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A pandemia de COVID-19 e a elaboração do luto

O presente trabalho visa tecer uma análise do impacto da pandemia de COVID 19 na


elaboração do luto nas pessoas afetadas pela perda de algum familiar e/ou conhecido durante
a pandemia de coronavírus. Para tanto, utilizaremos como base para as considerações os
seguintes textos: Rituais fúnebres na pandemia de COVID-19 e luto: possíveis reverberações
(2022), de Maria Eduarda Padilha Giamattey, Joselma Tavares Frutuoso, Maria Lígia dos
Reis Bellaguarda, e Ivânia Jann Luna; Aquele adeus, não pude dar”: luto e sofrimento em
tempos de covid-19 (2020), de Eliany Nazaré Oliveira, Francisco Rosemiro Guimarães
Ximenes Neto, Roberta Magda Martins Moreira, Gleisson Ferrera Lima, Francisco Diogenes
dos Santos, Magda Almeida Freire, Lorenna Saraiva Viana, e Marcos Pires Campos; e, Luto
familiar em tempos da pandemia da covid-19: dor e sofrimento psicológico (2020), de
Rosario Martinho Sunde, Lucildina Muzuri Conferso Sunde.
Ao longo do ano de 2020 e dos meses que se seguiram, o mundo presenciou uma
intensa pandemia, denominada popularmente de Covid-19, que influenciou significativamente
a rotina de todas as pessoas e ceifou inúmeras vidas de forma precoce. A contemporaneidade
nunca havia sido afetada por semelhante doença e com impacto letal tão significativo desde a
Gripe Espanhola, no início do século XX. Com o preocupante estado de saúde instaurado em
todo o mundo, medidas globais de distanciamento social tomadas com o intuito de tentar
impedir a rápida disseminação da doença e a preservação dos sistemas de saúde para o
atendimento da crescente demanda por leitos hospitalares. Tais medidas, além de dificultar a
transmissão do vírus, também objetivavam achatar a curva de contágio para que os leitos dos
hospitais não atingissem a capacidade máxima, o que acabaria por colapsar o sistema de
saúde.
Ao analisar o cenário, Giamattey et al. (2022), afirma que, durante um tempo, os
estados brasileiros conseguiram criar e aderir a medidas restritivas de aglomeração. Tais
medidas foram suspensão temporária de escolas, universidades, transportes públicos,
proibição de qualquer atividade que envolvesse aglomerações de mais de dez pessoas,
isolamento de casos suspeitos, obrigatoriedade do uso de máscaras e controle de temperatura
em ambientes públicos e fechados, como shoppings centers, academias e supermercados.
Porém, com a ausência de fortalecimento público, governamental e financeiro dessas
medidas, elas foram diluindo ao longo do tempo, agregada à derrocada dos serviços de saúde,
aumento do número de mortes e contágio exacerbado em todo país.
Com a derrocada dos cuidados com a saúde, o número de mortes cresceu
exponencialmente, e a sociedade se viu diante de intensos dilemas diante das incontáveis
fatalidades decorrentes da Covid-19. Por conta disso, a postura das pessoas diante da morte e
do processo de luto foi severamente impactada, uma vez que, para Giamattey; et al. (2022),
em uma pandemia, vivenciamos tanto as perdas de vidas humanas quanto as perdas de
empregos, de interações sociais presenciais e rotinas. Ou seja, estamos vivendo diferentes
formas de contato com os significados da morte e do luto em larga escala social, desde a
privação coletiva da convivência com as pessoas até a perda da própria saúde ou de entes
queridos, caso haja contágio pelo vírus e a ocorrência da morte. Destacam-se também as
mudanças de estilos de vida a partir da desestabilização dos referenciais sociais, como
trabalho, sistema de saúde, educação, economia ou conexões sociais e familiares. A morte
necessariamente vem acompanhada do luto e ambos são fenômenos que acontecem com todos
os seres humanos. Por se tratar de fenômenos universais e inevitáveis, poderíamos pensar que
eles seriam enfrentados com naturalidade. No entanto, a morte ocupa um lugar de exclusão na
sociedade ocidental, em que não se fala sobre o assunto, ou então, ao citá-lo, usam-se
vocábulos para substituir e amenizar o real sentido como: passagem, descanso, ou então
expressões populares ora atreladas à religião e espiritualidade como ‘bateu as botas’, ’foi
dessa para uma melhor’, ‘descansou, está com Deus’, ‘está em paz’, dentre outras.
Ainda segundo os autores, a pandemia de Covid-19 influenciou as pessoas de forma
avassaladora, atropelando a organização e a realização dos rituais funerários e de despedidas
das famílias e seus desdobramentos: funeral, cremação, sepultamento, luto. Como exemplo
disso, houve a abertura de valas comuns nas cidades mais impactadas pela pandemia devido à
incapacidade dos serviços funerários de atenderem o alto número de óbitos em curto tempo
causados pela COVID-19, o que acabou gerando um cenário de enterros coletivos a céu
aberto. Além disso, nas cidades onde o serviço funerário ainda tem capacidade de atender às
demandas de enterros e velórios, a facilidade do contágio pelo vírus impossibilitou que esses
eventos ocorressem com mais de dez pessoas presentes, durando apenas uma hora ou menos.
Foram surgindo novos modos de se despedir dos entes queridos; em alguns lugares, estão
sendo organizados os chamados ‘velórios virtuais’, orações por aplicativo e grupos de apoio
online: o ‘novo’ luto durante a pandemia como um modo de aproximar afetivamente as
pessoas e permitir a despedida.
Se esse processo de luto foi bastante doloroso durante a pandemia, é notório que se
precise de cuidados diferenciados com as famílias enlutadas, uma vez em que estão envoltos
em um doloroso processo de exceção, e é fundamental, para Oliveira; et al. (2020), que as
famílias ou grupos envolvidos consigam encontrar apoio e possam se reestruturar após um
abalo tão doloroso e inesperado que, na maior parte dos casos, não corresponde ao ciclo
natural da vida dos vitimados. Tal situação, segundo os autores, desencadeou medo, pânico,
tristeza e desolação, além de adoecimento mental naqueles que necessitaram ficar confinados
e/ou sozinhos e ainda terem que vivenciar a eminência de perda ou morte de um ente querido.
A psicologia e os profissionais da saúde possuem papel fundamental nesse processo de
enfrentamento ao luto, já que, de acordo com Sunde; Sunde (2020), é preciso oferecer escuta
empática ou encaminhar para um profissional, onde o paciente possa conversar e sentir que
alguém está ouvindo, é sempre importante. As pessoas enlutadas podem querer falar sobre seu
ente querido falecido com outras pessoas, inclusive com os médicos que cuidam delas. As
discussões com pessoas enlutadas devem ser calorosas, convidativas e abertas. Por outro lado,
em situações mais complicadas, as estratégias de enfrentamento podem ser feitas a partir de
intervenções não farmacológicas (terapia individual, familiar e de grupo; intervenções
cognitivas e comportamentais; e utilização de serviços de saúde mental) e farmacológicas.
Percebe-se, por meio dessas breves considerações, os significativos impactos da
pandemia de coronavírus na realidade da sociedade brasileira e as mudanças no processo de
luto e de encarar a morte durante os anos da pandemia de Covid-19. Soma-se a isso o fato de
que as áreas da saúde em geral, a exemplo da psicologia, necessitaram encontrar formas de
auxiliar a população de um modo nunca antes utilizado, com o intuito de dar amparo e aliviar
o sofrimento das pessoas que passavam por algum trauma psíquico relacionado a aquele
cenário.

Referências

OLIVEIRA, Eliany Nazaré et al. “Aquele adeus, não pude dar”: luto e sofrimento em tempos
de COVID-19. Enfermagem em Foco, v. 11, n. 2. ESP, 2020.

PADILHA GIAMATTEY, Maria Eduarda et al. Rituais fúnebres na pandemia de COVID-19


e luto: possíveis reverberações. Anna Nery School Journal of Nursing/Escola Anna Nery
Revista de Enfermagem, v. 26, 2022.

SUNDE, Rosario Martinho; SUNDE, Lucildina Muzuri Conferso. Luto familiar em tempos
da pandemia da covid-19: dor e sofrimento psicológico. Revista Interfaces, v. 8, n. 3, p. 703-
710, 2020.

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