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CASOS CLÍNICOS
Rosa Maria Lopes Affonso
Caso Berenice
Identificação
Trata-se de uma criança de 7 anos e 2 meses, do sexo feminino, a quem chamarei
de Berenice. Ela frequentava o primeiro ano do ensino fundamental e o nível
socioeconômico familiar era classe baixa.
Queixa
A mãe procurou a clínica por solicitação da escola, pois a menina apresentava
dificuldades de aprendizagem e comportamento agitado no ambiente escolar. Além disso, a
mãe relatou que Berenice não obedecia às suas ordens, corria o tempo todo, era malcriada,
respondona e só falava gritando, comportando-se de maneira oposta à da irmã. Berenice
tem uma irmã gêmea a quem daremos o nome de Bárbara
Síntese da anamnese
A mãe não se lembrava de quando esse comportamento havia começado, mas
afirmava que até uns 3 anos de idade Berenice era um amor, calma e apresentava-se como
uma criança normal.
Atualmente, quando contrariada, colocava os dedos na boca. A mãe relatou que
quando a criança apresentava esse comportamento não conseguia ter paciência, começava a
gritar com ela e às vezes batia nela. Aos 5 anos de idade a mãe levou-a a uma psicóloga, a
pedido da escola, e esta orientou-a a conversar mais com Berenice, mas sem deixar de
colocar limites. Na época a mãe admitiu que não sabia dizer “não” para suas filhas.
A mãe relatou que a psicóloga encaminhara Berenice ao neurologista e ao
fonoaudiólogo, pois a menina apresentava dificuldades para decifrar as cores, contar os
números e acompanhar as atividades na escola. O exame neurológico demonstrou atividade
irritativa generalizada, o que justificava a sua agitação. Segundo a mãe, o neurologista
receitou um medicamento para que Berenice pudesse ficar “mais calma, menos elétrica e
agitada”.
Na escola, a diretora propôs que a menina mudasse de sala, pois não estava
conseguindo acompanhar as atividades da turma. Na época a mãe concordara com a
sugestão, mas Berenice reclamava por não ter atividades para fazer e só ficar brincando
com massinha. A mãe constantemente comparava Berenice com a irmã, dizendo: “A irmã
faz tudo direitinho, os brinquedos são arrumadinhos, enquanto a ‘outra’ acaba mais rápido
com as bonecas, são todas riscadas, sem braços As roupas e os sapatos acabam primeiro
que os da irmã”. A mãe fazia esse tipo de comparação na frente de Berenice, mas dizia que
esta não demonstrava ligar para as comparações. Afirmava não aguentar mais o
comportamento da filha, frisando que, se esta continuasse assim, iria enlouquecer.
Berenice apresentava dores nas pernas e na cabeça, e diante destes sintomas os pais
demonstravam grande preocupação, porém os exames médicos nada acusavam. Segundo a
mãe, a menina dizia que sentia a dor quando encostavam na cabeça dela, e a mãe acreditava
que o couro cabeludo da filha era solto, por isso as dores na cabeça.
A mãe de Berenice trabalhava há 17 anos como empregada doméstica e o pai estava
desempregado, mas trabalhava fazendo “bicos” como pintor. A relação entre ambos era
bastante conflituosa. Brigavam na frente das crianças e não demonstravam respeito um
pelo outro. A mãe comentou que não conseguia ficar calada e que gritava e dizia coisas
desagradáveis ou palavrões quando brigavam. Os motivos das brigas eram relacionados
com a educação das crianças e as responsabilidades financeiras.
Diante das brigas, as crianças ficavam quietas no canto, vendo tudo. A mãe
mencionou que, quando Berenice tinha apenas 4 anos, presenciara uma briga muito feia
entre eles: o marido pediu para ela bater em seu rosto, tendo ela lhe dado um tapa, e na,
sequência, ele deu-lhe um soco, que a derrubou no chão. Diante dessa cena, as crianças
começaram a gritar, mas a mãe acreditava que elas já não se lembravam desse fato.
Segundo o pai, diante dos comportamentos da filha ele procurava chamar a atenção
dela, pedindo constantemente para que ficasse quieta. Já a mãe deixava as crianças fazerem
o que quisessem dela, frisando que elas a faziam de “gato e sapato”. Comentou que às
vezes a mãe estava atrasada para levar as meninas à escola, mas se elas pediam para pentear
o cabelo dela, ela deixava, e com isso se atrasava mais ainda. O pai dizia que a mãe não
conseguia estabelecer alguns limites e que, quando saíam juntas, se as meninas quisessem
salgadinhos ela comprava, e se passassem em uma barraca de cachorro-quente ela
comprava, mesmo já tendo comprado o salgadinho; se passasse em outra barraca de
cachorro-quente e as meninas quisessem jogar fora o que haviam comprado, ela comprava
outro.
Relatou que, quando Berenice chegava da escola, ia tirando a roupa no meio da casa
e ia para o banheiro tomar banho. Acrescentou que, se a mãe comprasse um batom para
Berenice e ela o destruísse, no outro dia a mãe já aparecia com outro, não ensinado a ela
que não poderia destruir o que tinha.
O pai comentou que não estava de acordo com o comportamento de Berenice,
considerando-o inadequado. Disse que quando estava em casa conseguia colocar limites,
pedia para juntarem as coisas espalhadas, ao que as crianças obedeciam. Afirmou que
quando levava algum presente para as crianças procurava ensinar que este deveria ser
conservado e que não se deve ficar desperdiçando.
Em relação às discordâncias do casal, o pai afirmou que às vezes era possível que a
mãe aceitasse as suas intervenções, mas na maioria das vezes ele era desvalorizado na frente
das crianças. O relacionamento do casal era permeado de cobranças, e a mãe não aprovava
o comportamento do pai de sair com os amigos para tomar alguma coisa e chegar tarde em
casa. Com relação à casa, a mãe decidia o que era melhor e não havia conflitos sobre isso.
Segundo a mãe, sua relação com as crianças era muito boa e ela tentava deixá-las à
vontade, fazendo o que quisessem dela. Mencionou que Berenice adorava mexer em seus
cabelos, pelo fato de ter o cabelo “duro”. Considerava Berenice muito apegada a ela e dizia
que as pessoas comentavam que ela a mimava muito, por isso ela se comportava assim. Em
seu relato, afirmou que Berenice exigia muito mais dela do que a irmã. A mãe ressaltou
ainda que as crianças respeitavam mais o pai do que a ela.
O pai afirmava que Berenice era muito dependente da irmã e ficava todo o tempo
pedindo para que esta buscasse as suas coisas e fizesse a sua lição, mas quando o pai estava
presente evitava esse tipo de comportamento. Disse tentar estabelecer alguns limites, para
que ela fizesse as suas atividades sozinha e não ficasse pedindo para sua irmã fazê-las.
Afirmou que costumava brincar com as crianças e elas se divertiam.
A mãe levava as crianças ao pediatra uma vez por mês ou a cada dois meses. Dizia
ser uma mãe muito preocupada com as suas filhas e, sempre que podia, conversava com
elas. Dizia que as filhas brigavam, mas acreditava ser coisa de criança. Comentou que
Berenice não era bem vista pelas outras crianças, que ninguém a suportava e quando ela se
aproximava, diziam: “Lá vem essa menina”. Segundo ela, Berenice preferia brincar com
meninos do que com meninas e adorava o afilhado do pai, que tinha 4 anos.
A mãe também afirmava que o pai das meninas era mais rigoroso com as crianças
do que ela e que em situações nas quais as crianças pediam coisas ela não conseguia dizer
não. Relatou que às vezes o pai colocava as crianças de castigo, e quando ela chegava as
tirava do castigo, não permitindo que o pai tivesse autoridade sobre elas. Sua vizinha
achava que ela batia em Berenice com “pena” e dizia que a criança precisava de uma surra
bem dada, pois não tinha limites. A mãe disse que preferia conversar do que bater e não
conseguia ser firme com Berenice; até tentava, mas depois cedia, deixando-a fazer tudo o
que quisesse.
A mãe dizia ter uma vida muito corrida e ser uma pessoa organizada, apesar de não
colocar sempre as coisas no seu devido lugar, mas afirmava não poder contar com a
colaboração do marido e das crianças. A família apresentava dificuldades financeiras, sendo
a renda familiar de mil reais por mês. A mãe informava não ter condições de pagar o
tratamento de sua filha, não possuir convênio médico e seu marido estar sem trabalhar,
fazendo apenas “bicos”, quando apareciam. Dizia ser muito dolorido não poder dar o que
suas filhas pediam. Afirmava que Berenice compreendia quando ela não podia dar o que ela
solicitava.
Em momentos de lazer, a família se reunia para ir a festas de aniversários. A mãe
comentou que tomava “algumas cervejinhas” nos finais de semana e afirmava não deixar as
crianças com ninguém para poder sair. Disse que sempre que saía elas estavam junto, e
sempre que podia comemorava os aniversários das filhas.
Educação da criança
A mãe demonstrou em seu relato ter dificuldades educacionais, por não conseguir
dizer não para filha, o que impedia o amadurecimento da menina. Os pais não conseguiam
compactuar como casal, descordando entre si o tempo todo na frente das crianças, o que
impossibilitava que as filhas identificassem o certo e o errado.
Na recepção
– Oi Berenice!
– Ai, não, eu não quero sair daqui.
Ela esconde o rosto.
– Vamos lá?
– Ah, não, estou com preguiça.
– Berenice, eu vou te levar a uma sala para conversarmos e se quiser poderá voltar.
– Tá, tudo bem...
A mãe diz:
– E você não vai cumprimentar?
– Tá bom.
A menina me dá um beijo.
A mãe diz:
– Berenice, cuidado por causa da perna, hein? Sabe, hoje ela acordou já com esta
perna doendo e está com ela tremendo o dia todo.
– Tudo bem. Tomaremos cuidado, sim. Vamos lá, Berenice?
– Vamos
Sai pulando e dá a mão para mim. Não há indícios de comprometimento no andar.
Na sala
– Olha
Berenice para à porta e fica olhando a mesa cheia de brinquedos. Logo sai correndo
e os pega.
– Um espelho! E isso aqui o que é?
Aponta para o avião e e o pega.
– O que você acha? Você sabe por que está aqui?
Vira o avião e fica em silêncio.
– Ah, é um avião!
– Isso mesmo. Berenice tudo isto que está em cima da mesa são materiais que
poderão nos ajudar em nossas conversas. Estavam nesta caixa aqui e coloquei na mesa. Ao
final vamos guardar juntas.
– Ahã...
– Berenice você sabe por que está aqui hoje?
– Não.
Ela pega alguns rolos de massinha, começa a amassar e fazer bolinhas.
– O que a mamãe disse para você quando estavam vindo para cá hoje?
– Que eu ia na psicóloga.
– E o que é uma psicóloga?
– Sei lá, diz, amassando a massinha.
– Eu sei seu nome... Tia Rosa!
– Isso! Berenice, a mamãe e o papai estão preocupados porque você está com
dificuldades na escola.
– É isso mesmo.
Amassa com força a massinha sobre a mesa.
– Tia, o que é isso tudo na mesa?
– São os materiais que você poderá usar enquanto conversa comigo, para entender
o que está acontecendo com você, o porquê de você estar tendo essa dificuldade.
– Humm... E esta água aqui, é pra fazer o quê?
– Você pode usar como achar melhor.
– Oba!
Ameaça jogar a bacia d’água no chão, mas olha para mim.
– Vou jogar a massinha na água.
Pega o barbante e começa a enrolá-lo no pescoço.
– Berenice, e esta história que sua mãe contou da sua perna, o que é?
– Minha perna dói e eu caio muito.
– E por que acontece isso?
– Por quê? Não sei...
– A mamãe também contou que você está muito agitada e as atividades na escola
não saem direito. Como é isso?
– É assim mesmo.
Pega o papel laminado prateado, vira o lado que brilha para a mesa e coloca a
massinha sobre o papel. Enfileira as bolinhas que tinha feito, como se fossem um muro
entre mim e ela.
– O que é isso?
Ela aponta para as tintas
– O que você acha?
– É tinta. Aqui também tem pincel.
Pega os pincéis e as tintas verde, amarela e azul. Conforme vai pintando, repete o
nome das cores.
– Esta daqui é amarelo, né?
– Isso mesmo. O que é isso que você está fazendo?
– Ainda não vou te falar, só quando acabar.
– Tudo bem.
Vejo que ela vai misturando as cores no papel. Passa cola em volta do papel e troca
as cores das tintas.
– Percebo que você quer experimentar tudo o que está aqui. Misturar as cores,
amassar as massinhas. Será que isso também acontece na escola? A professora dá uma
atividade e você quer logo fazer, sem saber ao certo o que tem que fazer?
– A professora briga. Fala: “Sente-se, Berenice, faça a sua lição e pare de
conversar”. Agora vou pintar com as cores vermelho, preto e branco.
Pinta o papel com as novas cores. Tira as massinhas que formavam o muro e dobra
o papel laminado. Com o papel fechado em forma de um quadrado, faz um contorno com
a cola.
– Pronto, acabei este!
– E o que é Berenice?
– É uma casa.
– Hum... e quem mora nela?
– Ué, a cola e a tinta. Agora vou fazer outra coisa!
– E se a cola e a tinta fossem pessoas? Quem seriam?
– Não sei ainda.
Pega outro papel laminado prateado, abre e passa cola. Pega a tinta verde e, como
estava dura, ela põe a água da bacia, mas cai tudo de uma vez, esparramando na mesa. Ela
fecha o papel e passa cola nos dois lados dele. Espalha bastante cola, água e tinta verde
com a mão. Molha a mão na água e espalha mais cola.
– Pronto, acabei.
– E esse aí, o que é?
– É um tapete. Toma
Joga-o para mim e pego-o no ar, pois, do contrário, iria me sujar.
– Vou colocar junto com a casa, tudo bem?
A casa cai no chão. Ponho do lado da mesa.
– Ah, tá, tudo.
Pega outro papel laminado prateado.
– Agora eu vou fazer uma coisa que não posso contar pra ninguém.
– É, Berenice? Mas por quê?
– Este não. Não posso.
Abre o papel e passa bastante cola. Espalha tudo e põe legos coloridos em cima.
– Aqui são as cadeiras das meninas. Mas eu só quero as rosa.
Tira os legos verdes e amarelos e enfileira somente cinco legos cor-de-rosa.
– Que meninas são estas?
– As meninas. Elas vão sentar nestas cadeiras!
Fecha o papel e passa mais cola.
– Pronto, está pronto o presente.
– E para quem é o presente Berenice?
– Para você.
– Posso abrir, então?
– Não, não pode. É um presente.
– Tá.
Ao me entregar o presente, o papel se abre sozinho e os legos caem.
– Ah, não, estragou o presente!
Pega os legos, abre o papel, coloca-os novamente dentro dele e fecha-o.
– Nossa, você fez as unhas, tia!
Para e fica olhando a terapeuta.
– Você é bonita!
– Obrigada! Vou deixar o presente aqui junto com a casa e o tapete, tudo bem?
– Tudo.
– Acho que você está feliz de poder fazer atividades, falar sobre coisas de menina e
até quis me dar um presente de tão contente
Levanta, pega papel sulfite, lápis colorido, giz de cera e massinha e vai em direção à
cadeira de adulto que tem na sala.
– Vou fazer um desenho agora, mas você não pode ver, tá?
– Tudo bem.
Berenice vira-se de costa para a terapeuta, vai até uma cadeira distante da mesa e
desenha em cima da cadeira. Desenha duas linhas na vertical com giz de cera e coloca duas
bolinhas de massinha em cima.
– Acabei!
– Qual é o nome deste desenho, Berenice?
– O pintor.
– Conte-me uma história sobre ele.
– Era uma vez uma menina que usava um chapeuzinho vermelho, aí veio o lobo e
pegou ela. Agora vou fazer outro desenho.
Pega os lápis de cor e faz linhas coloridas e grossas.
– Berenice, nosso tempo já está acabando e vamos ter que guardar todos estes
materiais. Você já está acabando de desenhar?
– Ah, não! Eu não quero ir embora... Este desenho aqui pode ficar comigo?
Mostra o último que tinha feito.
– Você vai precisar dele?
– Ahã. Mas eu vou cortar só a parte que pintei.
Pega a tesoura e faz cortes pequenos no meio do desenho, depois corta em volta.
– Precisamos guardar os materiais. Vamos nos encontrar outras vezes, mas vou
trazer outras coisas. Berenice, vamos! Hoje vou te ajudar a guardar as coisas, acho que você
não quer ir, mesmo.
– Eu vou te ajudar. Eu gosto de ajudar. Na escola eu ajudo a tia.
Na arrumação, Berenice joga na mesa o desenho que fez com giz de cera e
massinha. Sai correndo pelo corredor e entra em todas as salinhas de atendimento.
– Berenice, é por aqui, vamos lá, que a mamãe está esperando.
Berenice pega na minha mão e chegam à recepção.
– Ih, tia, esqueci o desenho! Quero ir lá buscar.
– Então podemos voltar para pegar.
Berenice sai correndo e não me espera, mas, como não lembrava do caminho da
sala, para e espera. Pega o desenho, volta para a recepção e sai, dando a mão para a mãe.
Modalidade de brinquedo
As manifestações simbólicas da menina demonstram um ego pobre na expressão,
onde os impulsos parecem prevalecer sobre a capacidade expressiva representativa. As
ações da criança demonstram um interesse na manipulação, que, por sua vez, surge para
impedir a capacidade simbólica edípica.
No relato da mãe, nas sessões que precederam o primeiro encontro com a
terapeuta, fora mencionado que a criança, ao saber do atendimento psicológico, ficara
ansiosa e fizera xixi na cama, coisa que há muito tempo não fazia. Ao se apresentar à
terapeuta na recepção, ela diz que não quer ir para a sala. A mãe menciona que naquele dia
a criança está com a perna doendo e tremendo. São dados que revelam a ansiedade da
criança diante da situação de avaliação. É contraditória, porém, sua atitude impulsiva ao
chegar na sala, sugerindo falta de adequação evolutiva no seu comportamento.
Entretanto, o aspecto motor já fora avaliado com o médico, o que nos leva a uma
possível hipótese (associada à sua ansiedade) de que há um aspectos de natureza
psicossomática. Essa hipótese fica mais clara se considerarmos que esse comportamento
impulsivo diminui com o decorrer da sessão. Ora, o que justificaria, então, a ansiedade
persecutória da criança?
Verifica-se que, ao conversar sobre as dificuldades escolares, a manipulação da
massinha também demonstra ansiedade. Provavelmente o seu medo é de ser aniquilada e
não aceita pela mãe, que, por sua vez, a compara com a irmã.
Há ataques a essa falta de aceitação de sua dificuldade que ela deseja expressar, mas
procura evitar. Verifica-se tal atitude de repressão de seus impulsos quando ela tenta evitar
jogar a massinha na água, ou seja, identificamos a presença de uma crítica superegoica no
seu comportamento, esperado para uma criança de sua idade. Seu bloqueio na ação de
atirar a massa na água é evitado, mas o que faz em seguida? Envolve o barbante no
pescoço, sugerindo uma autoagressão, típica de sintomas psicossomáticos.
No desenrolar da sessão, verifica-se que a modalidade do jogo vai adquirindo
aspectos do que é esperado em sua idade, ou seja, mistura cores, faz um tapete para a casa,
esboça uma história para o seu desenho.
No encadeamento de suas ações, identificamos uma sequência desorganizada,
apesar de haver uma lógica quando a interpretamos. Por exemplo, quando usa as tintas, ela
demonstra que sabe as cores, faz uma casa onde moram a cola e a tinta, o que representa a
união e a identidade. Provavelmente, o seu grande problema é este: o conhecimento está
impossibilitado pela dificuldade na identificação.
Em seguida, ela faz com os papéis um tapete da casa, que joga para a terapeuta. O
que pode significar um tapete? O apoio, a segurança, que não encontra no ambiente
familiar. Logo, quem deverá cuidar disso é a terapeuta, daí jogar o tapete para esta.
Ou seja, o que podemos verificar é uma expressão carregada de ansiedade, daí a
desorganização, mas se trata de uma desorganização com uma lógica significativa.
Psicomotricidade
A criança desenha, faz colagens, apresenta preensão manual adequada, faz recortes,
reconhece quando a atitude não corresponde ao esperado – por exemplo, quando os legos
caem no chão. Do ponto de vista evolutivo gráfico, os desenhos ainda estão numa fase pré-
esquemática, ou seja, não correspondem à realidade, sugerindo uma regressão nos
conteúdos.
Além disso, a alternância das atividades também não é a esperada para uma criança
de 7 anos. Discutindo esses indicativos, foi indicada uma avaliação neurológica, que acusou
foco irritativo. Este resultado, porém, foi associado ao comportamento impulsivo, e não a
uma impossibilidade intelectual.
Se considerarmos o resultado do Testes Gestáltico Visomotor de Bender como
normal, é provável que com estimulação adequada na representação de suas ações práticas
este atraso na expressão possa melhorar.
Personificação
Trata-se de uma criança que interage com a terapeuta, há diálogos. Ela realiza
atividades e presenteia a terapeuta, ou seja, há uma relação intensa e que poderíamos definir
como uma personificação primária, ou seja, o faz-de-conta com personagens é ainda
correspondente a uma criança de 3 anos. Ela associa os legos a meninas, que têm uma cor
feminina (cor-de-rosa).
Novamente, identificamos uma necessidade de diferenciação. Essa personificação,
ainda tão regredida para a idade de 7 anos, nos faz entender que o processo de identificação
apresenta dificuldades, com a figura masculina adquirindo sinais de persecutoriedade. Essas
falhas na identificação podem fazer emergir comportamentos estereotipados, o que pode
sugerir o agravamento do quadro regressivo.
Tal aspecto pode ser observado primeiramente quando a criança entrega os legos
para a terapeuta dizendo que são as cadeiras das meninas. Quem poderiam representar
essas meninas? Ela e a irmã? Ao entregar o presente, ela se depara com as unhas da
terapeuta e fica observando-as. Ora, nesta idade a criança fica interessada nos aspectos
femininos, bem como no comportamento dos adultos, e verificamos isso quando ela vai
em direção à cadeira do adulto. O que acontece em seguida? Ela faz um desenho que a
terapeuta não pode ver. O que esta não pode ver? O pintor. O que pode representar o
pintor? O aspecto masculino proibido.
Em seguida aparece a história estereotipada: a menina que usava um chapeuzinho
vermelho, aí veio o lobo e pegou ela. O interesse na figura masculina se transforma em algo
ameaçador. Além disso, usar o chapéu vermelho faz com que o lobo pegue a menina. Aqui
está a grande confusão “psicótica” desta criança: se consideramos que ela foi utilizada pela
mãe como motivo do impedimento da sexualidade conjugal, o comprometimento na
identificação torna-se ainda maior.
O que resta a esta criança? A solução que dá ao conflito é resolver o seu processo
de identificação primária. A expansão da história do chapeuzinho vermelho é inibida, e a
criança retorna ao uso dos recortes, ou seja, novamente regride, indicando que a sua
dificuldade está neste processo de diferenciação materna.
Criatividade
A criança manipula os materiais dentro do esperado, usa os legos como cadeiras,
faz recortes coloridos representando um tapete, mas sem verificarmos relações inusitadas,
ou seja, a criatividade está dentro do esperado.
Se considerarmos que se trata de uma criança de 7 anos, podemos dizer que as suas
ações são muito primárias, uma vez que ela mistura desenho com massinha, ao fazer o
pintor. Evidentemente, ao analisarmos o conteúdo da situação percebemos o quanto a sua
capacidade criativa fica inibida diante da sua impossibilidade, que não lhe é favorável ao
crescimento.
Capacidade simbólica
Verifica-se que a criança expressa as suas dificuldades relacionadas a sua
impossibilidade de lidar com os conflitos edípicos apresentando um comportamento com
fixações anais. Na medida em que suas ações são permeadas de exploração e manipulação,
ou seja, pinta, recorta, desenha, mas, ao tentar estruturar um comportamento mais
elaborado, como a casa ou a história sobre as duas bolinhas que compõe o seu desenho do
pintor, a criança não vai além disso, não consegue representar verbalmente uma hitória
sobre suas ações. A ansiedade persecutória parece impedir o seu crescimento, logo, a faz
regredir ao comportamento de manipulação.
A criança demonstra com isso uma fragilidade egoica, e as defesas preponderantes
são de repressão, deslocamento e, em alguns momentos de maior conflito, aparecem os
mecanismos de cisão.
Por outro lado, ela expressa suas dificuldades, o por quê das dificuldades de
aprendizagem e de agitação e expressa também a sua fantasia de cura. Suas dificuldades na
aprendizagem perecem estar associadas a uma impossibilidade de conhecimento de si
mesma e do processo de diferenciação. Nossa hipótese é de que essas dificuldades foram
impedidas com a não aceitação de seu interesse pelo aspecto feminino. A fantasia de cura
parece associada ao processo de identificação primária, na medida em que há ataques à
figura materna e que, na fantasia inconsciente da criança, só podem ser vivenciadas através
de seu sintoma de deficiente mental ou de não aprendizagem.
Ainda em relação à expressão da sua dificuldade de aprendizagem, podem-se
questionar todos estes significados e dizer que o comprometimento desta criança é
neurológico, logo, deveríamos centralizar nossa preocupação no aspecto cognitivo ou
intelectual, dando um outro direcionamento ao caso – por exemplo, sugerir um trabalho
neuropsicomotor.
Esse procedimento também pode ser utilizado se formos rigorosos na análise do
seu comportamento, tão regredido para uma criança de 7 anos. No entanto, do que adianta
todo um processo de estimulação dissociado das “possíveis” significações das vivências de
um ser humano? Este impasse é algo que o psicoterapeuta terá que decidir mediante o
conjunto das suas avaliações.
Tolerância à frustração
A criança aceita os limites impostos pela atividade lúdica, embora suas ações sejam
quase sempre exploratórias, com esboços de construções. No que diz respeito à separação,
verifica-se que essa foi a sua maior dificuldade, expressa diante do limite do término da
sessão. Diante do inevitável término da sessão, começa a ficar agressiva, atirando o
desenho no chão e deixando a sala ansiosa e agitada.
Por outro lado, suas ações agressivas são permeadas de reparação. Por exemplo,
joga o desenho ao chão, mas precisa retornar à sala, admitindo não poder ficar sem o
desenho.
Adequação à realidade
A criança compreendeu os papéis de cada um na situação lúdica, utilizou os
materiais de acordo com as sua funções e, apesar das dificuldades diante dos limites
impostos pelo tempo da sessão, demonstrou compreensão do contrato e das instruções, ou
seja, apresentou um comportamento adequado à sua faixa etária.
Síntese do ludodiagnóstico
Verifica-se que a criança expressa as suas dificuldades relacionadas a sua
impossibilidade de lidar com os conflitos edípicos apresentando um comportamento com
fixações anais. A angústia preponderante é a persecutória, que parece permear e impedir as
manifestações de seus recursos, desencadeando comportamentos regressivos de
manipulação.
A criança demonstra com isso uma fragilidade egoica, e as defesas preponderantes
são de repressão e regressão, e em momentos de maior conflito aparecem os mecanismos
de cisão e tentativas de desintegração.
As dificuldades na aprendizagem estão associadas a uma impossibilidade de
conhecimento de si mesma e do processo de diferenciação. Essas dificuldades de
exploração e pesquisa parecem estar associadas a sua não aceitação dos seus aspectos
femininos. A fantasia de cura parece associada à elaboração do processo de identificação
primária, na medida em que há representações de ataques à figura materna que, na fantasia
inconsciente da criança, só podem ser vivenciadas através do seu sintoma escolar ou
psicossomático.
Caso Carlos
Identificação
Trata-se de um pré-adolescente de 12 anos do sexo masculino, a quem darei o
nome de Carlos.
Carlos foi levado à clínica encaminhado pela escola, pois, frequentando o sexto ano
do ensino fundamental, recusava-se a fazer os deveres de casa. Além disso, seu
comportamento era agressivo, tanto em casa como na escola. Respondia para os
professores que não iria fazer os deveres. Com os colegas ficava enfurecido quando lhe
chamavam de baixinho. Segundo a mãe, quando o menino ia ao banheiro sentia-se
inferiorizado, uma vez que seu pênis era pequeno. A mãe já o levara ao endocrinologista,
mas não havia problemas.
O pai, em função das várias reclamações da escola, procurara dar mais atenção ao
menino e entendia que ele estava mais calmo. Também acreditava que a mãe dizia muito
para Carlos obedecer, e ela mesma admitia que acabava por se descontrolar, gritando com
Carlos. Segundo os pais, o menino resistia às regras educacionais, nunca obedecendo na
primeira solicitação. Com o pai a obediência era mais frequente.
Síntese da anamnese
Carlos era o filho caçula e temporão. Os pais tinham mais duas filhas, uma de 24
anos e outra de 22. Os pais acreditavam que Carlos sempre fora “mimado” por todos da
casa, em função de ser o caçula, e sempre fizera o que queria desde pequeno.
Quando o menino tinha 6 anos, começou a praticar kung-fu, segundo os pais, para
dar vazão à sua agressividade, pois já naquela época havia queixas da escola. Algumas mães
chegaram a conversar com a mãe de Carlos, pois ele já batia nas crianças.
Carlos sempre conviveu com adultos, pois o local onde a família morava não
permitia o convívio com outras crianças, ou seja, a sua socialização se restringia à escola.
Apesar de ter um quarto para ele, todas as noites ele ia para o da irmã mais velha. Ainda
naquela época havia dias em que acordava e ia para a cama da irmã. O menino alegava ter
medo do escuro e dizia que quando assistia a filmes de terror acabava tendo pesadelos.
Os professores afirmavam que Carlos não podia fazer trabalhos em grupo, pois
brincava e fazia bagunça.
Conversando com a mãe de Carlos, em outro dia, esta informou que o menino
estava de castigo porque, diante das solicitações dela para que tomasse banho, ele havia
jogado nela um sapato, e se este a tivesse atingido teria ferido-a. Naquele dia a mãe tinha
sido chamada na escola porque Carlos fora suspenso por xingar a professora.
Modalidade de brinquedo
Se, por um lado, a criança não utiliza os materiais para se expressar, por outro,
demonstra uma riqueza simbólica. A sua verbalização apresenta-se organizada, com
sequência lógica. Ou seja, trata-se de uma criança com recursos, portanto suas dificuldades
de aprendizagem estão relacionadas à sua dificuldade de se submeter às regras educacionais
ou da escolarização.
Demonstra grande dificuldade em lidar com o controle de seus desejos, logo, o
ambiente é vivido como castrador, injusto, onde ou ele enfrenta com agressividade, ou se
submete com sofrimento ou repressão.
Psicomotricidade
Embora não tenha manifestado interação com os objetos, verifica-se que é uma
criança que ficou sentada, expressou suas dificuldades, mencionou uma série de atividades
que realiza no seu dia a dia com sucesso motor.
Há um descontrole comportamental diante das regras. Se considerarmos o
desenvolvimento educacional dos esfíncteres, temos uma mãe intolerante às suas
produções fecais, e talvez o descontrole diante da figura materna seja a forma de reagir a
essa não aceitação primária.
Além disso, a criança descreve na sessão um certo sofrimento na realização das
tarefas escolares, em ter que escrever ou utilizar a coordenação motora fina. Há brigas com
a mãe em relação a seus próprios cuidados higiênicos, ou seja, há um sofrimento, e não
uma dificuldade motora, que pode estar associado a um comportamento afetivo-relacional
com a figura materna.
Personificação
A criança descreve e desempenha papéis com afeto, relações conflituosas,
indicando que a sua capacidade egoica está adequada ao esperado. A figura materna é a
geradora dos conflitos e das sanções. É uma figura materna que exige dele
responsabilidades com as tarefas do lar, mas é intolerante aos seus comportamentos
regredidos, não admitindo, por exemplo, que ele não tome banho quando ela solicita. A
figura paterna é apresentada como participativa (vai às reuniões escolares, ajuda nas
tarefas), mas com pouca intervenção na aplicação das sanções, ou seja, a figura materna
aparece como a figura de autoridade.
O menino considera que as irmãs são privilegiadas pela mãe, pois esta permite que
tenham mais autonomia nos cuidados (por exemplo, a irmã pode tomar banho quando
quer, enquanto ele tem que se submeter aos desejos da mãe). Além disso, a irmã mais velha
tem poderes, pois tem 56 peixes beta.
Ele descreve uma relação social com os amigos permeada de conflitos, sentindo-se
injustiçado, embora reconheça que perde o controle diante das injustiças. É provável que
sofra bullying na escola, mas verifica-se que há um sentimento bem negativo em relação a
seu próprio tamanho, que pode ser gerador desses conflitos agressivos na relação social.
Isso fica claro quando a terapeuta lhe pergunta em que ano ele estuda e ele retruca:
“Já sei por que você perguntou isso”. A terapeuta tinha essa informação, mas a reação do
menino é inusitada: reconhece que é pequeno em relação aos outros ou diante da
expectativa social, mas parece não aceitar isso, e sua reação é compensar com muita
agressividade. É importante lembrar que os pais são chamados frequentemente à escola
devido a suas reações violentas.
Criatividade
A expressão verbal da criança está de acordo com o esperado. A criatividade é
expressa na sua capacidade de interação com o ambiente, sem muito destaque.
Capacidade simbólica
O menino expressa suas dificuldade verbalmente, colocando-se sempre como
vítima da situação. Diante da expressão de seus impulsos agressivos, admite que se
descontrola, perde a paciência e é agressivo, tanto com a mãe quanto com os colegas, mas
considera-se injustiçado diante das consequências que lhe são impostas.
Considerando os conflitos relatados e a fala da mãe no final da sessão, pode-se
considerar que o menino tem dificuldade em admitir sua agressividade, pois relata os fatos
pela metade. Por exemplo, não disse à psicoterapeuta que atirou o sapato na mãe, nem
mencionou que estava suspenso da escola. Nesse sentido, podemos dizer que a criança se
descontrola, mas a sua capacidade de autocrítica está prejudicada, ou seja, o ego e o
superego encontram-se comprometidos, e os mecanismos básicos de defesa são a repressão
e a negação.
Considerando a sua descrição do ambiente externo, verifica-se que esta foi a forma
que encontrou para reagir ao meio pouco acolhedor de suas carências afetivas primárias.
Há uma defasagem entre ao que é esperado dele, como assumir responsabilidades escolares
e ter atitudes mais adultas, e sua necessidade afetiva de ser protegido. Por exemplo, espera
que a mãe o defenda e dê a ele as mesmas regalias que dá às irmãs, sem as condições que
lhe impõe.
No contexto social, descreve uma situação em que se sente diminuído diante dos
colegas. Sua estatura é algo que o incomoda, e provavelmente associa-a e concretiza
internamente este sentimento de ser pequeno ou sentir-se diminuído nas relações sociais. A
agressividade é a expressão de algo de que não consegue dar conta ou a forma que
encontrou para compensar sua representação inconsciente de ser pequeno.
O importante é que a criança evidencia seus sentimentos e a falta de compreensão
do ambiente. Ao final da sessão, deixa claro que as pessoas concretizam os seus desejos.
Sonha com um pano bordado com um ursinho e a tia materna, por identificação projetiva
primária, concretiza o seu desejo. Nesse trecho da sessão também verificamos a presença
de um desejo inconsciente infantilizado (pano bordado com o ursinho). Essa solicitação
lembra a solicitação de um objeto transicional, ou seja, até para enfrentar-se a si mesmo, ao
dormir necessita de apoio, daí o seu comportamento, tanto na infância como naquele
momento, de buscar à noite o apoio dos pais ou familiares.
No entanto, mais uma vez, verificamos sua dificuldade em admitir sua infantilidade,
pois o que solicita à terapeuta é um videogame, ou seja, um material lúdico dentro do
esperado para a sua idade. Outro aspecto importante é que há uma ambivalência típica da
puberdade, entre o desejo de ser criança e o desejo de assumir papéis adultos, o que
representa um ambiente intolerante aos aspectos mais regredidos.
Tolerância à frustração
Trata-se de uma criança que apesar de se sentir desconfortável com os materiais
lúdicos, ou seja, prefere conversar, solicita que a psicoterapeuta traga materiais mais
adequados à sua idade, como o videogame. Faz essa solicitação dentro da expectativa para a
sua idade, ou seja, conversando com a terapeuta.
É interessante que o menino se depara com a falta de um material adequado
quando mexe nos animais. É possível que os animais estejam representando os seus
impulsos agressivos e que ele se dê conta de que é a terapeuta que poderá ajudá-lo, fazendo
com que se sinta maior, ou seja, mais adulto, tal como espera também do ambiente.
Demonstra condições de superar suas dificuldades no controle dos impulsos em
relação às regras, pois conversou e guardou os materiais quando solicitado.
Adequação à realidade
O menino conversou com a terapeuta, aceitou as regras para expressar suas
dificuldades, demonstrou sua posição e aceitou guardar os materiais, o que indica
possibilidades de adequação à realidade.
Entretanto, verifica-se que não admite as reações e consequências externas diante
de seus comportamentos impulsivos e agressivos, colocando-se como injustiçado. Verifica-
se que as punições que lhe são impostas não o fazem refletir ou compreender suas ações.
Logo, ele mesmo aponta que a realidade externa não o favorece na compreensão do que
realmente está acontecendo. É provável a psicoterapia possibilite o contato com os seus
sentimentos de impotência, favorecendo a representação dos mesmos e levando a uma
melhor avaliação de seus comportamentos diante da realidade.
Caso André
Identificação
Trata-se de uma criança de 5 anos que frequentava o jardim II, a qual denominarei
André. O menino foi encaminhado pela escola, não tem controle da urina e das
evacuações, é agressivo e violento com os amigos.
Síntese da anamnese
André teve uma gravidez desejada. Nasceu de cesárea, devido à falta de dilatação.
Foi amamentado durante um mês. Andou com 1 ano. Falou com 1 ano e meio. Sempre foi
um bebê chorão. Aos 2 anos, após o nascimento do irmão, o neuropediatra detectou
problema de audição, e aos 4 anos teve infecção no ouvido, tendo que fazer
acompanhamento com otorrinolaringologista.
Largou a mamadeira aos 2 anos, mas chupava o dedo até aquele momento. Devido
a problema de encoprese, os pais evitavam contato social. A mãe era explosiva e o pai,
retraído. O pai não jantava com as crianças por fazerem muito barulho e bagunça. Os pais
são profissionais liberais da área da saúde.
Como André era uma criança forte, a mãe sempre recebia reclamações de que havia
machucado os amigos de forma violenta. As queixas da escola existiam desde que o
menino tinha 4 anos, quando iniciou o jardim I. Teve dificuldades de adaptação escolar, e
quando brigava com os amigos, geralmente a mãe o colocava de castigo. Também chegou a
apanhar da mãe por causa da enurese e da encoprese.
Conclusão ludodiagnóstica
Trata-se de uma criança que procura elaborar e expressar seus conflitos associados
a ameaças de perda e de abandono pelas figuras parentais, logo, associados a dificuldades
afetivas correspondentes a fixações na fase anal, daí a encoprese e a agressividade. Os
mecanismos básicos de defesa para lidar com os conflitos são a negação e a racionalização,
mas quando a criança não consegue controlar os impulsos se desestrutura, desencadeando
ansiedade persecutória e agressividade, caracterizando um ego imaturo, que não pode
postegar desejos, insatisfeito e ainda sob o domínio do prazer, situação na qual o jogo tem
a função de descarga. Há fantasias de integração relacionadas ao processo de identificação,
mas ainda carregadas de muita ansiedade.
Referências:
ABERASTURY, A. (1962) Teoria y técnica Del psicoanalisis de niños. 6. ed. Buenos
Aires, Paidós, 1978.
KLEIN, M. (1930) A importância da formação de símbolos no desenvolvimento
do ego. In: KLEIN, M. Contribuições à psicanálise. Trad. Miguel Maillet. São Paulo: Ed.
Mestre Jou. 1970. p. 295-314.
KLEIN, M. (1931) Uma contribuição à teoria da inibição intelectual. In: KLEIN,
M. Contribuições à psicanálise. Trad. Miguel Maillet. São Paulo: Ed. Mestre Jou. 1970. p. 319-
334.
MANNONI, M. (1965) A primeira entrevista em psicanálise. Trad. de Roberto C.
Lacerda. 2a. ed. Rio de Janeiro, Campus, 1982.