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(Lizley Quissico)

Mais um ano lectivo se iniciava na Escola Primária Completa


Unidade 23.

Osvaldo ou "Vandinho", como era carinhosamente chamado


por seus pais e amigos próximos, acordou bem cedo para ir ao
mercado, varrer o quintal, lavar a louça e ir a banca da sua mãe para
levar algum alimento para preparar para o jantar antes de ir à escola.

Zarine era nova no bairro, chegou de Nampula um dia antes das


aulas iniciarem, para o bairro da Mafalala com os seus pais, que
receberam uma proposta de emprego para trabalharem como motorista
(o pai) e como doméstica (a mãe) na capital.

Foi uma outra realidade para ela, pois não tinha nem uma
semana que se tinha mudado e já tinha que se adaptar à sua nova rotina.

O dia estava ensolarado e calmo. As aulas iniciavam ao meio


dia e como não conhecia muito bem o bairro e nem as pessoas, decidiu
sair de casa mais cedo e para não correr o risco de se atrasar.

Ao caminhar pelas ruas de Mafalala, Zarine ficou


impressionada com o bairro, com as pessoas que entravam umas nas
casas das outras sem permissão para pedir alguma coisa, com os jovens
que ficavam no campinho a jogar à bola, os senhores nas barracas a

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beber uma cervejinha ao almoço, as mamanas pelas ruas da mafalala a
venderem frutas e vegetais.

A escola ficava a quinze minutos de casa, portanto podia ir a


pé. Quando já estava a menos de 1km da escola, Zarine conseguia
ouvir o sino a tocar, os alunos do turno da manhã a correrem para
chegarem a casa cedo e outros para aproveitarem algum tempinho para
conversar e brincar um pouco mais. Assim que chegou a escola,
conheceu o Vandinho que lhe apresentou à escola, e fez muitas outras
amizades de imediato, até porque ela gostava de socializar.

Três anos se passaram. Já no ensino secundário Zarine e


Vandinho foram se tornando mais próximos, voltavam da escola
juntos, saiam juntos, e estavam a começar a nutrir sentimentos
amorosos um pelo outro. Um amor da adolescência, porém, tiveram
que se afastar pois Zarine ia mudar de escola porque seus pais queriam
que ela estudasse próximo aos seus locais de trabalho, pois o bairro era
bem conhecido por ter pessoas que consumiam drogas e eles não
queriam que a filha estivesse envolvida nessa prática.

Aquele dia foi um dos piores para Zarine. Viu-se um rio de


lágrimas no seu rosto, uma tristeza profunda. Foi como uma gota de
água no copo cheio.

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Tentou resistir, pois além de estar habituada a rotina, estava a
gostar. Tentou arranjar vários argumentos para convencer aos pais e até
mesmo fazer birra, porém nada serviu.

Assim que contou aos amigos, ficaram tristes, porém nada


poderiam fazer.

Uma semana depois Zarine mudou de escola mas não satisfeita


e nem conformada optou por tentar falar com que os pais e pedir para
que passasse a ir e voltar da escola sozinha.

Os pais pararam, pensaram, analisaram e no final aceitaram


sem nenhum problema, somente pediram na para que não se atrasasse
a escola e que não chegasse tarde a casa. Acreditavam que por não
estudar mais na no bairro da Mafalala Zarine não teria tempo para se
envolver nas drogas.

O primeiro dia de aulas na nova escola, ainda não tinha


terminado, Zarine estava farta e esperava ansiosamente para que as
aulas terminassem. Os grupos de amigos já definidos, as regras da
escola, a pressão que tinha por parte dos seus pais, foram os factores
que contribuíram para que ela não gostasse da escola e começasse a ter
pensamentos de atrasar ou faltar às aulas.

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No bairro, começou a conhecer muitas pessoas com
comportamentos desviastes da educação que os seus pais sempre a
deram. Tornou se amiga de adolescentes que consumiam drogas, o que
fez com que ela começasse a consumir e consequentemente a faltar às
aulas e a desviar-se sem que os pais se apercebessem, pois ela sempre
cumpria com as exigências deles, que era chegar à casa sempre antes
das dezanove horas.

Zarine começou por faltar o primeiro tempo, antes mesmo de


completar três meses na escola, chegava com olhos vermelhos e
inchados, e quando ia para casa sempre passava por desapercebida pois
boa parte do tempo passava dentro do quarto fazendo os pais pensarem
que estivesse a estudar.

Certo tempo depois, consumir drogas antes de ir à escola, já era


condição pra que Zarine estivesse "bem disposta" e “animada” durante
o dia.

Assim que o ano lectivo terminou, logo no primeiro sábado,


Osvaldo e seus colegas de turma organizaram um almoço para
comemorar o final das aulas e como não quiseram deixar Zarine de
fora, chamaram lhe para que pudesse passar o dia com eles, juntos
colocassem a conversa em dia e pra que matassem as saudades.

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A festa começou ao meio-dia e foi em casa do Martins, amigo
em comum do Osvaldo e da Zarine. A casa ficava mesmo perto ao
Museu, local de extrema importância no bairro.

Osvaldo chegou mais cedo para ajudar a esticar as lonas,


montar o som para a música que não podia faltar, e para deixar tudo
organizadinho para que a tarde fosse bem passada.

Assim que os rapazes terminaram de organizar tudo, foram se


preparar e os colegas começaram achegar.

Zarine foi uma das últimas a chegar, e assim que entrou na casa
os olhos do Osvaldo começaram a brilhar. A hora do almoço chegou e
o Osvaldo, não mais esperou. Declarou se para a Zarine e ela retribuiu
positivamente, ou seja, não escondeu o interesse que sentia pelo
Osvaldo. Naquela tarde os dois só trocavam olhares, até que o sol se
pôs e eles envolveram-se sexualmente sem que ninquém soubesse ou
se apercebesse, até que a festa terminou e cada um foi a sua casa.

Quando Zarine chegou a casa, os seus pais estavam sentados


na sala a sua espera e pediram para que se sentasse pois queriam
conversar com ela.

O pai iniciou a conversa dado a entender a sua filha que já sabia


que ela consumia drogas, que atrasava a escola e que soube através do
seu vizinho. Zarine tentou justificar, mas para o seu pai, nenhum
argumento era válido, somente conseguia mandar a sua filha se calar e
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dizer que estava muito decepcionado com ela. Fez lhe entender que
tudo o que ele e a sua esposa faziam era para o bem da sua família,
para o bem dela. Para que ela pudesse estar nas melhores escolas e ter
um futuro promissor.

Zarine não sabia mais o que dizer, simplesmente redimiu-se e


pediu desculpas. Ela continuava a consumir drogas pois era o refúgio
dela.

Três meses se passaram até que Zarine descobriu que estava


grávida, pois faziam três meses que a sua mestruaçao não aparecia. De
primeira, ficou muito assustada e sem perder mais tempo ligou ao
Osvaldo e contou-lhe sobre a super novidade. Osvaldo congelou por
alguns segundos, seu coração começou a palpitar muito rápido, o
desespero a aumentar e os milhões de pensamentos a rolar.

Afinal, como dois adolescentes que acabavam de terminar o


ensino secundário, fariam para cuidar de um bebé? Como iriam contar
aos seus pais? Como seriam os próximos dias e anos das suas vidas?

Zarine estava disposta a ter o bebé, caso o Osvaldo também


quisesse. E assim foi, apesar de não saberem como seria o futuro dali
para frente, ambos decidiram assumir a responsabilidade.

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Num domingo chuvoso, enquanto a Zarine vestia, sua mae
entrou no seu quarto e notou uma barriguinha nela. Como não tinha
como negar, Zarine contou tudo a mãe e surpreendentemente a mãe a
apoiou e convenceu-a a contar ao pai. No momento em que contaram
ao pai sobre a gravidez, o pai da Zarine teve uma reacçao bem diferente
do que elas esperavam. Sem muito a dizer, o pai expulsou-a de casa e
mandou-a para casa do pai do bebé, o Osvaldo. Mãe e filha puseram-
se a chorar, sem acrediar no que o pai estava a dizer, mas ele não se
importava com as lágrmas.

Zarine arrumou as suas coisas e sem ter para onde ir, ligou ao
Osvaldo e explicou lhe a situação de forma bem breve, pois mal
conseguia falar de tanto chorar e soluçar.

Osvaldo que estava a descansar durante a aquela tarde, acordou


muito assustado e por saber que Zarine não tinha para onde ir,
ofereceu-se em ajudar e de imediato tratou de avisar aos seus pais sobre
a situação. Os seus pais ficaram decepcionados com ele mas decidiram
apoiar a ele e a Zarine.

Zarine saiu de casa sem ter coragem de olhar a cara de seu pai,
acompanhada pela sua mãe foi até a casa do Osvaldo. Ao chegar a casa
do Osvaldo a mãe da Zarine pediu para conversar com os pais do
Osvaldo, com o objectivo de explicar o porquê da sua filha estar a sair
de casa para viver com o Osvaldo.

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No final do dia seguinte, depois do jantar, quando estavam mais
calmos, Osvaldo e Zarine conversaram muito, sobre como seriam os
próximos dias, e finalmente ela abriu-se pela primeira para alguém
para aceitar que ela era tóxico dependende e que precisava de ajuda.
Sem saber o que dizer, Osvaldo ficou bem espantado, pois ele nunca
tinha imaginado que Zarine consumia drogas mas disponibilizou-se a
ajudar apesar de estar ciente que não seria fácil, do dia para a noite, e
que seria um processo.

Osvaldo decidiu continuar com a univesidade mas agora, de


noite e trabalhar no Colégio Kalea no período da manhã para não
sobrecarregar aos pais com as finanças de casa e preparar-se para a
chegada do bebé, enquanto Zarine frequentava a universidade
somente.

Mesmo estando grávida, Zarine tinha recaídas e acabava


consumindo drogas, o que meses depois, acabou por se reflectir no
momento do parto, e afectou o bebé e a ela.

Zarine já sabia que seria um parto muito complicado, tanto


mais que ligou a mãe para pedir que se fosse necessário escolher entre
a vida dela e do bebé, ela queria que escolhessem o bebér e pediu
também para que cuidasse do bebé dela.

Assim foi, Zarine teve complicações no parto e acabou por


perder a vida, deixando assim um bebé que deram o nome de Bongane.
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Osvaldo, depois de quatro meses, deixou a casa dos pais e alugou uma
casa de chapa para viver com o Bongane ainda no Bairro da Mafalala.

Sete anos depois, a medidada que Bongane ia crescendo,


Sr.Osvaldo, agora ia ficando mais cuidadoso com ele, pois não queria
que ele tivesse o mesmo destino que a sua mãe, de entrar no mundo
das drogas e nem que tivesse filhos cedo, o que aconteceu com os seus
pais.

Sr. Osvaldo conseguiu terminar os estudos porém não


conseguiu emprego na sua área de formação e teve de continuar a
trabalhar no Colégio Kalea para que conseguisse sustentar o Bongane.
Ele não tinha muito, mas sacrificava-se pelo bem estar do filho e
principalmente pela proteção das coisas negativas que o bairro tinha
para oferecer ao seu filho.

Bongane ia a escola e voltava acompanhado pelo Sr. Osvaldo


ou pela avó materna, no bairro nem para comprar pão saia, os amigos,
eram só os que da escola, ou seja, todos os seus movimentos eram sob
os cuidados do

pai.

Quando Bongane ia fazer a oitava classe o Sr. Osvaldo quis


muito que o seu filho estudasse em uma escola privada, concretamente
no Colégio onde ele trabalhava, mas infelizmente por questões
financeiras não conseguiu. Não parou por aí, continuou a procurar em
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outras escolas, mas sem sucesso. Até que no ano seguinte, quando
Bongane da fazer a nona classe, no Colégio Kalea onde trabalhava o
Sr. Osvaldo, soube que teria descontos para filhos de trabalhadores.
Sem esperar mais, o Sr. Osvaldo ficou muito feliz e procurou saber de
imediato sobre a super novidade e inscreveu ao Bongane lá como
sempre sonhou.

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(João Mazuze)

A entrada de Bongane na escola implicou que ele finalmente


começasse a andar sozinho pelas ruas da cidade, uma vez que o seu pai
era um homem ocupado com vários trabalhos para poder sustentar a
educação dispendiosa do seu filho.

No primeiro dia de aulas, Bongane seguiu um caminho longo


mas seguro, recomendado pelo seu pai. Sentia receio, uma vez que era
uma das raras ocasiões em que teria de andar sozinho pelo bairro, mas
a meio do caminho percebeu que era realmente seguro. Não encontrou
malfeitores, pessoas suspeitas ou qualquer outro tipo de perigo. Ficou
surpreendido. Ao chegar à Kim Il-sung, ficou preocupado porque não
viu qualquer placa ou sinal da escola (Kalea), mas avistou um grupo
de pessoas vestidas como ele, reunidas em frente a um posto de
transformação. Decidiu pedir indicações. Finalmente, chegou à
entrada onde havia uma placa cor de laranja com o nome da escola a
preto (Kaleia).

Ao entrar, sentiu-se aliviado por não estar mais em perigo, mas


confuso por não saber para onde ir. Após algum tempo a dar voltas à
procura da sua sala, um dos funcionários percebeu que ele precisava
de ajuda e aproximou-se dele, tocando-lhe no ombro. Quando Bongane
se virou, o funcionário (Sr. Garcia) ficou surpreso, pois era a cópia
exata do Sr. Osvaldo, outro funcionário da escola.
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- Tudo bem, jovem? - perguntou o Sr. Garcia.

- Mais ou menos, não sei para onde devo ir.

- Como te chamas? - perguntou o Sr. Garcia.

- Bongane - respondeu ele.

- Prazer, diz-me qual é a tua turma que dou-te as indicações


para chegares à sala.

Com as indicações dadas, dirigiu-se à sua sala (11), que ficava


perto da enfermaria e abaixo da sala de informática. Foi um dos
primeiros a chegar à sala, o que lhe permitiu escolher o seu lugar: a
carteira em frente à carteira do professor, ao lado de uma janela que
dava vista para a casa de banho dos professores.

Quando os seus colegas chegaram, perceberam que tinham um


novo colega, pois não o tinham visto no ano anterior, nem na sua sala,
nem noutras turmas. Finalmente, tocou o segundo sinal, indicando o
início da aula (13h00), acompanhado pela entoação do Hino Nacional
(Pátria Armada). Depois de entoado o hino, o professor pediu que ele
se apresentasse, e ele disse o seu nome e apelido, sendo saudado pelos
colegas. Passou o dia inteiro a prestar muita atenção às aulas, mas teve
dificuldade em acompanhar o ritmo, embora não tenha pensado em
pedir ajuda por timidez. O dia terminou sem novos amigos ou
conhecimentos, mas finalmente podia voltar para casa.

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Ao sair da escola em direção à Kim Il-sung, viu um conhecido
do seu bairro passar e correu para pedir boleia. No caminho de casa,
avistou um grupo de jovens da sua faixa etária no famoso campinho da
Mafalala, mas achou estranho vê-los fora de casa a estas horas em
pleno dia de semana. Hmmmmmm. O tempo foi passando e, após 10
minutos, chegou a casa. Contou entusiasmado ao pai o quão
complicado foi chegar à escola e como as aulas foram desafiadoras.
Seu pai respondeu dizendo que naquela escola isso era normal e que a
única coisa que poderia mudar o cenário era dedicação e disciplina.
Assim terminou o primeiro dia de aulas de Bongane.

Os dias seguintes não foram muito diferentes do primeiro.


Seguia a mesma rota de ida e volta para a escola, pedindo boleia
quando tinha a oportunidade. Apesar das consultas disponibilizadas
pela escola, ele não dominava a matéria e passava todos os dias
sozinho. Até que, numa quinta-feira, um colega qualquer da sua turma
aproximou-se durante o intervalo e disse:

- Na boa?

- Yeah. Respondeu Bongane.

- Chamo-me Kensane, mas já deves saber isso. Nunca andas


acompanhado, algo está errado? Perguntou Kensane com um tom de
preocupação.

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- Não, simplesmente não tenho companhia. Mas tu não és
muito diferente, estás sempre isolado com algum livro, é como se
estivesses desligado do mundo.

- Então conheces-me. Disse Kensane com um sorriso.

- É difícil não notar um colega que lê durante as aulas e nos


intervalos, numa mesa específica da cantina. Respondeu Bongane.

- Lês? Perguntou Kensane.

- Raramente, prefiro jogar futebol.

E assim continuou a conversa entre Kensane e Bongane até que


tocou a campainha e tiveram que voltar à sala de aula. Retomaram a
conversa no intervalo seguinte e abordaram outros tópicos. Tornou-se
uma rotina e acabaram por começar a andar juntos. Bongane contou ao
pai sobre Kensane, e este chegou mesmo a lacrimejar ao ouvir a
história sobre o primeiro amigo do filho, mostrando-se muito
preocupado por Bongane ser solitário e culpando-se pela sua ausência
na vida do filho.

Com o tempo, Kensane ficou cansado do caminho longo que


fazia para chegar à escola, então decidiu usar a via mais curta que
passava pelo campinho. No caminho para a escola, quando passou pelo
campinho, Kensane viu aquele mesmo grupo de jovens, e eles também
o viram passar. Um deles levantou-se e começou a caminhar em sua

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direção, o que deixou Bongane assustado, pois pensou que seria
roubado. No entanto, o jovem se aproximou e perguntou se Bongane
era o rapaz do bairro que tinha um amigo do Colégio Kalea. Era um
jovem bem vestido, com o corte de cabelo em dia e que exalava
perfume, algo que Bongane notou imediatamente. Sem medo, ele
respondeu que sim, era o rapaz do bairro que tinha um amigo no
Colégio Kaleia. Em seguida, o jovem se apresentou como Tsakane e
perguntou qual era a razão por trás do isolamento de Bongane, já que
ele nunca saía para brincar ou conversar com ninguém. Bongane
mencionou que não achava o bairro adequado para fazer amizades
devido à má reputação que ele tinha, mas essa não era a verdade. Na
realidade, Bongane não saía de casa por causa da proteção excessiva
do pai, que com o passar do tempo se tornou uma obsessão pelo bem-
estar do filho. Tsakane concordou com Bongane, afirmando que nem
todos os cantos do bairro eram inseguros, e o campinho era uma das
poucas áreas onde era possível estar sem preocupações. Em seguida,
Tsakane disse a Bongane que ele poderia conversar com eles, já que
passavam a maior parte do tempo lá, e ele veria que o campinho
realmente poderia ser divertido. Bongane confiou nas palavras do
jovem bem vestido e, a partir desse dia, antes de ir para a escola, passou
a conversar com Tsakane e seu grupo. Com o tempo, eles se tornaram
amigos e até saíam para comer na famosa banca da Dona Fátima.
Mesmo após tanto tempo, Bongane ainda achava estranho o fato de
Tsakane e seu grupo raramente frequentarem a escola, mas ele ignorou
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essa questão, pois agora ele não era mais o solitário filho do papá
Bongane, mas sim Bongane, o jovem do bairro conhecido por estudar
numa escola prestigiada e ser amigo do famoso Tsakane.

Numa quinta-feira, a caminho da escola, mas fazendo uma paragem no


campinho como sempre, Bongane foi abordado por Tsakane, que disse
que tinha algo de extrema importância para dizer. "Tenho uma
proposta, Bongane!", apresentou ele. Tsakane propôs que Bongane
deixasse a porta da casa do seu amigo Kensane aberta numa das suas
visitas, para que eles pudessem entrar e levar algumas coisas, e em
troca, Bongane receberia 800 meticais. “Um roubo!” Sem pensar duas
vezes, Bongane negou a proposta e continuou a caminhar em direção
à escola, pois não podia trair o seu primeiro amigo. No entanto, ao
voltar para casa após sair da escola, ele olhou para os seus pés e viu
um par de sapatos que não trocava há quatro anos, com um furo que
deixava um dos dedos à mostra. Bongane costumava disfarçar usando
meias com a mesma cor das sapatilhas. Nesse momento, ele pensou na
proposta feita naquela mesma manhã pelos jovens do campinho.

Uma semana se passou e não houve um único dia em que os jovens


não lembrassem a Kensane sobre a proposta ainda em aberto. Até que
chegou o dia em que finalmente cedeu, não queria trair seu amigo mas
a sua necessidade de adquirir novos pertences era maior.

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(Leandra Sabino)

Era segunda-feira e Bongane só pensava que Sábado estava


chegar, era notório em seu rosto que havia algo que o inquietava, ele
tinha sentimentos contraditórios em relação a proposta que recebera,
mas já havia aceitado. Não cumprir com a sua palavra demonstraria
fraqueza e covardia da sua parte.

- Bongane! Estás a ouvir-me? - Perguntava o pai sem perceber


o que afinal de contas deixava o Bongane tão agoniado assim.

- Desculpa! Distrai-me pai.

- Bom acabar com essas distrações agora! Pois estás a atrasar-


te para escola.

- Já está na hora? - Bongane todo atrapalhado arrumou-se


rapidamente para ir à escola e saiu todo apressado para a paragem. No
meio do caminho apercebe-se que havia esquecido o dinheiro de chapa
e volta a casa para levá-lo.

Voltando para a paragem encontra Tsakane que também


surpreendemente havia decidido ir a escola aquele dia.

Ao ver Tsakane, Bongane volta a repensar na proposta que


havia aceitado, se era mesmo aquilo que ele queria fazer, o que haveria
ele de ganhar realmente com o roubo, pois, se por um lado ele ganharia

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dinheiro e respeito, por outro sentia o peso de toda a educação que
recebera do seu pai, sentia que estava a trair a confiança do pai, que
tanto esforço fazia para dar-lhe o melhor que podia, acordando logo
cedo para trabalhar, nunca lhe faltando nada na mesa e cumprindo com
o papel de mãe e pai ao mesmo tempo. Bongane estava dividido sem
saber o que fazer.

Ao chegar à escola Bongane vê os seus colegas em uma roda a


admirarem as novas sapatilhas que o pai do Kensane havia-lhe
comprado como uns dos seus presentes de aniversário, eram as
sapatilhas que estavam na moda aquele momento e todo mundo queria
as ter.

Bongane juntou-se a eles e pensou que um dia teria aquelas


sapatilhas, ele merecia, ele haveria de conseguir.

- ihh tens umas sneakers muito más!-disse um dos colegas

- yah! Foram lançadas à 15 dias e as minhas só chegaram


ontem.

- Mas broh! São originais- gozava Bento

- Hmmm broh! Tenho aversão à pirantaria-respondeu o


Kensane debochando.

- Quanto custou? Perguntaram os colegas

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- 300 Dólares - respondeu o Kensane.

Bongane fez os cálculos rapidamente e questionou incrédulo.

- 19 000 Meticais

- Sim! Por aí - disse o Kensane como se nada fosse

- Só isso! Meu pai compra, mas irei levar full black - retorquiu
Junior.

Enquanto eles falavam, Bongane sentiu-se retraído e


gradualmente afastou-se, caminhando para sala pensando “Meu pai
nunca vai me dar 19 mil meticais para comprar uma sapatilha, é muito
dinheiro”

Bongane passa o resto do dia pensando nas sapatilhas, e de


como seria um sonho tornado realidade se o pai as comprasse umas
iguais. Ao chegar da escola Bongane tomou banho e foi logo para seu
quarto fazer seus deveres.

- Bongane!não jantas? - Perguntou o pai

- Já venho - respondeu o filho

- Não demores, que o jantar vai esfriar

Já na mesa de jantar o pai preocupado pergunta ao Bongane o


que tem-se passado, o que tem -lhe deixado agoniado, pois, o pai
conhecia o filho e ele não era assim, isso estava deixá-lo preocupado.
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- Nada. - Bongane respondeu.

Sem querer ser muito invasivo o pai preferiu trocar de assunto


perguntando como havia sido o seu dia. Bongane respondeu, e contou
que um dos seus colegas havia comprado as sapatilhas que ele tanto
queria, o pai sabendo que nunca conseguiria comprar sapatilhas por
aquele preço aconselhou o menino a estudar para que ele vença na vida
e um dia ele possa comprar tudo aquilo que ele quiser.

Bongane desiludido porque havia descoberto que nunca


haveria de ter as sapatilhas que tanto queria, naquele momento retirou-
se da mesa, lavou a loiça, despediu-se do pai e foi dormir.

Chegada a sexta-feira Bongane recebe uma visita do Tsakane antes de


ir a escola que quer mais uma vez a confirmação da proposta.

- Que tal amanhã?

- Amanhã? Respondeu o Bongane fingindo não ter percebido.

- Não te faças de desentendido, que percebeste.

- E se nos apanharem? - pergunta Bongane

- Puto! Não vão e só não banderas

- Mas…

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- Broh! Mas nada, tenho que bazar. Amanhã conto contigo.
disse Tsakane

Bongane fecha a porta e prepara-se para as aulas.

Nos corredores da escola só ouvia-se falar sobre a festa na casa


do Kensane. Todos estavam ansiosamente à espera do Sábado para “a
tal festa do ano”.

- Que tal quem vai amanhã?- Grita Bento

Todos responderam em coro - Eu! Menos Bongane que parecia


desanimado.

- E tu Bongane não vais?-Pergunta Kensane

- Eu! EEEuu! - gagueja Bongane

- Epah! Viraste gago-goza o João com Bogane

- Eu não sei, ainda não falei com o meu pai.

- Deixa de Historia! Disse Bento

Trimmmm! Tocou pra aula começar.

Bongane não conseguiu prestar a atenção a nenhuma das aulas


desse dia de tanta pressão que ele sentia ele queria tanto as sapatilhas,
mas não queria contrariar toda a educação, valores que o seu pai o fazia
o esforço de todos os dias o passar

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- Bongane! - Chama a professora

- Estás na aula?

- Sim professora

- É que não parece, ultimamente andas muito pensativo, se


continuares assim vais-te dar mal!-Alertou a Professora

Bongane chegou a casa cansado e pensativo, viu que a sua tia


irmã da sua falecida mãe estava em casa, havia vindo-lhe visitar, mas
ele limitou-se a cumprimentá-la enquanto ia em direção ao seu quarto
para dormir, sem mostrar interesse nenhum pela sua presença.

- Está tão grande - disse a tia

- E mais fechado - retorquiu o pai

Deve ser da idade, disse a tia

- Sei disso mas…

- Mas nada. Com o tempo passa.

O pai e a tia continuaram a conversar por um longo período de


tempo já que ela raramente ia visitá-los e tinham muita conversa por
colocar em dia.

Bongane acordou atordoado havia tido um pesadelo. Só queria


que aquele dia acabasse o mais rápido possível. Ao sair de casa para a

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padaria para ir comprar pão encontrou-se com Tsakane, tentou ignorar
a sua presença mais Tsakane não o deixava em paz.

- Que tal puto, tudo pronto?

- Não sei - respondeu o Bongane fingido de desapercebido

- Não podes mayar!

- É muito simples, é só deixares a porta aberta nós depois da


festa entramos de fininho e levamos alguns objectos. Não falha nada.
dizia Tsakane muito confiante.

- Okay. Disse Bongane sem acreditar muito naquilo que


Tsakane falava.

Estavas a fazer o pão? - perguntou o pai do Bongane com um


tom ironico logo que ele chegou a casa.

- Ahh! Não pai, tinha uma fila bem grande.

- Não tens uma festa hoje por ir? - Perguntou o pai do Bongane

- Sim, mas estava a pensar em não ir, estou cansado.

- Deixa disso tens que te enturmar, esse é o seu segundo ano na


escola e ainda não tens nenhum amigo.Vai lá divertir-te, sair um pouco
de casa.

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Bongane sentindo-se obrigado a ir à festa preparou-se e
mandou uma mensagem para Tsakane avisando que já estava para sair
da casa a caminho da festa.

Kensane vivia na Coop em uma casa bem grande e com um


estilo moderno o que surpreendeu Bongane que não estava à espera de
ver uma casa daquele tamanho, nem daquele estilo.

- Só esta sala o tamanho da minha casa, pensou Bongane


quando entrou na casa do Kensane e a apreciava todo admirado.

Bongane havia chegado cedo na festa pois tinha medo de


atrasar-se por conta da falta de chapas que se fazia naqueles dias,
enquanto fazia tempo à espera dos outros convidados chegarem, o
Kensane apresentava-lhe a casa que demorou uma eternidade pelo
facto de ela ser enorme.

Os convidados foram chegando e o Bongane ia se isolando com


o passar do tempo, pois ele estranhava aquele lugar não se sentia no
seu lugar de conforto, era tudo diferente, ele sentia-se preso numa
realidade que não era dele, lá os meninos tinham tudo quanto era
novidade, telefones, sapatilhas, roupas…, os seus pais eram pessoas
nacionalmente, conhecidas ou admiradas.

Estavam-se todos a divertir-se menos Bongane que havia


sentado numa das cadeiras de decoração da festa, a espera de dar a hora
para ele poder ir para casa pois não conseguia se enturmar nas
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conversas dos meninos que só falavam de quanto os seu celulares,
sapatilhas, jogos haviam sido caros, ou comprados no exterior

Bongane ficou na festa até um dos últimos convidados ir


embora, aquela foi a festa mais aborrecida pela qual ele já havia ido.

- Já vou! - despidiu-se Bongane do Kensane.

- Não queres boleia?-Perguntou o pai do Kensane.

- Quero sim. Muito obrigado!-Respondeu Bongane.

- Deixa-me só procurar as chaves do Portão, para poder tirar o


carro.

Enquanto o Kensane e o Pai procuravam as chaves do portão


para poderem tirar o carro, Bongane voltou a pensar, se era mesmo
aquilo que ele queria, o que ele estava disposto a arriscar, valiam o
preço de uma sapatilha.E se seu pai descobrisse como é que ele ficaria,
se a sua mãe estivesse viva sentir-se-ia orgulhosa do filho? Eram tantas
questões sem resposta para aquele momento.

- Encontrei. Gritou Kensane interrompendo o pensamento do


Bongane

- Deixa-te levar para casa - disse o pai do Kensane

Chegado a casa, depois do seu banho, no seu quarto Bongane


não conseguia dormir só pensava

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“Será que Tsakane foi encontrado, será que não?” A sua cabeça estava
a mil.

Bongane não conseguiu dormir aquela noite sem ter as notícias do


Tsakane.

- Acorda Bongane! Vai comprar pão - disse o pai.

Bongane sem nem ter conseguido fechar os olhos levantou,


tomou banho e foi comprar o pão

Ao voltar para casa encontra Tsakene, que quando o vê


Bongane pula de alegria e grita

- Esse é meu Puto! Nunca falha nada

- Então conseguiram entrar?

- Ahh! Como não? Se nos facilitasse tudo - disse Tsakane muito


eufórico

Bongane volta para casa mais calmo, já consegue dormir, mas


algo ainda lhe inquieta, pois ele agora era um ladrão, pensou

“Não sou ladrão mas, sim ajudei em um crime”. Disse o


Bongane a si mesmo para tentar aliviar o sentimento de culpa

Passou o dia todo pensando se o que havia feito realmente era


o certo, se não tinha com reparar esse erro que havia cometido. Já
cansado decidiu ir dormir
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Eram 8h, quando Bongane passou pelo portão da escola a
correr,estava atrasado para as aulas, havia perdido a hora.

- Atrasado Bongane-disse a Professora com cara …

- Desculpa Professora não volta a acontecer

- Acho bom! - Respondeu a Professora na sala de aulas

Bongane vai sentar-se, no meio da aula ele ouve grupinho lá


fundo o Kensane a contar que desapareçam, coisas em sua casa depois
da festa e que suspeitava dos convidados só não sabia quem. Bongane
fica aliviado pois percebe que Kensane não suspeitava que ele havia
deixado o portão aberto para que Tsakane e seu grupo entrasse e
roubasse a casa do colega.

Bongane manteve-se calado, limitou-se a ouvir enquanto os


colegas davam a palpites de quem poderia ter sido.

Voltando da escola Bongane encontra uma mensagem de


Tsakane avisando que queria falar com ele, pedindo que saísse e fosse
ter com ele ao zona do Estrela Vermelha em um dos apartamentos que
Tsakane lá ficava quando não ir à escola.

Bongane tirou o uniforme, tomou um banho, fez os seus


deveres da escola e domésticos e pela tardinha saiu ao encontro de
Tsakane

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- Psiii! -ouvia Bongane

- Psiii! Aqui em cima-Fala Tsakane bem baixinho fazendo um


sinal para ele subir.

Bongane vai até o apartamento, entra na casa e pergunta porque


Tsakane o havia o chamado.

Tsakane diz que chamou-o para poder dar a ele o dinheiro que
havia combinado do roubo e pedir que o Bongane executasse mais
alguns trabalhos para ele. Bongane já arrependido do que havia feito
recusou o dinheiro e o trabalho, mas já sem opção foi obrigado a
aceitar, pois Tsakane o ameaçava contar para o seu pai o que
supostamente o seu menino todo bem-educado, sem histórico de má
conduta havia feito.

Bongane voltou para casa pensando na alhada que havia-se


metido, arrependido de ter aceitado a proposta por conta de uma
simples sapatilha que ela não mais queria pois pesava-lhe a
consciência, usar algo comprado com o dinheiro ganho num roubo.

Bongane era agora o novo membro do grupo do Tsakane, já


participava ativamente das reuniões, vendas dos objectos roubados,
elaboracões de planos para roubos, ele havia-se tornado agora aquilo
que ele negava ser depois do primeiro roubo.

28
4
(Nlakhano Mucubora)

Eram 11 da manhã num dia de muito calor quando Bongane se


preparava para ir à escola, escutando a sua música favorita Flow da
Town. O seu pai Osvaldo que estava doente reclamava com uma voz
asténica o barulho que Bongane fazia ao se preparar.

-Bongane! Para já com a barulheira e prepara-te logo para ir à


escola se não vais te atrasar

- Está bem pai vou já.

- E náo te esqueças do dinheiro de chapa.

Bongane usou suas sapatilhas da Jordan que comprara através


do dinheiro do roubo e assim já estava pronto .Quando saiu de casa
era como se tivesse entrado no inferno com o intenso calor de Maputo.
Bongane andava com estilo nas ruas de mafalala quando deparou se
com os seus amigos da zona. Tsakane que frequentemente faltava as
suas aulas cumprimentou Bongane, e gozou-o por estar a ir a escola
porém, Bongane ficou neutro em relação as provocações e pôs se a
andar . Cabisbaixo Bongane vai até paragem de chapa reflectindo o
que queria da vida, chegou a escola atrasado, ganhou uma falta e teve
de esperar na biblioteca.

29
Chegada a hora do intervalo, Bongane e seus amigos Kensane
e Junior conversavam quando a colega Flávia da turma ao lado,
descaradamente convidou-os a uma festa em sua casa. Bongane sem
hesitar aceitou o convite mesmo sabendo que precisaria convencer ao
seu pai para ir, por outro lado seus amigos recusaram de imediato por
conta do medo dos seus pais. Flavia sempre foi uma menina
descontraída, relaxada e sem medo de socializar, características estas
que atraem o menino Bongane. No caminho de volta a casa Bongane
apanha Tsakane num dos becos da mafalala a fumar suruma e convida-
o para a festa de sábado.

- Yo Tsakane, sábado já temos ideia!

- Eh qual é a ideia Bonga´s?

- Tem uma menina da minha school que vai dar uma festa, não
estás interessado em ir?

- Yea, quero levar minha suruma para lá, poderas experimentar


também. Responde Tsakane com uma pequena risada.

Bongane foi para casa com mais entusiasmo ainda para pedir
permissão ao seu pai para ir a festa. Na hora do jantar Bongane fala
com seu pai.

30
- Pai, fui convidado a uma festa no sábado em casa da minha
colega, posso ir?

- Quem vai à essa festa? Não tens testes na próxima semana?

- Vou com Kensane pai, ele vai me ajudar a estudar para os


testes.

- Uhmm tudo bem, mas cuida te.

Osvaldo deu um voto de confiança no seu filho e aceitou ele ir


a festa. Na manhã seguinte quando Bongane ia comprar pão decidiu
tirar metade do dinheiro para comprar Biggles, chegou no campinho e
ofereceu aos seus amigos. Enquanto saboreavam o delicioso Biggles,
um jovem de estatura baixa careca e com uma barba enorme, veio com
um sacola carregada de suruma e entrou a Tsakane para venda

Chegado o dia da festa Bongane despede seu pai e sai de casa


para ir ter com Tsakane. Apanharam chapa juntos até à casa da Flavia
que ficava na Malhangalene. Era uma festa barulhenta, cheia de
energia e luzes a piscar como se fosse uma discoteca. As pessoas
dançavam como se aquele fosse o ultimo dia das suas vidas. Recebidos
pela Flavia se sentiram mais confortáveis. Já havia muito fumo no ar
dos cigarros que os jovens consumiam, e bebidas alcoólicas eram
consumidas como água. Tsakane já relaxado sentou no sofá acendeu o
cigarro, e ofereceu a Bongane também
31
- Toma este cigarro, só para descontrair.

- Uhmm, não sei Tsakane.

- Vá só um, vais gostar.

Bongane puxou o fumo do cigarro uma vez e repentinamente


tossiu, seu amigo disse-lhe para relaxar e que isso era normal na
primeira vez. Já a tentar pela segunda vez puxou o fumo de novo e em
segundos sentiu uma nova realidade, um mundo só dele, atingiu o pico
da dopamina e se sentiu mais relaxado, os seus olhos ficavam mais
vermelhos e as coisas se tornavam mais engraçadas.

Já descontraído Bongane ganhou coragem para ir falar com a


Flávia, chegou nela bem relaxado e com ar de sedutor, tentou tudo mas
mesmo assim não obteve sucesso na sua tentativa de conquista.
Naquele estado nem queria saber do seu fracasso, seguiu firme e
continuou a aproveitar a festa. Depois de um tempo finalmente pegou
no telefone e viu que havia mensagens e chamadas do seu pai, percebeu
que era a hora de voltar para casa. Aflito, procurou Tsakane e disse
para irem logo para casa, eram 23 horas quando voltavam a pé para
casa com esperança de apanhar algum chapa àquelas horas. Felizmente
tiveram a sorte de apanhar um que já estava terminar a sua escala do
dia . Osvaldo preocupado e a espera do seu filho ouviu a porta a bater,
era ele. Bongane entrou em casa rapidamente evitando quaisquer

32
conversa, só cumprimentou ao pai e foi directamente para o seu quarto.
Osvaldo confuso deixou passar a situação por pensar que o seu filho
estivesse muito cansado da festa. No dia seguinte Osvaldo finalmente
apanhou Bongane já num estado sóbrio e perguntou como havia
corrido a festa. Bongane a mentir, disse que a festa havia corrido muito
bem, que havia dançado muito, e por isso estava muito cansado na
noite passada. No entanto, em vez de passar o domingo a estudar, fica
a passear pelo bairro com seus amigos. Iniciada a semana Bongane vai
a escola se sentindo o rei. Kensane e Junior perguntaram a Bongane
como havia corrido. Alegremente respondeu que foi super top e que
havia experimentado fumar suruma. Emocionados, Kensane e Junior
perguntaram qual era a sensação de fumar. Bongane disse que era
sensacional e que um dia deveriam experimentar. Lembrou-se de ter
fracassado ao conquistar a Flavia e o seus amigos desataram-se a rir.
No caminho de volta para casa, como de habitual, Bongane encontrou
Tsakane a fumar e se juntou a ele. Chegou em casa com os olhos
vermelhos e seu pai já começava a desconfiar de algo. No dia de teste,
como não havia se preparado, consequentemente tirou negativa.
Osvaldo ao saber da negativa, ficou muito desapontado, tentou saber o
que estava a se passar com o seu filho e quais eram o seus problemas
mas ele disse que estava tudo bem.

Fumar já fazia parte da rotina diária de Bongane, era no


caminho de ida, de volta, as vezes escondido na escola, já estava
33
possuído no mundo das drogas, assim ia se perdendo o menino
Bongane. Osvaldo já notava comportamentos estranhos vindo da parte
do seu filho, mas ainda não tinha provas o suficiente para o confrontar,
sempre que perguntava se estava bem e se havia algum problema que
não queria falar, o filho respondia que estava tudo bem. Mas mesmo
assim Osvaldo não baixou a guarda, continuou a prestar atenção no
bem estar e comportamento do seu filho.

Num final de semana Osvaldo e Bongane foram para casa do


António, irmão de Osvaldo passar o dia e bater uns copos com a
família.

- Oh Bongane meu filho como estás grande! António


alegremente cumprimenta Bongane.

- Ah tio nada disso. Respondeu Bongane com uma risada.

- Só espero não que não tenhas começado a fazer coisas que


não são da tua idade, estes jovens de hoje em dia pa, a se perderem por
causa de suruma! Disse António com risos num tom sarcástico.

Ouvir aquilo deixou Bongane trémulo e um pouco assustado,


era como se o tio soubesse de tudo. Após o jantar, Bongane aborrecido
decide ir se esconder para preparar um cigarro. Acendeu e começou a
fumar serenamente, passado algum tempo o primo mais novo de
Bongane, filho de António apanhou-o a fumar e correu para ir avisar
34
ao seu pai, pois este foi ensinado pelo pai que fumar não era bom e
prejuducava a saúde. Uma família inteira desapontada, pois o caminho
das drogas não seria uma fácil situação de se reverter. Antonio em
conversa com Osvaldo preocupado com a situação do sobrinho,
recorda lhe do que havia acontecido com Zarine.

- Mano, é melhor veres bem como resolves esta situação, eu


não quero ver o meu sobrinho perdido, olha por ele por favor.

Após algum tempo Bongane sai do seu esconderijo e é


enfrentado por um monte olhares de desaprovação. Osvaldo só o olhou
tristemente sem saber como lidar com a situação e disse – vamos
embora. No caminho para casa não houve nem uma palavra, o silêncio
tornava-se barulhento e o clima tenso.

Chegados a casa Osvaldo ordenou ao seu filho que se sentasse


e disse com tom de apelo – Meu filho,eu te aconselho a parares com as
drogas agora, porque se não fossem elas, creio tu terias uma mãe
presente hoje. Bongane surpreso sem saber do que se tratava perguntou
o que havia acontecido. A medida que o pai ia contando a história das
drogas e da sua mãe, o rosto de Bongane entristecia cada vez mais e
por fim acabou por chorar. Osvaldo repisou que a única função de
Bongane era estudar e que tem estado a desapontar muito. Na noite
Bongane não conseguia dormir por causa da história que ouvira,

35
reflectiu muito sobre as suas acções mas naquele momento só lhe
apetecia um cigarro para esquecer tudo.

Na manhã seguinte como de habitual foi ter com os seus


amigos no campinho para fumar um pouco para esvaziar a cabeça.
Tsakane e os seu pessoal já tinham o seu negócio que era vender
drogas. Como Bongane praticamente já fazia parte do grupo, Tsakane
decide fazer uma proposta que era começar a vender drogas no Colégio
Kalea. Bongane recusou a proposta porque não se sentia preparado
para começar com esse tipo de actividade. Já em casa Bongane para
para reflectir bem na proposta e vê que se aceitar poderá ganhar um
bom dinheiro e comprar mais coisas que sempre quis, então considera
aceitar a proposta.

Assim sendo no dia seguinte Bongane foi ao encontro dos


amigos já preperado para aceitar a proposta, assim que aceitou
Tsakane disse – Da boa, agora você é homem de verdade

36
5
(Caio Ainadine)

Bongane despertou em um dia ensolarado, imerso na atmosfera


vibrante do famoso bairro de Mafalala. As mamanas já estavam
posicionadas em suas bancas, à frente das modestas casas, dedicando-
se com afinco à venda de diversos produtos, uma luta diária para
sustentar suas famílias. Enquanto isso, as crianças animadamente
corriam em direção ao campo de futebol, ansiosas por uma partida
emocionante. No entanto, Bongane encontrava-se mergulhado em seus
próprios pensamentos, dominado pela proposta que havia aceitado no
dia anterior. Era como se a sensação de euforia que o envolvia a cada
trago de charro o impelisse a iniciar a empreitada de venda. Decidiu,
então, prosseguir com seu plano.

Vestindo seu uniforme com determinação, Bongane pegou os


20 meticais que seu pai havia deixado para a compra do pão com badjia
e caminhou em direção ao campo de futebol, onde combinara de
encontrar seu amigo Tsakane, o intermediário para a entrega do
produto.

Ao adentrar o campo, percorrendo becos cujos caminhos


pareciam emaranhados como um intricado labirinto, Bongane foi
surpreendido por um grito ecoando do outro lado:

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-Bonga's!!! - Tsakane o chamava.

Cada vez que ouvia seu apelido, Bongane sentia-se envolto por
uma aura de poder, respeito e integração com o bairro. Esse sentimento
o motivava a persistir em sua missão iminente.

-Como é que é tsakane, Tsakane? Tens aí o que me pertence? -


Perguntou Bongane em tom descontraído.

-Não se empolgue, Bonga's, ou então não te darei nada -


respondeu Tsakane, criando um clima de tensão.

-Estou a brincar broo - afirmou Bongane, tentando aliviar o


ambiente.

No entanto, a tensão aumentou abruptamente quando Tsakane,


de seu casaco de couro, retirou um saco repleto de bolas de surruma.
Bongane sentiu uma onda de medo percorrer seu corpo ao contemplar
aquilo, mas, ao mesmo tempo, um entusiasmo avassalador o inundou
ao deparar-se com uma quantidade de surruma jamais vista em toda
sua existência. "Tenho maconha suficiente para durar um ano inteiro",
pensou consigo mesmo. Por um breve instante, uma fantasia se formou
em sua mente, contemplando a ideia de fugir e sustentar-se
exclusivamente dos prazeres inebriantes proporcionados pelos maços
e matapas de maconha. Era tentador entregar-se a uma sensação quase
infinita de prazer e empoderamento, tal qual o lendário Bonga's.

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Entretanto, a realidade o chamava de volta, era chegada a hora de
voltar a realidade.

Bongane agarrou firmemente o saco e o acomodou dentro da


pasta, seguindo em direcção à escola com o coração acelerado. Sua
determinação era inabalável, mesmo diante das circunstâncias
desafiadoras.

Ao chegar à escola, Bongane estava completamente suado,


incapaz de discernir se era o calor escaldante de 40 graus do clima
tropical moçambicano ou o peso opressor de sua consciência, causado
pelas bolas de suruma que estavam na sua pasta. Enquanto avançava
em direção ao colégio, já conseguia avistar de longe os professores e
diretores posicionados no portão, prontos para averiguar a organização
dos alunos e qualquer sinal de desordem. Ele respirou profundamente
ao presenciar aquela cena e prosseguiu em sua jornada em direção à
entrada.

A cada passo dado, uma gota de suor escorria, como se o


mundo inteiro estivesse observando cada movimento seu. Quando
finalmente ultrapassou o portão, seus ouvidos captaram o chamado do
professor de Matemática:

-Bongane! - Gritou ele.

Por um instante, Bongane congelou, perguntando-se se havia


sido descoberto. Não podia sequer cogitar a ideia, pois ainda não havia
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vendido nenhuma bola de surruma. Ser descoberto acarretaria não
apenas problemas na escola, mas também no bairro e com seu pai. Ele
deixaria de ser aceite no mundo, deixaria de ser Bonga’s e se tornaria
novamente apenas Bongane, um garoto perdido nas drogas, sem
escolaridade e sem família. Contudo, enfrentar aquela situação era
inevitável. Então, mais uma vez, ele respirou fundo e encarou o
professor.

-Sua pasta está aberta, Bongane - disse o professor.

Ao ouvir aquilo, Bongane suspirou aliviado e fechou a pasta.


Toda a tensão que o consumia simplesmente desapareceu. E seguiu a
sala de aulas já aliviado.

Ao adentrar a sala de aula, Bongane dirigiu-se imediatamente


aos seus melhores amigos, Kensane e Junior. Seu rosto irradiava um
sorriso tão amplo que parecia que as pontas dos seus lábios
alcançariam suas orelhas, indicando que ele estava prestes a
compartilhar uma novidade emocionante com eles.

-Vocês se lembram do que eu mencionei ter experimentado?-


perguntou Bongane.

-O quê? A surruma...- sussurrou Kensane de forma


humorística.

40
-Oh, Kensane, tome cuidado, ainda podem nos ouvir.- alertou
Junior.

-Quer dizer que ninguém aqui pode fazer uma simples piada?-
retrucou Kensane.

São piadas como essas que podem colocar em risco minha


permanência nesta escola. Esqueceram que não pago o mesmo que
vocês nesse colégio? O que as pessoas pensariam ao ouvir um menino
do bairro de Mafalala mencionar suruma? Só pelo fato de saberem que
sou do bairro de Mafalala, já me rotulam como drogado. Agora,
imagine se me ouvirem pronunciar a palavra surruma.- explicou
Bongane.

-Você está certo, Bongane. Não tinha considerado esse aspecto.


As brincadeiras acabaram.- disse Kensane, sentindo-se envergonhado.

-Obrigado por entenderem, mas vamos ao que realmente


importa.- respondeu Bongane.

Bongane abriu sua pasta e os olhos de Kensane e Junior


brilharam ao contemplarem algo que até então só haviam visto em
filmes e jamais provado. Agora, aquilo estava diante de seus olhos, ao
alcance de suas mãos, pronto para ser sentido em suas bocas, gargantas

41
e pulmões. Eles ansiavam por experimentar as sensações que Bongane
havia descrito dias antes.

-Ei, não babem em minha mochila. Se quiserem, terão que me


dar 200 meticais por bola. Hoje estou aqui em uma missão de serviço.-
brincou Bongane.

- Mas aguardem um momento, antes de darmos o dinheiro,


como é suposto fumarmos essas bolas? - Perguntou Kensane,
hesitante.

- Relaxem, putos, eu vou ensinar vocês a preparar. E é


justamente por isso que eu preciso da ajuda de vocês. Essas bolinhas
precisam ser transformadas em cigarros - Declarou Bongane com
convicção.

- Espera aí, Bongane, você está realmente pensando em vender


isso na escola? - Questionou Junior, preocupado.

- Você está falando com o grande Bonga's, é claro que sim. E


vocês vão me ajudar nisso. Depois do terceiro toque, encontrem-me na
casa de banho e vamos trabalhar - Afirmou Bongane, confiante.

- Eu ainda acho que essa não é uma boa ideia, mas se algo der
errado, meu pai vai resolver. Então, vamos a isso. - consentiu Junior.

A confiança de Bongane naquele momento era inabalável.


Parecia que toda a tensão que ele havia sentido momentos antes se
42
transformara em confiança. Nada mais importava naquele instante.
Bongane não era mais apenas um menino desprotegido e frágil, agora
ele era Bonga's, um rapaz confiante do bairro de Mafalala, determinado
a seguir em frente com o plano.

Após o toque, eles dirigiram-se a casa de banho, como


combinado, e trancaram-se em uma das cabines. Bongane começou a
enrolar as bolinhas em papéis de rizla, enquanto Kensane e Junior
observavam. Apesar de ter começado a consumir há apenas algumas
semanas, Bongane enrolava os cigarros com a habilidade de alguém
que fumava há anos. Seus amigos não conseguiam tirar os olhos de
Bongane, enquanto ele transformava as bolinhas em cigarros. Até que,
finalmente, Bongane pegou um cigarro pronto e disse, todo sorridente
e orgulhoso:

- Aqui estão. Que tal acendermos um agora? - sugeriu Bongane.

- Pensei que nunca irias perguntar - Respondeu Junior.

Então, Bongane pegou um isqueiro que Tsakane havia lhe


dado, colocou o cigarro na boca, acendeu-o e deu uma tragada tão
profunda que o fumo alcançou seus pulmões imediatamente. Em
seguida, passou o cigarro para os outros, para que pudessem
experimentar.

- E agora? - perguntou Kensane.

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- Agora, esperamos até começarmos a sentir o efeito - disse
Bongane.

Até que repentinamente Um calor suave começou a se espalhar


por seus corpos, trazendo uma sensação de relaxamento e leveza. O
mundo ao redor parecia desacelerar, permitindo-lhes saborear cada
momento com uma clareza intensificada.

Uma sensação de euforia tomou conta deles, como se fossem


transportados para um estado de êxtase tranquilo. Risos se tornaram
mais contagiantes, enquanto surgia umaa música ao fundo, ecoando
em suas mentes com uma harmonia exuberante. O tempo perdeu seu
significado, e eles se encontraram imersos no presente, esquecendo
temporariamente as preocupações e responsabilidades do dia a dia.

Os sentidos se aguçaram, transformando cada toque em uma


carícia delicada e cada sabor em uma experiência sensorial intensa. O
paladar dançava com subtileza, enquanto eles saboreavam o Bigga que
Kensane trazia, que parecia ganhar um sabor mais profundo e
delicioso.

- O que que isso que eu estou a sentir? - Perguntou Junior.

- É a surruma puto, é a surruma- Ripostou Bongane

Em meio às conversas, suas mentes flutuavam livremente,


explorando ideias e conceitos de maneiras novas e criativas.

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Pensamentos fluíam em um fluxo contínuo, como rios que deslizam
suavemente pelo terreno da imaginação. O mundo se tornou uma tela
em branco, onde eles podiam pintar suas ideias mais ousadas e suas
fantasias mais profundas.

A sensação de conexão entre eles cresceu, como se estivessem


unidos por um fio invisível. A compreensão mútuos floresceram,
permitindo-lhes mergulhar em um nível de intimidade emocional que
transcendia palavras. O silêncio entre eles era preenchido com uma
energia carregada de significado, uma linguagem não verbal que só
eles compreendiam. Até que esses todos sentimentos foram
interrompidos por um toque que soou mais alto do que eles alguma vez
sentiram.

- Porque esta assim tão alto? – Perguntou Kensane tapando os


ouvidos.

- Temos que voltar para sala. – Disse Bongane ignorando


totalmente a pergunta de Kensane

- Mas agora é aula chata do stor de matemática. – Ripostou


Junior

- E o único cigarro que preparamos consumimos. Temos que


ser rapidos se queremos começar a vender amanhã. Então faremos o
seguinte amanhã as 10 vamos a casa do Kensane e enquanto isso Junior

45
podes ir falando com os amigos do teu irmão que tenham interesse no
meu produto. Pode ser? – Disse Bongane

- Pode ser – Disseram Kensane e Junior em perfeita harmonia.

Caminharam juntos em direção à sala de aula. Enquanto


percorriam o corredor, um encontro fortuito aconteceu. Bongane
encontrou seu pai. Os olhos perspicazes do pai captaram uma subtil
diferença no comportamento e no olhar do filho. Uma sensação
familiar se instalou em sua mente.

Os olhos vermelhos, a postura desajeitada, os risos


intermináveis - tudo isso o fez imediatamente recordar da mãe de
Bongane, Dona Zarine. Inevitavelmente, sempre que olhava para o
filho, era como se enxergasse a face de Dona Zarine nele. Nesse
instante, todas as lembranças amargas que ela trazia consigo
ressurgiram. A memória das inúmeras tentativas frustradas de
mudança, as vezes em que teve que procurá-la em locais obscuros
durante a gravidez. Certamente, ele não desejava passar por isso
novamente. Embora não tivesse testemunhado nada naquele momento,
o Sr. Osvaldo sabia o que se passava ali.

Um turbilhão de pensamentos passou pela mente do pai. Ele


cogitou denunciar o filho, mas o medo de que Bongane perdesse a
oportunidade de estudar no prestigiado Colegio Kalea o assombrava.
Ou pior ainda, o medo de perder o próprio filho. Com isso em mente,
46
ele decidiu abordá-lo em casa, na esperança de que pudesse fazê-lo
reconsiderar e, mesmo sabendo que poderia ser tarde demais, desejou
que o filho o ouvisse.

E assim aconteceu. Assim que Bongane chegou em casa,


encontrou seu pai sentado na sala, assistindo à TVM. Ele o aguardava,
mas Bongane não tinha ideia do motivo dessa espera, embora já
suspeitasse do que se tratava.

- Venha aqui, por favor, Bongane - Pediu o Sr. Osvaldo.

- O que está acontecendo? - perguntou Bongane.

- O que está acontecendo, pergunto eu, filho. Hoje, quando te


vi na escola, você e seus amigos estavam diferentes. O que vocês
estavam aprontando?

-Nada - respondeu Bongane sem demonstrar emoção alguma.

- Não minta para mim, meu filho. Eu sei o que vocês estavam
fazendo, e também sei que você não é assim - disse o Sr. Osvaldo,
preocupado.

- Eu já disse que não fizemos nada, velho! - retrucou Bongane


de forma bastante grosseira.

Bongane então seguiu em direção ao seu quarto, sem dar


qualquer explicação para o seu pai sobre seu comportamento.

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Enquanto isso, o Sr. Osvaldo estava atordoado, pois Bongane
nunca havia levantado a voz para ele. Esse Bongane que ele
testemunhou hoje era diferente, e ele tem notado essa mudança nos
últimos meses, desde que ingressou no Colegio Kalea e começou a ir
para lá sozinho. "Será que a escola é a origem desse problema? Será
que eu sou a origem desse problema?", questionava-se. Seus
pensamentos o atormentavam, ele se sentia impotente, incapaz de fazer
algo para mudar a situação. Sentiu-se novamente como se estivesse
diante da Dona Zarine, quando descobriu que ela tinha problemas com
drogas. A situação havia fugido completamente do seu controle.

No dia seguinte, Bongane despertou com uma motivação


renovada, sentindo-se mais determinado do que nunca. Ao levantar-se
da cama, dirigiu-se à cozinha para aquecer água, ansioso por desfrutar
de um banho reconfortante e quente. Enquanto aguardava, deixou-se
envolver pelo pensamento de ter um termoacumulador como aqueles
encontrados na casa de Kensane. No entanto, sabia que precisava
conformar-se com a sua realidade atual.

Em seguida, preparou um chá perfumado e deleitou-se com seu


aroma enquanto degustava uma mandioca trazida de Nampula por sua
tia. Ela havia se casado muito jovem e precisado migrar para a terra do
marido. Sempre que vinha à capital visitá-lo, trazia consigo uma
variedade de presentes, desde sacos de arroz até camisas
extravagantes, revelando sua generosidade sem limites.
48
Após concluir seu matabicho, Bongane dirigiu-se à casa de
Kensane, caminhando em direção ao nobre bairro da Coop. Era uma
localidade completamente diferente daquela a que ele estava
acostumado. Ruas asfaltadas e uma tranquilidade que contrastava com
a agitação do bairro da Mafalala. Alguns afirmavam que o aroma do
bairro exalava riqueza, suas casas possuíam relvados verdejantes,
semelhantes às notas de mil meticais, muito superiores às notas de 50
meticais que Bongane tinha em sua casa.

Assim que chegou à residência de Kensane, uma sensação de


peso o atingiu, recordando-lhe da primeira vez que se envolveu em um
ato criminoso. Nesse momento, Kensane abriu a porta e dirigiu-se a
ele:

- Por que você está aí parado? Viu um fantasma ou algo do tipo?


- Perguntou Kensane.

Bongane voltou à realidade da situação e percebeu Tsakane


diante dele, respondendo:

- Nada disso, estava apenas mergulhado em pensamentos. -


Respondeu Bongane.

- Deixe de histórias e entre. - disse Kensane.

Ao adentrar o quarto de Kensane, Bongane deparou-se


imediatamente com Junior. Todos estavam reunidos, prontos para dar

49
seguimento ao plano. Bongane retirou um cigarro, acendeu-o e
compartilhou-o com os demais, proferindo as palavras:

- Agora, sim, podemos começar a trabalhar.

E assim iniciaram os preparativos, dedicando-se a confeccionar


diversos cigarros de surruma. Inicialmente, Kensane e Junior
enrolavam os cigarros de forma irregular, adquirindo diferentes
formatos, até que, com o passar do tempo, a prática lhes trouxe
destreza. Com a ajuda da surruma que haviam consumido
anteriormente, a tarefa se tornou leve e, por breves instantes,
transformaram-se de meros adolescentes de 14 anos em proeminentes
traficantes. Explosões múltiplas de dopamina e adrenalina ocorriam
em suas mentes, tornando difícil discernir se eram provenientes da
surruma ou da iminência do perigo que os aguardava.

Após concluírem a confecção dos cigarros, dirigiram-se à


escola na companhia de Sr. José, motorista de Kensane, que conduzia
um elegante Mark X. Entretanto, era Kensane quem guiava Sr José,
enquanto Bongane, ao testemunhar tal situação, não conseguia evitar
que pensamentos acerca do privilégio de nascer em uma família rica
dominassem sua mente. De certa forma, isso o levava a questionar o
motivo de ser o "pobrezinho" do bairro de Mafalala, culpando seu pai
por tê-lo dado à luz em meio à pobreza e desejando fervorosamente ter
nascido em uma família diferente.

50
Durante o trajeto até a escola, Bongane indagou Junior:

- E então? Falaste com os da 12?

- Sim, disse a eles para nos encontrarmos na quinta cabine da


casa de banho durante os intervalos, e que batessem na porta cinco
vezes caso quisessem comprar - respondeu Junior.

- Perfeito, então não preciso mais de vocês, a menos que


queiram comprar mais - declarou Bongane.

- Não faça isso, Bongane - suplicou Junior.

- Mas é assim que as coisas funcionam com a suruma, não é? -


argumentou Bongane.

Eles imediatamente calaram-se

Ao chegarem à escola, Bongane encaminhou-se diretamente


para a sala de aula, porém, mal conseguia concentrar-se na aula,
aguardando ansiosamente pelo toque. Repentinamente, o toque soou,
e ele dirigiu-se imediatamente a casa de banho, sentando-se na pia,
aguardando por algum cliente. A tensão e a ansiedade tomaram conta
dele. Será que conseguiria vender ao menos um cigarro? Ou seria
melhor fugir para longe com todos aqueles cigarros? Enquanto esses
pensamentos invadiam sua mente, ele ouviu exatamente cinco batidas
na porta.

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Era o momento em que Bongane enfrentaria seu primeiro
cliente. Um instante de incerteza o paralisou, deixando-o imerso em
dúvidas: deveria cumprimentá-lo? Abrir a porta? Receber o pagamento
antes ou entregar a suruma? Por alguns preciosos segundos, ele se viu
imerso nessa angústia até que, por fim, encontrou a calma interior e
soube exatamente o que fazer.

Com uma voz firme, Bongane declarou:

- São 200 meticais.

O jovem entregou o dinheiro por baixo da cabine e,


imediatamente, Bongane o pegou. Uma onda de euforia percorreu seu
corpo, uma sensação nunca antes experimentada. Naquele momento,
ele vislumbrou a oportunidade de finalmente alcançar o mesmo estilo
de vida que Kensane e Bongane desfrutavam: ter as mesmas sapatilhas,
camisetas e tudo mais. Ele compreendeu, naquele instante, que os
conhecimentos adquiridos no bairro eram a chave para conquistar o tão
sonhado estilo de vida. Não precisaria mais depender do Sr. Osvaldo
para se sustentar, nem sequer passava por sua mente essa ideia.

Assim, Bongane pegou um cigarro e atravessou por baixo da


cabine, sentindo-se verdadeiramente feliz por ter concluído sua
primeira venda. E assim foi durante todo o dia, trabalhando
incessantemente, até que chegasse ao fim com a quantia de 4000
meticais quantia esta que nunca tinha pegado em toda sua vida,
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conseguida em apenas um dia, apartir daquele momento ele soube que
não podia mais parar com aquilo, passou a estar mais viciado no
dinheiro do que na propria surruma. Ele havia vendido tudo que
Tsakane lhe tinha fornecido, conquistando um resultado notável.

Ao adentrar o Bairro Bongane, sua ansiedade era quase


palpável. Mal podia esperar para compartilhar as novidades com
Tsakane, seu fiel parceiro. Encontrou-o como de costume no campo de
futebol, imerso em sua paixão pelo esporte. Com um sorriso radiante,
Bongane exclamou:

- Olha só o que eu tenho aqui!

- Curioso, Tsakane perguntou:

- Vendeste tudo, Bonga's?

Bongane respondeu com confiança:

- É claro, meu amigo! Com quem achas que estás a falar?

Em seguida, Bongane entregou o dinheiro a Tsakane, que


começou a contá-lo meticulosamente. Enquanto Tsakane separava
duas notas de 1000 meticais do montante considerável, ele disse:

- Toma, meus parabéns puto! Amanhã trarei mais. Faremos


uma verdadeira fortuna juntos.

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Bongane pegou aquele dinheiro em suas mãos e sentiu-se
atordoado com as possibilidades que se apresentavam. Ponderou se
deveria gastá-lo em cigarros, roupas, tênis ou talvez um colar.

Eram tantas opções, muito além dos 20 meticais que seu pai lhe
dava diariamente. No entanto, uma coisa era certa: se quisesse
continuar a ganhar aquela quantidade de dinheiro, precisaria continuar
com seus negócios.

E assim se repetiu todos os dias. Após o jogo no campo,


Bongane encontrava Tsakane para buscar as bolas e, em seguida, corria
para a escola. Chegava cedo e se dirigia a casa de banho para preparar
os cigarros. Nos intervalos, vendia suas mercadorias. Alguns dias
conseguia ganhar 800 meticais, outros 2000 e, ocasionalmente, até
4000. Essa faixa de lucro tornou-se sua rotina pelos próximos meses.

Contudo, à medida que os risos incontroláveis se espalhavam


pelo ambiente escolar, os professores começaram a notar algo de
errado. Até que um dia, enquanto Bongane vendia durante o intervalo,
decidiu acender um cigarro para aliviar o estresse. Foi quando ouviu,
ao longe, um grito desesperado vindo de um dos funcionários:

-Você!

54
6
(Luna Mascarenhas)

-Você! -foi nesse momento em que o coração de Bongane


parou, a respiração falhou e ele quase desmaiou.

-Você, estavas a fazer o quê?-Bongane ainda estava sem reação,


com o coração a palpitar e a cabeça as voltas por não saber o que fazer,
era como se estivesse a ver o seu pai diante dele a julga-lo e a
repreende-lo, desapontado e desfeito aos pedaços, a perguntar se onde
terá falhado na sua educação, talvez devido a morte de sua mãe, a falta
da figura maternal para orientar lhe e mostrar lhe por onde e com quem
devia andar, Bongane imaginou como as coisas teriam sido diferentes
se talvez sua mãe estivesse com ele.

Bongane voltou a realidade que aguardava por ele, com o


funcionário diante dele, o olhando com um olhar de julgamento,
Bongane resolveu abrir a boca, tossiu, tentou manter se calmo e
esconder o cigarro que já quase estava no fim, foi ao encontro do
funcionário, que estava parado na porta, e tentou dizer lhe algumas
palavras quando foi interrompido pelo mesmo que voltou a questionar-
lhe:

-Estavas a fazer o quê? - perguntou com um olhar de


desconfiança por saber que sua pergunta não seria respondida com
sinceridade.

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-Nada, respondeu Bongane com o seu coração aos pulos e a
sentir o suor gelado descendo pelas costas no interior da sua camisa.

-Não estava a fazer nada- disse de novo tentando disfarçar a


mentira, mas quase deixando cair uma lagrima pelo canto do seu olho
ao imaginar novamente o seu pai recebendo a notícia.

- Já que não vais contar nem ta bom vamos a direção! - disse o


funcionário logo após ouvir a resposta de Bongane e perceber que ele
não contaria a verdade.

Bongane estava prestes a chorar, segurando as suas lagrimas


como se um fio de lã as estivesse a segurar, implorando e até mesmo
falando de lhe orientar, e não chorou, porque depois de tanto implorar
ouviu o funcionário dizer:

- Então diz lá o que estavas a fazer.

Aquela foi a luz, a esperança no meio dos caminhos escuros e


vazios que Bongane estava, Bongane viu aquela pergunta como uma
oportunidade de escapar daquela situação.

-Estava a queimar meu teste para meu pai não ver.

O funcionário desatou a rir ao ouvir Bongane tremulo pronunciar


aquelas palavras, riu se como se estivesse diante de um show de piadas,
riu se tanto que ao olhar para Bongane o mesmo também estava a rir
se, o funcionário mudou a sua expressão.
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- Estas a rir de quê ? - lhe perguntou com cara de como quem
diz, “você esta a beira da morte e ainda está a rir”, foi nesse momento,
que Bongane soube que tinha não só “metido agua”, mas sim o oceano
pacifico todo, dessa forma apagando a luz de esperança que existia.

- Tio estou a pedir, por favor de verdade estou a pedir, estou a


pedir não me levar para direção.

- Para depois ires contar aos teus amigos e eles me darem


problemas, vamos, eu não quero problemas, eu não quero problemas-
disse o funcionário.

O caminho foi mais rápido do que o normal, Bongane só


conseguia pensar no seu pai, foram para ele os 5 minutos de espera
mais longos da sua vida até seu pai chegar.

Ao ver seu pai não conseguiu nem o cumprimentar, por saber


que naquele momento qualquer coisa dita seria a faísca para explodir
o balde de pólvora que seu pai estava.

Bongane baixou o seu olhar, levantou-se e ficou do lado do seu


pai a espera da permissão para entrar, ainda com os olhos baixados, o
coração a bater na mesma velocidade de um coração momentos antes
de um ataque cardíaco, Bongane sentiu-se fraco, as suas pernas mal
funcionavam, a respiração falhava, um calor subia pelo seu corpo mas,
ao mesmo tempo, descia mais gelado que um polo, era uma mistura de
sentimentos, sentiu um aperto no peito, tentou procurar ar, mas quanto
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mais ele tentava mais difícil se tornava, era como se alguém estivesse
a roubar-lhe o ar que deveria ser para ele.

Parou por meros segundos sem chamar a atenção de seu pai,


que muito dificilmente pararia pois estava mais preocupado em saber
o porquê de estar ali, Bongane respirou, procurou manter a calma e
procurar forças, ambos entraram e sentaram-se diante do diretor
Matakuane e o funcionário que estava ao seu lado.

Respirou, de novo e de novo repetidas vezes, enquanto ouvia o


director saudar o seu pai e seu pai saudar o director e o funcionário.

- Bom dia Sr. diretor. -disse pai de Bongane

- Bom dia Sr. Osvaldo. -disse o diretor

- Bom dia Sr. Matavel! -pai de Bongane

- Bom dia Sr. Osvaldo! -disse o funcionário

Nesse momento Bongane só queria poder entrar num buraco a


sete palmos abaixo da terra e desaparecer, visto que não era possível,
o mesmo limitou-se a ficar ali imóvel, diminuindo até o som da sua
respiração para que a sua presença não fosse notória naquela minúscula
sala do director.

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- Espero que não tenha atrapalhado o seu trabalho Sr. Osvaldo,
mas foi-me transmitida uma informação que creio necessitar da sua
intervenção como encarregado do aluno Bongane.

- Não atrapalha em nada Sr. diretor, mas peço que seja um


pouco mais claro pois não estou a entender o que esta a acontecer.

- Já vinha para esse ponto, mas queria antes dar a palavra ao


Bongane pois ele é a razão pela qual estamos aqui -disse o diretor
enquanto Bongane estava com a mente em outro lugar e não conseguia
sequer prestar atenção a conversa, ele ainda estava sob efeito da droga,
ficou despertado ao ouvir o seu nome.

- Sim diretor?!-disse com a voz tremula e com o desespero


estampado em seus olhos, Bongane suava frio, via desenhos estranhos
na parede e até mesmo ouvia sons estranhos.

- Bongane, diz-nos o que exactamente aconteceu para o Sr.


Matável trazer-te até aqui. Naquele momento Bongane engoliu a saliva
que passou como um pedregulho na sua garganta, ficou a olhar o
diretor muito seriamente e disse apenas:

- Estava a fumar um cigarro e o tio Matável me apanhou, e


perguntou-me o que estava a acontecer.

Osvaldo sem reação levou o seu olhar para o seu filho enquanto
escutava atenciosamente as palavras ditas por ele “Estava a fumar um

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cigarro”, estas foram as únicas palavras do discurso de Bongane que
Osvaldo ouviu, perplexo e ainda a olhar para o seu filho, com o seu
coração apertado e a refletir naquelas palavras.

Ouvia-se apenas o silêncio naquela minúscula sala, e o Sr.


Osvaldo ainda sem acreditar, perguntou ao seu filho se aquilo era
realmente verdade, Bongane encontrava se no momento de êxtase das
drogas e apenas concordou com a cabeça, Osvaldo passou a mão pela
sua cara e cocou o pouco cabelo que lhe restava, ele pensou onde teria
falhado na educação do seu filho, fez de tudo para que nunca lhe
faltasse nada e é assim que ele retribui, o sacrifício, o suor, as noites
em claro por não saber onde ia arranjar dinheiro para o matabicho do
dia seguinte, será que foi tudo em vão, será que a falta de Zarine fez
com que ele não prestasse atenção no que estava a acontecer na vida
de seu filho, Osvaldo só conseguia pensar no seu filho e talvez no
emprego que não sabia se ainda tinha depois do ocorrido.

- Sr. Osvaldo? Sr. Osvaldo está aqui? - perguntou o diretor que


tentava falar com ele já há algum tempo- Precisamos conversar sobre
a punição do seu filho.

- Meu filho não faria esse tipo de coisa - interrompeu-lhe para


evitar ouvir o veredito para o seu filho - talvez algum amiguinho dele
deu lhe para provar, talvez foi uma brincadeira qualquer, diretor creio
que foi a primeira vez que isto aconteceu e que não voltará a acontecer,

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olhou para Bongane na esperança de que este também dissesse alguma
coisa para amenizar aquela situação, mas este nada disse, limitou se a
ficar a ouvir a conversa.

- Pode ter sido a primeira, ou talvez a quinta vez, não temos


como saber disso Sr.Osvaldo, mas em qualquer uma das situações o
Colégio KALEA não apoia esse tipo de atitude por parte dos alunos ou
até mesmo dos funcionários, aqui no recinto, nós temos uma regra
muito clara em relação a esse assunto, e não temos outra coisa a fazer
a não ser expulsar o Bongane - aquelas palavras foram como uma
facada no coração de Osvaldo, não só uma, mas muitas facadas, era
como se todo o seu trabalho estivesse a ser colocado no lixo, Osvaldo
tentou persuadir o diretor para que pudesse apenas suspende-lo visto
que estavam no meio do ano e nenhuma escola aceitaria um aluno novo
ainda por cima com um histórico como o dele, depois de muito pedir
ficou mais do que claro que não havia outra saída a não ser a expulsão
de Bongane. Bongane nada disse, Osvaldo continuaria com o seu
emprego, visto que não tinha conhecimento da situação do seu filho e
possivelmente nunca faria o mesmo, depois de terminada a reunião,
ambos foram dispensados, Osvaldo e Bongane foram em silêncio todo
caminho de volta para casa, ao chegar a casa Osvaldo dirigiu-se para o
seu quarto, Bongane foi igualmente para o seu quarto e acabou
dormindo, mas foi acordado pela voz de seu pai o chamando.

- BONGANE!
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Levantou rapidamente preocupado, foi até a sala e viu seu pai
sentado, que o chamou para sentar e conversar.

- Bongane o que se passou? Uhm? Tu nunca foste assim, o que


aconteceu, ahm? Quem foi que te deu essas coisas, o meu sacrifício
não valeu de nada para ti? O meu trabalho não vale nada Bongane,
responde-me – o seu tom aumentava- eu sou maluco nem, tudo que fiz
por ti, para teres um futuro melhor foi em vão? Tu meteste-te nessa
vida, sabes o quão difícil é sair disso, SABES? A tua mãe morreu por
causa dessas coisas pá, tu não tens noção do perigo, quantas vezes eu
te avisei para te manteres longe daqueles miúdos do Bairro quantas
vezes Bongane, eu sempre disse te, estas a ver onde viemos parar, diz
me onde vais estudar agora, qual é a escola que vai querer um drogado
que nem tu? PORRAS, eu fiz de tudo para te dar o melhor, dar-te tudo
que precisavas, nem sempre podia, mas eu fiz de tudo para que não te
faltasse nada, dei te a melhor educação pus-te nas melhores escolas e
é assim como tu me agradeces, é assim como tu fazes valer o meu
sacrifício de todos os dias, eu não quero nunca mais ouvir dizer que tu
andas a fumar ouviste? vai dizer a esses teus amigos drogados que o
teu pai sabe e que se lhes apanhar a consumir chamará a policia e todos
eles vão a esquadra incluindo tu, eu não te reconheço mais Bongane,
não te reconheço, hoje eu perdi um filho, o único que tinha e perdi para
as drogas, o mesmo que me fez perder a tua mãe- nesse momento
Osvaldo apercebeu-se que havia falado mais do que devia e desatou a

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chorar, Bongane sem reação e com a cabeça baixa ficou sem acreditar
no que o Pai acabava de dizer, Osvaldo nunca contou a bongane que
sua mãe morreu por causa das drogas, aquilo foi uma facado no peito
de Bongane, que não mais consegui esconder as lagrimas e começou a
chorar, ao ver seu pai desapontado a chorar Bongane manteve-se
calado até arranjar forcas para pedir lhe desculpas, pediu lhe que o
perdoasse e que não dissesse que não era mais o seu filho, pediu
desculpas e prometeu afastar se daquelas pessoas. Osvaldo disse:

- Espero bem que o faças ou não terás mais onde viver!

Bongane assentiu com a cabeça e disse ao seu pai que tal coisa
não se repetiria.

Naquela noite ninguém jantou, ninguém disse boa noite, ambos


foram dormir e aquele foi com certeza o pior dia de suas vidas,
Bongane mal dormiu, pois passou a noite a pensar no que fazer para
pagar a sua divida e onde iria estudar. Seu pai igualmente não dormiu
a pensar no que faria para seu filho voltar a estudar e sair daquela vida
antes que fosse tarde de mais.

Bongane foi ter com Tsakane no dia seguinte após o sucedido,


pegou na pasta que tinha as drogas e foi ter com Tsakane, como era de
se esperar, revoltado Tsakane bateu em Bongane e o ameaçou dizendo
que queria o seu dinheiro e não o deixaria em paz se ele não
devolvesse, Bongane foi para sua casa todo aleijado e pensou se
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realmente devia deixar de vender as drogas, mas percebeu que seriam
mais problemas para ele e decidiu arranjar outra forma de ter o
dinheiro, de forma digna.

Tsakane foi a casa de Bongane no dia seguinte bateu a porta e


lançou pedras para a casa, partindo a janela do quarto de Bongane,
quando Bongane saiu Tsakane disse-lhe que aquilo não era metade do
que ele faria caso ele não devolvesse o dinheiro. Naquela noite
Bongane tentou falar com o seu pai para dar-lhe o dinheiro, mas o
mesmo negou

- Esse problema não é meu Bongane, entraste nisso sozinho


agora resolve-te! Procura um trabalho aqui na zona, vai ter com o tio
Abdul ele vai dar-te alguma coisa para fazer.

Bongane sem saber o que fazer, pensou em voltar a vender as


drogas, mas reconsiderou a oferta do seu pai e decidiu que no dia
seguinte iria falar com o tio Abdul para dar-lhe um dinheiro a troco de
um trabalho na sua oficina.

- Mfana, anina male mina, o que tenho aqui é muito pouco pá,
só podes me ajudar a limpar esses carros, vou te dar 200 só- disse o tio
Abdul

Para Bongane aquele dinheiro era muito pouco para pagar a


divida de Tsakane no prazo que ele deu, foi então quando ele decidiu
ir falar com Tsakane para que o mesmo estendesse o seu prazo
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- Pelo menos mais 2 semanas bro- disse Bongane

- Bongane já fizeste cagadas, não me stressa pá, eu quero meu


dinheiro em 1 mês ou então já sabes o acontece puto.

Bongane viu se encurralado com aquela situação então, decidiu


pedir um empréstimo na mercearia da Dona Ilda, uma vovó que o viu
crescer e gostava muito dele e ele tinha a certeza que não negaria um
favor, a vovó Ilda disse que não tinha todo o dinheiro que ele queria
mas podia dar-lhe metade então Bongane aceitou, visto que não tinha
tempo para negar ofertas por menores que fossem. Bongane pensou
em pedir aos seus ex-colegas a parte que faltava, mas tinha quase a
certeza de que seria uma perca de tempo, mas mesmo assim o fez e
para sua surpresa Kensane aceitou dar-lhe o dinheiro e disse que não
precisava devolver lhe tão já, Bongane sentiu-se aliviado e agradeceu
a seu amigo.

Passado um mês Bongane pegou no dinheiro que juntou meteu


na pasta e foi entregar a Tsakane. Naquelas 3 semanas que se passaram
Tsakane e seus amigos assaltaram a casa de Bongane 2 vezes como
forma de lembra-lhe que caso não devolvesse o dinheiro, as
consequências seriam muito graves.

Bongane cumpriu com o seu prazo para pagar a divida, voltou


a estudar numa daquelas escolas em Maxaquene porque o seu pai não
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o queria na mesma escola que o Tsakane e a sua gang, continuava a
trabalhar de manhã e ia a escola a tarde, ao fim de 3 meses devolveu o
dinheiro que a Vovó Ilda deu-lhe depois ao seu amigo Kensane.

Bongane conseguiu estudar e terminar a 12˚ classe, as vezes


tinha recaídas mas conseguia superar as dificuldades com a ajuda de
seu pai, começou a trabalhar como ajudante de Tio Abdul e as vezes
até o substituía, conseguiu fazer um curso de mecânica no instituto de
transportes e comunicações com ajuda de seu pai, passado algum
tempo abriu sua oficina ali no quintal da casa de seu pai e desta forma
tornava-se um homem digno a cada dia que passava, mesmo apesar das
adversidades da vida conseguiu superar-se e viver uma vida com
dignidade, orgulhando seu pai e todos aqueles que o ajudaram quando
ele passou por momentos de aperto, Bongane agarrou as oportunidades
que a vida o deu para melhorar e se tornar alguém melhor pois a queda
de Bongane foi na verdade um momento de aprendizado para que o
mesmo pudesse se reerguer.

Fim

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