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Professor

Rubrica Nota

NOME DA ACADÊMICA: Syleni Flores de Moura


DISCIPLINA: Psicologia e as Varas de Família
PROFESSOR(A): Vivian de M. Lago
CURSO: Especialização em Psicologia Jurídica
DATA: 02/09/2019

1. Considere a situação abaixo:

Jeferson e Daiane são pais de Alice (atualmente com 16 anos), e estão


separados desde 2012. Daiane ficou com a guarda da filha, que visitava o pai
quinzenalmente. Em outubro de 2013 Alice teria revelado um suposto abuso
sexual praticado por seu pai, em sua casa, quando em uma das visitas de final
de semana. A menina refere que os abusos por parte do pai ocorriam desde a
separação, mas que seriam esporádicos. Ao ser questionada sobre o que seria
esse abuso, diz que não recorda bem, mas que dormia no mesmo quarto que o
pai, que tomava banho e este passava a mão em seu corpo. Sobre sua reação
diante disso, refere que sempre teve muito medo, que sabia que era errado,
mas não tinha reação. Acredita, ainda, que as situações abusivas têm relação
com a separação, que o pai pudesse ter esse tipo de atitude por vingança.
Novamente reforça a questão do pai vigiá-la muito nas redes sociais e diz que
ele a tratava diferente quando estavam a sós: “ele fazia ‘essas coisas’”. Essa
suspeita deu origem a um processo criminal, a partir do qual surgiu demanda
para avaliação psicológica, cujo objetivo é coletar dados com as partes
envolvidas a fim de prover subsídios para a tomada de decisão judicial acerca
do fato descrito.

Argumente, a partir dos dados supostamente coletados em sua perícia


(você tem liberdade para criá-los), se o caso acima configura-se ou não um
quadro de alienação e por que. Não há resposta certa ou errada, o que
será considerado para a correção do trabalho é a sua argumentação a
favor ou contra a configuração do quadro de alienação (utilize no máximo
duas páginas para sua resposta). O uso de referências para fundamentar
seu posicionamento é indicado.

Durante a realização da perícia, foram ouvidos Jeferson, Daiane e Alice.


Jeferson relata que após a separação sentiu-se muito injustiçado por Daiane ter ficado
com a guarda. Refere que a ex-esposa estaria tentando prejudicar o vínculo entre ele e a
filha, então com 9 anos. Ele diz que o relacionamento com a filha sempre fora bom,
apesar de conturbado, pois sempre foi rígido na sua criação e costumava aplicar castigos
como forma de educar Alice. Refere que o relacionamento com Daiane era complicado,
brigavam muito por causa de ciúmes e por divergências nos cuidados com Alice.
Jeferson conta que o período após a separação foi muito difícil, ficou deprimido e fez
acompanhamento psiquiátrico, durante alguns meses. Em relação ao uso de álcool e
outras substâncias, Jeferson refere que bebia socialmente em alguns finais de semana,
sempre cuidando para não “perder a linha”. Sobre as acusações de abuso, diz que em
sua casa não tinha um quarto só para Alice, mas que no seu quarto havia um espaço para
uma cama, assim como para um armário onde ela mantinha suas coisas de uso pessoal.
Diz que nunca entrou no banheiro enquanto a filha tomava banho e que jamais tocou
nela. Jeferson alega que Daiane manipula Alice e que passou esses anos todos
“plantando na cabecinha dela” uma situação que jamais aconteceu, pois sentia ciúmes
do bom relacionamento dele com a filha. Jeferson afirma que foram os comportamentos
alienadores de Daiane que afastaram a filha dele e que provavelmente Alice ficou mais
triste e retraída devido à separação.

A entrevista com Daiane, ela refere que Jeferson sempre foi um homem muito
agressivo, mas nunca chegou a agredi-la fisicamente. Depois do nascimento de Alice ele
ficou mais calmo, mas que depois que Alice entrou na escolinha passou a ser agressivo
novamente. Refere que Jeferson era muito rígido com Alice, e não raro aplicava
castigos físicos na filha. Daiane diz que sempre brigavam se ele batia em Alice, pois
não concordava com esse tipo de comportamento. Foi Daiane quem pediu o divórcio
após diversos conflitos, e ela conta que Jeferson a perseguiu durante um tempo,
tentando reatar o casamento, com promessas de mudança. Na época, Daiane ficou com a
guarda devido às alegações de castigos físicos que Jeferson aplicava em Alice. Refere
que Alice gostava de visitar o pai nos fins de semana, mas que depois de um tempo
passou a ir com cada vez menos vontade. Nos últimos anos, Alice evitava visitar o pai
em casa. Ela diz que por vezes a filha pedia para não ir, ou acumulava trabalhos de
escola para fazer na casa do pai. Notou que o comportamento de Alice mudou, ela
ficava mais tempo quieta e estava irritadiça, e diante disto, “apertou ela” para lhe contar
o que estava acontecendo. Daiane diz que quando Alice contou que o pai passava a mão
por baixo da sua roupa enquanto dormiam na mesma cama, decidiu tomar uma atitude.

Na entrevista com Alice, ela se apresenta tímida e é difícil desenvolver o


vínculo. Ela fala pouco e diz sempre estar cansada dessa história. Conta que sempre
gostou muito do pai, mas que ele era muito bravo e batia nela por bobagem, como por
exemplo, derramar algo no chão ou deixar algum brinquedo fora do lugar. Em
compensação a mãe era mais liberal e tinha mais paciência com ela. Refere que o pai
implicava com todos os amiguinhos que ela fazia na escola e acredita que o pai sentia
ciúmes dela. Apesar disso, ela conta que eles se divertiam bastante juntos, jogavam bola
e videogame e costumavam assistir filmes. Alice conta que sabia que os pais brigavam,
mas que evitavam fazê-lo na sua frente. Conta que ficou muito triste com a separação,
mas que preferiu ficar com a mãe, pois era “mais tranquila”. Diz que não gostava de
dormir no mesmo quarto que o pai, ainda mais porque estava crescendo e queria um
espaço só para ela. Alice refere que o pai pedia que ela dormisse com ele na cama e que
às vezes sentia que ele a acariciava. Diz que fingia estar dormindo porque não sabia o
que fazer. Alice conta que tinha medo de fazer alguma coisa e o pai machucá-la. Ela
conta que a porta do banheiro da casa do pai não fechava direito e que, por vezes, ele
abria a porta enquanto ela estava tomando banho. Alice fica inquieta ao relatar esses
fatos. Sobre as redes sociais, Alice diz que Jeferson não permite que ela o bloqueie e
que ele tinha o hábito de pegar seu celular para ler as conversas da filha com outras
pessoas sob a alegação de estar a protegendo, mas que ao ver algo que o desagrada ele
briga com ela e tem comportamentos agressivos. Depois disso, Alice cuida para apagar
as conversas e o histórico de navegação.

Diante das falas dos entrevistados, é possível identificar elementos que


comprovam o abuso sexual. A partir de de uma análise de todas as provas, não apenas a
perícia psicológica, no caso da confirmação é importante que o agressor seja punido e
que a vítima tenha um acompanhamento psicológico e de outras áreas, que assegurem
seu bem-estar. O abuso sexual não se limita apenas à penetração, mas também envolve a
manipulação de órgãos e o voyeurismo, ou seja, interações sexuais que muitas vezes
essa interação é imposta através de ameaças e coação (HABIGZANG; KOLLER;
AZEVEDO; MACHADO, 2005). Neste caso, em que sugere-se a ocorrência de abuso
sexual incestuoso, é possível identificar alguns dos fatores de riscos que Habigzang,
Koller, Azevedo e Machado identificam em seu trabalho, como: papeis sexuais rígidos,
falta de comunicação entre os membros da família (dificuldade de decidir a educação),
autoritarismo (imposição dos métodos corretivos) e a própria separação do cônjuge
(HABIGZANG; KOLLER; AZEVEDO; MACHADO, 2005).
Nos casos em que a vítima possui uma boa rede de apoio, a literatura traz que o
desenvolvimento das estratégias de enfrentamento é mais efetivo e que um suporte
familiar adequado pode ter influência na sintomatologia apresentada pela criança
(ROVINSKI; PELISOLI, 2019; HABIGZANG; KOLLER; AZEVEDO; MACHADO,
2005). No caso de Alice, se compreendermos que Daiane foi receptiva e empática com a
revelação do abuso, é possível dizer que a menina desenvolveu mais comportamentos
internalizantes, como humor deprimido e ansiedade, os quais podem ser confundidos
com as mudanças normais do desenvolvimento, e não diretamente relacionados à
situação de abuso sexual. Em uma pesquisa, Gava, Silva e Dell’Aglio (2013)
identificaram que sintomas depressivos, medo ou pânico e irritabilidade, sintomas
identificados em Alice, foram encontrados em uma prevalência relevante entre crianças
e adolescentes vítimas de abuso sexual. Essas características, somadas ao relato de
Alice, corroboram um indicativo de abuso, que supera a denúncia de alienação parental.
Habigzang, Koller, Azevedo e Machado (2005) afirmam que o depoimento da vítima é,
muitas vezes, a principal forma de comprovação do abuso, pois nem sempre a
comprovação se dará através de exames médicos, como nos casos como o de Alice, em
que não há penetração. Dessa forma, a configuração de alienação parental não se
confirma, pois se a violência foi cometida, o possível afastamento de Alice do pai é uma
medida de proteção à adolescente.

REFERÊNCIAS:

GAVA, L. L.; SILVA, D. G.; DELL’AGLIO, D. D. Sintomas e quadros


psicopatológicos Identificados nas Perícias em Situação de Abuso Infanto Juvenil.
Psico. Porto Alegre, vol. 44, n. 2, p. 235-244, 2013.
HABIGZANG, L.F; KOLLER, S. H.; AZEVEDO, G. A.; MACHADO, P. X.
Abuso Sexual Infantil e Dinâmica Familiar: Aspectos Observados em Processos
Jurídicos. Psicologia: teoria e pesquisa. Brasília. Vol. 21, n. 3, p. 341-348, 2005.
ROVINSKI, S. L. R.; PELISOLI, C. L. Violência Sexual Contra Crianças e
Adolescentes. Vetor. São Paulo, 2019.

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