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O CASO JULIE

O texto traz um caso de esquizofrenia de uma menina chamada Julie, internada em um


manicômio desde os 17 anos de idade. Sua história com a psiquiatria começou aos 17,
quando foi levada pelos pais com a queixa de comportamentos e falas desconexos da
realidade. Julie não era uma adolescente feliz. Diante da sua condição psíquica, ela se
esforçava para se tornar uma pessoa “normal”, sentia-se irreal e que havia uma
barreira invisível entre ela e os outros. Haviam muitas questões com a sua mãe, esta,
sempre lhe sufocou, não queria deixa-la viver e jamais a desejara, porém, por outro
lado, sua mãe insistia em que tivesse mais amigos, fosse a festas, vestisse roupas
bonitas, o que faz parecer as acusações absurdas. Contudo, sua declaração psicótica
fundamental era que “uma criança foi assassinada”. Mostrava-se vaga quanto a
detalhes, mas dizia ter ouvido isso pela voz do seu irmão (ela não tinha irmãos). Diante
de tudo que foi visto no decorrer do livro, as características de Julie nos tornam
familiar às páginas anteriores, e a partir da continuação da leitura poderemos
examinar a natureza da psicose deste caso.

Nesse caso em especial, houveram algumas entrevistas com o núcleo familiar de Julie,
o pai, a mãe, a irmã e a tia. Todos relataram algumas fases marcantes dela e as
classificaram como fase 1: menina boa, normal, até que gradualmente chegou na fase
2: a ser má, até que isso passou dos limites e ela chegou na fase 3: a ser louca.

O significado de boa, má e louca é subjetivo, mas ali se tratava da perspectiva da sua


família.

FASE 1: CRIANÇA BOA E NORMAL


Julie jamais foi uma criança exigente, sempre fazia o que lhe era mandado. Nunca
chorava para mamar quando bebê, nunca terminava uma mamadeira, estava sempre
“satisfeita”. Eis a descrição de uma criança cujo apetite oral nunca houve expressão.
Em vez de uma sadia e vigorosa expressão do instinto por meio de gritos, mamar
energético, esvaziar da mamadeira, seguidos de sono satisfeito do bebê saciado,
agitava-se continuamente, mas quando lhe apresentavam a mamadeira mamava sem
entusiasmo, nunca se satisfazia.
Um dos aspectos mais relevantes da exposição é que não só obtemos o quadro de
uma criança que, embora fisicamente viva, não está nascendo existencialmente,
como também a mãe não compreende a situação e continua a rejubilar-se com a
lembrança dos aspectos mais mortos do comportamento do bebê.
A mãe relata que Julie foi desmamada “sem problemas”, É na alimentação que o
bebê começa a viver ativamente com outra pessoa. A época do desmame, a criança
já deve ter desenvolvido algum sentido de si mesma como um ser dos seus próprios
direitos, de autonomia.

FASE 2: A MÁ

A partir dos 15 anos seu comportamento mudou de boa para má. A irmã de Julie, três
anos mais velha, era uma mulher casada, franca e decidida, mas não desprovida de
feminilidade e encanto. Segundo a mãe, fora uma criança “difícil” desde o nascimento:
exigente e sempre “um problema”. Em suma, parece ter sido uma criança
relativamente “normal”, a quem a mãe nunca aprovou de todo. Mas pareciam
entender-se razoavelmente bem. A irmã considerava a mãe uma pessoa dominadora,
caso não se resistisse a ela. Mas “fez tudo por Julie, e Julie foi sempre a sua predileta”.
Era bem claro que a irmã conseguira desde cedo um status autônomo.

Julie e a mãe eram ambas, nessa época, pessoas desesperadas. Em sua psicose Julie
chamava a si mesma $ra. Taylor. Que significa isso? Significa “Sou feita sob medida”
(taylor — alfaiate). Tais declarações são psicóticas, não porque talvez não sejam
“verdadeiras”, mas por serem enigmáticas. Com freqüência é impossível sondá-las sem
que o paciente as interprete. Contudo, mesmo como declarações psicóticas, parecem
um ponto de vista muito válido e proporcionar uma súmula das censuras que ela fazia
à mãe quando estava com quinze e dezesseis anos. Essa “reclamação” era a sua
“maldade”.
Segundo pensa o autor, o fator mais esquizofrenogênico dessa época não foi
simplesmente o ataque de Julie à mãe, ou mesmo o contra-ataque desta, e sim a
completa ausência de alguém no seu mundo que pudesse ou quisesse ver algum
sentido no seu ponto de vista, estivesse certo ou errado.

FASE 3: LOUCA
A acusação básica de Julie era que a mãe estava tentando matá-la. Quando estava com
dezessete anos ocorreu um incidente que deve ter constituído a causa eficaz da
transição de boa para má.
Até aos dezessete anos Julie tivera uma boneca. Era uma boneca que vinha da primeira
infância; vestia-a, brincava com ela no quarto, ninguém sabia exatamente de que
modo. Era um ponto secreto em sua vida. Chamava-a de Julie Doll. A mãe começou a
mostrar-se cada vez mais insistente no sentido de que ela renunciasse à boneca, pois
já era uma menina crescida. Um dia a boneca desapareceu. Nunca se soube se Julie a
jogou fora, ou se a mãe a havia escondido. Julie acusou a mãe. A mãe negou ter pego
na boneca, dizendo que ela devia tê-la perdido. Pouco depois, uma voz disse a Julie
que uma criança usando suas roupas fora espancada e reduzida a uma massa informe
pela mãe, e pretendeu ir à polícia para dar parte do crime. Mencionei que ou Julie ou a
mãe fizeram desaparecer a boneca, pois parece altamente provável que a essa altura
dos acontecimentos “mãe”, para Julie, já fosse mais um arquétipo destruidor que sua
verdadeira mãe na vida real. Quando Julie disse que a “mãe” matara a boneca é bem
possível que “ela” o tenha feito, isto é, a mãe interior. Seja como for, na verdade a
ação foi catastrófica, pois Julie evidentemente identificava-se de perto com a boneca.
Quando brincava, a boneca era ela própria e ela, a mãe. É possível que no decurso das
brincadeiras fosse se tornando cada vez mais a mãe malvada que terminou por matar
a filha. Veremos mais tarde que na sua psicose a mãe “malvada” agia e falava com
freqüência por seu intermédio. Se a boneca tivesse sido destruída pela mãe verdadeira
e esta o tivesse confessado talvez o acontecimento fosse menos catastrófico. Os
fragmentos de sanidade, nesse estágio, dependiam da possibilidade de conseguir
encaixar algum mal na mãe verdadeira. A impossibilidade de fazê-lo de maneira sadia
foi um dos fatores que contribuíram para uma psicose esquizofrênica.

Um dos primeiros conceitos apresentados por Laing no inicio de seus estudos sobre a
psicose é o conceito da Insegurança Ontológica. A Insegurança Ontológica para Laing
seria uma experiência irreal ou uma sensação de não estar vivo, o que conduziria o
sujeito a uma preocupação central em sua auto-preservação (ao invés de uma
preocupação com a auto-gratificação). Foi a partir desse conceito que o autor
introduziu o termo “o eu-dividido”, se referindo à percepção fragmentada que o
sujeito psicótico tem de si. Nessa percepção, o sujeito se questiona quanto à sua
existência, à sua essência e à sua identidade.
A ideia do livro então é poder mostrar o processo de “enlouquecimento” do psicótico
através de uma linguagem simples e clara para o entendimento de qualquer um que
não necessariamente saiba alguma coisa da área.

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