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Psicopatologia da Criança e do Adolescente 2022/2023

Avaliação Tipo II – Trabalho de Grupo

Caso Clínico B - Ana

A Ana tem 10 anos, é filha única e frequenta actualmente o quarto ano de escolaridade. Vive com os pais e
com a avó materna.

O pedido de consulta é feito através do telefone, pela mãe da Ana que diz “é a Ana que pede para falar com
alguém”. O telefonema é longo e algo difícil de terminar, tendo a mãe da Ana sentido necessidade de explicar com
bastante detalhe a necessidade da menina de “desabafar após ter sabido do conflito do casal”. A Ana teria lido
mensagens no telefone da mãe onde encontrou esta informação. A Ana vem à primeira consulta acompanhada
pelos pais. Apresenta-se com um visual algo descuidado, senta-se no sofá com a cabeça apoiada na mão e escuta
passivamente num primeiro tempo.

A Ana nasceu de uma gravidez muito desejada pelos pais. O parto aconteceu às 38 semanas, sem
intercorrências. Quando questionados sobre os primeiros tempos de vida os pais mostram pontos de vista
divergentes. O pai relata algumas dificuldades ao nível da alimentação e um choro intenso da bebé, difícil de
acalmar. A mãe considera este período como “normal”, de adaptação.

Em termos de desenvolvimento, a Ana começou a andar aos 11 meses e disse a primeira palavra pelos 13
meses. O controlo esfincteriano foi feito simultaneamente de noite e de dia por volta aos 3 anos. Até aos 3 anos
ficou em casa com a mãe, tendo depois entrado para o jardim de infância onde a adaptação foi difícil durante
aproximadamente 3 meses, com choro intenso no momento da separação.

Relativamente às relações intrafamiliares a Ana viveu sempre com os pais, até à cerca de um ano, após a
morte do avô, quando a avó passou a viver com a família. De notar que nos primeiros 2 anos de vida o pai viajava
frequentemente em trabalho, estando afastado do domicílio por períodos de duas semanas. A relação da mãe e da
avó materna é descrita como “conflituosa”. A Ana apresenta uma grande proximidade relacional com o pai e com
avó e a mãe descreve a relação com a menina como difícil, “temos personalidades muito parecidas e que chocam
bastante”.

A primeira sintomatologia da Ana apareceu há cerca de 8 meses, numa crise de choro intensa que na altura
não soube explicar. Mais tarde, confidenciou à mãe que tinha visto umas mensagens no seu telefone e que estava
preocupada com o casamento dos pais.
Na realidade os pais descrevem que a relação de ambos atravessa um período difícil há cerca de 2 anos mas
que estão a tentar trabalhar para a melhorar. A Ana interrompe os pais para acrescentar que os ouve discutir à
noite, quando eles pensam que ela está a dormir e que acha que eles se vão separar. Olha para os pais com um ar
de desafio. Não há resposta da parte dos pais.

Em termos da sua escolaridade é descrita como uma menina muito inteligente, com excelentes notas. A
mãe descreve uma preocupação crescente com a falta de empenho e de método de estudo da Ana, embora esta
não se manifeste por uma quebra dos resultados escolares. A Ana fica visivelmente incomodada com a observação
da mãe, revira os olhos e cruza os braços zangada. O pai refere que há cerca de um mês foram à urgência hospitalar
por queixas somáticas da Ana ao nível da região torácica, com palpitações. Foram feitos exames de despiste a nível
cardíaco, que vieram negativos.

Quando questionada directamente a Ana diz que gosta da escola mas que se sente cansada. A ideia das
férias que se aproximam não parece motivá-la para encarar o último período de aulas. Descreve uma amizade forte
com um menino e uma menina da sua turma e uma preocupação crescente face à mudança de escola, prevista para
o próximo ano lectivo e que implicará a separação dos três amigos.

Durante a entrevista a Ana mexe-se bastante na cadeira, interrompe algumas vezes os pais enquanto eles
falam, contradizendo-os, é extremamente expressiva, conseguimos perceber o seu desacordo e zanga face a
algumas das afirmações dos pais.

Numa segunda consulta é proposto à Ana que fique sozinha connosco, o que ela aceita com alguma
reticência, tendo necessidade de se despedir dos pais com vários abraços e necessidade de que lhe assegurem que
esperam por ela na sala de espera.

Após alguns minutos iniciais de desconforto a Ana começa a falar sobre ela, sobre os livros que gosta de ler
e sobre a preocupação com a situação dos pais. O seu discurso é organizado, com vocabulário adequado mas com
uma cadência bastante rápida e um tom de zanga que por vezes a faz levantar a voz. Usa muitas vezes um tom de
humor sarcástico e bastante crítico, revelando uma visão bastante madura do mundo que a rodeia que contrasta
com a sua idade. Diz que tem dificuldade em dormir, não se recorda de ter pesadelos ou sequer de sonhar, mas diz
que sempre teve insónias, que “quase não dorme mas que como fica na cama os pais não dão por isso”. Diz-se farta
da escola, dos professores e do karaté. Diz que raramente chora porque “isso não ajuda nada”. Com alguma
reticência, fala das zangas com a mãe, discussões quase diárias que a deixam triste. “Ela é muito injusta, não me
ouve, nada chega para ela”. Fala também do seu desejo de passar mais tempo com o pai, que já não se desloca em
trabalho, mas que termina tarde, chegando muitas vezes apenas quando ela já está deitada.

Fala da avó com muito carinho e uma preocupação enorme com a saúde da mesma, que se degradou no
último ano.

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