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W. K. W IM S A T T E M . C. B EA RD SLEY
Do original “The Intentional fallacy”, in The Verbal icon, studies in the meaning of poetry
(1954), de W. K. Wimsatt Jr. The Noonday Press, Nova York, 1966,
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O direito da “intenção” do autor sobre o julgamento do crítico tem sido con
siderado em uma série de discussões recentes, em especial no debate intitulado
The Personal heresy, entre os professores Lewis e Tillyard. É, entretanto, duvi
doso que este direito e a maior parte de seus corolários românticos estejam
por ora sujeitos a qualquer questionamento mais difundido. Os presentes es
critores, em curto artigo intitulado “Intention” para um Dicionário^ de crítica
literária, levantaram a questão, mas foram incapazes de desenvolver suas im
plicações na devida extensão. Argumentamos que o desígnio ou a intenção do
autor não é nem acessível nem desejável como padrão para julgar-se o êxito de
uma obra de arte literária e nos parece que este princípio penetra em certas
desavenças na história das atitudes críticas. E um princípio que, aceitado ou
rejeitado, aponta para os pares opostos da “imitação” clássica e da expressão
romântica. Ela acarreta algumas afirmações específicas sobre a inspiração, a
autenticidade, a biografia, a história literária e a erudição, bem como certas
tendências da poesia moderna, especialmente sobre seu caráter alusivo. E difí
cil haver um problema de crítica literária em que a abordagem do crítico não
seja qualificada por suas idéias acerca da “intenção”.
Como entenderemos o termo, “intenção” corresponde a aquilo que se
pretendeu, a empregar uma fórmula que, de modo mais ou menos explícito,
tem tido ampla aceitação. “Para julgarmos a realização do poeta, devemos
conhecer o que ele tencionava”. A intenção é o desígnio ou o plano na mente
do autor. A intenção tem afinidades óbvias com a atitude do autor quanto à
sua obra, o modo como sentia, o que o fez escrever.
Com eçam os n ossa discussão com uma série de proposições esque-
matizadas e abstratizadas a um tal grau que nos parecem axiomáticas.
1. Um poema não passa a existir por acaso. As palavras de um poema,
como observou o prof. Stoll, não surgem de uma cartola mas de uma cabeça.
Insistir, contudo, no intelecto designante como causa de um poema não sig
nifica conceder ao desígnio ou intenção o papel de um padrão pelo qual o
crítico pode julgar o valor da realização do poeta.
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Não é tanto uma afirmativa histórica quanto uma definição dizer que a falácia
intencional é romântica. Quando um retórico do século I escreve: “O subli
me é o eco de uma grande alma” ou quando nos diz que “Homero entra nas
ações sublimes de seus heróis” e “compartilha a plena inspiração do combate”,
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iil
“Fui aos poetas; trágicos, ditirâmbicos e de todos os tipos. (...) Tomei algu
mas das passagens mais elaboradas de suas obras e perguntei-me sobre seu
significado. (...) Vocês me acreditariam? (...) E difícil que um dos presentes
não falasse melhor sobre a poesia deles do que eles próprios o fizeram. En
tão percebi que não é por sua sabedoria que os poetas compõem suas obras,
mas por uma espécie de gênio e inspiração.”
Esta reiterada desconfiança quanto aos poetas, que recebemos de Sócrates,
pode ter sido parte de uma visão rigorosamente ascética da qual é muito difícil
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doutros livros ali citados, possa melhor conhecer o poema. Mas teria pouca
relação com o poema saber que Coleridge lera Bartram. Há um amplo corpus
de vida, de experiência mental e sensorial subjacentes a cada poema e que, em
certo sentido, o provoca. Mas ele nunca pode e não precisa ser conhecido na
composição verbal e portanto intelectual que constitui o poema. Para todos os
objetos de nossa múltipla experiência, para cada unidade, há uma ação da mente
que arranca as raízes e dissolve o contexto. Do contrário, nunca teríamos ob
jetos ou idéias ou qualquer outra coisa sobre o que falar.
E provável que não haja nada no vasto livro do professor Lowes que
pudesse desacreditar a apreciação de qualquer pessoa quer de The Ancient
mariner, quer do “Kubla Khan”. Apresentaremos, em seguida, um caso em
que a preocupação com a prova de tipo (3) foi ao ponto de distorcer a visão
do crítico sobre certo poema (embora não seja um caso tão óbvio quanto os
que proliferam em nossas revistas críticas).
Em um conhecido poema de Joh n Donne, aparece este quarteto:
*0 movimento da terra causa males e terrores / Os homens estimam o que fez e indicou, / Mas
a trepidação das esferas, / Embora em grau muito maior, é inocente. (N. da T.)
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Ou, uma vez que cada regra para o poeta não passa do reverso de um julga
mento por um critico, e uma vez que o passado é o reino do estudioso e do
crítico, enquanto o futuro e o presente é o do poeta e dos críticos que lide
ram o gosto, poderíamos então dizer que os problemas que surgem na erudi
ção literária, a partir da falácia Intencional, se assemelham a outros que surgem
eo campo da experimentação progressiva.
A questão da alusividade, por exemplo, como perspicazmente posta pela
poesia de Eliot, é do tipo que leva a um julgamento falso a envolver ema
falácia Intencional. A freqüência e a profun didade das alusões literárias na
poesia de Eliot e de outros têm conduzido muitos a perseguirem significa
dos absolutos no Golden bough, de Frazer, e no drama elisabetano. Isso
chegou a tal pon to que já se tornou uma espécie de lugar-comum supor
que não sabemos o que um poeta quer dizer a menos que o recon stituamos
em sua leitura — suposição por certo Impregnada de Implicações Intencio
nais. A posição assumida por F. O. Mathlessen é eloglável e elimina parci
almente o problema: — “Se lemos estes versos escutando-os com atenção e
mostran do-n os sensíveis a suas repentinas mudanças de ritmo, o contraste
entre o Tâmisa real e sua visão Idealizada em uma época em que ainda não
atravessava uma megalópole, nos é fortemente transmitido por seu pró*
prlo ritm o, quer recon h eçam os ou não ser o estribilh o da au toria de
Spen cer”.
As alusões de Eliot funcionam quando as conhecemos e, em grande par
te, até mesmo quando não as conhecemos, através do poder de sugestão que
contêm.
Mas por vezes encontramos alusões apoiadas por notas. É uma questão
pertinente indagar se estas são como guias que nos conduzem para onde
possamos ser educados ou se operam como indicações auto-suficientes so
bre o caráter das alusões. “Quase tudo que tem importância (...) para uma
apreciação de The W aste lan d”, escreve Mathiessen sobre o livro de Jessie
Weston, “foi in corporado à estrutura do próprio poema ou às n otas de
Eliot.” E, admitindo-se isso, pode-se começar a ver que não importa muito
se Eliot inventou suas fontes (do mesmo modo como Sir Walter Scott in
ventou epígrafes de capítulos a partir de “antigas peças teatrais” e autores
“an ôn im os” e do mesmo modo como Coleridge escreveu glosas à margem
de The A ncient mariner). Alusões a Dante, Webster, Marvell ou Baudelaire
sem dúvida tiram proveito do fato de que estes escritores existiram, mas é
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*0 som das buzinas e motores, que trarão / Sweeney para a senhora Porter na primavera. (N. daT.)
**Quando, de repente, ouvindo, ouvirão / Um som de trompas e caçadas que trarão / Acteon
a Diana na primavera, / Onde todos verão sua pele nua. (N. da T )
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modo informativo, fornecer notas? Deve-se dizer em favor deste que pelo
menos as notas não fingem ser dramáticas, como seriam se escritas em verso.
Por outro lado, as notas podem parecer um material não assimilado, que
permanece supérfluo ao lado do poema, necessário para o significado do
símbolo verbal, mas não integrado, de modo que o símbolo fica incompleto.
Sugerimos por esta análise que, embora notas tendam a justificar a si mes
mas como índices externos à intenção do autor, devem, não obstante, ser
julgadas como qualquer outra parte da composição (o arranjo verbal específi
co a um contexto particularizado) e que, quando são assim julgadas, a sua rea
lidade como partes do poema ou sua integração imaginativa com o resto do
poema pode ser questionada. Mathiessen, por exemplo, encara os títulos de
poemas de Eliot e suas epígrafes como um aparato informativo à semelhança
de notas. Mas, enquanto se preocupa com algumas das notas e pensa que Eliot
“parece estar zombando de si mesmo ao escrever a nota, ao mesmo tempo que
deseja transmitir algo com ela”, Mathiessen crê que o “estratagema” das
epígrafes “de modo algum dá lugar à objeção de não ser suficientemente es
trutural”. Acrescenta ele, “a intenção é possibilitar ao poeta garantir uma ex
pressão condensada dentro do próprio poema”. Em cada caso, a epígrafe tem
o propósito de constituir-se em parte integrante do efeito do poema. E o pró
prio Eliot, em suas notas, justificou sua prática em termos de intenção: “O
enforcado, membro do baralho tradicional, serve a meu propósito de duas
maneiras: porque em minha mente se associa ao Deus enforcado de Frazer, e
porque o associo à figura disfarçada na passagem dos discípulos de Emaús na
parte V (...) O homem com três pentagramas (um membro autêntico do bara
lho Tarot) associo-o, com bastante arbitrariedade, ao próprio Rei pastor.”
Talvez o poeta deva ser aqui tomado mais a sério, mostrando-se assim
desarmado numa nota, do que deveria ser em suas Norton lectures (Con fe
rências de Norton), ao comentar sobre a dificuldade de dizer o que significa
um poema, jocosamente acrescentando que pensa pôr como introdução à
segunda edição de Ahs W ednesday alguns versos de Don Juan :
*Não finjo que entendo bem / Meu próprio significado quando estou muito bem, / Mas o fato
é que não tenho nada planejado / A menos que fosse uma alegria passageira. (N. da T.)
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Deste modo, para o leitor até certo ponto familiarizado com a poesia de
Donne, surge uma questão crítica: o verso de Eliot é uma alusão ao de Donne?
Estará Prufrock pensando em Donne? Estará Eliot pensando em Donne? Suge
rimos que há duas maneiras radicalmente diversas de buscar uma resposta a
esta pergunta. Há (1) o modo da análise poética e da exegese, que se indaga se
faz algum sentido o fato de Eliot-Prufrock estar pensando em Donne. Numa
parte anterior do poema, quando Prufrock pergunta:
suas palavras extraem parte de sua tristeza e ironia de certos versos enérgi
cos e apaixonados de Marvell, em “To his coy mistress” (A sua pudica aman
te). Mas o exegeta pode-se indagar se o fato de as sereias consideradas como
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Tradução e revisão
Lu iz a Lo bo
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Notas
1. Dictionary of world literature, Joseph T. Shipley (org.), Nova York, 1942, pp. 326-9.
2. J. E. Spingarn, “The New criticism”, in Criticism in Am erica, Nova York, 1924,
pp. 24-5.
3. Ananda K. Coomaraswamy, “Intention”, in American bookman, 1 (1944), pp. 41-48
4. E verdade que o próprio Croce, em seu Ariosto, Shakespeare an d Corneille, Lon
dres, 1920, cap. VII, “The Practical personality and the poetical personality”, e
em seu Defence o f poetry, Oxford, 1933, p. 24 e noutros lugares, cedo e tarde
atacou com eficácia o gen eticismo emocion al. Mas a prin cipal in clinação da
Aesthetic, é, sem dúvida, em favor da intencionalidade cognitiva.
5. Ver Hughes Mearns, Creative youtb, Garden City 1925, esp. 10, pp. 27-29. A técni
ca de poemas por inspiração foi, aparentemente, há pouco superada pelo estudo da
inspiração em poetas e outros artistas bem-sucedidos. Ver, por exemplo, Rosamond
E. M. Harding, An Anatomy o f inspiration, Cambridge, 1940; Julius Portnoy, A
psycbology ofart creation, Filadélfia, 1942; Rudolf Arnheim e outros, Poets at work,
Nova York, 1974; Pryllis Bartlett, Poems in process, Nova York, 1951; Brewster
Chiselin (org.), The Creative process: a symposium, Berkeley e Los Angeles, 1952.
6. Curt Ducasse, The Philosopby o f art, Nova York, 1929, p. 116.
7. E a história da palavra, depois de um poema ser escrito, pode contribuir com sig
nificados que, embora importantes à matriz original, não deveriam ser eliminados
por um escrúpulo quanto à intenção.
8. Os caps. VII, “The Pattern” e XVI, “The Known and familiar landscape”, serão
considerados de máxima ajuda para o estudioso do poema.
9. Charles M. Coffin, John Donne and the new philosophy, Nova York, 1927, pp. 97-98.
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