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RESUMO
Este trabalho teve como objetivo descrever as vivências e reflexões obtidas a partir da ex-
periência com um grupo de pessoas em sofrimento psíquico decorrente do luto vivido em
consequência da COVID-19. O grupo de apoio psicológico contou com cinco facilitadores,
estagiários e estagiárias, do Estágio Básico Supervisionado I, do curso de Psicologia, da
Universidade Federal de Campina Grande. Após breve período de inscrição, dez pessoas
foram selecionadas e convidadas a participar. Foram realizados 10 encontros, de forma
remota, através da plataforma Google Meet. Os encontros aconteceram, semanalmen-
te, com duração de uma hora e trinta minutos, entre os meses de agosto e outubro de
2021. A Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers, foi utilizada como embasamento
teórico e metodológico. Foi percebido que o grupo de apoio psicológico se coloca como um
instrumento de forte influência na vivência do luto. Percebeu-se que o compartilhamento de
ideias, pensamentos, tristezas, frustrações e lágrimas serviu como base para a reestrutura-
ção das vidas dos enlutados/as. Deste modo, o processo de enfrentamento ao luto, embora
singular, tornou-se possível e com mais possibilidades, a partir das pluralidades expostas.
Concluiu-se ser de suma importância que a fala e, sobretudo, a escuta grupal ocupem no
processo de ressignificação do luto lugar de grande relevância. Logo, a partir desse processo
torna-se possível compreender, ainda que de forma dolorosa, o espaço que o ente falecido
ocupa na vida do sujeito e como o indivíduo pode, pouco a pouco, traçar novas estratégias
e formas de continuar inserido no convívio social.
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No entanto, nos dias atuais, a morte evidencia-se ainda como um grande tabu. O silêncio
em torno do assunto ocorre devido à crescente necessidade social de progresso e produtivi-
dade (MARANHÃO, 2017). Desta forma, a finitude facilmente é vista como algo distante da
realidade e que deve se evitar, visto que é preciso criar meios de socializar a vida, tornando
a morte uma certeza silenciada e omitida. A pandemia da COVID-19 transformou tal estru-
tura, haja vista a presença certa e notória da morte em todos os espaços sociais, seja pelas
mudanças repentinas em estilos de vida ou mesmo a morte presente de pessoas queridas.
O isolamento e as medidas que exigem distanciamento social devido ao risco de conta-
minação, impediram a realização dos rituais e cerimoniais fúnebres o que impossibilitou o en-
contro de familiares e amigos no contexto de perda de um ente querido. Em outras palavras,
os protocolos e dispositivos de enfrentamento da pandemia prejudicaram a vivência da morte
e do morrer, tornando esse processo um momento objetivo, distante e frio. A possibilidade
de contágio, em locais com diversas pessoas, além do risco de transmissão póstuma, criou
a esfera de reconstrução do processo de despedida e vivência do luto, podendo aumentar
o sofrimento dos envolvidos em tal situação (CREPALDI et al., 2020).
Acerca do luto, Soares e Mautoni (2013) afirmam que o mesmo pode ser experienciado
inicialmente a partir do grau de afeto pela pessoa morta. As reações emocionais subjacentes
ao apego, influenciam na maneira que o indivíduo vivenciará a dor da perda. Na vivência
do luto a pessoa é tomada por um estado doloroso e de sofrimento que pode ser transitório
ou demorado. O percurso vivido durante o processo de luto, tende a não obedecer a uma
ordem linear, podendo haver progressos e retrocessos. O choque, provocado pela morte,
deixa a pessoa enlutada refém de sentimentos como a negação, sensação de abandono,
desesperança, raiva e medo do futuro (SOARES; MAUTONI, 2013). O luto vivido em conse-
quência das mortes causadas pela COVID-19, tornou-se ainda mais difícil e complexo, devido
a maneira que a situação é experienciada. A ausência de despedida pode, por exemplo,
dificultar a compreensão e aceitação da morte (CREPALDI et al., 2020).
O apoio psicológico é fundamental para a elaboração e ressignificação do luto. A es-
cuta psicológica pode ser grande aliada para a reestruturação da vida frente a perda de
alguém. Os grupos de apoio psicológico, centrados no acolhimento, também surgem como
uma das bases para enfrentar o luto. De acordo com Andrade (2020), as particularidades do
sofrimento de cada indivíduo, quando compartilhadas, podem se tornar plurais, visto que a
troca produz conhecimento e crescimento. O grupo pode estruturar-se como uma rede de
apoio, onde as experiências colocadas são trabalhadas a partir de diversos pontos de vista.
Partindo de tais pressupostos, o presente estudo teve como objetivo descrever as
vivências e reflexões obtidas a partir da experiência com um grupo de apoio psicológico à
pessoas em sofrimento psíquico decorrente do luto vivido em consequência da COVID-19.
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RELATO DE CASO
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DISCUSSÃO
O luto em silêncio
A não verbalização da morte e da dor, foi marcada como um dos pontos mais fortes
e evidentes no grupo de apoio psicológico. O silêncio foi utilizado como estratégia de en-
frentamento, pois acreditava-se que o não falar possibilitaria a superação. Tal fato ocorreu,
sobretudo, pela não comunicação acerca do acontecimento e das dores vividas durante o
processo. A evitação em falar sobre a morte pareceu ser uma forma de enfrentamento a
qual foi solicitada em alguns momentos. A crença de que “a morte é a única certeza e chega
para todos”, ditava tal processo.
O silenciamento criou a sensação de que o luto estava sendo elaborado de maneira
adequada. No entanto, foi presente a disposição limitante em lidar com a ausência do ente
que morreu. Mesmo com o tempo corrido do luto, a não verbalização provocou, principal-
mente, o afastamento das relações familiares e a extrema solidão vivida durante o luto. A di-
ficuldade de falar sobre a morte, parte do medo de encontrar em si e no outro, sentimentos
que catalisam a dor. Deste modo, criou-se um contrato de apagamento da morte, onde a
pessoa enlutada e os mais próximos, vivenciavam o luto de modo invisível e solitário.
Conforme Coralli (2012), o silenciamento após a morte pode ocorrer por causa da
sensação de derrota que a experiência proporciona. A não verbalização cria a falsa ilusão
de que a morte não existe. Portanto, é possível elaborar um lugar imaginário em que a dor
cessará. O medo de falar sobre, evidencia o sentimento universal de que o fim, cedo ou
tarde, chegará. A falta de conhecimento acerca do que acontece após a morte, também
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funciona como inibidor da fala e causador do luto em silêncio. A ausência de fala também
pode ser compreendida como a necessidade de se mostrar forte, entendendo, neste caso,
que choro e tristeza categorizam fraqueza.
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Foi percebida ainda a noção de que o ente que se foi tornou-se um anjo protetor que
estava sempre presente para proteger e cuidar da pessoa que ficou. Ou talvez, de que
aquela situação era melhor para a pessoa que faleceu, pois ela estaria em um lugar bom
e livre de qualquer sofrimento. Todos esses pensamentos trouxeram um conforto para os
participantes, facilitando a aceitação em relação ao que aconteceu. Portanto, foi possível
compreender que a religisiosidade/espititualidade ocupa um lugar muito forte na superação
do luto e que tais elementos devem ser levados em conta na recuperação dos indivíduos.
Dessa forma, Scorsolini-Comin et al (2020) ressaltam a religiosidade/espiritualidade como
recurso de compreensão dos efeitos da pandemia e situações de luto, bem como estratégia
de enfrentamento que pode promover cuidado humano e integrado. Por sua vez, Zandonadi
e Rolim (2019), em estudo empírico qualitativo com pessoas enlutadas, observaram a re-
levância da religiosidade na elaboração do luto, tendo em vista que é por meio dela que o
indivíduo recebe suporte espiritual e social para enfrentar.
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foi permeada por um encontro existencial onde cada subjetividade se permitiu envolver-se a
ponto de fazer do grupo seu suporte de apoio naquele momento imediato. Segundo Fonseca
(1988), um aspecto que define um grupo vivencial é o encontro. Segundo o referido autor,
o que importa no grupo vivencial é o encontro efetivo das realidades existenciais para que
assim se criem e recriem de forma ativa através da “espontaneidade da dinâmica das rela-
ções de multiplicidade de suas perspectivas pessoais e coletivas” (FONSECA, 1988, p. 21).
Foi interessante notar que apesar do grupo surgir com uma temática bem definida, ao
longo dos encontros as relações entre os participantes tornavam-se intensas ao ponto de
outros assuntos pessoais ganharem espaço nas discussões, proporcionando autocuidado
para quem fala e respeito à experiência de outrem para quem escuta. Sendo assim, os
grupos de apoio psicológico são fortemente observados como uma via de mão dupla tanto
para quem participa como para quem facilita esse processo de cuidado.
É possível afirmar a riqueza existente em grupos de apoio psicológico à medida em
que esses grupos proporcionam para além de encontros humanos, encontros existenciais,
em que a dor, o sofrimento, a alegria e sobretudo, a ressignificação são sentidas de forma
subjetiva e particular, mas com o apoio, a escuta e a troca coletiva, impulsionando processos
terapêuticos individuais.
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escuta para compartilhar as experiências para além do sofrimento do luto, no qual o indi-
víduo trazia experiências cotidianas, afetadas pelo “aqui e agora”, possibilitando assim,
compreender como cada pessoa estava reconstruindo a vida, construindo novos sentidos,
durante o processo de luto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
1. ANDRADE, M. L. R. Grupo de encontro: uma rede para o crescimento. In: Aborda-
gem Centrada na Pessoa e algumas de suas possibilidades. All Print Editora. 2020.
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