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Pregador Expositivo • Rev.

Filipe Fontes 1

Aula 3

A pregação expositiva e apologética


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INTRODUÇÃO

Nesta terceira aula eu gostaria de definir o que eu entendo por pregação apologética. Esse é um conceito que eu tenho
cunhado em um artigo publicado na Revista Fides Reformata, do Centro de Pós-graduação Andrew Jumper, e ali eu
procuro definir esse conceito de pregação apologética. Para início de conversa, o entendimento de pregação
apologética pode ser melhor compreendido se considerarmos o fato de que assumimos aqui uma postura apologética
específica que é comumente denominada de apologética pressuposicionalista ou de pressuposicionalismo, que é um
dos modelos apologéticos que se desenvolveu ao longo do tempo, este muito especificamente ligado a tradição
reformada, então quando falamos de apologética, precisamos considerar o fato de que há uma pluralidade de
entendimentos deste assunto e de como ela deve acontecer.

Um desses modelos é o pressuposicionalismo, que se difere daquilo que é geralmente chamado de apologética clássica
ou apologética tradicional, basicamente em duas questões específicas. A primeira delas é a questão do ponto de
contato e a segunda é a questão da tarefa da apologética, propriamente dita.

• Ponto de contato

Essa expressão ponto de contato é a maneira como a maioria dos estudiosos de apologética denominam o lugar em
que há um real encontro entre o cristão e o não cristão no debate apologético. O que é que permite um cristão e um
não cristão conversarem? Em que lugar, em que dimensão da existência, há um encontro real e verdadeiro entre a
experiência da realidade de um cristão e a experiência que um não cristão tem da realidade? De acordo com Cornelius
Van Til, que foi o pensador, talvez pioneiro, dessa perspectiva, que chamamos de pressuposicionalismo, essa discussão
em torno do ponto de contato envolve questionamentos tais como:

“A questão do ponto de contato envolve as seguintes questões: existe algo acerca do qual cristãos e incrédulos
concordam? Existe alguma área conhecida de ambos que pode ser usada como ponto de partida para conduzir
aquilo que é conhecido pelos crentes, mas desconhecido pelos incrédulos? Será que existe um método comum
de conhecimento desta área conhecida que possa ser aplicado aquilo que o incrédulo não conhece, a fim de
convencê-lo de sua existência e veracidade?”

Essas são algumas das questões discutidas por essa temática do ponto de contato dentro da apologética. A apologética
clássica ou tradicional costuma afirmar que o ponto de contato se encontra ou nos fatos ou nas evidências, na chamada
apologética evidencialista, ou então na própria razão, que é o caso da apologética racionalista. Os
pressuposicionalistas, por entenderem que a realidade criada por Deus e a mente humana foram ambas afetadas pelo
pecado, entendem que não pode haver um real ponto de contato entre cristão e não cristão, nem no que diz respeito
ao entendimento das evidências, nem no funcionamento da própria razão. Na verdade, os pressuposicionalistas, de
matriz reformada, costumam dizer que esse ponto de contato somente pode ser encontrado na revelação de Deus,
mais especificamente no testemunho que Deus dá de si mesmo na subjetividade de todo ser humano. Em outras
palavras, a concepção pressuposicionalista do ponto de contato está muito relacionada aquilo que o reformador João
Calvino chamou de “sensus divinitatis”, onde é que há um encontro real entre o cristão e o não cristão? Na experiência
religiosa, no fato de que tanto o cristão, quanto o não cristão, vivem “coram deo”, diante da face de Deus e estão
submetidos a revelação de Deus e devem prestar contas a Ele.

• Tarefa da apologética

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Partindo do pressuposto que o único ponto de contato é a revelação que Deus dá de si na subjetividade de todo ser
humano, ou seja, cristão e não cristão podem conversar porque ambos são imagem de Deus e conhecem a Deus em
virtude da revelação geral, embora o cristão responda positivamente a esse conhecimento e o incrédulo responda
negativamente, o entendimento da apologética pressuposicional é o de que a principal tarefa da apologética é desafiar
a resposta que o não cristão oferece ao conhecimento de Deus, que é a sua incredulidade e, consequentemente,
questionar, expor o seu efeito, que é a idolatria. Na apologética clássica, a grande tarefa da apologética é ou a defesa
do cristianismo ou da fé das acusações hostis, ou então a demonstração da racionalidade da fé cristã.

Entenda, na apologética pressuposicional essas coisas continuam tendo o seu lugar, mas elas assumem um caráter
secundário, passando a servir a essa tarefa principal que é a tarefa de expor a incredulidade de um coração que
conhece a Deus, mas por causa da sua rebeldia busca meios para suprimir esse conhecimento. Se você ainda não
percebeu, o grande fundamento da apologética pressuposicional se encontra em um texto da palavra de Deus que
está em Romanos 1.

Leitura Bíblica: Romanos 1.18-23

Vamos analisar, bem rapidamente, os argumentos do apóstolo Paulo nesta passagem. Paulo começa, no verso 18,
dizendo que na atual condição o homem está debaixo da ira de Deus. Essa é a condição atual do homem sem Deus.
Ele começa com essa afirmação impopular de que a ira de Deus se revela do céu. O que Paulo tem em mente ao
mencionar a ira de Deus é a condição religiosa do homem, e entendo por religiosa aqui a relação mais fundamental
para qual o homem foi criado e na qual ele está envolvido que é a relação com Deus. E o que ele afirma é que, na atual
condição, o homem se encontra em uma situação religiosa desfavorável, ou seja, ele não desfruta de uma amizade
com Deus, do favor de Deus, mas ele experimenta a inimizade, a indignação de Deus. A segunda coisa que Paulo
afirma, ainda no verso 18, é que nessa atual condição o homem se encontra na prática do pecado, então ele parte da
condição religiosa para a condição moral dos homens. Paulo quer que entendamos aqui que as escolhas morais do
homem são resultado da sua condição religiosa. Então, além de ser inimigo de Deus, o homem é moralmente mau.

Ainda uma terceira lição aqui sobre a condição do homem, pode ser extraída do verso 18, onde Paulo vai mostrar que
o homem é intelectualmente rebelde. A palavra chave aqui é a palavra “deter”, e essa palavra significa, literalmente,
suprimir, refrear, sufocar, impedir, bloquear ou agir no sentido de acabar com. O uso dessa palavra é muito
significativo porque ela aponta a necessidade de uma alteração na maneira como nós, cristãos modernos
contemporâneos, costumamos conceber a condição intelectual do incrédulo, que é a questão que Paulo tem em
mente aqui. Nós temos a tendência de imaginar, por causa da nossa antropologia, que o principal problema do
homem, em termos intelectuais, é a ignorância, mas ao usar a palavra “deter” Paulo está nos mostrando que, no seu
entendimento, o problema principal do incrédulo é a rebeldia. Por que Paulo não descreve aqui em Romanos o
incrédulo como alguém que desconhece totalmente a verdade, mas como alguém que conhece a verdade, mas sufoca
esse conhecimento, por causa da rebeldia contra Deus assumida por ele. É óbvio que essa afirmação poderia soar
meio estranha aos leitores do apóstolo Paulo, principalmente aos de origem judaica, então ele gasta os próximos
versos para explicar essa afirmação.

Essa afirmação é explicada aqui por meio de 4 informações principais, atentemo-nos a elas:

1) Existe conhecimento de Deus disponível a todas as pessoas

Isso é o que Paulo quer dizer quando diz “o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes
manifestou”. Paulo entende que existe um movimento de Deus na direção de todas as pessoas, visando tornar-se
conhecido pelas pessoas. E essa informação é importante por duas razões, pelo menos. Primeiro porque ela mostra
que o sujeito, por excelência, de acordo com a epistemologia cristã, é Deus. Conhecimento não é simplesmente algo
que obtemos, mas é, principalmente, algo que recebemos, mesmo quando estamos ativos no processo de pesquisa e
etc. A segunda razão pela qual essa informação é importante é que, por consequência dessa primeira implicação,

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rejeitar aquilo que Paulo dirá no restante da passagem, a respeito do incrédulo e seu conhecimento de Deus, não
significa simplesmente ignorar eventuais habilidades cognitivas do incrédulo, mas ignorar o próprio Deus e a sua
competência revelacional. Eu não posso dizer que o impio não conhece a Deus, porque isso significaria ignorar, ou
fazer pouco caso, da competência revelacional de Deus.

2) Esse conhecimento está disponível na criação

Paulo diz que é através dos atributos invisíveis de Deus, demonstrados na realidade criada que podemos concluir que
as pessoas conhecem a Deus. Então como é que Deus se dá a conhecer a essas pessoas? Por meio da realidade criada.
Vivendo num mundo criado por Deus é simplesmente impossível viver sem se esbarrar com Ele constantemente e,
mesmo que, eventualmente, o homem pudesse experimentar um tipo de existência que fosse completamente
independente das demais obras das mãos de Deus, sendo ele, o próprio homem, criatura de Deus, imagem e
semelhança de Deus, ele teria que lidar com a revelação dentro de si.

3) Esse conhecimento de Deus é realmente experimentado

O conhecimento de Deus, do qual Paulo fala, não é apenas uma possibilidade, é uma realidade, ou seja, Paulo não diz,
simplesmente, que o incrédulo poderia vir a conhecer a Deus, ele diz que ele O conhece. O conhecimento que ele tem
é um conhecimento real. Os estudiosos se dividem bastante no entendimento a respeito da natureza desse
conhecimento. Mas, em geral, todos os apologetas pressuposicionais concordam com o fato de que o incrédulo não é
um ignorante, ele desfruta de algum conhecimento de Deus.

4) Esse conhecimento de Deus, segundo Paulo, é substituído na idolatria por razões que extrapolam a
dimensão intelectual

“Tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos
tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram
a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo semelhança do homem mortal, bem como de pássaros,
quadrupedes e repteis”. Aqui está o trecho da passagem que poderíamos chamar de o chão do modelo
pressuposicional de apologética. Esse trecho ensina que a dimensão religiosa é a fonte da dimensão intelectual e não
o contrário. Geralmente, cremos que o ímpio não crê em Deus porque ele não conhece a Deus, ou seja, ele está
apegado a mentira, porque não conhece a verdade. Paulo está dizendo aqui que o ímpio conhece a Deus e ele elabora
teorias mirabolantes para fugir Dele, porque ele não deseja reconhecê-lo como Deus. O problema fundamental do
ímpio não é intelectual, mas é moral e, principalmente, religioso.

Por que você acha que o materialismo, que é a crença de que vivemos em um universo impessoal, que é mero
resultado de matéria e tempo, se estabelece como uma explicação majoritária para a origem de todas as coisas no
ambiente acadêmico universitário? Vocês acham que isso acontece por que é lógico, coerente, afirmar que um
universo ordenado surge de um elemento impessoal? É claro que não! Todos sabemos que onde há ordem, há pessoa.
Então porque o materialismo se estabelece? A resposta é simples, é porque ele é útil para os anseios espirituais do
homem decaído. Quando não há Deus para além de nós mesmos, nós somos divinos.

Então atenção, na condição atual, o homem é intelectualmente rebelde. Há um conhecimento de Deus disponível na
criação, esse conhecimento é, de alguma forma, experimentado por ele, mas ele prefere viver sufocando esse
conhecimento, construindo seus próprios deuses, para manter a sua autonomia. É por isso que Willian Edgar, no livro
Razões do Coração, diz o seguinte:

“Quando tentamos argumentar em favor da fé cristã com os incrédulos, nós não estamos falando com aqueles
a quem a existência de Deus seja estranha ou exótica completamente, quando nos aproximamos das pessoas
com as reivindicações da verdade, estamos apelando para aquilo que elas conhecem, mas negam, estamos
pedindo que elas sejam como o filho pródigo e voltem ao bom senso.”

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Veja, a partir da opção pela apologética pressuposicionalista e levando em conta tudo o que acabamos de ver, creio
que poderíamos definir pregação apologética como a exposição do texto bíblico, que se vale de uma abordagem que
pressupõe a realidade do conhecimento de Deus, por parte do ouvinte, e que procura desafiá-lo no coração, acusando
a sua tentativa de supressão desse conhecimento na idolatria, confrontando o ouvinte com a inconsistência de tal
empreendimento e apresentando a consistência do caminho apresentado pelo evangelho.

Quando falo em pregação apologética, é possível que algumas pessoas entendam que estou falando de uma
modalidade de pregação, parecido com o que costumamos chamar de sermão evangelístico, mas veja bem, não é
sobre isso que estou falando quando falo em pregar apologeticamente. Quando me refiro a relação entre apologética
e pregação e quando falo que a apologética pode auxiliar o pregador na sua tarefa, tenho mais em mente a apologética
como uma perspectiva da pregação, do que a apologética como uma modalidade de pregação, ou seja, eu falo da
pregação como apologética, assim como falo da pregação como didática. Toda pregação precisa ensinar alguma coisa,
ela é pedagógica, da mesma maneira, toda pregação precisa desafiar o ouvinte a crer e a se comprometer com o que
ela ensina, confrontando esse ouvinte com as motivações religiosas que o impedem de fazê-lo e persuadindo esse
ouvinte das razões para tanto.

Em outras palavras, nós as vezes, por causa da maneira como concebemos a pregação, e porque frequentemente não
consideramos esses aspectos que acabei de mencionar da relação da apologética com a pregação, imaginamos que o
nosso grande desafio enquanto pregamos é informar as pessoas. E a minha proposta aqui é que precisamos desafiar
as pessoas, porque os nossos ouvintes, se incrédulos, são escravos desse processo de suprimir o conhecimento de
Deus e encaminhar-se para a idolatria, se forem cristãos, são pessoas sempre expostas a tentação de, embora
conhecerem a Deus, ignorar esse conhecimento por causa das vozes ao seu redor, e dentro dele também, a voz do
seu próprio coração, e tentarem encontrar sentido para a existência fora do conhecimento de Deus que possuem.
Embora os cristãos não estejam sujeitos a supressão do conhecimento de Deus e a idolatria, da mesma maneira que
os incrédulos estão, a tentação de ignorar o conhecimento de Deus e encaminhar o coração para a idolatria é
constante para um cristão. E o pregador precisa saber disso, precisa saber que o seu ouvinte é alguém que conhece a
Deus, que por ter um coração ainda dividido no processo de santificação estar submetido a uma cultura que é
caracterizada pelo pecado, ele está o tempo inteiro sujeito à vozes diferentes que reclamam a sua fidelidade e,
portanto, ele está sujeito a negociar a fidelidade dele a Deus, encaminhando-se para a idolatria. O pregador precisa
desafiar o seu ouvinte, mostrando para ele a realidade dessa tentação, apresentando o caminho de destruição
consequente de encaminhar-se em direção a idolatria e a superioridade da obediência a Deus no evangelho.

Leitura Complementar:

Livro: A Doutrina do Conhecimento de Deus – John Frame

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