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PURITANISMO E PENTECOSTALISMO

( 234 visitas )

De: franklin
--- - Rio de Janeiro
afiusk@hotmail.com

Puritanismo e pentecostalismo

Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás
entre eles apresentar-se perante o SENHOR. Então, o SENHOR disse a Satanás:Donde vens?(Jó 2:1-
2a)Uma das características mais marcantes do neopentecostalismo é sua ênfase na figura do Diabo e
seus demônios. Em tudo o neopentecostal enxerga a ação de Satanás: doenças, problemas de
relacionamento familiar, dificuldades financeiras são vistos como resultantes da ação de demônios.
Expulsá-los das vidas por eles dominadas é a grande tarefa que o neopentecostal se impõe.

Juntamente com esta ênfase, destaca-se o papel fundamental desempenhado pelo Homem na
cosmologia neopentecostal. Para o neopentecostalismo, Deus e o Diabo somente agem no mundo
através dos seres humanos que a eles se submetem. A teologia da guerra espiritual é uma teologia
humanista: ela define o mundo humano como seu campo de batalha. Qual a origem teológica destas
ênfases neopentecostais no Diabo e no Homem? De onde vêm tais crenças? O Dr. R. T. Kendall, em
seu estimulante ensaio "A Modificação Puritana da Teologia de Calvino"1, oferece elementos
fundamentais para o entendimento de algumas das bases teológicas de fenômenos religiosos
contemporâneos, tais como o pentecostalismo e o neopentecostalismo.

Não é esta a proposta do autor, mas, simplesmente, estudar a modificação que o puritanismo inglês
causou à teologia do Reformador de Genebra. Entretanto pode-se ver neste estudo de base elementos
de ligação com os referidos movimentos, o que procurar-se-á demonstrar neste artigo. O puritanismo é
um movimento religioso inglês, criado por um grupo de cristãos, ex-refugiados repatriados à
Inglaterra, e que não se conformaram com a reforma elizabethana da Igreja, como registra Kendall: ...
para desânimo de muitos, Elizabeth não reformou a Igreja; ela apenas "varreu o lixo para trás da
porta". Aqueles que se opuseram a uma Igreja "somente meio reformada" foram chamados de
"puritanos".2O teólogo e pastor Theodoro Beza, sucessor de Calvino no comando da Igreja Reformada
de Genebra, foi o autor que mais influência exerceu sobre o puritanismo inglês nascente.

As suas preocupações em aprofundar a teologia de Calvino, dando sistematização à Doutrina dos


Eternos Decretos de Deus, não somente trouxe influências sobre a Igreja Reformada da Holanda e o
partido de Franciscus Gomarus no Sínodo de Dort, mas tirou o movimento puritano inglês de sua
discussão meramente eclesiológica (forma de governo, liturgia, usos e costumes do ritual, etc.) para a
discussão soteriológica. Assim, em teólogos puritanos como Willian Perkins3, notar-se-á a forte marca
da pessoa e da teologia de Beza. Perkins foi um teólogo preocupado com a questão da fé e sua relação
com a salvação. Segundo do Dr. Kendall existiam, para Perkins, dois tipos de fé: a salvadora (que os
eleitos e aprovados possuem) e a temporária (que os não eleitos e não aprovados possuem)4.

Nota-se nesta classificação, estranha as Calvino, que a questão central que se esconde por trás da
mesma é a busca de saber-se quem é eleito e quem é não eleito, ou quem é aprovado e quem é não
aprovado. Tal raciocínio aponta para a questão da dupla predestinação que, no supralapsionismo
puritano significa que Deus, antes mesmo da Criação e da Queda, predestinou uns para a salvação e
outros para a perdição eternas. Certamente isto é muito diferente do sentido da Doutrina da Eleição
em Calvino. Calvino, ao referir-se à eleição fazia-o com o intuito de acalmar a mente acusada e
culpada dos crentes, demonstrando-lhes que seriam salvos, não por causa das suas obras, mas por
causa do amor de Deus revelado na graça de Jesus Cristo. Entretanto, a conseqüência pastoral e o
objetivo prático desta teologia de Perkins (em luta contra o que entendia ser uma Igreja "meio
reformada"), não visava tranqüilizar os cristãos faltosos e sinceramente arrependidos de suas culpas
morais, mas chamar-lhes a atenção para que não fossem vítimas de uma "fé temporária" e, por isso,
reprováveis, como destaca o Dr. Kendall: Perkins começa "... declarando quão longe alguém pode ir na
profissão do Evangelho, e, mesmo assim, ser um homem ímpio e um Réprobo".

Por trás de sua referência a "quão longe" um reprovado possa ir, está sua posição de que um não
eleito pode exceder, em "certos frutos, ao eleito" e que isto acontece pelo que denomina uma
"chamada ineficaz".5Vê-se, pois, que este é um conceito novo, desconhecido de Calvino, mas baseado,
segundo Kendall, na teologia de Theodoro Beza. Em oposição à chamada eficaz, a chamada ineficaz "é
tão poderosa que o sujeito manifesta - a si mesmo e a outros - todas as aparências do eleito"6. Nota-
se que esta é uma espécie de teologia do terror, onde um cristão bom e sincero poderia ter medo de
ser um réprobo. Deve-se levar em conta que o referido teólogo está preocupado com a pureza da
Igreja, em meio à uma luta que, no seu modo de julgar, está contaminando a Igreja com os impuros,
ímpios e não espirituais. Porém, para usar uma metáfora conhecida, ao querer lavar a criança na bacia,
quando foi jogar a água fora, esqueceu-se de tirar a criança de dentro da água. Como, então, alguém
poderia saber-se um eleito, um alguém atingido por uma chamada eficaz? Perkins, apelando para
Beza, diria: a santificação.

"Neste ponto é que podemos ver as sutilezas entre Calvino e Beza. Calvino apontava os homens a
Cristo quando eles duvidassem da eleição, ao passo que Beza indica aos homens a sua santificação"7.
Com isso tem-se um deslocamento dos Eternos Decretos de Deus: eles deixam a eternidade e fixam-se
na história, saem de Deus e fixam-se nos seres humanos. Se Calvino direciona os olhos a Cristo, Beza
dirige os olhos do ser humano a ele mesmo. Este é um ponto fundamental para entender-se a
modificação puritana da teologia de Calvino. Se Calvino, ao aflito e duvidoso diz: "Olha para Cristo!", o
que afirma o reformador é que em Cristo, no Seu sacrifício consumado, garantia do amor de Deus pelo
ser humano, é onde repousa a segurança do crente. Perkins e Beza, tiraram o olhar do cristão da
eternidade e de Deus, para lançá-lo sobre o indivíduo e para a intimidade. Em Calvino Cristo é o objeto
da fé. No puritanismo a segurança da eficácia do ato de Cristo não é Deus (e Seus eternos decretos),
mas a santificação (que no puritanismo significa a luta íntima contra o pecado e pela piedade).

Em Calvino a testemunha da eleição é Cristo. No puritanismo são as obras dos crentes (sua
santificação), como bem diz Beza em sua obra Sumário e Essência: Agora, quando Satanás nos põe em
dúvida sobre nossa eleição, nós não podemos procurar a resolução dela no eterno conselho de Deus,
cuja majestade não podemos compreender, ao contrário, devemos começar pela santificação que
sentimos em nós mesmos... uma vez que nossa santificação, da qual procedem boas obras, é um
efeito seguro do efeito (maior) ou, antes, de Jesus Cristo habitando em nós pela fé.8Que pretendiam
os puritanos? Criar um critério objetivo que conferisse a certeza da salvação ao crente (talvez
considerassem olhar para Cristo algo muito vago e subjetivo). Entretanto, como tudo o que sabemos é
errar e pecar, e considerando que apesar de com a mente sermos escravos da lei de Deus,
encontramos em nossos membros uma outra lei que, guerreando com a nossa mente, nos vence e nos
faz escravos do pecado e da morte9.

A conseqüência natural e imediata da teologia puritana é o terrorismo teológico. Ora, tanto Luthero
como Calvino, com suas teologias centradas em Deus, expulsaram o medo e o terror que as acusações
(de consciência ou do diabo, o Acusador) infundiam na mente e no coração de uma pessoa cristã
sincera e honesta consigo mesma e com Deus. Os reformadores sabiam que a garantia da vocação
cristã estava em Deus. Sabiam que o crente, ao olhar para si mesmo e encontrando, como só poderia
ser, as marcas de seus erros e pecados, poderia, ainda assim, ter plena segurança de sua salvação,
visto que esta repousava em Deus (no amor de Deus que revelou-se aos seres humanos como graça
na pessoa de Jesus Cristo), e não na capacidade do cristão em cumprir a vontade de Deus, ou seja, na
sua santificação (obras de piedade). Certamente percebe-se que, se de um lado a Reforma sepultou o
diabo e o seu pretenso poder (que outro não é, segundo as Escrituras, senão tentar e acusar), de outro
o escolasticismo protestante acabou por ressuscitar o capeta, conferindo-lhe de volta o poder que a
salvação por graça mediante a fé quebrara-lhe. A questão central, no puritanismo, reside no fato de
saber-se salvo, com uma vocação eficaz e uma fé salvadora, justamente porque se pratica obras de
santificação.

Assim, se o critério está na pessoa, parafraseando Paulo, "somos os mais infelizes de todos os seres
humanos"10. Veja-se, por exemplo, o que diz Luthero: A força do homem nada faz,Sozinho está
perdido!Mas nosso Deus socorro trazEm Seu Filho escolhido.Ou, ainda, O príncipe do mal,Com seu
plano infernal,Já condenado está!Vencido cairáPor uma só palavra.11Ora, se o poder do diabo para
frustrar o plano de Deus e por o ser humano a perder residia justamente no fato de ter a capacidade
de tentar este ser humano para que, pecando, acumulasse para si juízo e condenação, Deus frustrou
este plano cortando-lhe o mal pela raiz: já que ao ser humano é impossível produzir as obras exigidas
pela lei moral (ou seja, ser santificado), Deus criou o meio efetivo da salvação em Cristo, que assumiu
a natureza humana e cumpriu a lei de Deus no lugar dele. Assim, livremente, Deus concede ao ser
humano aquilo que lhe era impossível conseguir: salvação. Somente a graça de Deus em Cristo é que
salva, sendo esta graça eficiente, suficiente e eficaz. Mesmo quem olhar para si mesmo e não
encontrar bem algum que justifique a sua eleição, basta-lhe olhar para Cristo e reconhecer o imenso
amor que Deus lhe tem, salvando-o, não por outro meio, senão por causa de Seu amor revelado em
graça: Jesus Cristo! Neste sentido a segurança dada por Cristo produz tranqüilidade (paz) e gratidão
(gosto de co-responder ao imenso amor de Deus).

Entretanto, se a pessoa deve olhar para si mesma, para as suas obras de santificação, para o acordo
do que faz com a lei moral de Deus e as exigências da piedade, entrará em desespero, pois terá a
certeza da sua perdição. Com isso ressuscitam-se as dúvidas, as acusações e, com estas, a figura
derrotada e vencida pela teologia da Reforma: o diabo! Aquele que tinha somente o poder de tentar e
acusar vê, outra vez, ressuscitado o seu poder de aterrorizar as consciências. Nesta teologia puritana
as obras de santificação é que deveriam produzir a tranqüilidade (paz), mas elas, para o cristão
honesto, infundem a dúvida, o medo, dando lugar novamente ao diabo. Vê-se que, além de trazer o
diabo novamente à baila, o puritanismo restaurou o homem como sujeito da religião. Em Calvino tudo
depende do Deus soberano: ele elege, chama, vocaciona, envia, sustenta, move, garante e fortifica. No
puritanismo, com sua doutrina da santificação como critério objetivo da salvação (ou da eleição, como
queira-se) o campo de atuação deixa de ser a eternidade e passa a ser a história; deixa de ser em
Cristo e passa a ser no indivíduo, que deverá produzir obras de piedade e agir conforme a lei moral. Na
medida em que o indivíduo orar, ler as Escrituras e praticar devoção (pessoal, familiar e coletiva), ele
dará lugar ao Espírito em sua vida e, via de conseqüência, se santificará. Porém, se ele não praticar a
devoção, não se inclinará para as "coisas do espírito" e, conseqüentemente, inclinar-se-á para realizar
as obras da carne, dando lugar ao diabo na sua vida, e revelando-se um reprovado. Em última análise
Deus e o diabo só agem na vida do indivíduo quando este lhes dá lugar.

Pode-se resistir, não somente ao diabo, mas a Deus, de igual modo. O Deus puritano não é o mesmo
Deus soberano de João Calvino. Ainda que tentando combater o arminianismo, na prática, o que
produziu o puritanismo foi aquilo que buscava combater na teoria. Nota-se, pois, com toda a clareza
que o puritanismo, com a modificação que provocou na teologia de Calvino, ressuscitou o diabo! Ao
fazer da santificação (obras da lei moral e de piedade) o meio objetivo de ter-se segurança da eleição,
acabou por trazer de volta à religião alguém que os reformadores, apontando para a graça de Deus em
Cristo, haviam descartado da mesma: o capeta! Esta "salvação por dedução" (fazer obras de
santificação, é saber-se salvo), doutrina soteriológica puritana ligada à doutrina da santificação, é a
"mãe" que, em seu ventre frágil e atribulado pelo terror, gerou o "Bebê de Rosemary" (o
neopentecostalismo), o aparecimento impiedoso de maus espíritos, demônios, diabos, capetas, exús,
pombas-giras, vampiros, duendes, fadas, anões-de-jardins e tudo o mais que se quiser no campo
religioso evangélico que são aceitos como verdadeiros (ainda que satanizados). Além de recolocar no
homem o acento da religião, deslocando-o do único centro sobre o qual deve-se e pode-se estabelecer
a única e verdadeira religião: em Cristo Jesus! Eis aqui a genealogia do neopentecostalismo.

O desvio puritano nos fez chegar a este ponto em que fé e magia se confundem e o fantasma do
grande derrotado pela cruz vem agora nos assombrar. É seguindo por este desvio que o
neopentecostalismo apoiado em sua ancestralidade puritana está tomando nossas igrejas e instalando
o terror teológico nos corações dos crentes. Diferentemente de tudo aquilo que é nascido do Espírito,
sabemos de onde vem. Resta agora saber para onde vai e onde vamos parar. Com a palavra, os
puritanos

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