Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
• A arte de julgar
• Métodos de análise
• Sociocrítica
• Semiótica
• Crônica
• Conto
• Como produzir uma autobiografia?
"Para sermos capazes de ler sentimentos humanos descritos
em linguagem humana precisamos ler como seres humanos
— e fazê-lo plenamente. Somos mais do que ideologia, sejam
quais forem as nossas convicções."
Harold Bloom, crítico literário estadunidense.
A arte de julgar
CONVENHAMOS, ninguém gosta de receber uma crítica, mesmo os mais
cordiais. Isso porque essa palavra carrega uma imagem negativa. Criticar tem
aparência de censurar, apontar imperfeições, ir contra algo ou alguém. Mas esse
sentido antagônico não tem nada a ver com o significado original do termo.
Que tal irmos às raízes do vocábulo para entendê-lo?
Do latim, adjetivo criticus: arte de apreciar, arte de julgar.
Viu só como a palavra mudou de cara? De um significado pessimista à
semântica artística. Na literatura, julgar não é (ou não deveria ser) censurar;
tampouco se colocar como inimigo de outrem. Ao contrário, é apreciar
multiplamente e criteriosamente um texto, mostrando outra visão sobre ele.
O crítico literário é um arqueólogo das palavras; que escava o solo verbal a
fim de encontrar e avaliar "peças" textuais que outros leitores não conseguem
avaliar por falta de habilidades ou conhecimentos técnicos.
Por isso, esse analista deve ser criterioso, sempre embasando suas correções em
conhecimentos específicos e objetivos, não subjetivos. Quem pretende analisar
um texto não pode deixar, mesmo sendo amador, que sua subjetividade ou gosto
guie completamente seus paladares textuais na hora da observação literária,
como disse um dos maiores críticos literários do Brasil:
"O estudioso da literatura ou mesmo um amador não pode
dispensar o conhecimento adequado dos aspectos externos,
porque não lhe basta sentir e gostar de um texto."
Antonio Candido
Claro, não estou dizendo que uma avaliação será 100% isenta das nossas
emoções ou ideologias, por mais neutro que seja um avaliador. Contudo, para
enxergar novas possibilidades, experimentar outros sabores literários ou sentir
novas sensações textuais é necessário distanciar-se um pouco de si, para lançar
um novo olhar sobre o texto. A imparcialidade e a justiça prestigiam qualquer
atividade humana, seja na literatura ou na área de atuação de quem me lê agora.
Mas a tarefa de quem avalia não é fácil. O analisador é frequentemente
incompreendido, e, como dito no início deste capítulo, muitas vezes o crítico
literário é visto como um inimigo pelo escritor avaliado. Entretanto, quem se
propõe a julgar qualquer coisa enfrentará essa barreira pessoal e social. E aquele
que não ceder à pressão de ter que agradar o desagradável — conseguirá
desenvolver e dar utilidade à sua função. Afrânio Coutinho, um renomado
crítico do nosso país, falou a respeito disso:
Por vezes, ele abusa. [...] Gosta de falar com o dedo em riste e
toma a palavra, sozinho, nas reuniões, fazendo de qualquer
auditório alheio uma aula própria. Os que assim procedem,
esquecem que, quanto mais o homem sabe, mais sabe que não
sabe...
Neste capítulo, você obterá o conhecimento básico para produzir e analisar
crônicas, contos e autobiografia.
Antes, porém, no próximo tópico, vamos estudar um pouquinho mais sobre as
diversas formas de ver um texto do ponto de vista analítico, isto é, algumas
correntes de críticas literárias existentes. Vamos lá?
Métodos de Análise
DESDE os tempos de Platão até os dias de hoje, as abordagens teóricas da
crítica literária se multiplicaram. Há vários métodos de pensar e analisar um
texto. De acordo com o livro "Crítica literária", alguns são:
Crítica da genética.
Crítica temática.
Crítica da consciência.
Crítica do imaginário.
Fenomenologia.
A teoria feminista.
A teoria pós-colonial.
Formalismo.
Estilística.
Estética da Recepção.
O discurso das minorias.
Psicanalítica.
Determinista.
Impressionista.
Crítica semiótica.
Sociocrítica.
Etc.
Você já conhecia essas linhas de análise literária? Percebeu como pode ser
ampla a visão de um crítico sobre um texto? Já pensou no especialista que
estuda cada uma dessas correntes, memorizando-as e aplicando-as ao seu
minucio trabalho de analisador? Esse ofício, muitas vezes malvisto, deve ser
árduo, não é mesmo?
Seja por fala de assunto ou por querer evidenciar o ato de redigir, o cronista
frequentemente fala sobre o ato de "cronicar", isto é, de escrever:
Se houvesse apenas um modelo de boa escrita, tudo seria
monótono e previsível no mundo literário. Compraríamos um
livro sem expectativas, pois esse seria uma mera cópia
linguística de outros. Qual a graça disso?
Escrever é transformar e desnudar a língua. É amar e brigar
com a gramática, é insultar e se encantar pela sintaxe. É
aprender novos vocábulos ou criar outros, é acompanhar ou
infringir a pontuação por questão de estilo; é explorar o
âmago numa luta bravia a apaixonante pelas palavras.
Escrever é correr; é suar em busca da expressão mais
adequada ao texto, para, depois de encontrá-la, apagá-la; ela
não era tão compatível assim. E recomeça o árduo ofício de
reescrever.
Desfragmentos, Elaine Rodrigues.
A crônica saltou das páginas de jornais para a internet. Hoje você pode redigir
crônicas históricas, descritivas, políticas, didáticas, literárias e humorísticas na
sua rede social e fisgar leitores que procuram textos breves, acolhedores e
inteligentes.
Conto
HÁ milhares de artigos na internet tentando explicar o que é um conto, esse
gênero literário sucinto e antiguíssimo (4.000 a.C.). Mas apesar de ser um texto
curto e mais direto, o conto, assim como a crônica, não é tão fácil de escrever,
pois ele possui características literárias sutis e bem diferentes do romance.
Contudo, nem por isso é um gênero literário inferior ou um subproduto do
romance. Ao contrário, veja a importância que Machado de Assis deu a essa
narrativa:
[O conto] é um gênero difícil a despeito de sua aparente
facilidade, e creio que essa mesma aparência lhe faz mal,
afastando-se dele os escritores e não lhe dando, penso eu, o
público toda a atenção de que ele é muitas vezes credor.
(Machado de Assis. Obras Completas, página 806)
Muito leitores têm vontade de escrever um texto literário, mas não sabem por
onde começar. E como o conto é uma narrativa mais “enxuta”, vale a pena
começar por ele. Então, aqui vão algumas dicas para a criação de um conto
literário.
1- Extensão textual: a narrativa é curta. O conto omite detalhes supérfluos e
precisa prender o leitor do começo ao fim, sem dar espaço para ele desistir da
leitura. Edgar Allan Poe, poeta e crítico literário americano, falou do efeito que
o conto precisa exercer sobre o leitor:
No conto, durante a leitura atenta, a alma do leitor está sob o
controle do autor, e não há espaço para nenhuma influência
externa […] podendo o conto ser lido de uma vez só.
Review of Twice-Told Tales, resenhas críticas de Edgar
Allan Poe.
2- Personagens: há poucas personagens. Se o conto tiver muitos personagens,
consequentemente ele terá muitas ações, e essa quantidade de eventos quebrará
aquele estado de tensão no qual o leitor precisa estar envolvido (falamos isso no
item anterior). Por essa razão, há uma quantidade limitada de personagens.
Veja o fragmento do conto O Trinfo, de Clarice Lispector:
O silêncio da casa estava explicado. Luisa estava só, desde a
sua partida. Tinham brigado. Ela, calada, defronte dele. Ele,
o intelectual fino e superior, vociferando, acusando‑a,
apontando‑a com o dedo. E aquela sensação já
experimentada das outras vezes em que brigavam: se ele for
embora, eu morro, eu morro. Ouvia ainda suas palavras.
‘— Você, você me prende, me aniquila! Guarde seu amor,
dê‑o a quem quiser, a quem não tiver o que fazer! Entende?
Sim! Desde que a conheço nada mais produzo! Sinto‑me
acorrentado. Acorrentado a seus cuidados, a suas carícias, ao
seu zelo excessivo, a você mesma! Abomino‑a! Pense bem,
abomino‑a! Eu…'
O Trinfo, Clarice Lispector.
Nesse conto, temos 3 envolvidos: Luisa, Jorge e o narrador. Além disso,
percebeu a velocidade do conto? Clarice estabelece uma atmosfera de tensão e
leva consigo o leitor em cada frase da narrativa, e isso o impede, geralmente, de
abandonar a leitura.
3- O espaço: o espaço é mais valorizado do que o tempo. Todo o enredo
acontece em apenas um local, como no exemplo do conto de Clarice, a narrativa
se passa somente na casa da protagonista. Isso ajuda a concentrar os elementos
da história.
4- O clímax literário: é o ponto mais alto da narrativa. E o autor já vai
deixando rastros desse momento desde o início do conto, assim, o leitor fica
curioso, “preso” aos acontecimentos. Repare como começa o referido conto de
Clarice:
O relógio bate 9 horas. Uma pancada alta, sonora, seguida de
uma badalada suave, um eco. Depois, o silêncio. […] Luísa
continua imóvel, estendida sobre os lençóis revoltos, os
cabelos espalhados no travesseiro. Um braço cá, outro lá,
crucificada pela lassidão. O calor do sol e sua claridade
enchem o quarto. Luísa pestaneja. Franze as sobrancelhas.
Faz um trejeito com a boca. Abre os olhos, finalmente, e
deixa‑os parados no teto.
O Trinfo, Clarice Lispector.
As características básicas do conto não são para restringir o escritor às regras,
ao contrário, elas são orientações para liberar a sua criação literária. As técnicas
não podem ser maiores que a criatividade e a liberdade de quem escreve. De
nada adianta decorar ou se prender às medidas do conto se o texto não tiver um
bom conteúdo? Ou como disse Machado:
Mas se você não tem tempo nem espaço para um livro gigante desse, melhor
aprender algumas técnicas básicas de escrita autobiográfica, assim, poderá
produzir seu livro de memórias ou escrever sobre a história de alguém.
Escrever uma autobiografia envolve desde os detalhes
sobre a sua vida, assuntos que irão transformar a
compreensão dos leitores sobre eles — e
provavelmente sobre você também — até encontrar o
tom textual que envolva e sustente a curiosidade do
leitor.
Jornal The Guardian, coluna de escrita criativa.
Traduzido e adaptado.
1) Prepare-se para um reencontro. Procure-se. Ache a criança, o jovem, o
adulto, o alegre, o triste, o vencedor e o vencido que está dentro de você. A sua
memória pode te ajudar nisso. Mas se ela falhar, recorra às fotografias, aos
familiares, aos amigos. Pesquise-se. Sem conteúdo as técnicas de escrita não
valerão de nada.
2) Seja livre. Primeiro, anote o resultado da sua pesquisa. Sim! Nesse
momento, não se preocupe com organização textual. Registre tudo: coisas que
marcaram sua infância e juventude, conquistas e fracassos… Ah! e por falar em
fracassos, não esqueça que é uma autobiografia, não uma ficção de super-herói.
Fale das suas dores e derrotas também, isso é vida real.
Mauricio de Sousa, por exemplo, apesar de ser um cartunista e empresário
brasileiro famoso, contou, na sua autobiografia, que nunca se formou no
ginásio. Ele já tinha sido reprovado 3 vezes, e, na quarta vez, foi preso no dia da
prova final.
3) Defina um propósito para sua autobiografia. Agora, depois de pesquisar e
anotar sobre sua história, você percebeu que ela pode ser vista sobre vários
pontos: profissional, religioso, emocional, psicológico, social. E aí? Vai falar de
tudo um pouco? Ótimo! Mas precisa ter um propósito para relatar os
acontecimentos, ou seja, uma linha ideológica que ligará um fato ao outro. Quer
ver um exemplo?
"Últimos dias" é o livro autobiográfico de Liev Tolstói, um dos maiores
escritores do mundo. A obra é um compilado de textos, que conta a sua história
desde a juventude até a fase adulta, e em cada parte do livro, ele destaca sua
espiritualidade e as crises existenciais pelas quais passou durante a vida. Isso é
ter um objetivo autobiográfico. Sem contar que o propósito também “prende” o
leitor na história.
4) Escolha os acontecimentos mais relevantes. Você já tem um objetivo para
o seu livro, agora é hora de pegar todas as anotações e ver quais se encaixam no
seu propósito. Não se trata de escolher fatos grandiosos e desprezar
acontecimentos pequenos. Se escrever sobre o animalzinho de estimação que
você ganhou na infância está de acordo com o seu objetivo autobiográfico,
escreva. Mas se aquela experiência profissional no exterior não tem nada a ver
com a direção do seu livro, nem pense em escrever isso.
5) Organize o texto. Agora sim! Estamos quase terminando o seu projeto. Que
máximo! É hora de relaxar. SóQueNão! Dedique tempo e ordene seu texto. Ele
pode ser organizado cronologicamente (de acordo com o tempo dos
acontecimentos) ou tematicamente (separando os fatos por temas relacionados).
Essas estruturas textuais te ajudarão a encontrar a uniformidade do seu livro e a
perceber partes que ainda precisam ser cortadas ou acrescentadas.
Pronto! O seu livro tá pronto! Viu só como é bom escrever sobre si mesmo?
Claro, é difícil no começo, ainda mais se você não tem o hábito da escrita, mas
eu garanto: vale a pena tentar. Pode ser que, no caminho, você queira desistir
do projeto.
Fazer uma autobiografia, na maioria das vezes, é emocionalmente desgastante e
fisicamente cansativo. Mas se você resolver parar, guarde seus escritos.
PeloAmorGente, não jogue fora a sua vida. Um dia, vai que você decide voltar a
escrever a sua história, e, quem sabe, ela pode mudar outras vidas — inclusive a
sua também.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLOOM, Harold. Como e por que ler? 1 ed. São Paulo: Objetiva, 2001.
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos
decisivos. 1 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2014.
COUTINHO, Afrânio. Crítica e teoria literária. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1987.
CURY, José Roberto Jamil. Alceu Amoroso Lima. Domínio Público.
Disponível em <
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4687.pdf> Acesso em: 8
de julho de 2019.
SILVA, Débora Teresinha Mutter da. et. al. Crítica Literária. 1 ed. Paraná:
Intersaberes, 2017.
SANTAELLA, Lúcia. Estética e semiótica. 1 ed. Paraná: Intersaberes, 2019.
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. 1 ed. São Paulo: Ática, 2006.
BENDER, Flora; LAURITO, Ilka. Crônica: história, teoria e prática. 1 ed.
São Paulo: Scipione, 1993
ASSIS, Machado de. Crônicas escolhidas. 1 ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2013.