Você está na página 1de 4

A JORNADA COMPARTILHADA DE RUBIANA

Rian Vinícius de Lima Carvalho – 22.1.3208

“Várias vezes o pessoal do pronto atendimento vinha buscar a minha tia de


madrugada para atuar na área administrativa do hospital. Eu achava muito legal o
reconhecimento que ela recebia das pessoas, por conseguir fazer a diferença na vida
delas”, disse Rubiana, respondendo a minha pergunta sobre o motivo de seguir uma
carreira profissional na área da saúde. Confesso que fiquei um pouco surpreso com a
resposta e a agitação que ela transmitia enquanto falava da intensa rotina de sua tia,
“você é maluca”, comentei brincando. Por não se dar bem com a matemática, Rubiana
conciliou química, sua matéria favorita na escola, junto com a área da saúde. Então,
Rubiana decidiu que cursaria farmácia. Durante a tarde de um sábado, enquanto
almoçávamos, tratei de explicar a forma com que a nossa conversa seria conduzida.
Rubiana se mostrava bastante ansiosa e disposta para discorrer sobre a sua experiência
inédita no ano de 2017, quando teve que sair de sua cidade natal para entrar na vida
acadêmica. O almoço nos finais de semana na casa de Rubiana são realizados no
terraço, tornando-se um hábito frequente de sua família. Cogitei realizar a nossa
conversa ali mesmo, aproveitando que sua mãe e sua avó estavam por lá e poderiam
ouvir e participar da nossa conversa. No entanto, devido aos meninos estarem brincando
de soltar pipa na rua, as cachorras de raça Yorkshire da perfilada estavam agitadas,
atrapalhando a gravação do nosso bate papo. Terminamos o almoço e fomos para a área
externa de sua casa, onde iniciamos a nossa conversa que perdurou durante toda a tarde
daquele dia de uma forma bastante descontraída.

Rubiana morava em outra cidade do local de sua faculdade e o curso de farmácia


era integral, com uma enorme carga horária de aulas. Dito isso, ficaria inviável ir e
voltar todos os dias e a alternativa lógica foi buscar por uma moradia na cidade da
universidade. Morar sozinha seria irreal para Rubiana devido as suas condições
financeiras. Logo, a solução encontrada seria ir para uma república feminina, casa
compartilhada com outras estudantes. Apesar de ser uma casa dividida com outras
pessoas, o espaço não era proporcionalmente grande pela quantidade de moradoras. De
acordo com a perfilada, a cozinha e a lavanderia ficavam no mesmo cômodo, três
quartos pequenos com duas camas cada e apenas um banheiro para seis pessoas. O
maior cômodo da república era a sala, que possuía dois sofás de tecido suede preto e
uma televisão pequena de 20 polegadas. Logo, pela república não ser uma espécie de
“casão”, a mensalidade não era tão alta, o que foi um grande fator na hora de concretizar
a mudança. Rubiana estava animada e ansiosa, afinal, seria o início de sua nova jornada
em um lar diferente, numa cidade diferente e com pessoas desconhecidas, algo nunca
experimentado antes em sua vida. Numa terça-feira na parte da manhã, Rubiana e seu
pai saíram de suas respectivas casas num Fiat-Uno, completamente tomado pelos seus
pertences rumo ao seu novo lar. Sua mãe, Magna, tinha deixado o café pronto para
Rubiana tomar antes de partir, mas a sua ansiedade gritou mais alto, ignorando de todas
as formas a existência do café. Enquanto o Fiat-Uno ia partindo, Rubiana ouvia uma voz
na direção da janela do quarto de seus pais: era sua mãe, totalmente revoltada pelo fato
de sua filha não ter tomado o café que ela tinha deixado pronto. Chegando no local,
todas as moradoras tinham ido para a universidade, com exceção de Keka, que estudava
à noite e dormia até tarde para descansar. Porém, havia um problema: o seu sono era
extremamente pesado ao ponto de não acordar para absolutamente nada. Foram
inúmeras tentativas para obter o retorno de alguém, porém sem sucesso. Rubiana até
cogitou pular o muro, idéia que foi descartada na mesma hora pelo seu pai:

- Vou acabar atrasando pro trabalho... tenta ligar para alguém, filha.

- Ninguém atende, a maioria deve estar estudando. Me dá pezinho que eu consigo pular
o muro, ele é baixo.

- Você endoidou? Tá cheio de gente na rua, vão pensar que somos ladrões tentando
invadir a casa.

Após longos minutos de espera sem nenhuma resposta, Rubiana, totalmente


desesperada com a situação em que se encontrava, foi para a universidade na tentativa
de encontrar com alguma moradora. Apesar do Campus da UFOP ser bastante extenso,
Rubiana teve a coincidência de encontrar com Tamires, uma das moradoras da república
logo na portaria. No final tudo correu bem, Tamires emprestou as chaves de casa e
Rubiana finalmente teve o acesso ao seu novo lar.

Em seus primeiros dias como universitária, Rubiana se mostrava completamente


engajada com o seu curso: chegava da faculdade no final da tarde, colocava o seu
pijama da Hello Kitty e ia para o seu quarto estudar com os inúmeros livros que vinham
acompanhados em sua mochila. Rubiana me contou que as moradoras brincavam em
relação ao seu comprometimento com a faculdade e afirmavam que ela não aguentaria
um mês sequer seguindo essa rotina. Dito e feito, com duas semanas Rubiana já tinha
abandonado o uso diário de livros. Após esse relato, perguntei de uma forma um tanto
quanto irônica:

- E você se orgulha disso, Rubiana?

- Uai, estamos no século 21! Encontramos tudo na internet.

- O seu argumento é válido, de qualquer forma.

Toda mudança necessita de uma adaptação. Esse foi um dos tópicos em que eu
abordei com a perfilada. Ao questionar sobre como foi o seu período de adaptação,
Rubiana fez uma comparação um pouco inesperada, se comparando a um camaleão.
Rubiana, rindo com a minha surpresa, explicou o motivo de sua comparação com o
animal:

- Um camaleão?

- Sim! Eu acho que eu me adapto bem fácil, procuro saber como funcionam as coisas,
converso com todo mundo.

- Pô, eu definitivamente não estava esperando por essa comparação.

Apesar de ser relativamente nova na república, Rubiana possuía pulso firme,


gostava de manter a casa em ordem, sem bagunça. Esse lado firme de Rubiana
misturado com delicadeza é um traço forte de sua pessoa, tanto que foi apelidada pelas
moradoras da casa como Docinho, personagem do desenho As Meninas Super
Poderosas. “Eu tenho cara de fofinha, porém eu sou firme, se tivesse que falar algo eu
falava, mas sempre de forma fofa. Então elas me apelidaram de Docinho”, explicou.
Aproveitando o gancho de adaptação, perguntei se já houve alguma desavença por parte
das moradoras, que foi negado pela perfilada. De acordo com a mesma, tudo se resolvia
na base do diálogo, sem aumento de voz ou algo do tipo.

Depois de anos morando no seu “novo lar” e colecionando inúmeras memórias,


chegou o dia do adeus. Rubiana finalmente concluía o seu curso e encerrava a sua
estadia na República Bem-te-vi no ano de 2023. Realizando um estágio no Hospital
Felício Rocho, em Belo Horizonte nos dias atuais, Rubiana passou novamente pela
mesma experiência de buscar uma nova casa, numa cidade diferente e com pessoas
desconhecidas, mas agora, carregando uma enorme bagagem de experiência consigo
mesmo. Mas essa nova jornada fica para uma segunda parte deste perfil, talvez.

Você também pode gostar