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A psicanálise infantil deve abrir espaço para a criança expressar suas

necessidades e anseios, o que pode ser proporcionado pela escuta do analista,


trazendo a brincadeira como forma dela atuar e dramatizar situações – Foto:
CC0 Creative Commons
Quando os filhos falham no conceito dos pais, quando não compensam as
frustrações, expectativas e angústias dos mesmos, não se ajustando ao ideal
imposto pela família e pela cultura, muitas vezes o psicólogo é procurado. Na
tentativa de moldar esses filhos aos padrões aceitos pela sociedade, os pais
acabam pedindo ao analista a construção de uma “criança-robô”: dócil, com
bom desempenho na escola, e que não cause maiores incômodos. A
psicanálise infantil, porém, busca tratar a criança como ser dotado da
capacidade de constituir sua própria demanda clínica, desde que “promovida a
um lugar de sujeito, no desenlace da escuta, da palavra e do brincar”, como
ressalta artigo publicado na revista Estilos da Clínica.
O trabalho traz discussões sobre a psicanálise infantil, tendo como um
eixo pesquisa dos autores sobre os fatores que interferem nesta prática. Entre
eles, estão ações geradoras de conturbações complexas a serem trabalhadas
e a constatação da importância do fator “brincar” nas terapias
contemporâneas. O estudo partiu da experiência de atendimento para crianças
em uma clínica-escola de um curso de Psicologia, por meio da abordagem da
psicanálise.
Aqui o brincar desempenha um papel libertador no tratamento psicológico, na
medida em que é recurso incontestável de enfrentamento de medos internos.
Os autores Iagor Caccieri e Marcella Leitão consideram o atendimento clínico
uma possibilidade de espaço para a criança expressar suas necessidades e
anseios, proporcionado pela escuta do analista, que introduz o brincar como
forma de atuar e dramatizar situações as quais, quando repetidas no
atendimento psicológico, agem como deflagradoras de novas motivações,
“sustentando que é no repetir que emerge o novo” […] por meio do brincar (ou
de expressões artísticas) e das repetições. A criança repete o que viveu e o
que está vivendo, não como lembrança, mas como ação, no processo de
recordar, repetir e elaborar”. A cada repetição, portanto, surge a possibilidade
de elaborar-se o que não pode ser rememorado e verbalizado.

Destaca-se o caso de Carol, uma menina de nove anos, às voltas com


questões íntimas verificadas no relacionamento com a mãe e a irmã, e a
terapia da “hora do jogo”, uma entrevista lúdica em que se observa o brincar da
criança e, nesse momento, o analista “diz que está ali para ajudá-la na sua
demanda, e explica que quem está em atendimento é ela, que ela que será
escutada e atendida, em total sigilo”.

Por meio
do brincar ou de expressões artísticas, a criança repete o que viveu e o que
está vivendo, e surge a possibilidade de elaborar-se o que não pode ser
rememorado e verbalizado – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Esse caso exemplifica o quanto a terapia atua como abertura para a
construção de um “espaço de fala”, pois, segundo os autores, “é no pa-la-vre-
ar que se contorna a falta e onde emergem os afetos e os desafetos ali
condensados”. A palavra aparece aqui como reveladora do eu, no
compartilhamento com o psicólogo, sem censura à expressividade da criança
porque “a análise também avança e serve a esses temas: o sem-sentido, o
supérfluo, o marginal, o dito trivial. Uma análise não é feita só de grandes
temas, mas de temas menores, também”.
Iagor Brum Leitão é mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES).
Marcella Bastos Cacciari é doutoranda em Psicologia pela Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES) e docente da Faculdade Multivix.
LEITÃO, Iagor Brum; CACCIARI, Marcella Bastos. A demanda clínica da
criança: uma psicanálise possível. Estilos da Clínica, São Paulo, v. 22, n.
1, p. 64-82, jul. 2017. ISSN: 1981-1624. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/estic/article/view/121240/129954>. Acesso
em: 18 ago. 2017.

Margareth Artur / Portal de Revistas da USP

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