixa.
O paciente deprimido terá dias melhores ou piores, assim como o não deprimido. Ambos terão
suas tormentas e dias ensolarados, mas as tormentas de um, não se comparam às tormentas do 105
outro, nem os dias de sol de um, se comparam com os dias de sol do outro. Existem
semelhanças, mas a manifestação final é muito diferente. Uma pessoa no clima tropical ao ver
uma foto de um dia de sol no polo sul tem a impressão de que estava quente e que até se
poderia tirar a roupa para se bronzear.
Esse tipo de engano é o mesmo que uma pessoa comete ao comparar as suas fases
de baixo astral com a depressão psiquiátrica de um amigo. Ninguém sabe o que um deprimido
sente, só ele mesmo e talvez quem tenha passado por isso. Nem o psiquiatra sabe: ele
reconhece os sintomas e sabe tratar, mas isso não faz com que ele conheça os sentimentos e o
sofrimento do seu paciente.
Os sintomas da depressão são muito variados, indo desde as sensações de tristeza,
passando pelos pensamentos negativos até as alterações da sensação corporal como dores e
enjoos. Contudo, para se fazer o diagnóstico é necessário um grupo de sintomas centrais:
 perda de energia ou interesse;
 humor deprimido;
 dificuldade de concentração;
 alterações do apetite e do sono;
 lentificação das atividades físicas e mentais;
 sentimento de pesar ou fracasso.
Os sintomas corporais mais comuns são sensação de desconforto no batimento
cardíaco, constipação, dores de cabeça, dificuldades digestivas. Períodos de melhora e piora
são comuns, o que cria a falsa impressão de que se está melhorando sozinho, quando durante
alguns dias o paciente sente-se bem. Geralmente tudo se passa gradualmente, não
necessariamente com todos os sintomas simultâneos, aliás, é difícil ver todos os sintomas
juntos.
Até que se faça o diagnóstico, praticamente todas as pessoas possuem explicações
para o que está acontecendo com elas, julgando sempre ser um problema passageiro.
Outros sintomas que podem vir associados aos sintomas centrais são:
 pessimismo;
 dificuldade de tomar decisões;
 dificuldade para começar a fazer suas tarefas;
 irritabilidade ou impaciência;
 inquietação; 106
 achar que não vale a pena viver, desejo de morrer;
 chorar à toa;
 dificuldade para chorar;
 sensação de que nunca vai melhorar, desesperança;
 dificuldade de terminar as coisas que começou;
 sentimento de pena de si mesmo;
 persistência de pensamentos negativos;
 queixas frequentes;
 sentimentos de culpa injustificáveis;
 boca ressecada, constipação, perda de peso e apetite, insônia, perda do desejo
sexual.
Basicamente, existem as depressões monopolares (esse não é um termo usado
oficialmente) e a depressão bipolar (esse termo é oficial). O transtorno afetivo bipolar se
caracteriza pela alternância de fases deprimidas com maníacas, de exaltação, alegria ou
irritação do humor. A depressão monopolar só tem fases depressivas.
Os sintomas depressivos apesar de muito comuns são pouco detectados nos
pacientes de atendimento em outras especialidades, o que permite o desenvolvimento e
prolongamento desse problema, comprometendo a qualidade de vida do indivíduo e sua
recuperação. Anteriormente, estudos associaram o fumo, a vida sedentária, obesidade, ao maior
risco de doença cardíaca. Agora, pelas mesmas técnicas, associa-se sintoma depressivo com
maior risco de desenvolver doenças cardíacas. A doença cardíaca mais envolvida com os
sintomas depressivos é o infarto do miocárdio.
Também não se pode concluir apressadamente que depressão provoca infarto, não é
assim. Nem todo obeso, fumante ou sedentário enfarta. Essas pessoas enfartam mais que as
pessoas fora desse grupo, mas a incidência não é de 100%. Da mesma forma, a depressão
aumenta o risco de infarto, mas em uma parte dos pacientes. Está sendo investigado.
A depressão costuma atingir 15% a 25% dos pacientes com câncer. As pessoas e os
familiares que encaram um diagnóstico de câncer experimentarão uma variedade de emoções,
estresses e aborrecimentos. O medo da morte, a interrupção dos planos de vida, perda da
autoestima e mudanças da imagem corporal, mudanças no estilo social e financeiro são
questões fortes o bastante para justificarem desânimo e tristeza.
O limite a partir do qual se devem usar antidepressivos não é claro, dependerá da 107
experiência de cada psiquiatra. A princípio sempre que o paciente apresente um conjunto de
sintomas depressivos semelhante ao conjunto de sintomas que os pacientes deprimidos sem
câncer apresentam, deverá ser o ponto a partir do qual se deve entrar com medicações. Existem
alguns mitos sobre o câncer e as pessoas que padecem dele, tais como “os portadores de
câncer são deprimidos”.
A depressão em quem tem câncer é normal, o tratamento da depressão no paciente
com câncer é ineficaz. A tristeza e o pesar são sentimentos normais para uma pessoa que teve
conhecimento da doença. Questões como a resposta ao tratamento, o tempo de sobrevida e o
índice de cura entre pacientes com câncer, com ou sem depressão, estão sendo mais enfocadas
do que a investigação das melhores técnicas para tratamento da depressão.
Normalmente a pessoa que fica sabendo que está com câncer torna-se durante um
curto espaço de tempo descrente, desesperada ou nega a doença. Essa é uma resposta normal
no espectro de emoções dessa fase, o que não significa que sejam emoções insuperáveis. No
decorrer do tempo o humor depressivo toma o lugar das emoções iniciais. Agora o paciente pode
ter dificuldade para dormir e perda de apetite.
Nessa fase o paciente fica ansioso, não consegue parar de pensar no seu novo
problema e teme pelo futuro. As estatísticas mostram que aproximadamente metade das
pessoas conseguirá se adaptar a essa situação tão adversa. Com isso, essas pessoas aceitam o
tratamento e o novo estilo de vida imposto não fica tão pesado.
Para se afirmar que o paciente está deprimido tem-se que afirmar que ele sente-se
triste a maior parte do dia, quase todos os dias, não tem tanto prazer ou interesse pelas
atividades nas quais apreciava. E não consegue ficar parado, pelo contrário, movimenta-se mais
lentamente que o habitual. Passa a ter sentimentos inapropriados de desesperança
desprezando-se como pessoa e até mesmo se culpando pela doença ou pelo problema dos
outros, sentindo-se um peso morto na família. Com isso, apesar de ser uma doença
potencialmente fatal, surgem pensamentos de suicídio. Esse quadro deve durar pelo menos
duas semanas para que possamos dizer que o paciente está deprimido.
A causa exata da depressão permanece desconhecida. Eventos desencadeantes são
muito estudados e de fato encontra-se relação entre certos acontecimentos estressantes na vida
das pessoas e o início de um episódio depressivo. Contudo, tais eventos não podem ser
responsabilizados pela manutenção da depressão. Na prática a maioria das pessoas que sofre 108
um revés se recupera com o tempo. Os eventos estressantes provavelmente disparam a
depressão nas pessoas predispostas, vulneráveis. Exemplos de eventos estressantes são: perda
de pessoa querida, perda de emprego, mudança de habitação contra vontade, doença grave;
pequenas contrariedades não são consideradas como eventos fortes o suficiente para
desencadear depressão.
O que torna as pessoas vulneráveis ainda é objeto de estudos. A influência genética
como em toda medicina é muito estudada. Trabalhos recentes mostram que mais do que a
influência genética, o ambiente durante a infância pode predispor mais as pessoas. O fator
genético é fundamental uma vez que os gêmeos idênticos ficam mais deprimidos do que os
gêmeos não idênticos.

10.2 ANSIEDADE

FIGURA 30
A ansiedade é uma sensação ou sentimento decorrente da excessiva excitação do
Sistema Nervoso Central consequente à interpretação de uma situação de perigo. Parente
próximo do medo (muitas vezes onde a diferenciação não é possível), é distinguida dele pelo
fato de o medo ter um fator desencadeante real e palpável, enquanto na ansiedade o fator de
estímulo teria características mais subjetivas.
A ansiedade é o grande sintoma de características psicológicas que mostra a 109
intersecção entre o físico e psíquico, uma vez que tem claros sintomas físicos como: taquicardia
(batedeira), sudorese, tremores, tensão muscular, aumento das secreções (urinárias e fecais),
aumento da motilidade intestinal, cefaleia (dor de cabeça). Quando recorrente e intensa também
é chamada de síndrome do pânico (crise ansiosa aguda). Toda essa excitação acontece
decorrente de uma descarga de um neurotransmissor chamado noradrenalina.
O nosso Sistema Nervoso Central e a nossa mente necessitam de uma situação de
conforto e de segurança para usufruir a sensação de repouso e de bem-estar.
Quando a nossa percepção nos alerta para uma situação de perigo a essa situação
acontece o estado ansioso.
Evolutivamente, faz pouco que saímos dos tempos da caverna, quando os perigos de
vida e a necessidade de luta eram constantes. A excitação do Sistema Nervoso Central vinha
como uma forma de estimular o nosso corpo para a luta ou para a fuga.
O que interpretamos como perigo hoje transcende e muito o perigo de vida biológico.
Perda de status, de conforto, de poder econômico, de afetos, amizades, de privilégios,
vantagens, de possibilidade de concretizar interesses, de vaidade, são fatores mais do que
suficientes, em muitos casos, para disparar o estado ansioso.
Em estados de desequilíbrio emocional, o simples contato com o novo, com situações
inesperadas e desconhecidas são o suficiente para disparar estados ansiosos.
A principal característica psíquica do estado ansioso é uma excitação, uma aceleração
do pensamento, como se estivéssemos elaborando, planejando uma maneira de nos livrar do
perigo e da maneira mais rápida possível. Esse movimento mental, na maioria das vezes acaba
causando certa confusão mental, uma ineficiência da ação, um aumento da sensação de perigo
e de incapacidade de se livrar do perigo, o que configura um círculo vicioso, pois essa sensação
só faz aumentar ainda mais o estado ansioso. “Mente acelerada é mente desequilibrada”.
Esse movimento impulsivo de a mente se acelerar, de precisar ter tudo sob controle,
para poder usufruir a sensação de repouso e conforto, faz com que ela se excite; e se o
problema não tiver uma solução mental imediata, como o que acontece na maioria dos casos,
terá a chamada ansiedade patológica, que tende a se cronificar e piorar com os anos.
A ansiedade poderia ter uma origem genética, ou seja, a pessoa herda de seus
ancestrais uma pré-disposição para ter esses sintomas. Nesses casos as manifestações podem
ser bastante precoces, sendo a pessoa desde cedo uma criança agitada, às vezes, hiperativa,
que chora com facilidade e às vezes até com dificuldade de dormir. 110
A ansiedade precoce também pode se manifestar por meio da avidez de mamar e em
uma postura mais teimosa e possessiva ainda como criança. A segunda é uma infância carente
e problemática – em que as dificuldades dos pais, mas principalmente da mãe de passar afeto e
suprir as carências afetivas da criança, vão fazendo com que ela vá se sentindo insegura e
exposta. E vá gravando e condicionando um sentimento de que coisas ruins e sensações
negativas podem acontecer a qualquer momento.
A terceira é a dificuldade de incorporar fatos e intercorrências novas ou desconhecidas.
O velho ou conhecido sempre traz a sensação de segurança e controle. O novo por
sua vez tem a capacidade de potencializar a sensação de medo no sentido de que algo ruim ou
perigoso pode vir a acontecer.
É mais ou menos assim: “Tudo que vem de mim é seguro e tudo que vem de fora e
não está sob controle é perigoso”. É a clássica postura do pessimista, como aquele personagem
dos desenhos antigos de TV, a hiena Hardy, amiga do leão Lippy, que sempre dizia: “Oh céus,
oh vida, oh azar, não vai dar certo!”. Traumas de infância, grandes sustos, perdas afetivas ou
mesmo materiais, também podem desencadear quadros ansiosos importantes, mas não
chegariam a ser causas específicas.
10.3 TRANSTORNO BIPOLAR

FIGURA 31

111

É uma enfermidade na qual ocorrem alterações do humor, caracterizando-se por


períodos de um quadro depressivo, que se alteram com períodos de quadros opostos, isto é, a
pessoa se sente eufórica (mania). Tanto o período de depressão, quanto da mania podem durar
semanas, meses ou anos.
O termo mania não significa “repetição de hábitos”, mas sintomas de euforia. O
Transtorno do Humor pode ocorrer, ao longo da vida, dentro de um curso bipolar ou unipolar. O
curso unipolar refere-se a episódios somente de depressão e, no bipolar, depressão e mania
(euforia). O Transtorno Bipolar do Humor atinge de igual maneira homens e mulheres em torno
de 1% a 2% e, geralmente, entre os 15 e 30 anos de idade.
O Transtorno Bipolar também pode atingir as crianças, manifestando-se com sintomas
predominantes de humor ansioso e irritável. O humor da pessoa oscila de muito eufórico
(agitado) para muito triste (com desesperança, desmotivação e desvalia).
Como em outras doenças, o Transtorno Bipolar do Humor afeta não só quem o tem,
como também, o cônjuge, familiares, amigos e empregadores. Se depressão e mania forem
acompanhadas de alucinações (ouvir, ver, sentir o que não existe) e delírios (pensamentos
irreais à realidade) trata-se do subtipo psicótico. As pessoas que sofrem de Transtorno Bipolar
levam, em média, oito anos antes de serem diagnosticadas ou receberem tratamento adequado,
o que pode causar grande sofrimento e perdas.

Tipos de Transtorno Bipolar do Humor:


Existem quatro formas de Transtorno Bipolar do Humor:
 Transtorno Bipolar Tipo I – períodos de mania (euforia) com humor elevado e 112
expansivo grave o suficiente para causar prejuízo no trabalho, relações sociais
podendo necessitar de hospitalização contraposta por períodos de humor deprimido,
sentimentos de desvalia, desprazer, desmotivação, alterações do sono, apetite, entre
outros. Geralmente, o estado maníaco, dura dias ou pelo menos uma semana, e
períodos de depressão de semanas a meses;
 Transtorno Bipolar Tipo II – períodos de hipomania, em que também ocorre
estado de humor elevado e agressivo, mas de forma mais suave. Um episódio de tipo
hipomania, ao contrário da mania, não chega a ser suficientemente grave para causar
prejuízo em atividades de trabalho ou vida social;
 Transtorno Bipolar Misto – períodos mistos, em que em mesmo dia haveria
alternâncias entre depressão e mania. Em poucas horas a pessoa pode chorar, ficar
triste, com sentimentos de desvalia e desprazer e, no momento seguinte, estar
eufórica, sentindo-se capaz de tudo, falante e agressiva;
 Transtornos Ciclotímicos – períodos em que haveria uma alteração crônica e
flutuante do humor marcada por numerosos períodos com sintomas maníacos e
numerosos sintomas depressivos que se alterariam. Contudo, não seriam
suficientemente graves nem ocorreriam em quantidade suficiente para se ter certeza
de se tratar de depressão e mania. Isto é, pode ser facilmente confundida com o jeito
de ser da pessoa, “de lua”.

Principais teorias etiológicas:


Apesar de se desconhecer a base causal, existe uma interação complexa entre fatores
biológicos, genéticos e psicossociais para tentar explicar o Transtorno:
 fatores biológicos – as teorias dos neurotransmissores, nos sistemas
noradrenérgico, seratonérgico e dopaminérgico, que têm características semelhantes,
pois todos se originam em núcleos localizados no tronco cerebral e se projetam para
amplas áreas do pró-encéfalo, têm sido admitidas na etiologia dos Transtornos
Bipolares. Além desses, outros neurotransmissores, incluindo o glutemato,
neuropeptídeos, como a colecistocinina e o hormônio liberado de corticotrofina, têm
sido implicados assim como anormalidades no eixo hipotalâmico – pituitário – tireoide
são comuns no Transtorno Bipolar; 113
 fatores genéticos – quando um dos pais apresenta Transtorno Bipolar, existe de
25% a 50% de chance de o filho adquirir Transtorno Bipolar. Quanto maior a distância
de parentesco, menor a possibilidade de ter um Transtorno Bipolar. Os estudos de
gêmeos têm mostrado que a taxa de concordância em gêmeos monozigóticos é de
33% a 90% e gêmeos dizigóticos cerca de 5% a 25%. As associações entre o
Transtorno Bipolar I e marcadores genéticos têm sido relatadas para os cromossomas
5, 11 e x;
 fatores psicossociais – os acontecimentos vitais estressores precedem, mais
frequentemente, os primeiros episódios de Transtorno do Humor e poderiam provocar
alterações nos estados funcionais de vários sistemas neurotransmissores e
sinalizadores intraneurais. Dificuldades financeiras, doença na família, perda de uma
pessoa importante, uso de drogas, entre outros, podem contribuir para o
desencadeamento da doença.

Achados clínicos – como identificar:


Mania
 humor “para cima”, excitado, exaltação, alegria exagerada e duradoura;
irritabilidade (impaciência, “pavio curto”);
 agitação, inquietação física e mental;
 aumento da energia, da produtividade ou começar muitas coisas e não conseguir
terminar;
 pensamentos acelerados, tagarelice;
 achar que possui dons ou poderes especiais de influência, grandeza e poder;
 otimismo e autoconfiança exagerados;
 aumento dos gastos, endividamentos;
 distração fácil – tudo desvia a atenção;
 maior contato social e desinibição, comportamento inadequado e provocativo,
agressividade física e/ou verbal;
 erotização, aumento da atividade e necessidade sexuais;
 insônia, redução da necessidade de sono;
 quando grave, ocorrem delírios e/ou alucinações, estressores precedem, mais 114
frequentemente, os primeiros episódios de Transtorno do Humor e poderiam provocar
alterações nos estados funcionais de vários sistemas neurotransmissores e
sinalizadores intraneurais. Dificuldades financeiras, doença na família, perda de uma
pessoa importante, uso de drogas entre outros, podem contribuir para o
desencadeamento da doença.

Depressão
 humor “para baixo”, tristeza, angústia ou sensação de vazio;
 irritabilidade, desespero;
 pouca ou nenhuma capacidade de sentir prazer e alegria na vida;
 cansaço mais fácil, desânimo, preguiça, falta de energia física e mental;
 falta de concentração, lentidão do raciocínio, memória ruim;
 falta de vontade, falta de iniciativa e interesse, apatia;
 pensamentos negativos repetidos amplificados, pessimismo, ideias de culpa,
fracasso, inutilidade, falta de sentido na vida, doença, morte (suicídio);
 sentimentos de insegurança, baixa autoestima, medo;
 interpretação distorcida e negativa do presente, de fatos ocorridos no passado e
no futuro;
 redução da libido e vontade de ter sexo;
 perda ou aumento de apetite e/ou peso;
 insônia ou dormir demais, sem se sentir repousado;
 dores ou sintomas físicos difusos, sofridos, que não se explicam por outras
doenças – dor de cabeça, nas costas, no pescoço e nos ombros, sintomas
gastrointestinais, alterações menstruais, queda de cabelo, dentre outros;
 em depressões graves, alucinações e/ou delírios.
Tratamento do Transtorno Bipolar:
O tratamento envolve manejo nas fases agudas e na terapia de manutenção. Os
quadros agudos demandam contenção imediata dos sintomas por meio da farmacologia:
estabilizadores do humor, antidepressivos (se necessário), antipsicóticos (se necessário) e,
muitas vezes, internação hospitalar para proteção do paciente.
Os episódios de depressão aguda são tratados, preferencialmente, com 115
antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina, pois são maiores indutores de “virada”
maníaca (eufórica) ou hipomaníaca, mais comuns com as ADTs (tricíclicos).
As fases maníacas podem ser controladas com carbonato de lítio, ácido valpróico,
carbamazepina, lomotrigina, gebapentina e topiramato. Se sintomas psicóticos estiverem
presentes, é necessário o uso de antipsicóticos ou benzodiazepínicos. Muitas vezes, é
necessária a combinação de drogas, isto é, mais de um estabilizador do humor associado,
antidepressivos, mesmo na fase de manutenção.
Existem substâncias que propiciam a desestabilização do quadro do humor e que
devem ser identificadas (tricíclicos, esteroides, álcool e os estimulantes).

Psicoterapia:
Sabe-se que a terapia cognitiva pode contribuir na adesão do tratamento e na
prevenção das recaídas, tornando-se um valioso acessório para o tratamento farmacológico.
Como relatado anteriormente, o Transtorno Bipolar não se limita meramente a um problema
bioquímico, mas também, psicológico e social (envolve dificuldades pessoais, familiares e
sociais). Existem outros tipos de psicoterapias, como individual, grupal, de família, conjugal,
entre outros, mas, o que importa é se está surtindo resultado na melhora do paciente e na sua
qualidade de vida.
10.4 TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO (TOC)

FIGURA 32

116

Sou ou não sou um portador do TOC? Eis uma pergunta que você pode ter se feito
eventualmente. Provavelmente, ouviu em algum programa de rádio ou TV, leu em alguma
reportagem de jornal ou revista que lavar as mãos seguidamente, revisar várias vezes as portas,
janelas ou o gás antes de deitar, não gostar de segurar-se no corrimão do ônibus. Evitar usar as
toalhas de mão utilizadas pelos demais membros da sua família, não conseguir tocar com a mão
no trinco da porta de um banheiro público, ter medo de passar perto de cemitérios ou entrar em
uma funerária, de deixar um chinelo virado. Assim como outros comportamentos semelhantes,
podem, na verdade, constituir sintomas do chamado Transtorno Obsessivo-Compulsivo ou TOC.
E você deve ter ficado com dúvidas quanto a ser ou não um portador. Medos e
preocupações fazem parte do nosso dia a dia. Aprendemos a conviver com eles tomando certos
cuidados. Fechamos as portas antes de deitar, lavamos as mãos antes das refeições ou depois
de usar o banheiro, desligamos o celular antes da sessão de cinema ou verificamos
periodicamente o saldo bancário de nossa conta.
Esses mesmos comportamentos e preocupações, entretanto, podem se tornar
claramente excessivos, quando repetidos inúmeras vezes em um curto espaço de tempo e
quando acompanhados de grande aflição.
É comum, ainda, pelo tempo que tomam, que comprometam as rotinas e o
desempenho no trabalho. Isso configura o que, de forma convencional, chamamos de obsessões
ou compulsões, sintomas característicos de um transtorno bem mais comum do que se imagina, 117
o TOC.
O TOC é um transtorno mental incluído pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV) entre os chamados
transtornos de ansiedade. Manifesta-se sob a forma de alterações do comportamento (rituais ou
compulsões, repetições, evitações), dos pensamentos (obsessões como dúvidas, preocupações
excessivas) e das emoções (medo, desconforto, aflição, culpa, depressão).
Sua característica principal é a presença de obsessões (pensamentos, imagens ou
impulsos que invadem a mente e que são acompanhados de ansiedade ou desconforto) e das
compulsões ou rituais (comportamentos ou atos mentais voluntários e repetitivos, realizados
para reduzir a aflição que acompanha as obsessões).
Dentre as obsessões mais comuns estão à preocupação excessiva com limpeza
(obsessão) que é seguida de lavagens repetidas (compulsão). Outro exemplo são as dúvidas
(obsessão), que são seguidas de verificações (compulsão). A obsessão está ligada aos
pensamentos; já os atos ou comportamentos são denominados de comportamentos
compulsivos.

O que são obsessões?


Obsessões são pensamentos ou impulsos que invadem a mente de forma repetitiva e
persistente. Podem ainda ser imagens, palavras, frases, números, músicas, etc. Sentidas como
estranhas ou impróprias, as obsessões geralmente são acompanhadas de medo, angústia, culpa
ou desprazer.
O indivíduo, no caso do TOC, mesmo desejando ou se esforçando, não consegue
afastá-las ou suprimi-las de sua mente. Apesar de serem consideradas absurdas ou ilógicas,
causam ansiedade, medo, aflição ou desconforto que a pessoa tenta neutralizar realizando
rituais, compulsões, ou por meio de evitações (não tocar, evitar certos lugares).
As obsessões mais comuns envolvem:
 preocupação excessiva com sujeira, germes ou contaminação;
 dúvidas;
 preocupação com simetria, exatidão, ordem, sequência ou alinhamento;
 pensamentos, imagens ou impulsos de ferir, insultar ou agredir outras pessoas;
 pensamentos, cenas ou impulsos indesejáveis e impróprios, relacionados a sexo 118
(comportamento sexual violento, abusar sexualmente de crianças, falar obscenidades,
etc.);
 preocupação em armazenar, poupar, guardar coisas inúteis ou economizar;
 preocupações com doenças ou com o corpo;
 religião (pecado, culpa, escrupulosidade, sacrilégios ou blasfêmias);
 pensamentos supersticiosos – preocupação com números especiais, cores de
roupa, datas e horários (podem provocar desgraças);
 palavras, nomes, cenas ou músicas intrusivas e indesejáveis.

O que são compulsões ou rituais?


Compulsões ou rituais são comportamentos ou atos mentais voluntários e repetitivos,
executados em resposta a obsessões, ou em virtude de regras que devem ser seguidas
rigidamente. Os exemplos mais comuns são lavar as mãos, fazer verificações, contar, repetir
frases ou números, alinhar, guardar ou armazenar objetos sem utilidade, repetir perguntas, etc.
As compulsões aliviam momentaneamente a ansiedade associada às obsessões,
levando o indivíduo a executá-las toda vez que sua mente é invadida por uma obsessão.
Por esse motivo se diz que as compulsões têm uma relação funcional (de aliviar a
aflição) com as obsessões. E, como são bem sucedidas, o indivíduo é tentado a repeti-las, em
vez de enfrentar seus medos, o que acaba por perpetuá-los, tornando-se ao mesmo tempo
prisioneiro dos seus rituais.
Nem sempre as compulsões têm uma conexão realística com o que desejam prevenir
(por exemplo, alinhar os chinelos ao lado da cama antes de deitar para que não aconteça algo
de ruim no dia seguinte; dar três batidas em uma pedra da calçada ao sair de casa, para que a
mãe não adoeça). Nesse caso, por trás desses rituais existe um pensamento ou obsessão de
conteúdo mágico, muito semelhante ao que ocorre nas superstições.
Os dois termos (compulsões e rituais) são utilizados praticamente como sinônimos,
embora o termo “ritual” possa gerar alguma confusão, na medida em que praticamente todas as
religiões e diversos grupos culturais adotam comportamentos ritualísticos e contagens nas suas
práticas: ajoelhar-se três vezes, rezar seis ave-marias, ladainhas, rezar três ou cinco vezes ao
dia, benzer-se ao passar diante de uma igreja. Existem rituais para batizados, casamentos,
funerais, etc. 119
Além disso, certos costumes culturais, como a cerimônia do chá entre os japoneses, o
cachimbo da paz entre os índios, ou um funeral com honras militares, envolvem ritos que
lembram as compulsões do TOC. Por esse motivo, há certa preferência para o termo
“compulsão” quando se fala em TOC.

As compulsões mais comuns são:


 de lavagem ou limpeza;
 verificações ou controle;
 repetições ou confirmações;
 contagens;
 ordem, simetria, seqüência ou alinhamento;
 acumular, guardar ou colecionar coisas inúteis (colecionismo), poupar ou
economizar;
 compulsões mentais: rezar, repetir palavras, frases, números;
 diversas: tocar, olhar, bater de leve, confessar, estalar os dedos.

Compulsões mentais:
Algumas compulsões não são percebidas pelas demais pessoas, pois são realizadas
mentalmente e não mediante comportamentos motores, observáveis. Elas têm a mesma
finalidade: reduzir a aflição associada a um pensamento.
Alguns exemplos:
 repetir palavras especiais ou frases;
 rezar;
 relembrar cenas ou imagens;
 contar ou repetir números;
 fazer listas;
 marcar datas;
 tentar afastar pensamentos indesejáveis, substituindo-os por pensamentos
contrários.

FIGURA 33 120

10.5 ESQUIZOFRENIA

Esquizofrenia é uma doença mental que afeta a capacidade da pessoa distinguir se as


experiências vividas são ou não reais. Afeta ainda a capacidade de pensar logicamente, sentir
emoções e sentimentos, e comportar-se em situações sociais.
Não há cura para a esquizofrenia, mas o tratamento controla os sintomas e ajuda a
pessoa a ter uma vida parecida com a de quem não sofre da doença. Ou seja, pode trabalhar,
namorar, ter amigos e divertir-se.
A esquizofrenia é uma doença que tem início no fim da adolescência e começo da vida
adulta (15 a 25 anos). Embora a frequência seja igual entre os sexos, pode começar mais
tardiamente nas mulheres.
Em torno de 1% da população mundial tem Esquizofrenia.
Esquizofrenia é uma doença complexa, intrigante e sua causa ainda não é conhecida.
Sabe-se que a hereditariedade é um fator importante – pessoas que têm um familiar 121
com esquizofrenia têm maior chance de desenvolver a doença –, mas ainda não se sabe quais
os genes envolvidos ou se a presença deles é suficiente para o desenvolvimento da
esquizofrenia.
Gêmeos idênticos têm 50% de chance de desenvolver a doença quando um deles já
desenvolveu.
Alguns pesquisadores acreditam que a esquizofrenia é resultado de uma combinação
de fatores genéticos e ambientais. Certas pessoas nascem com essa tendência, mas o problema
só aparece se expostas a determinados fatores ambientais.
Não existe um consenso de quais seriam os fatores ambientais envolvidos, mas
estudos sugerem que infecções, má nutrição na gravidez e complicações no parto podem
contribuir posteriormente para o desenvolvimento da esquizofrenia.
Os sintomas são variados e podem aparecer subitamente, embora, geralmente, a
doença se manifeste em meses ou anos.
Inicialmente os sintomas podem não ser evidentes, e são confundidos com alterações
próprias da idade ou com de outras doenças psiquiátricas.
Os indivíduos começam a perceber que há algo estranho, mas muitas vezes são
incapazes de contar para seus familiares.
Podem relatar que estão mais tensos, tendo dificuldade de concentração ou para
dormir, começam a isolar-se das pessoas, não conseguem mais ficar com os amigos e param de
estudar ou trabalhar. Com a progressão da doença, aparecem os sintomas mais característicos
da psicose (perda da noção da realidade).

Mudanças na percepção do pensamento:


a) delírios – são crenças não verdadeiras, baseadas em uma inferência incorreta sobre
a realidade exterior, apesar de provas e evidências contrárias. O paciente pode sentir
que seus pensamentos são influenciados, controlados, inseridos ou transmitidos para
fora da cabeça. Os eventos normais do dia a dia passam a ter significado diferente. O
indivíduo pode sentir-se perseguido ou discriminado e achar que tem poderes ou
atributos especiais. Pode sentir que seu corpo está mudando ou que recebe influências
de forças externas;
b) alucinações – são falsas percepções na ausência de um estímulo externo, mas com
as qualidades de uma verdadeira percepção. Isto é, eles podem ver, ouvir e sentir 122
coisas que não estão realmente no local. As alucinações podem ser auditivas, visuais,
táteis, olfativas, gustativas ou uma combinação de todas:
 auditivas – são as mais comuns em esquizofrenia e podem ocorrer na
forma de barulhos, músicas ou mais frequentemente como vozes. Essas vozes
podem ser sussurradas, ou claras e distintas, podem falar entre si ou ser uma
única voz. Podem comentar o comportamento da pessoa e, às vezes, podem
dar ordens;
 visuais – podem ser simples ou complexas, podendo envolver fachos de
luz, pessoas ou coisas;
 olfativas e gustativas – ocorrem em geral juntas como cheiros ou gostos
ruins;
 táteis – o paciente tem a sensação de ser tocado ou picado, ou ainda
sensações elétricas como se insetos estivessem rastejando sobre a pele.
c) distúrbios formais do pensamento – os pensamentos mudam de assunto
completamente e esta alteração aparece na fala da pessoa.

Transtornos de comportamento e motor


Muitos pacientes apresentam diminuição de iniciativa, transtornos motores e alterações
no comportamento social. Um paciente pode ficar parado por um longo período de tempo ou
engajar-se em uma atividade repetitiva sem finalidade.
Os extremos podem incluir o estupor catatônico, situação na qual o paciente fica
imóvel por um período longo, ou o excitamento catatônico, quando o indivíduo apresenta
atividade motora incontrolável e sem objetivo.
Outras alterações motoras são estereotipias (movimentos repetidos sem objetivo
aparente) e maneirismos (atividades normais, mas fora de contexto).
Geralmente a deterioração do comportamento social ocorre junto com o isolamento
social. Os indivíduos podem negligenciar seus cuidados pessoais, vestir roupas sujas ou
inapropriadas, e suas coisas e ambientes permanecerem descuidados e desarrumados.
Podem ainda desenvolver comportamentos que contrariam as convenções sociais
como falar obscenidades em público ou apresentar maneiras rudes à mesa. Podem ser
encontrados nas ruas marchando, falando alto e gesticulando. 123
Esse descuido com a higiene pessoal e comportamentos excêntricos podem dificultar
ainda mais a aproximação de familiares, amigos e estranhos. Essa situação corrobora ainda
mais a certeza, desses pacientes, de que as pessoas não gostam deles.

Transtornos do afeto:
A diminuição da resposta emocional já foi considerada um sintoma característico da
esquizofrenia. Muitos pacientes são indiferentes ou apáticos, evitam o contato com olhar,
apresentam ausência na inflexão na voz, mudanças na expressão facial e os movimentos
espontâneos e os gestos expressivos podem estar diminuídos. Com frequência perdem a
capacidade de sentir prazer e podem descrever-se como vazios de emoção.

Reações dos pacientes aos sintomas:


A pessoa com esquizofrenia altera seu entendimento do mundo na tentativa de explicar
as experiências vividas. Devido às experiências serem incomuns, as explicações também são. É
difícil explicar para alguém o fenômeno de ouvir vozes. Pacientes mais crônicos, que já
apresentam dificuldades de relacionamento social, ficam isolados e muitas vezes envolvidos em
suas próprias fantasias.
Podem imaginar que outras pessoas tentam prejudicá-los, não estão interessadas nele
ou querem criticá-lo.
Alternativamente, os pacientes podem experienciar reações negativas de outras
pessoas durante os episódios psicóticos, o que pode pesar ainda mais na sua imaginação.
Percebem ainda que não são mais competentes no trabalho. Ele pode ter sido um bom
estudante durante anos ou um trabalhador devotado e competente, mas após a doença percebe
que houve diminuição de sua performance.
A experiência de estar “louco” é uma das mais dolorosas e significativas. Quando os
pensamentos tornam-se desorganizados, quando as decisões estão bloqueadas, quando as
emoções inexplicadas e não esperadas aparecem, há uma conscientização do clima de horror,
de que mente está fazendo armadilhas e que foi embora seu modo usual de agir.
A experiência da psicose faz com que o paciente mude o conceito a respeito de sua
própria mente. A experiência do distúrbio faz com que a pessoa desacredite nos seus processos
de pensamento, mesmo quando estes voltam ao normal.
O paciente perde a fé de que possa pensar propriamente. Após a psicose, ele tem 124
conhecimento de que alucinou e, por algum tempo ou para sempre, ele não será capaz de reagir
normalmente aos sons estranhos e ocasionais que podem ser ouvidos em locais e horas não
esperados.

Tratamento:
O tratamento da esquizofrenia envolve vários tipos de profissionais que trabalham em
equipe.
Os objetivos da equipe de saúde são:
 controlar os sintomas da doença tentando minimizar os efeitos deletérios da
medicação;
 prevenir riscos de suicídio e crise paranoide;
 evitar hospitalizações;
 desencorajar o paciente ao uso indiscriminado da emergência médica;
 cuidar da saúde geral do paciente;
 melhorar sua qualidade de vida e dar à família suporte emocional.
Talvez o fator mais importante para cumprir esses objetivos seja assegurar que o
paciente faça o tratamento. Devido ao isolamento social, ideias paranoides, negação da doença
e desconforto com os efeitos colaterais das drogas, muitos pacientes abandonam o tratamento.

Tratamento farmacológico:
Antipsicóticos “típicos” ou clássicos são aquelas medicações que tendem a produzir
sintomas extrapiramidais (EPS). Esses agentes têm sido as principais drogas na farmacoterapia
da esquizofrenia por mais de um quarto de século.
Os sintomas que respondem melhor aos antipsicóticos típicos são os chamados
sintomas positivos, como delírios e alucinações. Já nos sintomas negativos, além de não
responderem tão bem, podem ser acentuados com seu uso.
A maioria dos autores divide o tratamento farmacológico da esquizofrenia em duas
fases: aguda e manutenção ou profilática.

Fase aguda
Envolvem a tentativa de aliviar os sinais e sintomas associados como delírios,
alucinações, alterações formais do pensamento e do comportamento. Apesar da variação das 125
doses utilizadas na prática clínica, as doses recomendadas para a fase aguda situam-se em
600-700 mg de clorpromazina ou equivalente/dia ou 5-20 mg/dia de haloperidol ou flufenazina.
A administração de altas doses de antipsicótico (neuroleptização rápida) no tratamento
de pacientes agudos não é indicada devido à falta de estudos controlados, demonstrando que
essa medida é mais eficaz no controle de sintomas psicóticos. Após a remissão dos sintomas,
diminui-se a dose e avalia-se a necessidade de tratamento em longo prazo com antipsicóticos.
Se a medicação for suspensa, o médico deve estar atento a algum sinal de recidiva e,
em caso de nova crise psicótica, a medicação deve ser introduzida por tempo indefinido.

Fase de manutenção ou profilática


Esquizofrenia é uma doença que dura a vida toda, como diabetes ou hipertensão. A
maioria das pessoas com esquizofrenia necessitará de cuidados médicos e medicação pelo
resto de suas vidas.
As medicações antipsicóticas não curam a esquizofrenia, somente controlam os
sintomas da doença. Ou seja, se o paciente deixar de tomar a medicação pode sofrer uma
recaída.
Algumas pessoas, mesmo tomando a medicação regularmente, podem ter uma
recaída dos sintomas psicóticos.
É muito importante que elas possam reconhecer que esses sintomas estão voltando, e
procurar ajuda imediatamente. Antes do aparecimento de sintomas como delírios ou
alucinações, é comum aparecerem sintomas menos específicos como irritabilidade, insônia e
depressão.
Os familiares devem estar atentos a mudanças sutis que possam ocorrer com seu
familiar doente, pois a intervenção médica precoce pode impedir a recaída.
Enquanto essa necessidade de tratamento por longo tempo é bem reconhecida pelo
médico, frequentemente não é bem aceita pelo paciente.
Muitos estudos mostram quão inconstantes e não confiáveis eles podem ser em
relação à medicação. Interrompem porque se sentem bem, e não entendem porque devem
continuar tomando o remédio; ou ainda, porque os efeitos colaterais são muito desagradáveis.
A introdução dos antipsicóticos de ação prolongada, de uso injetável, possibilitou uma
maior adesão desses pacientes ao tratamento.
126

10.6 HIPERATIVIDADE E DÉFICIT DE ATENÇÃO

FIGURA 34

A hiperatividade, denominada também como desordem do déficit de atenção, pode


afetar crianças, adolescentes e até mesmo alguns adultos. Os sintomas variam de brandos a
graves e podem incluir problemas de linguagem, memória e habilidades motoras.
Embora a criança hiperativa tenha muitas vezes uma inteligência normal ou acima da
média, o estado é caracterizado por problemas de aprendizado e comportamento. Os
professores e pais da criança hiperativa devem saber lidar com a falta de atenção, impulsividade,
instabilidade emocional e hiperativa incontrolável da criança.
O comportamento hiperativo pode estar relacionado a uma perda da visão ou audição,
a um problema de comunicação, como a incapacidade de processar adequadamente os
símbolos e ideias que surgem, estresse emocional, convulsões ou distúrbios do sono.
Também pode estar relacionado a paralisia cerebral, intoxicação por chumbo, abuso
de álcool ou drogas na gravidez, reação a certos medicamentos ou alimentos e complicações de
parto, como privação de oxigênio ou traumas durante o nascimento.
Esses problemas devem ser descartados como causa do comportamento antes de
tratar a hiperatividade da criança.
O verdadeiro comportamento hiperativo interfere na vida familiar, escolar e social da 127
criança. As crianças hiperativas têm dificuldade em prestar atenção e aprender. Como são
incapazes de filtrar estímulos, são facilmente distraídas. Essas crianças podem falar muito, alto
demais e em momentos inoportunos.
As crianças hiperativas estão sempre em movimento, sempre fazendo algo e são
incapazes de ficar quietas. São impulsivas. Não param para olhar ou ouvir. Devido à sua
energia, curiosidade e necessidade de explorar surpreendentes e, aparentemente infinitas, são
propensas a se machucar e a quebrar e danificar coisas.
As crianças hiperativas toleram pouco, as frustrações. Elas discutem com os pais,
professores, adultos e amigos. Fazem birras e seu humor flutua rapidamente. Essas crianças
também tendem a ser muito agarradas às pessoas.
Precisam de muita atenção e tranquilização. É importante para os pais perceberem
que as crianças hiperativas entenderam as regras, instruções e expectativas sociais. O problema
é que elas têm dificuldade em obedecê-las. Esses comportamentos são acidentais e não
propositais. Para a criança hiperativa e sua família, uma ida a um parque de diversão ou
supermercado pode ser desastrosa. Há simplesmente muita coisa acontecendo – muito estímulo
ao mesmo tempo.
Devido à sua incapacidade de concentrar-se e ao constante bombardeamento de
estímulos, a criança hiperativa pode ficar estressada.
A criança hiperativa pode ter muitos problemas. Apesar da “dificuldade de
aprendizado”, essa criança é geralmente muito inteligente. Sabe que determinados
comportamentos não são aceitáveis. Mas, apesar do desejo de agradar e de ser educada e
contida, a criança hiperativa não consegue se controlar. Pode ser frustrada, desanimada e
envergonhada.
Ela sabe que é inteligente, mas não consegue desacelerar o sistema nervoso, a ponto
de utilizar o potencial mental necessário para concluir uma tarefa.
A criança hiperativa muitas vezes se sente isolada e segregada dos colegas, mas não
entende por que é tão diferente.
Fica perturbada com suas próprias incapacidades. Sem conseguir concluir as tarefas
normais de uma criança na escola, no playground ou em casa, a criança hiperativa pode sofrer
de estresse, tristeza e baixa autoestima.
Um especialista em comportamento infantil pode ajudá-lo a distinguir entre a criança 128
normalmente ativa e enérgica e a criança realmente hiperativa. As crianças, até mesmo as
menores, podem correr, brincar e agitarem-se felizes durante horas sem cochilar, dormir ou
demonstrar qualquer cansaço.
Para garantir que a criança realmente hiperativa seja tratada adequadamente – e evitar
o tratamento inadequado de uma criança normalmente ativa – é importante que seu filho receba
um diagnóstico preciso.
Durante a primeira ou a segunda consulta médica, a criança hiperativa pode se
comportar de forma quieta e educada. Sabendo o que é esperado, pode se transformar em uma
criança “modelo”. Esteja preparado para descrever, de forma precisa e objetiva, o
comportamento do seu filho em casa e nas atividades sociais. Se seu filho está encontrando
dificuldade na escola, peça ao professor que converse com o médico ou envie-lhe um relatório
por escrito.
Podem precisar de várias consultas antes que o comportamento hiperativo torne-se
aparente. Não se preocupe. Um especialista em crianças, geralmente, pode realizar um
diagnóstico preciso.
Ao tratar da criança hiperativa, sua meta é ajudá-la a fazer o melhor possível, em casa,
na escola, e com os amigos. Lembre-se sempre de que seu filho está lutando com todas as
forças para superar uma deficiência do sistema nervoso. Explique, se preciso for, mas não se
sinta envergonhado ou culpado quando seu filho não se comportar bem.
Os pais da criança hiperativa merecem muita consideração.
É preciso muita paciência – e vigor – para amar e apoiar a criança hiperativa em todos
os desafios e frustrações inerentes à doença. Os pais da criança hiperativa estão sempre
preocupados e atentos, sempre “em alerta”. Consequentemente, é fácil sentirem-se cansados,
abatidos e frustrados. É de importância vital para os pais da criança hiperativa, serem bons
consigo mesmos, descansar quando apropriado, além de buscar e aceitar o apoio para eles e
para o filho.
Tratamento convencional:
Antes de qualquer tratamento, um exame físico deve ser feito para descartar outras
causas para o comportamento do seu filho, tais como infecção crônica do ouvido médio, sinusite,
problemas visuais ou auditivos ou outros problemas neurológicos.
O metilfenidato é o medicamento mais comumente receitado para hiperatividade. É um
estimulante que tem efeito paradoxal de acalmar o sistema nervoso e aumentar a capacidade da 129
criança hiperativa de prestar atenção.
Contudo, não deixe de verificar com seu médico antes de parar de dar esse
medicamento a seu filho. A tioridazina é um tranquilizante ao qual se pode recorrer se a criança
for extremamente agressiva e, nesse caso, apenas nas situações mais difíceis.
Na maioria das circunstâncias, o medicamento para a hiperatividade pode ser
interrompido durante o verão e retomado quando as aulas começarem novamente, após as
férias.
Essa conduta pode limitar alguns dos efeitos colaterais prolongados desses
medicamentos. Após um verão sem medicamento, talvez seja útil deixar que seu filho frequente
as primeiras semanas de aula sem qualquer medicação. Considere esse período como um teste
para determinar se seu filho pode passar sem o medicamento (converse sempre com seu
médico antes de descontinuar qualquer tratamento, durante qualquer período de tempo).

Psicoterapia e Psicopedagogia:
Essas disciplinas ajudam a criança a entender o problema contra o qual está lutando,
a estabelecer metas e padrões e reconhecer e avaliar seu comportamento. Podem ser de
grande valia.
Esses programas ensinam controles internos que podem ser usados em várias
situações. Seu filho aprenderá a oferecer recompensas pelos seus feitos e aprenderá a partir
dos seus erros.
Coopere com seu médico ou terapeuta para desenvolver programas de modificação
comportamental. É importante que o programa seja claro, facilmente entendido e executado por
todos que dele participam – pela criança bem como pelos adultos.
É essencial que essas intervenções sejam realizadas com cautela e boa vontade, em
um ambiente calmo e carinhoso. A criança deve participar com disposição. Certifique-se de que
os dois tenham entendido que esses programas objetivam ajudar e não punir.
Desenvolva uma rotina estável em casa. Para diminuir a confusão e a quantidade de
estímulos diários, defina horários específicos para comer e dormir.
Experimente atribuir uma tarefa pequena e rápida e insista delicadamente para que
seja concluída. Em seguida, não deixe de agradecer e elogiar seu filho quando a tarefa tiver sido
concluída.
Faça com que a criança participe de projetos que ela goste para ajudá-la a 130
concentrar-se.
Aprender a concentrar-se alterará sua resposta ao mundo, gradativamente. Lembre-se
sempre de que, além de ter um desequilíbrio do sistema nervoso que transforma em tortura o
simples ato de permanecer sentado, a criança hiperativa e inteligente entedia-se facilmente.
Cooperar com o hiperativo para ajudá-lo a realmente concluir um projeto. Concluir um
projeto oferecerá uma ideia de competência e maior autoestima. O domínio e conclusão de uma
tarefa requerem elogios.
Busque terapia para você e seu cônjuge. Para ajudar a diminuir os sentimentos de
frustração e isolamento, os pais da criança hiperativa precisam de informação e apoio.
Busque auxílio; certamente encontrará. Você aprenderá a apoiar seu filho e a ficar
calmo e próximo, mesmo quando a situação parecer fora de controle. Você também aprenderá
que é importante que os pais tirem férias sem se sentirem estressados ou culpados por deixarem
uma criança “difícil” com outras pessoas competentes. Nunca é demais enfatizar a necessidade
dos pais terem uma folga. Tire uma tarde, uma noite ou um fim de semana. Entre em contato
com uma pessoa que possa tomar conta do seu filho. Ligue para seus pais e amigos.
Se você não fizer isso para o seu próprio bem, faça por seu filho. Provavelmente você
voltará se sentindo renovado, mais calmo e carinhoso.

Atividades físicas:
São fundamentais, principalmente aquelas que mantêm a criança em contato com a
água, como a hidroginástica e a natação. É importante saber que a água exerce um efeito
calmante. Práticas como a yoga e o tai-chi-chuan também são interessantes, pois treinam a
mente para que fique quieta.
Alguns cuidados importantes:
Durante a gestação, mantenha a exposição a chumbo ambiental ao mínimo possível e
elimine álcool. Os dois têm sido relacionados à hiperatividade.
Não deixe que seu filho se exponha ao chumbo. As fontes mais comuns de exposição
ao chumbo são tinta à base de chumbo, água potável e cerâmica mal esmaltada.
131
Alguns fatos sobre a hiperatividade:
Há um equívoco muito grande, principalmente nas escolas, em “diagnosticar” crianças
como sendo hiperativas. Embora muitos pais de crianças enérgicas perguntem aos médicos
sobre a hiperatividade, ela não é problema comum. Agitação não é sinônimo de hiperatividade.
Ansiedade também não. Tampouco problemas de concentração. É fundamental procurar um
psicólogo, de preferência especialista em Psicopedagogia ou Psicologia Escolar.
De acordo com um artigo publicado no British Journal of Psychiatry, apenas 3% das
crianças são realmente diagnosticadas com a desordem do déficit de atenção. A hiperatividade é
dez vezes mais comum nos meninos do que nas meninas. A causa ou causas exatas da
hiperatividade são desconhecidas.
Os profissionais de saúde teorizam que a desordem pode ser resultado de: fatores
genéticos; desequilíbrio químico; lesão ou doença na hora do parto ou depois do parto; ou um
defeito no cérebro ou sistema nervoso central, resultando no mau funcionamento do mecanismo
responsável pelo controle das capacidades de atenção e filtragem de estímulos externos.
Metade das crianças hiperativas tem menos problemas comportamentais quando
seguem uma dieta livre de substâncias como flavorizantes, corantes, conservantes, glutamato
monossódico, cafeína, açúcar e chocolate e mantém psicoterapia associada a atividades físicas,
ou seja, o tratamento deve ser multidisciplinar.

Parabéns! Falta muito pouco para você concluir.....


11 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

FIGURA 35

132

Muitas pessoas confundem a aplicação de testes com avaliação psicológica. A


avaliação psicológica pode envolver técnicas de dinâmica de grupo, entrevistas, questionários,
levantamento do histórico de vida e tudo o mais que tenha como objetivo avaliar – no sentido de
analisar, compreender, esclarecer – a dinâmica dos processos psicológicos representativos de
um indivíduo. Sendo, portanto, muito mais complexa que a simples aplicação de testes
psicológicos.
A depender dos objetivos da avaliação, que pode ser diagnóstica, de emprego,
demissional, ela pode durar várias sessões. Um grande engano cometido por quem necessita de
uma avaliação é que imagina que ela pode ser realizada em 15 minutos, por exemplo. Puro
engano. Para se chegar a um diagnóstico mais preciso, o psicólogo necessita realizar um
levantamento minucioso.
A avaliação psicológica deve ser utilizada em todo e qualquer setor da sociedade em
que se necessite conhecer melhor o funcionamento da psique humana, visando orientar ou
tomar certas decisões relativas à pessoa em questão (PELLINI, 2000).
Encontram-se referências precisas de que desde o século XIX já se realizava avaliação
psicológica em vários países e no Brasil, obviamente de forma diferente dos modelos conhecidos
atualmente. 133
No Brasil, a avaliação psicológica começou a ser praticada mais sistematicamente nas
décadas de 50 e 60, porém, já na década de 20 foram realizados trabalhos acadêmicos e
criados institutos para a realização de processos de seleção de pessoal nos setores públicos e
privados, destacando-se as empresas do segmento de transporte coletivo.
Com a regulamentação da Psicologia na década de 60, houve um aumento
significativo de profissionais e de empresas interessadas em investir na área de recrutamento e
seleção, passando a compor setores e a contratar psicólogos que realizassem avaliação
psicológica em candidatos, tendo o intuito de aumentar as probabilidades de “acerto”, isto é, de
selecionarem “a pessoa certa para o lugar certo”.
As décadas de 80 e 90 foram promissoras para a área. Entretanto, se por um lado
havia a utilização maciça de testes psicológicos nas avaliações para seleção de pessoal, por
outro, não se encontravam instrumentos adaptados ou criados especificamente para esse fim.
Visualiza-se, atualmente, um panorama no qual houve uma redução significativa da
utilização dos testes psicológicos devido às rigorosas exigências de qualidade dos
instrumentos, trazendo maior segurança ao profissional que se embasa em seus resultados
para tomar decisões estratégicas e, não raramente, de maneira decisiva no direcionamento da
vida das pessoas.
Tanto no setor da Psicologia Clínica quanto no da Psicologia Organizacional, onde se
pode fazer uso da Avaliação Psicológica, contar com os resultados obtidos a partir de testes é de
grande importância, pois traz ao avaliador dados não facilmente perceptíveis de outro modo a
respeito do candidato, além de poder confirmar aspectos percebidos durante a entrevista e
dinâmica de grupo, se for o caso. Praticada de modos diferentes de acordo com cada objetivo, a
ferramenta contribui de forma decisiva para o diagnóstico do candidato ou paciente.
A avaliação psicológica não se reduz à aplicação de testes. Além de testes, a
avaliação compreende técnicas de dinâmica de grupo, entrevistas, observação de
comportamento e uma anamnese bem-feita, ou seja, investigação da vida social, familiar, física
e emocional do paciente, com análise criteriosa do histórico de vida.

Na prática:
134

FIGURA 36

De maneira geral, uma avaliação psicológica se constitui por uma entrevista individual,
às vezes substituída ou acrescida de uma dinâmica de grupo, e um teste para avaliação da
personalidade. Outros testes, de habilidades ou aptidões específicas, são acrescentados ao
conjunto de técnicas de avaliação, conforme o objetivo e a área de atuação do profissional.
O objetivo maior é o de diagnosticar cada pessoa, conhecer suas competências
individuais e, para isso, o teste psicológico ainda é o melhor instrumento de que se dispõe,
embora jamais único no processo, pois além de resultar em dados confiáveis, já que suas
características psicométricas são comprovadas cientificamente. Ele permite que o psicólogo
tenha uma visão total da pessoa, que consiga definir quais são as suas competências ou
características mais vantajosas e quais aquelas em que precisaria investir um pouco mais.
Em um processo de seleção, por exemplo, tais informações permitem ao psicólogo
indicar com maior segurança pessoas para cargos específicos e orientar as lideranças sobre
como lidar com seus colaboradores e no que efetivamente investir para obter maior
desenvolvimento e melhores resultados.
Da mesma forma, em treinamento e desenvolvimento, uma avaliação psicológica traz
subsídios suficientes para que um programa seja encaminhado considerando as especificidades
individuais e grupais, podendo até, com isso, gerar um redirecionamento das estratégias adotadas.
Há pouco tempo, algumas empresas procuravam premiar colaboradores 135
tecnicamente bons com uma promoção para cargos de chefia, sem outro critério senão a
satisfação com o desempenho desse funcionário, ou seja, sem uma avaliação que pudesse
assegurar que essa pessoa tivesse características condizentes com posições de liderança,
além de sua competência técnica.
O resultado final geralmente era desastroso para o colaborador e para a empresa. Por
não ser um líder e necessitar desenvolver as competências de liderança, não se saía bem na
nova função. Como nem sempre é possível a pessoa retornar ao cargo anterior, a empresa
contava com duas opções: mantê-lo no cargo e arcar com consequências indesejáveis ou então
demiti-lo. Prejuízo para ambos.
Para um planejamento de carreira, a realização de uma avaliação psicológica também
se torna decisiva, visto que norteará todo o programa a ser desenvolvido com o profissional,
especificando as características psicológicas a serem desenvolvidas para que ele possa
futuramente ascender em uma hierarquia com sucesso.
No momento atual, o foco das empresas, seja qual for o seu negócio, é cada vez mais
seus recursos humanos e sabe-se que o sucesso da empresa deve-se ao conhecimento e ao
investimento em pessoas. A avaliação psicológica, científica e ética, apoiada em instrumentos e
testes fidedignos, contribui essencialmente para essa finalidade.
Em se tratando da Psicologia Clínica, a avaliação psicológica é usada para fins
diagnósticos, ou seja, para avaliar a saúde emocional do paciente e verificar se ele é portador de
algum transtorno. Vale ressaltar que nem sempre a queixa inicial é a responsável pelo
sofrimento psíquico de uma pessoa, mas a constatação disso só se verifica depois de uma
avaliação psicológica.
Entrevista psicológica:

136
FIGURA 37

Existem vários tipos de entrevistas e são vários os profissionais que dela se utilizam.
Com o psicólogo não é diferente. Ele utiliza esse instrumento para elaborar diagnósticos, durante
avaliações e em prognóstico, ou seja, quando, durante uma entrevista devolutiva, por exemplo,
mostra as probabilidades futuras de um quadro psicológico atual.
É bem verdade que a entrevista psicológica sofreu algumas modificações no início do
século XIX, quando predominava o modelo médico. Naquela época, Kraepelin usava a entrevista
com o objetivo de detalhar o comportamento do paciente, e, assim, poder identificar as
síndromes e as doenças específicas que as classificavam segundo a nosografia vigente.
(SILVA, 2007).
Enquanto isso, Meyer, psiquiatra americano, se interessava pelo enfoque
psicobiológico (aspectos biológicos, históricos, psicológicos e sociais) do entrevistado. A partir de
Hartman e Anna Freud o interesse da entrevista se deslocou para as defesas do paciente. Isto é,
a Psicanálise teve sua influência na investigação dos processos psicológicos, sem enfatizar o
aspecto diagnóstico, antes valorizado.
Nos anos 50, Deutsch e Murphy apresentaram sua técnica denominada Análise
Associativa que considerava importante registrar não somente o que o paciente dizia, mas,
também, em fornecer informações sobre ele. Desse modo, desviou-se o foco sobre o
comportamento psicopatológico para o comportamento dinâmico. Ainda naquela década, Sullivan
concebeu a entrevista como um fenômeno sociológico, uma díade de interferência mútua.
Após esse período, a entrevista e o aconselhamento psicológicos se deixaram
influenciar, entre outros, por Carl Rogers, cuja abordagem consiste em centrar no paciente. Ou
seja, em procurar compreender, de acordo com o seu referencial, significados e componentes 137
emocionais, tendo como base a sua aceitação incondicional por parte do entrevistador.

Definição de entrevista psicológica:

FIGURA 38

A entrevista psicológica é um processo bidirecional de interação, entre duas ou mais


pessoas com o propósito previamente fixado no qual uma delas, o entrevistador, procura saber o
que acontece com a outra, o entrevistado, procurando agir conforme esse conhecimento (WIENS
apud NUNES, in CUNHA, 1993).
Enquanto técnica, a entrevista tem seus próprios procedimentos empíricos por meio
dos quais não somente se amplia e se verifica, mas, também, simultaneamente, absorve os
conhecimentos científicos disponíveis. Nesse sentido, Bleger (1960) define a entrevista
psicológica como sendo “um campo de trabalho no qual se investiga a conduta e a
personalidade de seres humanos”.
Outra definição caracteriza a entrevista psicológica como sendo “uma forma especial
de conversão, um método sistemático para entrar na vida do outro, na sua intimidade” (RIBEIRO,
1988, p. 154). Enfim, Gil (1999, p. 117) compreende a entrevista como uma forma de diálogo
assimétrico, em que uma das partes, busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de 138
informação.
A entrevista psicológica pode ser também um processo grupal, isto é, com um ou mais
entrevistadores e/ou entrevistados. No entanto, esse instrumento é sempre em função da sua
dinâmica, um fenômeno de grupo, mesmo que seja com a participação de um entrevistado e de
um entrevistador (SILVA, 2007).

Os objetivos da entrevista:

FIGURA 39

Com base nos critérios que objetivaram a entrevista em saúde mental, pode-se
classificar a entrevista quanto aos seguintes objetivos:
a) diagnóstica – visa estabelecer o diagnóstico e o prognóstico do paciente, bem
como as indicações terapêuticas adequadas. Assim, faz-se necessário uma coleta de
dados sobre a história do paciente e sua motivação para o tratamento. Quase sempre,
a entrevista diagnóstica é parte de um processo mais amplo de avaliação clínica que
inclui testagem psicológica;
b) psicoterápica – procura colocar em prática estratégia de intervenção psicológica
nas diversas abordagens – rogeriana (C. Rogers), jungiana (C. Jung), gestalt (F. Perls), 139
bioenergética (A. Lowen), logoterapia (V. Frankl) e outras –, para acompanhar o
paciente, esclarecer suas dificuldades, tentando ajudá-lo a solucionar seus problemas;
c) de encaminhamento – logo no início da entrevista, deve ficar claro para o
entrevistado, que ela tem como objetivo indicar seu tratamento, e que este não será
conduzido pelo entrevistador. Devem-se obter informações suficientes para se fazer
uma indicação e, ao mesmo tempo, evitar que o entrevistado desenvolva um vínculo
forte, uma vez que pode dificultar o processo de encaminhar;
d) de seleção – o entrevistador deve ter um conhecimento prévio do currículo do
entrevistado, do perfil do cargo, deve fazer uma sondagem sobre as informações que o
candidato tem a respeito da empresa, e destacar os aspectos mais significativos do
examinando em relação à vaga pleiteada, etc.;
e) de desligamento – identifica os benefícios do tratamento por ocasião da alta do
paciente, examina junto com ele os planos da pós-alta ou a necessidade de trabalhar
algum problema ainda pendente. Essa entrevista também é utilizada com o funcionário
que está deixando a empresa, e tem como objetivo obter um feedback sobre o
ambiente de trabalho, para providências, intervenções do psicólogo em caso, por
exemplo, de alta rotatividade de demissão em um determinado setor;
f) de pesquisa – investiga temas em áreas das mais diversas ciências, somente se
realiza a partir da assinatura do entrevistado ou paciente, do documento Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Resolução CNS no 196/96), no qual estará
explícita a garantia ao sigilo das suas informações e identificação, e liberdade de
continuar ou não no processo.
A sequência temporal das entrevistas diagnósticas:
140

FIGURA 40

Essa sequência pode ser subdividida em: entrevista inicial; entrevistas subsequentes e
entrevista de devolução, caracterizadas de forma diferente, e mostrando objetivos distintos
conforme o momento em que elas ocorram (GOLDER, 2000).

a) Entrevista inicial
É a primeira entrevista de um processo de psicodiagnóstico. Semidirigida, durante a
qual o sujeito fica livre para expor seus problemas. Segundo Fiorini (1987, p. 63), o empenho do
terapeuta nessa primeira entrevista pode ter uma influência decisiva na continuidade ou no
abandono do tratamento. Pinheiro (2004) salienta que essa entrevista ocorre em um certo
contexto de relação constantemente negociada. O termo negociação se refere ao
posicionamento definido como “um processo discursivo, através do qual [...] são situados numa
conversação como participantes observáveis, subjetivamente coerentes em linhas de histórias
conjuntamente produzidas” (DAVIES; HARRÉ apud PINHEIRO, 2004, p.186).
Essa entrevista, geralmente, inicia-se com a chamada telefônica de outro técnico, 141
encaminhando o entrevistado para a avaliação psicodiagnóstica, ou com a chamada do próprio
entrevistado. Tem como objetivos discutir expectativas, clarear as metas do trabalho, e colher
informações sobre o entrevistado, que não poderiam ser obtidas de outras fontes (SILVA, 2007).
As primeiras impressões sobre o entrevistado, sua aparência, comportamento durante
a espera, são dados que serão analisados pelo entrevistador, e que podem facilitar o processo
de análise do caso. Para Gilliéron (1996), a primeira entrevista deve permitir conhecer:
 o modo de chegada do paciente à consulta (por si mesmo, enviado por alguém ou
a conselho de alguém, etc.);
 o tipo de relação que o paciente procura estabelecer com o seu terapeuta;
 as queixas iniciais verbalizadas pelo paciente, em particular a maneira pela qual
ele formula seu pedido de ajuda (ou sua ausência de pedido).
A partir dessas impressões e expectativas, entrevistador e entrevistado constroem
mutuamente suas transferências, contratransferências, e resistências que foram ativadas bem
antes de ocorrer o encontro propriamente dito.
Um clima de confiança proporcionado pelo entrevistador facilita que o entrevistando
revele seus pensamentos e sentimentos sem tanta defesa, portanto, com menos distorções. No
final dessa entrevista devem ficar esclarecidos os seguintes pontos: horários, duração das
sessões, honorários, formas de pagamento (quando particular), condições para administrar
instrumentos de testagem e para as condições de consulta a terceiros.

b) Entrevistas subsequentes
Após a entrevista inicial, em que é obtida uma primeira impressão sobre a pessoa do
paciente, esclarecimentos sobre os motivos da procura, e realização do contrato de trabalho de
psicodiagnóstico, normalmente são necessários mais alguns encontros. O objetivo das
entrevistas subsequentes é a obtenção de mais dados com riqueza de detalhes sobre a história
do entrevistado, tais como: fases do seu desenvolvimento, escolaridade, relações familiares,
profissionais, sociais e outros.

c) Entrevista de devolução ou devolutiva


No término do psicodiagnóstico, o técnico tem algo a dizer ao entrevistado em relação
ao que fundamenta a indicação. Em 1991, Cunha, Freitas e Raymundo (apud NUNES, in
CUNHA, 1993), elaboraram algumas recomendações sobre a entrevista de devolução: 142
 após a interpretação dos dados, o entrevistador vai comunicar-lhe em que
consiste o psicodiagnóstico, e indicar a terapêutica que julga mais adequada;
 o entrevistador retoma os motivos da consulta, e a maneira como o processo de
avaliação foi conduzido;
 a devolução inicia com os aspectos menos comprometidos do paciente, ou seja,
menos mobilizadores de ansiedade;
 deve-se evitar o uso de jargão técnico (expressões próprias da ciência circulante
entre os profissionais da área, em outras palavras “gíria profissional”), e iniciar por
sintoma ligado diretamente à queixa principal;
 a entrevista de devolução deve encerrar com a indicação terapêutica.

Diferença entre entrevista, consulta e anamnese:

FIGURA 41

A técnica da entrevista procede do campo da medicina, e inclui procedimentos


semelhantes que não devem ser confundidos e nem superpostos à entrevista psicológica.
Consulta não é sinônimo de entrevista. A consulta consiste em uma assistência técnica ou
profissional que pode ser realizada ou satisfeita, entre as mais diversas modalidades, por meio
da entrevista.
A entrevista não é uma anamnese. Esta implica em uma compilação de dados
preestabelecidos, que permitem fazer uma síntese, seja da situação presente, ou da história de 143
doença e de saúde do indivíduo. Embora, se faça a anamnese com base na utilização correta
dos princípios que regem a entrevista, porém, são bem diferenciadas nas suas funções.
Na anamnese, o paciente é o mediador entre sua vida, sua enfermidade, e o médico.
Quando por razões estatísticas ou para cumprir obrigações regulamentares de uma instituição,
muitas vezes, ela é feita pelo pessoal de apoio ou auxiliar.
A anamnese trabalha com a suposição de que o paciente conhece sua vida e está,
portanto, capacitado para fornecer dados sobre ela. Enquanto que, a hipótese da entrevista é de
que cada ser humano tem organizado a história de sua vida, em um esquema de seu presente.
E, deste temos que deduzir o que ele não sabe. Ou seja, “o que nos guia numa entrevista, do
mesmo modo que em um tratamento, não é a fenomenologia reconhecível, mas o ignorado, a
surpresa” (GOLDER, 2000, p. 45).
Nessa perspectiva, Bleger (1980) compreende que, diferentemente da consulta e da
anamnese, a entrevista psicológica tenta o estudo e a utilização do comportamento total do
indivíduo em todo o curso da relação estabelecida com o técnico, durante o tempo que essa
relação durar (p. 12).
A entrevista psicológica funciona como uma situação onde se observa parte da vida do
paciente. Mas, nesse contexto não consegue emergir a totalidade do repertório de sua
personalidade. Uma vez que não pode substituir, e nem excluir outros procedimentos de
investigação mais extensos e profundos, a exemplo de um tratamento psicoterápico ou
psicanalítico, o qual demanda tempo, e favorece para que possa emergir determinados núcleos
da personalidade.
Esse tipo de assistência também não pode prescindir da entrevista. Esta que
apresenta lacunas, dissociações e contradições que levam alguns pesquisadores a considerá-la
um instrumento pouco confiável. Mas, como diz Bleger (1980), essas dissociações e
contradições são inerentes à condição humana, e a entrevista oferece condições para que elas
sejam refletidas e trabalhadas.
Tipos de entrevista:
144

FIGURA 42

Segundo Gil (1999), as entrevistas podem ser classificadas em: informal, focalizada,
por pautas e estruturada:
a) entrevista informal (livre ou não estruturada) – é o tipo menos estruturado, e só se
distingue da simples conversação porque tem como objetivo básico a coleta de dados.
O que se pretende é a obtenção de uma visão geral do problema pesquisado, bem
como a identificação de alguns aspectos da personalidade do entrevistado;
b) entrevista focalizada (semiestruturada ou semidirigida) – é tão livre quanto a
informal, todavia, enfoca um tema bem específico. Permite ao entrevistado falar
livremente sobre o assunto, mas quando este se desvia do tema original o
entrevistador deve se esforçar para sua retomada;
c) entrevista por pautas (semiestruturada ou semidirigida) – apresenta certo grau de
estruturação, já que se guia por uma relação de pontos de interesses que o
entrevistador vai explorando ao longo do seu curso. As pautas devem ser ordenadas e
guardar certa relação entre si. O entrevistador faz poucas perguntas diretas e deixa o
entrevistado falar livremente à medida que se refere às pautas assimiladas. Quando
este, por ventura, se afasta, o entrevistador intervém de maneira sutil, para preservar a
espontaneidade da entrevista; 145
d) entrevista estruturada (fechada) – desenvolve-se a partir de uma relação fixa de
perguntas, cuja ordem e redação permanecem invariáveis para todos os entrevistados,
que geralmente são em grande número. Por possibilitar o tratamento quantitativo dos
dados, esse tipo de entrevista torna-se o mais adequado para o desenvolvimento de
levantamentos sociais.

A entrevista quanto ao seu referencial teórico:

FIGURA 43
O processo de entrevista é orientado por seu referencial teórico. Aqui serão vistas, em
síntese, algumas das perspectivas:
a) Perspectiva Psicanalítica – tem como base os pressupostos dos conteúdos
inconscientes. O entrevistador busca avaliar a motivação inconsciente, o
funcionamento psíquico e a organização da personalidade do entrevistado. A entrevista
é orientada para a psicodinâmica da estrutura intrapsíquica ou das relações objetais e 146
funcionamento interpessoal;
b) Perspectiva Existencial-Humanista – não procura formular um diagnóstico, e sim,
verificar se o interesse do indivíduo está autorrealizado ou não. Aqui não existe uma
técnica específica de entrevista, essas são consideradas pelos existencialistas como
manipulação. O entrevistador reflete o que ouve, pergunta com cuidado, e tenta
reconhecer os sentimentos do entrevistado;
c) Perspectiva Fenomenológica – estuda a influência dos pressupostos e dos
preconceitos sobre a mente, e que os acionam ao estruturar a experiência e atribuir-lhe
um significado. Além de uma atitude aberta e receptiva, é necessário que o
entrevistador atue como observador participante, e que, assim, seja capaz de avaliar
criticamente, por meio de sua experiência clínica e conhecimento teórico, o que está
ocorrendo na entrevista.

A entrevista quanto ao seu método:

FIGURA 44
Segundo Ribeiro (1988), a realização da entrevista psicológica segue diferentes
enfoques:
a) psicométrico – o entrevistador faz uso constante de uma série de instrumentos:
testes, pesquisas, controle estatístico, etc., predeterminados, enquanto dispositivos
para a aquisição de conhecimentos sobre o entrevistado. Nessa situação, dificilmente o
entrevistador conseguirá aprofundar a relação, o encontro permanece mais em nível 147
formal e informativo do que espontâneo criativo e transformador. Isso não quer dizer
que seja menos válida ou mais superficial;
b) psicodinâmico – a relação poderá ser mais aprofundada devido ao fato de o
entrevistador contar com maior disponibilidade de tempo para questionar o
entrevistado, e conduzir a situação de maneira “menos estruturada”. Sua atenção não
está no aqui e no agora, ela atende a uma dinâmica de causa-efeito na qual
submensagens poderão dificultar a comunicação;
c) antropológico – abrange a relação ambiente-organismo na compreensão da
comunicação. Qualquer dado será considerado, mas, nem sempre, é possível dizer em
que momento ele está e onde será utilizado. Esse tipo de entrevista parece mais
complexo, assim sendo, exige mais prática do entrevistador para analisar as
informações.

Técnicas de entrevista:

FIGURA 45
Um dos aspectos essenciais da entrevista está na investigação que se realiza durante
o seu transcurso. As observações são registradas em função das hipóteses que o entrevistado
emite. O entrevistador ordena na seguinte disposição: observação, hipótese e verificação. Uma
boa observação consiste, de algum modo, em formular hipóteses que vão sendo reformuladas
durante a entrevista em função das observações subsequentes.
No entender de Bleger (1980), o trabalho do psicólogo somente adquire real 148
envergadura e transcendência quando coincidem a investigação e a tarefa profissional, porque
estas são as unidades de uma práxis que resguarda a tarefa mais humana: compreender e
ajudar os outros. Assim, indagação e atuação, teoria e prática, devem ser manejadas como
momentos e aspectos inseparáveis do mesmo processo.
Segundo Bleger (1980), a entrevista se diferencia de acordo com o beneficiário do
resultado:
 a entrevista que se realiza em benefício do entrevistado, a exemplo da consulta
psicológica ou psiquiátrica;
 a entrevista cujo objetivo é a pesquisa, valorizando, apenas, o resultado científico
da mesma;
 a entrevista que se realiza para terceiro, neste caso, a serviço de uma instituição.
Com exceção do primeiro tipo de entrevista, os demais exigem do entrevistador que
desperte interesse ou motive a participação do entrevistado.

Segundo Gil (1999), as entrevistas podem acontecer em duas modalidades: Face a


face e por telefone. A entrevista tradicional tem sido realizada face a face. No entanto, nas
últimas décadas, vem sendo desenvolvida a entrevista por telefone.
As principais vantagens da entrevista por telefone, em relação à entrevista pessoal,
são: custos mais baixos; facilidade na seleção da amostra; rapidez; maior aceitação dos
moradores das grandes cidades, que temem abrir suas portas para estranhos; facilidade de
agendar o momento mais apropriado para a realização da entrevista.
São limitações da entrevista por telefone: interrupção da entrevista pelo entrevistado;
menor quantidade de informações; impossibilidade de descrever as características do
entrevistado ou as circunstâncias em que se realizou a entrevista; parcela significativa da
população que não dispõe de telefone ou não tem seu nome na lista.
Segundo Erickson (apud SCHEEFFER, 1977), algumas recomendações devem ser
aplicáveis ao processo de entrevista psicológica:
 o entrevistador deve ter o cuidado para não transformar a entrevista em uma
conversa social. “Como posso ajudá-lo?”, é uma boa maneira de se iniciar uma
entrevista;
 o entrevistador não deve completar as frases do entrevistado. Devem-se evitar 149
perguntas que induzam respostas do tipo “sim” ou “não”. Não interromper o fluxo do
pensamento do entrevistado, a não ser que ele se perca em ideias que fogem dos
tópicos da entrevista;
 a atitude do entrevistador deve ser de aceitação completa das vivências do
entrevistado. Não deve haver discussão de pontos de vista;
 as pausas e silêncios são, quase sempre, embaraçosos para o entrevistador.
Nesses momentos, possivelmente, o entrevistado está revivendo experiências que não
consegue expressar verbalmente. Quando as pausas forem longas, o entrevistador
poderá retomar um tópico anterior que estava sendo discutido;
 o tempo de entrevista deve ser marcado, e o entrevistado será comunicado de
quanto tempo dispõe. Se necessário, marca-se outra(s) entrevista(s). Deve-se limitar o
número de assuntos em cada sessão para não confundir o entrevistado;
 é necessário trocar o pronome pessoal “eu”, pelo uso de expressões mais vagas,
tais como: “parece que ...”; “parece melhor ...”; etc.;
 recomenda-se fazer o resumo do que fora discutido em cada final de entrevista. E
que o entrevistador faça uma síntese para o entrevistado do que foi abordado na
sessão;
 o término da entrevista não deve transformar-se numa conversa social, sem
nenhuma relação com os problemas discutidos. Isto pode prejudicar o resultado da
entrevista.

Segundo Foddy (2002), é aconselhável o investigador ou entrevistador:


 adotar uma atitude comum e casual. Ex. “Por acaso você...”;
 empregar a técnica “Kinsey” de olhar os inquiridos bem nos olhos, e colocar a
pergunta sem rodeios de modo a que eles tenham dificuldade em mentir;
 adotar uma aproximação indireta de modo a que os inquiridos forneçam a
informação desejada sem terem consciência disso, a exemplo das técnicas projetivas;
 colocar as perguntas perturbadoras na parte final do questionário ou da entrevista
de modo a que as respostas não sofram qualquer consequência desse efeito.
Segundo Gilliéron (1996), podem-se estudar os comportamentos do paciente
praticamente em relação a dois eixos: 150
 a anamnese do sujeito que permite a observação dos comportamentos repetitivos
que dão uma ideia exata da sua personalidade: trata-se do ponto de vista histórico;
 a observação do comportamento do paciente quando da primeira entrevista
também fornece indicações muito precisas sobre a organização da sua personalidade.

Dinâmica da entrevista:

FIGURA 46
O entrevistador, no seu papel de técnico, não deve expor suas reações e nem sua
história de vida. Não deve permitir em ser considerado como um amigo pelo entrevistado e, nem
entrar em relação comercial, de amizade ou de qualquer outro benefício que não seja o
pagamento dos seus honorários. Para Gilliéron (1996), a investigação repousará:
 na análise do comportamento do paciente com relação ao enquadre;
 em um modelo preciso suscetível de evidenciar a dinâmica relacional que se 151
estabelece entre o paciente e o terapeuta; modelo de apoio objetal.
O entrevistado deve ser recebido com cordialidade, e não de forma efusiva. Diante de
informações prévias fornecidas por outra pessoa, se deixa claro que essas não serão mantidas
em reserva. Em função de não abalar a confiança do entrevistado, estas lhe serão comunicadas.
A reação contratransferencial deve ser encarada como um dado de análise da
entrevista, não se deve atuar diante da rejeição, inveja ou qualquer outro sentimento do
entrevistado.
As atitudes do entrevistado não devem ser “domadas” ou subjugadas, não se trata de
querer triunfar e nem se impor perante ele. Compete ao entrevistador averiguar como essas
atitudes funcionam e como o afetam. O grau de repressão do entrevistado, de certo modo, tem
uma relação direta com o nível de repressão do entrevistador.
Necessariamente, o entrevistado que fala muito não traz à tona aspectos relevantes
das suas dificuldades. A linguagem é um meio de transmitir informação, mas poderá ser também
uma maneira poderosa de se evitar uma verdadeira comunicação (BLEGER, 1980). Nem
sempre, uma carga emocional intensa significa uma evolução no processo.
O silêncio é uma expressão não verbal que muitas vezes comunica bem mais que as
palavras. O silêncio é, geralmente, o fantasma do entrevistador iniciante. Ele pode ser também
uma tentativa de encobrir a faceta de um momento o qual o sujeito não consegue enfrentar.
Castilho (1995) cita uma série de tipos de silêncio que são comuns nas dinâmicas de grupo, mas
que também ocorrem, com bastante frequência, no processo de entrevista, etc. Para ilustrar
foram destacados alguns tipos de silêncio:
 silêncio de tensão – é a expressão da ansiedade. Facilmente observado pela
postura corporal tensa ou inquieta do entrevistado, da sua respiração ofegante, do
tamborilar dos dedos, etc.;
 silêncio de medo – deixa o entrevistado petrificado, na sua tentativa de fugir de
uma situação psicologicamente ameaçadora. Esse silêncio suscita muita tensão e,
como consequência, forte descarga psicossomática;
 silêncio de reflexão – surge normalmente após a intervenção do entrevistador, ou
logo após um feedback, ou mesmo depois do entrevistador ter passado por algum tipo
de vivência. Nele, observa-se a ausência de tensão, há um recolhimento introspectivo 152
de elaboração mental;
 silêncio de desinteresse – o indivíduo perde o foco da atenção, camufla
resistência, se desinteressa pela situação externa porque interiormente ela o atinge.

A ansiedade na entrevista:

FIGURA 47

A ansiedade é parte da existência humana, todas as pessoas a sentem em grau


variado, por vezes consiste em uma resposta adaptativa do organismo (SIERRA, 2003). Para
Bion (apud ALMEIDA; WETZEL, 2001, p. 272), se duas pessoas estão em uma sala de análise
sem angústia, não está havendo análise.
Calligaris (apud GOLDER, 2000, p.151) percebe que, em todo encontro, o outro está
imediatamente implicado enquanto “semelhante imaginário”, o que se busca primeiro é uma tela,
uma espécie de cumplicidade, na qual supõe um sentido comum ao que estamos dizendo.
Desse modo, a ansiedade é um indicativo do desenvolvimento de uma entrevista, e deve ser
controlada pelo entrevistador, a sua própria, e a que aparece no entrevistado.
Durante a situação de entrevista, tanto a ansiedade quanto os mecanismos de defesa 153
do entrevistado podem aumentar, não somente devido a esse novo contexto externo que ele
enfrenta, mas também devido ao perigo, em potencial, daquilo que desconhece em sua
personalidade. O contato direto com seres humanos coloca o técnico diante da sua própria vida,
saúde ou doença, conflitos e frustrações.
Considerando que o entrevistador é um agente ativo na investigação, sua ansiedade
torna-se um dos fatores mais difíceis de lidar. Em sua tarefa, o psicólogo pode oscilar facilmente
entre a ansiedade e o bloqueio, sem que isto o perturbe, desde que possa resolver na medida
em que surja.
Toda investigação implica a presença de ansiedade frente ao desconhecido, e o
investigador deve ter a capacidade para tolerá-la, assim, poderá manter o controle da situação.
Há casos em que o investigador, devido aos seus bloqueios e limitações, se vê oprimido pela
ansiedade, e recorre a mecanismos de defesa para se sentir seguro, e assim, elimina a
possibilidade de uma investigação eficaz, uma vez que conduz a entrevista de maneira
estereotipada. Outro problema frequente diz respeito a certa compulsão do entrevistador
focalizar seu interesse ou encontrar perturbações exatamente na esfera que ele nega os seus
próprios conflitos.
A manipulação técnica, de toda ansiedade, deve ser realizada com referência à
personalidade do entrevistado, e ao nível de timing (sincronização e ajustamento) que se tenha
estabelecido na relação. Toda interpretação fora desse contexto implica em agressão ao
paciente ou entrevistado. Cabe ao psicólogo saber calar, na proporção inversa da sua vontade
compulsiva de interferir. Nessa ótica, Almeida e Wetzel (2001, p. 271) dizem que a interpretação
algumas vezes vem de um desejo de intervenção com a finalidade de eliminar angústias (perda
de continência), instados pela situação e autorizados pelo setting.
Segundo Piaget (apud GIL, 1999), o bom entrevistador deve reunir duas qualidades:
saber observar (não desviar nada, não esgotar nada); saber buscar (algo de preciso, ter a cada
instante uma hipótese de trabalho, uma teoria, verdadeira ou falsa, para controlar).
Douglas (apud FODDY, 2002) corrobora essa ideia quando afirma que entrevistar
criativamente é ter determinação atendendo ao contexto, em vez de negar, ou não conseguir
compreender. O que se passa em uma situação de entrevista é determinado pelo processo de
perguntas e respostas, a entrevista criativa agarra o imediato, a situação concreta, tenta
perceber de que modo essa afetação vai sendo comunicada e, ao compreender esses efeitos,
modifica a recepção do entrevistador, aumentando, assim, a descoberta das verdades. 154

Transferência e contratransferência:

FIGURA 48

Transferência:
Freud (1914-1969) entende que a transferência é “[...] apenas um fragmento da
repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido [...] para todos os
aspectos da situação atual” (p.166). A transferência é designada pela Psicanálise como um
processo por meio do qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos,
em certo tipo de relação estabelecida, eminentemente, no quadro da relação analítica. A
repetição de protótipos infantis vividos com um sentimento de atualidade acentuada.
Classicamente a transferência é reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de
um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação
e a sua resolução que as caracterizam (LAPLANCHE; PONTALIS, 2004).
A transferência e a contratransferência são fenômenos que estão presentes em toda
relação interpessoal, inclusive na entrevista. Na transferência o entrevistado atribui papéis ao
entrevistador, e se comporta em função deles, transfere situações e modelos para a realidade
presente e desconhecida, e tende a configurar esta última como situação já conhecida,
repetitiva. No entender de Gori (2002, p. 78), repetindo transferencialmente, evoca-se a
lembrança e é somente por meio da lembrança que temos acesso à história “[...] por meio da 155
transferência é forjado num lugar intermediário entre a vida real e um ensaio de vida, para que o
drama humano possa ter um desfecho”.
A articulação do conceito de “momento sensível” (grifo da autora) passa pelo
posicionamento do terapeuta. Esse instante preciso determina os mecanismos que instalam a
transferência. Com efeito, é o momento em que uma relação de trabalho se torna possível. A
abertura ao outro, a espera de ajuda vinda do exterior é forte e expõe o paciente tanto ao melhor
quanto ao pior dessa interação (GOLDER, 2000).
Nessa perspectiva, Gilliéron (1996, p. 14) diz que todos os pacientes procuram obter
alguma coisa do terapeuta. Eles não buscam apenas a cura de um sintoma, mas também certa
qualidade de relação. Os entrevistados revelam aspectos irracionais ou imaturos de sua
personalidade, seu grau de dependência, sua onipotência e seu pensamento mágico.
As transferências negativas e positivas podem coexistir em um mesmo processo,
embora, quase sempre com predomínio relativo, estável ou alterado, de uma delas. Segundo
Sang (2001, p. 319-320), é a situação analítica e não a sua pessoa o que levou a paciente a se
apaixonar por ele, isto é, que o amor de transferência é essencialmente impessoal: “[...] o
analista não deve nem reprimir nem satisfazer as pretensões amorosas da paciente”. Deve sim,
tratá-las como algo irreal. No que é confirmado por Yalom (2006, p. 175), quando diz que os
sentimentos que surgem na situação terapêutica. Geralmente pertencem mais ao papel que à
pessoa, é um equívoco tomar a adoração transferencial como um sinal de sua atratividade ou
charme pessoal irresistível.

Contratransferência:
Na contratransferência emerge do entrevistador reações que se originam do campo
psicológico em que se estrutura a entrevista. Porém, se constitui, quando bem conduzida, em
um indício de grande significação e valor para orientar o entrevistador no estudo que realiza.
Seu manejo requer preparação, experiência e um alto grau de equilíbrio mental, para que
possa ser utilizada com validade e eficiência. Na contratransferência, salienta Gilliéron (1996),
as emoções vividas pelo analista são consideradas reativas às do paciente, vinculando-se,
portanto, ao passado deste último, e não dizendo respeito diretamente à pessoa do analista.
Manfredi (apud ZASLAVSKY; SANTOS, 2005, p. 296), distingue cinco tendências de
abordagens dessa questão:
1) a contratransferência não é mais considerada como uma criação unicamente do 156
paciente, por ignorar a transferência do analista;
2) é problemático diferenciar a contratransferência normal da patológica (os dados à
disposição do analista não permitem, quase sempre, uma diferenciação);
3) a tolerância à contratransferência já seria suficiente, dada aqui, a dificuldade da
diferenciação dos sentimentos envolvidos na dupla;
4) devia-se, mais sábia e humildemente, fazer também a rota inversa: procurar no
paciente, e não só procurar no analista;
5) a questão do confessar ou não, ou confessar/revelar até quando/quanto, os
sentimentos contratransferências despertados.
Para que o instrumento Entrevista Psicológica, de fato, se efetive como auxiliar no
trabalho do psicólogo, não é o bastante a sua compreensão ou domínio teórico e técnico que
fundamenta e norteia sua prática, mas também de experiências que são adquiridas em
rollyplays por intermédio de estágio, supervisão; laboratório ou oficinas de sensibilidade.
É preciso desenvolver a sensibilidade para entrevistar, aprender ser empático, saber
lidar com a própria subjetividade e com a subjetividade do outro (entrevistando), facilitando assim
que seu universo, um tanto livre das “ameaças”, se descortine. O entrevistador precisa adquirir a
habilidade da “dissociação instrumental”, e ser capaz de adentrar esse universo, sem juízo de
valor, sem preconceito, para que assim possa estar com o Outro, conhecer, não temer, se perder
e se achar e, finalmente, voltar à realidade do contexto.
E agora, de posse de sua bagagem técnica tecer suas observações, ponderações e
considerações, de modo axiomático, considerado que a utópica da neutralidade sempre deverá
ser perseguida. Os princípios éticos serão avivados em cada encontro, e nenhum instrumento
poderá adquirir uma aura de prevalência sobre a pessoa do entrevistado, que é mais importante
e assim deve ser respeitado. O que não significa ser “meloso”, por demais e muito menos
autoritário.
O entrevistador deve habilitar-se em se inscrever na virtualidade da distância e
proximidades ótimas que o trabalho possa fluir. Ser a pessoa na figura do profissional imbuído
da intenção singular de realizar uma atividade sem perder sua essência humana.
Nessa investida, é fundamental que o profissional se “conheça”, e que faça de
rotineiras as reflexões sobre suas atitudes, postura e comportamento, bem como de que tenha
também flexibilidade em reformulá-los, quando a necessidade aponte. Muito do trabalho do 157
psicólogo certamente vem em consequência do “automergulho” que lhe dará a base na qual se
apoiam a sua atuação e intervenção com toda transparência.
12 INTERVENÇÃO

FIGURA 49

158

Abordagem sistêmica:
Parte da teoria geral dos sistemas e da teoria da comunicação de Watzlawick é um
paradigma que emerge das ciências exatas e fornece uma base teórica e prática de
compreensão dos sistemas humanos. Nos anos 40, Ludwig von Bertalanffy publicava uma série
de princípios válidos para vários sistemas (biológicos, físico-químicos, sociais).
O sistema é um complexo organizado em múltiplos elementos que estão em interação
recíproca no seu interior e com o meio. Um sistema pode ser aberto (auto-organizado) ou
fechado (entropia).
A perspectiva sistêmica constitui um bom suporte teórico para a intervenção,
especialmente em terapia familiar. Põe em causa uma epistemologia linear, unidirecional e
contextualiza os problemas humanos, não em um único sentido, mas em função dos contextos
em que emergem os problemas. Alarga a perspectiva de intervenção, centrada apenas em um
sistema pessoal, para uma perspectiva que se centra nos contextos de vida e nas redes de
apoio dos sujeitos. Esses pressupostos são aplicados, sobretudo, na terapia familiar.
Modelo cognitivo-comportamental:
“O que perturba o ser humano não são os fatos, mas a interpretação que ele faz dos
fatos” (Epitectus - Século I)
Essa perspectiva teve origem nos trabalhos de Aaron Beck e Albert Ellis. Sugere que
as nossas crenças e atribuições desempenham um importante papel no comportamento.
Essa abordagem é historicamente baseada nos princípios da aprendizagem e da 159
psicologia experimental. Centra-se no comportamento observável e não observável.
Pensamentos adquiridos por meio da aprendizagem e do condicionamento no ambiente social.
As terapias cognitivo-comportamentais compartilham alguns pressupostos básicos,
ainda que existam diferentes abordagens conceituais e estratégicas para os diversos
transtornos. Há algumas características essenciais no núcleo das terapias cognitivo-
comportamentais (DOBSON, 2001):
 a atividade cognitiva influencia o comportamento;
 a atividade cognitiva pode ser monitorada e alterada;
 o comportamento desejado pode ser influenciado mediante a mudança cognitiva.
Essa terapia baseia-se na premissa que uma inter-relação entre cognição, emoção e
comportamento é parte integrante do funcionamento psicológico normal. Um acontecimento de
vida pode acarretar inúmeras formas de agir, sentir e pensar, mas não é o evento em si que gera
as emoções e comportamentos, é o que nós pensamos e interpretamos sobre esse evento.
Outra premissa é que as distorções cognitivas são muito frequentes em diferentes
transtornos.
Ao contrário do que acontece com o modelo psicanalista, o material trazido à consulta
não é interpretado pelo terapeuta, mas elaborado conjuntamente com o cliente, com o objetivo
de identificar, examinar e corrigir as distorções do pensamento que causam sofrimento
emocional ao indivíduo.
Albert Ellis centrou-se nas crenças irracionais para lidar com pensamentos e
comportamentos problemáticos. Pensamentos como “toda a gente deve me apreciar”, “ninguém
vai amar alguém tão feio como eu” vão inevitavelmente conduzir à decepção.
Aaron Beck desenvolveu a terapia cognitiva para tratar a depressão e outros
problemas. Beck considera que durante o desenvolvimento, as pessoas formulam regras sobre o
funcionamento do mundo, tendendo serem simplistas, inflexíveis e frequentemente baseadas em
concepções errôneas.
As abordagens cognitivistas podem-se distinguir em duas tradições:
 cognitivismo substantivo racionalista – centra-se no conteúdo, pensamento
interno, mecanicista (Ellis, Beck, Meichenbaum, D’Zurilla, etc.);
 cognitivismo construtivista desenvolvimental – o construtivismo prega que o
conhecimento e a experiência humana implicam em uma pró-ação ativa do sujeito, a
importância das emoções e os problemas psicológicos refletem diferenças entre as 160
exigências do ambiente e a capacidade adaptativa do cliente.

Abordagem humanista:
Essa abordagem tem as suas origens na filosofia europeia e no trabalho
psicoterapêutico de Victor Frankl, Carl Rogers, Abraham Maslow, Rollo May, Fritz Perls e outros.
Rejeitando as premissas básicas das teorias psicodinâmicas e comportamentalista, os
humanistas assumem uma abordagem fenomenológica que enfatiza a percepção individual e a
experiência. Tendem a ver as pessoas como ativas, pensadoras, criativas e orientadas para o
crescimento. Consideram que as pessoas são basicamente bem intencionadas e que
naturalmente lutam pelo crescimento, amor, criatividade e autoatualização. Em vez de se centrar
na influência do passado, os humanistas focam-se no “aqui e agora” ou presente.

Exemplos de conceitos e técnicas humanistas:


 empatia – capacidade de ver o mundo a partir da perspectiva da outra pessoa.
Transmite a sensação de ser ouvido e compreendido;
 aceitação incondicional – aceitar totalmente os sentimentos e pensamentos do
cliente;
 autoatualização – as pessoas tendem a procurar o crescimento e a atingir o seu
máximo potencial;
 congruência – o terapeuta manifesta sentimentos autênticos durante a consulta. É
uma harmonia entre os sentimentos e as ações.
A terapia centrada no cliente é a perspectiva de Carl Rogers e é um dos exemplos
mais clássicos da abordagem humanista. Usa técnicas não diretivas (indutoras) como a escuta
ativa, empatia, congruência e aceitação incondicional. A empatia sincera é necessária para as
pessoas se sentirem aceitas e compreendidas e para permitir o crescimento.
Abordagem comportamentalista:
O expoente moderno mais importante do behaviorismo foi Skinner (1904-1990), que
considerava que o único objeto da Psicologia era o comportamento manifesto (observável).
Nessa abordagem, pretende-se manipular e controlar o comportamento por meio do
reforço (quando as pessoas têm o comportamento desejado, aumentando a hipótese da sua
ocorrência) e por meio de castigos (quando as pessoas se comportam de maneira indesejável). 161
A aprendizagem pode fazer-se por condicionamento clássico, em um estímulo, até aí
neutro, é associado com dado motivacionalmente significativo e surge uma resposta.
Ex.: condicionamento clássico de Pavlov:
Pavlov reparou que os cães salivavam muitas vezes sem razão fisiológica aparente,
para que tal acontecesse. O cão aprende uma associação entre o alimento e um sinal casual
que precedia o alimento. Pavlov verificou que ao tocar a campainha antes de dar comida ao cão,
este começava a salivar quando ouvia a campainha, após alguns ensaios de associação entre
campainha e comida – o que originava o reflexo condicionado.
Uma campainha começava a tocar e passado algum tempo, com a campainha ainda a
tocar, era fornecido ao animal comida. A sequência campainha-comida foi repetida uma série de
vezes. Aos poucos, a quantidade de saliva produzida começou a aumentar logo após a
campainha tocar. O cão salivava ao ouvir a campainha, o que não sucedia no início da
experiência.
A associação repetida entre o som da campainha (estímulo neutro) e a carne
transformaram o estímulo inicialmente neutro (campainha) em um estímulo condicionado que
agora provocava a salivação sob a forma de um reflexo condicionado.
No condicionamento operante, há um aumento da probabilidade de resposta em um
determinado meio ambiente devido ao reforço da resposta.
Ex.: rato que carrega em uma alavanca para obter uma recompensa de comida.
Vários autores duvidaram da capacidade desse “behaviorismo radical” para explicar a
complexidade do comportamento humano. As grandes diferenças de personalidade indicam que
não é só importante o que as pessoas fazem, mas também o que pensam e esperam
(expectativas). Isto levou a uma evolução do comportamentalismo, aceitando conceitos como
expectativa e crença.
Esses são os teóricos da aprendizagem social, como Albert Bandura e Walter Mischel.
Defendem que muitas das diferenças individuais são basicamente cognitivas: são os modos
diferentes de interpretar o mundo, de pensar e agir sobre ele. Assim, os comportamentos podem
ser aprendidos e desenvolvidos pela observação do comportamento dos outros, em vez de ter
de realizar esse comportamento ou ser reforçado para um determinado comportamento.
Essa abordagem também valoriza o papel das expectativas no desenvolvimento do
comportamento. Por exemplo, alguém pode dedicar muito tempo e dinheiro para obter uma
licenciatura, porque espera que essa qualificação vá originar uma carreira e vida satisfatória. 162

Abordagem psicodinâmica:
Foi fundada com o trabalho de Sigmund Freud. Muitos neofreudianos e outros
revisionistas fizeram uma grande adaptação, desenvolvimento e mudança na abordagem básica
de Freud. Essa abordagem ainda mantém certas concepções sobre o comportamento humano e
problemas psicológicos.
Defende que o comportamento humano é influenciado por desejos intrapsíquicos,
motivações, conflitos e impulsos. Os mecanismos de defesa do ego (adaptativos ou não) são
utilizados para lidar com conflitos, desejos, necessidades e fantasias não resolvidas, que
contribuem para o comportamento normal ou anormal.
As experiências precoces na infância desempenham um papel fundamental no
desenvolvimento psicológico e no comportamento adulto. A compreensão dessas influências
inconscientes e a sua discussão e integração nas experiências quotidianas ajudam a melhorar o
funcionamento psicológico. A relação de transferência que se desenvolve entre o cliente e o
terapeuta também ajuda a melhorar o funcionamento psicológico.
Freud desenvolveu uma compreensão do comportamento humano baseada em três
estruturas mentais, que normalmente estão em conflito:
 o id, inato, funciona segundo o princípio do prazer e representa todos os
desejos e necessidades mais primitivas. O id não conhece juízos de valor, moral, ou
o bem ou o mal. O id procura a satisfação imediata sem considerar as circunstâncias
da vida real. A nossa energia psíquica básica (libido) está contida no Id e exprime-se
por meio da redução da tensão. Contudo, para a satisfação das necessidades é
preciso interagir com o mundo real. O ego, que é mediador entre o id e o mundo
exterior, ajuda nessa interação;
 o ego, que funciona segundo o princípio da realidade, mantém em suspenso as
exigências para o prazer que provêm do id, até que se encontre um objeto apropriado
para satisfazer a necessidade e reduzir a tensão. Desenvolve-se por volta do primeiro
ano de idade e representa os aspectos racionais e razoáveis da nossa personalidade,
ajudando-nos a adaptar a um mundo desafiante;
 o superego, que se desenvolve por volta dos cinco anos de idade, quando são
assimiladas as regras de comportamento ensinadas pelos pais, por meio de um
sistema de recompensas e castigos. Representa a internalização de normas e regras 163
sociais, culturais e familiares. O superego inclui o ego ideal (a imagem perfeita do que
somos e do que podemos ser) e a nossa consciência (as regras de bons e maus
pensamentos e comportamento).
Irá haver um conflito inevitável entre id, ego e superego para lidar com a ansiedade e
desconforto e a necessidade de utilizar mecanismos de defesa do ego. O ego está em uma
posição difícil, pois tem de lidar com forças opostas. Os mecanismos de defesa são estratégias
desenvolvidas pelo ego para proteger o indivíduo desses conflitos internos e, em geral,
inconscientes.
Eles ajudam a lidar adaptativamente, ou não, com a inevitável ansiedade de ser
humano. Há uma variedade de mecanismos de defesa, como a repressão (manter pensamentos,
desejos, sentimentos e conflitos desagradáveis fora da consciência). Negação (negar que
existem pensamentos ou sentimentos problemáticos), sublimação (substituição de uma meta que
não pode ser satisfeita por outra socialmente aceitável), projeção (a origem da ansiedade é
atribuída a outra pessoa).
Freud também definiu vários estádios psicossexuais do desenvolvimento da
personalidade. No decorrer desses estádios, as crianças são autoeróticas ao obter prazer erótico
quando estimulam as zonas erógenas do corpo. Cada estádio tende a estar localizado em uma
determinada zona erógena. Estes incluem as fases: oral, anal, fálica, latente e genital.
 o estádio oral vai desde o nascimento até ao segundo ano de vida. A estimulação
da boca (sugar, morder, etc.) é a fonte de satisfação erótica;
 no estádio anal, a satisfação vai da boca para o ânus e as crianças têm prazer na
zona anal. Nessa fase treinam a higiene pessoal e as crianças podem reter ou expelir
fezes;
 no estádio fálico, por volta do quarto ano de idade, a satisfação erótica passa
para zona genital, havendo manipulação e exibição dos órgãos genitais. Nesse estádio
há o desenvolvimento do Complexo de Édipo, em que o rapaz desenvolve um desejo
incestuoso e de morte, desejando unir-se à mãe e eliminar o pai. Os medos de
retaliação e de castração resultam na repressão desses impulsos e na identificação
com o pai.
O objetivo dessa abordagem é o insight-compreensão de fatores inconscientes que
levam a comportamentos e sentimentos problemáticos, por intermédio de uma análise
aprofundada e cuidadosa do papel de desejos, impulsos e conflitos inconscientes na vida diária. 164
Técnicas como a associação livre (dizer tudo o que nos passa pela cabeça), a análise
dos sonhos e a interpretação são usadas para compreender e tratar vários problemas.
13 EQUIPE MULTIPROFISSIONAL

FIGURA 50

165

O trabalho em equipe multidisciplinar consiste em uma forma especial de organização,


que visa, principalmente, a ajuda mútua entre profissionais de uma mesma área, no caso da
Psicologia, a área de Saúde. O trabalho em equipe deve ser descrito como um conjunto ou
grupo de pessoas que se dedicam a realizar uma tarefa ou um determinado trabalho, visando um
objetivo comum, nesse caso é a pessoa atendida. A grande maioria dos transtornos psicológicos
requer o auxílio de um médico psiquiatra, um neurologista, um nutricionista, assistente social,
fonoaudiólogo ou profissional de Educação Física.
Percebe-se, nesse caso, que um bom profissional jamais deve ficar restrito à sua área
de atuação, mas estudar sobre tudo aquilo que poderá beneficiar o paciente. Muitas vezes, por
exemplo, a ajuda de um profissional do Direito é imprescindível. São muitas as crianças
abusadas sexualmente que chegam ao consultório de Psicologia; também são bastante comuns
casos de mulheres violentadas e espancadas por seus companheiros.
Valorizando cada indivíduo e permitindo que todos façam parte de uma mesma ação,
seja no campo escolar, profissional ou, até mesmo, em atividades cotidianas. O trabalho em
equipe, além de possibilitar a troca de conhecimento é determinante nas relações humanas, pois
motiva o grupo a buscar de forma coesa os objetivos traçados. Os estudos de caso devem fazer
parte da rotina de consultórios e policlínicas de Saúde.
Também uma boa supervisão e psicoterapia pessoal são suportes valiosos na rotina 166
de um bom profissional de Psicologia. É preciso ficar claro que não há profissão melhor ou pior
que a outra. O que deve existir é a consciência de que, em se tratando de seres humanos,
nenhum tipo de conhecimento é demais. Todo conhecimento é válido e jamais se conhece sobre
tudo. O trabalho em equipe é necessário e fundamental.
Na visão do psicólogo Abraham Maslow (1908-1970), considerado por muitos como o
profissional que deu início à Psicologia Transpessoal (área da Psicologia que estuda a
consciência nos seus diferentes níveis e a sua relação com os aspectos evolutivos do ser). O
trabalho em equipe possibilita dar e receber, por parte de cada um de seus membros, afeição,
aceitação e sentimento de importância.
Para Maslow, “isto faz com que o indivíduo cresça, tornando o trabalho determinante,
pois o objetivo a ser alcançado depende, exclusivamente, da satisfação psicológica do indivíduo
bem como das relações humanas”.
A necessidade de desenvolvimento do trabalho em equipe passa por diversos fatores
de importância para a evolução profissional, como a definição de prioridades, o ajuste de metas,
otimismo e o “estar aberto” a mudanças. Todas essas qualidades, quando são acrescidas ao ser
individual (si próprio), pode significar o sucesso nas relações pessoais, o que forma um círculo
virtuoso, propiciando assim as tarefas conjuntas.
É importante perceber que, quando se fala em trabalhar em equipe, fala-se em maior
volume de atividades, mais e maior responsabilidade, comprometimento, flexibilidade,
colaboração e esforço pessoal, detalhes que acabam sendo descobertos a cada novo dia de
trabalho. Entretanto, como benefício, um grupo coeso aflora muitas características até então
passadas despercebidas no individual, como a criatividade, a participação, visão de futuro,
questionamento de posições e colocações e senso crítico.
Segundo a psicóloga Solange B. R. Cremasco, a motivação é um fator substancial que
deve estar ligado ao trabalho em equipe. De acordo com ela, esse atributo individual do ser
humano representa o comprometimento e a “chave para o sucesso que está ao alcance de
todos”. “Quanto maior for o grau de responsabilidade, quanto maior for o universo de
aprendizado e as perspectivas de evolução, muito mais eles (os profissionais) se envolvem com
as atividades que lhes são atribuídas e, consequentemente, a motivação sempre se encontrará
no topo”, conclui.
Trabalhar em equipe significa compartilhar uma direção comum. Além disso, atividades
desenvolvidas em conjunto encorajam o grupo, o que aumenta o desempenho na hora de 167
realizar atividades, transmitindo autoconfiança, habilidade e união, características primordiais
para o sucesso. Isso também vale para os profissionais de saúde, incluindo aí os profissionais de
Psicologia.
14 PRESENTE E FUTURO DA PSICOLOGIA CLÍNICA

FIGURA 51

168

A Psicoterapia é um valioso recurso para lidar com as dificuldades da existência em


todas as formas que o sofrimento humano pode assumir como transtornos psicopatológicos,
crises pessoais, crises de relacionamentos, conflitos conjugais e familiares, distúrbios
psicossomáticos, dificuldades nas transições da vida, crises profissionais, etc.
Também é um espaço favorável ao crescimento pessoal, um lugar, tempo, modo
privilegiado de criar intimidade consigo mesmo, de estabelecer diálogos construtivos, abrir novos
canais de comunicação, de transformar padrões estereotipados de funcionamento,
restabelecendo o processo formativo e criativo de cada um.
Ela oferece uma oportunidade de compreender e mudar os padrões de vínculo e
relação interpessoal. Os problemas vinculares são fonte de incontáveis sofrimentos e doenças.
A Psicoterapia ocupa hoje um lugar fundamental na área da Saúde, por trazer uma
visão integrada do homem, considerando as dimensões orgânicas, psíquicas e sociais
conjuntamente participantes na produção da existência humana e de seus problemas.
Em alguns casos, a Psicoterapia cumpre também uma função de educação para a
vida. Essa é uma área pouco considerada em nossa cultura, porém evidente quando as pessoas
se veem inaptas para lidar com situações como crises conjugais, desemprego ou 169
envelhecimento, por exemplo.
A Psicoterapia é um espaço especial de atenção às dificuldades da vida e aos
caminhos internos para solucioná-los. Seus resultados demonstram uma grande potência de
transformação de vidas. Todos os últimos avanços na área da Psicologia e Psicoterapia têm
permitido alcançar resultados cada vez maiores e mais significativos.

Os prazos variam com os objetivos:

FIGURA 52

No geral, os prazos de tratamento são relativos aos objetivos almejados. Há vários


desenvolvimentos recentes em psicoterapias breves, que são focadas em objetivos mais
específicos.
Atualmente é possível atingir resultados significativos em períodos de 3 a 12 meses e
há muitos processos terapêuticos profundos que se encerram satisfatoriamente em prazos
inferiores há três anos. Muitas pessoas obtêm resultados significativos no início do tratamento,
compensando os investimentos realizados.
Há casos que demandam um trabalho terapêutico mais demorado, geralmente com
problemática psicopatológica mais severa, envolvendo traumas precoces, desorganização
psicológica, problemas vinculares sérios, etc. Esses trabalhos podem demandar anos de
trabalho árduo, compensados por ajudas significativas que o trabalho psicológico pode trazer. 170
Algumas pessoas encontram na terapia um lugar fundamental de acompanhamento de
seu processo de vida, onde são trabalhadas transformações mais profundas ao longo de vários
anos. São situações em que o processo terapêutico não tem um prazo definido e segue em
comum acordo entre o psicoterapeuta e o cliente.
Apesar de poder parecer, à primeira vista, um tratamento oneroso em termos de tempo
e dinheiro, a Psicoterapia tem se mostrado, na realidade, um modo econômico de tratamento.
Pesquisas indicam, por exemplo, que a Psicoterapia diminui os índices de consumo de
medicamentos e de internações hospitalares. A Psicoterapia tem se mostrado também um
tratamento economicamente compensador por prevenir e tratar problemas psicológicos que,
quando não tratados adequadamente, trazem enormes prejuízos econômicos para as pessoas e
para o país.

As várias aplicações da Psicoterapia:

FIGURA 53
FONTE: Disponível em: <http://casadooriente.blogs.sapo.pt/arquivo/Terapia.jpg>.
Vários estados de sofrimento, crises, transtornos e doenças têm encontrado uma
solução e melhora apenas com o auxílio da Psicoterapia.
Não é possível hoje se falar em doenças sem uma consideração pela dimensão
psicológica e emocional. Cada vez está mais evidente a natureza psicossomática de todas as
experiências humanas. A saúde psicológica é pré-condição e parte integrante da saúde global.
171
Cada ser psicossomático vive uma história de interações, encontros e acontecimentos
em que as doenças (orgânicas ou mentais) resultam também dos desequilíbrios existenciais e de
soluções inadequadas de vida.
A Psicoterapia é um processo que permite transformações profundas da
personalidade, com resultados evidentes em diversas situações como:
 tratamento de vários transtornos como pânico, fobias, depressão, anorexia,
bulimia, frigidez, impotência, etc.;
 resolução de conflitos pessoais, interpessoais, conjugais, familiares, profissionais etc.;
 crises existenciais, transições difíceis (luto, crises profissionais, etc.) e mudanças de
fases de vida (puberdade, adolescência, vida adulta, menopausa, envelhecimento, etc.);
 aprendizado do autogerenciamento da capacidade de lidar com o estresse,
dialogando com os estados afetivos internos e os efeitos dos desafios e problemas da vida;
 descoberta de novos modos de conduzir a própria vida;
 aquisição de autoconhecimento, autonomia e amadurecimento pessoal.

Os tipos de Psicoterapia:

FIGURA 54
Existem alguns tipos de Psicoterapia, conforme as necessidades e a configuração dos
problemas. Os principais tipos são:
 Psicoterapia Individual para crianças, adolescentes, adultos e idosos;
 Psicoterapia de Grupo;
 Psicoterapia de Casal;
 Psicoterapia de Família; 172
 Atendimento Emergencial.

O processo terapêutico mais profundo:

FIGURA 55

O processo terapêutico é como atravessar um túnel. Nesse túnel você vai rever muitas
cenas da história da sua vida de um ângulo completamente novo, fazendo conexões inusitadas
entre os eventos e percebendo a potência do passado para moldar quem você é hoje.
Na travessia desse túnel você aprenderá a reconhecer os seus padrões de
comportamento, que levam você a se comportar de modo parecido em situações diferentes,
inclusive repetindo os mesmos erros.
Você aprenderá a reconhecer o “como” do seu comportamento: como você age, como
se relaciona, como pensa, sente. E aprenderá caminhos para poder influenciar e transformar
esses padrões.
Essa é uma travessia acompanhada de alguém que pode ajudar você a se
compreender. Alguém que pode lhe ajudar a transformar o seu jeito de ser, a mudar e a se
conhecer profundamente. Essa travessia pode mudar completamente a sua vida. 173

O vínculo na Psicoterapia:

FIGURA 56

A base de uma boa terapia está na relação terapêutica. A boa terapia se desenrola em
um enquadre clínico (ambiente pré-definido) com um clima terapêutico favorável. Aí está um dos
segredos dessa arte: criar um ambiente que permita a revelação dos mundos internos e favoreça
o desenvolvimento do processo singular de cada um. Nesse clima é possível que o ser mais
oculto e amedrontado se mostre, seja ouvido, transforme-se, que o processo formativo possa
prosseguir formando vida.
O ser humano nasce, cresce e vive em ambientes vinculares. Desses ambientes
emocionais depende seu bem-estar e suas realizações na vida. Os problemas vinculares – da
primeira infância à terceira idade – afetam profundamente a capacidade que as pessoas têm de
amar, trabalhar e viver. A Psicoterapia é um espaço para se esclarecer e transformar essas
dificuldades vinculares. E esse processo ocorre por meio de uma relação saudável com um
profissional eticamente comprometido e tecnicamente qualificado.

Por que a Psicoterapia funciona?


174

FIGURA 57

É comum a desconfiança nos processos terapêuticos. Pela própria história da Ciência,


exigindo uma quantificação, para que se legitime, fica mais difícil acreditar em um saber
profissional que lide com a subjetividade. No entanto, as pesquisas, de caráter científico ou não,
têm demonstrado uma grande eficácia da Psicoterapia. Mesmo as recentes tecnologias de
mapeamento cerebral têm permitido demonstrar como o tratamento psicológico age,
transformando o funcionamento cerebral. A eficácia que vinha se demonstrando há muitos anos
tem sido corroborada recentemente pelos novos conhecimentos das neurociências.
Pela complexidade do tema existem centenas de livros e pesquisas explorando e
explicando porque a Psicoterapia funciona. Mesmo assim, como simples exercício de
compreensão, vamos listar alguns motivos para explicar a efetividade da Psicoterapia, dos mais
simples aos mais complexos.
No início da lista, como em um continuum, temos aqueles motivos que são comuns a
outras relações de ajuda, mesmo não profissionais, como uma conversa íntima com um amigo,
uma conversa sobre um problema pessoal com um professor, um médico, etc. Avançando na
lista vamos chegando aos motivos que são mais comuns na Psicoterapia até aqueles que são
exclusivos da Psicoterapia – possíveis pelo cuidadoso treinamento teórico e técnico adquirido
pelo psicólogo em sua trajetória de formação profissional. Eis o continuum com alguns motivos 175
pelos quais a Psicoterapia funciona:
1) é fundamental ter alguém em quem confiar e com quem se possa dividir o peso do
problema que se vivencia. Compartilhar auxilia sobremaneira a aliviar a carga
emocional e consequentemente se sofre menos. Além disso, terá ao lado um
profissional capaz de escutar e de guardar sigilo, além de não alimentar preconceitos e
cobranças muitas vezes moralistas;
2) provavelmente formarão um vínculo afetivo e o próprio vínculo tem um poder de
cura. É mais fácil superar muitas dores por meio de uma relação autêntica de respeito
mútuo do que sozinho. A relação terapêutica é uma relação de ajuda, de compreensão
e apoio;
3) a psicoterapia é um ponto obrigatório para se parar e pensar na própria vida. Ao
parar para um momento de reflexão, são revistos valores e projetos futuros. Parar,
observar e refletir permite muitas mudanças de orientação, sentido, rumo e
aprofundamento da experiência de vida. A vida não consiste apenas em produzir, mas
em ser feliz. Este deve ser o verdadeiro sentido da vida;
4) o psicólogo clínico (psicoterapeuta) é outro, com o olhar e a perspectiva de um
outro, o que lhe ajudará ver a sua vida de um modo diferente, lhe fazer perguntas
diferentes, ajudá-lo a perceber as coisas de um ângulo que você não tinha visto antes
e nem suspeitava ser possível;
5) o psicoterapeuta conhece teorias psicológicas que ajudam na compreensão do
que ocorre com o ser humano, auxiliam na identificação do que pode estar errado em
sua vida, a direção na qual você está seguindo e as mudanças de rumo necessárias. A
partir de seu conhecimento o psicólogo pode apontar: O que olhar? Como olhar? O
que fazer com o que se descobre? Para que essas descobertas possam ser
construtivas em sua vida;
6) o psicoterapeuta conhece métodos de investigação que tornam possível descobrir
aspectos da sua personalidade que seriam inacessíveis a uma observação não
treinada. Há um amplo repertório de técnicas de investigação da personalidade que
permitem esclarecer problemas de modo extremamente eficaz;
7) o psicoterapeuta domina técnicas terapêuticas que permitem realizar mudanças
profundas na existência; 176
8) o psicoterapeuta está preparado para compreender você a partir do vínculo que
você estabelece com ele, das respostas emocionais que você suscita nele. Em seu
treinamento ele afinou a si mesmo como instrumento de trabalho para reconhecer
pequenas nuances do que você mostra na relação com ele (e consequentemente com
os outros) e assim poder compreender seus modos de vinculação e suas dificuldades
em relacionamentos;
9) o psicoterapeuta é capaz de oferecer uma presença autêntica no vínculo com
você. Essa relação funciona como catalisadora de processos de mudança necessários
em sua vida, incluindo a superação dos efeitos de traumas de relacionamentos
anteriores;
10) o psicoterapeuta passou por todos esses passos anteriores, tendo estado em
todos os papéis, como cliente, como profissional e como observador. O que o habilita a
“sentir-se em casa” em situações difíceis e poder caminhar por terrenos inóspitos,
cheios de sofrimento e problemas emocionais e saber o melhor caminho a seguir.
Certamente essa lista poderia ser estendida, mas o que se pretende é apenas oferecer
uma ideia do trabalho da Psicologia Clínica em uma linguagem diferente daquela do universo
teórico, técnico e científico habitual na Psicologia.
15 CONSIDERAÇÕES FINAIS

FIGURA 58

177

Quero parabenizá-lo por ter chegado até aqui, ao final do curso. Você conheceu as
linhas básicas da Psicologia Científica e de como ela funciona, de forma mais específica sobre a
Psicologia Clínica.
Em muitos momentos, o trabalho desse profissional em muito se assemelha ao
trabalho do psiquiatra e atualmente do filósofo clínico e não raro o psicólogo é convidado a
integrar uma equipe. Com competência, atualização constante, uma paixão incomensurável pelo
ser humano, capacidade mais para calar, do que para falar. Observar, analisar, interpretar e
muita humildade são pré-requisitos para quem quer atuar nessa área.
Necessita-se de muita disposição para trabalhar, sem horários fixos, e disposição para
dedicar-se, horas a fio, a analisar casos, avaliar testes, redefinir linhas de ação... Por fim, para
quem se apaixonou pelo que leu, aconselho que procure uma boa faculdade de Psicologia, que
disponibilize do Curso de Formação (única modalidade que dá direito a clinicar) e faça a
graduação, ponto de partida da carreira profissional.
Lembre-se: o psicólogo está em constante formação e deve se comportar como
estudante sempre, jamais como dono de um saber acabado, pronto. De certeza, apenas uma: a
Psicologia é a profissão mais complexa, mais difícil e mais fascinante que existe! Ame-a ou
deixe-a! Sucesso a todos!
GLOSSÁRIO

ANAMNESE: Do grego anámnesis, lembranças, recordação do que se finge esquecido;


reminiscência; recordação. Na área de saúde, trata-se de um levantamento do histórico do
paciente, direcionado e de acordo com os objetivos traçados pelo profissional. Faz parte do 178
levantamento diagnóstico.

ANÍMICO (VIDA ANÍMICA): Do latim animu, que se refere à alma. Psicológico.

ASSOCIACIONISMO: Doutrina relativa à associação de ideias; teoria da explicação dos


fenômenos psicológicos pela associação de ideias.

ATUAR: O termo atuar é utilizado dentro da abordagem psicanalítica para se referir a


comportamentos que representam/simbolizam ações ou personagens que ainda estão
inconscientes ao ser analisado. O comportamento “atuado” em consultório é uma resposta àquilo
que se denomina transferência, ou seja, pessoa representada simbolicamente pelo analista, a
quem o paciente, devota um suposto amor ou ódio, a depender do momento da análise.

BEHAVIORISMO: do inglês behaviorism, behaviourism, de behavior, behaviour, comportamento;


Psicologia do comportamento; corrente segundo a qual a Psicologia tem por objeto o
comportamento exterior do homem; Psicologia objetiva.

CATARSE: do grego kátharsis. Purificação, evacuação, purgação.

CONNGRUÊNCIA: do latim incongruentia, incoerência; desarmonia de uma coisa ou de um fato


com o fim em vista; inconveniência, impropriedade.

CONTRATRANSFERÊNCIA: Reações inconscientes e não racionais do psicoterapeuta, em


relação às atuações transferenciais do paciente.
EMPIRICISMO OU EMPIRISMO: Uma escola de pensamento filosófico com muita influência na
Psicologia, cujo pressuposto é de que apenas aquilo que pode ser diretamente observável ou
medido pode ser estudado de modo significativo.

EMPÍRICO: Aquilo que pode ser mensurado. Observações empíricas são aquelas que podem
proporcionar um nível de dados objetivos, os quais podem ser avaliados de uma forma ou de 179
outra. De forma geral, empregando o termo “medida”, vagamente, quase todas as formas de
investigação psicológica podem ser consideradas empíricas.

ESTEREOTIPIA: do grego stereós, sólido + typos, tipo, arte de converter em formas fixas o que
primeiro se compõe com tipos móveis; casa em que se estereotipa; palavra, atitude, gesto
invariavelmente retido. Comportamento mecanicista, robotizado, pouco original, ritualista.

ESTRUTURALISMO: Pressuposto metodológico segundo o qual as ciências humanas devem


abordar os seus objetos do ponto de vista das estruturas, na medida em que estas podem
traduzir características universais ou princípios organizadores; denominação dada aos estudos
linguísticos da primeira metade do século XX, da gramática generativo-transformacional.

EXISTENCIALISMO: Em filosofia, corrente de pensamento, iniciada por Kierkegaard, que, por


oposição às filosofias conceptuais (essencialismo), cujo modelo é o sistema hegeliano, tem o
centro das suas reflexões na existência humana considerada como existência livre, desprovida
de normas e de essência abstrata e universal, sendo o homem o responsável pelo seu próprio
destino; movimento cultural em torno daquela corrente de pensamento, caracterizado, de uma
forma geral, pelo relevo dado à subjetividade e ao método de descrição fenomenológica das
realidades existenciais e ao absurdo da existência.

FENOMENOLOGIA: do grego phainómenon, fenómeno + logos, tratado. Estudo descritivo de


um conjunto de fenômenos.

HERMENÊUTICA: do grego hermeneutiké, scilicet téchne, a arte de interpretar; a arte de


interpretar os livros sagrados; interpretação dos textos, dos símbolos; interpretação do sentido
das palavras; arte de interpretar as leis.
HISTERIA: do grego hystéra, útero. Doença nervosa caracterizada por convulsões e acessos
espasmódicos.

IATROGENIA: Fator que provoca doença. Algo iatrogênico.

LIBIDO: Termo originalmente utilizado por Sigmund Freud para se referir à energia sexual do id 180
(instância inconsciente responsável pelo instinto) e disponível para distribuir energia para os
processos mentais e as atividades físicas. Mais tarde, Freud reconsiderou a libido como a
energia geral de vida. No uso cotidiano, o termo ainda está associado à conotação de energia
sexual.

MNEMÔNICO: adjetivo relativo à memória; conforme os preceitos da mnemônica; que facilmente


se retém na memória.

NOSOGRAFIA: do grego nósos, moléstia + graph, de gráphein, descrever, descrição ou


classificação metódica das doenças, segundo as suas características.

OBJETAL: Referente a “objeto”, alvo de vínculo afetivo.

PENSAMENTO ATOMISTA: Vertente do pensamento pré-socrático, baseia-se na teoria dos


átomos, criada por Leucipo e desenvolvida, posteriormente, por Demócrito de Abdera. Para o
pensamento atomista, o princípio (arché) da realidade (phýsis) reside nos átomos, elementos
invisíveis, de número ilimitado, cada um possuidor de uma forma própria; sendo o número de
formas presentes nos átomos, igualmente, ilimitado. A natureza desses elementos é unitária e
plena, uma vez que eles são indivisíveis (em grego, o termo átomo significa sem divisão).
Além dos átomos, deve também existir o vazio, lugar onde aqueles residem e realizam seu modo
de ser, que é movimento incessante. Sem a existência do vazio, o movimento não pode ser
explicado; nem pode haver pluralidade entre os entes, sem haver um meio que os separe. Desse
modo, segundo alguns comentários de pensadores da Antiguidade acerca dessa teoria, para
pensar as questões relativas ao movimento, provando sua existência, é necessário aceitar a
copertinência entre ser – no presente caso, os átomos – e não ser – entendido aqui como o
vazio. É do movimento realizado pelos átomos, constituído de turbilhonamentos e choques entre
eles, que se formam todas as coisas (conceito extraído do site <www.algosobre.com.br>, em 19
de janeiro de 2008).

PENSAMENTO POSITIVISTA: Teoria filosófica que tem como base a ideia de evolução do
pensamento e do comportamento humano, do mais baixo para o mais alto escalão. A evolução
humana é tratada como algo alinear e contínuo. O pensamento só é considerado válido se tiver 181
valor científico e a pesquisa científica válida é a quantitativa, numérica. Nada que não for
comprovado tem valor enquanto Ciência. Não são considerados pontos como a cultura, a religião
ou os mitos de um determinado lugar. Esse pensamento originou o Behaviorismo, na Psicologia,
que acredita que o comportamento humano pode ser treinado, moldado.

PESQUISA-AÇÃO: Método de pesquisa no qual a interação é necessária para a obtenção de


resultados.

PROGNÓSTICO: do latim prognosticu e grego Prognostikós, prognose; ato ou efeito de


prognosticar; conjectura sobre o que vai acontecer; parecer do médico acerca do curso e
resultado de uma doença; popularmente, é sentencioso, doutoral. Probabilidade futura de
desenvolver um determinado quadro.

PSICODIAGNÓSTICO: Fase anterior à psicoterapia, propriamente dita, na qual são investigadas


as queixas do paciente, analisando-as a fundo, ao tempo em que se verifica se há algum tipo de
transtorno mental ou psicológico. Corresponde às dez primeiras sessões, em média, a depender
dos objetivos do caso.

PSICOLOGIA DA GESTALT: A palavra Gestalt tem origem alemã e surgiu em 1523 de uma
tradução da Bíblia, significando “o que é colocado diante dos olhos, exposto aos olhares”. Hoje
adotada no mundo inteiro, significa um processo de dar forma ou configuração. Gestalt significa
uma integração de partes em oposição à soma do “todo”. A palavra gestalt tem o significado de
uma entidade concreta, individual e característica, que existe como algo destacado e que tem
uma forma ou configuração como um de seus atributos.
Dizer que um processo, ou o produto de um processo é uma gestalt, significa dizer que não pode
ser explicado pelo mero caos, a uma mera combinação cega de causas essencialmente
desconexas, mas que sua essência é a razão de sua existência. A Psicologia da Gestalt,
baseada nesse princípio, dá origem a uma prática clínica denominada Gestalt-terapia, um
método de psicoterapia desenvolvido por Fritz Perls, que trabalha de preferência com o aqui e
agora e não com o passado, cuja pretensão é promover o aumento da consciência da pessoa
acerca do modo como os seus processos psicológicos estão integrados. A ênfase na
compreensão da pessoa como um todo decorre dos princípios da Gestalt (HAYES, 1997). 182

PSICOMETRIA: do grego psyché, alma + metrein, medir; medição das funções psíquicas por
meio de testes normalizados destinados a estabelecer uma base quantificável das diferenças
entre indivíduos.

PSICOMOTOR: Que diz respeito simultaneamente às funções psíquicas e às funções motoras;


relativo às relações entre a vontade e as reações motoras.

ROLLYPLAYS: Refere-se ao momento sensível ou tempo sensível.

SETTING: Diz-se do momento da sessão e dos papéis ali representados. Refere-se ao momento
atemporal e não ao tempo cronometrado. Para tempo de relógio (de 45 minutos a uma hora),
local, forma, pagamento, contrato de acompanhamento psicológico, denomina-se “enquadre”.
São os acordos feitos normalmente na primeira consulta.

TESTAGEM: Termo utilizado em qualquer tipo de pesquisa de saúde que envolva experimentos
com grupos-teste e grupo-controle.

TRANSFERÊNCIA: Atuações inconscientes durante a sessão psicológica. É quando ele


“representa um papel”.

VOLITIVO: Do latim volitivu, volo, querer; que se refere à vontade ou à volição.


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