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Opinião
Viver em Cristo!
02/maio 08:00
Por Monsenhor José Maria Pereira
Qual é, portanto, nosso papel de ramos? João, como vimos, tem um verbo
predileto para expressar esta unidade: “permanecer” (entende-se, unidos à
videira que é Cristo): Permanecei em mim e eu permanecerei em vós […];
quem permanecer em mim […]. Permanecer unidos à videira e permanecer
em Cristo Jesus significa, antes de tudo, não abandonar os compromissos
assumidos no batismo; não ir para um país distante, como o filho pródigo,
sabendo que se pode separar-se de Cristo com uma decisão de momento,
entregando-se a uma vida de pecado consciente e procurado, mas
também pouco a pouco, quase sem que se perceba, dia após dia,
infidelidade atrás de infidelidade, omissão após omissão, uma incoerência
depois de outra, deixando primeiro de comungar, depois de participar da
Missa, depois de rezar, enfim, depois abandonando tudo.
Para tal crescimento, é preciso ser podados e deixar-se podar: podará todo
o que der fruto, para que produza mais fruto (Jo 15,2). O que significa que o
poda? Significa que elimina os brotos supérfluos e parasitários (os desejos
e apegos desordenados), para que concentre toda sua energia numa só
direção e assim cresça de verdade. O agricultor fica muito atento, quando
a parreira se carrega de uva, para descobrir e cortar os ramos secos ou
inúteis, para que não comprometam a maturação de todo o resto. É uma
grande graça saber reconhecer, no tempo da poda, a mão do Pai e não se
queixar, nem reagir desordenadamente fazendo-se de vítimas perseguidas
nem se sabe de qual desgraça.
Vós já estais puros pela palavra que vos tenho anunciado, dizia Jesus a
seus discípulos (Jo 15,3). O Evangelho que é Palavra de Deus em Jesus
Cristo é, portanto, uma poda e representa a ascese fundamental do
cristianismo. Ele corta as ambições (o dinheiro com seus satélites, a carne
com suas concupiscências), tudo, enfim, o que nos dispersa em tantos
projetos vãos e desejos terrenos; fortifica ao invés, as sãs energias
espirituais; fixa nossa atenção nos verdadeiros valores, colocando em crise
os falsos. A Palavra de Deus revela-se de verdade como uma espada
afiada, de dois gumes, nas mãos do podador (Ap 1,16).
Nesta luz, devemos esforçar-nos para ver não apenas nossos sofrimentos
individuais – lutos, doenças, angústias que afligem a cada um de nós ou a
nossa família – mas também o grande e universal sofrimento que oprime
nossa sociedade e o mundo inteiro, inclusive o mais misterioso de todos,
que fere os inocentes. Faz anos que nos debatemos numa crise que
mostra nossa impotência em colocar paz e ordem na convivência civil,
encontrar um acordo e pôr fim ao ódio e à violência. É esta também uma
poda necessária ao orgulho e à presunção humana. Talvez Deus esteja
procurando, com todos os modos, nos fazer entender que sem Ele nada
podemos fazer (Jo15,5).
É uma lição, esta, que uma sociedade facilmente esquece, logo que
consegue ficar por algum ano sem guerras e sem grandes tragédias. O
espírito de Babel- isto é, a pretensão de sozinho construir a casa – está
sempre nos tentando. Nós ouvimos tanto de nossos chefes fazer
programas muito ousados, acabando cada discurso prometendo paz,
justiça e liberdade; mas tudo isto como se dependesse exclusivamente
deles, ou, na melhor das hipóteses, da boa vontade de todos; como se não
precisasse absolutamente referir-se ao Evangelho e a Deus para poder
manter certos valores, compreendido o mais elementar de todos, que é o
respeito à vida; como se o ódio pudesse ser vencido de uma forma
diferente do amor; como se a vida de Cristo na terra tivesse sido um luxo e
algo supérfluo, e não, ao invés, uma necessidade absoluta de salvação
para todos. Tudo isto é uma tremenda ilusão que Deus nos deve tirar, de
outra forma voltaríamos a ser pagãos como antes de Cristo. E para
eliminá-las Deus não precisa nos enviar duros castigos; basta-lhe deixar-
nos agir sozinhos e depois nos fazer observar, entre ruínas e choro, aquilo
que sozinhos fomos capazes de fazer. Se o Senhor edificar a casa, em vão
trabalham os que a constroem (Sl 127 [128],1).
Permanecer em Cristo!
A Parábola da Videira é verdadeiramente significativa, porque expressa
com grande eficiência que a vida cristã é Mistério de Comunhão com
Jesus: “Quem permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois,
sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5). O segredo da fecundidade
espiritual é a união com Deus, união que se realiza sobretudo na Eucaristia,
justamente chamada também “Comunhão”.
Jesus é o tronco e nós somos os ramos! O ramo que não der frutos é
cortado e lançado ao fogo. O ramo que dá frutos é podado para que dê
mais frutos. Jesus convida os apóstolos a permanecerem n’Ele: ”
permanecei em Mim, como Eu em vós”. Como o tronco da videira
transmite a vida aos ramos e os ramos são vivificados quando
permanecem ligados ao tronco, assim se dá com Cristo e os cristãos. Os
ramos assim ligados ao tronco é que produzem fruto. Para produzir frutos,
os ramos precisam de seiva da videira e da poda.
Precisa da seiva da videira, que é Cristo, pois “sem Mim nada podeis
fazer”. O texto fala oito vezes em “permanecer em Cristo” e sete vezes em
“dar frutos”. Se não permanecermos unidos a Cristo, recebendo essa seiva,
nos tornaremos ramos secos e estéreis, que serão cortados e lançados ao
fogo.
Quem não está unido a Cristo por meio da graça terá, o mesmo destino
que as varas secas: o fogo. Diz Santo Agostinho: ”os ramos da videira são
do mais desprezível se não estão unidos ao tronco; e do mais nobre se o
estão (…) se se cortam não servem de nada nem para o vinhateiro nem
para o carpinteiro. Para os ramos há duas opções: ou a videira ou o fogo:
para não irem para o fogo, que estejam unidos à videira”.
Porém impõe uma condição: “permanecer unido a Ele”. Para isso precisa:
gastar tempo com Ele! Nenhum trabalho, mesmo pastoral, justifica o
abandono do encontro pessoal com Cristo, na Oração. Jesus nos adverte:
”sem mim nada podeis fazer”.
São Francisco de Assis ensinava que “do homem que não reza não se pode
esperar nenhum bom fruto”.
O senhor nos adverte: ”se não permanecerdes em mim, não podeis dar
frutos”. Tornar-se-à “um galho seco” que será cortado e jogado ao fogo…
Isso acontece com aqueles que se separam de Cristo. “A vida de união
com Cristo transcende necessariamente o âmbito individual do cristão
para se projetar em benefícios dos outros: daí brota a fecundidade
apostólica, já que o apostolado, seja ele de que tipo for, consiste numa
superabundância da vida interior”(Amigos de Deus,239).