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Apresentação do Caso1

Nome: José Paulo (nome fictício)

Idade: 15 anos

Ocupação: estudante

Queixa: Dificuldade de adaptação ao lar materno, já que ele e a irmã de 13 anos


conviveram por quatro anos com o pai. Ele e irmã foram morar com o pai por
dificuldades financeiras da mãe. Precisaram retornar por dificuldade de
relacionamento com o pai e madrasta, com situações de violência física e psicológica.
Também conviveram de perto com a avó, que morava com o pai.

1º ATENDIMENTO

JP falou que está muito confuso, viveu muito tempo com o pai e agora que está
morando com a mãe não sabe como agir. Tudo o que aprendeu com o pai ele levava
para a vida, viveu com ele por quatro anos. Agora está com a mãe e “ela fala que é
para me endireitar”. Era só ele e sua irmã, agora ele tem um novo pai (padrasto), um
irmão (7 anos) e a mãe. Acha bom, mas não sabe como agir. “Ainda não me sinto a
vontade com isso, antes era eu e minha irmã, quando estava com meu pai. Quando
estava com ele a Virgínia cuidava de mim e eu cuidava dela. Um dependia do outro”.
“Fica um pouco complicado agora, antes era só eu e a minha irmã, agora tem
uma criança pequena e não sei como agir”. Às vezes ele brinca com mais
agressividade com a irmã e a mãe não entende, pensa que estão brigando.
Quando se lembra de quando estava lá com o pai, sente dor de cabeça “dói
muito.” Relatou também que às vezes esquece das coisas, não lembra. “Meu pai
nunca deixou ficar muito em contato com meu irmão e minha mãe”. Fala também que
no período que morava com sua mãe e seu pai, não lembra, lembra de poucas coisas.
Quando olha para traz, quando estava com pai, começa a ficar com raiva (o pai era
muito irritado e exigente), mas não demonstra. Ele fala que não sabe bem, ele fica
calado de cabeça baixa, “ninguém percebe o que eu estou sentindo, só quando
demonstro; ninguém sabe quando estou com raiva”.

1
Caso atendido e estudado na clínica- escola da Universidade da Amazônia (UNAMA), no curso de aprimoramento
na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP). Caso atendido pela aluna Rosilene Trindade, supervisionado pela profa.
Dorotéa Cristo.
Falou um pouco do seu colégio. No colégio percebe-se como uma pessoa que
faz as pessoas rirem. Disse que gostava dessa atenção, pois ele já chama atenção
por si só. Ele diz que é “tipo gordo, todo mundo nota”.
Ele disse que está mais feliz agora, antes não saía, ficava em casa. Relatou
que antes tinha medo de chegar perto da mãe, pois a madrasta e o pai diziam que a
mãe mexia com drogas, então sempre fugia dela.
Quando o pai estava com a madrasta percebeu que no início ela os deixava
pra lá (não dava atenção), mas depois ela começou a querer se mostrar para o pai
deles, querendo ser cuidadora. Na verdade, não se preocupava com eles, ela sempre
dizia que tudo o que acontecia de ruim na casa era culpa da Virgínia, e maltratava a
irmã na ausência do pai.
“Ele (o pai) sempre falava para Virgínia fazer as coisas, serviços domésticos.
Dizia que eu não precisava, era um bom filho”. Ser bom filho para ele é obedecer ao
pai e não reclamar; “A Virgínia não obedecia as regras da casa, como eu, mesmo que
nem sempre eu concordasse com essas regras”.
Ressaltou que admirava o pai, entende que o pai fez coisas erradas, mas gosta
dele, não consegue sentir raiva das pessoas e não entende quando ela (a mãe) tem
dele.

2º ATENDIMENTO
JP disse estar num estado “neutro”, mas continua as brigas com a mãe sobre
ele ajudar nos afazeres da casa. Nessas brigas ele acaba por responder mal à mãe.
“Não ajudo muito em casa, estou acostumado a fazer as coisas na casa da minha avó.
Isso me deixa meio abalado; como é que aceito ajudar a minha avó e minha mãe
não?”. JP fica pensando nisso do porquê ajuda a sua avó e não ajuda sua mãe.
“Fico sem entender nada; minha mãe tem um jeito de ensinar, lá têm um jeito
coletivo, na casa da minha avó é individual”. Disse que na casa de sua avó cada um
faz a sua parte, já na casa de sua mãe ele tem que fazer várias vezes as coisas. “não
tem essa de você empurrar para o outro, ela decide e você tem que fazer todos os
serviços naquele dia”.
JP diz que muda muito de ideia “minha mãe diz que sou muito individualista.
Foi assim que aprendi na casa da minha avó e do meu pai; sinto-me perdido”.
JP me relatou que está tentando aprender as coisas que a mãe ensina,
entretanto acredita que as brigas ocorram quando ele tenta fazer as coisas do jeito
dele. “na casa da minha avó é tudo meu, meu, meu, na casa da minha mãe não tem
nada meu, é tudo nosso”.
JP disse que ainda não entende esse coletivo, e relatou um exemplo “fico
pensando se empresto ou não empresto meu notebook, fico com medo de alguém
quebrar, digo que é meu e a mamãe diz que não; é nosso, isso me deixa confuso”.
“Tenho que ter dupla personalidade para poder agradar os dois lados, o meu e
da mamãe, não entendo, e nisso fico meio perdido”.
Logo em seguida JP falou da sua mudança de escola, e me diz que está mais
extrovertido, chega a interagir de forma engraçada com os colegas (me relata rindo).
JP fez um comparativo de seu relacionamento com seu pai, e disse que não
era bom, estavam se falando e se vendo pouco, ultimamente. Disse que admira o pai,
pela sua capacidade, mas não gosta do temperamento dele.
Da questão de responder mal para a mãe, não entende como faz isso com ela
e com o pai não fazia isso, mesmo se irritando com ele.
Relatou de um momento em que a mãe pensou em mudar para o Rio de
Janeiro e falou dessa expectativa de ir para lá começar uma vida nova. “Tudo que eu
vivi aqui me lembra o papai, indo para o Rio daria uma expectativa nova de começar
do zero, acho que isso seria bom”

3º ATENDIMENTO
No início desse atendimento JP falou que tem brigado muito com sua mãe, que
ele não tem feito as tarefas de casa e isso tem sido um dos elementos para as
discussões, assim como também sobre os estudos. JP disse que ainda precisa de
tempo para essa adaptação, mas que já está mudando aos poucos e que precisa ser
“o bom filho”. Ele diz que não é só a questão de ser exemplo para seus primos e
irmão, por ser o mais velho, mas ele tem cuidado ao falar e fazer certas coisas para
não influenciar.
Outro dia perguntou ao avô se era um mau filho porque ele tinha esquecido o
compromisso com o pai. Ele explica que o pai tem ajudado ultimamente nas tarefas
da escola, ensinando Matemática e Física, mas que ele havia esquecido de ir ao
encontro do pai no supermercado e que isso gerou uma culpa nele, pois ficou
pensando que o pai ficou esperando.
JP falou também sobre a questão de não gostar de entrar em conflito com a
mãe nas discussões. Ele diz que tem vontade de falar mais, mas que prefere ficar
calado e escutar. Muitas vezes ele sai das discussões com dor de cabeça e se recolhe
no quarto, mas que não consegue relaxar, pois fica martelando esses pensamentos de
querer falar as coisas, mas não conseguir.
JP comentou também que a acha que a mãe tem medo de que ele siga o
mesmo caminho que ela, ou seja, não termine os estudos. Ela o vê como gente fraca,
ele diz que também se vê como mente fraca.
JP falou que a mãe diz que ele se deixa influenciar, ele sabe o que o pai fez
com ele, sendo tão violento, mas ele não consegue sentir raiva e ultimamente tem
ponderado muito nas decisões dele. Ele disse que geralmente procura ver quem é
mais coerente, não a pessoa que fala a verdade, mais sim essa coerência.
Ele sabe que quer ser técnico em informática. As pessoas não dão nada para
ele, pensam que ele não tem nada a ver com a profissão, mas JP permanece firme
que ele quer isso e tem capacidade.
Nossa 3ª sessão chegou ao final.
4º atendimento

Nesse atendimento percebi JP adoentado. Ele me explicou que estava gripado,


com sinusite e que não se sentia bem, que, devido a isso, não viria no atendimento,
mas sua mãe lhe disse que deveria vir. Expliquei para JP, que quando estivesse
assim, poderia justificar sua ausência, até porque o tempo também não cooperava
para a melhora dele.

Em seguida perguntei como tinha passado durante a semana; JP me relatou,


com um sentimento de cansaço, que ainda continua as brigas com a mãe. Sobre ele
esquecer de fazer alguma coisa na casa, de ir para a casa da avó e se esquecer de
voltar para a casa da mãe na hora marcada, enfim. JP confirmou sobre ele esquecer
do horário de voltar para casa. “Ela não gosta que eu volte tarde, e eu volto sempre as
20:30, 21:00, ainda mais no dia de domingo que tenho aula no outro dia, aí todo
mundo lá dorme 21;00h e chego as 20:00 lá em casa. A mamãe fica um pouco
aborrecida comigo, então a gente discute, depois a gente dorme” - com isso ele ri-
“parece que falta alguma coisa, sei lá... para se relacionar melhor com minha mãe”.

“Tem uma separação que eu ainda não consigo separar direito, tem meus pais,
minha avó, meus tios meus primos” - sente vontade de estar com os primos. Ao
mesmo tempo tem seu irmão que é muito apegado a eles, e acaba se esquecendo
dele. Ele não teve muito contato com a gente porque não convivemos muito, “tento me
dar bem com ele, mas.... não consegui ainda relacionar essas duas famílias e formar
outra família, sabe por quê? Eu acho que é pelos dois tipos de pensamentos
diferentes”.

Ele pediu conselhos para avó, a quem considera como sua verdadeira mãe.
Pediu alguns conselhos para ela, já que não consegue conversar tudo com sua mãe,
falar de seus sentimentos, “não tem aquele apego, apesar de se minha mãe, não
consigo juntar esses dois lados da família, os dois tem um lado de pensar”, “fui criado
pela família do meu pai, tive muito apego, e tem certas coisas que ela não gosta e com
isso joga; não sei se é bem uma indireta, mas quando acontece eu fico analisando se
ela não está falando mal da minha avó e do meu pai. Ela fica fazendo isso, se eu fui
criado pela família do meu pai, então não sou bom, ela não me aceita assim. Aí ela
fala que nem tudo o que me ensinaram é o certo, ela tenta me ensinar o que ela acha
que é o certo, mas tem certas coisas que eu discordo”.

Distinguir o que é seu, o que é dela, o que é deles; acha que é bom, mas
precisa de tempo para poder aceitar e entender. Ele fala para a mãe que está
aprendendo aos poucos as coisas que ela ensina, mas que precisa de mais tempo
para mudar pelo jeito que ela quer. Nesse momento JP diz que que logo ele vai se
formar, vai para Universidade, morar sozinho e levará as coisas que lhe ensinaram, as
coisas que aprendeu com a mãe e com o pai. JP diz que percebe que ela quer que ele
siga o que ela fala o que ela acha que é certo, mas quem vai decidir é ele.

“Eu acho que por incrível que pareça, eu mudei, eu tenho poder de opinião
agora, de poder falar e pensar; antes quando morava com meu pai não tinha, acho
que é isso que ela não entende, foi o que ganhei com ela. Porque agora consigo
expressar o que eu estou sentindo, antes eu era reprimido, agora sei que posso falar,
questionar, falar o que está certo ou errado pra mim. Só que se ficar falando toda hora
sobre isso nós vamos ficar brigando”.

Ele acha que isso é devido ter morado com o pai, pois ele deu
responsabilidades para ele, tinha que cuidar da irmã. Nesse caso eu tive que me
moldar, não porque eu quis, mas era necessário cuidar da minha irmã mais nova, falar
as coisas para minha irmã, explicar, dialogar; hoje, nem tanto.

Nesse momento JP fala de sua mãe, de como ele percebe que ela não confia
neles, ela dá mais oportunidades para o irmão menor, de escutar o que ele tem a
dizer. Ele sabe que o irmão menor (Davi, de 7 anos) e mais apegado à mãe, ele tem
mais oportunidade de falar; já com eles não. Ele tenta explicar sobre uma situação
para a mãe e ela não entende e não acredita.

Para JP, o Davi é muito escandaloso, ele grita e coloca o pai dele (padrasto)
contra eles, percebe que isso que ele faz não é intencional porque é uma criança e
ainda não tem essa mentalidade. Tentou explicar para a mãe sobre a situação
ocorrida entre Davi, Virgínia e ele, mas a mãe não acreditou e disse que eles tinham
que se unir.

JP percebe que esse tratamento de desconfiança seria devido a criação que


teve do pai, por isso ela não confia. “O papai é malino, malvado”, ela acha que eles
são parecidos com o pai. “Apesar de tudo, eu quero mudar, ela não percebe essa
mudança ou não quer ver”.

Uma vez falou para ela que estava sentindo-se sufocado, porque antes tinha
privacidade e agora sente que não, as coisas são compartilhadas, como: antes tinha
celular com senha, agora não, mas tem certas coisas que ele não aceita. JP diz que
seu irmão sabe discutir, parece ter uma mentalidade de 11 anos, e isso surpreende
ele, pois ele percebe que ele mesmo não tinha esse poder de opinião antes. O Davi
joga na cara de JP que, se ele usa o Tablet dele, porque não pode usar o celular do
JP também? (Percebi uma certa admiração de JP por essa característica do irmão).
JP analisa que antes ficava recuado, mas agora está sabendo se expressar. Muitas
vezes olha com admiração para Davi e vê como ele discute com a mãe e com o pai e
aí se compara, já que nunca conseguiu fazer isso.

A avó falou que ele esqueceu da mãe, do tempo que conviveu com ela, mas
que ela fez falta para ele. Disse para ele que o laço é fortalecido com a convivência, e
que por mais que discutisse com ela não significava que deixou de gostar dela, que há
várias formas de gostar, assim como ele se sente diferente sobre a irmã, a avó os
primos etc.

JP falou que os primos o admiram, até porque teve mais contato com eles; o
pequeno, chamado João, é o mais apegado, obedece e conversa com ele. Tem hora
que isso lhe assusta pois percebe que se falar algo pode influenciar eles, percebe que
não pode ser mais aquela criança que foi. Acha que deve deixar as brincadeiras mais
de lado, pois acredita que pode colocar eles em perigo. Apesar de tudo, ele é o
exemplo, o mais velho, eles seguem os passos dele.
A mãe diz que ele é o mais velho, que tem que ter responsabilidade, e fala
sobre gente na idade dele que já trabalha. Com isso JP falou sobre essa necessidade
de mudar, às vezes percebe que tem atitude de criança e que não pode ter, o irmão
pode querer seguir.

Falou também sobre a questão dos estudos, que acha que está decaindo, pois
teve notas baixas. Um dia a mãe falou que, se não melhorassem na escola, iria
entregá-los para o pai, e isso lhe confundiu e lhe feriu, (“porque ela falou isso?”). Ela
sabe que ele não tem uma relação tão boa com o pai (percebeu como uma forma de
chantagem).

Disse que o pai mudou, fica espantado e recua um pouco, nunca soube como
era esse pai, não sabe lidar. JP falou ao pai que quer ser igual a ele, e o pai disse que
ele tem que ser melhor do que ele. JP percebe que há uma concordância em ambas
as partes (pai e mãe), cada um quer o melhor para eles, mas do jeito deles.

Ele se sente culpado pela mãe ter problemas de saúde e ele não estar
conseguindo ser o bom filho (falou chorando). “O bom filho é aquele que respeita,
sabe conversar, que é bom, leal, faz tudo pelos outros. Só que tem vezes que eu
esqueço o que é isso, e não sei o que é ser bom de verdade, pois tem muitas coisas
que não sei direito ainda”. Ele sabe que a mãe está querendo reconstruir esse tempo
perdido, mas não será a mesma coisa.

Entristece JP que ela dê oportunidades para o Davi se explicar e se esquece


dele, e ele nunca se esquece de ninguém. Já está um ano com ela e ainda sente que
não a conhece ainda. Sente-se culpado por não ser o filho que ela quer e se esquece
que ela está ali do lado (fala chorando), e tem vezes que se incomoda de não ter
acreditado nela, ter corrido dela. Percebe que ela quer gostar deles, se aproximar,
mas tem as normas que não tem sentido para ele.

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