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SANDERSON, Christiane, ABUSO SEXUAL EM CRIANÇAS –

Fortalecendo Pais e Professores para proteger crianças de abusos


sexuais. M.Books do Brasil Editora, São Paulo, 2005

Capítulo 7

Sinais e Sintomas de Abuso Sexual em Crianças

Olhando para trás, sou capaz de ver que todos os sinais [de ASC: Abuso
Sexual em Crianças] estavam ali, apenas não podia vê-los. Se ao menos
eu tivesse tido a chance de perceber o que meu filho estava tentando me
mostrar, teria impedido aquilo antes... e ele ainda estaria vivo.
Mãe de uma criança vítima de abuso sexial que cometeu suicídio

D
epois de observar o impacto do ACS sobre crianças a atenção agora será concentrada em como pais,
professores e outras pessoas podem saber se uma criança está sendo ou foi abusada sexualmente.
Nem todas as crianças são capazes de revelar o abuso por temerem as consequências, mas podem
encontrar múltiplas maneiras de comunicar seus medos e ansiedades aos adultos. Esse meios, de tão
sutis, podem passar despercebidos ou serem muito evidentes e, ainda assim ignorados.
Como já vimos antres, o impacto do ASC, tal como a série de sintomas, pode variar imensamente entre as
crianças. Embora existam muitos sintomas em comum, há também muitas diferenças. A dificuldade para os pais,
professores e profissionais que cuidam de crianças é saber quais sinais e sintomas procurar a fim de agir de
modo adequado e proteger a criança. Como existe uma ampla variedade de sinais, é preciso cuidado para não
aplicar uma abordagem de “conferir a listinha de compras” às manifestações de ASC ou para não considerar que
a presença de um sintoma indique necessariamente que a criança foi vítima de abuso sexual.
Pais e professores devem estar atentos para não elaborar nehuma hipótese quanto à possibilidade de
abuso sexual com base na presença de um único sintoma. Muitos dos sinais e sintomas individuais podem indicar
outros problemas que a criança esteja eventualmente enfrentando. É essencial observar tanto a criança quanto a
constelação de sinais e símbolos indicativos do ASC. É preciso contextualizar a situação conhecendo a criança,
sua família e seu mundo social, assim como os sinais e sintomas observados.
Para proteger as crianças de modo adequado, precisamos evitar julgamentos precipitados da ocorrência do
abuso, uma vez que um diagnóstico errado ou prematuro pode causar trauma desnecessário tanto na criança
quanto na família. Desse modo, devemos estar também conscientes de que as crianças podem fazer de tudo para
negar que estão sendo abusadas, mesmo quando isso chama a atenção dos outros. É preciso um equilibrio
delicado entre estar consciente da série de sinais e sintomas, da observação sensível e das tentativas de se
comunicar com a criana para realmente concluir se ela está sendo abusada ou não.
Uma comunicação menos direta pode ser observada em crianças mais jovens, com menos de 5 anos, que
são incapazes de verbalizar a experiência, especialmente se elas são treinadas para acreditar que o contato
sexual é uma parte normal de seu mundo e de sua experiência social. Crianças mais velhas, de até 12 anos,
também podem achar difícil comunicar diretamente suas experiências de ASC, assim, procuram maneiras
indiretas de fazê-lo. Embora os adolescentes tenham habilidades verbais mais sofisticadas, também podem
considerar, até certo ponto, difícil revelar diretamente o ASC por causa do constrangimento de estar envolvido
com abuso sexual.

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Em um primeiro momento, este capítulo examinará os efeitos do ASC que causam uma variedade de sinais e
sintomas na criança. Ainda que um único sintoma individual não indique ASC, mudanças no comportamento da
criança que apresente vários sinais preocupantes combinados podem ser motivo de preocupação. Os efeitos
observados do ASC podem ser agrupados nas seguintes categorias:

1. Efeitos emocionais;
2. Efeitos intepessoais;
3. Efeitos comportamentais;
4. Efeitos cognitivos;
5. Efeitos físicos;
6. Efeitos sexuais.
Cada uma dessas categorias será discutida, considerando alguns dos sinais ou sintomas que a criança pode
apresentar e o que eles representam. Pais e professores precisam estar conscientes desses sinais, visto que,
frequentemente, as crianças mais mostram do que contam para os adultos que alguma coisa as está
perturbando. Esse é um fato importante no caso do ASC, porque tanto pode ocorrer de o abusador silenciar a
criança por meio de ameaças quanto ela pode estar apavorada demais para dizer ou sentir-se constrangida ou
culpada para revelar o abuso.
De acordo com o Stop it Now! UK and Ireland (2002), os fatos mais preocupantes a que se deve atentar são
as mudanças no comportamento, especialmente as listada no quadro a seguir.

Observar se a criança
 Tem comportamento sexual inadequado com brinquedos e objetos;
 Tem pesadelos e distúrbios do sono;
 Torna-se isolada e retraída;
 Passa por mudanças de personalidade, sente-se insegura;
 Retoma comportamentos de quando tinha menos idade, como por exemplo, fazer xixi na cama;
 Tem medos inexplicáveis de lugares e pessoas em particular;
 Tem ataques de raiva;
 Apresenta mudanças nos hábitos alimentares;
 Apresenta sinais físicos, como dor e feridas sem explicação nos genitais, ou DSTs;
 Torna-se cheia de segredos;
 Recebe presentes e dinheiro sem motivo.

Embora esses não sejam os sinais mais comuns associados ao ASC, as crianças são capazes de mostrar
aos pais e professores uma larga variedade de impactos, cada um com um significado específico. Explorando
esses efeitos, pais e professores serão capazes de entender o que a criança está tentando mostrar por meio
dessea comunicação. Esse conhecimento permite que pais e professores tomem a atitude apropriada para
proteger a criança.

Efeitos emocionais
O impacto do ASC pode produzir uma série de efeitos emocionais (veja quadro a seguir). O mais comum é a
vergonha. A vergonha tem uma função em todas as culturas, pois assegura que o indivíduo cumpra as normas
sociais de comportamento. Geralmente as crianças aprendem que suas partes íntimas são algo para ser escondido
e que devem se sentir nvergonhadas quando as mostram ou quando brincam com elas em público. Dessa forma,
quando a criança é coagida a uma atividade sexual que envolva essas partes do corpo, pode se sentir envergonhada
com o que está fazendo. A sensação de vergonha também é incitada pelo sigilo do ASC e pelo caráter furtivo que
pode envolver os encontros sexuais. A criança sentirá essa pressão porque, se é um segredo, deve haver algo de
vergonhoso a respeito da atividade – apesar das garantias em contrário do abusador.

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Resumo dos sinais emocionias do ASC
 Vergonha, humilhação, repulsa, ódio e desrespeito por si mesma, timidez;
 Culpa, contrangimento;
 Medo, ansiedade;
 Confusão;
 Falta de poder, impotência;
 Dúvidas sobre si mesma, falta de confiança e iniciativa;
 Inferioridade, sensação de falta de valor, inadequação;
 Raiva, hostilidade;
 Congelamento.

A criança cujo corpo responde ao contato sexual com prazer ou orgasmo pode se sentir duplamente
envergonhada com a resposta de seu corpo. Isso, em particular, é verdade para crianças mais velhas que,
provavelmente, sabem que o ASC é errado e, ainda assim, sentem algum prazer com os atos sexuais. A
vergonha pode ser um fator poderoso para esconder o abuso sexual, uma vez que a criança sente vergonha do
corpo, de si mesma e dos próprios sentimentos. Esse fato pode levar a uma percepção fragmentada do eu, a
uma diminuição da auto-estima e uma imagem do corpo extremamente precária.
Vergonha está relacionada com uma grande variedade de emoções, que são desencadeadas pela
experiência da vergonha. Mais frequentemente, a vergonha evoca a ansiedade em relação a si mesma, à
sobrevivência e aos outros. A esses sentimentos somam-se ainda outros, como timidez, impotência,
desamparo, inferioridade, falta de valor próprio e aversão por si mesma. E todos esses induzem a mais
humilhação, desgosto, perplexidade e confusão, especialmente porque a criança não entende nada e, também,
por se culpar e sentir raiva de si mesma por ser incapaz de fazer algo em relação ao abuso. A criança passa a
generalizar essa falta de confiança, duvida e desconfia de si mesma e dos outros.
Uma profunda sensação de inadequação e de ausência de iniciativa acompanha essa falta de confiança. A
criança se sente tão sem poder interna e externamente que é incapaz de desenvolver um senso de auto-
eficácia e competência. Ela se sente inútil, patética e estúpida, considera-se incapaz de controlar tanto o
mundo externo quanto seu caótico mundo interior e, assim, sofre um enorme impacto em sua habilidade de
equilibrar as emoções. Ou ela não sente nada (como resultado da dissociação) ou se sente tão inundada pela
intensidade das emoções que passa a temer a combustão interna.
As emoções das crianças ficam muito polarizadas e elas não podem controlar o que estão sentindo, pois
oscilam entre esses dois pontos. Uma consequência do fato de setem incapazes de controlar as emoções é o
insucesso em tentarem se acalmar e se reconfortar. A falta de confiança nos outros, decorrente do ASC, faz
com que elas evitem procurar conforto e tranquilidade com os adultos. A criança fica assustadfa demais para
expressar sua ansiedade e suas necessidades emocionais para os outros por medo de ficar exposta e de
sofrer mais abuso, o que resulta em um turbilhão emocional no qual os sentimentos não podem ser
expressos nem contidos.
O medo é um outro sintoma principal do ASC. Ainda que a criança inicialmente não tema o abuso, ela
temerá a revelação do segredo e suas consequências. Uma criança pequena teme as reações dos pais diante
da descoberta do abuso e teme igualmente a perda da relação “especial” que mantém com o abusador. Nos
casos me que o ASC é acompanhado de violência, as crianças teme pela sua vida tanto por não concordarem
com o abuso quanto por revelarem o segredo.
Crianças com menos de 5 anos, incapazes de verbalizar, manifestam seu temor de vários modos – elas
sentem medo na hora de trocar a fralda ou na presença de determinada pessoa (geralmente o abusador) e, em
certas situações, temem ficar sozinhas em casa com uma certa babá ou ao receber visitas. Em alguns casos, a
criança pode desenvolver fortes reações de fobia a coisas associadas ao abuso sexual. Às vezes, o medo é
indiscriminado e a criança, em geral, se apavora em qualquer situação ou em qualquer encontro com adultos
ou crianças mais velhas. Essas crianças podem desenvolver comportamentos obssessivo-compulsivos para
estabelecer uma sensação de controle em resposta a um mundo interno caótico e fora de controle.
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A criança pode parecer tensa, nervosa e ansiosa, reagindo com respostas com alto nível de temor,
constantemente atenta aos outros, procurando reafirmação e aprovação. Ela parece vulnerável e mostra um
alto grau de dependência, carência generalizada e falta de autonomia. Um sinal freqüente é a “frieza”, a
criança parece apática em sua cautela, sem nenhuma espontaneidade, mais como uma observadora do que
uma participante. Essas crianças raramente mostram alegria ou vivacidade. Mostram-se assustadas e ocas,
quase mortas por dentro. De fato, parecem traumatizadas.
As crianças sexualmente abusadas também podem experimentar um profundo sentimento de mágoa e
raiva. A criança que internaliza suas respostas ao ASC apresentará sinais de recolhimento, depressão, tristeza
e autoculpa. A criança externaliza sua mágoa e raiva com ataques, hostilidade, violência e raiva e culpa os
outros. Seja qual for o modo como responde emocionalmente, a origem dessa resposta é um turbilhão interno
de vergonha, ansiedade, medo e confusão.

Efeitos intepessoais
Os efeitos interpessoais do ASC nas crianças se concentram em como elas se relacionam com os outros e
na qualidade de seus relacionamentos (veja quadro a seguir). A criança que se sente profundamente
envergonhada pode evitar a intimidade nos relacionamentos por causa da necessidade de encobrir ou negar o
sentimento de vergonha. O medo da exposição é tão grande que ela talvez venha a evitar a intimidade com
membros da família e com amigos pelo temos de que o segredo escape inadvertidamente. O medo dessa
possibilidade e o sentimento de vergonha que o acompanha são tão intensos que a criança evita proximidade
ou intimidade para proteger esse segredo. Ela pode se retrair a tal ponto para conseguir seu intento que se
torna quase invisível. O ato de esconder-se e de evitar cronicamente a proximidade resulta em uma criança
sem vontade de ser afagada, que evita o contato visual, tenta esconder o rosto e oculta o corpo sob várias
camadas de roupa.

Resumo dos sinais interpessoais do ASC

 Medo da intimidade; evita proximidade/abraço/afago/carícias com os outros;


 Erotização da proximidade, ódio, hostilidade;
 Falta de confiança em si mesma e nos outros, cautelosa;
 Necessidade de se esconder, ocultar-se, timidez;
 Solidão, isolamento, alienação;
 Redução das habilidades de comunicação;
 Inibição, falta de espontaneidade e de iniciativa;
 Confusão de papéis – criança/pseudo adulto;
 Superdócil, supersensibilidade às necessidades e atitudes dos outros;
 Auto-suficiência;
 Hostilidade e agressividade com os outros

Na verdade, a criança quer apenas desaparecer para evitar contato com os outros. Ela é inibida em
relação a si mesma, à sua idade e ao seu corpo. O medo de ser segurada no colo ou afagada dificulta para ela
qualquer tipo de ligação. Ela pode parecer cronicamente tímida em situações sociais, em especial com
adultos, não só para não atrair a atenção apenas para si mesma entre eles como também entre outras
crianças. Agir assim só faz com que se sinta cada vez mais solitária, isolada e alienada dos outros. Ela
também pode evitar situações em que seu corpo se torne o foco da atenção, como nos esportes, na natação
ou em atividades físicas que envolvam despir-se ou trocar-se na frente dos outros.
A criança sexualmente abusada não possui muitas habilidades apropriadas e desenvolvidas de
comunicação e pode apresentar riso, conversa e espontaneidade reduzidos, silencio, pouca curiosidade e falta
de interesse e exploração. É desconfiada em relação aos outros e parece extremamente cautelosa com
qualquer interação pessoal. A falta de espontaneidade e de iniciativa da criança é demonstrada na aceitação
passiva de qualquer instrução dada por um adulto, o que a torna ainda mais vulnerável a abusos sexuais.
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Algumas crianças estão sempre atentas ou se mostram hipervigilantes me relação aos outros. Com
essa atitude, estão constantemente buscando as respostas dos adultos e tentando antecipar-se a elas. É uma
estratégia de autoproteção em que a criança se mantém um passo à frente ao monitorar respostas, perigos
potenciais, antecipando o que o adulto vai fazer depois. É uma forma de autopreparação, e ela acaba, assim,
se armando ou se preparando para o próximo episódio de assédio sexual. Caso a criança preveja o que vai
acontecer, ela pode ser capaz de evitar o abuso por meio de técnicas de distração ou de estimular a si mesma
para o abuso. Algumas crianças ficam em um contante estado de “prontidão” ou alerta, ativando as respostas
primitivas de lutar, fugir ou paralisar.
O ASC distorce o sentimento de identidade da criança e causa confusão de papéis. Por outro lado, ela
é encorajada a agir sexualmente com os adultos, apesar de ainda ser uma criança. Uma criança que está
sendo sexualmente abusada e ainda é tratada como criança fora da situação do abuso sexual torna-se
confusa sobre como deve se relacionar com os outros, especialmente com os pais e demais adultos. Essas
crianças apresentam uma “pseudomaturidade”, que as fazem parecer sensatas, responsáveis demais para
sua idade, e desempenham papéis semi-adultos. Podem revezar papéis de adultos e infantis ao setem
protegidas pelos pais ou agirem como superprotetoras de outras crianças mais novas, especialmente irmãos
menores. Elas quase se tornam a “mamãezinha” ou o “homem da casa”. São supersensíveis às necessidades
e humores dos outros em detrimento das próprias necessidades. Essas crianças parecem muito auto-
suficientes, o que mascara suas próprias necessidades desesperadas.
Uma criança sexualmente abusada sente pavor de mostrar sua vulnerabilidade e suas necessidades
caso essas sejam exploradas mais tarde. O abusador traiu a necessidade da criança de amor e afeto, ela não
pode mostrar sua vulnerabilidade ou carência, pois isso pode levá-la a um abuso sexual posterior. Essas
crianças também se tornam dóceis demais e são muito “úteis” aos outros, especialmente parentes e
professores, para conseguir aprovação externa e a comprovação de que são “boas”, enquanto internamente
se sentem “más”.
A criança que externaliza suas respostas ao ASC evita a proximidade e a intimidade com os outros por
meio de mostras de hostilidade, acessos explosivos de raiva e agressividade. Não se trata apenas de um
modo de exercer poder, domínio e controle, é também uma forma de se manter alheia ao contato com os
outros, que a mantém segura em relação ao não expor o segredo e a nunca experimentar a sensação de
impotência que sente como resultado de abuso sexual. Essas crianças parecem controladoras, altamente
arrogantes e corretivas para com os outros. Tudo isso é planejado inconscientemente para colocar uma
barreira entre elas e as demais pessoas, evitando, dessa maneira, seu contato com todo o resto.
Estar em contato demonstra a vulnerabilidade, a carência e o sentimento de impotência da criança.
Ela teme que sua vulnerabilidade seja exposta ou que seja dominada e precisa se defender contra isso. Em
outras palavras, o melhor modo de defesa se torna o ataque. Um efeito extremamente potencial do ASC é a
erotização da raiva e da proximidade, o que impede a criança de estar perto demais, uma vez que ela teme
qualquer intimidade. Sentimentos de raiva e hostilidade também podem se tornar erotizados, especialmente
se a raiva e a violência acompanharem o abuso sexual.

Efeitos comportamentais
Muitas crianças que têm sido abusadas sexualmente tentam comunicar suas experiências por meio
do comportamento. Contudo, devemos ser cuidadosos para não considerar que, apenas por apresentar
um dos sintomas comportamentais listados (veja quadro abaixo), a criança esteja sendo sexualmente
abusada. Um veículo universal de comunicação infantil é a brincadeira. Brincar é um modo natural e
criativo pelo qual a criança obtém significado a partir da sua experiência e dá sentido ao mundo. Brincar
é um modo de adotar diferentes papéis e experimentar como é ser um personagem em particular. Brincar
também é um modo de a criança reencenar a própria experiência, compreendê-la e obter uma sensação
de domínio. Brincar ainda pode ser uma expressão purificadora e um alívio para a perturbação, a
confusão e as ansiedades internas. Além disso, brincar pode revelar muito sobre o mundo interno e as
experiências de uma criança sexualmente abusada.

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A criança pode reencenar seu abuso sexual por meio de uma brincadeira tanto com outras pessoas
quanto com brinquedos. Enquanto brinca de “mamãe e papai” ou de “médico”, ela pode encenar o abuso
sexual. Cenas da criança sendo violentada podem ser revividas, inclusive atos sexuais sofridos pela criança ou
aqueles que ela teve de praticar no abusador. Nesses jogos, a criança sexualmente abusada pode dirigir a
atuação de outras crianças nesses papéis. Ao brincar de “médico”, ela pode concentrar seus exames nos
órgãos genitais da outra criança, o que reflete o interesse no abusador em relação à sua genitália. A inserção
da medicação e objetos na vagina e no ânus como parte do procedimento médico pode representar o que
realmente ocorreu durante o abuso sexual.
Muito nesse jogo é de natureza sexual e bem diferente da exploração sexual mútua e consensual
encontrada em crianças que não foram sexualmente exploradas. A maioria das crianças apenas participa
esporádica e espontaneamente de explorações sexuais. A criança abusada sexualmente sempre vai querer
trazer elementos sexuais para a brincadeira, tornando-a repetitiva e obssessiva. Em geral, essa criança
brinca de modo muito sério e não demontra a alegria que a maioria das crianças exibe quando participa de
explorações sexuais consensuais. As brincadeiras sexuais podem parecer planejadas, premeditadas e
controladas pela criança, que quase sempre não quer se desviar da seqüência dos eventos – o que indica a
necessidade da repetição do trauma para ganhar uma sensação de domínio sobre ele.
Quando brinca sozinha, a criança pode encenar o ASC com seus brinquedos, bonecas ou bichos de
pelúcia. Nessa brincadeira, ela deseja dominar seu próprio reino e pode se identificar com o abusador
submetendo os brinquedos às mesmas violações às quais foi submetida. A criança também pode externalizar
nos brinquedos a raiva contida, algo que não pode fazer na vida real com o abusador. É util ouvir a linguagem
que acompanha essas encenações, já que podem indicar com o abusador tem agido com a criança e com essa
vê a si mesma em relação ao abusador.
Durante a brincadeira, as crianças comunicam seu mundo interno e social por meio de desenhos e
pinturas. Crianças pequenas sempre desenham imagens de pessoas significativas em seu mundo, que
geralmente são representadas por simples bonecos de pauzinhos. Esse bonecos de pauzinhos quase
sempre não têm sexo e não contêm características sexuais declaradas, além de cabelos longos ou
possivelmente uma forma de saia. Raramente os desenhos incluem as partes escondidas do corpo, como
mamilos, nádegas ou genitália.
Isso contrasta com os desenhos das crianças que foram abusadas sexualmente. O desenho delas
sempre apresenta as partes sexuais do corpo em detalhes. A criança pode desenhar abertamente enormes
pênis e vaginas em imagens de adultos. Também podem incluir peitos grandes com mamilos. Os desenhos
podem relatar atividades sexuais atuais, objetos utilizados durante o abuso sexual e, também, outros
aspectos presentes. Imagens detalhadas da genitália masculina são raras, se é que aparecem, nos desenhos
de crianças que não foram sexualmente abusadas.
Outras crianças que foram abusadas sexualmente podem sentir desconforto em incluir órgãos sexuais
em detalhes, mas podem ressaltar algumas características – como grandes mãos o grandes bocas –, as quais
representam aspectos e características do abusador. Grandes lábios vermelhos ou mãos enormes,
deproporcionais, podem representar simbolicamente beijos desconfortáveis, sexo oral ou carícias. Uma
menininha que tomava remédios para dormir toda vez que era abusada sexualmente desenhou repetidadas
vezes figuras em que calmantes apareciam, mas sem saber de fato por que eles estavam lá. Outras crianças
podem relatar sua falta de poder e impotência diante do abusador em desenhos que apresentam monstros
que abusam de crianças.
As crianças também podem tentar comunicar suas experiências de abuso sexual ao contar histórias,
pequenas narrativas que eventualmente incluem suas experiências atuais de abuso sexual ou representações
simbólicas de serem dominadas, ameaçadas ou caçadas por monstros. Ainda que as crianças teham
imaginação vívida, é importante ouvir cuidadosa e atentamente suas histórias para extrair o sentido
subjacente e o que estão tentando comunicar. Apesar de as histórias sobre monstros fazerem parte do
imaginário da criança, é a qualidade da história e o que está sendo representado que pode dar uma pista se
ela está sendo abusada sexualmente ou não.

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O uso da linguagem também pode nos dar pistas e indícios das experiências da criança. Se a linguagem
contiver frases e palavras muito adultas, especialmente sexuais, eis aí um indício de um conhecimento muito
sofisticado sobre comportamento e atividade sexual. A criança pode estar imitando a linguagem utilizada pelo
abusador sem saber realmente o que ela significa. Ao tentar compreender a linguagem, ela se põe a repeti-la
na esperança de extrair algum significado.
As atividades recreativas cotidianas da criança também podem fornecer pistas de seu mindo interno e
social. Jogos que representam temas de destruição, atos extremados de violência, violação, aniquilação etc.
Podem indicar as experiências atuais da criança. Atos punitivos, cruéis e sádicos contra objetos, brinquedos,
animais, bichos de estimação e outras crianças podem representar a experiência de abuso sexual. A fusão de
raiva e erotismo também pode ser reencenada, representando a confusão da criança quanto ao amor, à
traição e à explosão presentes nos ASC.
As crianças podem apresentar, ainda, distúrbios comportamentais e de conduta, que se manifestam
como ataques de raiva ou ódio em com freqüência histéricos. Elas são facilmente excitáveis, a ponto de
ficarem hiperexcitadas, têm pouco controle e pouca capacidade de suportar frustração. Essas crianças vivem
em busca de estimulação e atenção e tendem a ser muito mandonas. Em geral, são agressivas e
intimidadoras tanto em relação aos adultos quanto a outras crianças. Um sintoma mais grave associado ao
ASC é atrar fogo nas coisas, como no exemplo seguinte:

Tim

Tim, um garoto pequeno e frágil de 6 anos, interno em um abrigo, não sabia ralmente por que estava sendo
tirado dos pais. Ele sabia que, às vezes, os pais eram horríveis com ele e faziam coisas de que, na verdade, não
gostava, mas não conseguia lembrar exatamente o que era. O assistente social vivia fazendo perguntas, mas
Tim não sabia responder. Tudo o que sabia é que se sentia enojado quando tinha de fazer essas coisas. Sempre
que pensava no que os pais o obrigavam a fazer, ele se escondia em seu quarto e brincava com fósforos. Na
realidade, sentia-se bem melhor quando podia pôr fogo em cobertores e lençóis, mas não entendia por que isso o
aliviava. Também não entendia por que agia assim em seu quarto. Todo que o sabia era que adorava ver as
chamas ardendo e a sensação boa que esse fato lhe proporcionava.

Crianças mais novas que foram sexualmente abusadas podem parecer inibidas em sua curiosidade, em
sua exploração e em suas brincadeiras. Elas reagem mal à novidades, perecem tensas, imóveis, “congeladas”,
tímidas e apáticas. Em alguns casos, são irritadiças, choram demais e são difíceis de serem tranqüilizadas.
Podem também ocorrer problemas de alimentação e de sono, o que aumenta a irritalibidade. A baixa
concentração faz com que pareçam descuidadas e vulneráveis a acidentes.
A criança sexualmente abusada pode regredir para um estágio anterior de desenvolvimento, no qual
expressa sua necessidade de cuidado, alimentação e carinho extras. Exemplos comuns de comportamento
regressivo são chupar o dedo, tomar mamadeira, usar fraldas ou fazer xixi na cama. Essa última atitude, em
crianças que já dominam suas necessidades fisiológicas, quase sempre está associada a distúrbios
emocionais. Quando não há nehuma razão médica para a falta de controle das necessidades, fazer xixi na
cama geralmente indica que a criança passa por experiências difíceis. Perder o controle das necessidades
durante o dia quando já sabe usar o penico também indica que a criança enfrenta problemas emocionais.
Obviamente, essas ocorrências precisam ser colocadas em perspecitva, pois acidentes ocasionais
podem ocorrer com a maioria das crianças. Antes de pensar que a criança está sendo abusada sexualmente,
é preciso observar a freqüência e a regularidade da perda de controle. Essa falta de controle pode refletir a
falta de controle que a criança experimenta ao ser submetida ao abuso sexual. Fazer cocô nas calças também
pode ser um modo de a criança expressar a sensação de ser “má” ou “fedida” na esperança de evitar novos
assédios sexuais. Isso também se manifesta em crianças que não querem mudar de roupa ou tomar banho.
Ao se tornarem “fedidas” e sujas, tentam se proteger de alguém que possa se aproximar demais delas. E
ainda serve para esconder o corpo, do qual sentem vergonha.
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O comportamento regressivo também é um modo de a criança se fazer de bebê novamente e evitar
qualquer responsabilidade em relaçao ao crescimento e ao que lhe é imposto pelo abuso sexual. É um modo
de ela mostrar sua necessidade de amor, cuidado, afeto e proteção. O comportamento regressivo é mais
comum em crianças menores, incapazes de verbalizar suas experiências. Essas crianças se tornam grudentas,
hipersensíveis a reprimendas de qualquer tipo, sempre choram por qualquer coisa e se tornam
inexplicavelmente mandonas. De algum modo, estão testanto os pais ou os adultos que tomam conta delas
para certificar-se de que estarão por perto para protegê-las de algum dano futuro.

Resumo dos sinais comportamentais do ASC


 Brincadeira sexualizada;
 Temas sexuais em desenhos, histórias e jogos;
 Comportamento regressivo, tais como fazer xixi na cama, chupar o dedo, dependência;
 Distúrbios de conduta, como pôr fogo em objetos, ataques histéricos;
 Mudanças nos padrões de sono e alimentação;
 Comportamentos perigosos, como fugir ou lutar e vulnerabilidade a acidentes;
 Comportamento autodestrutivo, machucar a si mesma, tentativsas de suicídio;
 Promiscuidade;
 Presentes e dinheiro sem explicação ou motivo.

A criança abusada pode chamar a atenção para seu desconforto por mudanças no comportamento em
relação ao sono, à alimentação e à busca de estímulo. Mudanças nos padrões de sono ou nas atividades
recreativas podem ser sinais de perturbações na criança. Modificações nos comportamentos alimentares são
características, tanto se a criança se recusa a comer como se come demais – o que pode causar transtornos
alimentares. Ao rejeitar a comida, a criança tenta controlar de outro modo um mundo caótico e sem controle.
Ao ficar sem comer, ela tambémm pode demonstrar o desejo de sumir fisicamente, encolher-se, para evitar
ser o foco de qualquer atenção e principalmente de qualquer asséedio sexual futuro.
Por outro lado, a criança pode tentar se reconfortar por meio da comida, seja para preencher o vazio que
sente por dentro, seja para engordar de tal modo que se torne o menos atraente possível. Em uma cultura em
que ser magro é muito valorizado, a criança acredita que se estiver com excesso de peso não mais será
desejável e, portanto, evitará o abuso sexual. Outra crença ilusória é que, estando superalimentada, ela ficara
mais forte fisicamente para resistir a qualquer assédio sexual, sendo capaz de espantar o abusador.
Infelizmente, perder ou ganhar peso não protege a criança do ASC. A dinâmica do ASC tem mais a ver com o
poder do que com a atratividade sexual. Para muitos pedófilos, a atratividade da criança está mais em sua
vulnerabilidade e em sua impotência do que em estereótipos culturais ligados ao tema.
Algumas crianças desenvolvem bulimia, ou seja, comem demais e se purgam. O cilclo constante de
ingerir grandes quantidades de comida até se sentir mal a ponto de vomitar pode representar simbolicamente
a experiencia de abuso sexual. Sua sexualidade é inadequadamente despertada, superestimulada e
superexcitada, o que pode incluir sensações de prazer. Contudo, como essa excitação sexual está fora da
norma da sociedade, há a necessidade de punir a si mesma, o que é representado pelo ato de ficar doente. O
ciclo constante de se empanturrar e se purgar tem o efeito desejado, a criança se pune pelo que ela sente
que está fazendo de errado e por não ser capaz de evitar o abuso sexual ou escapar dele.
Mudanças no comportamento alimentar, especialmente o surgimento de distúrbios como a anorexia
nervosa e alguns níveis de bulimia nervosa, representam uma tentativa da criança sexualmente abusada de
ter algum controle em um mundo do fora do controle. Essas crianças não tem poder sobre o abuso e são
constantemente controladas pelo desejo do abusador. Elas também se sentem sem o poder de revelar o
abuso. A única área em que acreditam ter algum controle é em relação ao que ingerem ou eliminam. Esses
comportamentos alimentares dão à criança a impressão de ter algum controle sobre sua vida caótica.

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Outros comportamentos autodestrutivos podem ser vistos tanto aberta quanto veladamente. Exemplos
evidentes de que a criança machuca a si mesma são golpear-se ou bater a própria cabeça em paredes e
móveis. Esse é um modo de aliviar a dor emocional e psicológica. Algumas crianças se arranham até sangrar,
cutucam feridas e cascas na pele, impedindo que os machucados cicatrizem. Outras podem usar pedra-pomes
ou outros objetos para se esfregar até ficarem completamente vermelhas e em carne viva. Essa é uma
tentativa da criança de desfazer a sensação de sentir-se “suja” e tentar sentir-se “limpa". Algumas crianças
também podem tomar vários banhos e desenvolver comportamentos de higiene obsessivo-compulsivos.

Melaine

O abusador de Malaine sempre dizia que ela era uma “garotinha muito suja” levá-lo a fazer o que ele fazia
com ela. Ela não entendia exatamente o que ele queria dizer porque na verdade ela não fazia nada. Melanie
detestava que o pênis dele espirrasse uma coisa esbranquiçada sobre ela porque a fazia sentir-se toda grudenta
e aquilo não cheirava bem. A primeira vez que isso aconteceu achou que ele tinha urinado nela o que a fez se
sentir muito suja. Sempre que Melanie pensava sobre o que o abusador fazia com ela, sentia se suja e
precisava ir-se lavar. Por mais que se lavasse, nunca se sentia limpa. Apesar de três banhos bem quentes todos
os dias, ela ainda se sentia suja e não conseguia entender o motivo. Mesmo o ato de se esfregar com
desinfetante e pedra-pomes não mudava como ela se sentia por dentro.

Algumas crianças podem ser impelidas a formas mais extremas de automutilação, entre as quais se
cortar, especialmente nas áreas que têm sido foco de abuso sexual. Em casos graves, os cortes podem incluir
os seios, os genitais e as áreas relacionadas. Algumas meninas abusadas sexualmente costumam sentir
compulsão por cortar de forma deliberada os lábios externos e internos da vagina com lâminas de barbear na
esperança de extirpar o foco do abuso sexual, enquanto outras cortam os seios e os mamilos.
Outras formas de autoflagelação podem ser mais leves. Algumas crianças têm aprendido como se
automedicar desde muito jovens ou a roubar goles de álcool dos armários dos pais. Ainda que não pareçam
alcoolizadas, elas anestesiam a dor interna. Crianças mais velhas lançam mão de analgésicos ou de
medicamentos, enquanto outras experimentam drogas, o que pode levar ao hábito de mentir e de roubar ou a
outras delinquências para obter meios de comprar drogas.
Alguns modos mais sutis de autoflagelação são caracterizados pelo fato de a criança sempre se expor a
riscos ou perigos. A criança pode se tomar uma causadora de acidentes ou procurar o perigo
deliberadamente ao atravessar a rua bem na frente dos carros. Esses comportamentos parecem pseudo-
suicidas. Ao se colocar em perigo, a criança, muitas vezes, se fere gravemente ou acaba morrendo por causa
de um acidente mais sério. Em alguus casos, uma criança um pouco mais velha pode tentar suicidio como
alternativa à morte em vida a que sente estar condenada. Várias crianças abusadas sexualmente de fato se
sentem mortas por dentro, em parte por causa da dissociaçao que aprenderam a praticar. Então, a morte
física lhes parece uma alternativa oportuna.
Crianças sexualmente abusadas também podem ter comportamentos de risco, como sair correndo na
esperança de escapar do abuso sexual futuro. Infelizmente, fugir as coloca de novo a mercê de adultos
pedófilos, que podem lhes oferecer abrigo em troca de favores sexuais e assim criar um circulo vicioso de
abuso sexual. A criança pode ser impelida, então, a prostituição pelo “salvador”, que passara, dai, a agir como
cafetão, vendendo o corpo dela para outros pedófilos, assim como para um circulo de sexo infantil ou bordel
infantil. A criança pode racionalizar e considerar isso uma alternativa melhor ao ASC, visto que, pelo memos,
esta sendo paga pela atividade sexual, em vez de fazer sexo sem nenhuma recompensa financeira. Além
disso, tendo em vista que muitas crianças sexualmente abusadas não atribuem nenhum valor a si mesmas
além daquele de ser desejadas sexualmente como objeto sexual, elas podem decidir comercializar a única
coisa de valor que acreditam possuir.
Essa dinâmica é vista por vezes em crianças mais velhas abusadas sexualmente que podem ter atitudes
muito promíscuas, trocando a atividade sexual pela maneira desesperada de buscar amor e atenção. Ainda
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que essas atividades se dêem exclusivamente com colegas e pareçam consensuais as razões por trás dessa
promiscuidade costumam estar no histórico de ASC. Crianças abusadas sexualmente aprendem a associar
atenção e afeto com comportamentos sexuais e usam seu conhecimento sexual para serem aceitas e
receberem afeto dos colegas. Muitas vezes, elas buscam apenas aprovação, aceitação e afeto, como fizeram
no relacionamento de abuso sexual, e acreditam que só podem receber isso por meio de atividades sexuais.
Essa promiscuidade coloca as jovens adolescentes não apenas em risco de contrair doenças sexualmente
transmissíveis como também as expõe à gravidez.
A troca é uma dinâmica potente utilizada por um pedófllo no processo de aliciamento, que pode
recompensar a criança por participar de certas atividades sexuais ao oferecer dinheiro, roupas ou presentes
em troca do contato sexual. Por vezes, o abusador presenteia a criança com um celular para ser usado
exclusivamente para falar com ele. É importante questionar sempre presentes e dinheiro ganhos sem
explicação, para identificar a fonte desses agrados. Dinheiro e presentes podem ser vistos como parte do
processo de aliciamento em que o abusador tenta aumentar a atividade sexual com a criança ao lhe prometer
dinheiro ou presentes. A troca pode ser mais sutil, como mostra o exemplo a seguir.

Carlos

Carlos tinha sido abusado sexualmente pelo irmão mais velho dos 8 aos 12 anos. Sabia que se tratava de abuso
sexual. Aos 12 anos, Carlos conheceu um homem mais velho que lhe ofereceu dinheiro para acompanhá-lo até seu
quarto de hotel. Carlos concordou. Depois de tê-lo violentado brutalmente o homem se mostrou muito amável,
abraçando, acariciando e afagando o menino e dando lhe bastante atenção. Carlos adorou esse aspecto do encontro
e sentlu que isso, mais do que o dinheiro, fora sua recompensa por ter deixado o homem violentá-lo. Esse foi o
início da carreira de Carlos como garoto de programa e prostituto. Durante os 25 anos como profissional do sexo,
seu estímulo foi mais o afeto do que o dinhelro que recebia.
Além disso, a violência que acompanhou o primeiro contato sexual por dinheiro ficou misturada com o amor e
o afeto que recebia depois. Isso significava que Carlos poderia sempre participar de atividades sexuais de extremo
sadomasoquismo em que apanhava muito, era chicoteado e violentado antes de ser abraçado e conseguir ter
orgasmos. Quando começou a terapia, Carlos estava certo de que sua primeira experiência como garoto de
programa não tinha sido um caso de abuso sexual em crianças porque ele consentira em trocar sexo violento por
afeto.

Esse caso demonstra claramente o nível de distorção perceptiva e cognitiva em que o ato agrassivo de
violentar é racionalizado como um encontro consensual em que a criança troca sexo por afeto. Também
mostra como a violência é erotizada e se incorpora ao comportamento sexual aprendido.

Sintomas cognitivos
Como discutido no capítulo anterior, o impacto do abuso sexual na criança resulta em vários transtornos
cognitivos, não só quanto à concentração, atenção e memória deficientes como a uma compreensão limitada
do mundo (veja o quadro na página 224). Os psicólogos usam o termo cognitivo para descrever processos
como a percepção, a atenção e o modo de contar, consolidar a informação e retrabalhá-la. Vários outros
processos também são cruciais, como a forma pela qual a criança compreende o mundo, lhe dá sentido,
interpreta suas experiências, estratégias de planejamento e testes de como usar a informação de modo
adequado, a tomada de decisão e todas as funções envolvidas na aprendizagem da experiência em um modo
adaptativo. Já vimos como o ASC e o trauma podem afetar a capacidade da criança de se dissociar das
próprias experiências e como isso afeta a integração da auto-identidade e dos sistemas de memória.
Um dos efeitos do ASC é distorcer a percepção de mundo da criança. Um relacionamento aparentemente
amoroso pode se tornar um pesadelo abusivo sexualmente, levando a uma confusão sobre quais os
comportamentos adequados e inadequados entre adultos e crianças. Crianças sexualmente abusadas quase
sempre se sentem culpadas e, de alguma forma, culpam-se pelo que está acontecendo com elas. Isso distorce
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a realidade, já que, embora não estejam fazendo nada, elas culpam a si mesmas por algo que alguém está
fazendo com elas e sobre o qual não têm poder nem controle. Isso também distorce sua percepção do que é
certo e o que é errado, o que as faz se sentirem bem ou mal. Crianças pequenas quase sempre acreditam que
as coisas ruins só acontecem a pessoas más, crença reforçada por livros de histórias e filmes. Uma criança
em um estágio de desenvolvimento cognitivo inicial, que ainda não é capaz de pensar de modo abstrato
acreditará que, como algo ruim está acontecendo com ela, então, ela é má.
A negação é um efeito difundido do ASC não apenas pelas crianças como também pelos abusadores, por
outros adultos e pela sociedade em geral. As crianças horrorizadas pelo abuso sexual podem negar o que
esteja acontecendo. Negar a realidade do ASC para si mesma pode ser o único modo de a criança sobreviver
ao abuso. Muitos abusadores negam o ASC por acreditarem que ele seja uma expressão de amor. Pais e
outros adultos desejam negá-lo porque é horrível demais acreditar que alguém possa fazer isso com crianças.
A sociedade pode também negar o ASC por não o compreender ou por não saber como lidar com ele. O medo
das conseqüências da revelação pode levar a criança a negar o ASC mesmo que já tenha sido constatado,
como no exemplo a seguir.

Alexandra

O padrasto de Alexandra abusava sexualmente dela desde que a menina tinha 7 anos. Para lidar com os
assédios sexuais noturnos, Alexandra tentou negar o que lhe estava acontecendo pensando em coisas boas e
desejando que o abuso acabasse logo. Quando Alexandra foi para uma nova escola, uma garota começou a
espalhar boatos de que ela e o padrasto faziam sexo. Alexandra ficou aterrorizada. Ela não conseguia entender
como a garota havia descoberto. Quando foi chamada pelo diretor da escola, ela se sentia constrangida e
amedrontada demais para revelar a verdade. Negou os boatos e assegurou ao diretor que o padrasto nunca
faria algo tão reprovável. Mesmo quando teve a oportunidade para revelar o abuso sexual o medo das
consequencias de admitir a verdade pesou mais do que a oportunidade de acabar com o ASC um fato que
sempre esteve presente na consciencia de Alexandra.

É importante saber em que estágio de desenvolvimento cognitivo a criança se encontra no que diz
respeito à compreensão do significado que extrai de suas experiências. Uma criança que ainda não domina o
conhecimento do mundo e baseia-se mais nos adultos para guiá-la e ensinar-lhe os comportamentos
adequados acreditará no que os adultos lhe disserem. Além disso, se uma criança com menos de 5 anos, que
tem pouco ou nenhum conhecimento do comportamento sexual adequado, ouve dizer que é normal adultos e
crianças fazerem sexo, ela acreditará nisso. Uma criança para quem se diz “Olhe o que você me obrigou a
fazer” ou “Percebo que você gosta que eu toque seu pênis” acreditará no adulto, mesmo que isso contraste
com o que ela realmente sente e vivencia. Essa distorção da percepção e da realidade da criança causa um
enorme impacto nela, pois mina sua capacidade de acreditar nas próprias experiências e julgamentos.
Um outro efeito da distorção da realidade é a fuga, pela criança, da realidade do ASC para um mundo
interior de confusão e perturbação. Esse recolhimento é necessário para se proteger e, assim, conseguir
sobreviver à experiência. Como alternativa, a criança pode entrar em um mundo de fantasia em que tem o
poder e o controle que lhe faltam no mundo real. Ela pode se refugiar sonhando acordada, o que influencia
sua capacidade de perceber o que acontece à sua volta. A criança fica preocupada com sua dor interna, o que
a impossibilita de se concentrar no mundo exterior.
A falta de concentração é mais evidente na escola. Uma criança que está sempre preocupada, com
medo, terror, confusão ou que antecipa o próximo acesso sexual não vai conseguir prestar atenção no que se
espera que aprenda na escola. Essas crianças se comportam como se estivessem em um mundo de sonho e
parecem aéreas na classe, quase rudes em suas respostas. O medo e o terror da realidade do ASC tornam
irrelevante o aprendizado na escola. Em sua vida de criança, saber que Paris é a capital da França não está na
sua lista de prioridades. Essa criança estará preocupada com o próximo assédio sexual, em como lidar com
ele, e focaliza toda sua atenção na sobrevivência.

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Para essas crianças, pode ser muito difícil aprender qualquer coisa na escola. A dificuldade em se
concentrar faz com que elas não absorvam ou não armazenem informações nem aprendam ou tentem
relembrá-las. Por isso, crianças abusadas sexualmente podem ter um desempenho insuficiente na escola.
O baixo nível de desempenho educacional é freqüentemente confundido com dificuldades de
aprendizagem e, se ignorado, pode impedir que a criança obtenha um sentimento de conquista,
habilidade e aproveitamento acadêmico.
Muitas dessas crianças também podem ser estudantes brilhantes e entusiásticos, que nada peca m
em inteligência, apesar de não serem capazes de acompanhar as aulas ou de se aplicar nos trabalhos
escolares. Mais tarde, esse subaproveitamento servirá para reforçar uma auto-imagem já frágil em que
se acreditam idiotas e estúpidas, podendo provocar a ridicularização por parte de professores e colegas
e aumentar a sensação de isolamento e alienação. Conseqüentemente, acabará por semear a solidão, a
sensação de impotência e de inutilidade e aumentará a vulnerabilidade a mais abuso sexual.
Por outro lado, algumas crianças podem se sobressair na escola, pelo fato de ser esse o único lugar
seguro para elas. Essas crianças sempre chegam cedo e são as últimas a sair, já que a escola é como um
refúgio do abuso sexual que ela vivencia fora dali. A criança pode evitar voltar para casa se isso estiver
associado a ser sexualmente abusada. A escola também dá oportunidade para que ela se distraia de sua
confusão emocional ao concentrar toda sua energia em adquirir conhecimento. Esse apoio a mantém a
salvo do sentimento de devastação emocional e permite que construa habilidades acadêmicas que não
demandam muita energia emocional.
Em geral, essas crianças parecem extremamente brilhantes, inteligentes, sensatas para além de
sua idade. Elas podem se tornar leitores ávidos, sempre procurando saciar sua sede de conhecimento.
Ler e aprender se tornam um meio de escapar de sua realidade aterrorizante e obter s ignificado em um
mundo muito desestruturado e confuso, em que coisas inexplicáveis acontecem. Crianças sexualmente
abusadas, na maioria das vezes, desenvolvem habilidades cognitivas, como estratégias de planejamento,
tomada de decisão e fuga, mais cedo do que as crianças não abusadas sexualmente. Isso acontece em
parte porque elas precisam decifrar o incompreensível e também desenvolver estratégicas para
antecipar e evitar o abuso sexual.
O desenvolvimento precoce dessas habilidades pode levar a um aproveitamento acadêmico alto,
tornando-as estudantes muito bem-sucedidos, que apresentam grande maturidade intelectual, ao passo
que a maturidade emocional fica presa em um nível de desenvolvimento referente a uma criança muito
mais nova. Refugiar-se nos livros pode impedi-las de aprender habilidades sociais com os colegas, o que
também pode mantê-las a salvo de se aproximar demais dos outros por medo de serem expostas ao
abuso. Seu relacionamento se dá com a aprendizagem e o conhecimento, o que difere do modo de se
relacionar com os demais a sua volta.
Outros sintomas cognitivos associados às crianças que têm sido sexualmente abusadas incluem a
hipervigilância, ou seja, a criança fica superalerta o tempo todo, procurando farejar qualquer ameaça.
Algumas negam o abuso sexual como estratégia para sobreviver a ele, o que pode fazer com que
minimizem o abuso sexual e seu efeito sobre elas. Outras podem sofrer de pensamentos recorrentes em
que o assédio sexual é repetidamente revivido ou ter fantasias violentas incontroláveis.
Dependendo do estágio de desenvolvimento cognitivo em que a criança esteja, ela pode ficar "presa"
em um modo particular de pensamento e compreensão do abuso. Distorções cognitivas comuns
associadas ao ASC são: "tudo ou nada", a supergeneralização, a rotulação inadequada, a filtragem
mental, a desqualificação do positivo, as conclusões precipitadas, o aumento ou a minimização, a
racionalização emocional, as declarações "deveria" e a personalização.
No pensamento tudo ou nada, a criança tende a ver o mundo em uma categorização co mo "Não
tenho absolutamente nenhum valor" ou "Todo mundo é brilhante". Esse pensamento é característico de
crianças mais novas que não são capazes de levar em conta as sutilezas entre duas idéias extremas.
Enquanto as crianças mais velhas em um estágio de desenvolvimento cognitivo posterior são mais
capazes de tolerar a ambivalência, a criança mais nova sexualmente abusada tende a se engajar em
pensamentos extremos. Na supergeneralização, a criança ge-neraliza sua própria experiência para
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outras situações. Exemplos disso podem incluir "Sou abusada por um homem, logo todos os homens são
abusadores sexuais". Essa tese pode contribuir para um medo generalizado de todos os homens, fazendo
com que essas crianças acreditem que todos os homens querem ser sexuais com elas, o que pode ser
visto em uma criança mais nova que só consegue se relacionar de modo sexual com adultos do mesmo
sexo que o abusador.
A rotulação inadequada é caracterizada pela criação de uma auto-imagem completamente negativa,
pela criança, baseada em uma única falha como "Eu não disse não e não me defendi o suficiente do abuso
sexual, por isso sou fraca e patética, o que mostra quanto sou inútil". De modo semelhante, na filtragem
mental, a criança concentra-se exclusivamente em todos os aspectos negativos do eu e,
conseqüentemente, filtra os aspectos positivos. Isso está relacionado com a desqualificação do positivo,
em que a criança pensa ser impossível deixar entrar qualquer experiência positiva em outras áreas de
sua vida ou desconsidera qualquer atributo ou habilidade positiva. Exemplo disso p oderia ser o da
criança que nega sua capacidade de ir bem na escola ao dizer para si mesma que "Foi pura sorte eu ter
tirado um 10" ou "O professor deve ter sentido pena de mim e resolveu me dar uma nota alta".
Nas conclusões precipitadas ou inferências arbitrárias, a criança invariavelmente imagina uma
conclusão negativa, que não está baseada em nenhuma evidência real. Exemplo comum disso é "Todo
mundo que me conhece vai me culpar pelo abuso sexual; eles não vão mais querer ser meus colegas". A
minimização ou o aumento pode ser extremamente devastador da auto-estima da criança. Na
minimização, a criança diminui os efeitos devastadores do abuso sexual como forma de proteger do
impacto real que ele tem. Essa minimização ou negação permite que a criança sobreviva à experiência,
visto que o impacto total poderia ser devastador demais para a percepção de si mesma. No aumento, ela
exagera os erros e deficiências para além da proporção, o que pode levar ao fatalismo do tipo "Fui tão
devastada pelo abuso sexual que nunca mais vou ser capaz de levar urna vida normal, vou sempre
permanecer ferida".
Esse tipo de pensamento está relacionado com a racionalização emocional, que pode ser própria
da idade e certamente reflete com precisão a experiência da criança. Um bom exemplo disso é quando
os sentimentos de vergonha e culpa sobre o abuso são equacionados com o sentimento de
responsabilidade por ele. A criança racionaliza que "Eu fui responsável pelo abuso porque me sinto
muito mal sobre não ter dito não".
Muitas crianças sexualmente abusadas têm expectativas irreais de si mesmas, acreditando que
deveriam sempre se comportar de acordo com essas altas expectativas. O fracasso em realizar essas
expectativas causa culpa, baixa auto-estima e raiva. Urna declaração deveria é "Eu deveria ter dito não
ou ter chutado o abusador onde machuca". Essas crianças são geralmente perfeccionistas ao tentar
desfazer o quão mal se sentem a respeito de si mesmas. Finalmente, na personalização, ou atribuição
inadequada, a criança assume a responsabilidade de algo em que não deveria haver nenhuma. Exemplo
comum disso é a criança que toma para si toda a responsabilidade pelo abuso sexual ao fazer
declarações como "Devo ter sido responsável pelo abuso sexual porque gostei e porque meu corpo
respondeu ao abuso". Os abusadores que colocam essa responsabilidade sobre a criança ajudam a
reforçar a atribuição inadequada.
Quando a criança confessa o ASC, é crucial que os adultos forneçam informações factuais e precisas
para corrigir qualquer informação errada dada a ela pelo abusador. As crenças da criança e o significado
que ela extraiu do ASC precisam ser confrontados e substituídos por pensamentos mais precisos e
compreensivos. Uma criança nunca é responsável pelo abuso sexual, não importa como ela se comporte;
e o fato de o abuso ser algo ruim e ter acontecido com ela não faz dela uma criança má. A escuta
cuidadosa, sensível e gentil da criança, ajudando-a a obter uma percepção mais acurada do abuso, pode
ser um caminho longo para melhorar sua auto-estima e permitir que ela se livre do fardo da
responsabilidade.

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Resumo dos sinais cognitivos do ASC
 Baixa concentração e atenção;
 Dissociação;
 Transtornos de memória;
 Negação;
 Refúgio na fantasia;
 Sub/superaproveitamento na escola;
 Hipervigilância;
 Distorções cognitivas.

Sintomas físicos
Um dos aspectos mais difíceis do abuso sexual em crianças é que ele freqüentemente não deixa nenhum
sinal nem marcas físicas (veja quadro abaixo). Esse é particularmente o caso de crianças que foram aliciadas
por um longo período no qual não houve nenhuma penetração na vagina ou no ânus. Isso torna bastante difícil
detectar o ASC apenas por meio do exame fisico. Se o abuso sexual for acompanhado de violência e
penetração forçada, podem existir sinais físicos explícitos dele. Se a força e a violência foram utilizadas, a
criança pode apresentar hematomas e, em alguns casos, sangramentos, especialmente nas coxas e na área
genital. Traumas nos seios, nádegas, baixo ventre e coxas podem estar igualmente presentes.
Também podem ocorrer traumas nas regiões oral, genital e retal. Se houve penetração, a presença de
sêmen pode ser detectada na área genital e anal. Se não houve penetração, mas o abusador ejaculou sobre a
criança, pode haver sêmen sobre seu corpo, sua boca ou suas roupas. Forçar a criança a tomar banho depois
do assédio sexual, contudo, pode apagar esses sinais. Pode haver evidência de doenças sexualmente
transmissíveis, Incluindo o risco da infecção pelo HIV. Alguns abusadores que não penetram a criança com o
pênis podem causar danos visíveis com a penetração dos dedos ou a inserção de objetos estranhos nos
orifícios genitais, do reto e da uretra.
Muitos abusadores não deixam sinais visíveis de hematomas, sangramento ou traumas. A
masturbação mútua ou o sexo oral não deixam necessariamente quaisquer sinais físicos. Contudo, pode
haver sintomas físicos associados ao ASC. A criança pode ter coceira, inflamação ou infecção persistentes
e recorrentes nas áreas oral, vaginal, retal ou uretral. Se esses sintomas não puderem ser explicados do
ponto de vista médico, podem indicar abuso sexual. Odores vaginais estranhos também podem ser um
indício. Em crianças mais velhas do sexo feminino há o risco de gravidez. Geralmente, a criança está
assustada demais para dizer quem a engravidou, e é sempre mais fácil dizer que foi o namorado ou o
resultado de uma relação sexual consensual.
Sinais físicos mais sutis são as doenças psicossomáticas recorrentes, especialmente dor genital e
retal sem nenhuma explicação médica ou infecção presente. Algumas crianças têm dores de garganta
recorrentes, sem infecção presente, o que pode simbolizar o abuso sexual oral. Problemas estomacais
recorrentes, sem explicação médica, podem representar o medo da criança de danos em decorrência da
ingestão de sêmen ou do medo de gravidez.
Outros sintomas físicos que podem indicar algum trauma ou perturbação emocional na criança são os
vários tipos de distúrbios do sono, como medo de ir para a cama, insônia e pesadelos recorrentes. Algumas
crianças sofrem de sonambulismo e terrores noturnos, mas isso nem sempre está associado com o ASC, já
que podem ocorrer distúrbios neurológicos nos padrões do sono. Distúrbios alimentares, falta de higiene e de
asseio também podem indicar a dor emocional da criança.

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Resumo dos sinais físicos do ASC
 Hematomas e sangramento;
 Traumas físicos nas regiões oral, genital e retal;
 Traumas físicos nos seios, nádegas, coxas e baixo ventre;
 Danos visíveis em razão da inserção de objetos estranhos nos orifícios genital, retal e uretral;
 Coceira, inflamação e infecção nas áreas oral, genital e retal;
 Presença de sêmen;
 Odores estranhos na área vaginal;
 Doenças sexualmente transmissíveis;
 Gravidez;
 Dores e doenças psicossomáticas;
 Desconforto em relação ao corpo;
 Distúrbios do sono: pesadelos, sonambulismo.

Sintomas sexuais
A criança abusada sexualmente pode tentar comunicar sua experiência de abuso por meio de
comportamentos sexuais incomuns (veja quadro a seguir). Crianças que tentam lidar com o ASC e
compreendê-lo podem apresentar comportamentos sexuais repetitivos e persistentes. Esses podem se
manifestar em relação a outras crianças ou serem dirigidos aos adultos. Crianças mais novas ingenuamente
acreditam que é isso o que os adultos querem e de que gostam, assim como o abusador, e estão, portanto,
compelidas a agir desse modo. A criança acredita que o único meio de se relacionar com outros adultos é
tocá-los nas áreas sexuais ou se comportar de modo sexualmente sedutor. Essas crianças vão tocar os
adultos de forma inadequada e pedir para eles tocarem suas áreas sexuais. A criança pode se esfregar no
adulto, simulando uma relação sexual ou masturbação. Também pode beijar outros adultos – além do
abusador – de um modo sexual. Esses comportamentos geralmente representam o que a criança aprendeu a
fazer com o abusador sexual e, por este ter dito a ela que é normal, a criança não consegue entender por que
os outros adultos ficam incomodados quando ela age assim com eles ou com outras crianças.
Uma compreensão mais acurada do comportamento sexual, incorporando temas adultos que destoam do
conhecimento apropriado ao nível de desenvolvimento da criança, também pode indicar que ela vivenciou o
ASC. A masturbação compulsiva, geralmente praticada em público, pode ser urna forma de comunicar a
experiência de abuso sexual da criança. Em geral, a masturbação compulsiva não é completamente
satisfatória para a criança. Algumas ficam totalmente perturbadas depois da masturbação, rolando no chão
em profunda dor psicológica e emocional. O exibicionismo repetitivo e compulsivo é outro modo do qual a
criança pode lançar mão para tentar comunicar as experiências de abuso.
Em crianças mais velhas, a promiscuidade precoce pode ser urna forma de elas repetirem as
experiências de abuso sexual. Embora a criança possa não estar deliberadamente procurando por contato
sexual com os colegas, ela acredita que esse é o único meio de obter atenção e afeto e, assim, quer oferecer
sexualmente a si mesma para satisfazer suas necessidades. Essa promiscuidade pode às vezes levar não
apenas à gravidez como também à prostituição, uma vez que a criança de alguma forma já foi capaz de
perceber que pode obter algum tipo de controle sobre a experiência de abuso sexual se, ao menos, for paga
por isso. Muitas crianças que são prostitutas ou garotos de programa têm uma história de abuso sexual.
São vários os sinais e sintomas que podem ser apresentados por crianças sexualmente abusadas.
Alguns deles são uma forma de a criança chamar a atenção para o abuso sexual e constituem o modo
escolhido de comunicar sua dor interna em lugar da revelação verbal. Em alguns casos, os sintomas são
reencenações repetitivas do abuso sexual que a criança se sente compelida a representar para lhe dar um
significado e ter domínio sobre ele. Em outras circunstâncias, os sintomas são comportamentos aprendidos

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que têm sido praticados e repetidos durante o abuso sexual e tornaram-se o único modo conhecido pela
criança de se relacionar com os outros.
O que está claro é que o impacto do ASC varia de criança para criança e que seus sinais e sintomas
também podem variar muito. Devemos evitar tirar conclusões precipitadas de que a criança esteja sendo
abusada sexualmente diante da presença de apenas um ou dois dos sintomas, poi s alguns deles podem
estar associados a outros problemas e dificuldades. É essencial que os adultos contextuali -zem os sinais
e sintomas observados e percebam a constelação de indícios antes de assumir que a criança esteja
sendo abusada sexualmente.
Esses sinais e sintomas podem apenas alertar o adulto sobre a dor e a pertur-bação da criança e não
são critérios de diagnóstico seguros por si mesmos. O importante é ter conhecimento de quais sintomas têm
sido relacionados ao ASC. Tendo adquirido esse conhecimento e essa consciência dos vários sintomas e si-
nais, a atenção deve ser concentrada em como interpretá-los e compreendê-los em relação à criança
sexualmente abusada.

Resumo dos sinais sexuais do ASC


 Comportamentos sexuais inadequados e persistentes com adultos, crianças ou brinquedos;
 Temas sexuais nos trabalhos artísticos, em histórias ou em jogos;
 Compreensão claramente sofisticada do comportamento sexual;
 Masturbação compulsiva;
 Exibicionismo;
 Medo do sexo;
 Promiscuidade;
 Prostituição;
 Problemas menstruais;
 Gravidez na adolescência.

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