Você está na página 1de 10

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ITAJUBÁ

INSTITUTO FEPI
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA

Maria Júlia Campos Pereira Guimarães


Thainá Cardozo Arantes de Oliveira
Vivian Valentina Schumann Cunha
Yan Rodrigues de Araújo

ANÁLISE DO FILME: O BICHO DE SETE CABEÇAS

ITAJUBÁ
2023
Maria Júlia Campos Pereira Guimarães
Thainá Cardozo Arantes de Oliveira
Vivian Valentina Schumann Cunha
Yan Rodrigues de Araújo

ANÁLISE DO FILME: O BICHO DE SETE CABEÇAS


Atividade Avaliativa apresentada pela Prof. Ms.
Camila Ambrósio Nogueira de Sá à turma do 4°
período do ano de 2023 do curso de Psicologia da
Fundação de Ensino e Pesquisa de Itajubá (FEPI).

FILME – O Bicho de Sete Cabeças,


Um Olhar Psicanalítico

ITAJUBÁ
2023
1. INTRODUÇÃO

O filme O Bicho de Sete Cabeças (2000), drama brasileiro dirigido por Laís
Bodanzky, retrata uma trama baseada em acontecimentos reais de Austregésilo
Carrano, que contou sua história como mostra no final do filme, no livro Canto dos
Malditos. A história conta sobre Neto, um jovem que pelas vivências de adolescente,
momento de descobertas e experimentação, é visto como rebelde e usuário de
drogas por seu pai, que depois de várias desavenças, decide internar seu próprio
filho, sem seu consentimento num hospital psiquiátrico.
A atitude é vista como boa da perspectiva da família de Neto, e mascaram a
situação quando visitam, porém, o que acontece dentro do hospital, não busca
melhora de seus internos, apenas os medicam sem precisão e exames, os
negligenciam, maltratam e utilizam até de mecanismos de eletrochoque.
O olhar da Psicologia Institucional e Comunitária, vem trazer a reflexão e
oportunidade de transformação através do questionamento, o movimento
institucionalista se preocupa com a saúde das Instituições e se pauta na renovação
da saúde mental. Buscando compreender o indivíduo, instituição e sociedade.
Aqui no Brasil o tratamento de pessoas que não se encaixavam, estes eram levados
a essas instituições hospitalares psiquiátricas, um famoso pela sua história de
verdadeiro holocausto, foi o hospital psiquiátrico de Barbacena. Os internos, nestes
locais viviam sobre a condição de adoecer e negligenciar suas individualidades, ao
invés de cuidados, estas Instituições adoecidas, tratavam como animais de
laboratório, totalmente imergidos no sofrimento e desumanizados.
Outro tema que abarca o filme, com olhar da Psicologia Comunitária, é a família do
personagem, sua interação disfuncional, influencia na saúde mental do protagonista,
não permite o diálogo e afasta o filho, o pai tem um estilo autoritário e sua mãe que
parece não ter muita voz, trazendo sentimento de impotência para ajudar o filho.
Neste olhar, entendemos a relação do indivíduo, a importância da família e da rede
de apoio para a saúde mental de seus entes.
Em sua narrativa, vemos a explícita crítica ao sistema de institucionalização dos
hospitais psiquiátricos, que estigmatiza os internos, aprisionando em condições
precárias, em tratamentos que ao invés de trazer cura, adoecia. Este olhar crítico,
propõe repensar a questão dos tratamentos, proporcionando atenção a esta
realidade vivenciada e cuidado com a saúde mental e suas particularidades desses
indivíduos, a importância da inclusão para com estas pessoas na sociedade, não as
excluindo e afastando.
A visão da Psicologia Institucional e Comunitária, junto com as contribuições teóricas
de Freud, nos permitem abranger este olhar crítico para trama, entendendo mais sua
proposta, através dos tipos de instituições apresentadas no contexto do filme, sendo
assim pode-se destacar as principais: Instituição familiar, Instituição escolar, grupos
de amigos e Instituição Psicológica que apresentam formas de agir individualistas.

2. DESENVOLVIMENTO

O filme “O bicho de sete cabeças”, nos apresenta a interação de Wilson Souza Neto
(Rodrigo Santoro) e seu pai Wilson Souza (Othon Bastos). A relação entre os dois é
conflituosa, a tentativa do pai de colocar o filho na linha e evitar que caia em
situações ruins, não permite o diálogo e compreensão, enquanto o filho em meio as
represálias, sai para rua, bebendo com amigos e desconhecidos, praticando
pichação nas ruas, ficando até tarde fora de casa. O momento crítico em que o pai
decide internar o filho no hospital psiquiátrico, acontece quando o mesmo encontra
nas roupas do filho um maço de maconha. A partir de então, sem o consentimento
do Neto, ele se vê em uma situação de dúvidas e perda de liberdade e de sua
individualidade, o hospital psiquiátrico não escuta seus internos, tratando-os como
“animais”, medicando e controlando tudo, além de mascarar a realidade
quando há visitações dos familiares.

No livro Mal-estar da Civilização (1929), do psicanalista Sigmund Freud discorre


sobre a necessidade do ser humano no controle de seus impulsos a criação de uma
lógica da civilização, as leis, Estado e sociedade, trazem proteção aos indivíduos
inseridos nela, porém sempre haverá o resquício de sofrimento e quando rígido este
sistema, ao invés de proteger, os indivíduos sofrem muito mais sem a escuta de
suas necessidades, desejos e individualidades.

A Psicologia Institucional, em referência ao texto Movimento Institucionalista:


principais abordagens, do autor William Cesar Castilho Pereira, traz a preocupação
com a saúde das instituições, lógicas criadas pelo ser humano, para garantir
segurança e maneiras de conviver em sociedade, nela formaliza-se leis, normas,
comportamentos regularizados. Assim, o movimento traz a renovação da saúde
mental destes espaços, a partir do questionamento e escuta dos ditos e não ditos
inconscientes que vão aparecendo. Sob o olhar do Movimento Institucionalista,
iniciado na década de 1960, pauta-se em diversas abordagens, um olhar mais
humanizado para as instituições, levantando questionamentos e novas formas de
saberes, ouvindo e proporcionando horizontalidade das relações, em autogestão e
autoanálise. A Instituição como mencionada anteriormente no texto, são formas de
raciocínio que organizam a vida e as relações humanas. A forma como estas
instâncias são concretizadas faz-se necessário seu questionamento, sempre
havendo o movimento entre mudanças e ações de melhorias de direitos, e sua
forma instituída, aquilo que se resulta e fica decidido. No filme, apresenta-se o
hospital psiquiátrico como o instituído de forma cristalizada, enrijecido, onde
sobressai centralidade de poder e de saber, abusos, regime autoritário, onde até
funcionários da instituição passam a normalizar e reproduzir ações adoecidas,
perpetuando e normalizando o estado atual. O instituinte representaria o próprio
protagonista, ao não aceitar sua condição, lutando e resistindo, desafiando de
maneira criativa a transformação daquele local. Vemos até mesmo em sua
contribuição na vida real, como força instituinte, um ativista pela luta do Movimento
Antimanicomial.

Analisando com o filme, a situação vivenciada por Neto (Rodrigo Santoro) explicita
as relações destas lógicas, como ser de desejos, o jovem quer experienciar a vida, e
a relação autoritária de seu pai, não permite abertura de acolhimento e escuta.
Pode-se destacar que a fase da adolescência causa diversos conflitos entre pais e
filhos, devido à dificuldade dos responsáveis de lidarem com os sentimentos que
estes estão vivendo e entender o mundo que eles querem viver, além do mais, os
próprios filhos não compreendem o que os pais querem passar como forma de
ajudá-los e acaba gerando desentendimentos entre estes. Para evitar sofrimento do
mundo externo nos tornamos membros da sociedade humana, como cita Freud em
Mal-estar da Civilização, sendo assim Neto tornou-se membro do grupo criminoso,
pois tinha o intuito de fugir do sofrimento de não ser entendido pelos seus pais,
estando na busca do prazer. Outra autoridade punitiva mostrada, está numa cena
em que o jovem é pego e enquadrado pela polícia por estar junto com amigos
pichando local proibido. A cena logo em seguida, o mostra sendo pichado na cara e
considerado depois pelo pai como uma vergonha de se ter criado. Neto é um jovem
que está em busca de sua individualidade, e está esquiva das repreensões são
compensadas em suas escolhas de relacionamentos e lugares.

Com o objetivo de proteger o filho, o pai o coloca em um hospital psiquiátrico, a


partir deste momento, é mostrado a realidade de uma instituição que promete cura e
reabilitação de seus internos, mas adoece os mesmos, estigmatizando e fazendo-os
perderam suas individualidades, perspectivas de futuro, suas liberdades. No local,
percebe-se o excesso de punição aos pacientes, no qual retarda mais ainda o caso
clínico do interno, com intuito de manter o “equilíbrio” com a recompensa da perda
para que o paciente veja melhoras em seu estado mental. A repreensão exercida
pelos enfermeiros, na realidade do hospital psiquiátrico, este sofrimento gerado nas
pessoas ali internadas, acionavam mecanismos de compensação, formas de lidar
com o sofrimento, chamadas na teoria psicanalítica de sublimação, fuga do
sofrimento do mundo externo e tentativa de obtenção de prazer, representada pelo
cigarro, pelos poemas, pelas cantorias, e pelos sintomas.

A condição de internalização nos hospitais psiquiátricos, acontecia como forma de


controle social, a sociedade segundo Freud, busca normalizar aquilo que não se
enquadra em padrões produzidos por ela mesma, uma renúncia de suas frustrações,
estas instituições tinham como objetivo reintegrar estes sujeitos como cidadãos a
sociedade, podendo de forma civilizada voltar ao coletivo. O que não acontecia na
realidade, serviam apenas como instrumentos de segregação, abusos, exclusão,
daqueles considerados “diferentes”, “deficientes”, “problemáticos”.

Pode-se mencionar em questões históricas, segundo o documento “Hospitais


Psiquiátricos no Brasil: Relatório de Inspeção Nacional, do CFP (Conselho Federal
de Psicologia), o Brasil, inicia-se no século XIX, a lógica de instituições psiquiátricas
que excluíam e privavam a liberdade das pessoas consideradas doentes mentais,
em 1842, construiu o primeiro hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro, o Hospício
Pedro II, foram aproximadamente 180 anos, uma política de saúde mental que
segregava pessoas, adoecendo, estigmatizando, colocando em situações
deploráveis. O movimento da Luta Antimanicomial nasce em 1987, com o lema “Por
uma Sociedade sem Manicômios”, o Movimento Institucionalista também abrange
este olhar crítico e questionador da saúde mental, de mudança da lógica de
instituições, podendo de fato lutar pelos direitos e pelo cuidado destas pessoas.
Acontecendo as inspeções das condições das instituições psiquiátricas, a fim de
fiscalizar suas condutas e cuidados de seus direitos com as pessoas ali cuidadas. A
crítica que o filme traz sobre esta realidade de adoecimento e repressão,
impulsionou a reforma psiquiátrica em 2001.
3. CONCLUSÃO

O Bicho de Sete Cabeças, é um filme que reflete uma realidade não tão distante e
que repercute em muitas falas e pensamentos da sociedade até hoje. Uma crítica a
um sistema psiquiátrico com uma lógica instituída, por muito tempo cristalizada, e
que necessita deste questionamento, dessa movimentação instituinte de revisão das
lógicas e proposições de significativas mudanças, uma contribuição do Movimento
Institucional que promove o conhecer antes, ouvir e construir, potencializando
relações horizontalizadas e democráticas de autogestão e autoanálise.

Inspirado em fatos reais vividos por Austregésilo Carrano, que virou ativista do
Movimento antimanicomial, o nome dado ao título do filme, é sobre a música de
Geraldo Azevedo de mesmo nome, “O bicho de sete cabeças”, tocada no final do
filme, ela ecoa perfeitamente sobre os acontecimentos, as ações, “não foi nada, eu
não fiz nada e você fez um bicho de sete cabeças”, é a repercussão crítica do não
ouvir o que o outro tem a dizer, não oportunizar o acolhimento destas pessoas,
repressão e recalque da civilização, afastando aquilo que foge a “normalidade”,
excluindo. Aplicando as teorias desenvolvidas por Freud sobre a Psicologia das
massas, foi possível perceber no filme o comportamento social de controlar o
repertório de indivíduos através da imposição de normas repletas de mecanismos de
inclusão e exclusão. Buscando higienizar o ambiente social, as massas são levadas
a excluir pessoas que não se enquadram nas normas criadas e colocá-las à
margem, retirando sua individualidade e seu direito de participar da vida em
comunidade.

O filme de 2001 serviu de forma significante para a agilização da reforma


psiquiátrica e construção dos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que agem de
forma sistemática no tratamento de pessoas à margem da sociedade com
transtornos mentais/ de neurodesenvolvimento e dependentes químicos. O modelo
de assistência adotado por essas unidades de saúde são uma herança da luta
antimanicomial, que persiste na reivindicação de direitos das pessoas
marginalizadas em motivo de sua condição mental. As unidades possuem
atendimento interdisciplinar com multiprofissionais, como psiquiatras, assistentes
sociais, psicólogos, enfermeiros, entre outros, trabalhando na lógica da redução de
danos e processo terapêutico humanizado. É interessante notar, nesse sentido, o
desenvolvimento da psiquiatria no Brasil, que hoje possui uma atuação mais
humanizada e caminha na direção de não empregar uma patologização excessiva
em relação aos pacientes; porém, ainda há muito caminho pela frente. Em
contrapartida, é visível no filme “O bicho de sete cabeças” a problemática da falta de
equipe profissional trabalhando em conjunto no processo terapêutico, sendo que
este último na realidade se tratava de uma série de maus tratos aos indivíduos em
internação. Além da equipe profissional que era basicamente centrada na figura do
médico, também havia agentes responsáveis pela contenção física dos pacientes,
utilizando de extrema agressividade.

Assim, “O bicho de sete cabeças” é uma obra cinematográfica que deixa uma marca
profunda na mente do telespectador, abordando temas ainda persistentes no
desenvolvimento da Psicologia, como a marginalização e patologização de pessoas
com transtornos mentais. Através da jornada do protagonista, somos confrontados
com a dura realidade dos hospitais psiquiátricos no Brasil, sendo aberta uma
reflexão sobre a necessidade de fortalecimento das lutas antimanicomiais no país.

Utilizando-se de contribuições psicanalíticas, é necessário apostar em uma contínua


mudança do modelo de saúde mental, inserindo serviços e maneiras de cuidados
que fujam de paradigmas atrozes que causam ainda mais sofrimento ao paciente.
Ao organizar como campo de saber a psique humana, a psicanálise legitima o
sofrimento, as angústias e as pulsões, dando voz à subjetividade humana.
Paralelamente, é necessário que o sistema de saúde mental siga em direção a um
entendimento integral do ser humano como ser que abrange dores e sofrimentos
que podem ser externalizados sem envolvimento de tratamentos subversivos. A
psicanálise coloca como meta um modelo de tratamento terapêutico centrado no
acolhimento às produções neuróticas e psicóticas do sujeito, de forma a abordar
toda sua complexidade, e é no sentido de acolhimento do sujeito como ser complexo
que o sistema de saúde deve caminhar.
Por fim, o filme em questão se coloca como impulsionador do debate sobre saúde
mental, sendo extremamente importante e servindo uma enorme contribuição ao
tema. Ele nos abre espaço para pensar na institucionalização dos hospitais
psiquiátricos, que são recorrentes na disciplina de Psicologia institucional e
comunitária, e ajuda a desenvolver um olhar crítico sobre o papel das instituições na
sociedade. Como é discorrido no texto Movimento Institucionalista, o papel das
instituições é mediar as relações sociais sem anular a singularidade dos indivíduos.
Em paralelo, Freud também discorre em O Mal-estar na civilização que o papel
civilizatório é o de garantir segurança e proteção ao homem, regulando as relações
mútuas e inibindo o instinto humano selvagem. Assim, a sociedade deve caminhar
em um sentido contrário ao de excluir e marginalizar pessoas com transtornos
mentais, a fim de garantir que seja um espaço abrangente de toda a complexidade
do homem e as diversas configurações da psique que nela estão inseridas.
Referências

ARTIGO: Freud, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências


introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936), obras completas,
volume 18, p.13-24. tradução Paulo César de Souza. — São Paulo: Companhia das
Letras, 2010. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4283019/mod_resource/content/1/Freud_Mal
%20estar_Acr%C3%B3pole.pdf.
ARTIGO: Pereira, W.C.C. (2007). Movimento institucionalista: principais
abordagens. ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, UERJ, RJ, v. 7, n. 1, p.
10-19. Disponível em:
http://www.revispsi.uerj.br/v7n1/artigos/pdf/v7n1a02.pdf.
RELATÓRIO: Marcante, Carolina; et al. Hospitais Psiquiátricos no Brasil:
Relatório de Inspeção Nacional. 1ª edição, Conselho Federal de Psicologia:
SAF/SUL Quadra 2, Bloco B, Edifício Via Office, térreo, sala 104, 700070-600,
Brasília/DF: Agência Movimento, impresso no Brasil: novembro de 2019.
Disponível em:
https://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/
Relatorio_Inspecao_Nacional_Hospitais_Psiquiatricos_FINAL_WEB%20(1).pdf

Você também pode gostar