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RENATA FREITAS
“SONHOS ROUBADOS”
Porto Alegre
2022
RENATA FREITAS
“SONHOS ROUBADOS”
Porto Alegre
2022
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Sonhos Roubados estreou no ano de 2010 sob direção de Sandra Werneck. Em seu
elenco mais notório assistimos a Nanda Costa, Kika Farias e Marieta Severo. A
diretora se inspirou no livro “As meninas da Esquina”, para produzir este filme sobre
o olhar feminino de três garotas da periferia, retratando suas adolescências em
situações complexas envolvendo as comunidades, o tráfico de drogas e a violência.
A autora Ana Mercês Bahia Bock, pontua que "A adolescência é vista como
construção social com repercussões na subjetividade e no desenvolvimento do
homem moderno e não como um período natural do desenvolvimento. É um
momento significado, interpretado e construído pelos homens." (2007, p.6)
Em seu artigo “Sonhos Roubados. in: Adolescência em Cartaz.”, Diana Corso nos
propõe uma perversa e dolorosa reflexão, ao passo que
Jessica, 17 anos, órfã, mãe solteira, vive com seu avô Horácio, se prostitui para
sustentar a filha Britney, mas quase perde a guarda da criança por não ter um
emprego fixo. Ela tenta ser durona e obter poder através de sua sensualidade. “A
pessoa tem que ralar muito para ser gostosa”, ela diz.
Sabrina é expulsa de casa pela mãe, carente de afeto e atrás de um futuro melhor
se apaixona por um traficante, engravida e acaba nas ruas. Durante o dia entrega
panfletos no sinal e à noite faz programas.
Daiane é a mais nova, 14 anos, nunca conheceu a mãe e os irmãos, então ela vive
em busca do afeto de seu pai ausente, mora com a tia e o tio, de quem sofre abusos
sexuais. Ela faz de tudo para tornar reais seus rituais de passagem para a vida
adulta, negando a própria infância, que ela parece associar com a fragilidade.
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Ser objeto do desejo de homens poderosos, poder comprar roupas bonitas, ter um
celular, pintar os cabelos e frequentar o baile: eis as formas de empoderamento
disponíveis para as jovens.
E adiciona,
“Tenho medo de acabar louca que nem a minha mãe”, “Presa por causa de ex-sogra
é dose”, “Ninguém é de ninguém”, frases realistas em um contexto realista, com
ações ingênuas. A figura de uma mãe é criada para suprir a indiferença de um pai.
Mesmo sem querer, o meio transforma a pessoa. Regras limitam ações. O
impedimento de entrar em um Conselho Tutelar por causa da roupa. Há os clichês
básicos para abrandar os sonhos. As relações familiares por medo de processos. “ –
Pai, fica para o bolo. – Não faz parte do negócio”, dialogam em um mundo sujo,
cruel e real.
E segue,
Tentam se divertir? Tentam sonhar um mundo melhor? O que nos diz o tentar? Por
que o uso deste verbo?
“No que diz respeito às meninas, sua trajetória acaba sempre associada ao
corpo. As garotas de que nos ocupamos aqui enfrentam sistemáticos
abusos, violência, maternidades precoces e, acuadas por esses traumas,
muitas acabam transitando pela prostituição. Apesar disso, tentam ser
adolescentes românticas, festeiras e livres.”
O longa nos permite, ainda, refletir sobre outra questão importante relacionada ao
apagamento do afro. Personagens brancas usam artifícios para buscar retratar uma
realidade das meninas adolescentes negras das favelas do Rio de Janeiro. Onde
estariam (estão) as atrizes negras?
francamente adversas, elas não deixam de inventar a vida. Jéssica e Sabrina não
desistem de ser mães. Daiane não desiste de encontrar uma profissão e uma família
– se não um pai, pelo menos uma mãe. As três não desistem de sair à noite à
procura de um amor que nunca dá certo, de um pouco de aventura e de umas
risadas entre amigas.”
Calligaris não deixa de notar os homens, na escolha pela não ocupação de seu
espaço, apresentados pelo filme. “Com esses homens, Jéssica, Sabrina e Daiane
não podem contar. Eles são sombras, incapazes de assumir um amor (seja ele
paterno ou conjugal), uma amizade e, na verdade, qualquer compromisso: são todos
nanicos morais. A única exceção é o presidiário encarnado por MV Bill. Nas
periferias e nas favelas, os núcleos familiares estáveis se organizam, em geral, ao
redor de mulheres.”
Corso (2018, p. 9) esclarece e elucida esse não lugar ao nos dizer que: "Os homens
reduzidos à sua força bruta e as mulheres identificadas ao sexo e à maternidade não
se sentem valendo como pais e mães. Não serão, portanto, capazes de transmitir
aos filhos ensinamentos decorrentes de sua experiência e aprendidos com seus
ancestrais. É preciso que eles sejam capazes de sentir-se parte de alguma história,
que por sua vez tenham recursos para contar, para que possam ocupar esses
lugares parentais. Essa capacidade narrativa é ferramenta imprescindível para
colocar os filhos numa linha do tempo, que torna os pais e os avós personagens do
passado e faz, com filhos e netos, a trama de seu futuro."
E é por isso que, contudo, a gravidez para muitas dessas adolescentes meninas e
meninas adolescentes é o que sustenta a vida. Depois da gravidez existe a
possibilidade de olhar para outras dimensões de cuidados (antes negligenciados e
esquecidos). Esse novo pulsar permite tomar mais decisões de pulsões do que de
destruição. É um seguir para uma vida que se quer viável.
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REFERÊNCIAS
Filme Sonhos Roubados. Origem: Brasil, 2009. Gênero: Drama. Direção: Sandra
Werneck.
BOCK, Ana Mercês. A adolescência como construção social. Rev. Ass. Bras. Psic.
Escolar, 2007.
RIBEIRO, D. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.