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Diante do caso clínico abaixo, utilizando os seus conhecimentos de psicoterapia e

psicodinâmica, faça um COMENTÁRIO LIVRE de no mínimo 15 linhas que contenha uma análise
pessoal do caso.
CASO CLÍNICO

Gláucio, filho único, 34 anos, publicitário, desenhista e crítico de arte, sempre foi muito elogiado
em seu meio profissional. Ao longo dos estudos sempre se destacou por sua inteligência, além de uma
grande dedicação ao trabalho com uma produção bem extensa e de qualidade. Atividades extras: pintura,
desenho, mini-esculturas, leitura e cinema. Gláucio também manteve durante muitos anos uma coluna de
crítica de arte em uma revista especializada. Seu trabalho sempre muito elogiado e requisitado fez com
que ele alcançasse dinheiro e prestígio pessoal.
Contudo, Gláucio é um solitário e sua solidão se aprofundou a partir da sua mania de retirar-se
para trabalhar e meditar em um pequeno sítio que herdou do pai, perto da praia, que para ele era um
templo, um lugar sagrado. Gláucio falava de coisas que considerava sagrados, mas sustentava-se como
agnóstico em relação a questões religiosas. Quando dizia que o sitio era um lugar sagrado passava mais
uma idéia de que deveria preservá-lo em respeito à memória do pai. Neste sitio Gláucio criava idéias de
publicidade, pintava, lia, desenhava. Sempre sozinho.
Gláucio teve um casamento ainda bem jovem, com 20 anos, que durou menos de 3 anos. Não
tiveram filhos. Ele teve três namoros com uma durabilidade média de dois anos cada. Ele relata que
ficava mais tempo sozinho pintando, lendo e trabalhando com esculturas do que com a namorada. O seu
tempo vago (fins de semana, férias...) era parcialmente preenchido por atividades solitárias: viajar
sozinho, ficar no sitio e ler.
Glacucio começou a usar maconha aos 22 anos, quando começaram as tensões e atritos do seu
casamento. Nessa época ele perdeu o pai (que era mergulhador e morreu no mar no dia do seu
aniversário de 50 anos). Foi aí que Gláucio resolveu morar com a mãe pondo fim no seu casamento, já
que segundo ele a sua mulher não aceitou acompanhá-lo.
O uso de drogas aumentou na vida de Gláucio que teve muita dificuldade de elaborar a perda do
pai e ainda se sentiu sem o apoio da mulher. Ele tinha entre 22 e 23 anos e concluía a Faculdade de
Comunicação, depois estudou outras coisas como desenho, filosofia, etc.
Parece que para curar-se Gláucio se lançou freneticamente ao trabalho, produzindo muita coisa,
resultado disso foi ver o seu talento ainda mais valorizado, sendo disputado por Agências de Publicidade
até mesmo no exterior. Gláucio também escrevia sobre arte e crítica para jornais e revistas.
A intensidade de seu trabalho levou-o ao uso de cocaína para manter-se aceso, acordado para dar
conta de todos os compromissos, mas havia também muita fuga, como se ele não pudesse parar para
pensar, e isto estabelecia uma compulsão ao trabalho, como se não quisesse viver, apenas trabalhar;
como se precisasse não lembrar nada, não conectar-se consigo próprio, e que fosse urgente anestesiar a
percepção de si mesmo. A maconha lhe gerava idéias, fazia-o ver idéias, ter sensações visuais que não
eram possíveis se ele estivesse lúcido
A vida de Gláucio até os 32 anos se resumiu em trabalho e solidão. Quase não tinha vida social. Os
únicos momentos de sociabilidade eram eventos de trabalho, inaugurações, apresentações e exposições.
Mesmo sendo eventos praticamente obrigatórios, ele fazia de tudo para não agendar essas atividades.
Sua rotina, aliás, se limitava à casa da mãe (e ela após a morte do marido desenvolveu forte
depressão, tendo que ser acompanhada diuturnamente por uma auxiliar de enfermagem, devido a uma
forte ideação suicida que lhe acometeu).
Conheci Gláucio quando ele chegou sozinho em um Centro de Recuperação. Primeiramente ele
telefonou, disse que era dependente químico e perguntou se podia nos visitar para conversar. Informou
que tinha sido encaminhado por um psiquiatra. Durante a conversa percebemos que ele estava muito
debilitado fisicamente, lento em suas comunicações e às vezes parecia por uns instantes não estar ali.
Gláucio ficou conosco por umas 4 horas, olhou de modo atento todas as dependências do CR e foi
embora dizendo que iria buscar sua mala e voltar no dia seguinte.
De fato achávamos que havia pouquíssimas possibilidades de seu retorno, já que é comum
dependentes químicos terem recaídas em momentos decisivos como esse, e eles geralmente não buscam
muito facilmente tratamento em internação. O Centro de Tratamento era de internação.
Na manhã seguinte nos surpreendemos quando visualizamos Gláucio tomando café no refeitório
do CR. Ele já tinha passado por avaliação com o médico clínico do CR e já tinha sido colhido material
para o seu exame de sangue.
Gláucio participou de terapia em grupo, atividades de terapia ocupacional, terapia individual,
socioterapia, enfim... ele se integrou facilmente em todas as atividades terapêuticas do CR, ainda que em
alguns momentos se isolava dos demais por bastante tempo.
Uma de suas atividades preferidas era a Oficina de Artes e resistia muito às atividades físicas como
futebol, volley e natação. Mas aos poucos conseguíamos que fizesse alguma coisa e em muitos
momentos víamos que ele realmente tentava se empenhar porque tinha consciência de que também esta
parte é muito importante para o sucesso do tratamento.
No quarto mês de internação Gláucio fez uma saída acompanhado e teve bastante êxito nessa
experiência quando ficou três dias fora da instituição, tendo visitado a mãe e uma tia. No quinto mês fez
outra saída, desta vez de cinco dias, tendo novamente êxito. Quando se preparava para a terceira saída,
dessa vez sozinho, quando ficaria sete dias e retornaria à insituição para a conclusão do seu tratamento,
Gláucio recebeu um telefonema com a notícia do falecimento de sua mãe.
Gláucio saiu e não mais retornou.

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