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CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO – UNISAL

Curso: Psicologia Ano: 2023


Módulo I: Introdução à Psicologia
Período: 1º Professores: Carine, Douglas, Haiton e
Mateus
Aluno(a): Melissa Nunes de Abreu

Avaliação de Competências – NOTA AdC4

O documentário brasileiro Estamira, lançado em 2004 pelo diretor Marcos Prado,


retrata a história de vida de uma mulher de 63 anos que apresenta transtornos mentais
e trabalha em um aterro sanitário no Rio de Janeiro. De maneira muito impactante, as
cenas apresentadas e as falas de Estamira, trazem muita reflexão e espanto frente os
problemas sociais abordados. De maneira geral, sua história é contada pela própria
protagonista e por seus 3 filhos, amigos e familiares aparecem no longa para contribuir
com a construção da narrativa. Ela foi diagnosticada com um quadro psicótico de
evolução crônica, onde apresenta alucinações, confusão mental e apresenta falas
desconexas com a realidade, de acordo com a filha do meio, Carolina, as crises se
iniciaram a partir de 1986. Existe a possibilidade e internação em um hospital
psiquiátrico além do tratamento medicamentoso, porém os filhos temem pela
segurança e tratamento que a mãe pode receber, uma vez que a avó materna, Rita
Miranda que também tinha um quadro psicológico, foi internada no Hospital Pedro II e
recebeu eletrochoques, era sempre dopada e amarrada com camisa de força, realidade
que, para a Psicologia sua oposição se faz presente na Luta Antimanicomial, uma vez
que esses meios se tronaram repudiados. Desde muito nova, Estamira sofreu abusos
físicos, violência doméstica e desumanização, aos 12 anos foi explorada em um bordel,
levada por seu avô, onde conheceu seu primeiro marido, pai de seu primeiro filho, que
a traiu diversas vezes. Seu segundo casamento, com um italiano, pai de suas duas
filhas, também foi difícil já que era agredida. Durante sua vida foi estuprada na rua
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duas vezes e diz que após esses episódios perdeu a fé em Deus, a


partir dessa cruel violência os pensamentos de uma pessoa inserida no catolicismo,
tendem a parecer como castigos divinos ou testes de fé, o que podem gerar mais
estigma com a religião e sofrimento por parte da vítima, no caso dela já houve uma
perda da crença.

As falas trazidas por ela, criam no espectador sensação de perda dos sentidos,
uma vez que se passa a questionar o sentido do ser humano, a função de Deus e
como pode o ser humano não ter consciência humanitária. Refere-se ao homem com
ser sanguíneo, analogia ao corpo e sangue, o chama de “esperto ao contrário”, faz uma
denúncia ao descarte e desperdício da sociedade e levanta a questão da exclusão
social, afinal, é muito fácil para a sociedade tornar alguém invisível. Apresenta o
trocadilho (termo usado repetidamente por ela para expressar situações de hipocrisia
ou quando usa o sarcasmo sobre algo) de que quanto mais se tem mais se
menospreza, em uma das cenas ela encontra comidas enlatadas, provavelmente fora
da validade, e conta que vai preparar uma macarronada, em outro momento ela e seu
amigo do aterro João, experimentam roupas que encontram. A questão religiosa é
tratada sem filtros, de maneira muito única, ela é capaz de fazer com que repensemos
a imagem que temos sobre o cristianismo e sobre quem foi Jesus, as pessoas que
seguiram o certo, que seguiram a bíblia e fizeram o bem “largou de morrer”, as pessoas
ainda sofrem, passam fome, são estupradas e violentadas, vivem do lixo e onde está a
salvação? Onde está Deus? Quando a figura religiosa é levada para discussão,
Estamira sempre apresenta um comportamento de revolta, fala palavrões e mostra o
pensamento de que os homens têm uma ideia errada da religião, acredita que quem
fez Deus foi o homem. Sobre a invisibilidade das pessoas, além de ser mulher de baixa
renda, que vive e trabalha em um aterro sanitário, também apresenta problemas
mentais, ela diz que se sente ofendida quando a médica, Dra Alice, entrega os
medicamentos para o tratamento. “Estamira, estamar, estaserra. Estamira está em todo
lugar” fala dita no início do documentário ressalta que todos os dias, todas as horas as
pessoas ao nosso redor precisam de ajuda, precisam ser vistas e precisam de
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qualidade de vida, elas estão em todos os lugares, nos grandes


centros, nas vielas, nas periferias, nos aterros e na porta das casas, porém não vistas e
muito menos tratadas como seres humanos. “ Me trata como eu trato que eu te trato,
me trata com o teu trato que eu devoro teu trato”, é uma frase que destaca o princípio
do ser humano, a socialização e relacionamento com outros, inseridos em uma
sociedade desigual.

A filha do meio, compartilha o pensamento de que a mãe vive no mundo dela


para esquecer o que viveram, Maria Rita, filha mais nova foi criada por outra mulher
para que pudesse viver em condições melhores, no documentário, já com seus 20 e
poucos anos, diz que quando viu a mãe pela primeira vez após 1 ano separadas, se
assustou com o estado em que estava. A mãe afirma que após os remédios, ela se
sente desgovernada, nervosa e agoniada, porém suas crises fortes diminuíram ao
decorrer do tempo. Em um determinado momento do filme, no aterro, Estamira pega
um telefone quebrado e começa a conversar, usa palavras sem sentido e dá a
entender que é uma outra língua. Esse foi um dos momentos em que o observador
entende a gravidade do seu quadro.

O final do documentário, em que pessoalmente foi a parte mais emocionante,


carrega todo impacto iniciado no princípio da história, traz as perturbações sobre a
sociedade falha, sobre o Deus que não cuida e sobre a sensibilidade dos
marginalizados, as pessoas apresentadas no aterro, como o João e o Teobaldo, sabem
ler e escrever, tinham família e profissão e mesmo em meio ao lixo, ao descaso e a
vulnerabilidade mostram sorrisos quando falam de Estamira e da vida que levam.
Existem tantas falas importantes e de impacto no longa que geraram comoção
imediata. Ela se colocava como melhor que Jesus, como astro e como além do além, e
realmente ensinou e agiu como a mulher importante que queria ser. Foi possível ter
uma nova perspectiva a partir de sua história e ter uma reconstrução como ser
humano. Essencialmente, pude ter uma reformulação de pensamentos, achismos, e
quebra de estigmas em que estava condicionada, de forma muito sensível, a vida dela
me elucidou sobre quem quero ser e como eu vejo a sociedade.
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As últimas cenas, com o pôr do sol e ela no meio do mar,


deixam de forma clara que, mesmo com a vida difícil e abusiva que teve, mesmo com
as crises psicóticas e com todos os problemas sociais que a afetam diretamente, ela se
manteve firme e trouxe reflexões até o fim. Diz que podem queimar seus sentimentos,
carne e sangue pela verdade e pelo bem, ela agradeceria, ou seja, ela luta pela lucidez
das pessoas, quer a mudança da sociedade, da política e da essência. “A única
solução é o fogo, queimar todos os espaços com seres e por outros seres nos espaços.
A terra falava, agora está morta, disse que não seria testemunha de nada, olha o que
aconteceu com ela ” a terra, o sangue, a carne são indefesos, mas a aura de Estamira
não é e assim permanecerá em seu estado astral.

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