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Brazilian Journal of Health Review 18222

ISSN: 2595-6825

Relato de experiência da implementação de serviço emergencial


voluntário de atendimento psicológico por meio da tecnologia da
informação e comunicação durante a pandemia do COVID-19 na
região de Picos – PI

Experience report of the implementation of a voluntary emergency


psychological care service through information and communication
technology during the COVID-19 pandemic in the region of Picos - PI
DOI:10.34119 /bjhrv4n4-295

Recebimento dos originais: 05/07/2021


Aceitação para publicação: 27/08/2021

Gabriel Aleksander de Moura Sousa


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Especialista em Psicologia Jurídica - Psicólogo Clínico
Rua Merval Neres, 3120. Bairro: Dirceu Arcoverde. Cidade: Parnaíba – PI
E-mail: gabriel.aleksander@outlook.com

Anna Cecília da Silva Bugyja de Souza Britto


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Pós graduanda em Prevenção e Pósvenção do Suicídio
Psicóloga no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil
CAPS i Martinelli Cavalca
Avenida Duque de Caxias, 2960 bloco Andes A, apto 101 Primavera.
E-mail: annacecipsi@gmail.com

Francisca Josélia da Silva Oliveira


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Graduada em Psicologia. Psicóloga na Clínica Comunicar
Rua Salustiano campos, 428, centro. José de Freitas
E-mail: admjoselia7@gmail.com

Francinaldo Silva do Nascimento


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Especialista em Saúde Coletiva. Psicólogo Clínico
Rua Olavo Billac, 444, Bairro: Centro. Cidade: Picos-Pi
E-mail: naldo-fran@hotmail.com

Flávia Marcelly de Sousa Mendes da Silva


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Mestre em Psicologia Social. Coordenadora do curso de Psicologia na Faculdade de
Ensino Superior Raimundo Sá
Rua Tiradentes, 159 Bairro Bomba, Picos – PI
E-mail: silvafmsm@gmail.com

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Anne Caroline Gomes Moura


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Mestre em Psicologia. Psicóloga na Faculdade de Ensino Superior Raimundo Sá.
Rua São Pedro, 455. Bocaina-Piauí
E-mail: carolinepsi01@gmail.com

RESUMO
O projeto de Atendimento Psicológico Online Emergencial surgiu com o intuito inicial
de levar assistência e acolhimento para a população da cidade de Picos, no Estado do
Piauí que não tinha acesso à psicoterapia e estava sofrendo com as consequências do
cenário nacional perante a pandemia do COVID-19. Contudo, através da colaboração
com projetos sociais de outros municípios do Brasil culminou na expansão para outros
estados do país. Diante disso, o projeto tem como objetivo central fornecer o acolhimento
psicoterápico para a população geral acometida por sintomas de estresses e esgotamento
emocional relacionados a pandemia do COVID- 19. A iniciativa do projeto foi a porta de
acesso à psicoterapia para usuários que tiveram seus quadros de saúde mental agravados
por causa do contexto pandêmico do COVID-19, que colocou a sociedade como um todo
diante de suas vulnerabilidades. A mobilização dos profissionais da área da saúde se
mostrou imprescindível nesse contexto, gerando iniciativas que revolucionaram a forma
de produzir cuidado, o que ficou nítido ao longo da experiência relatada nesta produção
científica, acentuando a importância do trabalho realizado pelo Projeto de Atendimento
Psicológico Online Emergencial.

Palavras-chaves: Assistência à Saúde Mental, Serviços de Saúde Mental, Esgotamento


Emocional, Covid-19, Atendimento Psicológico Online.

ABSTRACT
The Emergency Psychological Online Care project emerged with the initial intention of
bringing assistance and shelter to the population of the city of Picos, in the state of Piauí,
who did not have access to psychotherapy and were suffering with the consequences of
the national scenario in face of the COVID-19 pandemic. However, through collaboration
with social projects in other municipalities in Brazil, it culminated in the expansion to
other states in the country. In light of this, the project's central objective is to provide
psychotherapeutic care to the general population affected by symptoms of stress and
emotional exhaustion related to the COVID-19 pandemic. The project's initiative was the
gateway to psychotherapy for users who had their mental health conditions aggravated
because of the pandemic context of COVID-19, which placed society as a whole in front
of its vulnerabilities. The mobilization of health professionals proved to be essential in
this context, generating initiatives that revolutionized the way of producing care, which
became clear throughout the experience reported in this scientific production,
emphasizing the importance of the work done by the Emergency Online Psychological
Care Project.

Key-words: Mental Health Care; Mental Health Services; Emotional Exhaustion; Covid-
19; Online Psychological Care.

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1 INTRODUÇÃO
No final do ano de 2019 a humanidade se deparou com aquilo que de início parecia
uma epidemia na cidade Wuhan, na China, mas que posteriormente desencadearia a
pandemia1 do vírus nomeado como COVID-19 (Coronavirus Disease 2019), que faz parte
de uma família viral que é responsável por infecções respiratórias. A doença é definida
como “uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2,
potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global.”
(BRASIL,2020a)
Com o advento da pandemia, passou a surgir preocupações com a forma de se
prevenir a doença e criar estratégias de enfrentamento, resultando em campanhas e
manuais que indicavam às populações os cuidados necessários com a higiene, isolamento
social e o uso de equipamentos de proteção individual – EPIs para dificultar a infecção,
como máscaras, luvas e face shield.
Porém, em decorrência do alto grau de propagação do COVID-19, que pode ser
contraído através de transmissão por contato (com pessoas ou superfícies contaminadas),
gotículas de saliva e pelo ar, o distanciamento social passou a ser recomendado como
principal meio de prevenção, resultando assim, no afastamento de boa parte da população
dos locais de convivência comuns na rotina diária, como escolas, ambiente de trabalho,
lojas e locais de entretenimento. (BRASIL,2020b)
Como consequência do fator de transmissibilidade da doença, discussões acerca
do isolamento social tomaram conta do Brasil, iniciando debates inconclusivos e medidas
conflitantes entre as autoridades de solo brasileiro, como fica figurado:

Se por um lado o Ministério da Saúde tem recomendado o isolamento social


horizontal baseado em estudos epidemiológicos e cálculos matemáticos, de
outro lado o Poder Executivo também anunciou medidas econômicas que
intencionavam a proteção dos cidadãos e da economia frente à pandemia.
Porém, estas tiveram como efeito colateral a fragilização da adesão ao
isolamento social horizontal. (SCHUCHMANN et al., 2020)

Tais inconsistências estabeleceram um clima de instabilidade e insegurança na


população, que se viu diante da ameaça do patógeno, mas também das dificuldades
econômicas e sociais, resultados da discrepância de realidades presentes no Brasil.
Krenak (2020) alerta para a existência de sub-humanidades que vivem em contexto de

1
Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, pandemia é o termo usado para se referir a uma doença
que acomete uma região, mas que posteriormente evolui para a disseminação geográfica pela transmissão
entre pessoas. (World Health Organization, 2020)

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miséria e esquecimento, sem subsídios para saírem desse estado, denominando as ações
do governo vigente no período da pandemia como “exercício da necropolítica”, ou seja,
se escolhe conscientemente quem irá morrer quando não se tem infraestruturas acessíveis
para toda a população.
Diante dessa discrepância de realidades e da falta de acessibilidade ao cuidado e
a saúde, o Projeto de Atendimento Psicológico Online Emergencial surgiu, com o intuito
inicial de levar assistência e acolhimento para a população da cidade de Picos, no estado
do Piauí que não tinha acesso à psicoterapia e estava sofrendo as consequências do
cenário nacional perante a pandemia do COVID-19. Contudo, através da colaboração
com projetos sociais de outros municípios do Brasil culminou na expansão para outros
estados do país.
Essa dificuldade de acesso aos serviços de saúde devido à instabilidade e
sobrecarga de tais programas de assistência fica clara a partir da fala de uma de nossas
usuárias, que também destaca a necessidade de alternativas para o acolhimento dessas
demandas:

[...] nós conseguimos acolhimento, no meu caso por exemplo, no contexto


familiar, relacionamentos tóxicos e relações de sangue, dentro de uma
realidade de sobrecarga do serviço de psicologia por conta de toda demanda e
todo adoecimento psíquico que se agravou e surgiu durante a pandemia. De
fato, fomos pessoas privilegiadas em estar participando do programa. (Usuária
1 em depoimento relacionado à sua experiência enquanto participante do
projeto)

Sendo assim, este relato de experiência objetiva demonstrar a importância da


acessibilidade ao cuidado em momentos de crise, analisando os impactos da psicoterapia
na vida de pessoas diante da pandemia do COVID-19.

2 DESENVOLVIMENTO
Diante do cenário de pandemia do COVID-19, medidas de proteção passaram a
ser tomadas em território brasileiro, sendo a principal delas o isolamento social, o que
afetou o funcionamento de serviços e classes profissionais que precisaram se adaptar ao
novo cenário, resultando na emissão de novas recomendações por meio dos Conselhos de
Classe, para que os serviços pudessem ser prestados sem pôr em risco a vida dos
profissionais.
Dentre estes, está o Conselho Federal de Psicologia (CFP), que reconhece a
urgência de continuar a prestação de serviços psicológicos à população, especialmente

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considerando o aumento de casos de pessoas que relatam sintomas de sofrimento psíquico


relacionados a pandemia e ao isolamento social. Contudo, reconhece também que a
exposição de profissionais da Psicologia no contato mais próximo com pacientes deve ser
evitada sempre que for possível. Neste intuito, orientou o acesso dos profissionais à
modalidade de atendimento psicológico online, possível desde 2012 a partir da Resolução
11 de maio.
Em sua atualização, a Resolução 11/2018 prevê as seguintes possibilidades acerca
dessa modalidade de atendimento: para atendimento/consultas psicológicas; processo de
seleção de pessoal; utilização de instrumentos psicológicos devidamente regulamentados;
e supervisão técnica dos serviços prestados por psicólogos nos mais diversos contextos
de atuação. O Conselho Federal de Psicologia – CFP entende que existem recomendações
necessárias a este tipo de serviço, como por exemplo, garantir que o atendimento de
crianças e/ou adolescentes seja realizado como consentimento expresso de ao menos um
dos responsáveis e não permitir que pessoas vítimas de violências e violações de direitos
tenham atendimento online, sendo a estas primordial o atendimento presencialmente,
pelas condições de vulnerabilidade que apresentam. (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2020)
Por conseguinte, fica evidente que o compromisso ético e político da classe de
psicólogos para com as pessoas que destes serviços usufruem e/ou possam usufruir é
premissa para a atuação psicológica, sejam quais forem as modalidades e os ambientes
de prestação de serviços, cabendo a qualquer indivíduo que se sentir lesado entrar em
contato com os Conselhos Regionais de Psicologia – CRP de sua região para tal denúncia.
Assim, reitera-se o compromisso da psicologia com o âmbito da saúde mental individuais
e coletivas, onde os profissionais têm o dever de agir conforme o Código de Ética
Profissional dos Psicólogos.
Com a crise pandêmica do COVID- 19 as regras se tornaram mais acessíveis e o
CFP lança nova resolução dando suporte aos psicólogos para a realização de seus
atendimentos online. A resolução Nº 4, de 26 de março de 2020, dispõe sobre
regulamentação de serviços psicológicos prestados por meio da Tecnologia da
Informação e Comunicação durante a pandemia do COVID-19. Contudo, cabe salientar
que a prestação de serviços psicológicos fica condicionada ao cadastro prévio na
Plataforma e-Psi, junto ao respectivo Conselho Regional de Psicologia. Também é
importante ressaltar que o tempo de aprovação tem sido menor e há flexibilidade para que

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estes possam atender até a emissão de parecer do CRP. (CONSELHO FEDERAL DE


PSICOLOGIA, 2020).
Essa medida se torna essencial mediante as crescentes queixas psicológicas
realizadas pelas pessoas. O estresse durante o período de enfrentamento da pandemia de
COVID-19, que exige o distanciamento social, pode causar uma série de problemas
mentais e sociais. Tem se notado um crescente número de pessoas, apresentando ou não
transtornos mentais, sejam eles comuns ou graves, relatando sintomas relacionados às
urgências sentidas2 causadas pela pandemia do COVID-19. (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE PSICOLOGIA, 2020)
Desta forma, torna-se evidente a relevância de estratégias para manutenção da
saúde mental. Mediante ao quadro de pandemia, uma alternativa necessária tem sido a
implementação e/ou fortalecimento de serviços psicológicos por meio da Tecnologia da
Informação e Comunicação. Contudo, cabe destacar que a implantação do serviço
psicológico nesta modalidade não visa a substituição total dos serviços presenciais e sim
uma alternativa a complementaridade destes serviços, reconhecendo que em casos mais
emergentes deve ser realizado o encaminhamento ao serviço psicológico de plantão
presente.
A partir desse contexto social e político surge a iniciativa do Projeto de
Atendimento Psicológico Emergencial Online, que possuía como objetivo central
fornecer o acolhimento psicoterápico para a população geral acometida por sintomas de
estresses e esgotamento emocional relacionados a pandemia do COVID- 19.
A implementação do projeto iniciou-se pelo convite de profissionais da Psicologia
do estado do Piauí, que se propusessem a colaborar com as ações do projeto de forma
voluntária. A forma de adesão ao programa aconteceu a partir do preenchimento de
formulário e contrato online, comprometendo-se com os objetivos do projeto.
A estratégia de captação dos usuários ocorreu através de divulgação nas redes
sociais, principalmente no perfil oficial do projeto no Instagram, e em parceria com
projetos sociais que encaminhavam seus participantes diante da demanda emergencial
apresentada nos encontros realizados pelos mesmos.

2
Estado de saúde que vai além da esfera orgânica e racional, estando relacionado à condição psicológica
de “medo, ansiedade, ressentimentos, abalos na autonomia, sensações de estranheza, alteração na
autoestima e na imagem do eu corporal, além das reações três Ds (desespero, desamparo e desesperança)”.
(SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA, 2020).

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O funcionamento do projeto era determinado a partir da disponibilidade de agenda


dos psicólogos em consonância com os horários que os usuários acusavam como
preferência no formulário online preenchido, que atuava como triagem para estabelecer
urgências e prioridades (pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, mental e/ou
familiar, profissionais de saúde e pessoas em situação de luto decorrente da pandemia da
COVID-19). Os atendimentos ocorriam de Segunda à Domingo, das 08:00 da manhã às
20:00, e aconteciam através de aplicativos online de comunicação aos quais profissionais
e usuários tivessem acesso.
Resultante desse formato de atendimento, entendeu-se que o psicólogo poderia ter
poucas oportunidades de interação com o usuário, sendo capaz de ocorrer apenas um
encontro com aquele indivíduo. Desta forma, os profissionais da Psicologia foram
orientados e capacitados para manejar encontros pontuais, entendendo o caráter
emergencial desses atendimentos e buscando através da escuta qualificada e ética o
fortalecimento de recursos pessoais do usuário para formular estratégias de enfrentamento
ao sofrimento apresentado.
As orientações dos profissionais voluntários aconteceram a partir de três encontros
online da equipe, onde foram discutidas as disponibilidades de horário para os
atendimentos e discussões teóricas sobre o enfrentamento do COVID-19, para que
houvesse o alinhamento de práticas com as propostas do projeto. Além disso, encontros
quinzenais foram realizados para a supervisão coletiva dos profissionais, para possibilitar
o compartilhamento de angústias, receios e estratégias decorrentes dos atendimentos.
A partir desses encontros entre a equipe de profissionais voluntariados foram
recolhidos os depoimentos dos usuários em referência ao projeto, além de levantamento
dos quadros de sofrimento psíquico apresentados por estes, sendo identificados com mais
frequência casos de depressão, ansiedade, ideação suicida e luto. Ademais, foram
constantemente relatados medo diante da perspectiva de futuro pós pandemia, aumento
nos conflitos familiares após o início do isolamento social, dificuldade em lidar com o
sentimento de solidão e problemas com autoestima e autoimagem.
A Usuária 2, de 21 anos demonstra alguns desses pontos ao relatar que procurou
o projeto para abordar questões envolvendo sua relação com seus pais, a qual ela
caracterizou como conturbada, o que se acentuou durante esse período de isolamento. A
jovem também trouxe o agravamento dos seus problemas alimentares durante a
pandemia: “tenho que lidar com episódios de compulsão devido à ansiedade, o que me
incomoda pois não me sinto confortável com meu peso”. Esses cenários somados as aulas

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da universidade que passaram a ser ministradas através da modalidade de ensino à


distância, vinham agravando seus processos de sofrimento psíquico, o que através do
Projeto de Atendimento Psicológico Online Emergencial foi percebido como fatores a
serem trabalhados em contexto de psicoterapia, sendo a cliente encaminhada através do
matriciamento3 com o serviço de atendimento psicológico da própria universidade na qual
era discente.
Mediante o estabelecimento de contatos com a rede de serviços de saúde da cidade
na qual o usuário residia, foi se tornando possível instituir relações de parceria entre
serviços de saúde para a promoção da assistência continuada desses indivíduos, visando
o cuidado para além dos encontros online realizados no projeto.
O movimento oposto também foi realizado, e durante o projeto foram repassados
usuários de grupos sociais que estavam apresentando em seus encontros crises
existenciais que precisavam de acolhimento psicológico, como no caso do Usuário 3, de
37 anos, que chegou ao Projeto de Atendimento Psicológico Online Emergencial como
encaminhamento de um grupo de debate étnico-racial no Brasil. Em seu relato afirma que
“cheguei ao grupo com o intuito de falar sobre racismo, mas as questões que me afetavam
por conta da pandemia foram mais fortes e acabei desabafando junto ao grupo”, a partir
daí notou-se a necessidade de acolhimento e acompanhamento das vulnerabilidades atuais
do usuário, que não se encaixavam com a proposta do grupo que estava inserido.
A tecelagem da rede de cuidado que o Projeto de Atendimento Psicológico Online
realizou foi o início de um exercício de cuidado contextualizado, descentralizado e
humano que precisa ser fortalecido não somente durante o contexto de pandemia, e sim,
ser expandido para as práticas corriqueiras dos serviços de saúde e assistência social, um
ganho não só para os usuários que foram atendidos no programa, como para os psicólogos
que puderam exercitar esse tipo de prática em seu fazer profissional.

3 CONCLUSÃO
O Projeto de Atendimento Psicológico Online Emergencial foi a porta de acesso
à psicoterapia para usuários que tiveram seus quadros de saúde mental agravados por
causa do contexto pandêmico do COVID-19, que colocou a sociedade como um todo

3
Matriciamento ou apoio matricial pode ser entendido como a construção de relações trocas de saberes
entre profissionais que acompanharão o usuário ao longo de seu tratamento, independente de qual serviço
o mesmo esteja inserido. A proposta visa desmitificar o cuidado restrito a fronteiras físicas dos serviços de
saúde, visando reformular as formas de encaminhamento à especialistas, com o intuito do cuidado
continuado e multiprofissional. (MACHADO & CAMATTA, 2013)

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diante de suas vulnerabilidades, sendo o momento em que o presente, muitas vezes incerto
e amedrontador devido ao número de mortos e a facilidade de contágio, acentuou questões
problemáticas do passado e gerou incertezas de futuro.
A mobilização ética de profissionais da área da saúde se mostrou imprescindível
nesse contexto, gerando iniciativas que revolucionaram a forma de produzir cuidado, o
que ficou nítido ao longo da experiência relatada neste trabalho, acentuando a importância
do trabalho realizado pelo Projeto de Atendimento Psicológico Online Emergencial aqui
descrito e que fica evidenciado no depoimento de uma de nossas usuárias:

O projeto de voluntariado de atendimento psicólogo online foi uma iniciativa


bastante criativa e fundamental para as pessoas que precisam de ajuda,
inclusive a mim que recebi uma assistência excelente durante os atendimentos,
são profissionais qualificados e de um coração enorme, a minha experiência
foi a melhor, chegou num bom momento onde eu estava precisando bastante
de um acompanhamento com um psicólogo, sempre quis ser acompanhada por
um, porém as condições financeiras não deixavam, e pra mim foi algo muito
incrível em poder ter acesso a essa ajuda incrível através da iniciativa do
projeto voluntário, eu me sinto bem melhor e muito grata a psicóloga (que me
acompanhou com muita dedicação) e grata aos tantos outros que estão
envolvidos. Parabéns a vocês e obrigada por essa oportunidade a quem mais
precisa nesse momento tão difícil de pandemia. (Usuária 4 em depoimento
escrito como devolutiva referente ao seu período no projeto.)

Por fim, inferiu-se a partir desse relato de experiência a característica mutável e


adaptável do cuidado e a importância de estabelecer uma cultura de assistência ao outro
para além dos períodos de crise, para que assim, possamos construir uma sociedade mais
justa, saudável e preparada para enfrentar futuras e possíveis crises.

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___, 2020. Regulamentação de serviços psicológicos prestados por meio de Tecnologia


da Informação e da Comunicação durante a pandemia do COVID- 19.
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psicologicos-prestados-por-meio-de-tecnologia-da-informacao-e-da-comunicacao-
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Krenak, A., 2020. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras.

Machado D.K.S., Camatta, M.W., 2013. Apoio matricial como ferramenta de articulação
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general/speeches/detail/who-director-general-s-opening-remarks-at-the-media-briefing-
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