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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ITAJUBÁ

INSTITUTO FEPI
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA

Maria Júlia Campos Pereira Guimarães


Thainá Cardozo Arantes de Oliveira
Vivian Valentina Schumann Cunha

ANÁLISE DO FILME:
PRECIOSA: UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA

ITAJUBÁ
2023
Maria Júlia Campos Pereira Guimarães
Thainá Cardozo Arantes de Oliveira
Vivian Valentina Schumann Cunha

ANÁLISE DO FILME:
PRECIOSA: UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA
Atividade Avaliativa apresentada pela Prof. Ms.
Camila Ambrósio Nogueira de Sá à turma do 4°
período do ano de 2023 do curso de Psicologia da
Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá (FEPI).

FILME – Preciosa: Uma História de Esperança

ITAJUBÁ
2023

1. INTRODUÇÃO
O Drama, Preciosa: Uma História de Esperança (2009), baseado no livro Push: a
Novel, da escritora Sapphire (1996). Clairreece “Preciosa” Jones, é uma jovem de 16
anos, que sofre abusos sexuais de seu pai e abusos físicos e psicológicos de sua
mãe. Sua realidade de violência intrafamiliar, causa prejuízos na vida psíquica, física,
de autoestima e do rendimento escolar, a jovem não consegue ler e escrever, porém
demonstra certo interesse em matemática e está grávida pela segunda vez de seu
próprio pai.

O desenvolvimento do filme aborda diversas temáticas explicitamente, conseguindo


trabalhar com as nuances do sofrimento, realidade e fantasia, sem fugir de sua
proposta. Temas como violência intrafamiliar, gordofobia, estupro, baixa autoestima,
padrão de beleza, gravidez na adolescência, são mostrados no filme, trazendo o
interlocutor para essa realidade. Imergindo sobre as dores sentidas, consegue-se
entender os sentimentos, e a visão complexa e empática, desfazendo a dicotomia de
“bom” e “ruim”, sem que desfaça os efeitos de suas ações anteriores, na atuação
impecável de Gabourey Sidibe (Preciosa) e Mo’nique (sua mãe).

O filme que se passa nos EUA, mostra uma realidade, que com olhares mais atentos,
não é tão longe de nós, a violência intrafamiliar está presente na realidade brasileira
de muitas famílias, um lugar que deveria ser de cuidado e proteção, se torna hostil,
com o agressor mais próximo do que se imagina.

A matéria de Psicologia Institucional e Comunitária, junto com contribuições de Freud,


busca compreender as relações de indivíduo, sociedade e instituição, promovendo
este olhar crítico e proporcionar a saúde das instituições e a saúde mental desses
indivíduos inseridos nela. Os efeitos acometidos de Preciosa, sobre a violência,
marginalização, qualidade do Ensino e autoestima perpassam por este olhar que
muitas vezes passa despercebido aos desatentos, e a partir da abertura de fala, o ser
pode ganhar autonomia, analisando e ressignificando suas dores.

2. Desenvolvimento
Em seu livro O Mal-estar na Civilização (1929), Sigmund Freud, psicanalista, discorre
que a Civilização é criada junto as Instituições, como forma de frear os impulsos do
homem, lógicas são produzidas para que traga proteção aos indivíduos. O ser humano
a partir de seu nascimento, está sempre em busca daquilo que o faz sentir bem, em
detrimento da vida que se baseia em sofrimento, esta proteção está ligada a regras,
Estado e sociedade.

A família é uma instituição, sua base é a proteção e cuidado com seus membros, mas
a realidade de Preciosa e de muitas crianças e adolescentes, é de sofrimento e
violência. Um lugar de segurança e apoio, é totalmente pervertido, a violência de
abuso sexual causa prejuízos, conforme estudos feitos, deixando marcas psíquicas,
físicas, sociais, sexuais, entre outras (ABRAPIA, 1997; et al). No longa, o pai da
personagem desde muito jovem abusa sexualmente da filha, que é qualquer ação de
interesse sexual de um adulto no âmbito intrafamiliar, sendo uma violência sexual,
caracteriza-se por atos praticados com finalidade sexual que, por serem lesivos ao
corpo e a mente do sujeito violado (crianças e adolescentes), desrespeitam os direitos
e as garantias individuais como liberdade, respeito e dignidade previstos na Lei nº
8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990, Artigos 7º, 15, 16,
17 e 19).

Estes prejuízos mencionados, são demonstrados no longa, Preciosa tem déficits em


sua base escolar, sem saber ler e escrever, seu desempenho é baixo. A Escola,
enquanto Instituição, visa a ser um espaço de aprendizado e rede de apoio para
aqueles inseridos, sendo reflexo da sociedade, muitos problemas que se encontram
de aprendizado, tem suas raízes profundas em diversos contextos, necessário se ter
um olhar atento, estes problemas podem vir da relação familiar, da comunidade, do
nível socioeconômico e é necessário a investigação de possíveis causas e busca de
intervenções. De acordo com a Psicologia Institucional e comunitária, este olhar
questionador e de possibilidade de fala de maneira horizontalizada, permite a
promoção de autogestão e autoanálise, identificando, prevenindo e intervindo. A
personagem no filme, tem 16 anos e se encontra grávida do segundo filho, em uma
cena, a diretora a chama para sala de diretoria, e questiona o que está acontecendo,
a situação não pode permanecer da mesma maneira e mesmo sem resposta sobre
aquilo que acontece na vida diária da garota, a diretora resolve ir à casa de Preciosa,
informar um local onde poderia aprender, uma escola alternativa, e de forma inusitada,
mesmo após expulsar a diretora de sua casa por ordens de sua mãe, ela busca saber
sobre esta oportunidade e esta é a virada de chave da vida da garota. Mesmo receosa
para iniciar, Preciosa inicia sua jornada não somente de alfabetização, como também
autoconhecimento e voz diante a tudo que acontece, entendendo sobre sua situação
e podendo enfim ter escolha própria sobre seu destino. O apoio da nova professora
de nível fundamental, e validação das colegas de turma que também passam
dificuldades, abre um espaço para que a fala e escuta finalmente possa acontecer.
Falar numa sala de aula e escrever o dia a dia num diário, inimaginável em momentos
anteriores para a protagonista, proporciona ressignificações e melhor entendimento
do que está se passando, oportunizando a escolha, para psicanálise, o falar cura, e o
sujeito requer ser ouvido, transbordar aquilo que nele está entalado. Caso contrário
há o adoecer.

O filme retrata o deslocamento da personagem da realidade para a fantasia em certos


momentos, com maestria, sem se perder na trama quando traz estes momentos, para
Freud, o ser humano permeado de sofrimento, alcança muitas das vezes no mundo
das ideias uma forma de escapar, pelo menos temporariamente, o sofrimento do
mundo externo. Observa-se que Preciosa Jones utiliza do princípio do prazer para
fugir de sua realidade, sonhando acordada e delirando sobre o que seria seu futuro
ideal. Nestes momentos Preciosa se sente satisfeita com seu corpo, poderosa, sendo
uma cantora de sucesso e tendo alguém que sinta interesse nela. E abrupta volta a
realidade de dor, quando “acorda”. No livro Psicologia das Massas e Análise do EU
(1921) do psicanalista Sigmund Freud, notamos que há identificação, ou seja, aquilo
que se gostaria de ser, em Preciosa, em certa cena do filme, com o modelo de padrão
de beleza, podemos ver a jovem voltada ao espelho e a figura refletida ser totalmente
diferente de sua aparência, uma mulher branca, loira, magra. O lugar do Ideal do EU,
talvez neste ideal, seria possível receber amor. O lugar de afeição e amor, é distorcido
pela questão com seu pai, em certo momento ela menciona “O amor nunca fez nada
por mim. O amor me machucou, me estuprou, me chamou de animal, fez eu sentir
que não valia nada”. Vemos o efeito da distorção que se dá crescendo com padrões
de relacionamento disfuncionais, sua visão sobre amar tanto os outros quanto ela
mesma, parece algo impossível, dolorido.

Em seus textos Psicologia das massas e análise do Eu e O mal-estar na civilização,


estudados na presente disciplina, Freud também trata sobre o conceito das alianças
inconscientes. Ele discorre sobre laço/vínculo social e suas relações com o
funcionamento intrapsíquico, abordando a problemática do vínculo entre as pessoas.
Podemos perceber mais do que uma aliança inconsciente no filme, uma aliança
perversa formada pelo pai e pela mãe de Preciosa, onde ambos agem de forma
violenta e cruel. Mesmo tendo consciência, permanecem em suas ações. A aliança
perversa pode ser identificada pois ambos o pai e a mãe de Preciosa se beneficiam
dessa união contra a filha ao mesmo tempo em que a praticam com crueldade.
Próximo ao final do filme, Mary (a mãe) fala que queria ter protegido a filha dos abusos
do pai e também fala que sentia inveja porque seu marido desejava Preciosa e não
ela. Podemos notar a influência da aliança perversa nos atos da família, visto que o
papel dos adultos de uma instituição familiar é o de cuidado e proteção da criança e
do adolescente, mas a mãe de Preciosa se absteve desse cuidado e também a
violentou de diversas formas. Já o pai se beneficiava da aliança porque podia suprir o
seu desejo perverso e cruel pela filha, sem que fosse denunciado ou sofresse qualquer
tipo de retaliação.

Podemos observar em Preciosa que a família da protagonista é uma família


disfuncional, isto é, as necessidades materiais, sociais, afetivas e culturais que essa
família deveria suprir, não são supridas. Sendo a família a primeira instituição com a
qual o indivíduo tem contato em sua vida. No filme, a protagonista se depara com a
sua instituição familiar falha. Sendo assim possível observar que, não é somente a
Preciosa que sofre com a disfuncionalidade de sua família, mas sua filha também. A
filha dela é destratada pela avó, tendo que lidar com constantes agressões verbais e
agressividade física, mesmo sendo uma criança com Síndrome de Down (que requer
ainda mais cuidado). Dessa forma, pode-se observar que nem toda família é funcional,
dessa forma pode-se perceber que na realidade, o adoecimento psíquico de muitos
indivíduos- como Preciosa - tem raízes no próprio seio familiar.

3. Conclusão

O filme A preciosa, tem o intuito de abordar críticas sobre diversas esferas como:
preconceito, racismo e discriminação. Porém, o seu principal objetivo está em mostrar
a realidade de muitas famílias e jovens que sofrem de violência psicológica, física,
sexual e de negligência. Sabemos, que a família, é a primeira Instituição com a qual
a criança tem contato assim, essa deve exercer o papel de proteção e cuidado, mas
que no filme e na vida real não ocorre com algumas pessoas.

Infelizmente, a realidade de Preciosa é a mesma de muitas outras crianças, que


sofrem de violência Intrafamiliar. Além de sofrer maus tratos em casa, a protagonista
também tinha de encarar o preconceito na comunidade, principalmente por ser uma
jovem negra e acima do peso, possuindo uma aparência física que foge dos padrões
de beleza que a sociedade impõe. Somado a esse fator de adoecimento psíquico,
ainda há o adoecimento provocado pela própria família disfuncional e desestruturada,
onde a figura materna e paterna são agentes de violência física, verbal e sexual contra
a jovem. Assim, o lugar onde Preciosa deveria buscar consolação e fuga dos
problemas enfrentados fora de casa também é um lugar violento; a protagonista não
tem para onde fugir. Diante dessas violências psicológicas vividas pela Protagonista,
as mesmas acabam refletindo em alguns de seus comportamentos agressivos em
sala de aula, que chega a afetar a interação social com seus colegas.

Quando começa a frequentar a escola alternativa, Preciosa encontra apoio em sua


tutora, coordenadora e nas amigas que fez em sala de aula, que são as únicas
pessoas com quem pode contar em sua vida. São essas pessoas que a encorajam a
persistir nos estudos, e a professora e a coordenadora da escola até mesmo a
incentivam a denunciar a situação vivida em casa. Por conta disso, Preciosa consegue
ter coragem para fugir dessa realidade constante de violência, e até aprende a ler e
escrever, começando assim a escrever em seu diário onde nele ela consegue
descrever tudo o que passa, tirando assim essa angústia que aguenta a muitos anos.

Porém, o desfecho do filme infelizmente não é realizado de forma objetiva, fica aberto
ao que o telespectador deduzir. Ela descobre pela sua mãe que seu pai havia falecido
pelo vírus da AIDS e que ela também havia contraído o vírus. Seu segundo filho nasce
e ela consegue ficar com a guarda de sua filha que antes era cuidada pela Bisavó e
assim, preciosa vive a sua vida com seus dois filhos frutos do abuso de seus pais,
largando todos os seus sonhos para poder cuidar deles. Esse final mostra a realidade
dos indivíduos que estão marginalizados socioeconomicamente, e mostra as
consequências causadas por uma aliança perversa articulada entre seus pais.
Também mostra os efeitos de uma família desestruturada na vida de uma jovem que
acaba sofrendo sérios danos psicológicos e emocionais.
Como aprendido nas aulas de Psicologia Institucional e Comunitária, muitos dos
vínculos sociais articulados entre dois ou mais indivíduos podem ser danosos,
causando adoecimento psíquico a quem é afetado. As instituições servem para
controlar os impulsos instintivos do homem e impedir que o mundo seja um lugar
caótico para se viver, mas muitas dessas instituições são falhas, tendo como exemplo
do filme a Instituição familiar. Porém, uma Instituição que pode oferecer muito apoio é
a da educação, que muitas vezes é libertadora. No filme, o que ajudou a protagonista
a se libertar da condição na qual vivia foi a escola alternativa. Ao aprender a ler e
escrever pôde expressar seus sentimentos através da escrita; isso a ajudou a liberar
uma quantidade considerável de sentimentos reprimidos e angústia. Por fim, a
educação foi o que auxiliou Preciosa em sua trajetória para conquistar uma condição
de vida menos devastadora.

Referências

ARTIGO: Pereira, W.C.C. (2007). Movimento institucionalista: principais


abordagens. ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, v. 7, n. 1, p.
10-19.
ARTIGO: Florentino, R. B. Bruno. As possíveis consequências do abuso sexual
praticado contra crianças e adolescentes. Universidade Federal de São João Del-
Rei, São João Del-Rei, MG, Brasil, 2015.

Freud, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à


psicanálise e outros textos (1930-1936), obras completas, volume 18, p.13-24.
tradução Paulo César de Souza. — São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Freud, Sigmund. Psicologia das Massas e Análise do Eu (1920-1923), 1ª ed,
volume 15. Tradução Paulo César de Souza. — São Paulo: Companhia das Letras,
2010.
Kaës René. As alianças inconscientes, São Paulo: Ideias & Letras, 2014.

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