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Caso Clínico: Lívia

Lívia é uma mulher de 34 anos, solteira e mora sozinha com uma gata (Lavínia). Ela procurou

terapia para tratamento de depressão diagnosticada por psiquiatra. Ela já fez 3 terapias, com 3

diferentes terapeutas e, atualmente, usa um antidepressivo, um ansiolítico e um indutor do sono.

Ela é uma enfermeira e está afastada do trabalho em licença médica para tratar a depressão. Esta

já é a segunda vez que Lívia se afasta do trabalho por este motivo.

Lívia tem passado a maior parte do tempo dormindo ou vendo séries da Netflix. Eventualmente

conversa com duas amigas de longa data. A primeira terapia se iniciou quando ela tinha 17 anos,

no período do vestibular, e encerrou de forma muito parecida com as outras terapias: depois de

um tempo de aproximadamente 1 ano, Lívia sai “de férias” da terapia e não retorna, porque não

via muitos efeitos da terapia.

Ela é a segunda filha (a caçula) de um casal de médicos que mora no interior (Lívia se mudou

para a capital para cursar a universidade e, desde então, não retornou para o interior). Seu pai

teve problemas com álcool durante muitos anos, mas parou de beber há aproximadamente 5

anos. Ela diz que não confia que ele continuará sem beber, porque já prometeu muitas vezes,

mas sempre volta “de vez”, passando até 2 dias fora de casa bebendo, deixando Lívia, a irmã e a

mãe desesperadas, sem notícias. Sua mãe sempre se destacou na sociedade da pequena cidade

onde moravam como um “exemplo de mulher elegante, decidida e envolvida em causas sociais”

(palavras de Lívia). Lívia não conversa muito com os pais e diz que sempre foi assim. Ao

mesmo tempo, tem muita pena do pai – que por anos lutou contra o alcoolismo – e uma certa

tensão ao falar da mãe porque “ela não é muito de ouvir”.

Há mais ou menos 6 meses, os sintomas da depressão de Lívia se intensificaram com

pensamentos intrusivos sobre sua “inadequação no mundo”. Ela tem pensado muito em como

não “se encaixa” em nenhum lugar (trabalho, amizades, família) e, mais recentemente,

pensamentos sobre tirar a própria vida começaram a aparecer com mais frequência. Sentimentos

de angústia e “ausência de sentido nas coisas” aparecem com muita intensidade, principalmente

no começo da manhã e nas madrugadas em que Lívia permanece acordada. Nesses momentos ela

faz uso das medicações para dormir e “parar de pensar besteira”. Procurou terapia porque a sua

licença expira em 1 mês e ela está com muito medo de retornar ao trabalho, principalmente

porque não sabe como será recebida pelas colegas (que tiveram um volume de trabalho acrescido

em sua ausência) e porque não sabe se deseja continuar trabalhando como enfermeira na

assistência.
Sobre relacionamentos, a Lívia disse que, vez por outra, “fica” com um médico que é casado,

mas diz que sabe que não vai se tornar nada mais sério. Durante a sua licença, pensou muito em

como quer se afastar dele, porque acha que ele ocupa mais espaço do que deveria na vida dela.

Quando perguntada sobre seus sentimentos em relação a este colega, ela diz que não sabe bem,

mas que já se sentiu apaixonada, outras vezes já sentiu nojo, outras vezes já teve muita raiva, e

que atualmente sente falta dele e pensa que não conseguirá se afastar. Perguntada sobre o

quanto desses sentimentos já revelou para ele, a Lívia responde que ele a considera “de lua”,

porque ela não fala dos sentimentos, mas as vezes “desaparece” durante dias e só volta a

procurar depois.

Quando perguntada sobre o que mais deseja, Lívia responde que deseja não ser um fardo na

vida das pessoas e não sentir mais tanta angústia. Quando perguntada sobre outras relações

sociais, ela responde que tem percebido o quanto é solitária e tem medo de, um dia, morrer

dentro do apartamento e só ter seu corpo achado dias depois “quando começar a feder” – uma

vez que passa dias sem ter contato com outras pessoas.

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