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ANÁLISE DO FILME “CRUELLA” SOB A ÓTICA DA ESTRUTURA PERVERSA

PSICANALÍTICA

Ananindeua, Pará
2021
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Fundamentação teórica

Freud concebeu a perversão, inicialmente, afirmando que esta era causada


pelo fato de a criança não ter abandonado uma das fases sexuais antes de passar
para outra (BARATTO, 2016). Partindo desta concepção inicial, Freud afirmava que
a “neurose é o negativo da perversão”, o que significava que aquilo que o neurótico
recalcava e poderia gratificar apenas simbolicamente através de sintomas, o
paciente com perversão acabava por gratificar através da sua conduta sexual; esse
conceito não é mais aceito, pois considera-se que a perversão tenha estrutura
própria (ZIMERMAN, 1999).

O mecanismo de defesa desta estrutura psíquica é a recusa ou denegação e


incide diretamente sobre a castração da mãe, pois em certo momento a criança
descobre que a mãe não possui pênis, desmentindo sua teoria de que todos os
seres seriam fálicos; essa descoberta gera a angústia de castração, já que a criança
vê nesse novo fato a confirmação da ameaça imaginária de ser castrada (ALVES;
SOUZA, 2004). Diante de tal angústia, o sujeito poderá então desenvolver reações
defensivas, a fim de neutralizá-la. Se essas reações defensivas persistirem, podem
resultar em diferentes condições: ou a criança aceitará a castração e a lei da
interdição do incesto, o que mais tarde resulta em neurose; ou apenas aceitará a
castração sob a condição de transgredi-la, desenvolvendo então um processo de
denegação da realidade que faz parte do desenvolvimento da perversão. A
perversão, desta forma, não está apenas relacionada ao ato sexual, mas também
com a lei (ALVES; SOUZA, 2004).

Pela etimologia da palavra, a perversão é um comportamento fora da


normalidade, desviar do padrão logo se entende como um sujeito que não age
dentro da ordem natural das coisas. Para esse sujeito essa alterações ao seu ver
são boas e normais dentro do mundo que ele vive e considera tudo eticamente
correto, logo age contrário as normas e regras da sociedade. De acordo com esse
significado, o conceito de perversão foi expandido não tendo ficado apenas a
relacionado a sexualidade mas também sociais, alimentares, morais e institucionais
(ZIMERMAN, 1999). Baratto (2016) ressalta, ainda, que a perversão pode ser
entendida por uma das opções do sujeito ante a castração; é da ordem do desejo, e
não mais da ciência do sexo, pois este é um fenômeno de linguagem, sexual,
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político, social, psíquico, trans-histórico, estrutural, presente em todas as sociedades


humanas que possuem atitudes de proibição (ROUDINESCO, 2008). É, portanto,
um fenômeno de discurso.
Zimerman (1999) afirma que para muitos autores mais atuais que estudam a
perversão, as suas raízes se encontram nas primitivas fixações narcisísticas, o que
faz com que o sujeito aspire à ideiais ilusórios tais como a completude, a perfeição
de beleza, poder, prestígio e riqueza, a imortalidade, supressão de falhas e
diferenças.

Escolha do filme

O filme Cruella foi escolhido pelo motivo de a personagem “Baronesa”


apresentar comportamentos com características de alguém com a estrutura psíquica
perversa, além de ser um filme que demonstra outra face da perversão, que no
senso comum é estigmatizada e vista apenas pelas transgressões de cunho sexual;
o presente trabalho analisa o comportamento da “Baronesa” com base em suas
interações sociais, políticas, morais e institucionais.

Sinopse do filme

O filme acompanha a vida de “Estella”, uma garota inteligente, esperta, com


um dom para a moda.

Desde o seu nascimento “Estella” já era diferente, por conta de seus cabelos
que eram metade da cor preta e metade da cor branca. Sua mãe, “Catherine” desde
sempre a tratou de forma dócil. Já menina sua mãe buscava controlar seus impulsos
de menina rebelde, que por ser diferente sempre atraia atenção na escola e sofria
bullying por parte daqueles que a encaravam com estranheza, pelos seus cabelos e
pela sua forma criativa de vestir. Ainda criança perde a mãe em um acidente quando
vão à um baile para sua mãe falar com uma mulher, ela se culpa pelo acidente pois
os dálmatas que empurram a sua mãe estavam lhe perseguindo; após a perda, ela
vai morar na rua e conhece dois pequenos trapaceiros que passam a ser seus
amigos e parceiros de pequenos furtos. E assim a vida segue até se tornar uma
jovem. A sua paixão pela moda só cresce, eté que ela consegue um emprego de
estilista para trabalhar com a “Baronesa” que era um ídolo para ela, por ser uma
inovadora estilista, a melhor de Londres.
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Porém, ao trabalhar para a “Baronesa” ela descobre que ela era a mulher que
estava presente na morte de sua mãe e, não apenas isso, ela ordenou ao seus cães
que a matassem, empurrando-a do penhasco. Após descobrir que a “Baronesa”
havia matado a sua mãe, “Estella” se transforma de aspirante a estilista,
subordinada aos desejos da “Baronesa” em “Cruella”, a personalidade que é
destemida, ousada, que não obedece a regras e que cria os melhores modelos para
rivalizar e ridicularizar com a “Baronesa”; tudo isso enquanto ainda trabalha e finge
ser a doce “Estella”, para que possa pegar de volta o colar que pertencia à sua mãe
e fora roubado pela “Baronesa”.

Após vários eventos do filme, “John”, o fiel empregado da “Baronesa” revela a


“Estella” o segredo no colar, uma chave que que abre a caixa com informações
suas, que revelam que ela é filha da “Baronesa” e que ela foi entregue a “John” para
ser morta, pois a “Baronesa” não queria ser mãe. Ele a salvou e a deu a outra
empregada que era uma boa e doce pessoa.

“Estella” agora renega a sua antiga pernonalidade que reprimia quem ela era
verdadeiramente e se torna “Cruella de Vil”, a que conhecemos pelo filme “Os 101
Dálmatas”.

Elementos de personalidade de estrutura perversa encontrados no filme

O presente trabalho se propõe a analisar o filme “Cruella” sob a ótica da


estrutura perversa.

A personagem “Baronesa” apresenta várias características da estrutura


perversa, ela não possui respeito algum à niguém e não respeita as leis, o fato de ter
entregue a própria filha para ser morta, demonstra isso. A “Baronesa” possui fixação
narcisística e tem aspirações ilusórias de completude (ela se basta e não precisa de
ninguém, as pessoas ao redor são apenas usadas, inclusive seus Dálmatas que são
usados e treinados para atacar aqueles que ela ordenar); na sua concepção, ela
possui a perfeição da beleza e ninguém é capaz de superar (parte do filme em que a
Cruella chama mais atenção que ela a deixam extremamente incomodada); o poder
para ela é tudo e ela o usa para fazer o mal, tendo contatos na polícia, imprensa,
políticos etc garantem que ela saia ilesa de suas transgressões (matar pessoas,
roubar o que for do seu interesse, mandar matar a propria filha recém-nascida); as
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ilusões de prestígio, riqueza e de imortalidade lhe fazem agir de forma fria, cruel e
sem remorso algum, sem empatia ou respeito pelas pessoas ao redor.

O mecanismo de defesa da perversão é a denegação e a personagem


“Baronesa” prefere viver um mundo ilusório onde ela é o centro de tudo e a pessoas
mais importante, negando suas limitações, negando que o outro fez um modelo mais
bonito (ela diz diz que ela que fez), negando até mesmo quando a “Cruella” aparece
mais que ela e a ofusca, ela não concorda com a opinião dos outros, pois ela ainda
assim se acha melhor.

No filme, foi possível observar através do personagem da “Baronesa”, o poder


de manipulação e sedução que faz com que ela consiga o que deseja; o seu fiel
empregado “John”, apesar de não ser considerada uma pessoa má, acompanha
tudo de perto, os planos e maldades da “Baronesa”, porém ele a serviu por muito
tempo a abandonando apenas no final do filme.

A personagem “Cruella” desde criança, por ser diferente e atacada


constantemente, apresentava comportamento rebelde e de pequenas transgressões
e impulsividade, comportamentos estes que eram reprimidos constamentemente
pela mãe de criação (castração), que a personagem recalca e tenta se “moldar” a
partir da concepção externa de boa pessoa, traçada por sua mãe de criação. Assim,
vive como “Estella”, alguém que tenta se adaptar ao mundo e sente culpas que lhe
aprisionam (característica da estrutura neurótica). Após a descoberta de sua origem
deixa emergir sua real personalidade “Cruella” e “enterra” “Estella” para sempre
(podemos ver a cisão da personalidade).
Na infância, “Estella” recebeu carinho por parte da mãe (adotiva). Essa
afetividade recebida por “Estella” fez com quem sua natureza egoísta e agressiva
fosse contida o que colaborou para suas relações sociais, uma vez que ela
conseguia viver com seus dois amigos de infância. Sua mãe desde o início
identificou traços diferentes na filha, tais como rebeldia, impulsividade, agressividade
e egoísmo e tentou lhe mostrar caminhos diferentes. Mesmo criança e agia fora dos
padrões comuns, e não se adequava aos ditames sociais, sendo expulsa da escola.
A personagem “Cruella” não foi classificada não se enquadrou na estrutura perversa,
pois por diversos momentos no filme ela sente culpa, ela volta atrás ao ver que
tratou mal seus amigos e lhes pede desculpas, nesse filme, ela não consegue matar
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os dálmatas para fazer o casaco, mesmo estes tendo matado a sua mãe. Os atos
transgressores que a “Cruella” são todos motivados por vingança pessoal, e no filme
não aparece ela fazendo o mal somente para a sua satisfação.
Referências

BARATTO, Cristiane Camponogara. A Perversao na Psicanalise de Freud a Lacan:


uma trajetoria rumo ao discurso. Rev. CEPdePA, Porto Alegre, v. 23, 2016.
Disponível em: http://cepdepa.com.br/wp-content/uploads/2020/05/4-Cristiane-
Camponogara-Baratto-A-Pervers%C3%A3o-na-Psican%C3%A1lise-de-Freud-a-
Lacan-uma-trajet%C3%B3ria-rumo-ao-discurso.pdf.
ROUDINESCO, E. A Parte Obscura de Nos Mesmos: uma história dos
perversos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica. Porto
Alegre: Artmed, 1999.
ALVES, karla Cristhina; SOUSA, Silas Prado. A perversão sob a ótica da medicina
legal. Reverso, Belo Horizonte, ano 26, n. 51, p. 85-90, 2004. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
73952004000100009.
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