Você está na página 1de 15

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTE (ICHCA)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

118.505.174-01

NOVAS CONFIGURAÇÕES NA POLÍTICA DO AGRESTE PERNAMBUCANO: LEIS


ESTADUAIS DE EMANCIPAÇÃO (1962-1964)

Projeto de pesquisa apresentado ao programa de pós


graduação em História – PPGH da Universidade
Federal de Alagoas - UFAL para a seleção do curso
de mestrado em História na linha de pesquisa:
Relações de poder, conflitos e movimentos sociais.
Orientadores pretendidos: Anderson da Silva
Almeida e/ou José Vieira da Cruz

Maceió-AL

2021
Introdução

No dia três de dezembro do ano de 1963, foi iniciado a publicação no Diário do Poder
Legislativo1 o que no final viria a ser 61 novos municípios, distribuídos em todo o estado de
Pernambuco, aprovados na Assembleia Legislativa de Pernambuco-ALEPE para obterem sua
independência administrativa das antigas cidades a qual pertenciam. No entanto, dentre eles,
somente 40 alcançaram de fato emancipação nesse período e foram sancionadas pelo então
governador do Estado de Pernambuco na época, Miguel Arraes de Alencar.
Todas essas novas cidades surgem após a aprovação de um conjunto de Leis estaduais 2,
em que a cada número da lei acrescentado representa o novo município em criação. As leis
foram aprovadas em fins do ano de 1963 com criações de municípios próximos ao litoral para,
posteriormente, iniciar as aprovações de cidades mais interioranas. A observação das leis em
questão foi possível a partir da investigação sobre a emancipação do Município de Capoeiras,
que se tornou independente do Município de São Bento do Una, a partir da atuação da Lei nº
4998, sendo localizado nas proximidades da cidade de Garanhuns-PE.3
Após algumas observações, surgiram alguns questionamentos acerca da criação de
municípios nas cidades próximas a Garanhuns4, isso porque a maioria tinha conseguido se
emancipar no mesmo ano. Destarte, após algumas pesquisas, foi visto que não só no agreste
como também zona da mata e sertão havia municípios emancipados nesse mesmo ano. Outra
coisa que intrigou foi o tempo para se concretizarem as emancipações, dado que a maioria só
se estabelece após o mês de junho do ano seguinte, o que pode ser explicado tanto por resultados
de conflitos internos de poder como por questões externas e adversas. Há, também, a
possibilidade de um elo entre a criação de municípios e a relação de lideranças locais com
deputados estaduais e, em alguns casos, federais. Em meio a essas exposições pode-se notar
que existe muitas interrogações acerca da história da fundação de novas cidades no interior
do Estado de Pernambuco e de como se deu a instauração e disputa por poder administrativo
após suas respectivas emancipações.

1
https://www.cepe.com.br/
2
Não há como saber exatamente qual cidade emancipou-se primeiro, no entanto, aquelas que não são
sancionadas fazem com que não se saiba qual a primeira. Entretanto, segundo o diário do poder legislativo, o
primeiro município criado foi o de Nossa Sra. da Conceição, desmembrando-se de Paulista-PE, como este
não veio a ser município, os primeiros a realmente atingir esse objetivo começam a partir de 20 de dezembro
de 1963, portanto, aqueles pertencentes a Garanhuns são: Paranatama e Caetés.
3
A pesquisa sobre o processo de emancipação do município de Capoeiras surgiu a partir do trabalho de
conclusão de curso como requisito avaliativo do curso de licenciatura em história pela universidade de
Pernambuco.
4
Cidade localizada no Agreste Meridional de Pernambuco, considerada uma das principais cidades daregião a
qual está inserida, fica a cerca de 230 Km da capital Recife.
Sendo assim, algumas questões são pertinentes: quais propósitos e interesses estão por
trás destas Leis estaduais que resultaram na emancipação de 40 municípios às portas do
regime civil militar? Como surgiram as primeiras iniciativas políticas nesses municípios e
quais os personagens e seus interesses em relação ao desenrolar do processo emancipatório?
Qual a conjuntura daquelas vilas e sua relação com as cidades as quais pertenciam e o que
possibilitou que conseguissem se tornar cidades? Quais os principais desafios enfrentados
pelos respectivos municípios para seu sucesso de autonomia política em meio à conjuntura
política nacional da época?
Objetivo Geral

Diante desses questionamentos e levando-se em consideração a atuação das leis estaduais


em questão, a presente pesquisa tem o intuito de analisar o papel destas leis na transformação
do cenário da política local compreendendo a constituição e dinâmica do poder local no agreste
pernambucano, em especial as cidades próximas ao município de Garanhuns-PE, como os
municípios de Paranatama e Caetés, contribuindo para a história política desses municípios
historiograficamente anônimos.

Objetivos Específicos

 Analisar a trama política em volta das Leis estaduais de 1963 mediante o contexto político
regional/nacional
 Compreender a reconfiguração da política local no agreste de Pernambuco a partir da
emancipação de novos municípios entre 1962-1964
 Identificar a conjuntura e alinhamentos políticos partidários ou não partidários que
configuravam e os que passam a configurar a realidade política local entre os municípios
emancipados nas proximidades da Cidade de Garanhuns-PE logo no desenrolar da
concretização das Leis

Justificativa

Tendo em vista que a historiografia pernambucana por muito tempo limitou-se àsquestões que
giram em torno da monocultura da cana-de-açúcar junto ao sistema escravista, com grande
ênfase na região litorânea, é sabido que a produção historiográfica voltada para temas que
regem a dinâmica econômica interna, assim como as relações sociais fora do âmbito dos
engenhos e senzalas, é ainda restringida. No que tange ao estudo de aspectos da história
política voltada ao interior, deparamo-nos com conceitos como coronelismo e sua relação com
a política estadual/federal. Contudo, um recorte da história política local, voltado para região
interiorana, que pese a contextualização da aparição de pequenos municípios numa dinâmica
mais contemporânea da nossa historiografia é algo ainda pouco explorado no meio acadêmico
embora muitas vezes evidenciados por “historiadores amadores”.

Nesta perspectiva, ao abordar o tema da história local/regional depara-se sempre com as


narrativas amadoras da história sendo encaradas como a história oficial destas localidades, elas
estão mais presentes nesse aspecto justamente devido à falta de produção acadêmica que se
atente aquele determinado espaço. Em alguns casos, tem sim historiadores envolvidos, mas,
muitos se prendem ao saudosismo local e a uma certa forma descritiva das fontes, sem fazer
qualquer problematização. Logo, se faz necessário ao historiador estudar e buscar problematizar
lugares e acontecimentos que ficam na tabula rasa das descrições e muitas vezes não ganham
um olhar historiográfico, sendo assim, cabe a visão crítica de um historiador para fazer com
que se promova um trabalho mais aprofundado de um ambiente pouco problematizado, como
são os pequenos municípios do interior do país e, especificamente, do Estado de Pernambuco,
dessa maneira, o trabalho se desloca para um espaço interiorano (agreste pernambucano, em
especial) para deter-se a temática da política local a partir dos processos de emancipação
política de muitos municípios historiograficamente anônimos, dado a lacuna na produção desse
período, visando contribuir com a historiografia local.

Para isso, é preciso entender o que ocorre no interior do estado em relação a constituição
do poder e sua mecânica organizacional, pois pesquisar esse âmbito será pertinente para o
enriquecimento das análises posteriores em relação ao funcionamento da política representativa
da época. Sendo assim, é um tema que tem uma grande pertinência no contexto da história local
e regional. Levando em conta a atuação das leis que emanciparam os municípios que pertenciam
a cidade de Garanhuns-PE, o que se percebe é que suas respectivas emancipações se dão
sobre um período conturbado da história brasileira, sendo esses os primeiros anos da década de
1960, e pouco se aprofundou até o momento sobre o tema.
Após a emancipação, a dinâmica política passa a ser naturalmente diversa, novos
interesses e novos personagens no âmbito da política passam a se configurar e mudar
completamente os rumos dessas localidades, em que, um evento como esse tem um papel
importante na constituição coletiva da localidade onde acontecimentos que regem o processo
emancipatório de cada município despertam ainda hoje, em suas respectivas populações, muitas
narrativas e sentimentos de pertença e/ou identidade local, mostra-se, portanto, expressivo que
a formação desses municípios tenha uma atenção historiográfica.
Vale ressaltar ainda que dentro dessas narrativas e interesses locais ligados aos eventos
de emancipação política local, muito vivas são as memórias em torno do assunto, somados a
fontes documentais guardadas em ambientes públicos e particulares como relíquias de um
acontecimento rememorado por gerações, que são bastante importantes para viabilizar esta
pesquisa.
A história chamada regional e/ou local tem um aparecimento recente no âmbito da
historiografia. Contudo, sua prática vem de longa data. Segundo Cristina Donner (2012),
tornou-se costumeiro, principalmente na Europa do século XVII, as chamadas monografias,
que consistiam em relatos de certa localidade baseados no que era dito pela aristocracia local
ou pelo consenso da época. Nestes relatos continham informações sobre a fundação dessas
cidades envolvidas com os mitos locais. Como bem coloca Donner (2012, p. 223):

As pesquisas em história local, municipal, genealógica são uma prática antiga no


Ocidente. Iniciaram com a história das famílias, dos feudos, passando para as
províncias, paróquias, condados. É possível encontrar monografias e livros sobre
praticamente todos os lugares da Europa e também na América. Sua temática varia
de acordo com a região: na Noruega, os livros das famílias e das fazendas fazem
parte da História Local juntamente com os livros das comunidades; na Inglaterra os
estudos de genealogia ocupam um importante espaço [...] Em alguns países
europeus existem associações que promovem a História Local, em outros, as
pesquisas ocorrem de maneira independente.

Sendo assim, não foge à regra um historiador que estude algo relacionado a
determinado espaço e utilize desse último a função que lhe for possível, seja ela fruto de
uma relevância social ou institucional/pessoal. Todavia, o que faz com que a história local se
torne peculiar é a sua pouca interferência no âmbito nacional, visto que num determinado
território e/ou Estado é formado por partes centrais e estratégicas, a exemplo da capital, e
sendo outras partes desse mesmo espaço, consideradas periféricas em seu nível de
importância política, principalmente.

Nisto, as partes tidas como centrais num território político/administrativo são designadas
como mais importantes quando focados e materializados no âmbito de história nacional;
enquanto outras localidades que não interferem nesse âmbito central são identificadas como
periféricas, sem proeminências. São partes locais, regionais, enfim, marginais. Nesse
sentido, é como se a história somente emanasse neste centralismo espacial, nesta espécie de
epicentro dos eventos que detém a relevância do verdadeiro cenário dos acontecimentos,
com fundo nacional/centralista.
Entretanto, acerca de relatos locais, trazendo para uma realidade próxima do Brasil, os
portugueses tinham isso como rotineiro, sendo que a maioria das cidades de Portugal tinham
uma dessas chamadas monografias como narrativas de uma dada história local. A
característica principal desses trabalhos era a sua aproximação com o local e como esses
textos penetravam na comunidade, pois continham uma narrativa agradável, parecendo mais
um romance do que um texto histórico dos dias atuais (DONNER, 2012). Portanto, com esse
modelo de conto era muito mais interessante conhecer o “passado local”, sendo esses, uma
fonte hoje para historiadores que pretendem trabalhar com tais aspectos na história.
De acordo com Figueira e Gioia (2012), durante muito tempo na história do Brasil,
esses textos que aqui eram chamados de corografias, foram o Norte para conhecer o passado do
país no período da administração imperial. Provavelmente, esse tenha sido o momento de maior
divulgação de narrativas como essas, isso porque surgiu um desejo de registro por parte da
maioria das famílias aristocráticas de contar sua história e se fazer presente como verdadeiros
“donos” do passado e do futuro, que no imaginário da época, seria algo de grande relevância
para posteridade. Essas histórias eram escritas por eruditos, padres, magistrados, entre outros.
Diante disso, cada vez mais essas corografias ganhavam fama na grande extensão
continental do país, um bom exemplo são os bandeirantes, que ainda hoje são representadas no
imaginário como heróis nacionais, graças ao poder da narrativa de textos como os já citados.
Nesse contexto, observamos o quanto isso se torna cultural, a partir do momento que, enquanto
esses textos são muito difundidos nos espaços que foram produzidos, a História ainda se
encontra em um processo de conceituação que continua inclusive até a atualidade. Então, não
houve possibilidade de se fazer presente no contexto local e regional, pois quando a
historiografia acadêmica despertou para um novo caminho, esses textos de estórias já estavam
consolidados, principalmente em pequenas localidades.

Todavia, vale ressaltar que essas corografias sofreram influência da escola historiográfica
dita positivista5, onde só as fontes escritas (formais/diplomáticas) seriam legítimas e confiáveis
para se atuar com verdadeiro cientificismo (REIS, 2006). Nisso, o documento escrito “falaria
por si só” e seria inquestionavelmente suficiente à história, vislumbrada por um método
fortemente objetivo mediante a neutralidade do historiador ao lidar com as fontes. A influência
do positivismo é inegável, pois mesmo que esse tenha sido superado com um novo modelo de
pesquisa em história, nas comunidades locais mediante o senso comum e/ou uma espécie de
história amadora, as bases “positivistas” ainda prevalecem fortes.

5
Segundo José Carlos Reis, na obra “A História entre a Filosofia e a Ciência”, o termo “positivista” para
representar o modo de “se fazer história” em meados do século XIX na Europa, tendo como exemplo as
influências de L. Von Ranke na Alemanha, estava mais para uma história “metódica” que
propriamente“positivista”. Tal realidade se aplicava tanto na experiência da escola alemã quanto na francesa,
pois ambas priorizavam o método e absorveram apenas alguns elementos do positivismo de Comte (REIS, 2006).
Em tal caso, deu-se a prioridade às fontes e a suposta neutralidade do historiador, mas
como já observado, se o historiador somente copia o que ele tem de documentos, somente estará
reproduzindo uma versão do passado que naturalmente não tem compromisso com a franqueza
e honestidade intelectual, fazendo com que somente se perpetue um dado discurso. Isso será
observado com mais aprofundamento em uma nova escola historiográfica que surgiu no início
do século XX e que tem mais ligações com o fazer historiográfico atual, que é a escola francesa
dos Annales. A partir de sua atuação, houve uma reconfiguração do conceito de história e de
passado que abrirá novos caminhos na produção historiográfica.

Sobre a definição de poder, é interessante às considerações de Foucault (1979) que vai


além de uma interpretação que restringe a noção de poder às representações e manifestações
“macros”, identificadas nas instituições, apesar destas serem sim pertinentes. Nesse sentido,
Foucault considera que o poder apresenta também dimensões micros, muitas vezes invisível
às percepções sociais.

Dessa maneira: Não existe algo unitário e global chamado poder, mas unicamente
formas díspares, heterogêneas, em constante transformação. O poder não é um objeto natural,
uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente (FOUCAULT, 1979,
p.10). Acerca da questão de poder exposta acima, ela implica que ele este poder é praticado,
mas não é um fato dado e não histórico, pelo contrário, ele é constituído através de relações
sociais ao longo do tempo, portanto, refere-se a ele especificamente no local, sendo o termo
relação de poder mais adequado se tratando dessa questão. Delimitando-nos a definição de
poder local, entende-se que:

Portanto, como este poder é descentralizado e exercido em um âmbito espacial


limitado, ele está mais atento às necessidades e interesses deste lugar e,
consequentemente, as decisões que partirem desses indivíduos ou instituições que
então exercem o poder serão mais adequadas e harmônicas com aquela realidade
(SANTIN; MARCANTE, 2014, p. 176)

O poder local é bastante identificado em nossa história nacional, como o poder municipal.
Na literatura, sobre o presente assunto, Leal (2012) encarregou-se de analisar o
desenvolvimento dessa expressão da conjuntura política nacional nas relações que ligaram (e
ligam) politicamente o governo central às suas ramificações periféricas, entretanto, não menos
importantes. Sendo assim, a partir de uma densa análise que compreendeu desde o Brasil
Império até meados do século XX, Leal (2012) associou a gênese do poder local às práticas
coronelistas nas localidades provinciais e, posteriormente, na administração municipal.
Sobre o exercício de poder, Bourdieu (2009) discute como se dá a participação política
em meio a forte centralização de tal habilidade nas mãos de uma minoria: [...] a concentração
de capital político nas mãos de um pequeno grupo é tanto menos contrariada e, portanto, mais
provável, quanto mais desapossados de instrumentos materiais e culturais necessários à
participação ativa na política estão os simples aderentes (BOURDIEU, 2009, p. 164).
Neste caso, percebe-se uma relação direta entre o restrito acesso a posses e meios para
uma maior participação política. Nisso, na esfera local/municipal, enquanto espaço com suas
respectivas demandas, requer um certo perfil da comunidade para que se possa exercer de fato
uma maior participação. Entretanto, tais meios são impossibilitados devido a força exercida por
um número limitado de indivíduos na execução e representação do poder político local.
No entanto, é importante levar em consideração que existe um certo grupo social que
detém posse mais atingível de mecanismos que levam ao poder dito representativo, como situa
Bourdieu:
Monopólio da produção entregue a um corpo de profissionais, quer dizer, a um
pequeno número de unidades de produção, controlados elas mesmas pelos
profissionais; constrangimentos que pesam nas opções dos consumidores, que estão
tanto mais condenados à fidelidade indiscutida às marcas conhecidas e à delegação
incondicional nos seus representantes quanto mais desprovidos estão de competência
social para a política e de instrumentos próprios de produção de discursos ou atos
políticos: o mercado da política é, sem dúvida, um dos menos livres que existem.
(BOURDIEU, 2009, p.166)
Esse corpo de profissionais é quem, certamente, tem esse capital simbólico6 para
apropriar-se melhor de um espaço designado ao poder no local, e isso já foi mencionado em
outros trabalhos7, onde é destacado essa questão do carisma do governante local como algo
importante para uma maior aceitação e elevação do mesmo ao poder administrativo local.
Destarte, como foi dito na citação acima, a população não tem outras opções que não aquelas,
pois não possuem os poderes simbólicos para serem uma das forças em concorrência, ficando
sujeito à ordem já estabelecida.
Remetendo-se ao período pesquisado, pode-se notar que essa troca de favores não escapa
ao analisar as interações locais com o governo estadual, tendo como peculiar a forma deste
obter alguns benefícios, onde era preciso prestígio entre os políticos da capital, Leal (2012)
coloca que o estado precisa ficar ligado ao local, pois é de lá que sai o maior contingente de

6
Tal conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu serve para designar certas diferenças de poder existentes na
sociedade, com quais algumas pessoas ou instituições podem persuadir os demais de suas ideias. Essa capacidade
diz respeito ao conhecimento, prestigio ou reconhecimento de que gozam pessoas e instituições que tornam suas
mensagens e discursos mais eficazes e convincentes. Acumulado desde o nascimento, o capital simbólico atribui
autoridade aos que possuem. (GARCIA, 2013).
7
Referimo-nos aqui a autores como Raimundo Faoro (1977) e Nunes Leal (2012)”.
votos. Desta forma, o voto é uma mercadoria muito bem explorada em uma reciprocidade que
visa o poder em ambas as partes.
Tendo em vista que para a política requer que um indivíduo entre no estabelecimento das
ações e regimentos que ela possui, este precisa entender o funcionamento existente, Bourdieu
(2009, p.166) enfatiza que: Se a técnica do jogo do xadrez não existisse, eu não poderia ter a
intenção de jogar o xadrez. Se posso ter em vista a construção de uma frase, é porque sei falar
a língua em questão.
Trazendo para a localidade, este desejo se manifesta em quem está mais propício ou
próximo das relações que envolvem a política (principalmente a representativa), com isso, o
poder se configura e se relaciona com prestígio social e monetário, sendo que somente este
último não lhe renderia reconhecimento, e sem ele tão pouco conseguiria acessar certos locais
de prestígio, pois um líder local necessita ser reconhecido, dentre outras coisas, como um
benfeitor no espaço em que ele ocupa, para que então, consiga mais sucesso na política e isso
se dá também com o aporte financeiro.
Uma importante questão para entender a política local é saber quais as viabilidades
que eram dadas a mesma e, durante o período que sucedeu o regime do Estado novo, houve
uma legitimação de um federalismo que possibilitou a fomentação de um ideal de
administração local maior como aponta Bezerra:

Nessa conjuntura, a Constituição de 1946 expressou uma orientação


descentralizadora, uma vez que ampliou o poder e as responsabilidades das esferas
subnacionais, afirmando um federalismo do tipo cooperativo, em que se estabeleceu
uma repartição de compromissos e de obrigações entre os diferentes níveis
governamentais. (BEZERRA, 2016, p. 98).

Com essa nova forma de lidar com a organização de poder, as lideranças que surgiam
nos distritos poderiam passar a buscar formas de estabelecer um poder local próprio sob essa
nova condição visando a emancipação. Administrar um novo município muitas vezes era muito
mais palpável para as lideranças dos então distritos do que tentar ganhar força política dentro
de um município sede.
É preciso ainda entender os mecanismos de ascensão e consolidação de poder durante o
período da década de 1960 em que começam a surgir elementos nas eleições do executivo
municipal destacado em Matta (2013) como as campanhas eleitorais, propagandas e jingles e
etc. que não excluem a mesma camada social que antes protagonizava o poder, ela só terá que
aprimorar as formas de consegui-lo na nova conjuntura política que se apresenta.
É preciso, portanto, delimitar conceitualmente que na segunda metade do século XX o Brasil
era um país com desenvolvimento de uma indústria nacional deslocada para o Sudeste e que
no Nordeste boa parte dos municípios eram pequenos e dependiam da agricultura como
destaca Gomes Junior (2017):
A começar pelo fato de que quase 70% dos nordestinos em 1960 ainda viviam em
zona rural, enquanto que no Brasil como um todo, essa mesma taxa já estava
aproximadamente em 55%. Em virtude disso, 64% da população economicamente
ativa do Nordeste trabalhava no setor primário da economia, o que conferia à região
a singela distribuição - não compatível com a sua extensão territorial e população –
de 15,9% da renda nacional no início da década de 1960. (GOMES JUNIOR, 2016,
p. 35).

Essa concentração rural no Nordeste e também no Estado de Pernambuco demonstra


que relações de poder mais fincadas em uma espécie de coronelismo tardio poderiam continuar
ocorrendo, o debate sobre o exato fim do sistema coronelista é muito longo e não cabe no
momento, mas como um conceito historicamente construído o coronelismo não foge à regra e
ele não poderia simplesmente acabar de um momento para outro e sim, entrelaçar-se com novas
formas de constituição de poder que variam a sua transformação em cada local ao longo do
tempo.
Desta maneira, estar no comando do executivo de um município na região do agreste de
Pernambuco, por exemplo, significava formar uma rede de alianças que incluía tanto grupos
econômicos como apoio de setores da igreja, já que esta tinha um papel de influência muito
forte na população, como destaca Cavalcanti (2009) e Cristino Júnior (2016) em alguns dos
poucos trabalhos que tratam da conjuntura política da cidade de Garanhuns na época delimitada
pelo presente projeto.

Fontes e Metodologia

Tendo em vista que a pesquisa passa pela questão da análise crítica de certo material que
será colhido, o presente trabalho voltasse para o método qualitativo que segundo Minayo “a
pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos
e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (2001, p. 21).
Será feita uma revisão bibliográfica sob a orientação do professor(a) do programa de mestrado
em concomitância com o que já foi feito até o momento. Sabe-se que, com a Escola dos
Annales, houve uma mudança nas considerações acerca das fontes possíveis e o
reconhecimento da subjetividade contida na fonte e na seleção e análise do historiador dando
ao pesquisador/historiador o protagonismo de interpretar a fonte e de pontuar problemas.
Isso aconteceu após uma grande discussão acerca da neutralidade do historiador, sendo
essa um objetivo dos metódicos, já que para os historiadores da Escola de Annales a
objetividade persiste nos cuidados metodológicos relativos a cada tipo de fonte. Considerando
que a história não é pronta como pensava os metódicos e é possível ao historiador fazer
questionamentos às suas fontes para formular uma história-problema, a história passa a ter um
maior compromisso com o esclarecimento e debate do passado, e não somente com a mera
descrição do resultado da pesquisa (BURKE, 1997). Dessa forma, este trabalho se propõe a
fazer essa formulação a partir do material pesquisado.

Haja vista que trata-se de uma pesquisa de institucionalidades e as relações entre elas, é
preciso fazer esse trato das fontes institucionais de forma crítica e analítica, sendo estas fontes
muito úteis para viabilizar as proposições do nosso objeto. No entanto, com toda a questão de
mudanças na historiografia, há uma maior possibilidade de recorrer a diversos tipos de fontes,
mas sem perder de vista que cada uma tem que ser metodologicamente analisada em sua
especificidade e que como afirma Koselleck: “Uma fonte não pode nos dizer nada daquilo que
cabe a nós dizer. No entanto, ela nos impede de fazer afirmações que não poderíamos fazer. As
fontes tem poder de veto” (2006, p. 161).

Sabe-se ainda que cada fonte precisa ser bem trabalhada de acordo com seus métodos e
especificidades, um bom exemplo é a fonte oral, que pode dar grande contribuição para a
pesquisa, pois muitas informações valiosas podem ser colhidas com esse método, tendo um
papel de complementação de fontes e enriquecimento da problematização do objeto de
pesquisa, principalmente se tratando de história local. No entanto, é preciso entender a
história oral, suas implicações e buscar assimilar seus métodos e conhecer um pouco mais de
como este tipo de colhimento de fonte pode contribuir para o historiador.
Segundo Montenegro (1992/1993), o depoimento oral como fonte histórica vem ganhar
notoriedade na historiografia a partir da década de 1960, sendo que no Brasil, passa a ser
introduzida de fato em fins da década de 1970. O historiador, ao realizar uma entrevista, precisa
fazer com que o entrevistado consiga descrever o máximo de sua contribuição, atentando-se em
respeitar o limite e o espaço de quem se dispôs a ser entrevistado. Para isso, também se faz
necessário uma boa fundamentação sobre a prática oral para que se atinja o objetivo, assim
como a utilização de escritores contemporâneos não só sobre história local, mas também
sobre memória, visto que se trata de realizar entrevistas, buscar registros de memorialistas e
biografias.
A memória se configura como traços, evidências, que a história, enquanto acontecimento
social/coletivo deixou no(s) indivíduo(s) (MONTENEGRO, 2001). Logo, a relação entre
memória e história na pesquisa historiográfica se dá quando o historiador, a partir do
depoimento oral, relaciona a memória individual ou coletiva como reflexo ou entendimento
de/sobre um fato ocorrido (MONTENEGRO, 2001). Quando se refere a semelhante questão,
pode-se observar, novamente em Le Goff (1994), que a memória tem um elemento afetivo
muito forte e normalmente atende a demandas do presente; já a história seria uma reconstrução
do passado que deve ser feita de forma crítica e com o respaldo teórico e metodológico, sujeita
ainda às análises de outros acadêmicos da área.

Em vista disso, a memória vista aqui é tida como elemento auxiliar para produção
historiográfica. Sendo a história o fruto da operação racional e a memória podendo ser uma
fonte historiográfica. Portanto, a fonte oral está ligada com a memória coletiva e,
simultaneamente, com a memória individual, mas diferente da tradição oral no próprio sentido
da palavra, não está ligado à uma prática cultural onde o indivíduo compartilha suas memórias
(HALBWACHS, 2013). Portanto, esta memória tida como um tipo de vestígio não pode ser
encarada como um discurso histórico, que segundo Bloch (1997) as ações humanas são
vestígios e o historiador não se limitará a papéis.

Então, neste sentido a memória é mais associada na atualidade, como uma fonte
histórica, um vestígio. Desta forma, a pesquisa será feita com a busca do que foi deixado de
vestígio deste passado que buscamos analisar, utilizando somente o necessário para os fins do
corte temporal e analítico para atingir os objetivos propostos. Sobre a objetividade, no que diz
respeito ao trabalho historiográfico, Le Goff afirma que: “A objetividade histórica, objetivo
ambicioso, constrói-se pouco a pouco através de revisões incessantes do trabalho histórico,
laboriosas verificações sucessivas e acumulação de verdades parciais” (1994, p.34). Sendo a
história uma busca por esclarecimentos e trabalhos que requerem métodos, é crucial que se
faça, nessa busca, indagações e formulações que gerem debates e que seja como a própria
história é, algo cronologicamente constante.

Tipologia de fontes

Portanto, a pesquisa terá o aporte tanto de fontes escritas como de fontes orais, entre
as escritas estão os diários oficiais, atas, jornais e literatura local e as orais serão a partir de
entrevistas com figuras com conhecimento do período proposto. Para isso, a pesquisa será
realizada nos municípios de Caetés, Paranatama e Garanhuns-PE. Nessas circunstâncias, serão
utilizados relatos orais através de entrevistas semiestruturadas com moradores dos respectivos
municípios. Para além disso, terá ainda fontes documentais em estabelecimentos como fóruns,
prefeituras, câmaras e os diários oficiais do Estado de Pernambuco que estão disponíveis no
site da Cepe. A pesquisa exigirá ainda buscas em portais de arquivo público e visitas
presenciais ao arquivo público de Pernambuco, localizado em Recife.

Cronograma

ANO 2022
ATIVIDADES Ja Fe M Ab M Ju J A S O N D
n v ar r ai n u go et ut ov ez
l
Frequência nas disciplinas do x x x x x x x x x x
Mestrado
Revisão do projeto x x x
Revisão bibliográfica x x x x x
Redação metodológica e x x
elaboração de roteiro das
entrevistas
Levantamento de fontes orais x x
Levantamento de fontes x x
escritas
Análise dos dados coletados x x x

ANO 2023
ATIVIDADES Jan Fev Ma Ab Ma Ju Ju Ag Se Ou No De
r r i n l o t t v z
Frequência nas disciplinas do x x x x x
mestrado
Redação de artigo para x
divulgação da pesquisa
Redação inicial da pesquisa x x x
Qualificação do projeto de x x
pesquisa
Redação final x x x x x
Apresentação em evento x x
científico
Entrega e defesa da x x
dissertação
Bibliografia

BEZERRA, Josineide da Silva. Novos municípios, velhas políticas: práticas de


emancipação distrital e estratégicas de reprodução política na Paraíba (1951-1965) Recife:
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. História, 2016.

BLOCH, Marc. Apologia da História, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2009.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da


Historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, 153 páginas. Tradução Nilo
Odalia. (Org); A escrita da história: novas perspectivas. Tradução: Magda Lopes.
São Paulo. Editora Unesp, 2011. p. 135-164.

CAVALCANTI, Erinaldo Vicente. 2009. Construções do medo: a ameaça comunista em


Garanhuns-PE (1958-1964). Recife: Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. História, 2009.

CRISTINO JUNIOR, Pedro Evânio Resende. Política, religião e educação: relações de


poder em Garanhuns (1955-1967) Recife: Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. História, 2016.

Diário oficial do Estado de Pernambuco. Cepe. 2020. Disponível em:


https://www.cepe.com.br/ Acesso em: 20/10/2020.

DONNER, Sandra Cristina. História Local: discutindo conceitos e pensando na prática. XI


Encontro nacional de História: O histórico das produções no Brasil. Rio Grande do Sul,
2012.

FIGUEIRA, Cristina Aparecida Reis. GIOIA, Lilian de Cássia Miranda de. Educação
patrimonial no ensino de história nos anos finais do ensino fundamental: conceitos e
práticas. São Paulo: Edições SM, 2012

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 24 ed. São Paulo. Edições Graal,


2007.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 4ª ed. Porto Alegre: Editora Globo,


1977.

GOMES JUNIOR, H. DE C. As eleições pernambucanas de 1962 e a violação da soberania


brasileira. Fronteira: revista de iniciação científica em Relações Internacionais, v. 14, n.
27e28, p. 32-52, 24 fev. 2017.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo:
Centauro, 2013.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.


Rio de Janeiro. Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
LE GOFF, Jacques. Memória. In: História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo


no Brasil. 7º edição. São Paulo: Companhia das letras, 2012.

MATTA, Giuliana de Cássia Pinto da. Os modos de fabricação das campanhas eleitorais:
Pernambuco (1950-1958). Recife: Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. História, 2013.
MINAYO, M. C. de S. (org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. 18 ed.
Petrópolis: Vozes, 2001.

MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral e memória: a cultura popular revisitada. 3ª


Ed., São Paulo: Contexto, 2001.

MONTENEGRO, Antonio Torres. História oral, caminhos e descaminhos. Revista


Brasileira de História – Memória, História, Historiografia, São Paulo, v. 13, n. 25/26, set.
1992/ ago 1993.

Pierre Bourdieu e o conceito de capital simbólico, 24 de setembro de 2013. disponível


em: https://prezi.com/6dnkahyckzl4/pierre-bourdieu-e-o-conceito-de-capital-simbolico/
acesso em: 12/09/2019.

REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2006.

RGOSANTIN, Janaína. MARCANTE, Sheron. Microfísica do poder e poder local. Revista


Brasileira de História & Ciências Sociais Vol. 6 Nº 11, Julho de 2014.

Você também pode gostar