Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Nesse caso em especial, houveram algumas entrevistas com o núcleo familiar de Julie,
o pai, a mãe, a irmã e a tia. Todos relataram algumas fases marcantes dela e as
classificaram como fase 1: menina boa, normal, até que gradualmente chegou na fase
2: a ser má, até que isso passou dos limites e ela chegou na fase 3: a ser louca.
FASE 2: A MÁ
A partir dos 15 anos seu comportamento mudou de boa para má. A irmã de Julie, três
anos mais velha, era uma mulher casada, franca e decidida, mas não desprovida de
feminilidade e encanto. Segundo a mãe, fora uma criança “difícil” desde o nascimento:
exigente e sempre “um problema”. Em suma, parece ter sido uma criança
relativamente “normal”, a quem a mãe nunca aprovou de todo. Mas pareciam
entender-se razoavelmente bem. A irmã considerava a mãe uma pessoa dominadora,
caso não se resistisse a ela. Mas “fez tudo por Julie, e Julie foi sempre a sua predileta”.
Era bem claro que a irmã conseguira desde cedo um status autônomo.
Julie e a mãe eram ambas, nessa época, pessoas desesperadas. Em sua psicose Julie
chamava a si mesma $ra. Taylor. Que significa isso? Significa “Sou feita sob medida”
(taylor — alfaiate). Tais declarações são psicóticas, não porque talvez não sejam
“verdadeiras”, mas por serem enigmáticas. Com freqüência é impossível sondá-las sem
que o paciente as interprete. Contudo, mesmo como declarações psicóticas, parecem
um ponto de vista muito válido e proporcionar uma súmula das censuras que ela fazia
à mãe quando estava com quinze e dezesseis anos. Essa “reclamação” era a sua
“maldade”.
Segundo pensa o autor, o fator mais esquizofrenogênico dessa época não foi
simplesmente o ataque de Julie à mãe, ou mesmo o contra-ataque desta, e sim a
completa ausência de alguém no seu mundo que pudesse ou quisesse ver algum
sentido no seu ponto de vista, estivesse certo ou errado.
FASE 3: LOUCA
A acusação básica de Julie era que a mãe estava tentando matá-la. Quando estava com
dezessete anos ocorreu um incidente que deve ter constituído a causa eficaz da
transição de boa para má.
Até aos dezessete anos Julie tivera uma boneca. Era uma boneca que vinha da primeira
infância; vestia-a, brincava com ela no quarto, ninguém sabia exatamente de que
modo. Era um ponto secreto em sua vida. Chamava-a de Julie Doll. A mãe começou a
mostrar-se cada vez mais insistente no sentido de que ela renunciasse à boneca, pois
já era uma menina crescida. Um dia a boneca desapareceu. Nunca se soube se Julie a
jogou fora, ou se a mãe a havia escondido. Julie acusou a mãe. A mãe negou ter pego
na boneca, dizendo que ela devia tê-la perdido. Pouco depois, uma voz disse a Julie
que uma criança usando suas roupas fora espancada e reduzida a uma massa informe
pela mãe, e pretendeu ir à polícia para dar parte do crime. Mencionei que ou Julie ou a
mãe fizeram desaparecer a boneca, pois parece altamente provável que a essa altura
dos acontecimentos “mãe”, para Julie, já fosse mais um arquétipo destruidor que sua
verdadeira mãe na vida real. Quando Julie disse que a “mãe” matara a boneca é bem
possível que “ela” o tenha feito, isto é, a mãe interior. Seja como for, na verdade a
ação foi catastrófica, pois Julie evidentemente identificava-se de perto com a boneca.
Quando brincava, a boneca era ela própria e ela, a mãe. É possível que no decurso das
brincadeiras fosse se tornando cada vez mais a mãe malvada que terminou por matar
a filha. Veremos mais tarde que na sua psicose a mãe “malvada” agia e falava com
freqüência por seu intermédio. Se a boneca tivesse sido destruída pela mãe verdadeira
e esta o tivesse confessado talvez o acontecimento fosse menos catastrófico. Os
fragmentos de sanidade, nesse estágio, dependiam da possibilidade de conseguir
encaixar algum mal na mãe verdadeira. A impossibilidade de fazê-lo de maneira sadia
foi um dos fatores que contribuíram para uma psicose esquizofrênica.
Um dos primeiros conceitos apresentados por Laing no inicio de seus estudos sobre a
psicose é o conceito da Insegurança Ontológica. A Insegurança Ontológica para Laing
seria uma experiência irreal ou uma sensação de não estar vivo, o que conduziria o
sujeito a uma preocupação central em sua auto-preservação (ao invés de uma
preocupação com a auto-gratificação). Foi a partir desse conceito que o autor
introduziu o termo “o eu-dividido”, se referindo à percepção fragmentada que o
sujeito psicótico tem de si. Nessa percepção, o sujeito se questiona quanto à sua
existência, à sua essência e à sua identidade.
A ideia do livro então é poder mostrar o processo de “enlouquecimento” do psicótico
através de uma linguagem simples e clara para o entendimento de qualquer um que
não necessariamente saiba alguma coisa da área.