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RECORTE DE CASO CLÍNICO 05 – SUPERVISÃO

Dados iniciais
Paciente mulher, 51 anos, formada em artes plásticas, solteira, namora, religião espírita. Professor
de artes em escolas estaduais. Ela procurou psiquiatra e foi prescrito os seguintes medicamentos:
rivotril, sertralina, clomipramina.
Traz como queixa principal, em suas palavras, “estou de luto, sou muito ansiosa, tenho insônia e
depressão”

Relato das sessões


Na primeira sessão a paciente entra na sala e, antes mesmo de nos apresentarmos, ele inicia falando
compulsivamente, ficou neste estado por quase 30 minutos. Atualmente realizei 4 sessões.
A família é de uma cidade próxima a Campinas, e viveram na mesma casa. Maria (nome fictício) é
filha do segundo casamento por parte de pai (mãe faleceu). Do primeiro casamento do pai, tem uma
irmã e um irmão. O relacionamento com os pais foram intensos. Ela destaca o relacionamento
afetuoso com o pai: “era uma pessoa muito boa, minha paixão”. A mãe era do tipo controladora. A
paciente ressalta que apesar de ter um bom relacionamento com ela, sentia-se sufocada, não tinha
liberdade para escolhas. Teve um bom relacionamento com a irmã, mas com o irmão foi sempre
conflituoso, e atualmente, sem clima para conversas, o relacionamento está rompido. Explorei se ela
sentia-se aceita pelos irmãos, com a irmã sim, mas com o irmão, sempre foi conflituoso.
O irmão saiu quando se casou, os pais faleceram, e a irmã continuou a morar na casa até sua morte;
Maria saiu quando tinha 22 anos – veio para Campinas estudar. Atualmente a casa está em processo
de inventário. Nesse ponto, o conflito com o irmão se intensifica, não conseguem entrar em acordo.
Ela se retrata a esta casa com pesar, angústia de saber que está vazia, suja, sem ninguém. Fica
imaginando como uma casa de fantasmas. Por conta dessa angústia demonstra ansiedade em se
“livrar da casa”, vende-la.
Percebo que o conflito com o irmão não é somente por causa da casa, mas vem de longa data. Ela
demonstra ter muita raiva, disse que se fosse homem bateria nele. Ela o considera um homem
covarde, que não enfrenta os problemas, sempre reclamando. A relação da paciente com a família
dele não é saudável.
Maria viver em uma cidade próxima a Campinas até os 21 anos, mudando-se para Campinas. A
intenção de sair de casa foi para ter liberdade, o que não tinha devido ao comportamento controlador
da mãe. Ela menciona que gostou de arrumar o seu cantinho. Percebo que Maria tem desgosto com
o comportamento da mãe, apesar de entendê-la: “quando completei 40 anos,
entendi o jeito de minha mãe”. Ela ressalta que foi muito rígida, tudo tinha que ser do seu jeito.
Maria passou vários processos de depressão durante a adolescência e mesmo adulta. Aliás, percebo
que ela está em processo de depressão. Sintomas: não tem vontade de fazer nada, tudo é muito
difícil, tem vontade de ficar quieta, dormindo, para ir até a padaria é um sacrifício, lecionar está
pesando.
Ainda sobre a depressão, há alguns anos, ela pediu licença das aulas, não estava dando conta.
Neste período, ela relata que ficou 2 anos morando com a irmã, e dormia 24 horas. Não tinha forças
para fazer nada.
Pediu licença do trabalho para cuidar da irmã, como ela disse: “minha irmã está indo embora, tenho
que ajudá-la”. Passou o primeiro semestre deste ano (2017) com ela, retornando a lecionar no
segundo semestre.
Outro aspecto interessante: seus relacionamentos. Quando mais jovem teve namorados que não
deram certo, não mencionou o que aconteceu. Atualmente tem um namorado, relacionamento de 7
anos. Ele é separado. Demonstra irritação com ele, intolerância.
Quando alguém faz alguma coisa para ela que não gosta, ou não aceita por julgar errado, ela devolve,
revida, com o dobro de intensidade: “vou com tudo”. Possui determinação e foco perante problemas
ou situações de desafios: enfrenta-os, definida em entender e solucionar.
Sobre o seu trabalho (lecionar) informa que não está vendo sentido. Não gosta de dar aulas, não foi
o que projetou para sua vida. Tentou montar um negócio com o atual namorado, mas não deu certo,
ele achou que ela estava falando demais e dando ordens. Ela se questionou se não estava mesmo.
Ainda sobre esse evento, ela mencionou que sua irmã já falava isso para ela: “você está agindo
como a mamãe”.
Maria gosta de fazer as “coisas certinhas”, planejadas, tudo tem que estar bem organizado. Não
suporta pessoas que fazem as coisas erradas. Comportamento similar ao de sua mãe, dando ordens,
fazendo do seu jeito.
Percebo que ela não se permite ter um momento de prazer, de satisfação, tudo tem que ser rígido e
organizado. Pontuamos juntos esse aspecto, ela ficou surpresa. Sempre pensa no que tem para
fazer amanhã: no domingo fica pensando na segunda, que será um dia difícil de muitas aulas, ficará
fora de casa o dia todo, sente-se ansiosa.
Neste formato, ou neste contexto, não se permite relaxar, aproveitar o que tem de bom deixando
passar, mais que isto, passar a vida sem prazer, sem sabor. Agora, que está com 50 anos, estes
questionamentos estão aparecendo, sobre o que tem sentido, ou o que teve sentido, e como fará
para viver com sentido.
Ela coloca esperança que os remédios irão tirá-la do estado de stress e depressão. Informei que os
remédios ajudam a dar estabilidade emocional, mas que os problemas, ou como encará-los é que
precisam ser trabalhados. Maria responde: “gostaria de melhorar 10%, já estaria muito bom”.
Percebo o nível de sofrimento e angústia que está vivendo.
Não fazendo diagnóstico, mas entendo que ela bem perdendo objetos importantes: o falecimento do
pai, depois a mãe, irmã, e por último a casa, a rua, local onde viveu. São várias perdas consecutivas
no decorrer de anos.
Ela simboliza o que está vivendo: “parece que estou dentro de uma casa assombrada, escura, que
me dá muito medo, e não consigo sair”.
Demonstra preocupação com o futuro: “agora não tenho mais minha irmã, mãe e nem pai, como vou
fazer?”.

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