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PRO DIA NASCER FELIZ – CONSCIENTIZAÇÃO EDUCACIONAL

BRASILEIRA

Pro dia nascer feliz não é apenas um documentário que trata da


educação nas escolas brasileiras, é um filme que nos faz pensar. Seu diretor,
João Jardim é um egresso da publicidade e da televisão, e cuja formação no
jornalismo foi complementada na Universidade de Nova Iorque em cinema.
Vinte anos se passaram desde que se formou e isso se reflete em seu trabalho
neste filme. Esta “obra-prima”, executada de forma engenhosa do ponto de
vista da edição, retrata de forma corajosa o dia-a-dia das escolas e a
fragilidade do sistema e de seus personagens principais: alunos e professores.

Este documentário de 2005 mostrou aos brasileiros, durante


inacreditáveis quarenta semanas de exibição nos cinemas, uma realidade que
o Brasil  não queria ver. João Jardim dá o tom do seu filme logo nas primeiras
cenas, quando faz um recorte de outro documentário feito em 1962, no qual o
narrador pergunta se a tal “juventude transviada” da época não carecia apenas
de “oportunidade de ir à escola, de um futuro”. O autor dá um salto no tempo e
explica para o espectador que tudo mudou, afinal quarenta anos depois, há
vagas para todos entrarem nas escolas. E arremata que mesmo assim, metade
dos que entraram na escola, não termina o ensino fundamental. É assim que o
autor nos introduz em sua jornada pela busca de respostas.

“Pro dia nascer feliz” desnuda a fragilidade do sistema educacional


brasileiro. Mostra a realidade da vida de jovens no contexto escolar, seus
sonhos e frustrações e a expectativa no futuro incerto, enfrentando diariamente
o paradoxo que a vida lhes impõe: a escola deveria ser a base da educação na
construção de seu futuro. Também assim achava o teórico Talcott Parsons
(1974), discípulo de Durkheim, quando afirmou que deveria haver uma troca
equivalente, onde tanto o indivíduo quanto a sociedade deveriam se beneficiar
deste arranjo educacional. Esta forma conservadora de perceber a educação
está longe de fazer sentido no lado de cá do Equador, como mostra este filme.
Jovens estudantes e professores se expõem numa realidade de riqueza
e pobreza. Seus depoimentos verbais e não-verbais contribuem para marcar as
diferenças e contrastes de comunidades não menos divergentes entre si. O
autor-diretor nos propõe este mosaico cultural  da educação do Brasil,
pontuando, por exemplo, a precariedade das estruturas da pequena escola de
Manari, em Pernambuco, e a abundância do Colégio Santa Cruz, tradicional
escola paulistana, de onde saíram diversas figuras proeminentes da nossa
história. Esta desigualdade só se desfaz quando percebemos o discurso do
papel da escola, que fora do contexto social real dos alunos menos
favorecidos, reproduz valores, idéias e cultura da classe privilegiada como
sendo os verdadeiros, aceitáveis e únicos.

Duas jovens poetisas são retratadas nesta estória, uma da cidade


grande do sudeste, outra do interior do nordeste. Primeiro a moça do interior,
que tem objetivos maiores que não cabem em seu pequeno mundo, dotada de
entendimento de seu destino. Em contrapartida, a outra, igualmente
extraordinária poetisa, que mora no centro urbano, escritora do Fanzine da
escola e cercada das possibilidades que a o interior sequer pode imaginar.
Esta moça da cidade, deprimida, não aceita seu lugar e virá a ser retratada
pelas câmeras um ano depois como “acomodada” pela sua ida e vinda do
trabalho para casa, chorando a falta da escola e seus amigos.

Este abismo que separa estas duas jovens tão parecidas não é apenas
geográfico. Seus mundos divergem quando se pensa em todos os segmentos
da sociedade, cultural, econômico, educacional que permeiam suas vidas, cada
uma em sua cidade. Porém, fica evidente, demonstrado empiricamente no
filme, que a escola de ambas forma falsos cidadãos, que são submissos
àqueles melhores que eles, e acabam por aceitar seu fracasso escolar e social
como responsabilidade exclusiva de si mesmos, se acomodando sem lutar por
mudanças, dentro de um sistema democrático e injusto.

Em outro momento do filme, um grupo de amigas discute, dentro da


escola da elite, seu próprio “olhar de dentro da bolha”. Percebem sua realidade
privilegiada e chegam a expressar o medo de interagir com outras pessoas que
não fazem parte do mesmo convívio social, para “não evidenciar as diferenças
de modo brutal”. Seus discursos corroboram com a ideia de que a escola
contribui para o processo de reprodução da formação social posto pelo
capitalismo, com jovens que não conhecem o outro lado da história e nem
pretendem conhecer. Desta forma, lembramos que Althusser (1985) definiu a
escola como aparelho ideológico do estado, a qual conduz os indivíduos a
aceitarem sua condição social, seja ela qual for.

Ao contrário das outras escolas, esta propõe um desafio ao estudante. A


disciplina é rígida e a cobrança se apóia no interesse dos pais. As alunas vivem
sob o estresse do bom desempenho e se cobram com a mesma intensidade.
Este processo sistêmico de estudo, ambiente escolar e família, ratificam o
projeto do neoliberalismo do bom desempenho, que é permeado pela busca da
qualidade. O aluno é avaliado pelo seu rendimento escolar, currículo e assim
estará apto para desempenhar sua função no mercado de trabalho no futuro.

Esta percepção de mundo se modifica quando em uma reunião de


alunos numa escola da periferia do Rio de Janeiro, em Caxias, percebemos a
violência explícita e implícita vivida no dia-a-dia daqueles jovens. Todos são
levados a se conformar com a situação, criando uma espécie de relativização
do caos instalado na vida destes jovens. Seu discurso reflete uma
segmentação de classes dentro das classes, onde cada um deve desempenhar
seu papel, sob pena da justiça da lei ou dos bandidos. É a ideologia a serviço
da falta de conteúdo e bens materiais, é a descontextualização da cultura pós-
moderna, segundo Jameson (2006).

Num mundo de tanta miséria e fome, tantos problemas na área da


saúde, da segurança e a falta de tantos confortos básicos, podemos usar o
discurso do documentário de João Jardim como um alerta. A educação deve
ser motivo de preocupação e a juventude está diretamente ligada a esta
realidade. Sendo jovem a próxima geração responsável, devemos priorizá-los
agora e nos próximos governos, criando novas formas de estímulo para que
decidam por si mesmos governar não somente suas vidas, mas o futuro do
nosso país. Está mais do que provado que essa realidade precisa mudar em
caráter urgente e esta pode vir a ser a contribuição deste cineasta para as
futuras gerações.
REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro:


Edições Graal. 2 ed, 1985

JAMESON, Fredric. A virada cultural: Reflexões sobre o pós-moderno.


Tradução de Carolina Araújo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006
PARSONS, T. O sistema das sociedades modernas. São Paulo: Pioneira,
1974

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