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ESTUDO DE CASO - o trabalho

psicopedagógico
24/02/2010 21:44
O Aprendiz é uma criança cuja história, sob o ponto de
vista psicopedagógico, contém inúmeros fatores emocionais
que estão se tornando obstáculo à sua aprendizagem.
Ele começou a ser atendido aos 7 anos de idade, na escola
em que estuda faz a 1ª. série onde permanece o dia todo,
sendo um período na sala de aula e o outro nas oficinas
ocupacionais. Tanto a mãe quanto a escola demonstraram
uma grande preocupação em relação à sua mudança de
comportamento que conseqüentemente estava interferindo
no seu convívio familiar, na escola e até mesmo na sua
aprendizagem.
O menor foi encaminhado para o atendimento
psicopedagógico porque estava muito agressivo,
desorganizado, recusava fazer as atividades propostas, com
baixa auto-estima, insegurança, na leitura e escrita estava
no nível alfabético, omitia e trocava letras, escrevia
espelhado.
Filho caçula nasceu de uma gravidez inesperada, a mãe
quando engravidou estava amamentando o seu outro filho.
No início a mãe achou ruim a gravidez, porque o pai tinha
outra família, sentia-se sozinha, teve momentos de muita
raiva, alimentava-se pouco, tomou muitos remédios para os
enjôos que teve durante os nove meses. Não teve
assistência por parte do pai do filho que estava esperando.
A criança tem dois irmãos, sendo a mais velha filha de uma
relação estabelecida anteriormente.
Nasceu de uma cesária, a mãe sentiu muita falta de ar e
fortes dores na barriga. Foi amamentado ao seio até os 7
meses.
Com 3 meses foi para a creche, onde ficava o dia todo.
Aos cinco meses teve Pneumonia e bronquite, repetindo
quando ele estava já com 8 meses.
Começou a falar com ll meses e andou com l ano.
Com a idade de l ano até os 2 anos ele e seu irmão foram
morar com pai e a madrasta, porque a mãe alegou que
com ela, eles não estavam tendo o que comer. A mãe ficou
apenas com a filha mais velha.
A partir dos 3 anos, voltou a morar com a mãe. A mãe não
soube falar nada sobre o período que a criança ficou com o
pai.
Iniciou sua vida escolar aos 6 anos, segundo a mãe
começou a ler aos 7 anos.
Suas brincadeiras preferidas são: dar murros, chutes,
brincar com fogo e com objetos perigosos (faca).
Tem muito medo de mortos, conversa a noite e quando se
sente cobrado ou em situação difícil, mente colocando a
culpa nos irmãos.
Nos finais de semana, adora ir para a casa do pai, onde fica
mais a vontade, pois ele diz que o pai é mais liberal,
enquanto a mãe exige mais dele.
Em nossa primeira sessão, a criança demonstrou não
entender porquê tem duas famílias e já deixou bem claro,
não aceitar a irmã mais velha como irmã, uma vez que ela
é filha de uma outra relação estabelecida anteriormente.
A criança parece sentir-se confusa, pois a mãe é rígida,
enquanto o pai é mais liberal e por isso demonstra
preferência por ficar com ele, tal fato pôde ser constatado
durante as sessões.
Levando em consideração a queixa escolar e os dados
colhidos através da entrevista com a mãe, iniciei o trabalho,
considerando os aspectos orgânicos, emocionais, familiares
e escolares.
Seguem abaixo os instrumentos utilizados na avaliação,
bem como os dados das entrevistas com a mãe e a escola.
DADOS PESSOAIS:
Idade: 7 anos
Sexo: Masculino
Escolaridade: l. série
Irmãos: Irmã de l0 anos, irmão de 8 anos
Queixa escolar: * desorganização com si próprio e com
seus materiais escolares;
* agressividade;
* acha que sabe tudo e não se interessa em aprender,
recusa a fazer as atividades propostas;
* não aceita perder;
QUESTÃO DA ESCOLA
* Agressividade:
* Recusa fazer as tarefas;
* Não aceita perder;
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
* Entrevista de Anamnese;
* Entrevista com a professora;
* Atividades livres;
* Exame médico: de Hemograma e urina, por se tratar de
uma escola que recebe crianças com dificuldades
financeiras diversas, por isso solicitei exames clínicos para
uma investigação mais detalhada.
* Jogos (Blocos Lógicos, adição/subtração, Dominó etc...)
* Avaliação da leitura e escrita;
* Teste: Desenho da família (Corman, l967);
* Hora lúdica;
Através dos jogos, observa-se que a criança não gosta de
executar tarefas que exijam o raciocínio, pois quando
encontra dificuldades, desiste da atividade, se está jogando
e perde tenta mudar as regras do jogo.
De acordo com resultados do exame médico, a criança está
com um quadro de Anemia (Hb= ll,4), deve tomar sulfato
Ferroso e sua alimentação deverá ser orientada por
nutricionista se possível, criança alimenta pouco e com
rejeição à legumes e verdura, exame de urina normal.
DADOS ENCONTRADOS NA AVALIAÇÃO
* Área Cognitiva
- Boa organização de pensamento;
- Linguagem oral adequada a idade (bom vocabulário, boa
estrutura de frase);
- Compreensão de regras nos jogos, mas às vezes recusa
cumprí-las;
- Atenção: tem pouca concentração, perde o interesse
muito rápido pelas atividades;
* Área afetivo-social
- criança um pouco triste, fala pouco, insegura;
- apresenta baixa auto-estima;
- demonstrou que somente o pai faz parte de sua vida;
- não aceita a irmã mais velha como irmã, e parece ter
rivalidade com o seu irmão;
- demonstra grande identificação com o pai
* Área pedagógica
- Matemática: escreve os números 5 e 6 espelhado,
dificuldade em fazer o número 8
- Leitura e escrita: nível alfabético, omite e troca algumas
letras ao escrever;
* Fatores ambientais
 
- Demonstrou estar em conflito em relação à educação
familiar, a mãe é rígida enquanto o pai é mais liberal,
parece não receber incêntivos, sente-se rejeitado e não
amado.
* Síntese dos resultados da avaliação
- baixa auto-estima, falta de confiança em si próprio;
- carência afetiva, sentimento de rejeição;
- falta de concentração e desinteresse pelas atividades;
- conflito com o ambiente em que vive;
* Indicações e Prognósticos
- continuar com o atendimento psicopedagógico;
- atendimento psicológico para a criança e a família;
- acompanhamento por uma Assistente Social para a
família;
ATENDIMENTO PSICOPEDAGÓGICO
A mãe ficou muito feliz em saber que seu filho seria
atendido e se prontificou em ajudar no que fosse
necessário.
O processo de atendimento da criança foi desenvolvido na
própria Instituição, foram realizadas duas sessões por
semana com duração de l hora cada sessão, totalizando 4
meses, onde foram realizadas técnicas como: entrevista
diretiva (anamnese) com a mãe, avaliação da leitura e
escrita, hora lúdica, entrevista devolutiva com a mãe e a
criança.
As sessões foram desenvolvidas utilizando diversos recursos
como: jogos simbólicos, caixa de brinquedos, desenhos
utilizando tinta guache, palitos de picolé, lápis de cor,
canetinhas, etc, blocos lógicos, jogos de memória, livrinhos
de leituras, atividades de escrita e leitura (material
emborrachado).
Na primeira sessão utilizamos a caixa de brinquedos, o
aprendiz parecia ansioso para pegar todos os objetos que
ali continha, mais o que lhe mais chamou a atenção, foram
as canetinhas hidrocor. Desenhou então uma casinha
completa com telhado, porta, janela e durante o desenho
comentava que o que mais gostava era de ir para a casa de
seu pai. Perdeu logo o interesse e quis jogar boliche,
durante o jogo dizia que iria ganhar, no início ele começou
ganhando, mais quando percebeu que houve empate, que
poderia perder, começou a prestar mais atenção no jogo,
perguntava se podia jogar novamente, quis anotar a
quantidade de pontos, as vezes alterava os valores, até
tentou mudar as regras do jogo. Pedi a ele então que antes
de iniciarmos outra partida ele mesmo estipulasse as regras
do jogo, e tais regras não poderiam ser alteradas,
principalmente por ter sido estabelecidas por ele. Segundo
a criança, perder é ruim porque não ganha presente.
Após o jogo pedi que desenhasse sua família para mim, ele
se recusou e quis brincar com outros brinquedos.
Em algumas sessões desenhou flores, escrevia "Eu te amo"
e me dava de presente, acredito que estava tentando
encontrar em mim a atenção que às vezes não estava
tendo em casa, e quando eu avisava que o horário estava
encerrando ele pedia para continuar, ou perguntava
quando seria o próximo encontro. Isso me animava porque
significava que ele estava estabelecendo transferência na
nossa relação profissional.
Já quase na 4ª e 5ª sessão trabalhamos com os blocos
lógicos, percebi que ele consegue identificar as cores, mas
não reconheceu todas as formas geométricas, e não
consegue identificar uma peça com três ou mais atributos.
Ao utilizarmos os jogos de memória Dominó da Adição,
Dominó da Subtração e Outros jogos, percebi que se
atividade parecia-lhe fácil ele gostava, caso contrário perdia
logo o interesse.
Ao trabalharmos com o material emborrachado (letras,
sílabas, números de 0 à 9), foi muito bom, pois ele formou
palavras, pequenas frases, identificou e sequenciou os
números. Logo quis brincar de escolinha onde ele era o
professor e eu aluna. Nessa situação o aprendiz reproduziu
algumas situações que acredito que ele tenha vivenciado na
sua sala de aula, percebi que ao copiar ele omiti e troca
letras, talvez por falta de atenção, na matemática
reconhece os números, mas aos escrevê-los escreve o
número 5 e 6 espelhado e tem muita dificuldade para fazer
o número 8 e para amenizar tal dificuldade, pintamos os
números utilizando tinta guache, pincel pintura com o dedo
e depois olhamos os números em um espelho para ver se
ele conseguia entender o processo do espelhamento,
utilizamos as sílabas e letras (em material emborrachado)
para formar palavras e frases, para que ele percebesse
realmente como escrever as palavras corretamente.
Trabalhamos com dois livrinhos de leitura "Marialvo o
Sonhador" e "Os três Porquinhos". Ao trabalharmos com o
primeiro livrinho, ele demonstrou ter gostado dos
desenhos, fez algumas perguntas referentes as ilustrações,
leu apenas as páginas que havia ilustrações que
despertavam o seu interesse, às vezes soletrava algumas
sílabas, vacilava durante a leitura. No segundo livro o que
mais lhe chamou atenção foram as casinhas construída
pelos porquinhos e a parte que mais gostou foi o final da
história, onde o lobo cai no caldeirão e sai correndo. Não
soube explicar porquê gostou mais dessa parte.
Nas demais sessões pedia sempre para brincar de escolinha
e às vezes reproduzia algumas atividades que havíamos
feito nas sessões anteriores, foi possível perceber seu
progresso na escrita.
Na última sessão o aprendiz comentou sobre um homem
que apareceu para ele na casa de seu pai e sumia em um
buraco no chão, senti que isso o perturbava muito, pedi
então que fizesse o desenho, ele desenhou um homem,
com chifres, olhos vermelhos e ele deitado na cama com
seu pai. Conversamos sobre o acontecido, e eu disse que
às vezes poderia ter sido um sonho, ou um filme que ele
tenha visto, ele simplesmente afirmou que não era nenhum
dos dois casos e que não estava mentindo.
Disse a ele que no próximo ano continuaríamos o nosso
trabalho, pois logo entraríamos de férias.
E para interromper o atendimento devido as férias, dei a
devolutiva à mãe, dizendo-lhe o que eu já havia percebido
durante os nossos encontros, sugeri a ela que procurasse
modificar sua maneira de tratá-lo, desse mais carinho,
atenção, desse incentivos, fizesse elogios etc, dessa
maneira ela poderia auxiliar muito na sua melhora. E que
no próximo ano continuaríamos com o atendimento.
OBSERVAÇÕES DURANTE O TRATAMENTO
Progressos
- começou a respeitar às regras dos jogos,
independentemente de estar ganhando ou perdendo;
- diminuição da agressividade com os colegas na sala de
aula, oficinas demais dependências da escola (pátio,
refeitório);
- começou a acreditar mais em si próprio; na sua
capacidade, tornou-se mais seguro;
- começou a se organizar mais, a preocupar com sua
aparência e com a aparência de seus materiais;
- capacidade de se expressar livremente;
- formação de vínculo com a Psicopedagoga;
- melhora na matemática (deixou de fazer os números 5 e
6 espelhados , melhorou ao fazer o número 8 ).
- melhorou na escrita das palavras;
CONCLUSÃO
 
As observações realizadas com o sujeito mostraram que
alguns fatores como: estar vivendo com os pais separados,
um dos pais ser mais autoritário, terem diferentes maneiras
de educar, a ausência da mãe devido ao horário de
trabalho, estão contribuindo para que haja mudanças no
seu comportamento.
Durante o atendimento foi possível perceber que a criança
parecia estar agressiva, sentia-se rejeitada, carente,
insegura, falava quase sempre olhando para o chão,
demonstrou ter dificuldades em se relacionar com a mãe e
os dois irmãos, pois raramente falava neles e quando era
questionado sobre sua família ele sempre se referia ao pai
e sua outra família.
O menor, durante a semana fica com a mãe e nos finais de
semana às vezes fica com o pai. Em algumas falas e gestos
foi possível perceber que o mesmo sente falta de carinho,
parece acreditar que os outros dois irmãos são mais
preferidos pela mãe, são mais inteligentes, mais capazes,
acredito que seja por isso que ele reforça sempre que já
sabe tudo. As vezes ele parece sentir-se como " o patinho
feio da família" isso também explica o comportamento de
rejeição aos irmãos.
Já com o pai, parece ser diferente, seus outros irmãos por
parte de pai, já são rapazes, alguns até casados, com filhos
da mesma idade do aprendiz, o pai parece ser mais liberal,
exige menos, deixa-o mais a vontade, enquanto a mãe
exige mais.
A mãe enfrenta enormes dificuldades financeiras, precisa
trabalhar o dia todo, recebendo um baixo salário, que às
vezes quase não dá para pagar as contas no final do mês.
Não tem hora certa para voltar do trabalho e
conseqüentemente não tem tempo para os filhos, acredito
que essa ausência em casa contribui para que a criança
sinta-se carente, rejeitada e acaba se tornando agressiva,
não para demonstrar que é forte, violenta, mais é uma
forma de pedir atenção, carinho, é a maneira que ela está
encontrando para se defender da situação que a angustia.
A situação que o sujeito vivência é bastante confusa, pois,
ele convive em dois ambientes familiar, com diferentes
regras e condutas, diferentes situações financeiras e a
atenção por parte dos pais também é diferenciada.
Percebo que apesar da criança brincar ser espontânea na
fala, ela está com baixa auto-estima, sente-se triste e
confusa, sem motivação e para ajudá-lo seria necessário
uma maior aproximação por parte dos pais, deveriam
acreditar mais nele e na sua capacidade, seria necessário
que fossem estabelecidos critérios no sentido de colocar
limites, os pais teriam que procurar falar a mesma
linguagem.
O professor também poderá ajudar bastante no
desenvolvimento dessa criança, sendo amiga, valorizando
suas realizações, especialmente nas áreas em que
prevalecem suas capacidades e seus interesses.
É importante que seus direitos de opinião e participação
sejam respeitados , para que ele se sinta capaz e adquira
mais segurança em si próprio, devendo ser fortalecida a
importância da amizade, compreensão, carinho, respeito
com os irmãos , pais e demais colegas da escola.
Seria fundamental um trabalho por parte de uma Assistente
Social junto a família, no sentido de fazer um
acompanhamento, dando orientações em como a família
deve acompanhar, incentivar e estabelecer vínculos com os
filhos.
A criança deve continuar com o trabalho psicopedagógico,
se possível um acompanhamento psicológico para ele e sua
família, pois a mesma parece estar bastante desestruturada
e esta falta de estrutura está interferindo na educação dos
filhos e podem contribuir para que no futuro se tornem
crianças revoltadas com o pai, a mãe. Enfim, havendo um
trabalho integrado entre escola, família e demais
especialistas, pode-se ajudar a criança a superar suas
dificuldades emocionais e de aprendizagem.
BIBLIOGRAFIA
PILETTI, Nelson. Psicologia Educacional. 13. ed. São Paulo,
Editora Ática, 1995.
BOSSA, Nádia A. A Psicopedagogia no Brasil: Contribuições
a partir da Prática - Porto Alegre: Artes Médicas Sul, l994
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. l2 ª ed. Rio de
Janeiro, Editora Paz e Terra, l970.
JOSÉ, Elisabete da Assunção e Coelho Mª Tereza.Problemas
de aprendizagem. 5ª edição, São Paulo, Editora Àtica,
1993.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: 13ª edição. São
Paulo, Editora Paz e Terra, 1996.
 

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