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Sumário
Capa
Folha de rosto
Sumário
2010
PARTE I
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
PARTE II
12
13
14
15
16
17
18
PARTE III
19
20
21
22
23
PARTE IV
24
25
26
27
28
29
30
31
Nota da autora
Agradecimentos
Sobre a autora
Créditos
Para R, uma criança muito querida por uma
mãe muito desejosa de tê-la.
2010
ANGELA
EVELYN
NANCY
EVELYN
ANGELA
JANEIRO DE 2017
EVELYN
INVERNO DE 1960-1
NANCY
PRIMAVERA DE 1980
EVELYN
PRIMAVERA DE 1961
NANCY
PRIMAVERA DE 1980
2-5-0-4-6-1.
O baú de couro se abre com facilidade com a nova
sequência de números. Nancy sente um friozinho na
barriga. Ela ergue a tampa com cuidado.
É só um par de sapatinhos de bebê amarelos, feitos à
mão, em perfeitas condições.
Nancy apenas olha, intrigada. Por que um item tão
comum precisa ser escondido assim? Talvez fossem os
primeiros sapatinhos dela. Talvez o bauzinho fosse só para
mantê-los bem guardados, e nada mais. Ela os pega,
examinando-os, e sente algo dentro de um deles. Nancy
enfia os dedos e tira o culpado: um pedacinho de papel,
dobrado inúmeras vezes.
Nancy o desdobra.
EVELYN
PRIMAVERA DE 1961
ANGELA
A VIDA É SAGRADA
ABORTO É HOMICÍDIO
ASASSINAS DE BEBÊS
A REDE JANE
EVELYN
ANGELA
FEVEREIRO DE 2017
EVELYN
NANCY
MARÇO DE 1981
EVELYN
VERÃO DE 1983
NANCY
VERÃO DE 1983
ANGELA
MARÇO DE 2017
NANCY
JULHO DE 1984
EVELYN
NANCY
ANGELA
MARÇO DE 2017
NANCY
PRIMAVERA DE 1987
EVELYN
28 DE JANEIRO DE 1988
NANCY
INVERNO DE 2010
ANGELA
PRIMAVERA DE 2017
“Ai, meu Deus!”, Angela grita para a loja vazia. “Ai, meu
Deus!”
Na pressa de responder, ela quase derruba o celular,
então se segura quando vê três pontinhos cinza surgirem.
Nancy Birch está digitando.
NANCY
PRIMAVERA DE 2017
ANGELA
PRIMAVERA DE 2017
“Brownies do Harbord’s!”
Angela mostra a caixinha branca assim que Evelyn abre a
porta. A médica a pega nas mãos. “Ah, você é maravilhosa!
Com nozes?”
“Claro que não. Me sinto insultada só de você ter sugerido
um sacrilégio desses. Nenhum brownie que se respeite
permitiria que seu esplendor amanteigado fosse destruído
por nozes.” Angela ergue uma sobrancelha, sarcástica.
“Eu sabia que podia confiar em você.” Evelyn acena para
que Angela entre, depois fecha a porta da rua.
O cheiro do Harbord’s quase fez Angela vomitar, mas ela
aguentou firme, determinada a compensar o que em
retrospecto lhe pareceu um primeiro encontro um tanto
desastroso algumas semanas atrás.
Elas sobem a escada, que range, até o apartamento no
andar de cima, e Evelyn fecha a porta. “Vou pôr a água para
ferver, para fazer um café.” Ela sorri para Angela. “Pode
sentar.”
Angela se acomoda no confortável sofá creme próximo à
janela. As cortinas estão abertas hoje, permitindo que o ar
fresco da primavera entre. O cheiro de um buquê de lilases
de um tom profundo de roxo em um vaso no parapeito se
espalha pela sala, como se para destacar o fato de que o
inverno finalmente acabou, e as flores terão seu momento
agora.
“Onde conseguiu os lilases?”, Angela pergunta. “Não vi
nenhuma árvore florida por aqui.” Evelyn lhe entrega um
prato, e ela diz: “Obrigada”. Vai comer o que conseguir do
brownie, muito embora doces não andem lhe caindo bem.
Evelyn se senta ao lado de Angela no sofá e cruza
delicadamente os tornozelos, como uma dama. “Eu roubei.”
“Haha! Como assim?”
“Tecnicamente. Tem um monte de flores no campus.
Ontem cortei alguns lilases. Eram só alguns ramos floridos,
mas não resisti.”
“Você carrega uma tesoura de poda na bolsa?”
Evelyn levanta uma garfada de brownie com um olhar
reverente e a enfia na boca. “Hum… Está perfeito, Angela.”
Ela engole em seco. “Tenho um canivete suíço, que meu
irmão me deu no Natal. Você não tem? É útil de vez em
quando. Principalmente o saca-rolhas.”
Angela ri, quase se engasgando com o próprio brownie. A
chaleira apita, impaciente, e Evelyn se levanta na hora, com
os reflexos de uma mulher muito mais jovem. Pouco depois,
volta com o café.
“Bom, e o que você tinha pra me contar?” Darwin vê o
café nas mãos dela e mia, impaciente, à espera do brownie.
Angela deixa sua caneca na mesa de centro, para esfriar.
“Encontrei a filha de Margaret.”
“Meu Deus…”
“Eu estava procurando pelo nome errado. Ela é
divorciada, mas continua usando o nome de casada.
Ironicamente, acho que é para ser encontrada mais
facilmente nas redes sociais, pois usou o nome de casada
por muito tempo. Expliquei a ela quem eu era e disse que
tinha uma carta que deveria ter sido entregue em seu
antigo apartamento, mas de alguma forma foi parar numa
gaveta da loja.”
Angela tira os olhos do brownie e os volta para Evelyn,
cujo rosto está tão branco que se confunde com o tecido
creme do sofá em que está sentada.
“Ai, meu Deus. Você está bem, Evelyn?” Angela pega a
mão da outra, que está gelada e tremendo. “Evelyn?!”
Evelyn aperta a mão dela, o que a deixa um pouco mais
tranquila. De repente, Angela toma ciência da idade de
Evelyn e do fato de que não possui nenhum treinamento de
primeiros-socorros.
“O que aconteceu? Quer que eu chame alguém?”
O rosto de Evelyn fica vermelho, com manchas irregulares
em meio à palidez. Então ela começa a chorar. Confusa e
assustada, Angela a abraça, sem saber o que mais fazer.
Evelyn é magra e parece frágil ao toque, como se um pouco
mais de pressão pudesse estilhaçá-la. O que está
acontecendo? A mente de Angela está a toda, mas não
consegue entender. Depois de um ou dois minutos, a
respiração de Evelyn desacelera e o choro diminui. Evelyn
se endireita no sofá, enquanto Darwin se esgueira por baixo
dos cotovelos delas, acomodando-se no colo da dona e
fazendo o seu melhor para mantê-la aterrada com o peso de
seu corpo, macio e quente.
Funciona. Evelyn se recosta e descansa a cabeça na
almofada do sofá, enquanto acaricia as costas do gato.
Angela vê uma caixa de papelão florido de lencinhos de
papel na mesa lateral. Ela pega três e dá alguns tapinhas no
ombro de Evelyn. “Pega aqui.”
“Obrigada, querida”, Evelyn murmura, com a voz pouco
mais alta que um sussurro. Ela enxuga o rosto e assoa o
nariz, com força. “Eu também estive no Santa Inês, Angela.”
A outra assente. “Eu sei.”
Evelyn se vira para encará-la. Lágrimas rolam depressa
por seu rosto em formato de coração. Só agora Angela
realmente nota as rugas em volta dos olhos e da boca de
Evelyn, sua pele envelhecida que lembra couro, os olhos
que já não são límpidos e claros. Olhos cansados e
carregados de dor, cuja luz começa a fraquejar.
“Dei à luz uma menina ali, que arrancaram dos meus
braços depois de alguns dias.”
Angela sente as entranhas congelarem antes que Evelyn
volte a falar. Ela observa a mulher correr as mãos pelos
braços, como se embalasse a bebê que no passado a
segurou. Sua mão direita vai para o pulso esquerdo. Ela
passa o dedo do meio por uma cicatriz longa, mas clara.
“Meu nome era Maggie na época. E dei o nome de Jane à
minha filha.”
29
MAGGIE
MAIO DE 1961
Querida Maggie,
Dói muito escrever estar palavras, porque de alguma
forma confirmam a verdade. Mas ontem Agatha me
contou que minha filha morreu. Fui pedir ajuda a ela,
achando que poderia fornecer um nome ou um endereço.
Qualquer coisa. Algo que pudesse me ajudar a encontrá-
la. E essa foi a notícia que ela me deu. Minha bebê foi
vendida e depois morreu.
Já é terrível o bastante ter sido separada dela, mas
agora não posso nem me reconfortar com a ideia de que
ela será a filha muito amada de uma mulher infértil. Ela
está morta, e é o fim para mim também.
Para ser sincera, é até empoderador. Estamos todas
aqui porque nunca tivemos escolha. Nunca estivemos no
controle. E isso é algo que posso fazer para assumir o
controle. Posso escolher como e quando morrer. Não
tenho medo do que vai acontecer com a minha alma. Sei
que estará livre e em paz, reunida com meu pobre Leo e
com nossa linda menininha.
Se o único jeito de ficar com eles é na morte, que seja
assim.
Antes de ir, preciso lhe pedir um favor.
Deixei duas outras cartas com você: uma endereçada
aos meus pais e outra para a polícia, esta junto com a
sua. Mantenha ambas seguras debaixo do colchão ou
onde quer que consiga escondê-las, depois as leve com
você, quando for embora. Por favor, envie-as assim que
puder. É minha despedida dos meus pais e do meu irmão,
e no meu relato à polícia explico em detalhes as
atrocidades praticadas neste lugar, os abusos da Cão de
Guarda e a venda dos bebês. Espero que seja o bastante
para acabar com o Santa Inês, no mínimo. Seria demais
esperar que a Cão de Guarda recebesse a devida
punição, mas talvez eu possa assombrá-la. Afinal, quem
sabe o que nos aguarda do outro lado?
Isso pode parecer estranho, mas, pela primeira vez em
muito tempo, tenho esperança.
Eu te amo, Maggie. Desde que chegamos a este lugar
horrível, você foi como uma irmã para mim, e sua
presença representou um bálsamo para o meu coração.
Sinto muito por te deixar, mas sei que em breve você vai
embora, para fazer grandes coisas. Imploro para que
tenha uma vida plena, por nós duas. E nunca, nunca
deixe de procurar Jane. Sei que vai encontrá-la.
Com amor, da sempre sua,
Evelyn Taylor
EVELYN
PRIMAVERA DE 2017
EVELYN
PRIMAVERA DE 2017
Querida leitora,
Quando as pessoas me perguntam sobre o que é o meu
livro, de início tendo a responder: “Sobre aborto”. Mas não é
isso. Procurando Jane é sobre maternidade. Sobre querer ser
mãe e não querer ser mãe e todas as áreas cinzentas entre
os dois extremos. É sobre até onde as mulheres estão
dispostas a ir para dar fim a uma gravidez ou para ficarem
grávidas. E, como Nancy diz, sobre caminhar no fio da
navalha, como acontece com muitas mulheres em algum
momento da vida, que oscilam entre o medo de engravidar
por acidente e o medo de não conseguir engravidar quando
quiser. E o mais importante: é sobre mulheres se apoiando
em suas escolhas individuais e sobre as consequências
dessas escolhas.
Enquanto escrevo esta nota, estou na minha primeira
gravidez. Escrevi a primeira versão de Procurando Jane
antes que meu marido e eu sequer tivéssemos começado a
tentar ter filhos. Estarei grávida durante todo o processo de
edição e serei a mãe de um bebezinho quando o livro sair.
Fiz muita pesquisa e realizei entrevistas relacionadas a
experiências individuais femininas com gravidez e parto,
para garantir que esta história soasse verdadeira, mas o
fato de que estarei grávida durante o processo de edição
acabou sendo ótimo, porque deixou o livro melhor do que
era antes.
A gravidez também me deu uma perspectiva menos preto
no branco em relação ao aborto. Ainda estou no primeiro
trimestre, que é o momento em que a maioria dos abortos
acontece. Racionalmente, sei que o ser crescendo no meu
útero é um aglomerado de células, um feto, mas o chamo
de “bebê”. Meu marido e eu até demos um apelido a ele.
Seus órgãos estão se formando. No momento, tem dedos
das mãos e dos pés e lábio superior. Ouvi seu coraçãozinho
batendo pela primeira vez com seis semanas de gestação.
Hoje entendo mais do que nunca por que o aborto é uma
questão profundamente emocional, que causa divisões
sociopolíticas graves e muitas vezes inconciliáveis. Entendo
por que algumas pessoas veem o feto como uma vida. Mas,
embora o bebê tenha dedos dos pés e das mãos, lábio
superior e um coração batendo, ainda está dentro do meu
corpo.
Meu. Corpo.
Eu tive a sorte de me encontrar em uma posição em que
engravidar foi uma escolha meticulosamente planejada,
mas, ainda assim, sou grata por morar em um país onde
tenho o direito garantido pela lei de todos os dias escolher
permanecer grávida, porque a Justiça determinou que meu
corpo — e tudo o que acontece dentro dele — pertence a
mim e apenas a mim.
Como acontece com muitas mulheres, meu primeiro
trimestre vem sendo um pouco difícil, em termos de
sintomas, e comentei algumas vezes com pessoas próximas
que nem sempre me sinto no controle do meu corpo agora,
o que é um pouco irritante, muito embora eu e meu marido
consideremos essa gravidez uma coisa maravilhosa e
desejemos muito esse bebê. Nem consigo imaginar como
seria estar grávida contra minha vontade, não ter controle
legal sobre o meu próprio corpo e o direito de encerrar esta
gravidez se assim quisesse. É uma perspectiva terrível. E
me parece igualmente terrível a ideia de me dizerem —
como aconteceu com as meninas que foram abrigadas em
casas de amparo maternal no pós-guerra — que não tenho o
direito de ficar com o meu próprio filho, que meus pais, o
Estado e a Igreja decidiram juntos, no meu lugar, que devo
entregar um bebê com quem quero ficar,
independentemente da minha vontade.
E é por isso que engravidar pela primeira vez me deu uma
compreensão mais profunda do poder e da importância da
autonomia corporal, e talvez também seja por isso que
agora tenho uma opinião mais firme do que nunca em
relação a escolhas reprodutivas e acesso ao aborto. Agora
consigo me colocar no lugar de uma mulher grávida que
não quer estar grávida. Consigo imaginar quão terrível isso
deve ser para ela. Este livro e suas mensagens agora são
mais reais do que nunca para mim.
Tendo dito isso, agora vou contar um pouco sobre como
Procurando Jane e esta história ganharam vida.
A REDE JANE
ISBN 978-65-5782-456-6